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Memória Roda Viva

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Nicholas Negroponte

10/1/2000

No primeiro programa da televisão brasileira transmitido online, via internet, o pesquisador do MIT, e autor do projeto de laptops com custo de 100 doláres, falou das transformações comunicacionais e das novas formas de aprendizagem

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Paulo Markun
: Boa noite. Ele é um guru internacional da computação e um dos mais importantes estudiosos da vida digital, dos rumos que a tecnologia vai seguir e das mudanças que isso pode provocar na vida das pessoas e das empresas. O Roda Viva entrevista, esta noite, Nicholas Negroponte, diretor do Media Lab, o Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachussets [MIT - sigla em inglês], nos Estados Unidos [Negroponte desligou-se, em 2005, do MediaLab-MIT depois de lançar o projeto de um laptop para fins educacionais cujo preço alvo é 100 dólares, e criou a organização One Laptop Per Child (OLPC), com atuação inclusive no Brasil durante o governo Lula]. Professor, empresário, ideólogo da informática, Nicholas Negroponte foi quem primeiro detectou a tendência da televisão e do rádio se difundirem por cabos, e da telefonia mudar para um sistema sem fio. Ele também foi um dos primeiros a falar que a televisão a cabo, o telefone e o computador se juntariam em um novo modelo de entretenimento e de comunicação. Começaram aí os chamados sonhos digitais. Para entrevistar o diretor do Media Lab do MIT, Nicholas Negroponte, nós convidamos Rodrigo Mesquita, diretor da Agência Estado; Marcelo Tas, apresentador do programa Vitrine, aqui da TV Cultura; Carmem Sílvia Maia, diretora de desenvolvimento tecnológico da Universidade Anhembi Morumbi; Luciane de Paula Schermann, diretora de relações internacionais da Universidade São Marcos; Paulo Henrique Amorim, apresentador do programa Conversa Afiada, da TV Cultura; Graciliano Toni, diretor-adjunto de conteúdo do Universo Online; e Wilson Moherdaui, diretor editorial do jornal Informática Hoje. O Roda Viva desta noite está sendo gravado e sua transmissão é feita em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. A gravação deste programa foi, pela primeira vez, acompanhada via internet por centenas de telespectadores, alguns até do exterior. Através de seus microcomputadores, eles acessaram a página do Universo Online e também da TV Cultura para assistirem à gravação do Roda Viva e enviar e-mails com perguntas ao nosso convidado. Boa noite, Nicholas Negroponte. Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer a sua presença aqui. Eu sei que o senhor está fazendo um esforço nesse sentido, em função da sua agenda, e eu confesso que, para a TV Cultura, é uma honra tê-lo aqui. Como eu disse agora há pouco, essa é a primeira vez, pelo menos aqui na televisão brasileira, em que um programa gravado vai ao ar online, ao vivo, via internet. E eu também admito que isso foi resultado da leitura que eu fiz do seu livro [Vida digital], onde o senhor diz que as redes de televisão e as redes de computador são muito diferentes e são comandadas por pessoas que pensam diferente. O senhor acha que essa distância entre as redes de TV e de computadores vai diminuir?

Nicholas Negroponte: As diferenças técnicas entre a TV e a internet desaparecerão. A televisão fará parte da internet e, quer as pessoas saibam ou não, daqui a dez anos, quando ligarem a TV, elas estarão na internet. Mas o conceito de transmissão e de divulgação de histórias - ter uma história para contar e pessoas querendo ouví-la - não mudará. Pode-se dizer que a internet, como a conhecemos hoje, é muito mais um meio de comunicação de pessoa para pessoa. E a televisão é de um ponto para muitos pontos. As duas irão conviver. Por acaso, usarão o mesmo canal, que será a internet.

Paulo Markun: Muita gente, os mais jovens... Meu filho, por exemplo, que tem 14 anos, passa horas ao dia diante do computador. Chegou a passar, em alguns dias, 12 horas. Até o ponto em que eu tive que interferir pra que ele também fizesse outras coisas. E imagino que ele esteja agora na frente do computador acompanhando essa transmissão. A minha geração passava horas diante da televisão. E a minha mãe e o meu pai faziam esse mesmo tipo de advertência em relação à minha insistência de assistir televisão. O senhor acha que esse é um caminho irreversível? Ou seja, que as pessoas vão passar cada vez mais tempo diante da... Porque ele passa o tempo no computador na internet, em grupos de bate-papo, em jogos eletrônicos, ou outras atividades, e não vendo televisão no computador. O senhor acha que essa tendência vai acontecer? Que tempo a internet e os meios de comunicação vão ocupar na vida das pessoas?

Nicholas Negroponte: Para começar, uma criança não deve passar 12 horas fazendo uma coisa só. Faz parte do papel dela fazer muitas coisas. Mas é curioso que, quando uma criança passa muito tempo na internet, os pais se preocupam. Eu acho desnecessário. Se a criança passa muito tempo ao piano ou muito tempo lendo um livro, os pais não se preocupam tanto. Há um duplo padrão curioso. É muito melhor passar o tempo na internet do que vendo TV. Eles têm sorte que seja assim. A audiência televisiva, especialmente a infantil, cairá significativamente. Já caiu muito, e isso não é relatado de forma adequada em termos de como a criança pequena vê TV atualmente. Da mesma forma que os jovens não lêem jornais do modo como os mais velhos liam jornais. Há uma disputa pela atenção, e boa parte da atenção das pessoas, no lazer e no trabalho, será dedicada à internet. Não significa que não serão as histórias que estão nos jornais ou na TV, mas será na internet.

Paulo Henrique Amorim: Mr. Negroponte, o presidente do Banco Central americano [Federal Reserve, Fed], Alan Greenspan [1926-, economista norte-americano que presidiu o Fed de 1987 a 2006, e cujo mandato ganhou destaque nos anos 90 com o rápido crescimento econômico devido ao avanço da internet e das chamadas empresas virtuais dot-coms], recentemente admitiu, depois de muita resistência, que a economia americana está num patamar de crescimento econômico sólido e sustentado devido aos ganhos com inovações tecnológicas. E ele atribui à internet um papel decisivo nesse continuado crescimento da economia americana que ele chama de um crescimento sólido e duradouro por causa da tecnologia. Como é que um país cresce por causa da internet?

Nicholas Negroponte
: A melhor forma de um país crescer, por meio da internet, é pela educação. Não há forma melhor para um país se desenvolver do que a educação, em especial, a educação básica. Tudo o mais vem em seguida. É um investimento a muito longo prazo. Quando se investe em educação básica, os resultados vêm em 15 ou 20 anos. Um investimento de prazo mais curto está, por exemplo, no comércio eletrônico, atraindo setores da população que podem não ter sido tão empreendedores quanto... Os pais podem não ter sido tão empreendedores quanto os filhos. O que se vê em países em desenvolvimento são pessoas aproveitando-se da internet de forma mais agressiva que seu equivalente no mundo desenvolvido. Isso contraria a lógica, mas acontece porque há muito valor envolvido nisso tudo. Eu acredito muito que, em um curto período, em menos de 14 meses, metade da população da internet será do mundo em desenvolvimento. Ninguém mais acredita nisso agora. Ela é considerada domínio americano e, em breve, também de domínio europeu. Acho que não é verdade. Pelo menos, metade dos usuários de internet será do mundo em desenvolvimento.

Paulo Henrique Amorim: Mas por que os países em desenvolvimento têm essa sede de internet? Como é que o senhor explica isso?

Nicholas Negroponte: Porque o retorno é muito alto. Se você está em uma posição confortável, em uma posição satisfatória, não assumirá riscos. Não tentará, quer seja na educação ou no comércio, fazer coisas que ponham em risco essa satisfação. O ministro da Educação da França ou da Alemanha fará pequenas mudanças. Se falarmos de um ministro aqui, no Brasil, há tantas necessidades, é preciso fazer grandes mudanças. Há uma tendência natural de se ousar mais. Eu vejo isso acontecendo de modo mais agressivo nos países em desenvolvimento.

Marcelo Tas: Professor Negroponte, eu não sei o quanto o senhor conhece a cultura brasileira, mas tem uma palavra extremamente relacionada com a cultura brasileira diante da tecnologia e que eu gostaria de contar para o senhor. Chama-se gambiarra [riso] Não sei nem se é traduzível essa palavra, talvez gambiarra [fala com sotaque norte-americano] seja o mais próximo! Mas é a gambiarra uma saída criativa de um povo que tem poucos recursos diante da tecnologia. Então, aqui no Brasil, tem muita gente que consegue capturar televisão em lugares em que seria impossível, com uma bacia, ou com um pedacinho de bombril na antena da televisão. E muita gente tem se virado e feito coisas incríveis nas favelas brasileiras e nas... Enfim, são projetos que têm crescido bastante aqui justamente nas camadas mais pobres da nossa sociedade. O senhor acha qual é... Como que um povo pode exercitar essa habilidade, essa criatividade, diante de um mundo tão competitivo que é o mundo da tecnologia, que obriga geralmente o Brasil e outros países subdesenvolvidos... São usados para despejar computadores que já não são muito atuais, enfim. A gente vive geralmente na contra-corrente das tais inovações. Como que um povo que tem criatividade deve se comportar diante dessa aparente velocidade insaciável das indústrias da tecnologia?

Nicholas Negroponte: Primeiro, você tem que entender o quanto da situação atual é artificial. Os custos são artificiais, em termos de telecomunicações e computadores. No momento, há um desequilíbrio, no qual as pessoas não têm acesso à tecnologia, mas poderiam ter num futuro muito próximo. Talvez se possa aproveitar os aparelhos de TV e transformá-los em uma janela para a internet. Pode-se olhar para a telefonia celular, pode-se olhar para outras plataformas. Não precisa ser um caro computador pessoal. Se houver maior penetração, maior acesso, os jovens verão as oportunidades naturalmente. É a analogia com o fato de, há 50 anos, a pessoa se mudar para a cidade em busca de emprego. Agora não se muda para a cidade, muda-se para o mundo digital. E encontram-se oportunidades e uma promessa, ou uma esperança, que, em si mesma, gera energia para novas idéias, empreendedores e pessoas que trabalham com outras de uma forma que não existia no passado.

Marcelo Tas: O senhor conhece algum país que está conseguindo fazer isso? Assim, a Índia que é um país que, por exemplo, tem bastante engenheiros que conseguem se relacionar com a ... Tem algum país que está conseguindo fazer essa transferência mesmo diante de uma situação desfavorável economicamente?

Nicholas Negroponte: Os países que chegaram perto disso são países que tendem a ser menores. A Costa Rica é um bom exemplo na América Latina. No sudeste asiático, Cingapura é um exemplo, embora seja um pouco artificial. Nos países maiores, com mais de 20 milhões de habitantes, outras questões estão envolvidas. A escala do problema, a capacidade de controle, torna as coisas mais difíceis. Países como China, Índia, Indonésia estão lutando com o problema. Mas levará mais tempo para isso acontecer que em países menores, onde se pode lidar com um problema controlável.

Rodrigo Mesquita
: Nicholas, a gente pode dizer que, de certa forma, a internet é a rede das redes. Embaixo dela você tem redes ligando setores econômicos, universidades, enfim. Quer dizer, o mundo está matizado e a internet é a ponta do iceberg. Nós estamos num processo que é uma revolução que, num certo sentido, provocou uma segunda revolução ainda mais mal compreendida que é a revolução das relações entre pessoas e das pessoas como cidadãs, como agentes econômicos. Eu queria que o senhor me falasse um pouco como que você vê o impacto desse processo de mediatização da sociedade nas estruturas de poder político, especialmente nas estruturas de poder das empresas, que de certa forma são ainda mais centralizadas, mas hierarquizadas que os sistemas políticos democráticos. Como é que o senhor vê isso? Como é que o senhor imagina o futuro em função dessa realidade?

Nicholas Negroponte: Como você sabe, a internet tem um efeito de achatamento. Ela pega as hierarquias e as achata. E, também, é inimiga da centralização. Numa organização muito centralizada, a internet, de certa forma, não é bem-vinda. De fato, em sociedades centralizadas, há uma adoção mais lenta da internet. Às vezes o próprio governo tenta não deixá-la entrar de forma alguma, ou retardar esse processo. Todo o conceito de descentralização e a busca da ordem em algo que não é hierárquico... E em todas as nossas estruturas sociais e nas estruturas corporativas, o modo como sabemos organizar - não quero dizer o único modo, mas quase o único modo como sabemos organizar - é estabelecer uma hierarquia, com um sistema bem definido, no qual sabemos quem está no comando. Não é assim que a natureza funciona. Não existe o mesmo tipo de hierarquia. É uma rede mais distribuída, com coisas acontecendo localmente, mas com a ordem saindo do todo. É isso que irá acontecer com as empresas e no modo como as sociedades funcionam. Haverá um período de transição, nos próximos 15 anos, de uma estrutura unicamente hierárquica para outra que seja mais descentralizada.

Rodrigo Mesquita: Mesmo considerando a economia americana, o senhor acha que as empresas americanas estão conscientes disso, já? Esse processo já se iniciou?

Nicholas Negroponte: Provavelmente, a cultura americana está ciente em um nível, mas não em outro. O povo está ciente disso, no sentido de que é um país que olha para parte do caos como sendo de onde vem a criatividade, de onde vêm as diferenças, onde, de certo modo, as pessoas buscam sua imaginação, ao contrário de uma sociedade mais disciplinada, mais bem definida. Por outro lado, os Estados Unidos não têm uma visão muito global. É seguro dizer que, no Brasil, há uma tendência maior para lidar com sistemas distribuídos de modo muito criativo. E acho que, na cultura, se chegará ao mundo digital naturalmente. No extremo oposto, temos a Alemanha, China ou Japão, com um mundo mais disciplinado e rígido, com demarcações mais claras de quem está no comando. Provavelmente, se colocarmos a China numa ponta e o Brasil na outra, os Estados Unidos estão no meio.

Wilson Moherdaui: Negroponte, você tocou num ponto que eu acho importante dessa tremenda revolução que representa, sem dúvida nenhuma, a internet, que é a centralização. Na verdade, a internet representa uma forma de democratização do acesso ao conhecimento a um número cada vez maior de cidadãos no mundo. Mas, como toda revolução, ela traz embutida nela alguns elementos que acabam atropelando o cidadão comum que se aproxima dela de uma forma pouco preparada, pouco elaborada. O pensador italiano Umberto Eco [(1932-), mundialmente conhecido por seus ensaios sobre a estética medieval, a cultura de massa e a semiótica, além de autor dos romances O nome da rosa (1980) e O pêndulo de Foucault (1988)] disse numa entrevista que a internet... Ele chegou ao extremo de dizer que a internet representa uma diminuição drástica da informação porque cada vez que ele pede uma determinada bibliografia ele recebe 10 mil títulos diferentes e, portanto, isso não serve de nada para ele. Esse eu acho que é um ponto importante pra um usuário comum da internet. Eu acho que muitos de nós já passaram por isso, por essa situação de se ver diante de um volume inadministrável de informações. Existe uma fórmula de se selecionar a informação que interessa daquela que é descartável? Aquilo que a gente deve ler e aquilo que a gente deve simplesmente jogar fora? Tem uma fórmula pra isso?

Nicholas Negroponte: A fórmula de se filtrarem informações não é como Umberto Eco acredita ser. Não é o modo que a maioria das pessoas defende, ou seja, com uma autoridade decidindo o que é um conjunto de informações com uma certa qualidade e autenticidade. Não será assim no futuro. No futuro, continuaremos tendo um ambiente muito ruidoso na internet. E o modo de localizar sinais no meio desse ruído será através de pessoas com interesses comuns, compartilhando suas opiniões sobre o que alguém diz. Se eu gostar de uma história que alguém escreveu - não importa se é escritor, jornalista ou adolescente - se eu expuser isso, de algum modo, dizendo que gosto da história, você pode descobrir que temos interesses comuns e poderá pedir a mim, ao meu sistema, recomendações de outras histórias. E, com essa rede crescendo, as pessoas estarão filtrando histórias umas para as outras, de um modo bem diferente de ter uma autoridade, como um crítico de restaurantes. Não sei quanto a você, mas quando eu visito uma cidade, não leio um livro que diz qual é o melhor restaurante. Pergunto a um amigo que more na cidade ou que viaje muito. Mas conheço as pessoas para confiar na recomendação delas, e elas me conhecem. É um modo diferente de se obter a indicação, e isso também acontecerá com o conteúdo da internet.

Wilson Moherdaui: Você acha que, no ambiente da internet, que é, essencialmente, originalmente, um ambiente anárquico, existe uma fórmula, existe um jeito de as pessoas se organizarem? Me lembro de uma palestra sua que você pediu para a platéia começar a bater palmas aleatoriamente. E as pessoas começaram a bater, cada uma no seu ritmo e em alguns segundos estavam todos batendo palmas no mesmo ritmo, na mesma velocidade. Você usou esta imagem para dizer sobre a tendência do ser humano de se organizar de alguma forma. Fazendo um paralelo com a internet, isso significaria que as pessoas dentro da internet, desse ambiente anárquico, achariam um jeito de se organizarem, de buscar informação. Isso é um movimento espontâneo que a gente deve esperar anos que aconteça? Ou é possível, sem nenhum autoritarismo, que haja alguma intervenção na condução desse processo externa à internet?

Nicholas Negroponte: O motivo de usar o exemplo das palmas foi para mostrar que todos na platéia podiam entrar em sincronia em poucos segundos sem um coordenador. Não havia um coordenador. E tentar organizar algo sem lembrar-se disso é um erro. A internet não é tão desestruturada, mas sua estrutura é diferente para todos os tipos de pessoas em diferentes condições. E o modo de estruturá-la para si mesmo é ter tantos pontos de vista diferentes e tantos modos diferentes de se entrar nela. Seria um erro imaginar que é necessário estabelecer uma regulamentação no plano federal, ou nomear autoridades para ler antecipadamente as informações, classificando-as em boas, más ou indiferentes. Vai funcionar de modo muito diferente. Será muito mais como as palmas e o modo como a natureza funciona.

Carmen Sílvia Maia: Professor Negroponte, na área educacional a gente tem visto um verdadeiro boom, um desenvolvimento muito grande de cursos à distância utilizando a internet. A gente trabalha no desenvolvimento de ambientes virtuais de aprendizagem usando as tecnologias interativas da rede para estar democratizando [faz sinal de aspas com os dedos] o ensino e abrindo novas portas. Eu queria saber como é que o senhor vê esses cursos online. Qual é a perspectiva de futuro quando a gente sabe que ainda é uma tecnologia que está emergindo? Os alunos têm várias queixas, em geral... Quem pesquisa ensino à distância usando tecnologias interativas costuma valorizar muito a parte tecnológica e esquecer um pouco a parte do ensino e da aprendizagem. E esquecer um pouco até do aluno que está lá do outro lado recebendo essa informação. Eu queria saber como é que o senhor vê o desenvolvimento desses ambientes virtuais de aprendizagem. E se existe algum modelo ou algum sistema que já esteja mais desenvolvido e que não tenha recebido tantas queixas e frustrações desses alunos virtuais.

Nicholas Negroponte: Há dois extremos, digamos assim, talvez não sejam tão diferentes. Um é focalizar-se na palavra ensinar. Como ensinamos as pessoas, como multiplicamos professores, como criamos currículos, como criamos os materiais e como os levamos ao maior número de pessoas possível. No outro extremo, está o aprendizado. Como fazer com que as pessoas joguem com as informações, que aprendam física do mesmo modo que aprendem futebol. Para se ter um fenômeno mais natural. Minha tendência é em direção ao segundo. Em ver como os computadores, como a própria internet permite que as crianças estejam mais no controle, que construam coisas e aprendam com isso. É diferente de serem ensinadas. Não significa que não ache que as pessoas devam ser ensinadas ou devam aprender assim. Estou especialmente interessado em como as pessoas podem aprender fazendo. Foi assim que todos nós aprendemos nos primeiros cinco, seis anos de vida. E, de repente, nos dizem que, nos 12 anos seguintes, será diferente, que seremos ensinados. A mudança realmente interessante é que os computadores tornarão isso contínuo. Haverá mais gente aprendendo ao fazer. Quando eu ouço falar de projetos de aprendizado à distância, que as pessoas reclamam da tecnologia, ou não a usam, considero-o parte dos riscos de se fazer isso. No sentido de que pode ser ineficaz: às vezes o sinal da tecnologia será mais forte que o conteúdo em si. Mas estou mais otimista quanto ao uso da tecnologia, para que as crianças tenham acesso e, de certo modo, sejam professoras. Pensar no aluno como sendo o professor e no computador como sendo o aluno. Aprender ensinando. Os dois não são tão separados quanto descrevo, mas estou mais otimista quanto ao segundo.

Paulo Markun: Nós vamos fazer um rápido intervalo e o Roda Viva com Nicholas Negroponte volta já.

[Intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, hoje entrevistando o professor Nicholas Negroponte que é o diretor do Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachussets. Este programa foi gravado e teve sua realização acompanhada em tempo real via internet por centenas de computadores conectados ao site Universo Online e também ao site da TV Cultura. E através, justamente, do endereço eletrônico, nós estamos recebendo perguntas para o Nicholas. Eu começaria aqui com duas questões. A primeira é de Beatriz Bretas, professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Ela pergunta o seguinte: diante da ausência de limites territoriais e do surgimento de novas formas de compartilhar o tempo a partir do uso crescente da internet, como fica a idéia de vizinhança para o indivíduo? Seria possível, em outras palavras, falar de vizinhança no ciberespaço?

Nicholas Negroponte: O ciberespaço tem vizinhanças, sim. Elas apenas não são físicas. E uma das coisas que aprendemos nos últimos anos é que o que conhecemos no espaço e no tempo, se estou perto de alguém fisicamente, ou no mesmo fuso horário, está deixando de ser a única forma de organização. Podemos nos organizar em grupos de afinidade, com pessoas em lugares diferentes, no mundo todo. Isso está cada vez mais forte. As pessoas passam muito tempo lá e, às vezes, isso nos preocupa. Achamos que pode prejudicar a socialização das crianças e que elas podem ficar introvertidas. Mas está ocorrendo o oposto. Quando as pessoas, especialmente as crianças, passam tempo nessas comunidades, elas saem socialmente mais aptas.

Paulo Markun: A pergunta que vem também de Edinha Lira através da internet... ela pergunta o seguinte: como o senhor vê a relação entre os jornais online, os jornais postos na internet, e suas versões impressas? E se, na sua opinião, o jornal online vai ser a solução para esse oceano de informações em que nós nos encontramos e que vai algum dia acabar com o suporte impresso. Ou seja, aquele jornal que a gente está acostumado a abrir no café da manhã vai finalmente algum dia desaparecer?

Nicholas Negroponte: Bem, jornal, "newspaper" em inglês, tem a palavra "papel" embutida. O que vai desaparecer é o papel, não as notícias. E a divulgação das notícias se dará de outras formas, sem árvores mortas. A divulgação será de muitas formas diferentes. Será em coisas parecidas com papel, mas que serão eletrônicas. Será por outros meios de comunicação, áudio ou vídeo. Várias formas diferentes de divulgar notícias. E uma vez difundida eletronicamente, você poderá personalizar, filtrar, fazer coisas que não podia fazer antes. Não vai acontecer de os jornais acabarem e outra coisa surgir no lugar deles. Aqueles que publicam os jornais divulgarão as notícias de forma variada. E, por enquanto, nos próximos três ou quatro anos, o modo mais econômico pode ser ainda o papel. Ele dominará esse curto período. Mas, em algum tempo, acabará havendo outras formas. Eu recebo muito poucas notícias por meio de papel. Na minha vida quase não há papéis, quase não leio papéis. Admito que é algo propositado, disciplinado. Mas eu vejo tudo caminhando para essa direção. 

Paulo Markun: Eu, como muitos jornalistas, sou acostumado a ler notícias no jornal. Como começo de trabalho, de serviço, digamos assim. E o que eu não consigo localizar, na internet, nos vários meios que oferecem notícia hoje com muita rapidez e muita eficiência, sem dúvida, é a questão da hierarquia da notícia. Quando eu pego uma página de jornal - e qualquer leitor de jornal sabe disso - é possível, pela posição das notícias, por quem está assinando aquela notícia, pela foto que está anexada e pela disposição na página, saber se aquele jornal considera essa notícia importante ou não, se considera que essa notícia é parcial ou não, etc. Na internet, pelo menos nas versões que eu conheço disponíveis, isso não existe. O usuário é que faz essa escolha. E aparece diante dele um leque de notícias. Muitas vezes, apenas pelo título tão grande que torna-se difícil enxergar essa hierarquia, pelo menos enxergar essa hierarquia que aquele jornal determinou. Isso é possível de ser resolvido, na sua opinião?

Nicholas Negroponte: Você está descrevendo duas coisas ao mesmo tempo. Uma é que você nunca viu um jornal impresso num papel deste tamanho [mostra o tamanho de uma tela de computador com as mãos]. Mas os computadores têm telas deste tamanho. O verdadeiro tamanho de um jornal, quando você o abre, tem diante de si um campo de visão muito amplo, E pode-se usar manchetes e fotos para olhar tudo muito rapidamente. E se eu estiver interessado em descobrir coisas ao acaso, em saber o que não sei, em entender as relações e os valores que as pessoas colocam na qualidade e importância da matéria, esse é um modo fantástico de fazê-lo. E o formato grande é muito apropriado. Por outro lado, quando leio um jornal, a coisa mais irritante é ver as ações. Vejo aquele tipo minúsculo, que nem consigo ler, desço a lista, procurando ações que me interessam. É algo muito estúpido. Para começar, muita gente nem vê as ações. É um desperdício de papel. E, se você procura ações, só vê algumas. Então é ótimo ter, no seu sistema online, as ações que procura com as matérias jornalísticas relacionadas. Esse é um exemplo online perfeito, porque não é ao acaso. Não estou querendo saber... Tenho uma missão bem direta quando olho a lista das ações. Pegue esses dois tipos de experiência e façam uma fusão. Poderá ter a qualidade de um sistema online para ser capaz de se concentrar nas coisas que quer saber. E também aprender com os jornais. Aprender com novas tecnologias para exibição e novas tecnologias com softwares emulando o que um jornal faz. Aprender com elas para ajudar na parte do acaso, na coleta de informações e no consumo.

Wilson Moherdaui: A propósito disso, Markun, desculpe [interrompendo Markun], eu gostaria de saber como anda o projeto do Media Lab do MIT, do jornal eletrônico. Você falou várias vezes disso há alguns anos, eu me lembro. Mas, depois, eu perdi um pouco o pé desse processo. Aquela idéia de fazer o jornal com características... Um jornal eletrônico com características muito próximas da mídia impressa, do jornal impresso. Como é que está esse projeto? Ele prosperou? Você desistiu da idéia? Como é que é?

Nicholas Negroponte: Em uma parte do laboratório, nós desenvolvemos um jornal eletrônico. Criamos um material que é baseado no papel, mas é uma tela de computador. Nós trabalhamos na tecnologia para fazer isso parecer com papel. E acho que podemos fazê-lo com um custo baixo para podermos ter várias folhas disso reunidas em algo que pareça um livro. As páginas estarão em branco e você poderá baixar qualquer livro para ele e, quando terminar de ler, poderá baixar outro livro. Esse é um lado da história. Outro lado é tentar construir um sistema inteligente o bastante para ler as histórias para você. Ele poderá reunir notícias compreendendo o conteúdo. Esse é um projeto de muito mais longo prazo. Compreender o conteúdo ainda está muito distante.

Rodrigo Mesquita: Nicholas, ainda dando seqüência a essas questões abertas pelo Markun, o senhor acha que é possível, num prazo de tempo curto, a gente poder entrar na internet... Olha, eu quero ver a opinião de tal jornal ou de fulano de tal, notícias sobre futebol de uma outra empresa, ou o show de televisão de fulano e ciclano tal horário, e as ações da bolsa, tais ações em tal horário... e você ter isso para você ver no horário em que você quiser e não quando você está sendo obrigado a ir atrás de um meio, que você planeja para ele fazer o download desses materiais às duas horas da tarde e você entrar, imprimir, ou ver no screen tudo isso. É uma coisa maluca ou é uma coisa que nós estamos nos aproximando cada vez mais?

Nicholas Negroponte: Estamos muito próximos disso. E um dos testes, um modo de se perguntar o quão próximos estamos, é quando as pessoas viajam ou se sentem expatriadas em algum país. Se você é brasileiro e mora em Nova York, não pode ter o seu jornal de manhã, então vai acessar um website. E o índice de acessos de jornais por pessoas fora do país é um teste para o uso desse acesso em sistemas online. E nós trabalhamos perto de você e sabemos que há um futuro muito próximo onde as pessoas consumirão notícias online em tempo real. Isso está acontecendo cada vez mais.

Paulo Henrique Amorim: Senhor Negroponte, me permita fazer uma pergunta muito rápida e muito prática. Como é que o senhor acha que deve ser medida a audiência na internet?

Nicholas Negroponte: É uma boa pergunta, pois não se mede pelos olhos, não se contam as pessoas vendo num determinado momento. É preciso medir quanto ao valor para consumidores individuais que você sabe que estão vendo. Quando tento medir a popularidade de uma determinada matéria num jornal, ou de um programa de TV, na verdade, não sei quem está vendo. Eu coloco a matéria ali e, se coloco um anúncio no jornal, não sei se os olhos estão voltados para ele. Mas, no computador, quando alguém clica num anúncio, naquele momento, eu sei que a pessoa está consumindo. Você sabe que tem a atenção dela. O mesmo vale para o consumo de matérias. Você sabe quando estão sendo consumidas. Assim, o melhor meio de medir o valor é, de certa forma, a combinação do volume do consumo, pois cada um deles representa o que chamamos de "um clique". E o outro é medir o boca-a-boca eletrônico, que é gerado na seqüência. Por exemplo, eu encontro com freqüência, na minha correspondência, matérias que alguém manda dizendo: "Viu isto?". E me mandam como parte do e-mail matérias que outra pessoa escreveu.

Paulo Henrique Amorim: E como é que se mede esse boca-a-boca?

Nicholas Negroponte: Medimos o boca-a-boca pelo consumo da matéria. Se ela está num servidor, quantas vezes foi acessada, quantas vezes foi baixada. Não é muito preciso, pois alguém pode baixá-la e fazer cópias. Esse seria o número mínimo. Mas se houver um alto consumo, é uma media muito boa.

Luciane de Paula Schermann: Professor Negroponte, o que o MIT está desenvolvendo, no sentido da telepresença? Você já tem videoconferência, realidade virtual e internet aplicada à educação. Num país como o Brasil, nós temos graves problemas de infraestrutura educacional. Como as novas tecnologias podem desempenhar uma função social, na formação das pessoas?

Nicholas Negroponte: Telepresença, para mim, significa que tentamos transmitir a presença humana. Assim, quando eu falo com você através de um sistema de telecomunicação, parece que estamos juntos. Tentamos usar todas as técnicas possíveis para que não haja diferenças da presença física. Há muitos motivos para isso. Motivos pessoais, motivos comerciais, há o motivo de não querer viajar. Há vários motivos para a transmissão da presença humana ser importante. No sistema educacional, estou menos convencido de que temos de esperar por isso. Acho que a presença humana é a compaixão que um ser humano pode mostrar a outro ser humano em termos de como essa pessoa está aprendendo. Se lembrarmos da nossa infância e pensarmos quais os melhores professores que tivemos, se pensar no seu professor favorito no primário, não era alguém que sabia muito sobre matemática, inglês, português, história ou geografia. Provavelmente, era alguém que sabia muito sobre você. E era bom perceber quando você estava frustrado, o que você entendeu, ele o encorajava, dava-lhe auto-estima, tudo aquilo que um bom professor faz. Não se pode colocar isso numa caixa de transmissão e transmiti-lo. Ainda precisamos de vários bons professores, de humanos ensinando humanos, crianças ensinado crianças. Mas o que podemos transmitir, e o que podemos permitir que as crianças acessem, é esse extraordinário conjunto de conhecimentos que já foi transmitido por livros impressos. Colocando os livros em caminhões, enviando-os a escolas pondo livros nas bibliotecas, o que é um modo caro e ineficiente de se mover esse conjunto de conhecimento. A internet não é uma questão de presença. Pelo menos em curto prazo, ainda será muito mais de um ser humano para outro, mas como uma forma de fazer o que os livros faziam mal - os livros não são eficientes na movimentação de bits. Eu não passei muito tempo na telepresença, no que se refere à educação. O inverso seria permitir que uma criança se transmitisse e tivesse a experiência de viver no Tibet, em vez de ler um livro ou ver um filme sobre o Tibet. E isso está a alguns anos de distância.

Marcelo Tas: Negroponte, eu queria que você falasse um pouco sobre tempo, que eu imagino que deva ser uma questão muito importante na sua vida. A gente percebeu que você está aqui em São Paulo enlouquecido e tirou um tempinho para vir aqui falar com a gente. Na era industrial se falava que tempo era dinheiro: time is money [expressão tempo é dinheiro, em inglês]. Na era digital, tempo vai ser o quê? Mais dinheiro ainda? Eu queria saber o seu pensamento sobre tempo inclusive na sua vida pessoal. Como que você faz para encontrar tempo livre, por exemplo, para não fazer nada. Se você se interessa por isso também.

Nicholas Negroponte: Grosso modo, passamos a primeira parte de nossas vidas usando o tempo para ganhar dinheiro e a última parte usando o dinheiro para ganhar tempo [risos]. E eu estou no ponto de cruzamento [ri e cruza os braços dobrados diante do corpo]. Não penso nas coisas em termos de tempo livre ou não. É muito mais mesclado. Isso é o que acontecerá com o tempo das pessoas. Hoje temos uma vida muito rítmica. Trabalho nisto, divirto-me com aquilo, trabalho em dias úteis, folgo em fins de semana. É um ritmo no qual todos estão sincronizados. Todos pegamos trânsito para ir trabalhar, para voltar. Temos um ritmo e ele é sincronizado. E acho que o ritmo e, acima de tudo, a sincronização irão mudar. E as pessoas levarão vidas mais assíncronas. Elas farão as coisas em momentos diferentes e não encontraremos a mesma disciplina que encontramos agora. Por motivos que têm a ver com a telecomunicação, a capacidade de fazer compras 24 horas por dia, sete dias por semana. As vidas serão mais assíncronas e mais mescladas. Quando eu vinha para o estúdio eu li meu e-mail no carro. Havia um do meu filho, um do presidente do MIT... Tudo misturado, e eu li em ordem. E suas vidas, a pessoal e a profissional, começam a ficar mais ligadas.

Marcelo Tas: Quanto tempo você fica diante da tela? Você encontra tempo para baixar as ondas mentais também para ficar mais relaxado, mais numa posição não tão agitada também? Isso pra você é importante?

Wilson Moherdaui: Antes que você responda, posso emendar uma pergunta? É verdade que você não gosta de ler?

Nicholas Negroponte: É verdade, eu não gosto de ler. Acho difícil, sou lento para ler. Mas tudo o que leio é no computador. Mas são perguntas diferentes. Eu esqueci sua pergunta [riso]!

Marcelo Tas
: Quanto tempo você fica diante da tela?

Nicholas Negroponte: Eu passo muito tempo. Provavelmente algo em torno de quatro a cinco horas por dia, sete dias por semanas, 365 dias por ano. E faço isso há 30 anos. Mas o lado bom é que não passo nenhum tempo ao telefone. Zero. E nenhum tempo em reuniões. E quando esquio, e esquio muito, eu me conecto, passo umas duas horas, depois vou esquiar. Volto, me conecto, passo mais duas horas. Se você acompanhar minha vida, ela é muito boa. Visito lugares maravilhosos. Seja na Grécia, Suíça, ou outras partes do mundo. Mas eu trabalho diariamente. E trabalho por um período determinado de tempo. Nunca tiro da cabeça. Não me desligo por duas semanas. É um estilo de vida, mas a troca que se faz é a capacidade de passar bastante tempo em lugares diferentes, lugares maravilhosos. Mas sempre ligado. Pessoas diferentes farão essa troca de modos diferentes. Conheço muita gente que quer fugir por dez dias e se desligar completamente. Eu não faço isso.

Graciliano Toni: Professor, muita gente tem ficado rica muito rapidamente com a internet. O senhor acha que é uma tendência que dura mais alguns anos, ou uma coisa muito efêmera?

Nicholas Negroponte: O que não é divulgado pela imprensa é que muita gente perdeu muito dinheiro com a internet [risos]. Os que se deram bem, deram-se muito bem, e há alguns exemplos de acúmulo de riqueza extraordinário. As pessoas não devem olhar para os casos excepcionais. Mas o que a internet mostrou é que, com um pouco de energia e assumindo muitos riscos, pode-se fazer coisas que antes supunham-se impossíveis. Como ter um mercado global sem ter uma empresa de porte. Como iniciar algo com um investimento muito baixo. E deve-se olhar para isso como um mundo que foi criado. Não porque as crianças querem ser Bill Gates [William Henry Gates III (1955-), co-fundador da Microsoft Corporation, maior empresa de software do mundo, criada em 1974, tendo ocupado o posto de homem mais rico do mundo entre 1995 e 2007], mas porque elas vêem que, quando crescerem, talvez não precisem trabalhar para uma grande empresa ou para o governo. Se pensarmos nisso, culturalmente, os pais ainda esperam que seus filhos venham a trabalhar em situações seguras, grandes empresas, talvez até para o governo. Isso está mudando rapidamente.

Paulo Henrique Amorim: Professor Negroponte, os provedores de internet, no Brasil, estão se aproximando da era do broadband e com a grande novidade da imagem na internet. Qual vai ser o impacto da broadband sobre a televisão?

Paulo Markun: Seria bom explicar o que é broadband para quem nunca ouviu.

Paulo Henrique Amorim: O broadband... Talvez seja melhor perguntar ao professor como é que ele definiria. Quem sou eu para definir broadband na presença do professor Negroponte.

Nicholas Negroponte: Broadband [banda larga] é a capacidade de transmitir mais e mais bits. E os bits são aqueles "1" e "0". A maioria não percebe que, ao ler um livro - e lembrem-se, sou lento para ler - mas, se comprarmos um romance, um romance normal, nesse romance há  dez milhões de bits, em média. Eu levo mais de três horas para ler esse livro. Meu consumo de bits é de três milhões de bits por hora. Se pensarmos na televisão digital, meu consumo é de três milhões de bits por segundo. O que afirmo é que não há relação entre a quantidade de bits e o valor da experiência. Porque, em uma hora de leitura, consumo a mesma quantidade de bits em um livro que em um segundo de TV. Não há correlação entre o número de bits e o valor da experiência. E as pessoas não entendem. Acham que, quanto mais bits, melhor. Na verdade, muitas vezes, queremos menos bits, queremos enviar menos bits e queremos que a imaginação preencha os outros bits. Eu tenho um interesse muito maior. Não sou contra a broadband, mas sinto muito mais entusiasmo em ver mais pessoas trabalhando simultaneamente. Todos devem ter melhores conexões, mas se eu tivesse que dar ênfase, como um país ou como uma empresa, eu tentaria alcançar mais pessoas e não aumentar a largura da banda de um pequeno número de pessoas.

Paulo Henrique Amorim: Mas o senhor não acredita então que, com a banda larga, a broadband, e a entrada de áudio e vídeo no computador com rapidez e com qualidade... O senhor não acredita que isso vá ter nenhum impacto na televisão?

Nicholas Negroponte: Primeiro, temos que separar áudio e vídeo. O áudio não requer muitos bits. Há um grande salto quando se passa para o vídeo. A banda larga unirá a televisão e o computador, sem dúvida. Mas, enquanto isso, se eu tivesse que priorizar, eu levaria a banda estreita para todos antes da banda larga para alguns. Claro que todos acabarão tendo a banda larga, em algum tempo. Estou falando na velocidade em que isso se dará. Eu tenho mais entusiasmo com a possibilidade de que a banda estreita chegue a muitas pessoas. A todos. Claro que a maioria das pessoas, e eu mesmo, preferimos usar sistemas mais rápidos.

Paulo Markun: Professor Negroponte nós vamos fazer mais um rápido intervalo e o Roda Viva volta daqui instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite apresentando a entrevista com o professor Nicholas Negroponte, do Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachussets. Este programa foi gravado e apresentado ao vivo através da internet pelo Universo Online e pela página da TV Cultura. E, através dessa possibilidade, nós recebemos perguntas, coisa que normalmente não acontece com programas gravados. Eu começo o bloco com duas questões que, de alguma forma, me parecem interligadas. É sempre difícil botar as duas questões juntas, mas como são muitas perguntas em pouco tempo... Éder Cachoeira, analista de Web, pergunta o seguinte: em relação aos portais completos que permitem à pessoa programar todas as etapas, por exemplo, das suas férias em apenas um site da internet, apenas informando o lugar a data e quantas pessoas vão viajar, qual é a sua expectativa? Que isso vá crescer, que vá se tornar... Que esses portais se tornem instrumentos importantes de entrada pela internet? E Lia Ribeiro Dias, que é diretora de redação do jornal Telecom, fala de uma outra questão que é a seguinte: a indústria está investindo fortemente no desenvolvimento do acesso à internet a partir de terminais móveis, porque trabalha com a projeção de que no futuro esses terminais vão ser a principal porta de entrada na rede, ou seja, que o acesso à internet a partir de terminais fixos do computador que a gente tem na casa da gente tenderia a perder terreno. Qual é a sua avaliação em relação a esse ponto.

Nicholas Negroponte: As perguntas estão apenas parcialmente ligadas. O que acontece hoje é que, na rede, as pessoas podem agir como corretores de informações, de modo que se possa fazer tudo num só lugar, e se vai a esse lugar por ser eficiente, embora, em pontos individuais possa se encontrar algo melhor. E isso se tornou um negócio real para muitas pessoas. Todo o meio de acesso atual da internet ainda é um mundo com fios. São terminais conectados e eles são mais fixos que móveis. A indústria de telecomunicações, de telefonia, está se tornando principalmente móvel e sem fio. E o que veremos é que, cada vez mais, isso atenderá às necessidades daqueles que têm laptops e outros aparelhos consumidores de dados. Essa mudança acontecerá rapidamente. Eu coloquei um sistema com banda larga e sem fio na minha casa e isso mudou a minha vida. Isso afeta o modo como nos socializamos enquanto estamos conectados. Não é considerado anti-social ler uma revista enquanto alguém vê TV. Mas é anti-social ir para sua mesa digitar e dar as costas. E começaram a surgir novos comportamentos com os terminais, que fazem muito mais parte do mundo sem fio.

Wilson Moherdaui: Você disse uma vez que você gosta de tecnologia, se interessa por tecnologia desde pequenininho. E que você, na escola, gostava muito de matemática e de artes, e por isso você resolveu fazer arquitetura. Fez um curso de arquitetura. Nesse momento, aqui no Brasil, milhares de estudantes e jovens estão fazendo uma coisa que é um produto típico do Brasil, uma distorção nacional, chamada vestibular. Eu queria que você desse um conselho...

Paulo Markun: É bom explicar o que é vestibular pra ele, não é?

Wilson Moherdaui: Um teste de acesso à universidade - desculpe, imaginei que isso fosse ser traduzido. Eu queria que você desse um conselho para esses milhares de jovens que estão ansiosos por encontrar um espaço no mercado de trabalho sobre qual seria a profissão do futuro para eles. Uma profissão que lhes desse um futuro mais interessante. Certamente não deve ser arquitetura.

Nicholas Negroponte: Arquitetura é uma forma de educação muito boa. Pena que não seja mais amplamente usada, pois sofremos pela ausência dela. A única coisa que posso falar para as crianças que terão que fazer provas é que isso ocorre porque os adultos são idiotas [risos]. Não sabemos como avaliar e recorremos a um mecanismo que serve apenas a um determinado tipo de criança. Se você for uma criança compulsiva, bem disciplinada, se dará muito bem nas provas. E, provavelmente, verá muitas vantagens nisso. Se você for uma criança hiperativa, com um raciocínio mais desordenado, não irá bem nessas provas. É uma triste situação a que recorremos. Na verdade, é a única solução que encontramos. É quase um fenômeno da Revolução Industrial. No futuro, seremos capazes de entender como as crianças aprendem e, também, seu nível e capacidade em diferentes áreas, porque isso se tornará muito mais contínuo, muito mais parte do processo de aprendizado. Será como monitorar continuamente, o próprio desenvolvimento, a própria saúde, em vez de esperar um momento no tempo em que faremos um exame em particular. Infelizmente, não acontecerá tão rápido quanto deveria e as crianças terão que sofrer a indignidade de passar por esses exames ridículos que, com freqüência, eliminam crianças altamente qualificadas, que não têm o estilo cognitivo para esse tipo de exame.

Carmen Sílvia Maia: Professor, há uns dois anos atrás - mais ou menos um ano atrás - eu tive no Media Lab numa exposição de wearable computers, computadores vestíveis, e eu queria saber como é que está isso. Porque depois, pelo menos aqui no Brasil, a gente não ouviu falar mais nada. Vai estar sendo possível vestir um chipzinho e sair andando e falando? Como é que está isso?

Rodrigo Mesquita: Complementando a pergunta dela, professor, o Media Lab, nos anos 70, previa as três grandes convergências: mídia, texto e imagem. Hoje, o que que vocês estão vendo no futuro? Quais são os goals [objetivos, em inglês]?

Nicholas Negroponte: Primeiro, falarei dos vestíveis, e depois dessa tendência. O programa de vestíveis avançou rapidamente. E foram desenvolvidos não apenas protótipos, mas há várias empresas que fazem produtos baseados nesse trabalho. O que fazemos, para dar um exemplo, é imaginar como podemos incorporar ao tecido processadores, memória, tecnologia de vídeo, e usar o corpo humano para distribuir os sinais. Você verá que há várias... Uma das coisas que mostramos, há dois anos, quando você visitou o Media Lab, foi um telefone composto, basicamente de dois anéis. Um deles seria um alto falante; e o outro, um microfone. Você falaria porque os bits passariam por seu corpo e o telefone celular estaria no seu sapato. Seria um ótimo lugar para colocá-lo porque, enquanto andamos, geramos energia [risos]. E não seria preciso tirar o sapato para falar [risos]. A Gucci [grife italiana da indústria da moda, fundada por Guccio Gucci, em 1921, que fabrica bolsas, sapatos e outros acessórios] está trabalhando nisso. Há empresas que pensam em colocar computadores nos sapatos. Estamos trabalhando em sapatos que ensinam a dançar. Sapatos que se movem. Você os veste e eles o ensinam a dançar. Já fizemos roupas que são telefones celulares e outras coisas. Esse é só um exemplo. Sim, o projeto continua. Também estudamos como lavar essas coisas. Se vamos vestir temos que lavar. A pergunta que você fez quanto à fusão de vídeo, áudio e texto, isso passou a ser chamado convergência e o melhor exemplo é a própria internet. De repente, tudo isso ocorre na rede, e o que não percebemos, na década de 70, quando éramos usuários daquilo que, na época, tinha outro nome, mas que era a internet...

Rodrigo Mesquita
: Desculpe, eu acho que foi mal traduzido. Quer dizer, essa convergência já ocorreu, a internet é isso e agora a banda larga e essas coisas estão dando mais consistência para esse movimento. Eu queria dizer que o que que o Media Lab está vendo no futuro, lá na frente. Quais são hoje os goals do Media Lab, mais para o público externo do que para mim?

Nicholas Negroponte: O Media Lab tem três tipos de objetivos. Um se refere a como as crianças aprendem e ao aprendizado nos países em desenvolvimento. Chegar a eles, tornar os computadores acessíveis. E, também, entender como aprendemos. Isso é uma agenda a muito longo prazo, que inclui como as máquinas podem aprender. Esse é um bom modo de entender nosso próprio aprendizado. A segunda agenda é o que chamamos de coisas que pensam, e embutir muito mais informática nas coisas do dia-a-dia. Tirar o computador das caixas em que estão e incorporá-lo na estrutura - literal e metaforicamente - do mundo que nos cerca. É uma forma de informática muito pequena. Será mais como uma poeira que como uma caixa. E tudo que for eletrônico se comunicará entre si. E a incorporação de inteligência a coisas do dia-a-dia seria uma segunda agenda. A terceira está mais de acordo com o que sempre fizemos. E seria ver o futuro dos sistemas de computadores num entendimento muito maior de seu conteúdo. O bom senso é um exemplo perfeito. Atualmente, um cão tem mais bom senso que um computador. Será que podemos entender a natureza desses sistemas, quer isso inclua novas tecnologias de vídeo, holografia digital, todas as coisas com as quais gostamos de trabalhar? Ainda se trata de informação, processamento de informações, e da construção de sistemas que entendam conteúdo. É uma agenda de muito longo prazo.

Paulo Markun: O livro que o senhor publicou, traduzido em português como Vida digital, um livro de 1995, menciona muito dessas expectativas de que o computador se torne mais amigável - digamos assim - e que adquira mais senso comum, que seja capaz de entender algumas das nossas necessidades básicas e elementares como o fato de estar de bom humor, ou de mau humor, por exemplo. No entanto, o que se passa na indústria da informática, da qual eu sou um mero usuário, é que a cada período de ano, mais ou menos, eu me deparo sempre nas grandes feiras de computadores, que acontecem aqui, com novas máquinas que são muito mais velozes, mais potentes, muito mais coloridas, e sempre mais caras. Elas geralmente voltam ao patamar de preço da máquina que eu comprei há um ano atrás e que já não serve para mais nada, segundo me apresentam os vendedores dessa indústria maravilhosa. Até quando, aqui, o dólar e o nosso dinheiro eram mais ou menos par a par, eram 1500 dólares, algo assim, uma máquina que diziam: "Esta agora é a que você precisa comprar para começar a entrar no circuito". Minha pergunta é a seguinte: será que a indústria de informática, que evidentemente ganha muito dinheiro ao trocar uma máquina que eu uso hoje, daqui a um ano, não está menos interessada em torná-la amigável do que torná-la mais potente, mais bonita, mais rápida, e, portanto mais cara?

Nicolas Negroponte: Eu serei o primeiro a admitir que, no passado, há cinco, talvez dez anos, os computadores tornaram-se mais difíceis, não mais fáceis de usar. São mais frustrantes, menos confiáveis. E essa é uma mudança muito peculiar. Se, há dez anos, você me pedisse para prever um mundo em que um consumidor gastasse mil ou dois mil dólares num aparelho que o deixaria em lágrimas uma vez por dia, eu nunca preveria isso. E, se o fizesse, você diria que eu estava sendo cínico [risos]. Mas, é o que acontece. Estamos tão no limite que as pessoas estão furiosas, estão zangadas com isso. As empresas sabem e trabalharão muito mais para fazer máquinas mais fáceis de usar, mais confiáveis e mais baratas. E a simplicidade se tornará característica. E o que houve nos últimos dez anos, para ser sincero, é que aumentamos as opções, os softwares ficaram mais e mais gordos e, de repente, temos um software obeso, que tropeça em si mesmo. Estamos num momento curioso do tempo. Não é apenas a complexidade, mas a complexidade começa a interferir com algo que você achava fácil, que você fez há alguns dias e funcionou, e hoje não funciona mais. E você pensa que é burro. Você não é burro. É uma situação desesperadora, mas vai mudar, garanto que vai. Claro que as crianças não ligam. É outra vantagem.

Paulo Henrique Amorim: Professor, a Agência Nacional de Telecomunicações [Anatel], que é a agência nacional que regula a indústria da mesma maneira que nos Estados Unidos a FCC [Federal Communications Commissions], está num processo de permitir, através das linhas de cabo da TV paga, o acesso dos provedores de serviços de internet. A regra do jogo, aparentemente a ser estabelecida, é que, embora a indústria do cabo no Brasil tenha dois grandes jogadores nessa indústria, na verdade, um muito mais forte que o outro... São duas empresas que têm o controle da indústria do cabo no Brasil. Essas duas empresas terão que dar passagem a qualquer provedor de internet por um preço considerado razoável. Nos Estados Unidos, como o senhor sabe melhor do que ninguém, existe hoje uma pendência que talvez marque a história da indústria, que é o fato de que a AT&T [AT&T Inc., fundada em 1983 como uma companhia americana de telefonia e telégrafo - American Telephone and Telegraph Company - hoje é a maior provedora de serviços de telefonia local e a longa distância, conexão sem fio (wireless), e  de acesso à internet, dos Estados Unidos] comprou a TCI [Tele-Communications Incorporation, antigo maior provedor de TV a cabo dos Estados Unidos, criado em 1968 e comprada, em 1999, pela AT&T], que é uma empresa de cabo. A AT&T é uma empresa de telefone que comprou a TCI, que é uma empresa de cabo. Está comprando a MediaOne [criada em 1995 pelo grupo U S West, uma das pioneiras na tecnologia de cabo modem, de acesso à internet] que é outra empresa de cabo. E, dona de oleodutos, ou dutos, para a passagem de empresa de internet e telefone, a AT&T disse que: "Aqui no meu duto não passa ninguém!". E, aparentemente, a Anatel americana [FCC] está dizendo que a AT&T tem razão. Quem é que tem razão? A Anatel americana ou a Anatel brasileira?

Nicholas Negroponte: Primeiro devemos lembrar porque a AT&T comprou as empresas de cabo. O motivo principal foi para estar no chamado "local loop", que era uma área à qual não tinham acesso.

Paulo Henrique Amorim: Por telefone?

Nicholas Negroponte: Sim, telefone. Eles queriam estar no "local loop" e, então, usariam o cabo para a telefonia e outras coisas. Quando se vê o problema sob esse aspecto, e tendo comprado a TCI e outras empresas - a MediaOne - é óbvio que será de seu interesse manter isso para si. Mas não vai durar. Isso terá de ser desregulamentado e logo acabará se tornando um canal aberto. Quer seja um canal fisicamente aberto ou haja outros meios para o lar, sem fio ou por... Essas coisas sacudirão o mercado, mas sob o aspecto comercial, entendo o motivo de defenderem esse ponto de vista.

Paulo Henrique Amorim: Mas do ponto de vista do consumidor, então, a Anatel brasileira é mais democrática do que, aparentemente, a Anatel americana.

Nicholas Negroponte: Sob o ponto de vista do consumidor, a posição brasileira é, claramente, a mais interessante das duas.

Marcelo Tas
: Às vezes, eu tenho a impressão que a internet é muito parecida com uma motocicleta, que foi inventada... Como se a motocicleta tivesse sido inventada e, ao invés de a gente ficar falando das viagens que a gente faz com a motocicleta, a gente fica falando do pneu, do espelhinho, do motor, não é? [Risos] Então, já que você é uma das bolas de cristal mais disputadas do mercado, eu queria que você dissesse se a gente vai permanecer muito tempo ainda falando da moto e não da viagem que a gente faz com ela. E também gostaria, já que o programa deve terminar daqui a pouco, de saber se você pode compartilhar os seus bookmarks [endereços eletrônicos favoritos]. Que conteúdos que te atraem hoje neste vasto mundo da internet?

Paulo Markun: Uma dica de viagem?

Marcelo Tas: Dicas de viagem, exatamente!

Nicholas Negroponte: Sua pergunta é muito boa. Claramente, nas etapas iniciais de qualquer tecnologia, nós nos focalizamos na tecnologia. É verdade que, nos primeiros dias do automóvel, as pessoas pensavam na combustão, pensavam mais nessas questões e as discutiam. Talvez, na época, se falasse quantos HP os carros tinham. E quando algo vaza para a sociedade tão rapidamente quanto isso, a tecnologia, em si, começa a se tornar invisível. E o ideal é que ela se tornasse tão invisível que nem percebêssemos que ela está lá. Não é uma questão de saber qual o tamanho do monitor, ou quantos milhões de instruções por segundo, ou quanta memória, ou a largura da banda que se tem. Quando chegamos a esse ponto, encontraremos um mundo no qual as pessoas a usarão para se divertir, se comunicar, para aprender, no comércio, de uma maneira muito uniforme. Está tão ligada ao seu estilo de vida, que você nem notará que ela está lá. Se você perguntar a uma criança de 12 anos, nos Estados Unidos, sobre o mundo digital, ela achará que você é maluco. "Do que ele está falando?", ela perguntará. É como perguntar a um peixe sobre a água. Está lá, faz parte do ambiente, nem se nota. A não ser que falte. Aí, então, se nota. Essa é a direção que tomaremos. As viagens que as pessoas farão - usando sua metáfora - a única coisa que sabemos delas é que serão muito diferentes. É isso que é interessante no mundo digital. Vamos celebrar as diferenças. Vamos encontrar modos de fazer coisas diferentes. Será, na minha opinião, um planeta muito mais interessante. As pessoas poderão fazer essas coisas e, ao mesmo tempo, fazer parte de uma comunidade e, ao mesmo tempo, ser muito diferente, ampliar as diferenças.

Marcelo Tas: E bookmarks? [Risos]

Nicholas Negroponte
: Meus bookmarks são uma confusão. Não mantenho bons favoritos. Sou um caso perdido em favoritos.

Wilson Moherdaui: E quanto aos vinhos?

Nicholas Negroponte: Quanto a quê? Vinhos? [Risos]

Wilson Moherdaui: Vinhos, que é uma preferência que o Markun lembrou.

Nicholas Negroponte: Não encontrei um modo de transmitir vinhos [risos]. Seria uma coisa muito interessante. Transmitir água já seria uma grande coisa!

Wilson Moherdaui: Nós estamos a alguns dias do anos 2000. E com ele o tão temido bug do ano 2000. Que recomendação você faria para os brasileiros que estão assistindo a essa entrevista e para as pessoas que estão online na internet ou ouvindo você, a respeito da passagem, da virada do ano de 1999 para 2000? As pessoas sabem que muita gente já ouviu dizer que os computadores podem apresentar algumas falhas ao não reconhecer, não identificar os dois zeros misteriosos que vão aparecer porque eles estão acostumados a reconhecer o ano por dois dígitos e o ano 2000 tem dois zeros no final, que poderia remeter os computadores para o ano de 1900 e causar uma grande confusão. Que recomendações você faria? Você acha que as pessoas devem se preocupar com essa passagem, com essa virada? E, se não for muita indiscrição, eu gostaria de saber onde você vai passar o Réveillon [risos].

Nicholas Negroponte: Não sei se você sabe, a China Airlines [empresa aérea estatal de Taiwan] insistiu que seus executivos voassem em aviões deles nessa noite. Quando eu soube, eu achei que seria uma solução perfeita. Porque os executivos dizem que não haverá problemas. Talvez o presidente do banco deva se trancar no cofre [risos]. Caso haja problemas, ficaríamos mais seguros. Mas me pergunto o que eu diria para quem está ouvindo. A primeira coisa é: "Relaxe". Parte do problema é criado artificialmente pelos homens. De certo modo, há um nível de ansiedade desnecessário. Mas as empresas e os governos devem estar atentos a isso. Em especial, em termos de energia elétrica. Não queremos perder energia. A perda de energia pode ser muito problemática. Em geral, ficaremos bem. O que muitos não sabem é que o chamado "problema do bug" não acontecerá à meia-noite do dia 31 de dezembro. Ele persistirá por anos, porque há relógios embutidos em pequenos mecanismos. Vou dar um exemplo: se houver um trator e ele utilizar óleo, e se o aparelho indica a necessidade de troca, utilizar um relógio que acompanha o tempo absoluto, de repente ele pode achar que a troca não é necessária por mais 99 anos. Esse trator pode funcionar bem por dois ou três, até quatro anos. E, um dia, no meio do campo, ele vai parar, porque o motor fundiu, porque o óleo não foi trocado.

Wilson Moherdaui: Mas não vai ser tão simples assim se um cirurgião estiver no meio de uma cirurgia cardíaca, por exemplo?

Nicholas Negroponte
: Você está correto. No caso do trator, queremos ter certeza que o computador de bordo e os cirurgiões todos testem os aparelhos. Mas o que digo é um pouco diferente. Iremos ver esses problemas surgindo depois. E acho que, daqui a cinco ou dez anos, haverá competição para achar o último bug do ano 2000. Haverá gente procurando por ele. É algo que vai durar um certo tempo. E meu maior conselho é relaxar.

Wilson Moherdaui: E o seu Réveillon? O senhor vai viajar de avião às vésperas do Réveillon?

[...]: Na companhia da filha!

Nicholas Negroponte: Não vou viajar pela China Airlines [risos]. E acho que será muito fácil conseguir um assento na véspera do ano novo em qualquer vôo. E algumas empresas decidiram que não voarão essa noite. Eu estarei em segurança numa montanha da Suíça e aguardarei a manhã seguinte, com a mesma curiosidade de todos.

Luciane de Paula Schermann: Como a tecnologia pode desenvolver, no sentido de criatividade, como base no intelectual de uma sociedade? Como o senhor vê o papel da universidade? Ela poderia se redefinir para isso?

Nicholas Negroponte: As universidades desempenham papéis diferentes. Venho de uma universidade em que o nosso papel é principalmente de pesquisa. Ela pretende ser o berço de novas idéias. Outras universidades têm outras funções. Têm a função da formação superior numa sala de aula. Acho que o papel da formação superior será muito mais distribuído. As universidades acharão modos de alcançar eletronicamente maiores segmentos da sociedade. O campus físico se tornará menos importante. E o papel na sociedade será mais importante, porque haverá mais pessoas envolvidas. Quem estiver no lado da criação verá que ainda trabalha em lugares determinados. Que uma pessoa brilhante em um campo atrairá outra pessoa brilhante no campo, ou em outros campos. E haverá uma congregação física. Se o papel da universidade for a pesquisa fundamental, a congregação sobreviverá por um período muito maior. Se o papel for mais amplo, centrado numa sala de aula, ele será mais distribuído.

Paulo Markun: Nicholas, nosso tempo está acabando e eu queria antes de agradecer fazer uma última pergunta. O senhor tem, com certeza, nessa sua atividade profissional, feito inúmeras previsões. Essa é uma cobrança, muitas vezes que os seus interlocutores fazem, talvez até mais do que o seu interesse em fazer tais previsões. Minha pergunta é a seguinte: com certeza algumas dessas previsões que a gente faz não se realizam porque, se fosse possível prever tudo o que acontece no mundo, a vida seria muito mais fácil. No seu ponto de vista, qual o ponto que o senhor estimou que fosse ocorrer e não ocorreu e, se acredita que ainda pode acontecer nessa questão da vida digital, no mundo digital.

Nicholas Negroponte: Antes de responder, quero lembrar que uma das coisas que tentamos fazer no Media Lab - e sempre dizemos isso - não é prever o futuro, mas inventá-lo. Muitas vezes, quando eu disse coisas, há 20 anos, eram coisas que estávamos fazendo, nas quais acreditávamos. Não era uma previsão do tempo ou de resultados eleitorais, em que vemos os números e tentamos prever algo. Era: "Fazemos isso e caminhamos nessa direção". Mas é claro que cometemos erros. E um dos erros que sempre me lembram é que, há 15 anos, eu disse que estaríamos conversando com nossos computadores atualmente. Que todos nós, na maior parte do tempo, utilizaríamos o reconhecimento de voz e a produção da fala. Até imagine que meu chuveiro teria alto-falante. E eu tomaria banho conversando com meu computador. E isso não aconteceu. Foi muito mais lento. Há vários motivos para explicar isso, após o fato. Mas foi um grande erro de previsão.

Paulo Markun: A vantagem que nós temos é que ainda num programa de televisão como esse, a gente pode falar e ser compreendido até graças ao trabalho do tradutor que faz com que o senhor tenha, evidentemente, na velocidade necessária, as informações. Eu agradeço muito a sua presença e de todos os participantes; a você, que acompanhou, pela primeira vez, a transmissão de um programa gravado através da internet, o que parece um contra-senso, mas que de algum modo faz sentido. E a você que está em casa até a próxima segunda-feira sempre às dez e meia da noite. Uma boa noite e uma boa semana. Até lá.
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