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Memória Roda Viva

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Renato Janine Ribeiro

2/5/2005

O filósofo político comenta sua visão de sociedade e de país, fazendo considerações sobre ética e democracia

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Paulo Markun: Boa noite. O mundo sempre mudou, mas as últimas mudanças têm sido tão intensas e tamanhas que corremos o risco de nos confundir sobre o que está acontecendo realmente. Em busca dessa compreensão, pensadores, críticos e analistas procuram traduzir para o grande público as relações que hoje marcam a vida na sociedade brasileira e também no mundo. É o que tem feito o filósofo Renato Jeanine Ribeiro, que traz hoje para o Roda Viva sua visão de sociedade, de país e dos rumos que a vida pode tomar com base na política, na ética e democracia. 

[Comentarista]: Alguns intelectuais são eleitos pela mídia como fontes regulares de consulta e opinião e Renato Janine Ribeiro é um dos mais requisitados. Doutor pela USP onde leciona ética e filosofia política como professor titular, atualmente é diretor de avaliação da Capes, órgão do Ministério da Educação que cuida da pós-graduação e da pesquisa científica e tecnológica no Brasil. Em seus site pessoal na internet, Renato Janine Ribeiro apresenta um painel dos temas a que tem se dedicado, como os desafios de um tempo em que exige cada vez mais ética, os discursos, e as condutas de partidos políticos e governantes no Brasil, e políticas para a ciência, tecnologia, e cultura. O site traz ainda trechos de seus onze livros que tratam de ética política, cultura e sociedade.  Entre eles, o projeto do novo curso de humanidades, na Universidade de São Paulo, "A sociedade contra o social" que vai analisar o alto custo da vida pública no Brasil, e o afeto autoritário, uma análise crítica sobre o veículo de massa que mais referência leva hoje ao brasileiro, a televisão. Renato Janine também tem participado de projetos que discutem o pensamento ocidental. No filme Ética, foi um dos pensadores convidados, apresentou o curso livre de humanidades da editora Abril e na TV Cultura, módulos do Café Filosófico, um programa que buscou fazer um balanço do século XX e apontar paradigmas do século XXI.

Paulo Markun: Para entrevistar o filósofo Renato Janine Ribeiro, convidamos Gabriel Priolli, diretor geral da TV PUC São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária e editor da revista Interlivros, Olgária Matos, professora titular em teoria das ciências humanas da Faculdade de Filosofia da USP, Caio Túlio Costa, jornalista e presidente do Instituto DNA paulista e da fundação Semco, Dario Vizeu, diretor de programas da TV Cultura e Oscar Pilagallo, professor titular aposentado de física da USP de São Carlos. E em nosso estúdio o cartunista Paulo Caruso acompanha com seus desenhos o movimento do programa. O Roda Viva, como você sabe, é transmitido em rede nacional de TV para todo o Brasil ao vivo. Boa noite, professor.

Renato Janine: Boa noite, Paulo.

Paulo Markun: Há 160 anos atrás o filósofo que o senhor conhece bem, que é Karl Marx ,dizia que filosofia tinha que ser feita para mudar o mundo. Como o senhor escreve muito, e escreve muito sobre a filosofia política, eu queria saber do ponto de vista do senhor para que serve a filosofia de hoje, num Brasil de hoje com um governo Lula, governo pelo qual, inclusive, o senhor tem simpatia?

Renato Janine: Olha, a filosofia política, que é a parte que eu freqüento da filosofia, quer dizer, eu tenho menos contato com a filosofia geral, com história da filosofia, da teoria do conhecimento, o que me interessa muito é questão da ação que aparece na filosofia política. Ela tem contribuído, ela tem participado muito em discussão, quer dizer, você tem pensadores que estão nessa área que têm inclusive visões muito diferentes, que simpatizam com governos, uns que são contrários, uns que estão mais à direita, outros mais à esquerda, mas o que eu acho importante hoje é a gente tentar pensar de que maneira você sai de uma situação de paralisia da ação para uma situação que é possível agir. Quer dizer, nós estamos num mundo em que há muita travas, que ao mesmo tempo é um número enorme de possibilidades, como nós podemos pensar as situações de dificuldades hoje e tentar superá-las, tem os chamados gargalos, quer dizer, você encontra alguns gargalos da cidadania na sociedade, alguns deles são muito visíveis.

Paulo Markun: Por exemplo? 

Renato Janine: A má distribuição de renda, por exemplo, é muito óbvio o difícil acesso à saúde, mas alguns que não parecem tão fortes e podem ser muitas importantes intervenção deles pela própria cultura, acesso à cultura, e por outro lado, difusão da cultura, tem papel emancipador muito grande. Ciência. A ciência quando chega às pessoas aparece como cultura, quer dizer, quando eu tenho contato com a ciência... Por exemplo, todos nós sabemos que o Sol não gira em torno da Terra, essas coisas, tudo causou uma certa mudança na nossa consciência que custou a vida de muita gente. Mas nem todo mundo sabe o que Freud  disse. E as coisas que ele disse sobre o ser humano são fabulosas. Mas quando isso chegou à sociedade, quando isso chegou à população?  Quantas sabem disso?  Em outras palavras, em que medida, o quê da ciência passa a ser absorvido pela vida das pessoas de modo que elas mudem sua ação, sua forma de conhecer o mundo, sua forma de agir.

Paulo Markun: Agora, mais detalhadamente, onde entra a filosofia política nisso? Porque eu imagino que num cidadão médio, se falar em ação, vai pensar o seguinte: “ação é o governo asfaltar a minha rua, ou ação é meu patrão me dar um aumento de salário, ou ação é o técnico do meu time de futebol trocar o jogador que não está jogando e não deixar o Corinthians perder”.  E no entanto, esse universo que o senhor freqüenta da filosofia política, e que aliás, do seu trabalho pelo que eu pude acompanhar da sua obra é justamente de mostrar que não é bem assim, dizer: “está bom, por trás de tudo isso há instâncias de pensamento, que é essa questão da filosofia política, que podem orientar a ação”. Orientar em que direção?  Ou esclarecer, ou iluminar?

Renato Janine: Olha, primeiro ponto da filosofia política, acho que sua diferença com a ciência política é que ela se preocupa muito com a significação das ações para quem as pratica, mais do que, vamos dizer, com as grandes estruturas, com as instituições, com o Estado, com os partidos, com as eleições. Para mim, pelo menos, é muito importante saber de que maneira as pessoas que obedecem o poder, que votam num governo, que apóiam esse governo, que criticam esse governo, aceitam um sistema, mesmo que detestem o governo, mas aceitem o sistema que o elegeu, ou repudiam tudo isso, como elas significam o que vivem?  É o primeiro ponto, quer dizer, você não tem nenhum poder se não tiver gente de alguma forma aceitando os princípios dele. E segundo ponto é, quais são as travas da vida de hoje? Quer dizer, nós temos travas na vida pessoal e travas na vida política. Te garanto, quando eu comecei a trabalhar filosofia política, tinha um certo desdém das questões éticas, que achava que as questões éticas eram burguesas, de princípios, do que deve ser ou não deve ser, e achava muito mais importante a política propriamente dita. Então, havia um primário disso, simpatia de uma esquerda por uma coisa e antipatia por outra. Hoje eu acho que as coisas são extremamente paralelas, quer dizer, a minha vida pode estar bloqueada por situações que podem ser extremamente paralelas, e que bloqueiam a sociedade. E pode estar bloqueadas por medos, por desconfianças, por descrenças... E identificar esses pontos de bloqueio e tentar rompê-los é o desafio hoje. Quer dizer, por isso eu diria que a questão não é mais ser, vamos dizer, com todo respeito pela filosofia que lida com ser, mas acho que a questão fundamental é agir.

Paulo Markun: Oscar.

Oscar Pilagallo: O senhor se referia à questão da ética, e o senhor identificou em artigos mais ou menos recentes uma certa batalha ideológica em relação à ética, existia uma ética de esquerda e uma ética mais conservadora. Como é que a senhor vê essas duas éticas? Como é que a sociedade brasileira hoje está se encaminhando?  Ela está sendo mais conservadora, está sendo mais progressista?  Qual a ética que está prevalecendo? O senhor é otimista em relação a isso? 

Renato Janine: Isso aí eu lembro, deve ter sido no momento da disputa eleitoral entre Marta Suplicy [candidata pelo PT à prefeitura de São Paulo em 2000] e Paulo Maluf [candidato pelo PPB a prefeitura de São paulo em 2000], em que me surpreendeu muito que pessoas votassem num candidato que a mídia apresentava como sendo talvez simpático à corrupção. Então, como essas pessoas votaram e votaram sendo uma escolha ética, por quê? Porque elas achavam que este candidato aos olhos do centro da esquerda não era um candidato querido, mas achavam que esse candidato se opunha a uma conduta sexual que eles achavam desregrada. Então, isso era uma opinião freqüente, porém essa opinião tem que ser respeitada, quer dizer, ela existe, temos que conhecer essa opinião mesmo que iremos criticá-la. O que eu noto, de uns tempos para cá, é que essa visão de ética sumiu do âmbito federal, ela aparece para versão do presidente da Câmara, o deputado Severino [Severino José Cavalcanti Ferreira (1930-), político filiado ao Partido Progressista, antes pertenceu à UDN, renunciou à presidência da Câmara de Deputados após denúncias de favorecimentos]], uma visão moralista e etc. Mas ela não tem mais um projeto para o Brasil, faz tempo que não há um projeto da direita para o Brasil, prova disso que a direita não tenha lançado nenhum candidatado de 2004 para presidência da República. Não, 2002... Estou confundindo... Mas ao mesmo tempo há no Brasil uma demanda de ética fortíssima, e isso é muito mais fundo do que a diferença de direita e esquerda no caso. Quer dizer, você pega um bandido, você vê Carandiru [referência ao comportamento dos presos da penitenciária que abrigava bandidos perigosos em São Paulo], você pega um bandido terrível e você vê o sujeito tendo um código de ética esquisitíssimo, onde você pode serrar uma pessoa com motosserra mas você não pode estuprar uma criança, ou uma mulher.

Oscar Pilagallo: Código de ética dentro da prisão.

Renato Janine: Como?

Oscar Pilagallo: Código de ética dentro da prisão.

Renato Janine: Código de ética também dentro da prisão, mas um código de ética que leva o criminoso, uma vez preso, a ser talvez morto pelos seus colegas, pelos seus confrades. Então, eu acho engraçado essa idéia de que você, de que todos nós de alguma forma firmamos com muita força que somos éticos, e mesmo quando não somos. Uma vez eu peguei um táxi, o motorista falou durante duas horas, durante todo o tempo da viagem sobre ética, e na hora converteu a tabelinha de preço lá, me roubando. Então, quer dizer, é uma coisa engraçada, porque mostra como se nós precisássemos a todo custo criar uma ética, criar uma identidade em cima da ética...

Paulo Markun: O senhor critica o código moral, quer dizer, bota sempre para fora, e isso vira, não é decisão pessoal, mas vem de alguma instituição que pode ser a igreja, pode ser...

Renato Janine: Acho que o problema do código de ética, se [é que] tem um problema, é a necessidade, obrigação em ter que seguir um determinado princípio. Então, se você cumpre os princípios, você tem o diploma de ética?  Acho que não é assim.

Caio Túlio Costa: Professor, engatando na primeira pergunta do Markun e juntando com a questão ética, como é a vida de um filósofo no governo? Você é professor de filosofia política, trabalha na Capes, e era até bom explicar um pouco o que é a Capes, para o telespectador, e explicar como é a vida de um filósofo trabalhando num órgão do governo.

Renato Janine: Olha, são duas coisas, quer dizer, primeiro é uma experiência muito forte de ação, quer dizer, você, aquilo que eu estava falando do agir, a possibilidade que você tem quando há dois mil programas de pós-graduação no Brasil, de batalhar pela qualidade deles, lutar contra a má qualidade, saber que isso repercute no fechamento de cursos e tal, é uma coisa muito importante, quer dizer, você avaliar o curso bom quando é realmente fechado...

Caio Túlio Costa: A Capes avalia cursos de pós-graduação?

Renato Janine: Pós-graduação, e não de graduação. E ela fecha, em 2001 fechou 5% dos cursos de pós-graduação, é trienal. Em 2004 fechou 2%. Quer dizer, o fato de você ter a possibilidade de fechar significa que 98% se comportaram de maneira boa. Então, você tem resultado, agora, esse resultado não existiria se a comunidade acadêmica não apoiasse totalmente, esse é o segundo ponto, quer dizer, o fato de você agir e o fato de você agir em nome da qualidade dá um conteúdo ético muito forte a isso, não é uma ação de governo simplesmente, é uma ação em que você conta com o apoio de uma comunidade que tem gente que simpatiza com o governo, gente que apoiou o governo passado, gente com outras divergências, mas endossa uma ação nessa direção. Então, nesse sentido, acho que a possibilidade de você traduzir suas idéias em termos de ação, a possibilidade de você, por exemplo, ter um ideal de transparência. Por exemplo, agora todos os curso de pós-graduação no Brasil devem ter um site onde eles possam colocar o que são, o que fazem. Assim, os dados da avaliação devem, mais e mais, ser públicos, os cursos de nível mais alto devem ter um trabalho de cooperação com os cursos mais iniciantes, sobretudo das regiões menos desenvolvidas no país. Tudo isso daí tem um valor ético muito forte, então, eu acho que duas coisas convergem muito, né?

Olgária Matos: Renato, então, retomando um pouco as questões colocadas pelo Markun e também depois indiretamente no mesmo sentido pelo Caio, eu queria dizer o seguinte, os brasileiros em busca de ética dão a entender, neste momento, que ele condena o mal, mas isso não significa que preze o bem. Então, eu perguntaria se, para você, as análises desenvolvidas sobretudo no teu último livro, O afeto autoritário, sobre a questão da televisão. Será que nós somos bovaristas [insatisfação romântica que consiste em querer evadir-se de sua condição, adotando uma personalidade idealizada, como o fez a heroína do clássico romance Madame Bovary, de Flaubert - escritor francês], ou seja, vivemos com um pé na realidade e outro na ficção, e nos reconhecemos talvez mais na ficção do que na mídia que deveria ser informativa mas que leva as pessoas a acreditarem mais no que é ficcionado nas novelas e menos nos noticiários? Se isso milita contra as questões éticas, e por que deixa mais no imaginado do que no real, e se isso é uma questão da mídia brasileira é como a mídia brasileira edita a realidade ou é um problema intrínseco nas mídias em geral?

Renato Janine: Boa pergunta, professora! [Risos] Bom, eu acho que a questão da ficção é muito forte. A telenovela tem no Brasil um papel muito grande e me impressiona, e numa certa época o contraste entre os programas cômicos da TV e os programas de noticiários, e os programas tipo novelas, sobretudo na Rede Globo. Havia um certo momento que você via às oito e pouco da noite o noticiário, alguns políticos extremamente conservadores no início da Nova República [refere-se ao momento de reabertura política no Brasil em 1988], apresentados como indignos, meia hora depois Lima Duarte fazia papel no Roque Santeiro, do mesmo homem indigno de meia hora atrás, mas vamos, nada digno né, assim, Sinhozinho Malta era o nome do personagem. Depois você tinha novelas nas quais há muito tempo a igualdade entre homem e mulher é pregada, e aí você passa a um programa cômico, onde mulheres e homossexuais são ridículos. Então, é coisa muito curiosa. Eu diria que a novela é parte da ponta da TV brasileira, onde se expõe valores, em larga medida mais nobres, e você luta, por exemplo, para firmar os direitos das lésbicas. Quer dizer, demorou talvez três novelas, quinze anos para as lésbicas terem expectativa de vida integral em uma novela, viverem seis ou oito meses em vez de morrerem em um mês num acidente de carro ou numa explosão de um shopping, que parece um lugar muito perigoso para certas condutas sexuais. Quer dizer, o fato de ter conseguido isso é um êxito, é algo que enfim, vem de onde? Vem do propósito, vem... Há alguma coisa com o veículo ficcional que favorece soltar mais uma liberdade de costumes, pregar igualdade, lutar contra o preconceito em geral? A dificuldade na novela é vencer o preconceito contra o negro, porque a questão do negro é intensamente social, mas quer dizer, na questão das mulheres há muito tempo se impôs uma linguagem de novela que acabou sendo assumida até pelo Ratinho [programa sensacionalista e apelativo de TV] .

Gabriel Priolli: Você fala na idéia de um papel civilizador da televisão e você vê esse papel inclusive nos programas mais populares, ou populararescos, vamos dizer assim, programas que normalmente são muito criticados. Em que medida esses programas são civilizadores?

Renato Janine: Olha, a experiência em relação ao Ratinho é uma coisa que eu tenho, um cunho muito pessoal, eu tinha uma empregada que era uma pessoa fantástica, e num certo momento ela que era absolutamente oprimida pelo marido, que a tratava mal, a traía, que queimou a casa para onde ela mudou. Mas, no momento, ela armou um tremendo barraco em cima dele. E conseguiu, enfrentou, rompeu tudo, e tenho certeza que a retórica de toda a ação dela foi adquirida com o Ratinho. E eu fiquei vendo o programa do Ratinho e fiquei pensando... É claro que ele teve toda esta coisa da visão subalterna em relação à polícia, defesa da violência contra o cidadão suspeito de ser criminoso, etc. Mas a partir de um certo momento, acho que ele percebeu que era valor humano, um direito humano que não dava para enfrentar, igualdade dos sexos. E o programa dele teve que assumir isso, não deixou de ser um programa que prega muitas coisas da qual discordo profundamente, mas acho que ele fez esse tipo de homenagem, e quando eu falo em papel civilizador da TV eu estou falando da mesma forma como eu falo do papel civilizador. Não estou defendendo, não estou dizendo que shopping é algo magnífico, mas o shopping é hoje onde as pessoas aprendem costumes, aprendem maneiras, ele tem um papel que se equivale ao papel da corte no século XVII, lugar onde as pessoas aprendem a lidar com certas coisas. E isso representa para muitos setores da sociedade uma emancipação, avanço.

Gabriel Priolli: Você acha que o telejornal não cumpre eficientemente esse papel? Quer dizer, você acha aquela idéia que jornalismo é ficcional, a ficção é mais jornalística do que o jornalismo, que o jornalismo é mais ficional?

Renato Janine: Eu não sei hoje. Eu pensei mais nisso há uns dez anos atrás, cinco ou dez anos atrás. Hoje, não sei se diria isso, o que eu diria é que a demanda de variedades é muito grande. Como eu pergunto também, dado que a gente está pensando em voz alta, me pergunto também o quanto das notícias é notícia mesmo? Quer dizer, tem toda uma parte de notícias que... Por exemplo, eu li uma vez que no século XVIII a nobreza mandava seus lacaios fazer um tour nas outras casas para saber o que tinha acontecido. Isso eram as notícias daquela época! Para nós é praticamente fofoca não é? Então, o que é notícia hoje? É juros? É mercado de ações? Quer dizer, há uma discussão seríssima na televisão, geralmente de manhã, sobre a economia, como ela vai se comportar. A gente sabe que nada disso, ou pouquíssimo disso vai ser realizado, a gente sabe que a possibilidade de êxito da informação econômica é muito pequena. E no entanto, tudo isso é discutido com nível de seriedade extraordinária. Pergunto, enfim, qual o tipo de fantasia que está inserido aí, nesse debate?  Eu não sei se hoje se falaria, talvez falasse em fantasias que são presentes, e não sei se você fazer uma coisa de variedade, pegar um cachorro perdido ou tal qual uma matéria, entre aspas, de conteúdo, mas não sei se é mais ideal do que uma discussão supostamente séria.

Paulo Markun: Renato, nós vamos continuar falando de televisão e outras questões, e sobre televisão que você menciona que é hoje o mote das conversas, como no passado foi a própria questão da corte em certos momentos, logo depois do intervalo. A gente volta já já. 

[intervalo]

[Comentarista]: A visão crítica sobre a televisão é alvo de Renato Janine Ribeiro em seu livro mais recente, O afeto autoritário, televisão, ética e democracia que reúne crônicas e artigos publicados entre 2000 e 2001 no suplemento Telejornal de o Estado de S. Paulo e na revista Bravo. Ao refletir sobre televisão, o filósofo reviu o papel da cultura de massas no Brasil de hoje, ele critica a falta de uma política pública sobre a TV, que faz com que o mercado e as convicções dos donos das emissoras determinem o que passa na telinha. Renato Janine reclama da falta de interesse pelo debate político sério e constata o fato de que a discussão ética na TV limita-se à questão sexual. Critica as emissoras por tolerarem condutas socialmente inaceitáveis, mas elogia as telenovelas, apesar dos problemas, acha que elas aprofundam as discussões do costume, da vida atual e suas mudanças. Ética e política, os telejornais, segundo a ética, a cultura do entretenimento, entre tantas outras, são questões que ele analisa apresentando hipóteses para aprofundar a discussão sobre o papel e o conteúdo que a televisão oferece hoje aos brasileiros"

Paulo Markun: Renato, só para repor a bola em jogo, eu faço a pergunta de Graziela, que é baiana de Salvador, vive na Bahia é jornalista e diz o  seguinte: “o que é a ética numa sociedade em que o “se dar bem” é a máxima”? Eu acrescentaria: e esta é a máxima que está por trás da máquina que movimenta a televisão? 

Renato Janine: Olha, eu acho que eu disse que os brasileiros, consideramos que a identidade nossa está muito ligada à ética, e acho que é uma grande simpatia pelo valor ético sobre uma grande condição, que ele não custe dinheiro, que ele não custe nada. Daí o sucesso extraordinário do personagem Jean do Big Brother [programa da Rede Globo, onde um grupo de pessoas fica isolado numa casa sendo filmado 24 horas por dia, disputando um prêmio], uma coisa curiosa. Eu me interessei a partir do momento que eu soube que ele tinha mobilizado a comunidade homossexual, sobretudo da Bahia, a partir do Luiz Mott [professor universitário e militante da causa homosexual no Brasil], uma figura ótima, para lutar contra a exclusão dele. E ele apresentou uma série de valores éticos que galvanizaram a população de lá. Só que o interessante é que isso tudo causou simpatia porque não custava nada, não custa nada a ninguém torcer por ele, ainda mais para ele ganhar um milhão de reais.

Paulo Markun: Que não sai do bolso de ninguém, teoricamente.

Renato Janine: Que não sai do bolso de ninguém. Agora, se a ética significa realmente um sacrifício, significa defesa, eu vi isso muito no Você Decide [programa de televisão] que foi uma grande pesquisa de opinião popular no Brasil. O Você Decide era um negócio interessante porque o povo votava pelo dinheiro, onde estava o dinheiro, era a aposta popular. Por exemplo, o primeiro programa do Você Decide, era um homem que morria na ponte aérea com cem mil dólares ao lado. O telespectador teria, então, que decidir se o dinheiro ia para um orfanato ou ia ficar com pessoa que o encontrou. A pessoa que encontrou foi a votação. Isso foi uma coisa fantástica. Quer dizer, há um interesse, valores valem quando não contrariam um valor que é monetário. E isso é muito problemático, quer dizer, há uma simpatia pelo tema ético no Brasil mas com cuidado, a gente não pode considerar que isso falha muito.

Dario Vizeu: Renato...

Dario Vizeu: Então, eu acredito o seguinte, eu convivi muito em ambiente escolar, tanto universitário como em ensino, e eu percebi que há uma ausência muito grande do audiovisual dentro desse espaço de formação. Então, o que acontece no Brasil a televisão é muito forte, estamos aqui discutindo televisão, e isso é presente em muitos debates. Agora, o professor, o formador e mesmo o formando, eles não têm contato com áudio visual. Eu fico impressionado como há um desconhecimento muito grande, e isso tudo é muito simples. Então, a televisão, os profissionais de televisão, eles acabam assumindo um aspecto mágico, quer dizer, mágico porque são projetados pelo Brasil inteiro, como são captados, toda esta parafernália técnica que está envolvida. O que acontece? Por que nossos ambientes de informação não se apropriam disso? Porque aí muda totalmente a relação, porque você tem no dia-a-dia ali, na prática cotidiana tanto de professores, de alunos, lidar com esse material. E daí eu tenho absoluta certeza de que a relação com a televisão no Brasil vai mudar muito. 

Renato Janine: É, quer dizer, eu acho que se a gente usar mais instrumento de TV e tudo para uma formação vai ser muito bom.

Dario Vizeu: Mas por que não acontece, já é tarde demais, estamos há muito tempo... Universidade não tem documentação de aulas maravilhosas, de cursos maravilhosos que têm acontecido lá, você não tem praticamente nada utilizando audiovisual. 

Gabriel Priolli: Você não acha que é preconceito ainda que preside no meio acadêmico, um preconceito forte em relação ao veículo? A televisão começou em 1950, os primeiro estudos foram feitos em 1960, hoje existem mais de 60 canais universitários e a universidade ainda nem percebeu que eles existem.

Renato Janine: Concordo, concordo. Agora, o que eu acho importante é o seguinte, apesar do meu artigo que apareceu ali, TV público ausente, a TV no mercado... Apesar de fazer um crítica muito grande a essa situação, em que o mercado até sugere isso, é espantoso que mesmo desse jeito houve uma preocupação técnica com valores, como na telenovela. Agora, o que me surpreende é o seguinte, assim como a mídia procura na universidade aqueles que ela seleciona para responder sobre as questões que ela coloca, também não existe um interesse da academia em dizer: “quais são as questões que nós desejamos transmitir para a sociedade, quais os valores”. Onde isso existe? Em dois lugares, existiu muito nas ciências humanas, transmitir valores sobre a democracia no tempo da ditadura, nos primeiros anos da redemocratização. Existe muito hoje uma disposição da área de saúde em transmitir recados sobre a saúde. Todos sabemos o que é colesterol, todos sabemos cuidados básicos de saúde que há dez anos atrás eram ignorados por nós. O resto transmite muita pouca coisa à sociedade. Então, este é o ponto também, quer dizer, há um preconceito em relação a isso, uma dificuldade em relação a isso. Agora, mesmo assim, nós temos uma certa...

Dario Vizeu: Mas filosoficamente, já que temos um filósofo, ainda existe um problema com a imagem? Quer dizer, nós temos aí a palavra escrita que parece ainda absolutamente hegemônica. Então, parece que não existe uma coisa maior nisso aí, quer dizer, em que medida a utilização da imagem de uma forma intensa... Entendeu?

Renato Janine: Se a gente quiser remontar numa coisa inaugural da filosofia praticamente que é o preconceito contra a imagem e a defesa do conceito, e do conceito em que exclua as imagens o máximo possível, qualquer imagem, imagem visual, metáfora, etc.. Se a gente quiser pegar o lado que nos interessa mais, que é a filosofia política, eu diria que nós temos hoje na mídia uma praça pública no qual as questões são concretizadas. Isso que o Paulo lembrou, quer dizer, idéia de que quando duas pessoas se encontram, o que fornece estoque de assunto? É a TV. Se eu quero começar a puxar papo no trem ou no ônibus, etc, a maior probabilidade de ter assunto comum é a TV, pode segmentar, pode entrar futebol mas tudo chega pela TV. Então, não dá para você discutir a coisa pública hoje sem discutir como ela passa pelo meio da mediação, da mídia...

Caio Túlio Costa: Isso aí que é importante Renato, é aí, quem, então, deve decidir o que vai na TV? Você viu uma reação corporativa muito forte quando o governo tentou regulamentar a questão da profissão do jornalista.  Você viu uma reação muito forte na questão da lei do audiovisual. Quem tem autoridade para decidir o quê vai na TV, sendo que até hoje quem decide isso é exatamente o mercado? 

Renato Janine: Com uma exceção, que são as TVs públicas, a TV Cultura, a TVs educativas em que a coisa é diferente, mesmo nas TVs que pertençam ao Estado brasileiro, como as TVs educativas, você não tem intervenção do Estado brasileiro decidindo o que vai acontecer. Não sei, sua pergunta é muito difícil de responder, o que dá para dizer é, deixar só para o mercado é complicado. Não há nenhuma certeza que o mercado tenha, vamos dizer, um voto, um endosso da sociedade para determinar o que as pessoas têm direito. Como dizem, faz tempo, José Miguel, quando eu compro o jornal, assisto TV, não está terceirizando a consciência moral dele, não está delegando a quem quer que seja isso.  Agora, por outro lado, ninguém de nós quer que o Estado decida isso. Isso é mais do que superado, apesar do Estado estar em mãos de poderes eleitos, comprometidos com a questão dos direitos humanos, apesar da diferença do PT e PSDB, apesar disso, ninguém quer que o Estado eleito decida isso. Então, é pergunta que fica no vazio.

Oscar Hipólito: Quem corre risco de uma censura num caso desse, sempre tem o risco de uma censura...

Renato Janine: Hoje isso é quase uma fantasia, né, mas a gente não quer acreditar no nosso horizonte.

Oscar Hipólito: Renato, pegando aqui um gancho na universidade e um dos gargalos que você colocou logo no começo, eu diria que um dos gargalos do país é a educação, e todos nós sabemos que o maior problema da educação, ou um dos maiores problemas é a formação dos professores, de uma maneira geral.  E em especial a formação do professor universitário. Principalmente nas áreas mais profissionais. Então, hoje, nós sabemos, por exemplo, que os professores de engenharia são engenheiros, de medicina são médicos, e direito são os bacharéis em direito, e assim por diante. E de uma maneira geral esse pessoal tem pouca formação ou quase nada na área pedagógica, metodologia, tecnologia de ensino e aí vem toda a parte de mídia, audiovisual, de utilização e etc..  O país tem 250 mil professores universitários, sendo que praticamente metade desse número, 110 mil, não tem titulação, nem de mestrado e nem de doutorado. A pergunta que eu faço e em caráter até de sugestão, é como a Capes, através do seu diretor de avaliação vê a possibilidade de envolver as universidades públicas numa política nacional de formação do profissional professor universitário? Dentro da sua área de conhecimento, com seus conteúdos próprios, e com metodologia, ensino e etc.? 

Renato Janine: Olha, a gente está formando no Brasil nove mil doutores por ano, dados de 2004 ainda provisório, quase 30 mil mestres por ano, é bastante coisa. Quer dizer, se a gente canalizasse todos esse pessoal para as faltas que você está elencando, Oscar, então em três ou quatro anos você supriria esses cento e dez mil, você titularia os cento e dez mil. Agora, claro que esses doutores, mestres, que sobe 10% a cada ano, quer dizer, não vão ser nove mil em 2005, mas quase dez mil, esses doutores, esses números, uma parte vai para outros setores, vai para as empresas. É muito bom que vai para empresa, a gente quer que cada vez mais haja doutores na engenharia, fazendo política industrial, aumentando a competitividade, a gente quer que haja gente indo para área de gestão social, educação, saúde, até para movimentos sociais. Tudo isso. Agora, eu acho que nós, qualquer projeto na pós-graduação é uma coisa que demora um certo tempo, porque formar curso de pós-graduação, fazer com que ele forme gente, demora, são muitas demandas ao mesmo tempo. Por exemplo, no ensino básico fundamental que é o ponto crucial, quer dizer, nós estamos investindo no Brasil, pós-graduação é melhor, graduação é mais ou menos, muita coisa ruim, ensino básico e médio é bastante deficiente, então, o que você vai fazer com isso? Hoje para você ser professor no antigo primário, nos primeiros anos do ensino básico, você tem que ter diploma de graduação. Ora, se num estado de São Paulo apenas 1%, se não me engano, dos professores da rede pública foram formados pela USP, não tenho dados da Unesp, da Unicamp, ou das universidades públicas não, vamos dizer, não estatais, tipo algumas PUC’s, então, é muito difícil fazer toda essa mudança sem um comprometimento forte das...

Oscar Hipólito: Esse é o ponto que eu coloco, exatamente esse o ponto, se não tiver uma política clara de formação desse pessoal, temos 110 mil professores na universidade. Ninguém vai mandar embora, e eles precisam ser titulados, eles precisam ser formados como professores. E a grande maioria não é, a gente sabe que não é, mesmo os que têm mestrado e doutorado, que muitas vezes o que tem doutorado ele é um doutor muito específico numa área específica. Mas muitas vezes ele não tem a capacidade pedagógica e nem é um professor de fato, ele pode ser um excelente pesquisador. Então, o ponto que eu coloco é, como formar professor universitário? Eu não estou falando em como formar pesquisador, porque como formar pesquisador, você tem razão, estamos formando nove mil doutores, e depois eu gostaria de fazer uma pergunta nessa linha, não quero monopolizar mas vou fazer uma pergunta na linha na formação de nove mil doutores. Mas a questão é como formar professores, esse é o grande gargalo deste país, quer dizer, se nós não tivemos professores não avançaremos em nada.

Renato Janine: Bem, não estou aqui falando pela Capes ou MEC, mas de qualquer forma a definição de novos programas não depende da diretoria que eu assumo na Capes, é uma definição política que cabe à presidência da Capes, pode ser discutida lá, acho que é uma contribuição sua que é importante considerar.

Olgária Matos: Renato, poderia perguntar uma coisa que é o seguinte, tanto as mídias intervindo na educação quanto a formação universitária ou a escolaridade de primeiro e segundo graus visa um projeto civilizacional, ou seja, visam criar coesão social que as pessoas consigam viver em harmonia consigo mesmas e concórdia na cidade. Então, eu pergunto a você que trabalhou tanto a questão do medo na política, e essa paixão triste que justamente dispersa as pessoas e as isola no seu amor próprio, que as isola na sua solidão. Como é que pode hoje a mídia, como uma intervenção favorável à coexistência social e forma de educação e formação também, como é que isso pode acontecer se nós vivemos uma experiência que poderíamos chamar de dessocializadora pelo medo? Eu lembro não só Hobbes, que você trabalhou tanto, como Spinoza, que no século XVII também afirmava que uma cidade na qual se vive sobre o domínio do medo não merece o nome de cidade, mas o de solidão. Então, como os mecanismos de sociabilidade podem combater o medo? 

Renato Janine: Eu não sei se gente vive sobre o drama do medo, quer dizer, o medo está presente, é claro, quando as pessoas assim constroem condomínios absolutamente fechados, totalmente, há isso, pergunto se em alguma hora não vamos fazer um empreendimento imobiliário e gabá-lo dizendo que ele tem a tecnologia de Bangu II [prisão de segurança máxima do Rio de Janeiro], quer dizer, uma prisão de alta segurança mas para proteger quem está dentro, está quase chegando a esse ponto...

[  ]: Mas pega celular né. [risos]

Renato Janine: Ou por exemplo a questão dos shoppings, quer dizer, as pessoas vão ao shopping, por quê? Porque entre outras coisas tem uma garantia de segurança que você não tem na rua. Então, é claro que para muita gente é preferível isso. Agora, quem está vivendo muito disso eu não sei o quanto tem consciência da experiência do medo, eu acho que em certas coisas, muito. Mas veja, a classe média, de certa forma, se isola de espaços em que ela teria medo, então, no seu dia-a-dia ela não sente o medo pulsando 24 horas. Nas classes mais pobres, ali elas podem circular, no seu ambiente não existe o mesmo medo. Talvez até seja bom revelar o quanto de medo há inconsciente na nossa experiência social. Mas acho também que a experiência social é também experiência de muito ânimo, muito entusiasta. Este país é uma coisa muito curiosa que se a gente for fazer um, qual seria o nome da disciplina, mas uma discussão das paixões na política. Nós temos uma capacidade de entusiasmo a partir do nada que infelizmente muitas vezes decai, como por exemplo, quando você elege um governante no qual você espera muito, ou quando você faz impeachment de um presidente que falhou redondamente aos olhos da opinião pública nas suas promessas. Então, é um jogo curioso e ambíguo. Talvez falte uma solidez maior nisso, ou ainda talvez seja um ritmo do Brasil. Eu não acho que a sociedade brasileira seja uma sociedade em que a política funcione na base francesa da direita e esquerda, da base definida a partir da Revolução Francesa. Acho que a sociedade brasileira funciona muito a partir dos costumes. O que mudou na sociedade brasileira foi em o tipo de costume que havia. Quando havia ditadura na Argentina eles fecharam fecharam rock in roll, fecharam drogas...

Paulo Markun: Proibiram minissaia.

Renato Janine: No Brasil tudo abriu, minissaia e tudo mais. Então, através disso gente que não tinha a menor noção que estava fazendo política, gente que entrou na política pelo direito, como o próprio presidente Lula no sindicato.  É uma coisa muito curiosa esse traço brasileiro, e eu acho isso muito rico.

Oscar Pilagallo: O senhor citou duas vezes o shopping center, uma em resposta ao Gabriel, no caso falando até do papel civilizador, enfim, com relação a televisão, novela até eu posso acompanhar um pouco mais, eu fico um pouco em dúvida em relação ao papel civilizador do shopping, e agora nessa última resposta o senhor falou de um local onde a classe média muitas vezes se recolhe com medo, enfim, de se expor. Qual é exatamente o papel do shopping?  Ele não tem uma carga de exclusão social muito grande para ser considerado civilizador? 

Renato Janine: Ele é ambivalente, você pegou muito bem o valor duplo que eu dou ao espaço. E eu não sei se o shopping center é um veículo de exclusão ou se também é de inclusão social, porque apesar dos preços serem altos você vê que há uma há uma certa expansão geográfica. Eu moro num lugar longe da cidade de São Paulo, moro num lugar chamado Sete Praias, na divisa de Diadema, quando foi aberto um shopping center, Shopping Interlagos, depois o SPMarket, eu notei como isso trazia gente que estava excluída de certa forma, estava indo lá aprender, aprender atitudes, costumes, etc, este é o sentido civilizador, não estou fazendo defesa disso. Agora, há alguns anos atrás, num tempo em que a gente ainda sentia que talvez, dependendo do que viesse, se houvesse ameaça militar de golpe, o que me ocorreu foi que o que nos protegia do golpe não era a cidadania convicta, não era a multidão que ia às ruas como na Argentina para defender Alfonsin [Raúl Ricardo Alfonsín (1927-), advogado e político argentino, foi presidente de seu país de 1983 a 1989. É uma das figuras mais importantes da história de seu partido, a Unión Cívica Radical. Fez grande oposição a Fernando de la Rúa. Denunciou o pacto militar-sindical que vinculava a Junta Militar e a CGT Argentina.] contra um golpe militar, mas era o fato de que nós assumimos como valor o consumo, o valor do shopping. Então, não é um belo valor. Mas, por um lado, é muito difícil você ter portas, cabelo escovinha, ordem unida, banho gelado quando você ao mesmo tempo tem a vontade de gozar no shopping center. Então, é neste sentido que estou falando que é um papel civilizador, muito ambíguo.

Paulo Markun: Vamos fazer um rápido intervalo, depois você faz a pergunta, no Roda Viva que hoje é acompanhado na platéia por Jorge, professor de ética da filosofia da Associação Palace Athena, Rafael Montavane, estudante de ciências sociais, Denise Almeida, jornalista e Luiza Sodré da ONG Transparência Brasil.

[intervalo]

[Comentarista]: Renato Janine Ribeiro quer mais afeto na política e diz que toda boa política no nosso tempo precisa incorporar, inovar, quatro elementos: democracia, República, socialismo e liberalismo. Democracia é a idéia de poder do povo de que a maioria decide os caminhos da sociedade, e isso envolve eleições livres, liberdade de opinião, de organização e de oposição.  República é o bem-comum, é a idéia que coloca o bem-comum à frente das vontades particulares, o que envolve respeito às leis e a noção de que não pode haver corrupção, que não pode trazer o bem-comum para a esfera privada. O liberalismo é a idéia de liberdade que vem do indivíduo, e o socialismo é a idéia dos direitos como direitos sociais. O filósofo reconhece os conflitos evidentes entre liberalismo e socialismo, entre direitos individuais e sociais, mas acredita que a boa política deve unir e dosar esses conceitos. A má política é o autoritarismo, e principalmente o racismo e qualquer tipo de preconceito. Mas Renato Janine não enxerga a vida própria nos preconceitos, acha que ele só adquirem dimensão política por conta de outras razões, como o desemprego e a falta de perspectiva na vida. “Quando há perspectiva de futuro é possível estabelecer elos bons entre as pessoas”, diz o filósofo. Nesta condição as diferença racionais, culturais, religiosas se reduzem muito, e tornam-se apenas diversidade.

Paulo Markun: Renato, para gente continuar falando de política, eu faço a pergunta do professor Nilson Nunes Costa de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, que diz o seguinte: o senhor, como estudioso, acredita que o processo de contradição ética que vive o Partido dos Trabalhadores [PT] é um excelente campo de estudo para a prospecção de que tipo de ética a esquerda brasileira utiliza? 

Renato Janine: Eu acho que a questão ética no interior de um partido ao qual não pertenço porque nunca foi filiado a partido algum, mas acho que a discussão ética é uma discussão importante sim. Eu não sei exatamente qual a contradição ética que ele está falando, porque também até sobre isso deve ter divergências no interior do partido. Mas eu acho muito positivo que as pessoas discutam os valores. Um ponto que eu tenho insistido é a razão pela qual eu tenho ceticismo em relação ao código de ética, é que um código de ética cria uma pauta do certo e do errado. Por exemplo, se o código de ética da qual estou sujeito como diretor da Capes nos proíbe de criticar outros autoridades reais em público. Isso não é ética, isso é disciplina, isso é regra, deveria estar algum código penal. Agora, a ética o que significa? Significa sobretudo estar diante de valores importantes mas que, em uma situação concreta, se revelam antagônicas. Por isso é importante que eu saiba o que escolher. Por exemplo, entre não matarás e não roubarás, se tiver escolha, aí sim você coloca o sujeito ético em cena. Agora, infelizmente no Brasil a discussão ética às vezes é de muito baixo nível e é simplesmente a denúncia da conduta do outro e, vamos dizer, a condenação por palavras fáceis. Isso não faz sentido.

Paulo Markun: Como se encaixa essa discussão com a idéia que o senhor desenvolveu nesse estudo sobre a falta de políticas públicas para a televisão, que é um artigo do tempo do governo Fernando Henrique Cardoso, quando a gente vivia realmente uma certa falência do governo para entrar nessa área, aceitando aquela tese de que: “Ah, o mercado resolve tudo, na melhor das hipóteses fazemos um “Conar” [Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária] da televisão e está tudo resolvido”.  E quando vem o governo Lula e tenta entrar nesse cenário por duas pontas, a Lei do Audiovisual, e por outro lado o Conselho Nacional dos Jornalistas, primeiro, toma uma paulada na cabeça que deixa o governo absolutamente tonto. E segundo, mete os pés pelas mãos porque no caso do conselho de jornalistas, é uma opinião pessoal minha, não é uma pergunta, estabelecia a regra de que se você não pagasse uma anuidade não poderia exercer uma profissão, que é um absurdo. Como é? E o senhor acenava ali para a possibilidade de uma espécie de soma das ONGs com o Ministério Público, quer dizer, algo que a sociedade civil pudesse assumir esse controle. 

Renato Janine: Olha, também um pouco a pergunta, o que é muito claro é o seguinte, o Estado, ainda que ele seja democrático, etc e eleito, quando você elege um governador você não está supondo explicitamente que ele vai nomear o reitor das três universidades estaduais, que vai interferir na TV Cultura, etc. Embora ele possa legalmente fazer isso, mas está supondo isso porque são instituições que têm uma larga autonomia, são instituições que representam, que tem massa crítica forte e etc..  Da mesma forma nós não podemos supor que o governo numa instância possa monopolizar a ação social. Ao contrário, porque nós temos que construir cada vez mais atores sociais intensos que participem muito. Em outras palavras, a única maneira de você regular a TV é fortalecendo o público, você tem que ter um público que reclama...

Paulo Markun: Não só usar o controle remoto... 

Renato Janine: Por exemplo, uma das coisa que eu sugeri é você generalizar o 0800, você generalizar o ombudsman na TV, estabelecer obrigatoriedade das TVs, sobretudo comerciais, de terem um programa semanal, em horário nobre, independente, de crítica àquela TV. Eu ouvi isso na TV inglesa, vi uma coisa delirante que era gente reclamando da previsão de tempo que deu errado porque choveu quando prepararam um piquenique, como se na Inglaterra deixasse de chover algum dia! [risos] E primeiro como se o brasileiro pudesse acreditar na previsão do tempo. Mas acho que algumas medidas desse tipo que fortalecesse um público que por definição é pulverizado, agregando elos, seriam medidas positivas. Agora, isso é um trabalho de longo alcance que....porque uma das coisas próprias da sociedade que vivemos é pulverização total. Quer dizer, os usuários do ônibus, do metrô, os expectadores da TV, somos todos por definição pessoas pulverizadas, não existe uma possibilidade de você criar, vamos dizer, uma associação dos telespectadores que tenham elos fortes, ou vendo TV todo mundo em casa?

Gabriel Priolli: Mas elas existem já em outros países e tal como grupos de pressão, e aqui também tem uma expressão que é o grupo de TV que não é maciço, não tem...

Paulo Markun: No qual o Renato chegou a fazer parte.

Gabriel Priolli: No qual você mesmo fazia parte, e que tem um papel de pressão, de lobby sobre as pessoas que podem decidir a respeito da televisão. Agora, queria te colocar a seguinte questão, você acha que, você aponta a falta de políticas públicas para área de televisão? Você acha que estamos avançando em relação à isso? Quer dizer, no governo anterior, sem dúvida alguma, a visão era de que o mercado é que regulava, então nada foi feito, ou muito pouca coisa se foi feita no sentido de regulamentação, porque não era perspectiva do governo. Neste governo, algumas ações estão sendo feitas, por exemplo, há um debate no Ministério da Justiça sobre a classificação indicativa de programa, da programação, no Ministério da Cultura, o projeto do Ancinaf ainda, em modificações e tal mas seguem discussões. No Ministério da Comunicações, projeto do sistema brasileiro de TV digital, uma série de implicações não apenas técnicas, mas que vão afetar o conteúdo da televisão também. E agora, recentemente, o presidente instituiu um grupo de trabalho para discutir o que devera ser uma futura lei geral da comunicação eletrônica. Tudo bem, coisas estão sendo feitas, mas a meu ver continua havendo a falta de uma visão mais ampla, de uma formulação política mais ampla de compreender o fenômeno da televisão e particularmente da TV de forma mais integrada, de tomar o governo, e enquanto governo tomar, digamos, uma posição mais clara em relação a isso. Como você vê esta questão, você acha que estamos avançando nisso? 

Caio Túlio Costa: A propósito, a emenda Constitucional, a proposta de emenda Constitucional número 55 que garante aos produtores nacionais o monopólio do conteúdo.

Renato Janine: Bom, eu acho que estamos avançando. Os exemplos que você deu são bons, mas eu acho que a questão principal na mídia televisa, já que é ela que, em princípio, coloca o expectador na posição mais passiva é uma questão do próprio público deixar de ser passivo. Quer dizer, acho que as ações, curiosamente para quem que está no governo, eu acredito muito mais na construção de elos sociais fortes, eu acredito mais no limite, talvez o que eu esteja dizendo é um absurdo. Talvez eu acredite mais numa mobilização tipo "senhoras de Santana" para lembrar as velhinhas conservadores que reclamavam contra o sexo na TV e achavam normal ditadura. Acho melhor qualquer reclamação que mude a voz do que é isso. E outro ponto que eu acho, você não tem público forte se esse público for alfabetizado apenas em mídia, se não tiver um público que tenha uma experiência letrada, um público que no momento que você introduz uma experiência letrada, você introduz a capacidade de triagem maior do mundo, e infelizmente nosso público não é multimídia. Sabe?

Dario Vizeu: Então, aí eu gostaria de voltar na questão da filosofia. Quer dizer, há muito tempo estou plenamente convencido de que todos nós deveríamos levar a filosofia para a televisão. Por quê? Primeiro porque eu acho que é uma oportunidade, e quando você fala em letrado, quer dizer, esse contato que a população, por exemplo a brasileira poderia ter, com as questões da filosofia, eu tenho certeza que eles poderiam estar mais habilitados a lidar com os conteúdos da televisão, está certo? E aí, esse ambiente da grande mídia, da grande comunicação de massa, ele tem a comunicabilidade, a facilidade da pessoa assistir como um grande trunfo. Por outro lado, a filosofia que eu considero absolutamente decisiva aí nessa questão das pessoas terem uma ferramenta para lidar com tudo isso, ela ainda se apresenta muitas vezes de uma forma obscura. Quando eu leio um texto três vezes e não entendo nada, o problema é meu ou é do filósofo? 

Paulo Markun: Dario, Renato, desculpe, eu vou fazer uma coisa que não é praxe aqui, mas emendar a pergunta de Ivanildo Avier do Jardim Maia aqui de São Paulo que é cabeleireiro e pergunta o seguinte: “quando é que a filosofia vai chegar à sociedade? O seu programa mesmo -  imagino que ele refere-se ao Café Filosófico -  passa de madrugada, parece que filosofia se esconde da sociedade”.

Renato Janine: Bom, isso aí é da TV Cultura! 

Paulo Markun: Estamos mais cedo hoje.

Renato Janine: Ela que definiu horário, e na verdade o programa passa domingo à noite, nove e meia, dez horas, o Café Filosófico, ele é retransmitido. Acho fabuloso ver esse tipo de audiência grande em programas que, enfim, muitos poderiam dizer que não alcançariam o público, alcança. Agora, no caso da pergunta do Dario, a questão, quando você Dario que tem formação letrada e lê três vezes o ator, o filósofo e não entende, o problema é dele. Quer dizer, de alguma forma uma das grandes coisas que nós temos nas humanas, e inclusive na filosofia é o seguinte, como nós usamos a linguagem natural, linguagem do dia-a-dia, não usamos linguagem formalizada como o físico usa, que é por definição o texto fechado, que a compreensão para maior parte das pessoas, exceto aquelas que tiveram acesso à ciência. Mas um texto de filosofia, um texto de história, um texto de ciências sociais, ele está escrito na mesma linguagem do dia-a-dia.

[  ]: Deveria.

Renato Janine: É claro que as palavras ao serem usadas com maior rigor, maior precisão e etc., mas não há muita diferença, na maior parte dos textos dessas áreas, em escrever de maneira difícil para um pequeno número de pessoas ou escrever para um número maior. Uma vez fui dar uma conferência numa cidade do interior do Brasil e a pessoa que me apresentou ficou falando em Kant [Emanuel Kant (1724-1804),  filósofo alemão, considerado um dos principais filósofos da era moderna. Seu livro mais conhecido é A crítica da razão pura], eu não sei porque, eu nunca usei Kant, mas falava sobre A crítica da razão pura e também não entendi porque ele citava o livro em alemão. Quer dizer, é totalmente inútil. Você tem, infelizmente, numa parte do mundo acadêmico, a convicção temerosa de que se você, de alguma forma, comunicar-se de um jeito compreensível é diminuir a qualidade do que você diz. Parece que dizer coisas incompreensíveis é um parâmetro de qualidade, e isso é uma pena, porque justamente uma das coisas positivas das áreas humanas é que são mutuamente compreensíveis. Quer dizer, eu posso compreender praticamente tudo que um colega de história escreva, ciências sociais escreva, mesmo as partes mais difíceis, quase tudo. E quando não entendo, claro que, quando você jovem você acha que o erro é seu, mais tarde você fala: “bom, ele não explicou um monte de coisas, pode ser entendido de duas ou três coisas diferentes, não explica como está entendendo”. Na verdade o texto é ruim, a maior parte das pessoas que escrevem assim, seja na mídia, seja em outros lugares, é deficiência dele. Ressalvados claro, alguns grandes filósofos que adotaram uma estratégia de outro tipo, aí você tem que respeitar, que é o caso...

Oscar Pilagallo: Queria voltar um pouquinho, desculpa. A gente começou a falar de política no início do bloco, depois a conversa foi para outro lado, mas eu queria voltar a falar de política, uma área que o senhor se interessa muito. E tem uma visão, uma distinção que eu achei muito interessante sobre o PT e PSDB, dois partidos que num determinado momento tinham vias ideológicas próximas, vamos dizer assim. O senhor dizia que o PT expressa uma política nacional, uma vertente mais democrática, e aí entendendo democrático como legítimo anseio pela igualdade. E o PSDB, por sua vez, exprimindo uma vertente mais republicana, mais voltada para a questão da responsabilidade, da governabilidade. A minha pergunta é o seguinte. Isso é uma reflexão de algum tempo atrás, o governo do PT ainda estava começando e tal.  E passado esse período que a gente já teve de governo liderado pelo PT, sendo que o governo acabou se elegendo mais pela esquerda e talvez tenha governado de uma maneira mais conservadora, essa distinção entre esses dois grandes partidos, ela persiste ou ela, esse meio-de-campo acabou meio que embalando esses dois partidos hoje e teriam, do ponto de vista ideológico, uma definição menos clara, uma distinção menos clara?

[  ]: Como diz o Fernando Henrique, aliás.

Renato Janine: Como disse, persiste. Ela persiste porque se não persistisse a gente não entenderia a aspereza do conflito entre os dois partidos, não só disputa do primeiro lugar. Agora, o ponto que eu frisava é, você colocou muito bem, e eu só completaria. A primeira coisa, o PSDB defendeu no discurso dele a  república, a coisa pública, o bem-comum contra vamos dizer uma fragmentação do poder de Estado, mas ele nunca deu base nisso nos movimentos democráticos, que os movimentos realmente existentes são movimentos sociais que desde muito cedo foram mais vinculados ao PT.  Então, o PSDB se refugiou do lado do grande capital, estrangeiro. Mas, ao lado do grande capital não dá para fazer república apoiado no grande capital, não dá para defender o bem-comum, condenar os corporativismos quando você se baseia no grande capital.  Por outro lado...

Oscar Pilagallo: Substancialmente, então, diferente da posição...

Renato Janine: É diferente. O ponto do PT, um momentinho, o ponto do PT é o seguinte, o PT foi um partido que defendeu todas as lutas sociais sem se preocupar muito com articulação entre elas, ao chegar no governo tem que priorizar umas ou outras. Então, é óbvio que, nesse ponto de vista de vista, o PT teve que assumir discurso da república, e tanto que se vê isso na linguagem do PT. Isso é muito forte hoje. O discurso do bem-comum, que antes era um discurso mais do PSDB. E isso daí representa sacrifícios na carne, não há a menor dúvida que tornaram a coisa muito complicada, mas a gente vê que há diferença muito grande...

Oscar Pilagallo: Não é interesse muito do próprio partido de, um lado defender essa governabilidade, e isso implica, inclusive como Caio estava lembrando aqui...

Caio Túlio Costa: Não, ficou do lado do capital financeiro.

Oscar Pilagallo: Se ficou do lado do capital financeiro, mas por outro lado você acaba fazendo política na área social, que acabam funcionando como uma coisa meio... Enfim, uma coisa compensatória, não é uma política principal. Quer dizer, nesse sentido, talvez os dois partidos tenham ficado meio parecidos, e aí o atrito que estava se referindo não seria tanto a questão...

Paulo Markun: O PSDB não aprendeu a fazer oposição.

Oscar Pilagallo: Mas uma questão de disputar mesmo espaço ideológico no espectro do governo...

Renato Janine: Não acho que seja o mesmo espaço, não acho que o vínculo do capital seja da mesma ordem, tanto que o capital aceita o PT mas não se entusiasma com ele. Acho que, o fato de você ter um papel importante no capital financeiro...

Oscar Pilagallo: Não está satisfeito com...

Renato Janine: Não é uma coisa que repecurta, por exemplo, em privatização, que não houve neste governo, embora ainda haja "jóias da coroa" que poderiam ser privatizadas, tal fosse esse o desejo. As políticas sociais não são apenas compensatórias, quando no ambiente da educação você pensa que através do Prouni, através da educação a distância aumentam significativamente o número de alunos da graduação no Brasil. Agora, pela educação a distância, a idéia é aumentar mais um milhão. Eu não acho que seja apenas compensação quando existem ações afirmativas efetivamente sendo levadas a cabo, eu não acho isso. Agora, é extremamente difícil fazer política hoje que existe um terceiro turno praticamente em todos os países do mundo que quase inviabiliza qualquer política de esquerda mais radical, isso é fato. Governos em que a esquerda vence, onde a esquerda se coloca, qualquer que seja a esquerda, e ainda que seja uma com a qual não aprovo e nem a qual simpatizo como o presidente Chavez da Venezuela, não importa que o Chavez só ganha eleição, ganha tudo, ganha eleição, a desestabilização continua o tempo todo, agora com a Secretária de Estado querendo a todo custo afirmar que ele é antidemocrata para viabilizar a derrubada dele. Então, o leque que você tem de opção, o governo mais de esquerda que a gente teve no mundo, foi Jospin [Lionel Jospin (1937-), foi primeiro ministro da França entre 1997 e 2000] na França. É claro que foi um governo diferente do candidato do presidente Chirac [Jacques René Chirac (1932-), foi primeiro-ministro de 1974 a 1976 e de 1986 a 1988. Foi eleito presidente da República Francesa em 1995 e em 2002] mas não foi um governo que pudesse fazer uma série de valores que digamos 20 anos atrás era de esquerda. Está um momento muito difícil para isso, está um momento de muita, vamos dizer, muita reivindicação democrática, muita liberdade democrática, mas o problema é que esta liberdade democrática a gente não sabe muito o que faz com ela, quer dizer, você nunca teve tanta gente elegendo, tanta gente fazendo eleição no mundo com liberdade de expressão e etc., mas esta liberdade de expressão não dá para se pôr entre coisas tão diferentes como, vamos dizer, poderia há 20 anos atrás... É um paradoxo, é um problema.

Paulo Markun: Mas não é fato também que este governo hoje revela a falência da idéia que foi muito dominante no PT de que bastava a vontade política para resolver as coisas? Que o mundo é um pouco mais complicado...

Renato Janine: Não dá mais, não dá mais essa idéia. É claro que você tem que ter competência, tem que ter tudo isso. Agora, o que não dá para afirmar é que o partido que está hoje na oposição, governou o país por oito anos, afirmar que fosse um partido competente, afirmar que o PSDB é competente e que o PT não é competente, não há nenhuma base para isso.

Paulo Markun: É bom ou ruim para o país?

Renato Janine: Acho muito bom nós termos hoje uma atuação em o que PT depois de ter feito uma experiência que não foi fácil em várias prefeituras, especialmente em São Paulo, primeiro com Luiza Erundina, depois com Marta Suplicy. Eu acho muito bom o PT ter assumido a presidência da República e tenha sido capaz de vencer a crise seríissima em que o país estava, de não cumprir o orçamento, de ter uma inflação alta, de ter um dólar muito alto, acho muito bom que o PT tenha sido capaz de governar. E acho bom também o PT ter feito uma série de autocrítica e ver nisso tudo o que é possível fazer e o que não é possível fazer. Acho também muito interessante o fato de que, gostemos ou não, o Brasil como país está obrigado a ter governo de coalizão. Nós não temos estrutura política e nem institucional que permita que um partido ganhe maioria na Câmara ou no Senado. Isso hoje, idéia de um único partido, nós temos cinco ou seis partidos praticamente iguais na votação das bancadas ou próximos, idéia que um único partido conseguisse metade e mais um da Câmara, e metade mais um do Senado, é possível, mas vai ter que haver coalizão sempre, e isso não acho ruim para o país.

Gabriel Priolli: Coalizão na verdade não é o problema, há uma indiferenciação progressiva para os partidos, isso não é um problema, as pessoas cada vez mais têm dificuldades para ver quais sãos as diferenças existentes entre os partidos, se isso já é difícil entre as pessoas mais letradas, quanto mais para a grande massa que não consegue enxergar com clareza o que está acontecendo. Como isso pode ser bom efetivamente? De que forma o país pode avançar no quadro em que os partidos estão cada vez mais parecidos entre si?

Renato Janine: Eu não acho, eu não concordo que os partidos estejam cada vez mais parecidos, porque eu vejo diferenças de posição e tudo mais. Agora, é de qualquer forma um aprendizado, quer dizer, este país ter e está tendo há vinte anos um regime democrático com eleições. Faz parte das eleições o entusiasmo, o ânimo, a alegria e faz parte também a tristeza, o desânimo, o medo, talvez, como diria Galgari. Quer dizer, faz parte tudo isso, e acho que isso daí não é diferente do que acontece hoje no resto do mundo, quer dizer o único país em que há eleições democráticas intensas e que eu vejo uma oposição radical entre dois partidos, paradoxalmente, são nos Estados Unidos. Quer dizer, há vinte anos atrás ouvi dizer que os partidos eram igualzinhos, hoje há um racha cultural nos Estados Unidos que vai de cima até embaixo. Quer dizer, se você perguntar qual sua opinião sobre pena de morte, qual sua opinião sobre sexo antes ou fora do casamento, qual sua opinião sobre uma série de questões, o que você cravar vai te colocar ou entre democratas ou entre republicanos. Mas é o único país, e isso é assustador, nos Estados Unidos isso é assustador, esse racha cultural. Quer dizer, Clinton perdeu eleição do candidato não porque o povo desaprovasse o governo dele, mas porque na discussão toda se jogou valores culturais. Mas no resto dos países você tem, gostemos ou não, não sou fã disso, mas uma certa redução da margem de manobra dos lados. Por outro lado, acho para o país, para o Brasil muito positivo que nos últimos dez anos tenhamos tido como cabeça de chapa numa disputa principal, na disputa pela presidência, dois partidos comprometidos com direitos humanos, dois partidos que não têm na plataforma um compromisso com a ditadura militar.  Quer dizer, se os dois tivessem se aliado eu teria gostado, teria gostado muito, mas talvez tivesse perdido a eleição e tivessem tido para presidência figuras com as quais eu não estaria contente. Agora, eu acho que isso melhorou, a qualidade da discussão política no Brasil, o que eu acho ruim é que essa discussão é desviada para uma falsa ética. Em vez da gente discutir política, a gente discute suspeita, desconfiança, denúncia. E isso no governo passado ocorreu, neste governo ocorre, acho ruim isso.

Paulo Markun: Vamos fazer mais um intervalo, e voltamos daqui a pouco com Roda Viva que tem na platéia, esta noite, também Guilherme, estudante de jornalismo, Gilberto, publicitário, e Sandra Chamas, professora de qualidade de vida empresarial. Nós voltamos já já. 

[intervalo]

Paulo Markun: Renato Janine Ribeiro acredita que as crises necessariamente não mudam as pessoas. Numa situação crítica, as pessoas se refugiam nelas mesmas, reforçando medos e preconceitos. Mas as situações difíceis e complicadas poderiam ser melhores entendidas com mais disposição para a crítica e debate. Com mais espaço nos meios de comunicação para discutir o porquê das dificuldades. Para Janine Ribeiro a alternativa para enfrentar problemas e angústias da vida contemporânea é uma mundo plural com máximo de opções de oportunidades para as pessoas. Mais acesso à leitura, à arte, ao cinema, a uma boa televisão, pois isso cria janelas para o imaginário. A vida de cada um em seu canto fechado, na família ou no próprio meio social é limitada. A filosofia, a antropologia e a psicanálise também podem ajudar a enxergar melhores coisas, e assim tentar promover relações mais autênticas entre as pessoas. Melhores relações pressupõe menos prepotência, menos infelicidade causada pela prepotência, o que a longo prazo pode gerar um pouco mais de felicidade. Renato, queria colocar uma pergunta aqui... Bem, não é uma pergunta, são várias, mas o tema é um só que vai um pouco na contramão disso que é a questão da religião. A pergunta de Arivelton, de Recife, pergunta: “o que se pode esperar de um Papa que afirma serem as religiões não católicas deficientes?” Dilson Andrade de Santa Cruz do Rio Pardo em São Paulo, pergunta como você está vendo a disseminação das TVs religiosas do país e no mundo? O Eduardo de São José dos Campos: o que o senhor acha da religião influenciar a política, e o exemplo recente é a formação de um grupo contra aprovação de pesquisas em células tronco. Todas as questões, conhecimentos, psicanálise, são um pouco na linha contrária da idéia de que a religião dá explicação para as coisas. 

Renato Janine: No começo eu falei que acho a ciência... Bom, a ciência, como a ciência chega à vida das pessoas, bem, quando tem uma pesquisa nova, esta pesquisa pode repecurtir na minha roupa, meu corpo, minha roupa, sua gravata, meu sapato, provavelmente tem uma tecnologia muito recente embutida neles, isso é ciência que em questão de meses da descoberta chega até o produto. Agora, há um outro lado da ciência que chega à nossa consciência, que faz com que a gente conheça mais coisas e se torne uma pessoa capaz de fazer mais escolhas, com maior conhecimento do mundo. Infelizmente a religião está na contramão disso em larga medida, a religião, ou um certo uso da religião que é feita, os fundamentalismos que podem ser católicos, protestantes, mulçumanos em larga medida, bloqueiam esse tipo de emancipação.  Eu tenho a convicção que se o projeto, a Sociedade Americana para o Progresso da Ciência quer fazer todos os americanos no ano 2061 – não sei porque esse ano – no ano 2061 serem letrados em ciências, todos os americanos conhecerem as bases de todas as ciências, esse projeto cortaria pela raiz a possibilidade de um governo Bush. Quer dizer, se você tem todo mundo sabendo que não foi criado o mundo, ou que isso é apenas um mito religioso, mas que enfim, ou bem a hipótese do Big Bang, qualquer coisa, que certamente Adão e Eva não existiram, você tem um avanço enorme em termos de conhecimento do mundo e de si próprio com a capacidade de escolha. Então, desse ponto de vista, as questões que os três telespectadores levantam são inquietantes, porque são projetos retrógrados.

Paulo Markun: O Papa.

Renato Janine: O Papa é um assunto complicado, não sendo eu católico não me interessa muito definir o rumo da Igreja Católica, acho também que não vejo nenhum sentido impedir que a Igreja Católica autorize ou apóie o aborto, jamais vai apoiar, não sei se alguma religião importante vai apoiar o aborto. Mas, por outro lado, é essa guinada que vem ocorrendo desde da morte de João Paulo II, tirando a Igreja de uma preocupação social que era um dos caminhos fortes de crescimento dela, sobretudo na América Latina e no Terceiro Mundo, e canalizando para um, para uma via muito conservadora. Preocupa-me muito esse caminho que veio junto com a mediatização do papado. Agora, o que vai ser Bento XVI, um papa pouco carismático, um papa que assume o poder 20 anos mais velho do que era Karol Wojtyła [nome de João Paulo II] quando se tornou João Paulo II, é um mistério.

Olgária Matos: Renato, mas mesmo a questão da religião, este Papa sendo conservador, dando continuidade até certo ponto a João Paulo II. Se levarmos às últimas conseqüências o que a religião católica diz, seria até absolutamente lógico propor que se faça uma educação de massa com uso de camisinha, ou proibir o aborto, por quê? Porque quem é católico, necessariamente católico não precisa dessas medidas, porque já vai adotar, quer dizer, virgem ao casamento, se seguir realmente o catolicismo. Então, na verdade quando este Papa diz: “nós não vamos nos inserir, somente nas questões sociais, porque o que o mundo está empobrecido espiritualmente precisa mais de transcendência”, isso pode ser extremamente conservador, mas tem algo aí que não é da questão religiosa, mas é questão de que o empobrecimento geral da vida passa por uma empobrecimento espiritual também, e eu te pergunto se isso não está ligado também à ciência e aos shoppings centers no seguinte sentido, você diz que shopping center tem papel civilizador, eu acredito que shopping center, antes de mais nada, não é local de recolhimento só,  do medo e violência, mas é lugar que promete felicidade pelo consumo de bens materiais e frustra permanentemente esta promessa impedindo o consumo, porque as pessoas não têm condição de consumir, o desemprego aumenta, etc. e etc..  As pessoas que você chamou, se eu entendi bem como sendo incluídas e podendo freqüentar shopping center. Então, não acho civilizador. O que eu acho, só citando aqui - dizendo: o mundo vai se acabar, não necessariamente porque vai ocorrer uma guerra, o mundo vai se acabar pelo aviltamento dos corações. E eu te pergunto, esse traço cultural que vai se universalizando hoje, este empobrecimento espiritual não tem relação com essa inimizade na política ao invés de coisa mais agregativa e fraterna, que as pessoas poderiam desenvolver. E só para, enfim, encerrar esse momento, eu acho que há uma tendência, e eu te perguntaria sobre isso também, uma tendência ao desengajamento, à desatenção com relação a si mesmo e com relação ao outro, e a uma superficialidade das relações. O que incide diretamente nas relações amorosas, e por extensão nas relações sociais.  Eu gostaria que você falasse alguma coisa sobre todas essas questões.

Renato Janine: Bom, civilizar Olgária, nunca foi uma coisa só positiva, civilizar na corte francesa significava atrair pessoas para um ambiente de alto consumo, de alta sustentação de luxo e ,ao mesmo tempo, tornar uma série de condutas mais espontâneas, quando as pessoas cuspiam à mesa etc, como inaceitáveis. Então, civilizar sempre foi também uma coisa de exclusão, não só de exclusão de pessoas, exclusão de condutas, exclusão no modo de ser, tornar certas pessoas inviáveis e a vida delas insuportáveis. Ao mesmo tempo que trazia gente. Não vejo diferença entre o civilizar que o shopping proporciona para as massas, e o civilizar que a corte proporcionava às cortes menores fazendo com que a burguesia imitasse a nobreza. Não vejo uma diferença básica pela simples razão que não acho que civilizar é positivo. Quanto à questão da falha espiritual, e da superficialidade, acho que é muito correta. Agora, há um outro, sua análise, agora, há um outro lado disso, é o seguinte, se torno mais fácil a gente se desvencilhar dos problemas, quer dizer, quando uma coisa é insuportável é mais fácil do que seria há algumas décadas atrás, em que um casamento era para toda a vida e as pessoas ficam atadas às vezes ao que as pessoas chamam de cadáver vivo, que você não ama mais mas que você está presa. Hoje é mais fácil isso, o problema, então, se tornou tão fácil que você, em vez de trabalhar uma relação seja amorosa, seja qualquer elo, qualquer laço social, é mais fácil destruir e partir para outro. Então, de fato, o problema está, em grande medida, na dosagem, quer dizer, nós termos liberdade para começar de novo, não quer dizer necessariamente que devemos o tempo todo destruir o que tínhamos, e hoje a propensão é nessa direção, é fácil demais destruir o que tem e começar outra coisa. E isso é espiritual, eu concordo muito com você, concordo com a sua paradoxal análise, há algo em Bento XVI, quer dizer, há algo mesmo para quem faça uma leitura do mundo pela ótica do progresso, ou do avanço social, não deixa de ser verdade, que uma parte das críticas que a Igreja testa, certas condutas, se dirigem justamente às superficialidades como essas. E no momento que está difícil isso, está difícil você ter uma dimensão espiritual deste mundo, talvez isso fosse uma interessante contribuição que a filosofia pudesse dar, talvez isso fosse...

Dario Vizeu: Renato, nós vivemos um mundo desencatado, existe algum espaço para um reencantamento?

Renato Janine: Acho que não só existe como é constantemente praticável, você tem tanto uma venda direta disso sobre forma de auto-ajuda... há um trabalho fantástico disso, mas me pergunto o quanto da filosofia, sobretudo filosofia ética, prática, não tem a ver com a mesma questão, embora eu espere um nível mais alto. Mas quer dizer, o que existe quando você compra um livro de auto-ajuda? É uma idéia de que ele vai de alguma forma melhorar a sua qualidade de ação, sua qualidade para enfrentar as coisas. O que inexiste quando a gente pensa numa emancipação da sociedade, enfrentando os seus gargalos numa capacidade cada um de nós passa a ter um leque mais amplo de escolhas. Por exemplo, os meninos da Irlanda, no começo da independência do país não sabiam que havia homossexualismo. E quando eles notavam que não se emocionavam olhando uma mulher, eles achavam que tinha uma vocação sacerdotal. E o resultado disso não foi bom para ninguém, nem para o clero, que tem hoje a maior proporção dos seus padres na cadeia por abuso de menor na Irlanda do Sul, então, o país do mundo que tem maior proporção deles. Então, na hora que você ensina que existe homossexualismo e que talvez seja a sua praia, então você aumenta essa escolha. Acho que essa capacidade de escolha maior é algo que a cultura traz, quer dizer, se nós fazemos as pessoas terem uma visão cultura mais ampla, nós temos esse alcance. E para isso é importante, e você perguntou várias vezes da filosofia, Dario, você tem um trabalho importante da transmissão da filosofia na sociedade. Uma coisa que eu acho muito importante na filosofia é ela recuperar a sua dimensão propriamente dita, o filosofar, e infelizmente uma boa parte da produção filosófica no Brasil hoje é uma produção de análise de texto, pega-se um texto de análise existente, prova-se que esse texto não é contraditório, tudo harmônico, tudo se equilibra, elimina-se o conflito interno, reduz-se o conflito externo e com isso se faz um trabalho que tem uma qualidade técnica inegável, mas que está enfrentando pouco as questões do tempo. Nós estamos num tempo de falência da soberania nacional, em que se mudou o tipo de conhecimento que temos que é o virtual, em que a arte passou a ser uma arte digitalizada muitas vezes, e portanto, pessoas com autoria, plágio, mudaram de figura. E a gente em filosofia, muitas vezes não vai atrás dessas questões, que estão mudando o mundo radicalmente, e que seria importante.

Paulo Markun: Renato, última pergunta, e nós temos um tempinho curtinho. É o seguinte, você me parece um otimista, e um sujeito que vê sempre o outro lado da questão: “é coisa que é isso, mas também é aquilo”, mas acho que até o maior dos otimistas às vezes fica indignado com algumas coisas, e eu lhe perguntaria o que te deixa indignado.

Renato Janine: Olha, varia, o tempo todo varia. Por exemplo, duas coisas, a indignação fácil, ela me indigna muito, profissionais da indignação, você vê muita gente em jornal que se indigna o tempo todo, e me indigna. E outra coisa que está me indignando agora são as pessoas que dizem que não é necessário ter cota [cotas raciais nas universidades] porque dizem que elas acham complicadíssimo saber quem é negro, e é impossível saber quem é negro no Brasil porque somos todos misturados. E lembro uma palavra, de Jaspers [Karl Jaspers (1883-1969), filósofo e psicólogo alemão, um dos fundadores do existencialismo], na hora de discriminar contra qualquer porteiro de prédio sabe-se quem é negro, é só na hora de discriminar a favor que todo mundo tem pruridos epistemológicos, classificatórios extraordinários. Eu acho isso uma hipocrisia que realmente tem me deixado muito indignado. Mas muda o tempo todo. [risos]

Paulo Markun: Renato, muito obrigado pela sua entrevista. Obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. E convido a todos para estar aqui na próxima segunda-feira às dez e meia da noite, com a entrevista com o presidente da Embraer. Uma ótima semana e até segunda.

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