;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Ruy Mesquita

24/4/2006

O Estado de S. Paulo, um dos mais antigos jornais do país, e sua influência na política nacional, é o tema principal desta entrevista

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

Paulo Markun: Boa noite.  Ele pertence à terceira geração de uma das mais tradicionais famílias de jornalistas do Brasil e dirige um dos mais antigos e influentes jornais do país.  Considera o jornalismo um instrumento para aperfeiçoar as instituições e acha que a imprensa é a melhor polícia dos costumes políticos. O Roda Viva entrevista esta noite o jornalista Ruy Mesquita, diretor do Grupo Estado, que reúne várias empresas de comunicação entre elas os jornais O Estado de S. Paulo e o Jornal de Tarde.

Valéria Grillo: Formado em direito com especialização em jornalismo, ciências políticas e sociais nos Estados Unidos e Europa, Ruy Mesquita seguiu carreira jornalística na esteira do pai, Júlio de Mesquita filho e do avô, Júlio Mesquita. O patriarca começou essa história no Província de São Paulo, jornal criado em 1875 quando São Paulo ainda era uma província.  A primeira edição saiu com apenas quatro páginas e uma tiragem de 4 mil exemplares. Em 1889, ano da proclamação da República, o jornal teve o nome mudado para O Estado de S. Paulo.  Em quase 130 anos de páginas viradas, o Estadão, como ficou conhecido por causa da volumosa edição dos domingos, contou e registrou nos detalhes do cotidiano a história do Brasil e do mundo ao longo desse tempo. Os acontecimentos que marcaram o final do século XIX estão lá nas primeiras edições; o fim da escravidão no Brasil em 1888, a Revolta de Canudos, em 1897, com a cobertura feita pelo escritor Euclides da Cunha [1866-1909] que depois transformou a reportagem no clássico Os sertões.  A Revolução Constitucionalista de 1932 [revolução de 32] foi a manchete do dia 10 de julho daquele ano, seguiram-se tragédias, as grandes guerras, a bomba atômica, a conquista da lua, as revoluções, a censura. O Estadão que carregava na memória cinco anos de intervenção do governo [do presidente] Getúlio Vargas [1882-1954], teve uma edição apreendida em 1968 por conta de um editorial censurado pelo regime militar, o episódio ocorreu poucas horas antes de ser assinado o Ato Institucional número cinco [AI-5] que suspendeu garantias constitucionais, direitos políticos, cassou mandatos e colocou a imprensa sob censura durante sete anos. O Estadão marcou a época publicando receita de bolos e trechos dos Lusíadas de Camões nos espaço das matérias mutiladas pelos censores. Com a abertura, o Brasil mudou e os jornais mudaram. O debate sobre a vida brasileira tornou-se mais rico e complexo. A discussão sobre os jornais e o jornalismo também, novos conteúdos, reformulações gráficas e tecnológicas provocaram muita transformações. O Estadão como outros jornais, recorreu à internet, foi ocupar na rede de computadores o espaço eletrônico onde a acirrada disputa do serviço diário de notícias também se instalou. Mas a discussão sobre confiabilidade, importância da imprensa na sociedade, desafios e o futuro do jornalismo impresso ganharam uma preocupação nova, a crise de endividamento que atingiu a imprensa brasileira durante essas transformações.  Enquanto a ajuda oficial ao setor é debatida em meio a polêmicas, os jornais tentam mudanças para re-equilibrar suas contas. O Grupo Estado re-pactuou dívidas no ano passado e fez uma profunda reestruturação coorporativa que modificou, até mesmo, os papéis dos integrantes da família Mesquita no comando das empresas do grupo. 

Paulo Markun: Para entrevistar o jornalista Ruy Mesquita nós convidamos Roseli Fígaro, jornalista e professora do Departamento de Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP, onde também é coordenadora do grupo de pesquisa Comunicação e Trabalho. Está conosco também o João Roberto Martins filho, cientista político e professor da Universidade Federal de São Carlos; Mauro Sales, jornalista, publicitário, advogado, diretor da consultoria interamericana e consultor da agência de propaganda Publish Salles Norton; Beatriz Kushnir, historiadora do Centro de Estudos de Migrações Internacionais da Unicamp e autora do recém-lançado livro Cães de guarda: jornalistas e censores do AI-5 e a Constituição de 1988; Caio Túlio Costa, jornalista presidente do instituto DNA Brasil e da fundação Sempo e Milton Coelho da Graça, jornalista, professor da Uni Carioca e colaborador do programa Olhar 2004 da TVE do Rio de Janeiro. O Roda Viva, você sabe, é transmitido em rede nacional para todos os Estados brasileiros e também para Brasília. Boa noite doutor Ruy.

Ruy Mesquita: Boa noite.

Paulo Markun: Queria pedir licença para o senhor e para os meus colegas aqui, para fazer uma coisa que normalmente eu não faço no Roda Viva. O Roda Viva é para ser um programa de entrevistas, pura e simplesmente, mas o brasileiro tem mania de falar mal em público e agradecer em particular. Queria fazer um agradecimento público ao doutor Ruy Mesquita pela atitude que ele teve em 1976, dia 1º de maio quando me contratou para trabalhar no Jornal da Tarde. Fui procurá-lo porque estava há oito meses desempregado depois de ter sido preso acusado de ser membro do Partido Comunista no dia 17 de outubro, três dias depois de eu ter sido preso a TV Cultura me demitiu aqui. TV Cultura é uma TV pública, mas no tempo da ditadura não era tão pública como é hoje. Ela me demitiu ainda quando o [Vladimir] Herzog era diretor do jornalismo e eu fiquei numa situação muito difícil com minha mulher na época, desempregada. Também fui procurar o doutor Ruy e disse pra ele... Estou relatando isso por registro histórico: O senhor nunca perseguiu as pessoas no Grupo Estado pela sua posição ideológica, eu preciso trabalhar. E ele me contratou. Então, eu queria fazer este agradecimento e o registro que não é meu, dezenas e dezenas de pessoas durante o período da ditadura, estiveram sempre sendo abrigadas pelo jornal O Estado de S. Paulo e pela família Mesquita. Família esta que participou ativamente das articulações que levaram ao Golpe [militar] de 1964, que é um dos temas do nosso programa, feito este agradecimento, encerro aqui o expediente pessoal dessa história para começar a entrevista perguntando para o senhor o seguinte: o senhor se arrepende de ter participado das articulações do golpe de 1964? 

Ruy Mesquita: Antes de responder esta pergunta uma correção, eu tenho mania de dar a informação correta, disseram que eu me formei em direito, eu não me formei em direito, eu parei no terceiro ano.

Paulo Markun: O senhor não terminou a faculdade.

Ruy Mesquita: Não. E estudei ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, só isso.

Paulo Markun: O senhor se arrepende de ter  participado das articulações do golpe?

Ruy Mesquita: Não, eu não me arrependo. Não me arrependo porque em circunstância iguais àquelas que vivi naquela época, eu faria o mesmo de novo hoje se fosse convidado, como fui convidado por um grupo de militares. Eu insisto em dizer, como disse também em entrevista, não estavam articulando nenhum golpe, mas estavam se preparando para enfrentar um golpe que eles tinham a convicção de que ia ser dado. Não me arrependi, embora tivesse nos custado caríssimo, a ditadura que se instalou no Brasil, à nossa revelia e com a qual nós rompemos desde o primeiro momento, como está dito na minha entrevista. 

Paulo Markun: É difícil para as pessoas mais jovens, eu vejo isso com meus filhos, por exemplo, entenderem o que foi tanto a ditadura e, talvez mais ainda, o processo que precedeu a ditadura e justamente aquele momento em o que Brasil vivia, de um lado aquela euforia e aquele furor da chamada "reforma de base" e, de outro lado, a preocupação de que isso pudesse gerar digamos, alguma maneira, de alguma maneira uma ditadura. O que o senhor acha que é diferente daquela época para o momento de hoje? Ou o mais significativo na diferença, porque há muitas, evidente. 

Ruy Mesquita: Eu quero voltar um pouco no tempo, porque eu iniciei a minha entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo dizendo exatamente isso, porque é quase impossível para quem não viveu a atmosfera, eu falei principalmente o momento internacional naquela época, no sentido de provar que, ao contrário do que se diz hoje com ar de desprezo e, como se fosse uma desculpa apresentada, qual era o ambiente internacional naquele momento em que a Guerra Fria, como eu disse na entrevista, tinha se transferido. O foco central da Guerra Fria passou a ser o centro geográfico das Américas, Cuba com a Crise dos Mísseis, que pouco antes, em 1962, quase provocou a primeira, e seria a única, guerra atômica, que seria iniciada aqui. Não me referi ao ambiente nacional e acho que essa foi uma falha minha, porque também era preciso entender que o Jango [João Goulart (1918-1976) eleito vice-presidente nas eleições de 1960, assumiu o cargo de presidente do Brasil no mesmo ano devido a renúncia de Jânio Quadros, ficando no cargo até 1964, ano em que ocorreu o golpe militar], o fenômeno Jango Goulart, o problema Jango Goulart não nasceu naquele momento, nasceu com a renúncia do Jânio Quadros, ou melhor, nasceu com a traição do Jânio Quadros que eu conheci, como você sabe, intimamente até, tive este desprazer da vida de conhecer aquela figura e com a sua... O golpe que ele arquitetou baseou-se na traição ao Milton Campos que era o companheiro de chapa dele, se ele não tivesse traído o Milton Campos [(1900-1972) político e jornalista que foi candidato nas eleições de 1960 como vice-presidente da mesma chapa de Jânio Quadros (UDN)] e elegido com ele o Jango Goulart não teria ocorrido a revolução de 64, estou convencido disso. Em primeiro lugar porque não tentaria o golpe que ele tentou e cujo esquema era este, exatamente, a eleição do Jango Goulart, ele já estava pensando no golpe que ele tentou e que fracassou completamente, do qual se originou, quer dizer a origem remota nacional do golpe de 64 foi a renúncia do Jânio Quadros e a ascensão do Jango Goulart ao poder por causa da traição que ele fez ao Milton Campos, se Milton Campos fosse eleito...

Roseli Fígaro: Desculpa... Boa noite.

Ruy Mesquita: Boa noite.

Roseli Fígaro: Não seria um pouquinho anterior, desculpe ler, o golpe de Estado de 1964, talvez não tenha sido o início, gestado desde 1950, antes da eleição de Getúlio quando Carlos Lacerda escreve “o senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência, candidato não deve ser eleito, eleito não deve tomar posse, empossado devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. Depois de 1954, a ação providencial de Teixeira Lott não é? Fazendo com que a Constituição vigorasse e, depois sim, em 1961, a renúncia de Jânio. Quer dizer, essa conjunção, essa movimentação de forças não vem, desde 1950, então, tentando, vamos dizer, apoderar-se do que não conseguiu através das eleições?

Ruy Mesquita: Claro, então, voltamos mais para trás ainda. Eu não sei se a senhora conhece o diário de Getúlio Vargas que é uma leitura terrivelmente cacete, enfadonha, porque mostra a imensa mediocridade dele. Ele escreve, quase que diariamente, desde 1930 até 1942, não sei o porquê pára em 1942. Diário editado pela neta dele, pela Celina Amaral Peixoto e que foi publicado em 1995, e são 1.200 páginas de relato minucioso do que foi a vida dele, desde a preparação da revolução de 1930 até 1942, quando ele parou de escrever ou não sei se vão editar a continuação e tal, onde fica claro o quê era o Getúlio Vargas. Tem uma passagem lá que eu acho essencial. Em abril de 1937, não me lembro exatamente o dia, eu tenho lá no meu volume marcado, ele falando nas eleições que iam ser feitas e não sei o quê... Aliás, o meu pai sempre disse para o cunhado dele, Armando Sales de Oliveira [(1887-1945), foi governador do estado de São Paulo entre 1935 e 1936. Foi um dos criadores da Universidade de São Paulo (USP)], quando ele se lançou candidato: “Você é um louco, você deveria estar comprando armas para enfrentar, pelas armas,  o golpe que Getúlio Vargas vai dar, ou você acredita que ele vai fazer a eleição?” Sobre esse golpe é que eu digo, em abril de 37, quando ele conta que recebeu o José Américo [(1887-1980) advogado e político que apoiou a revolução de 1930. Foi ministro do Tribunal de Contas da União em 1937. Durante esse ano, teve o seu nome lançado para concorrer à sucessão de Vargas nas eleições previstas para janeiro do ano seguinte] e falou das eleições e não sei o quê... "E hoje recebi Francisco de Campos que veio me trazer o projeto de Constituição que nós vamos lançar até o fim do ano e não sei mais o quê..." [risos] É este o homem. Evidentemente, no caso do meu pai, por exemplo, que pagou pelo apoio que ele deu, não foi apenas a revolução de 64 que o decepcionou, ele foi decepcionado pela primeira vez pela revolução de 1930, que ele apoiou. Fez todo o possível para interferir junto ao Washington Luiz [(1859-1967) último presidente da chamada República Velha. Foi deposto por forças político-militares comandadas por Getúlio Vargas, na revolução de 1930] para ver se ele fazia as reformas, estabelecia o voto secreto e tudo aquilo que era exigido e não conseguiu, então, apoiou a revolução de 30.

Roseli Fígaro: Mas em 64 nós não tínhamos, então, um golpe à um plano de reformas de base e à idéia da reforma agrária? Nós não tivemos um golpe contra isso? 

Ruy Mesquita: Acabei de falar antes de entrar aqui, o que eu considero muito melhor do que meu depoimento, porque é um depoimento que confirma o meu feito do lado de lá, pelo José Serra [(1942-), economista, político do PSDB, começou a carreira política como presidente da UNE (1963/64), foi fundador do PMDB, secretário estadual, deputado federal (1986 e 1990),  senador (1998), ministro da Saúde (1998), prefeito de São Paulo (2004) e governador do estado de São Paulo (2006)] que é perfeito, minucioso, eu acredito até que ele tenha redigido aquilo como um projeto de escrever um dia um livro, porque a minúcia é de datas e não sei o quê, onde ele escreve exatamente o golpe que o Jango [Goulart] estava preparando, que era um golpe para fechar o Congresso, adiar as eleições, intervir em São Paulo e na Guanabara, para, no caso da Guanabara era o Carlos Lacerda [(1914-1977) jornalista e político foi deputado federal (1947–55) e governador do estado da Guanabara (1960–65). Fundador em 1949 e proprietário do jornal Tribuna da Imprensa e personagem central do atentado que acabou por provocar o suicídio de Getúlio Vargas de quem foi ferrenho opositor], em São Paulo era o Adhemar de Barros [(1901-1969) foi prefeito da cidade de São Paulo, interventor federal e duas vezes governador de São Paulo. Concorreu à presidência da República  em 1955 e em 1960], fechar o Congresso num prazo de pelo menos seis meses. Isso é descrito pelo Serra, que como presidente da UNE [União Nacional dos Estudantes], passava, gozava do íntimo do Jango. Ele descreve diálogos que teve com o Jango, ele descreve a força que ele fez para pedir para o Jango não tentar estabelecer o estado de sítio, que ele ia querer estabelecer, chegou a propor ao Congresso e depois retirou a proposta. Está lá, não fui eu que inventei a conspiração do Jango e nem os militares que vieram nos procurar para que a gente se articulasse para enfrentar esse golpe, quem conta isso é a pessoa mais insuspeita do mundo, que naquele tempo era um radical de esquerda violento.

Caio Túlio Costa: Doutor Ruy precisava interromper o estado de direito?

Ruy Mesquita: Não, não precisava.

Caio Túlio Costa: Mas foi interrompido né?

Ruy Barbosa: Claro, precisava interromper o estado de direito porque o Jango [Goulart] depois foi para praça pública e fez o discurso dele. O que levou os militares a reagir não foi tanto a ameaça comunista, quanto a subversão da ordem hierárquica nas força armadas. Quando eu fui procurado pelos militares, eles já estavam sob a influência da primeira Revolta dos Sargentos em Brasília e eles estavam sendo diariamente desacatados pela tropa. E você sabe que isso para militar é ...

Caio Túlio Costa: Quem o procurou exatamente?  

Ruy Mesquita: Eu cito os nomes.

Caio Túlio Costa: Sim.

Ruy Mesquita: Um deles está vivo ainda, hoje general de brigada, o coronel, naquele tempo, tenente-coronel Rubens Restel, herói da guerra de Monte Castelo. O único brasileiro condecorado com a medal of honor americana, que é a maior condecoração americana por atos de bravura, um dos homens mais íntegros que eu conheci na minha vida, um dedicado a vida inteira ao exército. E um outro que eu não me lembro o primeiro nome, era major Bozon, foram me procurar no Estado para propor que a gente se articulasse. E, outro detalhe, não havia na conspiração nenhum general de quatro estrelas, eles vieram a participar na parte final. Esse negócio de dizer que senhor [general] Costa e Silva [(1899-1969) presidente do Brasil durante o regime militar (1967-1969)], por exemplo, foi procurado por meu pai em determinado momento para participar da conspiração, quase que expulsou meu pai do gabinete, dele lá, porque não admitia que se falasse nisso, ele entrou naquilo como, no crédito.

Milton Coelho da Graça: Doutor Ruy, o governo Castelo Branco [(1900-1967) presidente do Brasil durante o regime militar (1964-1967). Durante seu mandato aboliu todos os partidos] foi um governo que teve o apoio do jornal O Estado de S. Paulo e da maioria da imprensa. E houve até, vamos dizer, um aceno democrático a partir do ano de 66 e tal, em que momento exato O Estado de S. Paulo rompeu com a ditadura? 

Ruy Mesquita: Está dito no meu depoimento. O Estado de S. Paulo rompeu no primeiro momento, quando o Castelo Branco com a eleição do Negrão de Lima [(1901-1981), foi governador da Guanabara (eleito em 650 pela coligação formada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pelo Partido Social Democrático (PSD)], no Rio de Janeiro, houve eleição perfeitamente livre, o programa dele era manter, como eu digo lá, manter o calendário eleitoral, devolver o governo, realizar eleições, foi...

[ ]: Foi no AI-2 né? [ver AI-5]

Ruy Mesquita: Terminar apenas o mandato do Jango [Goulart], convocar as eleições e entregar o civil eleito.

Roseli Fígaro: Mas Jango não aprovou a prorrogação do ato número um e o ato número dois também?

[ ]: No AI-2 que rompeu, não foi?

Ruy Mesquita: No AI-2 rompeu.

João Roberto Martins Filho: Eu gostaria...

Ruy Mesquita: Rompeu no AI-2.

João Roberto Martins Filho: Com relação ao primeiro governo, estou aqui com o editorial [mostra o jornal] que o jornal O Estado de S. Paulo publicou no último dia do governo, 15 de março de 1967, quando terminava o governo do general Castelo Branco. E o editorial é extremamente duro onde se fala o seguinte: “Voltaremos a afirmar nossa absoluta discordância com os inqualificáveis processos que lançou mão o senhor marechal Castelo Branco para conscientemente deturpar, na forma e no fundo, a missão moral e política que recebeu do país através da junta militar, depois de 31 de março” e continuou, “deformado pelo que conservava do seu espírito de homem do sertão, minorado apenas pela tênue camada de verniz que a vida militar lhe propiciou, subiu sua excelência ao poder decidido a não atender em nada o que lhe determinava o mandato da coletividade vitoriosa”.  E compara isso com um telegrama que o senhor mandou, este editorial do O Estado de S. Paulo, ao ministro [Alfredo] Buzaid [(1914-1991) foi ministro da Justiça no governo Médici], com um telegrama violento em protesto contra a...

Ruy Mesquita: Isso na época da censura.

João Roberto Martins Filho: Exato, setembro de 72, mas nesse telegrama o senhor falava que a revolução de 64 abandonou os rumos traçados pelo seu maior líder, o marechal Castelo Branco e numa outra entrevista dada a dois professores, Maria Vitória Benevides e José Álvaro Moisés, o senhor disse: “Eu acho até que meu pai foi injusto com Castelo Branco que foi uma vítima”. Dessas frases que eu pincelei aí, eu queria saber...

Ruy Mesquita: Eu divergi de meu pai nesse editorial que você está lendo aí, acho que ele foi de uma violência. O Castelo Branco, na realidade, já subiu ao poder peitado pela "linha-dura" no momento que ele admitiu, como ministro da Guerra, o Costa e Silva.  Evidentemente que a briga interna dentro das forças armadas existiu desde o primeiro momento e, como eu disse, ele foi forçado, forçado não, pressionado para não admitir, cumprir, realizou a eleição estadual, e com a eleição de dois oposicionista, juscelinistas [partidários de JK - Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976), médico, militar e político brasileiro, foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. Seu governo é lembrado pela mudança da capital para Brasília e pelo estilo desenvolvimentista] em dois estados da importância na Guanabara, naquela época, e de Minas Gerais. A "linha-dura" queria que ele já começasse ali a romper com compromissos dele não dando posse para dois eleitos.  O preço que ele pagou pela posse, que ele fez questão de dar, foi o ato institucional número dois, onde aí ele cedeu, prorrogou. Primeiro prorrogou seu mandato, já passou por cima da promessa de só cumprir o mandato do Jango, fazer eleição e devolver o poder aos civis e depois dissolveu todos os partidos e criou só dois partidos, um de apoio e um de oposição à revolução. Aí meu pai rompeu nesses termos. Eu entendi o Castelo Branco não ter, vamos dizer, “quebrar o pau”, ele não tinha força para isso, ele não tinha condição material para vencer a "linha-dura" que lá, naquela época, era majoritária dentro das forças armadas e digo, era majoritária por isso, depois da primeira Revolta dos Sargentos, houve aquele espetáculo no final do governo do Jânio Quadros, do Jango que precipitou o golpe que foi, não estava marcado para dia 31 de março, não estava marcada para data nenhuma, estavam esperando o momento que o Jango fizesse qualquer coisa que justificasse o golpe. Ele fez esta coisa, mas quem comandou o golpe foi um oficial secundário da conspiração, o Mourão Filho [1900-1972] que não era um homem muito respeitado pela tropa e tudo isso.  Por causa do comício da sessão no Sindicato dos Metalúrgicos, levada e feita pelos marinheiros e depois pelo comício no Automóvel Clube, onde participaram juntos, os sargentos e corpo de fuzileiros navais comandados pelo Almirante, como era o nome dele?

 [  ]: Aragão.

Ruy Mesquita: O Aragão.

Milton Coelho da Graça: O senhor tem acompanhado essas revelações sobre a participação americana no golpe de 64, até que ponto o senhor acredita nessas revelações?

Ruy Mesquita: Eu sei que é falsa, os americanos, evidentemente como eles fazem sempre, estavam atentos àquilo, como disse o Lincoln Gordon [diplomata americano que trabalhava na embaixada na época do golpe militar]. Os comandos mais altos da revolução na véspera procuraram Lincoln Gordon para pedir aos americanos o reconhecimento do Estado de beligerância, porque eles não imaginavam que o Jango ia cair do jeito que caiu. Eles acreditavam no chamado, como disse o Serra, eu sempre cito o Serra, porque o Serra é insuspeito, eu sou suspeito se acharem que eu estou querendo deturpar a história. [risos] Ele não, era um dos mais radicais esquerdistas na época, líder estudantil da esquerda e conta tudo isso que estou contando, o Lincoln Gordon, os Estados Unidos ia mandar uma tropa para ficar aqui, tudo isso é verdade, agora que eles tenham participado do golpe, participado da conspiração, isso é absolutamente falso.

Paulo Markun: Nilson Nunes Costa, de Volta Redonda, do Rio de Janeiro, que é professor pergunta: Se não tivesse ocorrido o golpe, o senhor acha que hoje nós teríamos um Estado agradável, entre aspas, parecido com Cuba e Coréia do Norte, além da falta de liberdade e falta de democracia? E o Cláudio, de Campinas, pergunta: Se o senhor vê alguma possibilidade de um novo golpe militar no país?

Ruy Mesquita: Bom, a segunda resposta é óbvia, não vejo a menor. Graças a Deus! Lembro que a democracia brasileira está plenamente consolidada e enquanto a primeira, repito, precisava se ter vivido, eu também participei e apoiei desde o primeiro momento o movimento fidelista [movimento que apoiava a revolução de Fidel Castro], fui agraciado pelo Fidel Castro com dois jornalistas brasileiros, dois únicos jornalistas brasileiros convidados pelo Fidel Castro para a primeira comemoração do 26 de julho, depois que ele foi eleito, depois que ele assumiu o poder, fui eu e o Armando Gimenez que era “comuna” [membro do Partido Comunista], meu companheiro daquela época, só nós dois. Eu fui apresentado à multidão na praça de La Revolución, como o jornalista que mais tinha defendido a revolução de Sierra Maestra [região serrana que se situa ao sul da ilha de Cuba e que foi cenário de conflito entre as tropas revolucionárias de Fidel Castro contra as do então ditador de Cuba, Fulgêncio Baptista. Lá, ocorreu a primeira vitória militar das tropas de Fidel contra Baptista, em 1959] em todas as Américas. A revolução de Sierra Maestra foi uma brincadeira que deu certo, porque eram 21 ou 22 malucos que desembarcaram nas costas de Cuba né? E ficaram lá na... não houve grandes combates, não houve tiroteio nem nada, o [general Fulgêncio] Baptista [(1901-1973), dirigente de Cuba na época da revolução] acabou caindo de podre e o Fidel Castro assumiu, naquelas condições em que ele assumiu. Quer dizer, a possibilidade de acontecer isso naquela época e o que sustentou o Fidel Castro foi, como eu digo sempre, a venda do... ele se vendeu ao comunismo como garantia que os americanos não poriam a mão lá. Então, ele ficou como ficou até hoje, quer dizer, não havia na história daquela época, nenhuma ditadura comunista que tivesse caído, começaram a cair, caíram todas juntas depois do Muro de Berlim, caíram juntas com o Muro de Berlim. Essa era a diferença, também acho que há uma injusta história contra o exército brasileiro, falam do exército como se as barbaridades que ocorreram durante o período da ditadura militar fossem barbaridades institucionalizadas, como eu digo, quando eram feitas à revelia do chefe de governo, não houve nenhum dos chefes de governo, nem mesmo o Médici [(1905-1985), presidente do Brasil entre 1969 e 1974], cujo período houve a maior quantidade de barbaridades, que aprovasse aquilo, eles não tinham força para segurar meia dúzia de malucos que faziam essas barbaridades, e assim mesmo...

Beatriz Kushnir: Mas no depoimento do Geisel para o CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação Histórica] e depois para o [Elio] Gaspari [refere-se à série de quatro volumes sobre a ditadura militar: Ditadura envergonhada, Ditadura escancarada, Ditadura derrotada e Ditadura encurralada, de autoria do jornalista Elio Gaspari e que traça um painel completo sobre a época da ditadura militar], o Geisel admite que a tortura era necessária, e ele sabia o que estava acontecendo.

Ruy Mesquita: Para nós, a minha tese sempre foi a de que o Geisel também entrou, subiu ao governo, o Geisel não se pode esquecer, o Geisel era da linha do Fidel... [risos] do Castelo Branco, ele era do grupo do Castelo Branco, era moderado e queria aquele programa inicial do Castelo Branco que não foi possível realizar. Imperava a "linha-dura" nas forças armadas e tudo. E ele teve uma atitude igualzinha do general De Gaulle [(1890-1970) general e estadista que liderou as forças francesas livres durante a Segunda Guerra Mundial. Foi chefe do governo provisório francês, de 1944-1946, e voltou a ser presidente entre 1958 e 1969, momento em que concede emancipação às colônias francesas] quando subiu ao poder de novo em 58 na crista da revolução de Argel, e ele traiu a revolução de Argel. Traiu o general Massu [(1908-2002), general que liderou a repressão contra a Frente de Libertação Nacional (FLN), movimento de insurreição argelina contra o domínio francês na região] que o levou ao poder na França.

[interrompido]

Ruy Mesquita: Mas, então, o Geisel fez a mesma coisa, agora a primeira coisa que ele fez quando subiu ao poder, e nós estávamos aí na oposição mais desabrida com o governo, com censura dentro da coisa, foi chamar meu irmão, Júlio, o Golbery chamou o Júlio e falou: “Nós vamos acabar com a tortura, vamos acabar com o AI-5 e vamos acabar com a censura, vocês tenham paciência”. Nós não tínhamos paciência nenhuma e não podíamos deixar de ter porque estava plenamente instaurada a censura na forma de um censor dentro do jornal e tudo, nós exigimos, porque nos recusamos a fazer censura por nossa própria conta. E ele cumpriu rigorosamente a promessa dele, aos poucos, até que ele, com a tragédia do Herzog, com a tragédia do Manoel Fiel Filho [(1927-1976) operário metalúrgico morto por tortura durante a ditadura militar] e tudo, ele demitiu o general Ednardo [d’Ávilla Mello] e demitiu o ministro do Exército, o Sílvio Frota e acabou definitivamente com a censura.

Beatriz Kushnir: Sobre a censura no Estadão. O Estadão pôde publicar os Lusíadas e o Jornal da Tarde pôde publicar receitas de bolo.  O Oliveira uma vez contou que as pessoas ligavam para o jornal dizendo que a receita de bolo da primeira página estava faltando ingrediente porque não dava certo. O Mino Carta [(1933-), jornalista, trabalhou em grandes jornais e revistas como, Jornal da Tarde, Veja, Isto é, Carta Capital] uma vez, fez uma referência a essa possibilidade que a Veja pôde publicar só cinco [...] que o Mino teria inventado para cobrir os espaços de censura, e que ao Estadão teria se dado essa oportunidade de publicar os Lusíadas em várias edições e as receitas também. E eu entrevistei o Coriolano Fagundes, que foi um dos últimos chefes da censura e que foi o censor do Estadão e ele dizia que ao Estadão foi concedido o que a Veja não pôde ter, é verdade? Por que o Estadão teve essa concessão de publicar? 

Ruy Mesquita: Concessão? Porque eu suponho que o governo foi surpreendido com aquilo e não sabia o que fazer, o que ele poderia fazer? Houve gente dentro do governo que queria fechar o Estado, isso eu sei por informações, quem não permitiu isso foi o grupo do Geisel, foi o grupo do Geisel-Figueiredo que tinha uma dívida de gratidão com o jornal, por causa das relações que o pai dele teve durante a revolução de 32, foi o comandante militar da revolução de 32, a única explicação é essa. Sobre o Mino Carta e os depoimentos dele eu prefiro não falar, em homenagem a memória do pai dele que foi meu maior amigo e foi meu mestre de imprensa e felizmente era bem diferente do filho.

João Roberto Martins Filho: Gostaria de voltar ao De Gaule um pouquinho, os militares foram muito influenciados por essa coisa toda francesa. Doutrina de guerra revolucionária que entrou aqui em 1959. Em 1961 já havia a adoção pelo estado maior do exército, a idéia da guerra revolucionária, o senhor tem uma memória fantástica pelo que eu pude perceber. O senhor lembra que em 72 a 74, foi  adido militar da França no Brasil, um general chamado Paul Aussaresses.

Ruy Mesquita: Agora nessas comemorações dos 40 anos ele voltou a tona aí.

João Roberto Martins Filho: Porque ele foi um dos maiores torturadores na guerra da Argélia, o senhor tem idéia do que ele estava fazendo aqui naquela época?

Ruy Mesquita: Não sabia o que ele estava fazendo aqui naquela época, fiquei sabendo depois. Mas eu gostaria de restabelecer a memória do exército brasileiro, que o pessoal esqueceu com essa tragédia que foram esses 20 anos né? A atuação pregressa do exército brasileiro desde a  Proclamação da República, ou o movimento tenentista  [refere-se a movimentos dos militares brasileiros de protestos e denúncias contra a situação política que se encontrava o Brasil no contexto da República Velha, que exigia a moralização do política, voto secreto e feminino, entre outros. Destacam-se a Coluna Prestes e os 18 do Forte de Copacabana] foi a coisa mais progressista que este país conheceu. Quer dizer, o movimento de geração da democracia assim chamada da primeira República, quem é que liderou? O Luís Carlos Prestes [(1898-1990) ex-tenente do exército, foi um dos fundadores do Partido Comunista no Brasil e líder da Coluna Prestes] era capitão do exército quando ele chefiou a Coluna Prestes, ele não era comunista ainda, quem estava junto com ele na Coluna Prestes era o Juarez Távora, era aquele outro que parece foi o chefe mesmo, me esqueço o nome, o Miguel Costa. E, a Coluna Prestes não foi como a coluna do Mao Tsé Tung [(1893-1976), revolucionário que liderou a revolução comunista na China, promoveu a Grande Marcha, depois da qual se tornaria o grande líder da revolução e do Partido Comunista Chinês] uma coluna comunista, foi uma coluna democrática, ele virou comunista depois de exilado no Uruguai no fim da Coluna Prestes em 29.

Milton Coelho da Graça: Doutor Ruy, o senhor não acredita que o fato, a Guerra Fria, e o fato de muitos oficiais brasileiros terem sido levados para serem treinados na [...], e também no Panamá, tenham pervertido essa memória histórica do nosso exército que era realmente um exército empenhado nas causas democráticas e nas unidades do país?

Ruy Mesquita: É um outro ponto que eu saliento na entrevista do Estado. É uma mentira histórica que a revolução de 64 foi financiada pelos americanos.

Milton Coelho da Graça: Não digo que tenha sido isso.

Ruy Mesquita: Não foi. Nunca houve na história brasileira uma política tão frontalmente contra a liderança americana nos organismos internacionais como a da ditadura brasileira depois do Castelo Branco. O único governo que ainda preservou a aliança com os Estados Unidos foi o governo Castelo Branco através do Vasco Leitão da Cunha [(1903-1984) diplomata] que, aliás, tinha sido embaixador do Brasil em Cuba, era amigo pessoal do Fidel Castro e criou aquela doutrina chamada dos "círculos concêntricos" que foi o tema do discurso que o Castelo Branco fez na Escola Rio Branco, escrito pelo Vasco Leitão da Cunha, dizendo o que os interesses do Brasil eram apresentados em ciclos concêntricos, o primeiro era América Latina, o segundo eram as democracia ocidentais e o terceiro a Guerra Fria, aliança incondicional com o mundo ocidental contra o mundo comunista.

 [  ]: Doutor Ruy!

Ruy Mesquita: Já o Magalhães Pinto [(1909-1996) um dos fundadores da UDN] como ministro do Exterior, e aí eu cobria todas as conferências da OEA [Organização dos Estados Americanos], eu via a atuação dele na OEA, frontalmente contra os Estados Unidos. E o Geisel chegou ao requinte de romper o decoro militar com os Estados Unidos, de criar o famoso "pragmatismo responsável" que era, em outras palavras, meu particular amigo, Azeredinho, Azeredo da Silveira [(1917-1990) diplomata brasileiro, foi ministro das Relações Exteriores no governo de Ernesto Geisel], que era um dos diplomatas mais inteligentes do Brasil, mas que adotou uma política... ele falava: “Nós somos contra o alinhamento automático com os Estados Unidos”. Então, qualquer posição que os Estados Unidos tomassem, seja na OEA, ONU [Organização das Nações Unidas], onde fosse, o Brasil estava contra, sistematicamente contra.

Caio Túlio Costa: Doutor Ruy, só um parênteses que o senhor falou do Fidel [ver entrevista com fidel no Roda Viva] e da sua participação no começo da revolução, por que o senhor acha que o Fidel permanece? Quer dizer, o mundo comunista ruiu, mas o Fidel é um dos pouquíssimos que permanece. A gente conta nos dedos quem permanece. Por quê?

Ruy Mesquita: Porque ele castrou o país dele, ele castrou o país dele.

Caio Túlio Costa: Mas não foi só ele que castrou.

Ruy Mesquita: Como não foi só ele? 

Caio Túlio Costa: O que foi feito na Albânia, o que foi feito na União Soviética.

Ruy Mesquita: Ah bom, pois é, porque o mundo, o império soviético ruiu junto e liderado pelo Gorbachev [(1931-), secretário-geral do comitê central do Partido Comunista da União Soviética entre 1985 a 1991, que promoveu a perestroika] que acabou com o império soviético.

Caio Túlio Costa: O que explica o fato do Fidel resistir? 

Ruy Mesquita: Porque Cuba, ele não tem condição nenhuma de resistir. Eu, esta semana tive uma experiência que me deixou fascinado. O novo embaixador de Cuba me pediu para recebê-lo aqui no Brasil, que começou conversando comigo assim, como se não existisse essa comunicação absolutamente geral e absoluta, não há como esconder as realidades, ao me contar o que era Cuba. Mas eu disse: “Eu conheço Cuba”. “Ah! O senhor conhece?”. “Claro que eu conheço, eu conheço Cuba porque em primeiro lugar eu estive lá”. Eu estive lá, primeiro, no regime do Batista, em 1956, numa conferência da SIP, Sociedade Interamericana de Impressa, que estava reunida lá em Cuba, com meu irmão, quando aconteceu o primeiro episódio que até hoje aparece em fitas de cinema aí, da revolução cubana. Que foi exatamente porque estavam lá 300 jornalistas das Américas, os castristas [movimento pró Fidel Castro] que ainda não tinham desembarcado em Cuba resolveram fazer essa cena de cinema, entraram no cassino de madrugada onde estava o chefe do serviço secreto do exército de Batista, e fuzilaram ele na mesa do jogo, e fugiram. E se refugiaram na embaixada do Haiti. O Batista entrou no dia seguinte na embaixada do Haiti, tirou os rapazes, eram estudantes, jovens que estavam lá, alinhou-os na calçada e fuzilou eles ali mesmo. Todos, tanto que nem eu, nem o Júlio, nem o Nascimento Brito compareceu à recepção que Batista deu aos jornalistas, que deu dias depois, em sinal de protesto contra a barbaridade que tinha acontecido. Eu conheci a história de Fidel Castro, porque eu tinha fascinação por aquilo, aquele documento que ele produziu quando estava preso pelo ataque ao quartel Moncada, ele mesmo fez sua (auto)defesa, "A história me absolverá", era um documento de um estudante de direito do Largo São Francisco do tempo do Getúlio Vargas.

Caio Túlio Costa: Não havia conotação comunista?

Ruy Mesquita: Nenhuma, nenhuma, nenhuma. O partido comunista era contra o movimento fidelista, o Partido Comunista Cubano apoiava o Batista contra o Fidel, depois houve aquilo que eu disse, houve o desembarque de um bando de malucos, 20 e poucos malucos no Iate Granma, que vieram no México, desembarcaram em Sierra Maestra e ficaram lá, passeando, fazendo proselitismo e tudo, até que...

Mauro Salles: Queria voltar de Cuba para o Brasil, e principalmente para o Castelo Branco, porque eu era chefe de redação do O Globo em 63, 64 e também articulistas do O Globo era o Augusto Frederico Schimidt [1906-1956], poeta, empresário e era meu amigo particular, tinha um carinho muito grande por ele. Ele me aproximou do Castelo Branco. Alguns meses antes do processo, e eu abono a sua interpretação, quer dizer, Castelo Branco revelava uma preocupação que ia haver um golpe contra a democracia e contra os que defendiam a democracia dentro do exército, interrompendo um processo de defesa que o exército assumia para a democracia. Essa tese, o Schimidt comprou e passou a ser, inclusive, a usar os espaços que tinha no O Globo para promover essa tese. Portanto, festejou o episódio que se era 31 de março, se era 1º de abril e todo mundo sabia que o general de Minas não tinha nenhuma condição de fazer nada, e logo depois houve o processo da eleição de Castelo Branco para a presidência da República e o Castelo contou ao Schimidt que estavam tentando impor a ele o nome do Costa e Silva para ministro da Guerra, que era o nome, naquela época, e o Shimidt, com aquele vozeirão que ele tinha, esbravejou: “Se você fizer isso, você vai cair, você não vai agüentar, porque isso é ponta de lança”. Inclusive porque o Costa e Silva é suficientemente burro para só ter umas duas idéias, e essas ele as vai cumprir de qualquer forma e as idéias dele são as idéias de "linha-dura", são as idéias exatamente opostas ao do Castelo. Tanto assim, que o primeiro artigo que surgiu no O Globo contra a subida do Castelo ao poder foi do Schimidt cerca de 40 dias depois, ele foi acusado de estar traindo a revolução que ele tinha defendido, mas na verdade, revelava um Castelo bastante próximo desse que o senhor descreveu. O senhor chegou a ter contato com o Castelo?  Eu tive...

Ruy Mesquita: Uma vez.

Mauro Salles: Mas nesse período? 

Ruy Mesquita: É, no período que ele estava no governo. Você lembra que houve uma eleição municipal aqui em São Paulo. E chamada revolução não tinha candidato, então, fizeram um apelo ao Paulo Egídio Martins para ser um candidato para perder, quem ia ganhar a eleição, todo mundo sabia, era o Faria Lima, como ganhou, mas ele surgiu como candidato da revolução do Castelo. E depois que ele perdeu, o Castelo convidou meu pai, eu e o Paulo Egídio para irmos lá, foi quando ele conheceu o Paulo Egídio, foi quando começou a carreira do Paulo Egídio, na revolução para agradecer o apoio que o Paulo Egídio tinha dado a ele.

Mauro Salles: Como é que se explica, por exemplo, eu conheci vários daqueles militares, e naquele tempo nenhum chefe de redação, de reportagem ou de qualquer jornal poderia sobreviver se não soubesse de cor os nomes dos comandantes dos cinco exércitos. A gente, hoje, não sabe nem se são cinco ou se são quatro. Eu acho que mesmo aqui, esses jornalistas tão bem informados não devem saber o nome, porque é desnecessário jornalisticamente saber o nome de certas chefias militares, mas era muito nítido, naquela ocasião, que talento, a inteligência, a capacidade de fazer abstrações, estava na mão de militares muito próximos do Castelo. 

Ruy Mesquita: Mas era claro.

Mauro Salles: Enquanto que os truculentos eram de uma pobreza intelectual!

Ruy Mesquita: Estupidez.

Mauro Salles: Então, como é que a burrice pode ter superado a inteligência de forma tão avassaladora, isso não consigo entender.

Ruy Mesquita: Aí que está, eu digo sempre, quem comandou a revolução foram "os porões".

Roseli Fígaro: Porque o jornal não apoiou a "frente ampla" [movimento político, lançado em 28 de outubro de 1966, com o objetivo de lutar pela "restauração do regime democrático" no Brasil, que teve como principal articulador o ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, e contou com a participação dos ex-presidentes Juscelino Kubitscheck e João Goulart] quando Lacerda pensava em trazer Juscelino e João Goulart novamente para se opor a esse momento.

Ruy Mesquita: Meu pai tinha suas razões. Meu pai, sua preocupação, como eu digo também na entrevista, não era tanto o comunismo, mas sim o getulismo, pelo que ele sofreu na mão do Getúlio. Ele considerava o Getúlio um caudilho pan-americano.

Roseli Fígaro: Mas, nesse momento, os interesses nacionais.

Ruy Mesquita: Como?

Roseli Fígaro: Mas, nesse momento, os interesses nacionais não estariam acima para a retomada do poder civil? 

Ruy Mesquita: Não tinha a menor condição, aí estava no auge da "linha-dura", quando é que foi a linha? 

Roseli Fígaro: Frente ampla? 1966.

Ruy Mesquita:Pois é.

Roseli Fígaro: Logo após, um pouquinho, no período do AI-2.

Ruy Mesquita: Não. 66? 

Roseli Fígaro: 66, Frente ampla.

Ruy Mesquita: Isso não me lembrava, mas ele não aceitou e também...

Roseli Fígaro: E o Carlos Lacerda que estava articulando.

Ruy Mesquita: Mas nós não tivemos assim, essa...

Roseli Fígaro: Mas Carlos Lacerda não era candidato à presidência dessa corrente que apoiou?

Ruy Mesquita: Mas eu digo que Carlos Lacerda nunca participou da conspiração. Não queria nem ver os militares subir ao poder. Eu descrevo uma cena que eu assisti na fazenda da família aqui em Louveira. Meu pai estava lá e o Carlos Lacerda estava sendo caçado para ser assassinado, por um pára-quedista do exército, um oficial pára-quedista do exército, queria me lembrar o nome, está aí inclusive no depoimento do Serra, ele confirma tudo isso. E ele resolveu dar uma desaparecida assim... E apareceu de repente lá, sem avisar previamente na fazenda que ele conhecia. E meu pai disse para ele: “Carlos, doutor Carlos” – como ele chamava o Carlos Lacerda, era muito cerimonioso. “Nós não podemos escapar, os militares têm que ocupar o poder, remover o Jango daí e tal”, e disse: “Doutor Júlio, eu não posso admitir isso, porque se eles subirem lá, não saem mais”.

Roseli Fígaro: Ele estava certo.

Ruy Mesquita: "E acho que tenho direito de pelo menos disputar a presidência da República depois de tudo que eu fiz e tal..."

Roseli Fígaro: Ele estava certo.

Ruy Mesquita: Nunca participou de uma reunião com militares a não ser na última reunião que houve já para saber o que deveria fazer lá no palácio dele né, que acabou cercado.

Roseli Fígaro: Hum-hum.

Ruy Mesquita: Acabou cercado pelo almirante Aragão, pelos fuzileiros navais e foi, quem foi tentar libertá-lo.

Mauro Salles: Foi o coronel Geisel?

Ruy Mesquita: Não, não. Foi aquele que depois enlouqueceu, o Burnier, o coronel Burnier da força aérea que acabou fazendo barbaridades, uma tropa formada com armas compradas pelos conspiradores no Paraguai, jipes e não sei o quê, foi lá tentar salvar o Carlos.

Mauro Salles: Comprada com "nota fria" talvez.

[Risos]

Paulo Markun: Doutor Ruy, duas perguntas de telespectadores que trazem a discussão para os dias de hoje, Leandro Loiola, de Vila Mariana aqui em São Paulo, pergunta: Como fica a independência dos órgãos de imprensa que estão em dificultados financeiras, especialmente a Rede Globo?  Rui Jobim Neto, de Pinheiros pergunta: Nesses momentos que o país enfrenta uma crise econômica, o que o senhor acha dos empréstimos propostos para que o BNDES conceda para empresas de comunicação? 

Caio Túlio Costa: Só acrescentando junto, quer dizer, eu acho que é boa questão, o Estado até já fez um editorial sobre isso, mas era importante o senhor explicar aqui para gente, se o dinheiro público pode ser utilizado nesta ocasião? Quer dizer, numa ocasião em que nós temos a indústria da mídia sofrendo uma crise que jamais sofreu, e agora, está aí trabalhando para obter cerca de 4 bilhões de reais do BNDES.  Toda indústria.

Ruy Mesquita: O número não é este, ninguém sabe quanto é. Agora, que é perfeitamente ético... em primeiro lugar... quanto à independência da imprensa no que diz respeito ao jornal O Estado de S. Paulo, basta você ler os editoriais que nós temos feito depois de termos, não diretamente, mas através da agência de jornais, como é?  ANJ.

[]: Associação Nacional de Jornalistas.

Ruy Mesquita: Por acaso, o presidente hoje do Estado, Francisco Mesquita Neto, em nome da ANJ, está pleiteando essa ajuda do BNDES, que é uma ajuda igual a qualquer outro tipo de imprensa que está na mesma situação que nós estamos, que eu acho perfeitamente razoável.  Agora o [Carlos] Lessa do BNDES sabe que ele nunca tomou tanta paulada como depois que ele foi citado no Estado, em editoriais, porque nós somos totalmente críticos da atuação dele como presidente do BNDES e continuamos sendo críticos, quer dizer, com ou sem auxílio do BNDES, que na realidade, hoje em dia, nós já equacionamos o problema da nossa dívida, nossa situação é difícil, é dura, mas está perfeitamente sanada. Não temos problema nenhum, se o BNDES não conceder.

Paulo Markun: O senhor acha que a concessão do dinheiro público para empresas em dificuldade de comunicação não compromete sua independência?

Ruy Mesquita: É uma empresa como qualquer outra e na maior parte do mundo é uma das empresas mais importante do mundo, do ponto de vista até financeiro.

Paulo Markun: Mesmo que seja uma crise de gestão, digamos? 

Ruy Mesquita: Não, não há crise de gestão, quer dizer, no caso da Globo eu não conheço profundamente, mas houve um erro de cálculo, com negócio da televisão a cabo, que não foi o que eles pensavam que fosse, eles têm uma saúde econômica fabulosa na televisão tradicional e tudo isso, e afundaram por causa da coisa do investimento que fizeram na televisão a cabo, segundo me consta.

Caio Túlio Costa: O senhor não acha que O Diário de S. Paulo foi um erro também? 

Ruy Mesquita: Bom, eu acho que foi um erro... Mas é uma coisa pequenininha para o tamanho da Globo. Ainda hoje eu estava vendo aí, o que eles têm de publicidade, praticamente tem um monopólio hoje em dia.

Milton Coelho da Graça: Só uma perguntinha que eu queria fazer ao senhor. Uma boa parte dos prejuízos, não de todas as organizações né? De algumas delas, decorrem não de problemas cambiais, nem de outra coisa, mas de terem entrado em negócio nos quais as famílias tradicionais da mídia não tinham experiência. O senhor acha que o financiamento deve socorrer, como disse o Caio, um erro de gestão em uma área que não era de comunicação? 

Ruy Mesquita: Eu não acho, eu acho que o erro de gestão, por exemplo, no nosso caso, nós estaríamos em dificuldade em qualquer circunstância se não tivéssemos cometido, cometido o erro não, acreditávamos que estávamos fazendo um grande negócio, fomos convidados a participar da licitação do telefone celular da BCP e do Banco Safra, pelos dois sócios grandes com uma garantia, eles pediram para nós participarmos minimamente com uma garantia de honestidade na licitação que eles desconfiavam que pudesse haver algum favorecimento para a Globo naquela ocasião, nós achamos que era um negócio muito importante, eu não participo de nada disso, não sou empresário, não tenho a menor noção de problemas empresariais, sei que foi um erro da minha parte, mas me vanglorio disso hoje, nunca dei palpite nas decisões empresariais da empresa que eu pertenço, mas quando se resolveu fazer essa coisa, como todo mundo.. foi a célebre bolha, pensávamos que estávamos proclamando a nossa independência definitiva, porque nossa intenção era, em pouco tempo, ter um lucro enorme com a participação que nós tivemos, que para nós era enorme, mas era coisa de 6% inicialmente. Depois chegou a 8%, enfim, foi uma coisa de 100 milhões de dólares a participação nossa. Nós esperávamos que em quatro, cinco anos nós poderíamos vender isso por dez vezes a mais e resolver o problema com os acionistas do Estado que estão sempre cobrando dividendos e não sei o quê, e dando problemas para os acionistas que eram executivos. E o tiro saiu pela culatra, começou errado o lance da BCP. Como eu iria imaginar que esses gênios de ganhar dinheiro... coisa que Mesquita nunca soube fazer, é ganhar dinheiro.

[]: Doutor Ruy.

Ruy Mesquita: Não, espera um pouco... Eles deram um lance que era de 2 bilhões de dólares e quando podiam ter ganhado a licitação com 1 bilhão e 100 milhões de dólares, começou por aí, e depois houve para nós o problema da desvalorização cambial que não é primeira vez, a primeira crise séria que o Brasil teve foi nos anos 70 quando houve a primeira grande desvalorização cambial quando o Delfim Neto [(1928-) economista, foi ministro da Fazenda nos governos de Costa e Silva e Médici] ocupou o lugar do Mário Simas, você lembra disso?  E nós também estávamos até aqui [mostrando o pescoço] endividados em dólares para financiar a construção do prédio novo do jornal, porque a Caixa Econômica Federal no tempo do Médici, nós... lembra-se que o Jornal do Brasil tinha ganhado um financiamento da Caixa Econômica Federal para fazer o prédio novo deles e foi uma beleza de...

Milton Coelho da Graça: Posso fazer uma pergunta indiscreta sobre o Delfin? 

Ruy Mesquita: Pode.

Milton Coelho da Graça: No meu tempo já se falava nisso, o senhor pode dizer que não, mas é um fato muito corrente entre os jornalistas que na época das mini, maxi desvalorizações o ministro Delfin Neto sempre tinha cuidado de, na véspera, alertar donos de jornais que no dia seguinte havia desvalorização para que eles pudessem comprar papel antecipadamente, era verdade isso? 

Ruy Mesquita: Não, regulamente não, no nosso caso, vou contar o episódio como é que foi. Nós, quando fizemos o projeto do nosso prédio novo na marginal [do Tietê - via expressa da cidade de são Paulo], entramos com projeto na Caixa Econômica Federal como se faz sempre, foi aprovado pelos órgãos técnicos em tempo recorde. O Estado, naquela época, estava "nadando de braçada" [bem financeiramente], era nos anos 70 quando nós dávamos edições com 200 e tantas páginas de classificados por domingo e tal, foi aprovado em tempo recorde com vários louvores. Seu Delfin Neto, ministro da Fazenda do senhor Médici, segurou o projeto. E então, o meu primo José Mesquita Vieira de Carvalho, o Juca, meu querido amigo Juca, meu querido primo e irmão Juca, foi falar com Delfim Neto que voltou para nós e disse que eu preciso falar com Médici, já pode se entender o porquê Médici ia dar palpite numa questão como esta. Aí, nós partimos para o financiamento americano, porque tinha bancos americanos oferecendo para nós financiamentos e nos endividamos em dólar e aquela coisa aconteceu depois, anos depois que houve aquela desvalorização e tivemos a primeira crise. Desta vez, mesmo que nós não tivéssemos feito essa... este lance da BCP, nós também tínhamos tomado uma estocada do tamanho do mundo com a desvalorização que houve em 99 [desvalorização do dólar].

Milton Coelho da Graça: Mas o Delfin avisava das desvalorizações?

Ruy Mesquita: Pois é, para nós, eu acredito, aliás, ele já tinha me dito, encontrei o Delfin naquele ano do casamento do filho ou da filha, não me lembro, do Horácio Coimbra que era "assim com eles" [próximos] no Guarujá, ele foi padrinho desse casamento, ali era ministro da Agricultura, ele está aí para me confirmar ou não. Estava naquela coisa de vai ou não vai para o lugar do Mário Simas que não queria saber de desvalorização e nem nada disso, ele me disse: “Se eu estivesse lá, eu já tinha feito a desvalorização”. Eu até me lembro que eu voltei para meu primo e disse: “Olha, o Delfim deu esse recado aí que vai acontecer isso, se ele for ministro é bom a gente tratar de ver se consegue converter essa dívida”, mas não convertemos na véspera que ele assumiu, na véspera de fazer... Dias antes de fazer a desvalorização ele nos avisou, ele avisou o Júlio Neto: “Eu tenho uma dívida com vocês, estou dizendo que vou fazer a desvalorização”, mas as outras coisas, sempre que havia, acho que nem tinha... ele nem... acho que só fez uma né?

João Roberto Martins Filho: Gostaria de voltar à questão da... que é um assunto que eu entendo... que é a questão das forças armadas, nós temos uma pesquisa na universidade que acompanha metodicamente a cobertura que os jornais... a imprensa em geral faz das forças armadas, as questões de defesa nacional. E o jornal O Estado de S. Paulo é o jornal que realmente trata dessa questão com mais método, com mais, trata essa questão a sério né?  Há outros órgãos de imprensa que tem aquela visão liberal tradicional que isso é uma... um dinheiro desnecessário. O que o senhor acha que o exército nacional tem hoje como grande tema de defesa do país? O senhor acha que essa questão da internacionalização da Amazônia é uma grande questão que nós vamos ter que enfrentar nestes próximos anos? 

Ruy Mesquita: Não, não acho. Acho que é propaganda da esquerda radical aí, da internacionalização da Amazônia. O exército é uma instituição nacional que... inclusive para a integração da Amazônia tem uma importância enorme, sempre teve, o exército, a marinha, tudo isso, você veja as fronteiras que nós temos aí com a Colômbia, tudo isso que está conflagrado desde sempre, evidentemente que o exército tem papel primordial na história do Brasil e tem que continuar tendo, e agora ele passou a ser aquilo que o francês dizia: "o grande mudo". É o exército inteiramente profissionalizado, porque, como dizia o Oliveira Ferreira, diretor do Estado naquela época, o exército é o partido fardado, era tão cindido partidariamente quanto à sociedade civil. Havia o grupo udenista [da UDN] e o grupo getulista, de tradição getulista e tudo isso. Agora, depois da revolução, a revolução teve esse mérito também, foi doloroso, foi trágico, foi tremendo, mas o exército aprendeu a sua lição tão bem quanto a sociedade civil aprendeu a sua lição, o exército saiu completamente do cenário político e passou a ter a função que lhe cabe em qualquer sociedade civilizada.

Caio Túlio Costa: Doutor Ruy, deixa eu trazer o assunto para outra questão que eu acho bastante importante hoje, do ponto de vista da mídia, o Estado não está sendo gerido mais do ponto de vista econômico pela família, a família está gerindo o jornalismo, o senhor acha que, com a globalização, com os novos tempos, essas duas coisas são antagônicas, a gestão e o jornalismo? 

Ruy Mesquita: Não, eu sou minoritário dentro do jornal, eu não acho que essa questão esteja decidida. De fato, nós estamos, vamos estar por enquanto, ele está sendo gerido depois da intervenção lá da empresa que saneou, fez o trabalho que um Mesquita não seria capaz de fazer, porque é trabalho extremamente desumano de dispensa de empregados e de tudo isso, e pôs ordem nas finanças do jornal, com a ajuda de convidados nossos.

Milton Coelho da Graça: Doutor Ruy, também uma história, eu fui editor chefe do O Globo e uma história que eu sempre ouvia falar nos corredores do O Globo, eu era de segundo escalão, mas sempre ouvia o papo do primeiro escalão, é que o Estado e a Folha de S. Paulo tinham um acordo antigo com o doutor Roberto Marinho para que nem ele venha para São Paulo e nem os jornais paulistas iriam para o Rio. Esse acordo chegou a existir alguma vez?

Ruy Mesquita: Não, por parte do Estado não.

Milton Coelho da Graça: E o Estado? Nunca quis ir para o Rio por quê?

Ruy Mesquita: Nunca quis ir porque não tinha condição para ir, era uma empresa próspera e tal, mas modesta, e também não tinha grande interesse em ir, quer dizer, o Estado, aí é que está, esta pergunta que você fez, os Mesquitas nunca foram, nunca tiveram a mentalidade de empresário, nem os Mesquitas empresários, eles sempre puseram, acima de tudo, a função institucional do jornal. A prova disso é isso que você está falando. Quer dizer, o Mesquita mais rico individualmente foi meu avô, que tinha fortuna pessoal quando morreu, e meu pai quando morreu, eu guardo isso como um galardão de honra, o inventário dele feito no escritório do atual Manoel Afonso Ferreira que era o sogro dele naquele tempo, que fez, não deixou um tostão fora do que ele tinha na empresa. Embora ele dissesse sempre para nós: “Com vocês nunca vai acontecer o que aconteceu comigo”. Que, quando Getúlio Vargas confiscou o jornal ele ficou sem ter o que comer. Ele teve que, ele estava exilado em Buenos Aires em 1943, aliás, foi exilado em 1938. Em 1943 acabou o dinheiro dele, porque ele tinha vendido a última coisa que ele tinha, que era a casa que ele morou aqui em São Paulo, acabou esse dinheiro, ele não era condenado pelo Tribunal de Segurança, ao contrário do meu tio Armando Sales que estava exilado junto com ele lá que era condenado. Então, ele arriscou voltar para São Paulo, já estava no final da ditadura do Vargas naquela época, com a vitória dos aliados e tudo isso, ele voltou para São Paulo de trem, porque não tinha dinheiro para pagar passagem de navio ou de avião, para ver se arrumava alguma coisa para fazer da vida, porque ele não tinha com que viver, foi morar com minha mãe numa quitinete na rua Barros não sei o quê, aqui do lado da [rua] Major Sertório, e ia comer na casa do meu tio onde eu morava, depois, quando o Estado foi devolvido, dois anos depois, em 1945, foi a fase mais próspera do jornal, porque a gestão financeira da ditadura no Estado foi muito boa, os homens que o Getúlio pôs lá, para gerir a parte comercial e financeira do jornal eram homens que não tinham nada de políticos, tanto que foram mantidos lá pelo meu tio, Francisco, que era o diretor da administração do jornal e ficaram lá até o fim da carreira deles, e o jornal atravessou a fase mais próspera da vida dele e meu pai então dizia para nós: “Eu agora vou cuidar de arrumar a vida de vocês fora do jornal para que nunca mais vocês passem pelo que eu passei”. Quando ele morreu, como eu contei, tenho aí guardado o inventário dele, ele deixou exclusivamente o apartamento onde ele morava, que não era um apartamento milionário, era um excelente apartamento, mas não era um apartamento de um milhão de dólares, e mais rigorosamente nada, o nome dessa fazenda aí de Louveira, era herança do pai dele, que teve nove filhos que herdaram, ele tinha um nome dessa fazenda, mais nada. E eu estou assim, há 58 anos batendo ponto no jornal e quando eu morrer, eu sou mais rico que ele, eu consegui comprar uma fazenda na melhor fase do jornal na minha vida, no Triângulo Mineiro, uma fazenda pequena e tudo, mas que eu toquei, plantei seringueiras lá e ela se sustenta plenamente e tal, e não tem mais nada que isso, como não tem nenhum de nós, nenhum Mesquita tem fortuna pessoal.

Caio Túlio Costa: É verdade o que JT [Jornal da Tarde] já entrou no "azul"? [ou: "saiu do vermelho", que significa ter lucro e não prejuízo]

Ruy Mesquita: É verdade.  É verdade.  Entrou à custa de uma deterioração terrível da qualidade, virou um jornal popular para minha tristeza profunda, mas é verdade que entrou com grandes promoções que andou fazendo aí e etc e tal. E, está numa situação muito boa financeira, concorrendo com o Diário de S. Paulo, que O Globo cometeu o erro inicial já de mudar nome, jornal que tinha um público tradicional, chamava Diário Popular, resolveu fazer Diário de S. Paulo e que não, com toda propaganda grátis que tem com a poderosíssima televisão Globo e tudo isso, não vai lá bem das pernas.

Paulo Markun: Doutor Ruy Mesquita, qual a opinião do senhor sobre o governo Lula? 

Ruy Mesquita: Você não lê os editoriais do Estado? [risos]

Paulo Markun: Não, mas eu acho que tem gente do Brasil que não consegue ler os editoriais do Estado, talvez Rondônia que está assistindo a gente, eu gostaria de reproduzir a opinião do senhor para esse nosso telespectador.

Ruy Mesquita: Eu acho que o governo Lula, com exceção do Palocci [ministro da Fazenda], que é uma surpresa a cada dia mais agradável para mim, que tem conseguido sobreviver a essa loucura toda que está acontecendo aí, não começou ainda. O Lula, que eu tenho, eu sempre disse, eu acho que a eleição do Lula para imagem do Brasil lá fora foi mais importante do que a eleição do Fernando Henrique, porque tapou a boca do mundo inteiro, que tinha aquela idéia de que aqui as classes dominantes não permitiam nada, que a sociedade brasileira não era uma sociedade móvel, quando para mim ela é mais móvel, se é possível, do que a sociedade americana. Eu sou paulista, eu conheci São Paulo da "aristocracia rural", assim chamada, entre aspas, passando o poder financeiro, o poder econômico, o poder político para as mãos de filhos de imigrantes, que é o que aconteceu aqui em São Paulo. Agora, a eleição de um proletário e um líder sindical num país como o Brasil foi de uma importância fundamental, basta ver o prestígio que ele teve, automaticamente, lá fora e a imagem positiva para o Brasil que isso representou. Agora, ele está arriscado, ele continua, todo mundo o respeita profundamente por isso, porque pela história dele, pessoal, pela comovente história dele pessoal e pelo sucesso que ele teve lutando como ele lutou e tudo isso. Eu tenho pavor de que isso fracasse, se ele fracassar é um desastre de proporção monumental, tão grande proporcionalmente, tão grande quando a esperança que ele despertou e a novidade de que se constituísse para o Brasil.

Paulo Markun: A primeira entrevista grande que o Lula concedeu, aliás, a primeira entrevista que ele concedeu para a televisão foi aqui na TV Cultura na posse dele, em abril de 1975, a primeira grande entrevista foi no programa Vox Popoli que era uma espécie de antecessor aqui do nosso Roda Viva que já completa 18 anos agora, o senhor escreveu uma matéria na revista Senhor, que o senhor descrevia a surpresa que aquele líder sindical lhe havia causado.

Ruy Mesquita: A história dessa matéria foi isso, exatamente! Eu conheci o Lula nesse programa, fiquei impressionado com o surgimento, pela primeira vez na história do Brasil, de uma liderança sindical absolutamente autêntica, naquela época, ele ainda estava "virgem" ideologicamente, estava “incontaminado” pela ambição política e comentando isso, encontrei casualmente o Mino Carta e comentando com ele e ele disse: “Você faz uma entrevista com ele para mim? Eu levo ele na sua casa”. Eu disse: “Faço!” Ele me pegou na palavra, eu fiz aquela entrevista e saiu, apesar do volume do que saiu, eu tenho até hoje a íntegra, ele ficou cinco horas na minha casa conversando, e eu gravando aquilo tudo, procurando, com o hábito que eu tinha, de "cheirar" se era comunista, se não era comunista, tirar alguma coisa dele nesse sentido, e ele estava absolutamente desligado desse problema, repelia violentamente quando eu falava em estudantes. Ele dizia: “Outro dia, eu fui numa reunião de estudantes e eu estava vestido com paletó e colete e eles se escandalizaram comigo porque eu estava de colete”. Eu digo: “O que vocês pensam? Que líder sindical não pode?”. “O que eu quero para operários brasileiros”, ele disse, “é que um dia, todos eles possam ter uma casa no Guarujá para passar fim de semana, o resto não me interessa”, foi isso que saiu naquela entrevista.

Milton Coelho da Graça: Doutor Ruy, o senhor começou a sua resposta a esta pergunta do Markun, fazendo um elogio muito forte ao Palocci, agora, está havendo, o senhor está se colocando apoiando mais um lado do governo Lula. Agora o desemprego está aumentando, como o senhor vê, essa conseqüência danosa dos juros altos e do desemprego, quando a maior parte do empresariado paulista já se manifestou, pedindo a mudança da política? 

Ruy Mesquita: Eu acho que...

Caio Túlio Costa: Só vamos acrescentar um dado, quantos jornalistas a indústria da mídia perdeu nos últimos anos? 

Milton Coelho da Graça:17 mil.

Ruy Mesquita: O desemprego é um fenômeno universal né? Agora, você viu o que aconteceu nos Estados Unidos, começou a surgir agora um problema terrível por causa disso.

Milton Coelho da Graça: Lá é 5%, aqui é 12

Ruy Mesquita: Eu sei, mas eu acredito, mesmo que a gente assista o tal espetáculo do crescimento, você não vai assistir tão cedo o espetáculo do emprego e tal, dada à nova conformação das economias modernas. Agora, a única crítica que eu faço e fiz até a última vez que ele me visitou lá, pelo próprio Henrique Meirelles [presidente do Banco Central], eu acho que o erro que o governo está cometendo é na dosagem da questão dos juros. Em primeiro lugar porque não vejo nenhum efeito prático da alteração da Selic [Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais], a Selic é uma taxa que vigora para o governo, como disse o Lula muito bem, recentemente, se a Selic valesse para todo mundo tinha fila na porta do banco, porque os juros que eu estou pagando na minha empresa para banqueiros é pelo menos o dobro da Selic. Então, o juros para o comércio, você sabe o que é, este escândalo aí. Quer dizer, esse problema, eu não sou um técnico não sei como se resolve, agora, não tem dúvida nenhuma que, como eu disse para o Henrique Meirelles, não sei se tive alguma influência na última decisão dele, porque ele foi na véspera da última reunião do Copom [Comitê de Política Monetária], que ele teve lá no jornal...

Milton Coelho da Graça: Tomara que tenha tido.

Ruy Mesquita: Ele foi lá para uma conversa que eu convidei o Antônio Carlos Pereira para estar lá junto comigo. Quando ele acabou a conversa, eu disse para o Antônio Carlos: “Quer dizer que amanhã vai ser aquilo que nós sabemos, não vai haver redução nenhuma dos juros”.  Mas eu disse para ele que eu achava um erro brutal isso, em primeiro lugar, porque eu estava convencido que qualquer queda de juros razoável, não precisava ser a simbólica, que ele acabou fazendo, mas eu disse, inclusive isso, se fizer uma queda simbólica de 0,25%, por exemplo, o senhor cria uma expectativa no mercado que é altamente positiva. Agora, se o senhor fizer zero, o efeito prático é o mesmo, mesmo que faça uma redução de 2, 3% na taxa Selic, qual é o efeito que isso vai ter na inflação dos preços, quando as taxas de juros que realmente influenciam o preço e tudo isso, são as taxas de juros de consumos, de mercado e de financiamento. 

Milton Coelho da Graça: Me permite mudar rapidamente, porque eu não posso perder esta oportunidade de falar com o jornalista mais bem informado dos últimos 40 anos.

Ruy Mesquita: Sou tão leigo.

Milton Coelho da Graça: O senhor acredita que as mortes de Castelo [Branco] e Juscelino [Kubitscheck] foram acidentais? 

Ruy Mesquita: Acredito, claro, também a do Carlos Lacerda.

Milton Coelho da Graça: O senhor nunca ouviu nenhuma informação "de cocheira" que tinha "dedinho" ali do serviço de segurança.

Ruy Mesquita: Imagina! Acredito plenamente que foram acidentais.

Roseli Fígaro: Doutor Ruy, por que o jornal ainda hoje não apóia a reforma agrária no Brasil? 

Ruy Mesquita: Não é que não apóia a reforma agrária, primeiro lugar porque reforma agrária não é absolutamente necessário a não ser pelo ponto de vista social.

Roseli Fígaro: Neste ponto de vista, não é importante? 

Ruy Mesquita: Não... É...[silêncio] e por esse lado nós apoiamos. Eu não apoio o senhor Stédile [(1953-) economista, uma das principais e mais radicais lideranças do MST- Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra], é o que eu digo, é um energúmeno, é um fanático, louco que está fazendo... Quer dizer, a única coisa que funciona neste país, como disse o Lula: “A única coisa neste país.." [começo de frase frequentemente utilizado por Lula].  Estou pegando os cacoetes, daqui a pouco eu parto para as metáforas.

Roseli Fígaro: O senhor vai escrever os discursos dele [Lula] daqui a pouco hein! 

Ruy Mesquita: Não, mas respondendo a sua pergunta, nós somos plenamente favoráveis a essa reforma agrária para...

Roseli Fígaro: Por que a criminalização do movimento dos sem-terra, então? 

Ruy Mesquita: Porque o movimento dos sem-terra está sendo manipulado por um sujeito que  considera a lei um estorvo e porisso se recusa até dar...

Roseli Fígaro: Como um sujeito pode atrapalhar uma ação tão importante como esta? 

Ruy Mesquita: Que ação importante como esta? 

Roseli Fígaro: A reforma agrária.

Ruy Mesquita: Eu sei, não tem importância nenhuma do ponto de vista econômico, tem uma importância enorme do ponto de vista social. Basta a senhora olhar para o quadro da economia, da agricultura, no mundo inteiro.

Roseli Fígaro: Sim.

Ruy Mesquita: Onde é que no mundo inteiro existe algum país próspero, com agricultura próspera, que tenha mais de 2,3% da população trabalhando na indústria? 

Roseli Fígaro: Acontece que nós não fizemos a nossa reforma agrária quando Estados Unidos, México, Japão, fizeram a deles.

Ruy Mesquita: Temos hoje a mais poderosa e produtiva, mais competitiva das agriculturas do mundo inteiro. 

Roseli Fígaro: Milhões de deserdados.

Ruy Mesquita: Pois é, mas qual é... Este é o drama do desemprego, qual é o preço disso?

Roseli Fígaro: Não é essa a esperança do povo em Lula? Resolver o problema dos deserdados e não dos que comandam a grande agricultura?

Ruy Mesquita: Não sou contra, já disse para a senhora, não sou contra. Sou contra os métodos utilizados pelo senhor Stédile e pelo senhor  [Miguel] Rossetto [(1960-) cientista social, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, foi ministro do Desenvolvimento Agrário na primeira gestão do governo Lula (2002-2006)] que foi o líder da... que é militante da reforma agrária desse tipo né? Que é ministro da Reforma Agrária. O Incra, que é um órgão de desempate, é hoje ocupado só por militantes da reforma agrária, era só o que nos faltava eles fazerem algum mal suficiente para minar esta mina de ouro que nós temos que é a agricultura brasileira! Que no dia em que os aliados, os países do mundo rico descobrirem que, se não houver divisão de trabalho no mundo, eles não vão resolver nunca os problemas que estão tendo com terroristas e tudo isso, e acabarem com o negócio de subsídios, que protegem meia dúzias de privilegiados nos Estados Unidos e outros tantos na França, o Brasil pode ser um país essencialmente agrícola, porque não tem nenhum país no mundo que tem as condições que o Brasil tem, como está demonstrando hoje, de produzir o que for necessário para alimentar o resto do mundo. E corremos o risco de ter um prejuízo por este lado, pela intervenção de um homem como o Stédile, uma impossibilidade de se fazer isso dentro dos padrões legais. 

Paulo Markun: Antes de fazer deste programa um debate, queria colocar nossa última pergunta, nosso tempo está acabando, doutor Ruy, sei que é pergunta que mereceria um programa inteiro, mas como eu sei que o senhor não é um grande entusiasta das novas mídias eletrônicas, pergunto: como é que a senhor encara o futuro do jornal impresso, o senhor acha que tem futuro? Nós temos pouco tempo, eu sei disso, porque é uma resposta que duraria horas.

Ruy Mesquita: Não é que não sou entusiasta da mídia eletrônica, é que eu sou analfabeto eletrônico. Estou muito velho para aprender, eu tenho um complexo de inferioridade enorme, mas meu filho Rodrigo, que é o grande entusiasta disso, está metido até aqui nisso! [mostra o pescoço] E acredita profundamente nisso. Eu vejo com grande apreensão, porque o fenômeno de crise de jornal aqui é mais agudo, mas existe no mundo inteiro, nos Estados Unidos a tendência é de diminuir as tiragens dos grandes jornais americanos.

Paulo Markun: Em Londres está tudo virando tablóide.

Ruy Mesquita: Pois é, e até a televisão lá também está perdendo terreno para o quê? Para a internet, quer dizer na medida em que a internet se populariza, a concorrência com o jornal escrito é tremenda, tremenda mesmo e a juventude, o grande fenômeno que assusta a imprensa americana é o aumento da média de idade do leitor de jornal. Quer dizer, cada vez menos as novas gerações lêem jornal né? Quem lê jornal lá, é... é homem maduro, não sei mais o quê, as novas gerações estão na internet.

Paulo Markun: Mas podem ler jornal na internet? 

Ruy Mesquita: Podem ver claro. Eu acho que o jornal, haverá uma simbiose, haverá o que se chama sinergia entre o jornal escrito e o jornal eletrônico e tal. Mas que poucos jornais escritos sobreviverão, eu acho que sobreviverão só os jornais do nosso estilo como está acontecendo nos Estados Unidos, o que está sobrevivendo lá é cada vez mais próximo dos nossos grandes jornais aqui. São jornais sérios, são jornais que, aliás, me espanta o tamanho das matérias em média que eles dão todos os dias, jornal que se aprofunda em cada probleminha. Não sei como americano tem tempo para ler aquilo, mas só os jornais sérios, que complementam a informação que você tem pelos métodos eletrônicos, situam ela no tempo, no espaço histórico, é que tem chance de sobreviver. Outra coisa que eu vivo dizendo, eu acho a indústria jornalística, a indústria mais “mastodôntica” que existe. Se você pensa que o processo começa no corte de uma floresta para fazer uma edição de jornal, e aquilo tudo que você conhece que é aquela tragédia da feitura de um jornal diária, de tempo limitadíssimo, e sai essa obra imperfeita como a senhora estava falando sempre. Como dizia o Eugênio Carta, no fim do expediente, quando eu saía da Seção Internacional do Estado, às duas horas da manhã, ele tirava os óculos dele e olhava para mim assim e dizia: “Ruy, mais uma batalha perdida”. Ele sabia que no dia seguinte você ia ler o jornal e ia ver quanta besteira a gente deixou passar e só pôde corrigir a posteriori, quer dizer, é um processo, aquelas máquinas monstruosas, o processo industrial do jornal é um processo que choca diante da simplicidade do que é o núcleo da economia moderna hoje que é eletrônica, a tecnologia de ponta e tudo. O jornal escrito é um bicho quase que anti-diluviano em matéria de indústria.

Paulo Markun: Doutor Ruy se a batalha é perdida no jornal diariamente como dizia Eugênio Carta, na televisão às vezes ela é perdida também, infelizmente no dia de hoje nós não perdemos a batalha, eu tenho a maior convicção disso e queria agradecer pela entrevista do senhor, agradecer pelos nossos entrevistadores e você que está em casa e convidar para estar aqui na próxima segunda-feira, às 10:30 da noite, com o Roda Viva que entrevistará Antônio Nóbrega. Ótima semana e até lá.

Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco