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Memória Roda Viva

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Rubens Ricupero

19/8/2002

O diplomata, ex-ministro da Fazenda, foi um dos pais do Plano Real e ficou conhecido também pelo chamado Escândalo das Parabólicas

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Paulo Markun
: Boa noite. Ele é um observador privilegiado da economia mundial, do comportamento do Brasil no comércio internacional. Ele disse que o Brasil é bem maior do que a crise que está aí, que o país tem futuro e que os critérios utilizados pelas agências de classificação de risco são baseados em especulações. O Roda Viva entrevista esta noite Rubens Ricupero, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento [Unctad, 1964, United Nations Conference on Trade and Development].

[Comentarista]: Já tem quase oito anos que o ex-ministro da Fazenda e um dos pais do Plano Real, Rubens Ricupero, lançou-se em uma carreira internacional depois do episódio das antenas parabólicas [conversa informal entre Ricupero e o repórter Carlos Monforte, da Rede Globo, captada por antenas parabólicas minutos antes do ministro entrar no ar no Jornal da Globo, em que Ricupero revelava manipulações nos índices de inflação do Plano Real, o que resultou em uma situação constrangedora para ele, obrigando-o a se retratar publicamente e apresentar pedido de desculpas] quando ele era ministro de Itamar Franco [presidente do Brasil de março a setembro de 1994]. Formado em direito e diplomata de carreira, foi para Roma como embaixador brasileiro em 1994. No ano seguinte, assumiu em Genebra o cargo no qual foi reeleito em 99 e onde ainda permanece. Secretário-geral da Agência da ONU [Organização das Nações Unidas] para o Desenvolvimento e Comércio. É o mais importante órgão de cooperação econômica internacional das Nações Unidas. A agência foi criada para estimular o crescimento econômico de países menos desenvolvidos, incentivando o comércio global, buscando financiamentos e promovendo acordos internacionais, e é na execução desse trabalho que Rubens Ricupero tornou-se um afiado observador do mercado mundial e um analista crítico da ordem internacional. Suas idéias estão reunidas em um novo livro que acaba de lançar, Esperança e ação - A ONU e a busca de desenvolvimento mais justo. O prefácio é de Celso Furtado [(1920-2004) um dos principais teóricos brasileiros da economia e membro da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1997]. Ele escreve que Esperança e ação é apresentado pelo autor como um simples depoimento pessoal, mas que na realidade são nutridos em ensaios que ajudam a entender a crise de governabilidade que atualmente constrange o mundo. O livro é uma crítica à globalização insensata, a um modelo econômico mundial que provoca instabilidades e aumenta as diferenças entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, mas é também um esforço em busca de um pensamento independente para o Brasil e a América Latina. Idéias que procuram alternativas viáveis a uma globalização mais humana.

Paulo Markun: Para entrevistar o embaixador Rubens Ricupero, nós convidamos Fábio Santos, editor do site e da revista Primeira Leitura; Carlos Eduardo Lins e Silva, diretor adjunto do jornal Valor Econômico; Priscila Murfin, editora assistente de economia do jornal Estado de S. Paulo; César Benjamim, editor da Contraponto Editora, Flavia Oliveira, repórter especial da editoria de economia do jornal O Globo; Antonio Corrêa de Lacerda, presidente da sociedade brasileira de estudos de empresas transacionais e da globalização, e professor de economia da PUC, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e José Paulo Kupfer editor de Nacional do jornal Gazeta Mercantil. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Hoje, infelizmente você não pode participar do programa porque ele está sendo gravado à tarde já que, à noite, enquanto o programa estiver indo ao ar, o embaixador estará justamente lançando seu livro aqui em São Paulo. Boa noite, embaixador.

Rubens Ricupero: Boa noite.

Paulo Markun: Eu queria começar pela definição do organismo que o senhor comanda na ONU. Ele é uma espécie de "grilo falante" [referência ao grilo dos desenhos infantis que faz o papel da consciência falando no ouvido de Pinochio] das Nações Unidas?

Rubens Ricupero: Não, ele é sobretudo um laboratório de idéias. A principal função da Unctad hoje em dia é produzir idéias que possam contribuir para a construção de um sistema comercial, financeiro e de investimento, que seja mais equilibrado em favor dos países em desenvolvimento. Ele já foi realmente um lugar de confronto, durante os anos 60 e 70, era o grande fórum do confronto norte-sul.

Paulo Markun
: Sim.

Rubens Ricupero: Mas, hoje em dia, essa fase toda passou com a própria evolução da economia mundial, e a instituição tem uma experiência técnica muito valiosa, sobretudo em termos de comércio e de investimento, nós somos talvez a única grande organização internacional que publica por ano três grandes relatórios: um sobre comércio e desenvolvimento, outro sobre investimentos e as empresas transacionais, e finalmente um sobre os países que são os pobres entre os pobres, os chamados list development countries, que são 49 países dos quais 34 na África, na América só o Haiti. Nós somos responsáveis por esses países de uma maneira especial. Esse é um pouco o trabalho que nós fazemos.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Embaixador, a organização que o senhor dirige traz no seu título duas expressões: comércio e desenvolvimento, que durante muito tempo pareceram que andavam juntas naturalmente. No entanto, a partir do momento em que a liberalização comercial se deu com maior ênfase, a partir do Consenso de Washington. O que se tem reparado - pelo menos aqui, na América do Sul - é que o índice de desenvolvimento do subcontinente tem sido menor do que em décadas anteriores. O que está dando de errado?

Rubens Ricupero: Bem, olha, é preciso lembrar que quem criou a Unctad foi o Raúl Prebisch [1901-1986], um grande economista argentino que tinha sido a principal figura da Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, órgão vinculado à ONU, criada em 1948], junto com Celso Furtado e outros. E a idéia dele era de mostrar que o comércio poderia ser um instrumento de desenvolvimento, e não era. A crítica que ele fazia, aquela teoria do centro e periferia, era justamente baseado no fato de que os países em desenvolvimento exportavam só matérias-primas, cujo preço estava sempre em queda, e importavam produtos tecnológicos, cujos preços valorizavam. Ele queria transformar essa área. Ele não teve êxito. A própria Unctad, apesar do esforço que tem feito... hoje as idéias no mundo sobre o sistema comercial são..., finalmente mudaram, no sentido que se admite que o sistema atual é desequilibrado contra os pobres, mas essa admissão não levou ainda a uma mudança efetiva nas regras, e só se saíram melhor países asiáticos, e hoje o último deles é a China, que souberam fazer essa liberalização comercial de uma forma mais prudente, mais gradual, que em geral trataram com muito mais cuidado a liberalização financeira [integração do sistema financeiro doméstico no sistema financeiro global], que é mais perigosa que a comercial, e é por isso que por exemplo países como a China e a Índia tem continuado a crescer, mesmo na época da crise asiática de 97, mas de maneira geral, mesmo os asiáticos que foram atingidos pela crise de 27, eles saíram depressa da crise porque eles tinham capacidade de exportar. A Coréia em nove meses zerou o déficit externo, desde março de ano 2000 a Coréia do Sul já teve 32 meses consecutivos de saldo comercial crescente. O Brasil não conseguiu fazer isso porque a capacidade de resposta das exportações brasileiras é muito baixa. Então, o que faltou aí? Faltou a visão de que, para você ter êxito no comércio mundial, você tem que melhorar a tua oferta em matéria de quantidade e qualidade. Os latino-americanos ficaram muito presos àquilo que o Prebisch criticava, que era exportação de matérias-primas ou de produtos básicos. Portanto, eu acho que o problema não é só a liberalização comercial, é a liberalização sem uma política de investimento, de crescimento, de diversificação da oferta, porque aí, realmente...

Paulo Markun: Mas em países como a China, por exemplo, tem percentual de poupança interna que nós não temos aqui?

Rubens Ricupero: Tem, é verdade. Meu colega Celso Amorim tem uma frase muito inteligente, ele diz que a diferença entre os asiáticos e os latino-americanos é que "asiáticos combinam poupança doméstica com mercado dos outros, e nós combinamos poupança dos outros com mercado nosso" [rindo]. Quer dizer, nós temos o pior de dois mundos. Mas eles chegaram a essa poupança também com esforço, não é? No início, alguns deles não tinham nível tão elevado de poupança. A Coréia mesmo, no início do seu desenvolvimento, o índice de poupança era relativamente pequeno. E, entre outras razões, foi que eles tiveram um sistema tributário de impostos que estimulou muito o nexo, o vínculo, lucro e reinvestimento. Aqui é o contrário, aqui é o país clássico da frase de “empresário rico, empresa pobre”; quer dizer, o empresário que minera a empresa, ele tira da empresa mas não coloca. E no Brasil... [sendo interrompido]

Fábio Santos: Aqui no Brasil não haveria escândalos de balanços financeiros que estão acontecendo nos Estados Unidos porque aqui as empresas precisam mostrar prejuízos, não é, escondem os seus lucros em vez do que acontece agora nos Estados Unidos, que estava acontecendo, em que se inflavam os lucros. Mas eu queria perguntar, embaixador, o que faltou então para o projeto de abertura comercial e financeira brasileira que deu no que deu? Quer dizer, na verdade não tivemos os benefícios que se esperavam que poderíamos ter.

Rubens Ricupero: Ele foi incompleto, não é, eu direi muito sinteticamente que no tempo em que nós tínhamos a política mais fechada de substituição de importações, nós tínhamos uma estratégia clara, tínhamos instrumentos legais para aplicar essa política, a Lei de Similar Nacional, todo um arcabouço de medidas, sobretudo ação da Cacex [Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S.A.], e tínhamos uma instituição que aplicava, que era a Cacex. No caso da liberalização, nós mudamos a política mas sem dotá-la de instrumentos novos ou de uma agência nova.

Fábio Santos:Quando isso aconteceu exatamente?

Rubens Ricupero: Bem, isso aconteceu ao longo do tempo, eu acho que começa em 1990 com o governo Collor que faz a grande liberalização comercial, não é, e depois foi se acentuando. Acho que um outro fator que incidiu muito nisso foi o erro da valorização do câmbio já no caso do real, sobretudo a partir de 95, o real ficou quatro anos quase que sem se mover, e isso agravou muito por uma razão, é que para você mudar a oferta, você precisa de investimento. Agora, como é que você vai investir para produzir exportação se você tem um câmbio valorizado que desestimula a exportação? Durante quatro anos você tinha um sistema no Brasil que era fortemente contra a exportação. E que se baseava na tração da poupança doméstica. Mudou mas mudou um pouco tarde não é? Mudou em 91 e 99 quando a fase de expansão dos Estados Unidos estava chegando ao fim. Os Estados Unidos é o grande mercado desses países todos, asiáticos, todos. Então, eu acho que houve vários erros, mas dá para corrigir, a meu ver, porque o Brasil já tem uma estrutura básica de comércio exterior e tem um comércio exterior diversificado em termos de mercado e de destino. A minha impressão é que por exemplo o ministro Sérgio Amaral [Sérgio Silva do Amaral, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior entre 2001 e 2002, governo de Fernando Henrique Cardoso] tem uma visão estratégica clara, pena que ele teve pouco tempo, mas era preciso criar alguns mecanismos, inclusive uma agência mais efetiva, não tanto para negociar como se diz, eu acho que aqui há muito exagero sobre a negociação, tanto da Alca [Área de Livre Comércio das Américas, é um acordo comercial proposto pelos Estados Unidos para todos os países da América com exceção de Cuba] como da OMC [Organização Mundial do Comércio], como se a negociação comercial resolvesse. Ela só resolve se você tem oferta, se você não tem oferta, não adianta, e oferta depende de investimento, depende de crescimento.

Antonio Corrêa de Lacerda: Agora, continua a prevalecer dentro do governo brasileiro uma forte dicotomia entre o Ministério da Fazenda e Banco Central que são hegemônicos na condição da política econômica, e alguns esforços como o senhor muito bem relatou, não só no Ministério do Desenvolvimento mas também de Ciência e Tecnologia, já que os próprios relatórios da Unctad mostram muito bem, o senhor aqui acabou de dizer, que o que diferenciou os asiáticos no processo de inserção global foi o papel do Estado, através da aplicação da política econômica e de uma estratégia de desenvolvimento que permitiu que houvesse uma abertura, compatibilizada com o aumento das exportações. O senhor acha que nós estamos chegando ao fim dessa hegemonia? Quer dizer, a própria derrocada do Consenso de Washington, a recuperação de algumas idéias, como da própria Unctad, retomar algumas idéias sobre o desenvolvimento que andaram meio esquecidas nos últimos anos?

Rubens Ricupero: Eu espero que sim. Eu não tenho certeza, porque o que você diz é absolutamente certo: no governo brasileiro, há uma predominância do pensamento que se encarna no Banco Central e no Ministério da Fazenda, que é um pensamento extremadamente liberal que ignora a experiência dos próprios países industrializados que, na verdade, têm políticas ativas. Nos Estados Unidos mesmo, os estados americanos, todos têm agências de investimento, têm políticas que procuravam investimentos externos, até por empresas, portanto, políticas industriais muito claras. A Irlanda que é país que mais cresce na Europa, sempre teve uma política ativista do governo, no sentido de atrair investimento, e aqui é um preconceito, nós passamos de uma ideologia de esquerda para uma ideologia de direita, uma ideologia que imaginava que uma vez tendo as condições ótimas de mercado, tudo isso ia "nascer em árvore" não é, e não nasce em árvore, você tem que ter uma política ativa. Agora, eu tenho um certo medo porque aqui ainda predomina muito e eu vejo até nos jornais, o pensamento do pessoal ligado ao mercado financeiro, que é o pessoal mais perigoso porque lida com esse lado mais estéril da economia, o próprio Economist [revista semanal inglesa sobre assuntos internacionais, criada em 1843 com o objetivo de defender o livre-comércio], em um número que dedicou ao Brasil em 95, lamentava que no Brasil todos os grandes talentos hoje fossem para esse setor financeiro, e não para economia real, para criar riqueza. E infelizmente esse perigo existe como se pode ver ainda pelo debate.

José Paulo Kupfer: Embaixador, o senhor tem dito já há tempos e também recentemente, que o Brasil não tem política comercial, o Brasil atira em todas as direções e não tem política comercial. Agora mesmo aqui o senhor está sugerindo a criação de uma agência. Eu pedi a uma consultoria até recente, nova, eu vou fazer propaganda dela aqui, porque trabalhou para mim, chamada Prospectiva de Comércio Exterior, que visse, se conseguisse ver, quantos órgãos de comércio exterior no governo federal, em todos os ministérios, de alguma maneira se envolvem com isso. Bom, deu 305. Eu pergunto se o senhor quer criar mais um e por quê. E chegamos a três centenas de mecanismos, de órgãos públicos ligados a financiamentos, estudos; enfim, negociação e tudo mais. Por que chegamos numa situação dessa? Tantos órgãos e nenhuma política comercial?

Rubens Ricupero: Bem, a razão de termos chegado a isso é que, no passado, o Brasil nunca deu prioridade ao comércio exterior. Então, cada fatia desse domínio era tratado por um órgão diferente. Tentou-se algumas vezes resolver isso por meio de conselhos que nunca funcionaram muito bem. Até hoje a coordenação é deficiente e é verdade que isso cria essa ausência. E eu, quando falo de ausência de política comercial, não me refiro à ausência de uma estratégia de negociações, eu acho que isso o Brasil tem, o Itamarati tem feito bem, o que falta é uma estratégia integrada em que você tenha uma preocupação com a diversificação do setor produtivo, com a tração de investimentos direcionados a aumentar a exportação, e que isso seja harmonizado com uma política de negociações. E quando eu digo que é necessário uma agência, porque eu vejo que o Ministério de Desenvolvimento ainda é um ministério que tem poucos quadros capazes de fazer isso, por exemplo, que a Austrália ou a Coréia do Sul fazem. São países em que há pequenos núcleos em geral de cem, duzentos profissionais, mas altamente qualificados, que fazem análise de mercado, que identificam quais são os setores em que aqueles países podem competir, e dão o embasamento necessário aos negociadores. O Brasil tem excelentes negociadores, mas ele não têm retaguarda. Quando eu era embaixador em Genebra durante as negociações da Rodada do Uruguai [reuniões de negociações comerciais realizadas entre 1986 e 1994, abrigadas pelo GATT - Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio - e que teve como um dos seus resultados a criação da OMC - Organização Mundial do Comércio], eu senti muito a falta de uma assessoria agrícola, porque as negociações eram muito técnicas. Depois de pedir muito, o Ministério da Agricultura me mandou Mauro Lopes, que é excelente economista agrícola, mas devido a esses problemas burocráticos brasileiros ele só podia ficar um certo número de semanas porque havia problemas de diárias, teria que voltar. Enquanto que, por exemplo, os australianos e os da Coréia do Sul têm dezenas de pessoas que dão toda aquela retaguarda técnica. Isso não é necessário um grande órgão, quando o Brasil, por exemplo... [sendo interrompido]

José Paulo Kupfer: Nós temos estas pessoas aqui? Porque elas não aparecem, por que elas não são visíveis? É um problema de governo que, qual é a falha, onde está a falha?

Rubens Ricupero: Eu acho que não há muito gente, mas há um certo número de economistas especializados em comércio exterior, mas eles têm um problema de como não há um mercado de trabalho organizado, muitas vezes acabam fazendo outras coisas. O que eu tenho em mente é alguma coisa como uma mini Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária]. E a Embrapa, o que foi? Foi uma idéia inteligente de fazer uma empresa flexível que atraiu muitos doutores brasileiros que estavam no exterior e começou fazer pesquisa.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas formou também muito doutores, mandavam gente para se formar, centenas não é?

Rubens Ricupero: Mandavam, e muito grande, eu não digo isso, eu acho que aqui no Brasil se você conseguisse criar um núcleo, talvez no próprio Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], o Ipea que já tem um núcleo de pesquisas em comércio exterior, mas tem lá umas duas ou três pessoas ou quatro que fazem isso, essa entidade australiana de que eu lhe falava, eles têm, creio, mais de 200 profissionais, a da Coréia que o eu visitei agora, tem mais de cem economistas dos quais uns 40 doutores e o resto são mestres. Então, é muito pouco, você tem que ter uma massa crítica de gente dentro de um instituto de pesquisa, e acho que não pode ser, voltando a sua pergunta, numa agência executiva, porque a meu ver numa agência como do Ministério do Desenvolvimento, você fica o tempo todo "apagando incêndio"... [sendo interrompido]

José Paulo Kupfer: Ministro, desses 305 que eu citei para o senhor, 70% são de análise e nada executivo, são só analíticos e de pesquisa.

Rubens Ricupero: Mas não tem produzido.

José Paulo Kupfer
: Pois é.

Rubens Ricupero
: Porque quem produz coisas mais interessantes, hoje, são entidades como a Funcex [Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior], o Robert Iglesias da revista da Funcex [Revista Brasileira de Comércio Exterior], outras pessoas que trabalham para a CNI [Confederação Nacional da Indústria], que fazem assessoria mais do lado governamental. Alguma coisa de Ipea, mas é recente. Eu acho que o Ipea poderia fazer em comércio exterior o que fez na área social que eu acho um grande trabalho. Mas teria que expandir mais.

Flávia Oliveira: Ministro, quais, na sua opinião, seriam as vocações brasileiras para o comércio exterior? Eu gostaria o que senhor comentasse também a questão dos mercados, porque quando se fala em comércio exterior, em geral, o brasileiro está pensando em exportar para os Estados Unidos, para a Europa, para as economias centrais. E há estudos que mostram que nós teríamos uma grande competitividade em nações em desenvolvimento. Por exemplo, carro popular para China ou Índia, países que têm crescido, que têm uma população com poder aquisitivo semelhante ao nosso e, no entanto, nós não aproveitamos essas oportunidades, estamos quase sempre concentrados nos grandes centros, nas economia centrais. Qual a sua opinião sobre isso?

Rubens Ricupero: Sobre a primeira parte, eu acho que o Brasil tem a possibilidade de desenvolver frentes de exportação com muitos produtos. Há países que não tem praticamente recursos naturais. O caso da Coréia, que eu citei: a Coréia é um país que é menor que Pernambuco, no entanto exportou agora no ano 2000, 170 bilhões de dólares. O Brasil, este ano, não vai chegar nem a 60. Então, a Coréia se especializou em produtos de alta tecnologia. O Brasil, como tem de fato muitos recursos naturais, tanto em matéria de agricultura, como de pecuária ou de mineração, ou de outros, é um país que pode ter uma pauta mais harmoniosa. Eu não sou contra, por exemplo as commodities [mercadoria padronizada e de baixo valor agregado, produtos primários, como café, algodão, açúcar, metais não ferrosos, etc, geralmente transacionado em bolsa], o agrobusiness, porque a Austrália que é um país muito próspero, 60% das exportações da Austrália são commodities, é verdade que muitos são minerais como carvão coque, para o aço, com tanto você deve utilizar as commodities, as matéria primas, os produtos básicos, tentando incorporar mais tecnologia, porque hoje em dia, mesmo nessa área, o que dá valor é o que faz, por exemplo, o exportador de frangos no Brasil, não é? Já vendeu o frango já cortado, preparado, às vezes. Então, deve se fazer isso, mas, ao mesmo tempo, também desenvolver manufaturados, que alguns casos, como da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A], mostra que não é impossível, o Brasil tem algumas áreas de competitividade indiscutível, já bastante claras. Infelizmente são áreas em que o núcleo do protecionismo mundial é muito tenaz, os casos, por exemplo, do aço, o Brasil é muito competitivo em aço, o Brasil é muito competitivo em açúcar, talvez o principal, em soja em geral, em suco de laranja. Mas são três, quatro produtos difíceis. Eu não antevejo, nem em vinte anos, um mercado totalmente livre para o açúcar, por exemplo, carnes, onde o Brasil tem uma grande possibilidade de expansão, é uma área que tem muitas restrições sanitárias. Então, nós não podemos ficar dependendo só desses produtos, é preciso diversificar, mas para diversificar você tem que crescer, você não pode continuar crescendo anemicamente como o Brasil tem crescido, porque senão você não investe. Agora, em relações aos mercados, você também tem razão porque o México por exemplo quando começou a negociar com os Estados Unidos, esse mercado da América do Norte, ele já tinha com os Estados Unidos 80% do seu comércio, antes até do acordo. O acordo, o que fez foi transformar em direito o que já era uma situação de fato. O Brasil não. Para o Brasil, os Estados Unidos representam, nos melhores anos, 25, 26%; nos piores, 19, 18%; a União Européia representa 20%, 21, 22, 23, conforme o ano; a América Latina um pouco menos de 20; o conjunto da Ásia com a China talvez 16, 17. Contanto, o Brasil tem uma estrutura de comércio exterior mais diversificada e é por isso que, no caso do Brasil, o que faz sentido é uma estratégia que explore todos os mercados em todas as direções - é claro que com uma prioridade como Sérgio tem feito, Sérgio Amaral [ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, empossado em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso], escolhendo um certo número, sete ou oito países para concentrar o esforço. E ao mesmo tempo, nós não somos obrigados a apenas nos engajarmos em alta tecnologia ou tentar rivalizar com os coreanos, porque é difícil. Os coreanos, como você sabe, o trabalho...

Antonio Corrêa de Lacerda: Agora, nesse sentido, só para pegar o mesmo assunto, um acordo do Brasil com a Alca seria extremamente prejudicial ao Brasil, porque evidentemente, se não há perspectiva de abertura dos mercados onde hoje temos competitividade... E, por outro lado, há uma diferença brutal de escalas de produção: se pegarmos em termos nominais, a economia norte-americana é cerca de 20 vezes a economia brasileira, tem corporações norte-americanas, empresas individuais que investem mais em pesquisa e desenvolvimento do que o Brasil como um todo.

Rubens Ricupero: É verdade.

Fábio Santos: Por esta lógica seria fácil deduzir que não interessa nenhum tipo de acordo com a Alca? Imagino que o senhor deve ter opinião de quê depende de acordo, não é verdade?

Rubens Ricupero: É, eu não tenho uma posição apriorística contrária ao acordo porque, em negociação, você só pode fazer um julgamento quando tenta e vê quais são os resultados. Mas é verdade o que diz o professor Lacerda, de que as perspectivas não são muito estimulantes. Primeiro lugar, eu gostaria de dizer que o que eu acabei de mencionar agora, que o Brasil tem que ter uma estratégia muito aberta em relação a todos os mercados, indica claramente que para o Brasil a prioridade tem que ser um multilateral, as negociações de Genebra devem ser em mais importante do que as regionais. Por quê? Porque nós não somos o México, não estamos concentrados só com um parceiro. Então, para nós é melhor a negociação multilateral porque na OMC há 145 ou 146 países. Então, qualquer concessão que você faz, faz com que você ganhe acesso a 146 mercados. Portanto, é um número maior. A outra coisa que eu diria, é que no caso da Alca, seria interessante para nós se houvesse possibilidades de ampliar o nosso acesso ao mercado americano e dos países latino-americanos vizinhos. No caso do mercado americano o grande problema é como vão ser tratados os produtos sensíveis, sobretudo os produtos agrícolas, e qual é a atitude dos negociadores americanos nas chamadas medidas de defesa comercial, sobretudo antidumping [medidas para minimizar as práticas de concorrência desleal no comércio internacional, como a comercialização sistemática de um produto por um preço muito abaixo do valor de mercado, comprometendo o crescimento ou mesmo a existência da produção nacional do setor], mas também há salvaguardas. Nessas duas áreas, os negociadores americanos deixaram claro que na Alca eles não estão dispostos a grandes concessões, eles dizem que são temas globais, que só na OMC é que se podem resolver. Diante disso é que eu sugiro, venho dizendo isso nos meus artigos, que o Brasil deveria estabelecer um vínculo entre a Alca e as negociações globais, porque como elas vão terminar mais ou menos na mesma época, no ano 2004, seria possível ver se em Genebra nós podemos ganhar em agricultura e antidumping o que não podemos ganhar na Alca, e nós teremos que adequar as concessões dentro da Alca ao que for possível obter em Genebra. E, outras idéias que são também a meu ver úteis, por exemplo, se a União Européia e os Estados Unidos não se dispuserem a diminuir os subsídios que dão aos produtos agrícolas, nós devemos nos recusar terminantemente em fazer qualquer concessão em produtos em que esse subsídios entrem direta ou indiretamente. Eu vou lhe dar um exemplo indireto. Nos Estados Unidos dão vantagem a países que fornecem têxteis como o México, também alguns do Caribe, desde que eles utilizem algodão americano que é altamente subsidiado. Evidentemente nós não podermos aceitar uma coisa dessas, porque se nós fizermos uma concessão ao produto final, a roupa que foi tecida com aquele algodão, nós estamos de certa forma aceitando coonestar o subsídio americano. Portanto, eu acho que nós devemos ter posições claras, negociar na base da boa fé. Agora, eu reconheço que na base dessas leis que foram votadas pelo Congresso Americano, inclusive a última, o Trade Promotion Corporate, vai ser difícil, porque os produtos do nosso interesse, mais ou menos 120, interesses prioritários, estão todos incluídos naquele mecanismo de consulta especial ao Congresso, em que o negociador americano tem que voltar ao Congresso se quiser fazer concessões...

Antonio Corrêa de Lacerda: As concessões corporativas certamente serão fortes?

Rubens Ricupero
: E além de corporativas, eleitorais, porque você não pode esquecer que por exemplo, qual é o problema do aço? São 200 mil empregos em quatro ou cinco estados decisivos em eleições. Qual o problema de suco de laranja? A Flórida, nós vimos o papel que a Flórida desempenhou nas eleições. Qual é o problema do tabaco? Que eu esqueci de mencionar que o Brasil também é imbatível. O tabaco é o Kentucky, Tennessee, Carolina, é o sul, no sul profundo; o açúcar é Louisiana e os estados produtores de milho que eles tiram adoçante de milho. Então, é complexo...

Paulo Markun
: Embaixador, nós vamos fazer um rápido intervalo. A gente volta já já.

[intervalo]

Paulo Markun: Nós voltamos com o Roda Viva, que esta noite entrevista o secretário-geral da Unctad, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Rubens Ricupero. [...] Embaixador, mudando um pouco de assunto, nós temos acompanhado aí, com alguma preocupação - nós que eu digo, o povo brasileiro de modo geral - as definições de agências de classificação de risco, de executivos de grandes organismos internacionais, todos falando sobre a situação do Brasil, que o Brasil está complicado, que é preocupante, e cada vez que isso acontece, as ações despencam, o risco-país aumenta, a situação do país piora. Lembra um pouco a história do lobo e do cordeiro, com a diferença que o cordeiro pode dar entrevista hoje em dia [risos] e dizer que não é bem assim. A pergunta é esta: o que existe de efetivo nisso? E, mais do que isso, o Brasil pode fazer, se é que pode fazer alguma coisa, diante dessas circunstâncias?

Rubens Ricupero: Bem, as agências têm errado muito, não só em relação a países, mas a empresas. Boa parte dessa crise que os Estados Unidos estão vivendo no domínio empresarial se deve a erros das agências. No caso da Enron [empresa norte-americana, formada em 1985 era ramificada em vários campos de energia e faliu após denúncias de utilização de técnicas contábeis não recomendáveis], várias semanas depois que se tinha aberto a investigação contra ela, várias das agências e analistas de ações, dez de cada quinze ainda recomendavam a seus clientes, fortemente, que comprassem ações da Enron. Inclusive, como se sabe, houve erros que eram mais do que erros, que eram conluios com cumplicidade de interesses, não é? Essas agências agora querem se redimir exagerando no sentido da agressividade, mesmo em relação a empresas, a empresas importantes como a Vivendi [empresa francesa que atua nos setores de serviços públicos e comunicação: games, jogos eletrônicos] e outras, estão sendo consideradas como tendo uma dívida equivalente à Luxor, à Fiat, e outras, não é? E, em relação aos países, isso é mais difícil, porque como um único critério que você pode ter é o registro histórico, em termos de dívida soberana, isto é, de países soberanos, você não tem muito fundamento objetivo para se basear. Várias dessas agências, por exemplo, degradaram a dívida japonesa, embora o Japão tenha 400 bilhões de reservas, e tem um trilhão e 500 bilhões de ativos líquidos no exterior. Portanto, é difícil imaginar que um dia o Japão não pague a sua dívida, não tem um centavo de dívida externa [gesticula levantando o dedo indicador], é totalmente dívida interna, moeda interna. E no entanto, foi degradado em termos de classificação pelas agências. Portanto, há exagero. Eu acho que além do exagero, da dificuldade de cálculos, dos erros que eles têm cometido, há o fato de que os critérios são muito de curto prazo, e sendo de curto prazo, eles são auto destrutivos, o caso do Brasil é um bom exemplo, eles deveriam apostar mais, as agências, os bancos, no potencial de crescimento da economia de longo prazo, mas se, se concentrarem apenas em ver essa turbulência, neste momento das eleições, por fatores que são no fundo especulativos não é, porque como disse o professor Fishbawn , o que aconteceu na economia brasileira em três meses que...

Paulo Markun: Que tem mudado.

Rubens Ricupero: Que explica que o índice de risco tem passado de 800 a 2300? O que houve em termos concretos na economia? Nada, é a expectativa eleitoral. Portanto, se eles tivessem mais cuidado em olhar o crescimento de longo prazo agiriam mais em relação ao próprio interesse deles [gesticula apontado para si], porque qual é o interesse da agência ou do investidor? É que o empréstimo seja pago no prazo certo na sua integralidade. Mas para isso a economia tem que crescer, e não vai crescer se as agências começarem a degradar o crédito.

Paulo Markun: O que se pode fazer? Tem alguma coisa que se pode fazer?

Rubens Ricupero: Eu acho que o que se pode fazer é tentar justamente, por persuasão, mostrar aos mercados que esse tipo de comportamento é perigoso até para os próprios mercados. Eles não são imunes aos argumentos, você veja bem que eles agora estão exagerando na agressividade porque foram muito criticados porque não previram a crise asiática de 97 e nem o estouro da bolha de telecomunicações, sobretudo telecomunicações, e da internet. Eles agora estão indo para o outro lado. Mas assim como eles se mostraram insensíveis disso, é preciso também um esforço quem sabe até com apoio dos governos dos países industrializados, do Fundo Monetário, para que haja critérios mais de médio e longo prazo.

Priscila Murphy: Embaixador, minha pergunta é ligada a esse tema. Os bancos estrangeiros cortaram cerca de 70% das linhas de crédito ao comércio no Brasil: o que acontece no curto prazo ou médio prazo com o comércio se essas linhas não voltarem, e o que o governo podia tentar fazer para reverter essa situação praticamente inédita, já que em outras crises esse crédito não foi cortado?

Rubens Ricupero: É, eu acho que você colocou o dedo no problema central dessa turbulência que nós estamos vivendo. Como explicar que depois de um pacote do fundo monetário até acima do que se esperava tenha continuado esse nervosismo no mercado? A explicação é simples, é que antes não estava havendo muita especulação como se pensava, o que havia mesmo era pressão real por dólar [gesticula cerrando os pulsos], porque os bancos estavam liquidando as linhas de crédito, estavam exigindo repagamento. Então, mesmo o acordo do Fundo não resolve esse problema, porque o acordo do Fundo deve figurar sempre como catalisador, ele traz aqueles recursos que devem promover o retorno da confiança, mas é preciso que eles sejam complementados pela ação dos bancos privados. Se os bancos resolverem se retirar, utilizar os recursos do Fundo para se retirar do país, agrava a situação, porque o Fundo Monetário sozinho não pode resolver isso. O que é grave, nesta situação de hoje, é que ela é diferente de dois episódios que nós tivemos no passado, na crise dos anos 80, e uma vez mais em 98 e 99, houve um esforço não só do governo brasileiro mas também do governo americano, do Tesouro, e do Fundo Monetário, de pressionarem os bancos ou persuadirem, se vocês quiserem, os bancos a renovarem as linhas de crédito. Desta vez está havendo, o governo brasileiro está fazendo isso, o Armínio Fraga [presidente do Banco Central do Brasil de março de 1999 a dezembro de 2002] vai até viajar com esta intenção. Acontece que o Tesouro já declarou que não quer fazer isso, o Paul O’Neill [Secretário do Tesouro dos EUA], declarou, e o Fundo Monetário também não está ativamente tentando persuadir os bancos. Isso em contradição com o que o governo americano faz quando uma crise ameaça os Estados Unidos, quando houve em 98 ameaça do estouro do Long Term Capital Management [LTCM – é um mega fundo de investimentos], o Alan Greenspan [presidente do Federal Reserve – Fed - Banco Central Americano, por 18 anos, de 1988 a 2006] chamou todos os presidentes dos bancos comerciais e praticamente deu ordens a eles de salvar o LTCM, e foi o que tinham feito em outubro de 87 quando houve a grande queda da bolsa, Alan Greenspan tinha acabado de substituir o Paul Volcker [presidente do Federal Reserve de 1979 a 1988], que ele estava no Texas, mandaram um avião, ele veio e aí o Fed começou a telefonar a todos os bancos para inundar o mercado de liquidez. Então, o que eles fazem lá, não fazem aqui, este é que é o problema, aliás, todo o problema é este.

César Benjamin: É fato reconhecido por todos que a economia brasileira vive uma situação de grave vulnerabilidade externa.

Rubens Ricupero: É verdade.

César Benjamin: E se tornou praticamente unânime o discurso pró-exportação, tanto o governo quanto as oposições, anunciam os pró-exportação que não é tão recente assim, há muito se tem esta percepção. E no entanto, o desempenho das exportações brasileiras tem sido bastante medíocre, nós tivemos uma melhora na balança comercial recente mas por força da queda das importações e não por uma melhora das exportações. Há duas questões que eu gostaria que o senhor comentasse, que a meu ver mostram que o problema não é tão simples como simplesmente promever um choque de exportação. Primeiro, é de que um choque de exportações não depende só de nós, não é? A economia mundial tem uma taxa de crescimento baixa neste momento, há protecionismo, e há um enorme número de países querendo promover os seus próprios choques de exportação. Então não é simples que Brasil produza o seu. Além disso, o ritmo dessas políticas necessárias demandam um tempo que talvez seja um tempo mais longo do que o ritmo da crise cambial que já está colocada para o Brasil como demonstrou esse acordo com o FMI [Fundo Monetário Internacional]. Há, me parece, uma diferença de timing entre a crise cambial e a possibilidade de uma retomada no médio e longo prazo das exportações. E o segundo aspecto é de que a nossa maior vulnerabilidade do balanço de pagamentos hoje é balança de serviços e não propriamente comercial, e ninguém discute a balança de serviços, hoje nós temos um enorme déficit. Como o senhor vê esses dois problemas: o timing de uma política exportadora em relação à crise cambial, e nós devemos dar como fato irremovível o grande déficit de serviços ou temos também que atacá-lo, como, aí?

Rubens Ricupero: Eu acho que são problemas reais, são dificuldades que não podem ser minimizadas mas elas são superáveis. Em primeiro lugar, porque o Brasil é um país que exporta muito pouco, muito abaixo do seu potencial, ele exporta como eu acabei de dizer, três vezes menos que um país que é menor do que o estado de Pernambuco, que é a Coréia do Sul. A sua participação no mercado mundial é tão pequena, o Brasil é menos um por cento, zero vírgula qualquer coisa, que pelo menos nos estágios iniciais não é difícil aumentar significativamente... [sendo interrompido]

César Benjamin: Por que nós não aumentamos? Não houve esforço nos outros anos?

Rubens Ricupero: Bem, houve, mas em primeiro lugar é aquilo que eu lembrei aqui, durante quatro anos tivemos um câmbio valorizado que desencorajava as exportações... [sendo interrompido]

César Benjamin: Mas há quatro anos já estamos...

Rubens Ricupero: Mas começamos no momento errado não é?. Quando os Estados Unidos, que hoje em dia são a grande fonte de demanda de importações, estava começando a cair no seu ritmo de crescimento, então, nós pegamos o finzinho, nós tiramos uma casquinha que.. no ano de 99 e 2000 as exportações brasileiras cresceram razoavelmente, mas foi o final da expansão americana. Mas além disso... [sendo interrompido]

Antonio Corrêa de Lacerda: E forte queda de preço não é embaixador?

Rubens Ricupero: Houve a queda de preços, que continua. E eu queria lembrar mais uma vez esse problema da estrutura das exportações brasileiras. O Brasil tem uma capacidade de respostas de exportações muito lenta, porque quase tudo o que ele exporta é produto intermediário como o caso da celulose, como o caso do aço, que não é produto final; como o caso do complexo soja, e esses produtos intermediários tem uma oferta, tem uma demanda pouco dinâmica no mundo, e a Unctad, onde eu trabalho, que fez um relatório em maio, voltando a mostrar quais eram os produtos mais dinâmicos no comércio mundial, aqueles que crescem três vezes mais do que a média, e a América do Sul e o Brasil quase que não participam. De 20 produtos, nós só participamos dos dois últimos que são bebidas não alcoólicas, e tecidos de malharia. Todos os outros, o filé mignon do comércio mundial, que é eletrônica, computadores, semi-condutores, aparelhos de telecomunicações, equipamentos de escritório, tudo isso é dominado pela Coréia do Sul, Cingapura, Malásia, Tailândia, Indonésia, China cada vez mais. Então, o Brasil por que ele tem essa estrutura concentrada em produtos intermediários? Porque mesmo esses produtos são frutos do último ciclo de investimento que o Brasil conheceu, nos anos 70, começo dos anos 80, depois a economia brasileira não cresceu e não investiu. Roberto Iglesias, do Funsecs, mostrou num estudo recente que as fases em que comércio exterior brasileiro cresceu mais, inclusive manufaturados e produtos de alta tecnologia, coincidem com as fases em que a economia brasileira cresceu mais aceleradamente, e por quê? Porque quando você cresce, você pode atender a demanda interna e externa. Agora, sobre serviços você tem absoluta razão, nós falamos sempre de exportação de manufaturados ou de produtos agrícolas porque o item que a curto prazo é mais fácil, não é, de afetar... porque serviços, a conta de serviços da conta de contas correntes é muito diversificada, ela incluiu fretes [gesticula contando nos dedos], seguros, que são os serviços propriamente ditos, mas ela incluiu também o apagamento de juros que é difícil de comprimir com a dívida, ela incluiu a remessa de lucros e dividendos, que é outro lado do investimento que nós tivemos em telecomunicações, por exemplo, que é um investimento interessante mas que não gera exportação, gera remessa de lucros. Então, há esse lado.

César Benjamin: Voltando para questão especificamente comercial, hoje, no Brasil, o ritmo da crise cambial não é muito mais rápido do que a nossa possibilidade de uma retomada de exportações a partir de políticas que comecem eventualmente a serem implementadas no próximo governo? Nós já não estamos na iminência de uma crise cambial?

Rubens Ricupero: Depende de como essa crise atual se desdobre, porque se voltar uma certa calma no mercado, e o futuro governo puder começar num clima de relativa normalidade, eu não acho de forma alguma impossível que se restabeleçam todas as linhas de crédito... [sendo interrompido]

[...]: O senhor não está sendo otimista demais, não?

Rubens Ricupero: Bem, eu não acho que seja impossível porque, veja bem, a situação brasileira é diferente, por exemplo, da Argentina, no nosso caso o perfil da dívida, que é mais complicado no curto prazo, é da dívida interna, a dívida externa não está tão difícil a não ser nessa questão das linhas de crédito comercial. Além do mais, boa parte da dívida doméstica está em mãos de tomadores brasileiros, de grandes bancos brasileiros, embora parte delas atrelada ao dólar, não é. Portanto, embora as condições sejam difíceis, elas não são, creio eu, catastróficas ou desesperadoras. E eu acho até um exagero aqueles que acham que o colapso é inevitável... [sendo interrompido]

José Paulo Kupfer: Embaixador, quando o senhor fala - perdão cortar assim, tão abruptamente - mas quando o senhor fala que parte da dívida está em mãos de brasileiros, de bancos brasileiros...

Rubens Ricupero: Boa parte, mais de 80%.

José Paulo Kupfer: ... na verdade, o senhor está falando que está em mãos de cotistas de fundos que carregam títulos públicos, tudo bem, o senhor está dizendo que se tiver qualquer problema é o caso de haver um, não vou dizer calote, mas não tenho uma palavra agora neste instante, da dívida interna?

Rubens Ricupero:  Não.

José Paulo Kupfer: É isso que o senhor está falando? E por isso que ficamos tranqüilos, porque nós vamos sofrer novos problemas, e quem está lá fora não tem nada com isso, e portanto...

Rubens Ricupero: Não, não.

José Paulo Kupfer: Mas então por que que vale a pena dizer que a dívida interna é que talvez esteja um pouco pesada? E está na mão de brasileiros...

Rubens Ricupero: Porque ela é efetivamente, tem crescido muito, é ela que tem crescido mais, você sabe que a nossa dívida geral, a dívida pública global está em 290 bilhões, quase 300 bilhões, e desse total, uma boa parte se deve ao crescimento da dívida interna.

José Paulo Kupfer: Sim.

Rubens Ricupero: E o que torna o Brasil vulnerável em termos... [sendo interrompido]

José Paulo Kupfer: Perdão, a dívida externa pública, ela é...

Rubens Ricupero: Ela caiu.

José Paulo Kupfer: Ela é confortabilíssima. Neste ano e nos próximos dois, a rolagem... este ano já está até feita, tem dinheiro sobrando.

Rubens Ricupero: E ela caiu.

José Paulo Kupfer: Quer dizer, a história é um pouco...

[Falam simultaneamente]

Rubens Ricupero: Em termos proporcionais você sabe que ela caiu não é?

José Paulo Kupfer: Sim.

Rubens Ricupero: Uns anos atrás ela representava 25%, 26% da dívida pública, hoje representa 12... 12; 13.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas por que o fato da dívida pública interna, por que este, por que a dívida pública interna é menos preocupante que a externa?

Rubens Ricupero: Eu acho ela menos preocupante porque sendo os tomadores nacionais, eles conhecem melhor o país. Eles conhecem melhor o país, e são menos propensos a...

[...]
: A desembarcar.

Rubens Ricupero: A cometer erros, erros esses de "manada", de "estouro da manada", de se deixarem levar por informações erradas, contagens de países vizinhos como se nossa situação fosse igual a da Argentina, e não é. O fato de que três maiores bancos brasileiros são nacionais, não são estrangeiros, ajuda. Já tempos atrás o Fernão Bracher [Fernão Carlos Botelho Bracher, presidente do Banco Central do Brasil, 1985 a 1987], havia escrito um artigo alertando para o perigo da desnacionalização do setor bancário, que eu acho real, porque em países como Argentina ou México, o setor bancário hoje está quase totalmente em mãos de estrangeiros. Portanto, no caso de uma crise, o que vai predominar será a perspectiva de Nova Iorque, a perspectiva dos analistas que não estão familiarizados com o país.

[Falam simultaneamente]

Flávia Oliveira: Embaixador, desculpa, desculpe, é nessa linha da dívida...

[Falam simultaneamente]

[...]: Agora que ficou bom [risos].

Flávia Oliveira: Não seria também, porque em última instância o governo brasileiro tem o poder de emitir reais, e por isso a dívida, enfim...

[...]: De fazer equação...

Flávia Oliveira: A divida interna poderia ser equacionada? Quer dizer, este é um discurso que tem ganho força nas últimas semanas e dias, entre os economistas, de que em última análise você não precisa fazer calote nem reestruturar porque você tem a via de emitir moeda e fazer um pouco mais de inflação. E, aproveitando até esse gancho, eu gostaria que o senhor fizesse uma avaliação dos oito anos de Real, em que se priorizou a questão da estabilidade de preços, mas que ficamos à espera do crescimento econômico. Por que não conseguimos?

Rubens Ricupero: Eu não sou favorável a uma saída pela inflação. Vários países tentaram isso, mas em geral é uma solução que só se adota em conjuntura catastrófica como foi.

Flávia Oliveira: Cem bilhões de dívida interna vencendo no primeiro semestre do próximo ano!

Rubens Ricupero: Como foi a grande crise alemã, depois da Primeira Guerra Mundial, depois da Segunda [Guerra] também, os argentinos tiveram um episódio assim, em que próprio ministro Cavalo na época era presidente do Banco Central, mas são situações em que a decisão é muito mais imposta pelas circunstâncias do que uma decisão de caso pensado. Eu acho que o Brasil não chegou a esse extremo e eu espero que ele não chegará, que ele terá condições.

[...]: Mas embaixador...

Rubens Ricupero: Bom, o Brasil se ele continuar com perfil razoável de crescimento econômico no futuro, e se tiver condições de melhorar a situação do orçamento, ele tem condições de fazer baixar gradualmente a dívida interna. Agora, eu só queria, só para terminar a parte que ela falou do Real. No caso do Real, essa questão da estabilidade foi muito importante porque é preciso não esquecer que nós vínhamos de 35 anos de inflação crônica. Muitos de vocês aqui, que nasceram depois de disso, [aponta para os entrevistadores] nem tem memória de um período de estabilidade de preços. E nós precisávamos restaurar o mínimo de estabilidade, porque aquela situação estava ameaçando a própria integridade, a própria coesão do tecido social brasileiro. Eu acho muito importante que não se perca todo esse sacrifício, eu lhe confesso que uma das grandes preocupações que eu tenho nessa crise é a tentação de uma saída inflacionária que faça com que todo esse esforço gigantesco se perca.

[...]: Mas o tecido social está mais coeso hoje?

Carlos Eduardo Lins e Silva: Pois é, embaixador, este é o ponto, passamos oito anos, o país cresceu menos e tecido social, tenho sérias duvidas se está mais coeso ou não.

[Falam simultaneamente]

César Benjamin: Deixa eu agregar uma questão, é que na época da crise inflacionária, a inflação explicava, digamos assim, a nossa, a ditadura do curto prazo. Quer dizer, a obsessão da inflação não nos permitia pensar em outras questões, não é? Eu acho que há um certo paradoxo, oito anos depois da edição do Plano Real que nós obtivemos uma relativa estabilidade da moeda e continuamos sob a ditadura do curto prazo, quer dizer o país não conseguiu levantar a cabeça e definir um projeto, enfim, de desenvolvimento numa temporalidade estendida que é a temporalidade necessária. Por que nós continuamos inexoravelmente presos a gerência de curto prazo, que se eternize?

Rubens Ricupero: Bem, sobre os dois pontos, em primeiro lugar essa questão do tecido social e a atitude das pessoas, eu admito que há problemas muito graves hoje em dia, sobretudo o aumento enorme de desemprego, mas a meu ver não é justo querer dizer que a situação atual seja comparável a que existia em 93, 94, antes do Real. Naquela época, é possível que as pessoas tenham esquecido muito depressa, mas o próprio dinheiro do salário na hora que as pessoas recebiam já tinha derretido, já não valia mais nada, hoje em dia ele resiste muito mais, houve uma possibilidade de melhoria relativa no nível de vida daqueles que estavam empregadas, pode-se, a gente pode ver pelos índices de amostragem domiciliar no IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] que houve uma melhoria inclusive no número de eletrodomésticos, em matéria de saneamento. Portanto, eu acho que aí é aquela questão do copo que está meio vazio e meio cheio...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] não mostra uma grande melhoria por parte do Brasil. [Falam simultaneamente] E mesmo do ponto de vista assim muito subjetivo. Como o senhor sabe, eu vivi fora do Brasil, durante praticamente o período do Real, eu honestamente, [falam simultaneamente] quase tantos miseráveis pela rua quanto antes, claro que isso não vale nada, é impressão subjetiva, mas não houve e o senhor há de concordar, mudança dramática. Pelo menos não houve uma mudança dramática.

Antonio Corrêa de Lacerda: Se permite acrescentar, acho que nos tornamos reféns de uma falsa idéia de estabilidade, na verdade de uma inflação relativamente baixa quando comparada a períodos anteriores, mas forte instabilidade dos preços, ou preços relativos, principalmente, veja agora a questão dos preços administrados, que viraram fortes fatores de pressão sobre o custo de vida. E a falsos debates não é, porque no Brasil se coloca muito enfaticamente a contraposição entre o crescimento ou estabilidade, como se fossem coisas...

Rubens Ricupero:  É verdade.

Antonio Corrêa de Lacerda: Como se fossem coisas não complementares, mas falsas opções.

Rubens Ricupero: É verdade. Não, eu admito que todas essas críticas tenham seu fundamento, e não há dúvida que sobretudo agora que estamos vivendo uma crise aguda, devido a todos esses fatores que se conhecem, se sente mais o lado negativo, mas eu quero crer que houve uma melhora. É claro que eu não sou, talvez, a melhor pessoa para demonstrar isso porque eu vivo fora do Brasil há alguns anos, então eu não tenho como vocês a experiência direta dos acontecimentos. Mas eu não creio que a maioria das pessoas na rua concordaria com a idéia de que nós temos que voltar àquela fase da inflação, àquela fase de ansiedade enorme, em que quando eu tomei posse, por exemplo, havia uma inflação de quase dois por cento ao dia. Eu não creio que a população do Brasil apóie qualquer projeto desse tipo.

[Falam simultaneamente]

Rubens Ricupero: Agora, eu acredito de fato, só para terminar aqui a resposta, que a estabilidade era só no início, quando eu era ministro, se alguns se lembram ainda, eu costumava dizer até: “a estabilidade não é senão o início do começo do princípio de um esforço de construir um projeto nacional”. Numa certa ocasião até usei essa imagem, a estabilidade é apenas o pedestal de um monumento, de uma estátua, a estátua tem que ser o projeto nacional. Faltaram muitas coisas, não é, e muita dessas coisas que faltaram agravaram este quadro, mas eu acho que isso não é justificativa para destruir o pedestal, para começar tudo de novo.

Paulo Markun: Embaixador, eu vou pedir licença. Vamos fazer um rápido intervalo e voltamos já.

[intervalo]


Paulo Markun: Nós estamos de volta com o Roda Viva, para o último bloco com a entrevista de Rubens Ricupero, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Como o programa está sendo gravado, segunda à tarde, ele não permite a participação dos telespectadores. Embaixador, vamos ter eleição aí, e a sensação que eu tenho, olhando o quadro eleitoral, me lembra um livrinho que eu tinha quando eu era criança, tinha três bichos em várias páginas, eram páginas cortadas em três partes, você misturava cabeça de elefante com pé de jacaré, rabo de tatu com corpo de tigre, cabeça de sei lá, tatu, e por aí vai... Ou seja, os bichos que estão disputando estas eleições, os candidatos, não têm uma definição muito clara, candidato do governo disse que não é candidato só do governo, nem da oposição, o candidato da oposição disse que também tem um jeitinho de governo porque ele vai ser sensato, e até tem três candidatos de oposição e os três candidatos se desenham da mesma maneira... O senhor acha que isso é bom ou ruim?

Fábio Santos: Deixa eu acrescentar só uma coisinha embaixador, o senhor disse que os bancos estão cortando as linhas de crédito e em 99 não fizeram isso, e muito provavelmente, pelo menos nas perspectivas, eles estão fazendo isso por causa do debate eleitoral, olham exatamente esses candidatos que o Paulo Markun estava contando, vem um candidato da oposição com discurso ambíguo, um outro candidato da oposição com um discurso mais ou menos condizente com o que se espera e o candidato do governo atrás das pesquisas. Com a qualidade das informações que os bancos têm, o senhor acha que eles têm razão de estarem preocupados?

Rubens Ricupero: Não, eu não acho que eles tenham razão, porque embora eu não acompanhe aqui tão de perto como vocês a campanha eleitoral, o que eu tenho visto é que nenhum dos candidatos tem feito declarações irresponsáveis ou que justifiquem o temor dos mercados em relação à dívida. Pode ter havido uma ou outra escorregadela, mas isso é normal numa campanha eleitoral, de maneira geral eu acho que todos os candidatos estão fazendo um esforço de transmitir uma imagem de responsabilidade. Agora, em relação à questão da, das candidaturas em si mesmo, eu confesso que eu tenho muita dificuldade em dizer alguma coisa porque eu sou um funcionário das Nações Unidas, nós somos até proibidos por estatuto de dizer alguma coisa sobre política interna, nós nos pronunciamos sobre políticas em desenvolvimento, porque isso faz parte da minha jurisdição, assim como a minha colega Mary Robinson [alta comissária de direitos humanos da ONU], que eu soube que esteve aqui, ela tem o dever de se pronunciar por exemplo sobre violações de direitos humanos, e eu tenho o dever funcional de falar sobre políticas que não me parecem corretas, como por exemplo... [sendo interrompido]

Carlos Eduardo Lins e Silva: Uma política que não é, uma questão que não é de política interna embaixador, candidatos em política externa são muito parecidos também, mas há um ponto em que eles estão claramente divergindo, que é Mercosul. O candidato José Serra muito menos disposto a investir no Mercosul do que os candidatos Lula e Ciro. O que vai ser do Mercosul na sua opinião? O que deveria ser do Mercosul, o Mercosul ajuda ou atrapalha o Brasil na sua estratégia comercial? Qual sua visão do Mercosul hoje?

Rubens Ricupero: Eu não tenho dúvida que ele ajuda e deve ser preservado, mas ele depende de muitos fatores aleatórios, um deles é a recuperação da Argentina, do Uruguai, do não agravamento da crise brasileira, e acho que talvez ele necessite de uma dose de realismo maior porque logo de início se quis fazer uma união aduaneira que é já um estágio muito ambicioso, nunca se conseguiu completar essa união aduaneira. E é possível que as circunstâncias obriguem a um estágio menos ambicioso de zona de livre comércio, que deixa aos países membros uma certa liberdade de ação. Mas eu não tenho dúvida nenhuma que se deve preservar, e uma prova de que ele é importante é que uma das causas de que o desempenho das exportações brasileiras este ano não está sendo muito bom é o colapso da Argentina. A Argentina representava uma boa parte do mercado brasileiro de exportação. Mas o colapso da Argentina, nós queremos crer, é temporário, a Argentina será sempre o nosso vizinho, a própria, o próprio determinismo da geografia impõe isso, nós precisamos fazer todo o possível para que também esse comércio se recupere. Portanto, eu acho que ninguém será favorável por si a abandonar o Mercosul, desde que ele consiga se revigorar com uma certa recuperação.

[...]: Embaixador...

César Benjamin
: Ampliando um pouco do escopo, e ficando nas questões internacionais, os Estados Unidos tiveram, na última década, um grau de hegemonia avassaladora no cenário internacional, e por vários motivos, entre os quais...

Rubens Ricupero: Depende do que você entende por hegemonia. Se for o conceito gramsciano [referente à Gramsci], eu acho que eles não têm, eles têm poder.

César Benjamin
: Poder, exatamente, exatamente, e parcialmente em função da posição especial do dólar no sistema internacional, força militar também, e etc... A Europa vem concluindo um processo de unificação que gerou uma grande moeda que unifica o espaço econômico semelhante ao espaço americano, não é, e a China vem emergindo como uma potência importante no século XXI. E o senhor, como é o que senhor numa posição privilegiada, lá na Unctad, o senhor vê os desdobramento do sistema internacional nesses próximos anos e próxima década, há possibilidade de um avanço na direção de uma maior multipolaridade? Como é o que senhor vê esta... Qual é o projeto da Europa, a Europa tem condição de se confrontar de alguma maneira com o poder americano?

Rubens Ricupero: No momento atual eu acho que há razão para estar preocupado, porque os acontecimentos de onze de setembro provocaram uma militarização crescente da política externa. Hoje em dia é nítido que o político predomina sobre o econômico e o Estado sobre os mercados não é? E é nítido também que essa postura de uma nova Guerra Fria, só que desta vez contra o terrorismo, provoca divergência mesmo no seio da aliança ocidental. No primeiro momento, logo depois do ataque, acreditou-se que, no próprio interesse dos Estados Unidos, o governo americano buscaria ter uma estratégia de consenso, utilizando o Conselho de Segurança da ONU, que aliás votou uma resolução de combate ao terrorismo, os aliados fazerem uma grande coalizão, e de fato isso durou até mais ou menos o fim da campanha contra o Afeganistão. Mas no momento que ficou menos nítido qual é o próximo inimigo, se será o Iraque ou se será uma luta absurda contra o terrorismo, de muitos anos, as divergências começaram a se aprofundar e hoje está nítido que...

[...]: E qual o papel da ONU, embaixador?

Rubens Ricupero: Bem, eu acho que a ONU é a única instância que dá legitimidade às decisões desse tipo, às decisões que afetam a paz e a segurança mundial...

Carlos Eduardo Lins e Silva: E se o Bush ignorar a ONU e atacar o Iraque?

[...]: Porque está evidente isso, não?

[Falam simultaneamente]

Rubens Ricupero: Não, seria gravíssimo. Na minha opinião, se ocorresse isso nós poderíamos ter uma situação parecida ao que foi a invasão da antiga Abissínia pela Itália fascista [1935] que marca o início do fim da Liga das Nações [formada em 1920 com o Tratado de Paz de Versalhes, com o objetivo de evitar uma nova guerra em proporção mundial e encerrada formalmente em 1946]. Dependendo de como se faça não é?. Porque, isso não é uma opinião minha, eu disse: eu acho, mas na verdade eu deveria dizer: pelo direito internacional positivo a única autoridade que pode justificar um emprego da força, a não ser em caso de auto-defesa imediata, é o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

César Benjamin: Mas ele já...

Rubens Ricupero: Esta é lei positiva, é Constituição do mundo.

César Benjamin: Mas ele já foi ultrapassado no caso da Iugoslávia.

Rubens Ricupero: Bem, não tanto assim porque houve resoluções.

Fábio Santos: E o Conselho da ONU vem sido sistematicamente desrespeitado na questão por exemplo de Israel com os palestinos.

Rubens Ricupero: É verdade.

Fábio Santos: E daí? Quer dizer, o senhor disse que o único organismo pelo direito positivo que pode autorizar é o Conselho da ONU. Mas na questão de Israel a ONU se põe completamente rendida?

Rubens Ricupero: É um bom argumento que é uma das explicações do enfraquecimento das Nações Unidas, mas também você vê que, por outro lado, o problema nunca se resolveu, ficou mais grave, justamente por causa do desrespeito das resoluções, mas no caso do Oriente Médio pode se dizer que é um problema de 50 anos, um problema crônico em que desde o início o papel da ONU foi limitado, porque os próprios Estados Unidos não queriam uma intervenção maior da ONU, portanto não levaram muitas vezes ao Conselho de Segurança. Enquanto que um episódio como esse, de um ataque, de uma grande operação contra um país acusado de constituir uma ameaça à segurança internacional, esse seria um caso muito grave, um caso que eu realmente poria em questão a própria essência da legitimidade internacional. Eu espero que isso não ocorra.

[...]: Mas está com cheiro de que vai acontecer, não é?

Antonio Corrêa de Lacerda: Embaixador, sobre a questão econômica ligada a essa nova ordem econômica e política mundial, quer dizer, claramente os organismos multilaterais que se originaram da Conferência de Bretton Woods [1944, visava ao estabelecimento das regras comerciais entre os países mais industrializados do mundo para a construção de uma nova ordem econômica mundial e para garantir a estabilidade monetária internacional], após a Segunda Guerra Mundial, se mostram insuficientes para dar o respaldo necessário para diminuir a incidência de crises que tem sido recorrentes ao longo dos anos 90 não é?. Neste debate da chamada nova arquitetura financeira internacional, como é que a Unctad está se posicionando?

Rubens Ricupero: Bem, a nossa organização tem sido sempre uma voz muito crítica dos excessos da globalização, desde o início viu os perigos dessa tendência prematura de globalização financeira. Em 1990, meses depois da queda do Muro de Berlim  quando todas as organizações tipo Fundo Monetário, Banco Mundial anunciavam uma década de crescimento extraordinário com liquidez internacional cada vez maior, a Unctad foi a única organização que, no seu relatório anual, disse que a década de 90 ia se caracterizar pela freqüência e pelo poder destrutivo das crises monetárias e financeiras. Infelizmente, nós não fomos ouvidos porque nós somos, como se disse muito de Trotsky [Leon Trotsky] e de outros, nós somos "um profeta desarmado". Nós não temos meios como tem o Fundo Monetário, ou como tem o Banco Mundial de impor condicionalidades. Nosso poder vem apenas da força das idéias. Mas o fato é que as nossas previsões foram confirmadas a partir de 95 com a crise mexicana. Hoje em dia, eu vejo com satisfação que o Fundo Monetário começa a aceitar certas idéias nossas como essa de uma concordata para sair das crises dos países...

[...]: Mas o governo brasileiro até agora não se animou com isso?

Rubens Ricupero: O governo brasileiro é crítico porque ele teme que isso faça com que os credores reduzam os capitais disponíveis. Mas a verdade é que a falta de um mecanismo ordenado para sair de uma crise de dívida soberana é que está destruindo a Argentina, a Argentina já está nisso há oito meses e não há um mecanismo como é, por exemplo, a concordata.

José Paulo Kupfer
: Embaixador, esse assunto é curioso porque faz o senhor pensar de maneira semelhante à Anne Krueger [ex-diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional], a vice-diretora do...

Rubens Ricupero: É verdade, é verdade.

José Paulo Kupfer: ... que agora que é tida como um "falcão" das economias de mercado, e não é bem o seu caso. Mas eu vou tomar a liberdade...

Rubens Ricupero: A nossa posição é um pouco diferente, nós fomos a primeira organização que propôs a concordada em 1986, na época da crise... [sendo interrompido]

[...]: O senhor poderia detalhar como seria esse mecanismo?

Rubens Ricupero: Aí que está, no nosso caso, nós propúnhamos a concordada mais como uma espécie de tribunal internacional imparcial, como é o juiz, e que não fosse credor...

César Benjamin
: O país recorreria a ests tribunal?

Rubens Ricupero: A Anne Krueger propõe que seja o Fundo Monetário, o Fundo Monetário na verdade é juiz e parte...

[...]: O país entra com o pescoço e ela com a corda?

Rubens Ricupero: A diferença é que a nossa posição [interrompido]

José Paulo Kupfer
: Não sei se ela fala isso não, ela também fala no tribunal e...

Rubens Ricupero: Ela prega... prega...

César Benjamin
: Mas eu acho importante ouvir a proposta da Unctad sobre isso.

Rubens Ricupero: Mas ela propõe que, na verdade, que seja o Fundo Monetário que determine, que julgue as condições. Nós acreditamos que é preciso de mais imparcialidade neste caso, e nós acreditamos também que é preciso uma série de outras medidas que evitem as crises, porque isso é uma maneira de administrar a crise, mas antes que a crise possa eclodir, é preciso ter mecanismos que possam prevenir as crises. Como é que se faz isso? Controlando os capitais de curto prazo, e aí também, infelizmente, os países industriais e o Fundo Monetário ainda tem uma posição muito reticente...

José Paulo Kupfer: Como se controla, com taxa...

Rubens Ricupero
: O Chile fez isso muito bem no início com aquela taxa que 30% dos capitais que se investissem ao menos um ano, ficaria numa conta sem render juros.

[...]: A chamada quarentena.

Rubens Ricupero
: O Chile depois abandonou isso quando os capitais se escassearam, mas em função dessa atitude...

José Paulo Kupfer: Quer dizer, dá para fazer quando tem boa liquidez, quando a coisa aperta...

Rubens Ricupero
: Aí é difícil.

José Paulo Kupfer: Quando precisa disso...

[...]: Agora, por exemplo...

Rubens Ricupero: Esta é uma verdade financeira, nos momentos das crises não é o bom momento de reformar o sistema [sorri].

José Paulo Kupfer: Então, deixa eu tentar aqui... Acho que com certa dor mas eu vou querer voltar para nossa terra.

Rubens Ricupero
: Sei.

José Paulo Kupfer: Para nossa terra, não é? Embora o senhor diga que seja nacional e tal, o senhor tem sim, até em caráter pessoal, frisa isso sempre, discutido temas brasileiríssimos e temas eleitoralíssimos. E no caso, o senhor tem por exemplo discordado, talvez, e eu estou fazendo já uma provocação, dos candidatos ditos de oposição quando o senhor teme muito o superávit de 3,75% do PIB para o primário, superávit fiscal primário, porque vê nisso um grilhão, uma corrente do crescimento. Já ficou claro aqui, e é claro, em todo lugar, que o crescimento se não é a salvação de toda a nação é parte importante dessa salvação. Bom, como é que... E os candidatos estão todos aí se comprometendo a manterem esse superávit. Eu queria lhe fazer um pergunta, lá embaixo, lá no fundo, por que também nenhum candidato tem querido tocar nessa ferida. Dos nossos déficits, déficits fiscais, o mais grave é o da Previdência. São, somando tudo, em números redondos, quase hoje já mais de 60, quase 70 bilhões de reais por ano, seis, sete por cento do produto, quase o dobro do superávit que se pede. Quando o Lula esteve aqui, eu estive também no Roda Viva, ele disse que crescimento e formalização de trabalho resolveria isso, não é verdade também, infelizmente, porque a maior parte desse problema é da Previdência do serviço público, e que por definição o funcionário público é formal. Não é por aí. E é o maior problema porque dos 60 e tantos, 50 é o buraco de previdência pública. Também tem uma coisa complicada nisso, eu não queria ser tão longo, que nós sabemos que a Previdência, em grande parte, é um programa de renda mínima desse país, famílias e mais famílias, crescente número de famílias, depende do dinheiro da Previdência para ter um mínimo de vida digna, e isso incluiu filhos, filhas, netos e todo mundo. Então, não é, não estou aqui pedindo uma definição liberal dessa questão. Bom, finalizando e já sendo muito longo, peço desculpas, a previdência pública tem benefícios de 30 bilhões por ano para três milhões de aposentados, dá uma média de dez mil para cada um, está certo? Por ano quase, um pouco menos de mil por mês, digamos assim. Claro que boa parte disso é de gente que recebe os 200 que também na previdência privada se recebe. Enfim, como é que se faz isso? Como se acaba com esse problema, que é o fundamental dessa questão do déficit público?.

Rubens Ricupero: Eu não sou especialista em previdência social e lhe confesso que não tenho qualificações para lhe dar uma solução para essa questão, por outro lado como eu não sou candidato nem a presidente nem a ministro [sorri], eu também não me sinto na obrigação de lhe dar uma resposta qualquer porque essa é uma área que realmente eu reconheço que há um problema, como há outros problemas, por exemplo, entre os geradores desses crescentes gastos públicos, a multiplicação da criação de municípios, por que que não se põe um cobro a isso? Eu não também não sei, são soluções políticas, provavelmente não é? Como há o problema das transferências crescentes, que incide na questão da distribuição da carga fiscal. Mas eu quero me referir mais à questão do déficit, porque que eu divirjo do ajuste imposto ao Brasil na base de produção de superávit crescentes, primários, do orçamento. A razão é muito simples, é porque todas essas medidas são o que os economistas chamam de medidas pró-cíclicas, isto é, elas reforçam a tendência já existente em vez de combater. Todo mundo sabe, hoje em dia, em economia, que quando  um país está crescendo demais, aquecendo a economia, aí ele tem que elevar juros e ele tem que produzir o superávit do orçamento para frear a economia. Quando a economia está em recessão, ou quase em recessão como é o nosso caso, a receita é reduzir os juros, é aumentar a liquidez financeira e utilizar o orçamento, os déficits orçamentários como um instrumento de ativação da economia. Agora, isso é exatamente o que os Estados Unidos fazem neste momento, reduziram onze vezes os juros, passaram de uma posição de saldo no orçamento para uma posição crescentemente deficitária, estão sustentando um nível de gastos através de grandes gastos em defesa, e de gastos do governo, que é precisamente o oposto do que se impõe ao Brasil, embora o Brasil não esteja aquecido, não esteja crescendo, ao contrário. Então, não é preciso ser um grande Prêmio Nobel da Economia para ver que num país que não cresce, ao qual se impõe medidas pró-recessivas e que tem um endividamento crescente, que essa equação não fecha. O que levou ao colapso da Argentina foi justamente isso, três, quatro anos seguidos de recessão e o que o ministro Cavalo queria fazer é o que alguns dos nossos economistas propugnam, em vez de ter um superávit primário de 3,7, ele queria ter um superávit primário tão grande que incluísse o pagamento integral dos juros, que equilibrasse totalmente as despesas. Aqui é o que propugnam os economistas. Aconteceu na Argentina aquilo da famosa anedota do cavalo que estava sendo treinado para não comer ração e que no meio da experiência, infelizmente morreu, não deu tempo de chegar a esse ponto.

[...]: Esse comentário...

[...] Embaixador, o senhor não é candidato a ministro, mas convidado, o senhor recusaria, in limine, ou o senhor consideraria?

Rubens Ricupero: Não, eu não sou, nem considero essa hipótese porque não acredito que eu vá ser convidado, eu quando fui ministro, tinha dez anos antes...

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor está em plena forma [sorri].

Rubens Ricupero: Não, estou apenas candidato a vida eterna. [risos] É uma melhor perspectiva.

Paulo Markun: Só para não perder aí, o livro do senhor é Esperança e ação...

Rubens Ricupero: É verdade.

Paulo Markun: A esperança eu entendi, a ação onde é que fica?

Rubens Ricupero: Bem, a ação ...

Paulo Markun
: No seu caso?

Rubens Ricupero: Ação, é justamente... Não, no meu caso é o que eu venho fazendo.

[...]: Proselitismo?

Rubens Ricupero: É também uma ação, você sabe, é um famoso verso de um poeta que ele diz: "também serve quem também se senta e espera". No meu caso, eu não estou sentado e esperando, estou procurando contribuir para o debate de idéias, e eu digo com toda sinceridade, o que me move é que eu gosto de escrever, eu gosto de debater, com modéstia, eu sei que muitas vezes eu estive errado, eu admito que muitos desses que foram meus colegas de equipe econômica são economistas brilhantes, muito mais competentes do que eu, mas isso não impede que eu participe do debate nacional, como outros também participam. Você vê eu estava ali dizendo, eu escrevo uma coluna semanal na Folha, eu escrevo uma coluna mensal no Globo Rural, além das minhas viagens, do meu trabalho, estou lançando livro. É uma forma modestíssima, mas eu contribuo dessa forma.

Paulo Markun
: Só para não perder o gancho, o senhor quando assumiu a Unctad, o senhor mencionou que gostaria de terminar o primeiro mandato e, se não estou enganado, o senhor terminou o primeiro e já está a caminho de terminar o segundo?

Rubens Ricupero: É verdade.

Paulo Markun: Termina em 2003?

Rubens Ricupero: É, eu já estou há quase sete anos e o meu mandato termina o ano que vem, em setembro do ano de 2003. E eu gostaria de preparar a futura conferência da Unctad, que vai ser no Brasil. O presidente Fernando Henrique Cardoso teve esse gesto de convidar, porque a nossa conferência só ocorre uma vez a cada quatro anos. E esta nossa próxima conferência é muito ligada a um tema que o professor Lacerda tem colaborado muito conosco [aponta para o professor que está entre os entrevistadores], que é: como aumentar a competitividade das exportações, incluído com a atração de investimentos. Nós estamos lançando um grande relatório sobre medidas práticas, políticas, que deram certo em outros países e eu quero dizer, sem nenhuma demagogia, porque você sabe, uma das vantagens de não ser candidato à ministro e nem candidato à vida pública é que ninguém precisa achar que você está querendo vender alguma coisa, entendeu? Uma vez eu li de um político francês que se retirou muito jovem, ele dizia: “Agora as pessoas me recebem de outra forma, antes sempre achavam que eu queria vender alguma coisa”, e eu não quero vender nada, apenas essas idéias. E eu acredito sinceramente que no nosso caso, nós temos a base, nós temos a base desde que a gente não aceite critérios perversos como esse de produzir saldos primários crescentes porque realmente não tem saída. Eu posso lhe mostrar até no artigo do Times que eu recortei ontem [pega uma folha de jornal dobrada], do Kaletsky [Anatole Kaletsky, comentarista de assuntos econômicos] que é um homem muito ortodoxo [colocando os óculos]. Ele, falando da Europa, e dos Estados Unidos, dizendo que os Estados Unidos entrou em déficit e tudo, mas tem que continuar em déficit porque a economia está caindo. Exatamente o oposto do que estão fazendo aqui. E diz assim: “Ninguém, a não ser os pré-keynesianos [teóricos que sustentaram idéias anteriores às apresentadas por John Maynard Keynes, 1883-1946], de neandertal [risos] de Frankfurt, do Banco Central Europeu, iria sugerir que se deve endurecer a política fiscal..." - ouçam bem, endurecer a política fiscal - "o orçamento, antes que o desemprego comece a diminuir e a economia esteja claramente atravessando uma fase de crescimento auto-sustentável”.

Fábio Santos: Pelo que o senhor diz, o próximo...

[Falam simultaneamente]

Rubens Ricupero: Isso que se faz no Primeiro Mundo, conosco se faz o contrário.

Fábio Santos: Pelo que o senhor diz, desculpe, o próximo governo vai ter que rever acordo com o FMI que diz déficit...

[Falam simultaneamente]

Rubens Ricupero: Eu disse ontem na entrevista com a Priscila exatamente isso, que o novo governo deve persuadir o Fundo Monetário a mudar esses critérios, porque com esses critérios, eu realmente não vejo saída.

César Benjamin: Mas embaixador, o acordo agora recém assinado prevê a possibilidade de que o Brasil gaste suas reservas até o nível de cinco bilhões de dólares, o que significa um mês de importações, ou cinco semanas de pagamento externos, e o próximo presidente poderá assumir nesse contexto. E o Fundo, tendo 24 bilhões de dólares para liberar ou não, de acordo com as negociações, quer dizer, não serão negociações duríssimas? Nas quais o Fundo terá todas as condições de impor as suas condições, a um país muito fragilizado, um país que tem cinco bilhões de dólares de reservas apenas, e em recessão, com alto desemprego...

Rubens Ricupero: As condições serão difíceis, serão duras, mas não são impossíveis. O Fundo Monetário não é impermeável à crítica, tem sido criticado pelos "tigres" [expressão usada para se referir aos quatro países asiáticos: Hong Kong, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan (antiga Formosa), que adotaram uma política econômica agressiva para superar os índices de pobreza, nos anos 60], sofreu muita crítica por causa dos problemas da Argentina e antes da Ásia, e o caso do Brasil é crítico. E, evidentemente o governo brasileiro tem argumentos fortes, um deles de mostrar que sem crescimento não se paga. O ..... no boletim especial sobre o Brasil, de cinco de julho, que é a voz do [jornal] Wall Street, diz exatamente isso, que o problema de Brasil não é eleição, é que não cresce desde o ano 2000, satisfatoriamente, não expande as exportações e está aumentando a dívida. Portanto, a questão é, como permitir que o Brasil cresça dentro do seu potencial? Quer dizer, não inflacionariamente? E como fazer isso com esses critérios, com esses critérios, eu não vejo...

[...]: Se o Fundo adotar uma posição intransigente, nós deveríamos...

Rubens Ricupero: Eu acho que é possível, eu acho que é possível o governo brasileiro negociar, e na minha opinião, o novo governo deveria ter, não só um programa econômico coerente, mas articulado a um programa social importante porque hoje, o Fundo Monetário assim como o Banco Mundial declaram que a sua prioridade principal é a erradicação da miséria, combate à pobreza. Ora, um bom programa mostrando o que se quer fazer no Brasil sobre isso, a meu ver teria a mesma força que teve o nosso programa contra a Adis, que nos valeu essa flexibilidade nas normas. E nós temos programas aqui de valores, renda mínima, como o Bolsa Escola e outros. E eu acho perfeitamente possível, é difícil, mas difícil não quer dizer impossível, e poderia até pensar, por exemplo, alguém me disse que está se pensando numa idéia, que seria o presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, depois de ser presidente, de ser um grande negociador em nome do país, ou de outros países da América Latina, para tentar obter uma flexibilização dos critérios. E por que não? Seria uma idéia interessante porque ele tem prestígio internacional, é muito conhecido na Europa, não é idéia minha, alguém me disse isso, de vez em quando se discute. Mas é preciso idéias assim, inovadoras, pode ser que esta não valha, mas o que eu quero dizer é que preciso tomar iniciativa com idéias inovadoras, não aceitar passivamente a imposição de critérios.

Paulo Markun: Nosso tempo terminou embaixador, mas queria deixar claro o seguinte, eu tive a impressão de entender mais claramente o lado do pessimismo do que o lado da esperança, [risos] do otimismo, em uma palavra, aonde que o senhor apóia seu otimista, a sua esperança?

Rubens Ricupero: Bem, meu otimismo se baseia na capacidade das ações de mudarem o mundo. Elas podem demorar, mas elas acabam se impondo, hoje em dia, muitas das posições do Fundo Monetário são radicalmente diferente do que a que ele sustentava há pouco tempo atrás. O próprio secretário do Tesouro americano foi obrigado a fazer, em relação ao Uruguai, o que eles criticaram que o Clinton fez em relação ao México, um "empréstimo-ponte".... Por quê? Tiveram que evoluir, em parte por causa das pressão das circunstâncias, e em parte porque é um peso da opinião pública mundial. Eu portanto sou um otimista, mas um otimista no sentido histórico, acreditando que você tem que perseverar, tem que ter um bom projeto, e eu sou diplomata de formação, se eu não acreditasse na possibilidade de ganhar em negociações duras, eu não seria diplomata.

Paulo Markun
: Está certo, embaixador, muito obrigado pela sua entrevista, obrigada aos entrevistadores, e a você que está em casa. E na próxima segunda-feira estaremos de volta com mais um Roda Viva
, até lá, uma ótima semana. Boa noite.
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