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Paulo Markun: Boa noite. Ele classificou de assustadora a crise causada pelos sucessivos escândalos envolvendo políticos do Brasil e fez um alerta à nação: “Enquanto a Justiça não tomar uma decisão definitiva sobre os candidatos envolvidos no 'mensalão' e na 'máfia dos sanguessugas', caberá ao eleitor agir contra os políticos corruptos que tentarão se eleger em outubro”, palavras ditas por quem dirigiu o Supremo Tribunal Federal e comanda agora o processo eleitoral no país, o ministro Marco Aurélio de Mello. Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ele é o convidado desta noite do Roda Viva. É a segunda vez que o ministro Marco Aurélio de Mello preside o Tribunal Superior Eleitoral. Em 1996, ele conduziu a primeira eleição informatizada no Brasil, uma marca de modernidade, e agora, em 2006, comanda o processo eleitoral que carrega uma marca de atraso, o envolvimento de políticos em escândalos de corrupção.
[Comentarista]: Em 2005, foi o "mensalão", apontado como a mesada para deputados apoiarem o governo no Congresso. 40 pessoas foram denunciadas à Justiça, entre empresários e políticos, incluindo 3 membros da cúpula do PT [Partido ds Trabalhadores] e o homem forte do governo Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, cujo primeiro mandato teve início em 2003], o deputado José Dirceu, que acabou cassado. Em 2006, um escândalo ainda pior, a "máfia dos sanguessugas", o esquema de compra fraudulenta de ambulâncias que resultou no pedido de cassação de 67 deputados e 3 senadores. Além desses, outros 27 estão sob investigação. É esse envolvimento de políticos com o crime de quadrilha que levou o ministro Marco Aurélio de Mello à televisão para dizer que o eleitor deve agir contra os políticos corruptos que tentarão se reeleger. Foi um pronunciamento oficial, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, na véspera do início do horário gratuito em que o ministro também conclamou os eleitores a se preocuparem com as conseqüências do voto. Ele rejeitou a possibilidade de utilizar o voto nulo como protesto contra os escândalos políticos. Marco Aurélio de Mello, 60 anos, carioca, formado em direito, tornou-se conhecido em 1990, ao ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal pelo primo e então presidente da República, Fernando Collor de Mello [eleito em 1990 e afastado em 1992, por conta de um processo de impeachment]. Nesses 16 anos em que também foi juiz do Tribunal Superior do Trabalho, presidente do Supremo Tribunal Federal e 2 vezes presidente do Tribunal Superior Eleitoral, tornou-se o ministro mais polêmico da história recente do poder judiciário. Tomou decisões que paralisaram 2 vezes o Congresso. Em 1993, suspendeu a revisão constitucional e, em 1998, bloqueou a reforma previdenciária. Já foi contra o voto obrigatório e este ano causou nova polêmica ao tornar mais rígida a regra da verticalização. "Partido que não entrou na coligação para eleição presidencial só pode fazer aliança na eleição estadual com partido que também ficou de fora da coligação estadual." Numa disputa eleitoral agravada pelos recentes escândalos e, como outras, sujeitas a abusos, o ministro Marco Aurélio de Mello já passou o recado: "A Justiça Eleitoral está de olho nos candidatos e vai ser rigorosa."
Paulo Markun: Para entrevistar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio de Mello, nós convidamos Renata Lo Prete, editora do Painel, do jornal Folha de S. Paulo; Dácio Nitrini, diretor do Núcleo Eleições da TV Cultura; Rui Nogueira, editor-executivo do jornal Estado de S. Paulo; Tereza Cruvinel, colunista do jornal O Globo; Márcio Chaer, editor do site Consultor Jurídico; e Joseval Peixoto, advogado e comentarista da rádio Jovem Pan. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV para todo o Brasil. Boa noite, ministro.
Marco Aurélio de Mello: Boa noite, Paulo Markun.
Paulo Markun: Nós estamos aí vivendo um "cabo de guerra" entre deputados e candidatos que têm sido barrados, digamos assim, na sua intenção de disputarem novamente a eleição por diversos argumentos. Quem é que o senhor acha que ganha essa batalha?
Marco Aurélio de Mello: Ganhará aquele que tiver o Direito ao seu lado. E nós devemos aguardar o pronunciamento não só do Tribunal Superior Eleitoral como também do Supremo [Supremo Tribunal Federal]. Nós vivemos em um Estado Democrático de Direito e paga-se um preço por isso: o preço é o respeito irrestrito às regras estabelecidas.
Paulo Markun: Isso vale para cima e vale para baixo, quer dizer, também vale para os candidatos que não deveriam se candidatar?
Marco Aurélio de Mello: Sem dúvida alguma. Se há candidato que apresenta algum aspecto que implique em inelegibilidade, essa inelegibilidade será declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Paulo Markun: Agora, somente para completar e não tirar a vez dos meus colegas, já houve mais, digamos, flexibilidade no passado pelos tribunais eleitorais, não é?
Marco Aurélio de Mello: Não creio que possamos falar de flexibilidade. A interpretação da Lei é um ato de vontade, mas é um ato que está vinculado ao que é revelado pela própria Lei. Evidentemente a Justiça age considerada a quadra vivida.
Rui Nogueira: Ministro, se eu entendi bem, de 0 a 10, diante da resposta que deu ao Markun, sobre as decisões que os TER’s [Tribunais Eleitorais Regionais] tomaram, o senhor está dando a entender que é insustentável boa parte das decisões dos TRE’s. O TSE vai ter dificuldade em mantê-las? O Supremo vai ter dificuldade em mantê-las? É isso? Concretamente, o senhor acha que os TER’s avançaram um pouco o sinal?
Marco Aurélio de Mello: Discute-se muito, Rui Nogueira, o considerando princípio da não-culpabilidade. Creio que a solução não está nesse mandamento maior da Carta da República. Em 1976, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou quanto à pecha de inconstitucional da lei complementar da inelegibilidade, que era a Lei Complementar número 5. E assuntou, àquela altura, que o preceito da lei complementar, revelando a inelegibilidade no caso de simples recebimento da denúncia, ofertada pelo Ministério Público, não conflitava com o princípio da inocência e com o princípio da não-culpabilidade. A questão se resolverá no campo da previsão legal da Lei Lomplementar número 64, quanto à essa situação concreta: envolvimento a partir de uma simples acusação.
Tereza Cruvinel: O senhor está dizendo o seguinte...
Rui Nogueira: O fato de um candidato ser acusado de algo e o TRE proibi-lo de ser candidato não tira o direito dele de defesa no processo penal?
Marco Aurélio de Mello: Isso nós veremos quando o TSE julgar a matéria. O tema ainda não chegou ao Tribunal Superior Eleitoral. Agora precisamos ter presente que a Constituição Federal remete os casos de inelegibilidade à previsão da lei complementar. Essa situação concreta está na Lei cCmplementar número 64 de 90 [1990]. O Tribunal Superior Eleitoral responderá.
Tereza Cruvinel: Ministro, vamos falar bem concretamente aqui...
Renata Lo Prete: Um segundo conceito, ainda no caso desses candidatos, o senhor diria que o princípio da moralidade de alguma maneira se sobrepõe ao princípio do direito de defesa?
Marco Aurélio de Mello: Há algo que apresenta uma gradação maior, a necessidade de se ter na lei, na Lei Complementar número 64 de 90, aquela situação jurídica envolvida na espécie. Ou seja, os casos de inelegibilidade estão em preceitos exaustivos, não há como interpretar esses preceitos incluindo situação completa, não completada.
Tereza Cruvinel: Olha aqui, vamos à situação concreta: tem 1535 pedidos de impugnação pelos 27 TER’s do Brasil. Desses, muitos casos, ou quase todos, vão aportar no TSE e por diferentes razões. Quer dizer, diferentes alegações de inelegibilidade. Mas apenas o TRE do Rio de Janeiro impugnou deputados envolvidos no processo "dos sanguessugas". Então, vamos ver esse caso específico. O senhor disse que será preciso examinar de acordo com a lei complementar os casos específicos. Contra os deputados "sanguessugas" há uma denúncia, mas ainda nada "transitado em julgado", não é isso? O senhor mesmo alegou muito o princípio da moralidade que a Renata mencionou, mas o senhor mesmo acabou de dizer que é preciso ver isso à luz da lei. A lei é muito clara quando diz que é preciso observar o "trânsito em julgado" [expressão usada para designar decisão em que não se pode mais recorrer] desse processo. Os processos contra os sanguessugas ainda mal começaram. Então, supõe-se que o TSE terá que desautorizar o TRE do Rio de Janeiro. Eu lhe pergunto: esses TRE's que deram um passo maior do que a lei, eles não criaram uma dificuldade para as instâncias superiores, o TSE e o Supremo? Quer dizer, amanhã o eleitor vai dizer assim: “Ah, o TRE do Rio é que estava certo, os lá de cima amoleceram”, quando não é verdade, os "de lá de cima" é que vão fazer a perfeita observância da lei. O senhor não acha que os TRE's vão criar problemas para os senhores "lá em cima"?
Marco Aurélio de Mello: Não, não, nós temos um sistema recursal, e aí, claro, que se há um recurso e concluímos pela procedência desse recurso nós o provemos. Eu, o juiz, não ocupo a cadeira voltada a relações públicas.
Márcio Chaer: Agora, ministro, não é perigoso não, a tendência para essa linha? O senhor mesmo tem mostrado isso em suas entrevistas, não é? Inclusive o ex-ministro, aposentado, Nelson Jobim até lembrou que no passado o senhor sempre foi um ardoroso defensor da presunção da inocência...
Marco Aurélio de Mello: No presente, não no passado.
Márcio Chaer: Exatamente. Agora, a tendência está se verificando, e não é só nos TER’s, no próprio TSE estamos sentindo essa preocupação bem acentuada, não é? Falando em tese, não é perigoso brincar com isso, ministro? Em princípio, criar presunção da inocência?
Marco Aurélio de Mello: O Supremo já disse que não há transgressão ao princípio da inocência quando se tem a inelegibilidade em decorrência do recebimento da denúncia. Denúncia confeccionada pelo Ministério Público. O Supremo o fez quando apreciou a pecha de inconstitucional declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral da Lei Complementar número 170. A questão não se resolve, portanto, não é considerada, a princípio. A questão se resolve pelo fato de se ter ou não a situação concreta contemplada na Lei Complementar número 64/90. E essa lei revela que é inelegível aquele condenado por sentença da qual não caiba mais recurso.
Tereza Cruvinel: Somente nesse caso, não é? Somente nesse caso?
Rui Nogueira: Agora, essa lei que o senhor se refere, ela atende aquele artigo 14 da Constituição. Ele diz que o caso da inelegibilidade será em lei. Muito bem. A Constituição diz que é preciso regular isso e a vida pregressa [levando em consideração ações do passsado]. Os parlamentares fizeram toda a regulamentação, menos da vida pregressa, que é exatamente essa grande confusão em que a gente está metida. Que é quando o sujeito foi parlamentar "sanguessuga", foi parlamentar "mensaleiro", foi da prefeitura, foi não sei o quê e isso pulou. Então, alguém precisa preencher esse vácuo, porque o eleitor sente que o Tribunal Eleitoral não está do lado dele.
Marco Aurélio de Mello: O destinatário da previsão constitucional é o legislador. Há um parágrafo do artigo 14 da Constituição Federal que remete à Lei Complementar, que deverá considerar probidade administrativa a vida pregressa do candidato, mas vindo como um preceito que realmente contemple a situação em concreto. [o termo probidade administrativa refere-se à conduta do administrador que não procede bem, age sem moral e dignidade].
[Entrevistadores falam juntos]
Marco Aurélio de Mello: Nós temos que aguardar o pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral.
Tereza Cruvinel: Isso que o senhor está falando vale para as impugnações de candidaturas como para eventual impugnação de posse, nos termos da consulta do deputado Miro Teixeira [ do Partido Democrático Trabalhista, (PDT-RJ)]?
Marco Aurélio de Mello: Sim, foi feita uma consulta que ainda estamos apreciando e o relator votou no sentido de não ser respondida, porque enfrentaremos casos concretos. E agora, com essas decisões do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, nós temos a certeza de que o tema chegará ao Tribunal Superior Eleitoral.
Paulo Markun: Agora, ministro, não fica difícil explicar para a população. Quer dizer, toda vez que eu me deparo com questões da Justiça no Brasil é difícil, digamos, cumprir o preceito do bom senso, não é? A explicação faz sentido, mas há um candidato que foi impugnado porque apresentou na noite anterior, praticamente, na véspera do último dia útil para recurso, a justificativa ou a tentativa de recorrer de uma decisão que considerava irregulares as contas da sua prefeitura. Eu fico pensando, como é que a gente explica para o cidadão comum: “Não, ele está certo, porque na medida em que ele apresentou isso, está tudo resolvido, porque o recurso ainda não transitou em julgado e ele ainda tinha direito a algum tipo de recurso.”
Marco Aurélio de Mello: Nesse caso concreto, nós tínhamos um preceito a interpretar na lei complementar. E aí, interpretamos o preceito como se realmente encerrasse, como penso que encerra. Eu somei meu voto, acompanhando a corrente majoritária, à necessidade de aquele que teve a prestação de contas glosada [recusada] ir ao judiciário. Mas não com uma simples petição e sim com o pleito de concessão de uma medida que suspenda a glosa. Essa foi a conclusão do Tribunal Superior Eleitoral, evoluindo no campo jurisprudencial, e suplantando até mesmo um verbete da súmula.
Tereza Cruvinel: Que foi impugnada essa candidatura, não é?
Marco Aurélio de Mello: ... e no caso era emblemático. E por que emblemático? Porque ele tivera as contas rejeitadas em 2003 e no dia anterior ao término do prazo para o registro, ingressou em juízo. Um ato espontâneo, voluntário, seria suficiente para afastar a inelegibilidade? O Tribunal Superior Eleitoral respondeu que não. Ele queria só um salvo conduto mesmo, não é? É um salvo conduto manuseado por ele próprio, a critério dele. Ele deveria ter pleiteado por um órgão eqüidistante, ou seja, junto ao juízo, uma medida cauteladora que viabilizasse, portanto, o afastamento do ato do Tribunal de Contas.
Dácio Nitrini: Essas leis são elaboradas, obviamente, no Legislativo, pelos políticos que acabam usufruindo delas em benefício próprio, a médio e longo prazo. Isso não colabora para o descrédito em relação à Justiça? Essas leis que são tão complexas, tão complicadas, que algumas coisas que são tão óbvias, tão claras, acabam não se realizando?
Marco Aurélio de Mello: Dácio Nitrini, a atuação do Judiciário é uma atuação vinculada. Vinculada à legislação de regência do caso concreto. Evidentemente nós não podemos nos substituir o Congresso Nacional.
Dácio Nitrini: Sem dúvida, mas na sua opinião, essa elaboração da legislação que deixam de regulamentar e tudo, não é uma coisa propositada, quase planejada?
Marco Aurélio de Mello: Não acredito, presumindo o que normalmente ocorre, não acredito que se elabore uma lei já se pensando em um drible a uma glosa futura.
Tereza Cruvinel: Legisla mal nosso Congresso?
Marco Aurélio de Mello: Não, não, eu acredito que legisla bem. Agora, claro que o aperfeiçoamento das regras é constante. A Lei Complementar número 5, que era lei na época, na década de 70, da inelegibilidade, ela previa inelegibilidade pelo simples recebimento da denúncia. Essa cláusula foi suprimida.
Paulo Markun: É uma lei do tempo da ditadura, não é?
Marco Aurélio de Mello: Sim, claro. Aí nós temos esse estigma.
Tereza Cruvinel: O Congresso que suprimiu o artigo que previa...
Marco Aurélio de Mello: Não, esse artigo estava na lei pretérita. A lei atual apenas contempla como causa da inelegibilidade a sentença judicial não mais sujeita a recurso.
Tereza Cruvinel: Quer dizer, esta referência, que basta a denúncia, ela foi suprimida?
Marco Aurélio de Mello: Estava na Lei Complementar número 5 de 1970 que o Supremo declarou constitucional, já que não contrariaria o princípio da não-culpabilidade.
Tereza Cruvinel: Por esse artigo então se resolve o problema de sanguessugas e assemelhados, não é?
Paulo Markun: Mas ele não está em vigor. Josevel...
Joseval Peixoto: Ministro Marco Aurélio, eu sou homem de rádio e recebo do Paulo Markun uma homenagem ao rádio com minha presença aqui no programa do qual sou um telespectador cativo. Nós do rádio estamos manietados pela justiça eleitoral ou pela lei eleitoral, já há alguns anos, ministro.
Paulo Markun: E TV também.
Joseval Peixoto: TV também. Eu apresento um jornal que tem 134 emissoras em cadeia, e às 7 horas da manhã entra no ar um programa chato, que não leva a nada, ridicularizado pelo povo brasileiro, chamado horário gratuito [horário eleitoral gratuito]. Mas tem mais, o rádio, por lei, não pode debater e não pode trazer o cidadão para debater. A minha rádio foi condenada, em 2004, porque no mês de março, muito antes da própria indicação dos candidatos, botou no ar ouvintes com a pergunta: “Em quem o senhor não votaria para prefeito?” O partido entrou com uma representação no TRE e fomos condenados. Mas isso passou. O fato é que o rádio está manietado. O povo não pode se manifestar. E eu assisti o seu pronunciamento para que o eleitor escolha, para que o eleitor pense, mas como ele vai escolher, ministro, com esse programa que está no ar? E sem poder ele, cidadão, debater no rádio do seu país? Eu gostaria que o senhor deixasse de lado, inclusive, a legislação que eu sei como é, mas eu queria a sua opinião.
Marco Aurélio de Mello: Como cidadão eu indagaria...
Joseval Peixoto: Exatamente.
Marco Aurélio de Mello: Qual seria o programa desejado, ideal?
Joseval Peixoto: Eu acho, ministro, que o povo poderia debater eleição, por que não? Por que nós, que somos a elite deste país, os juízes, os advogados, os jornalistas, os executivos, temos o poder de impedir que o povo debata na época da eleição?
Marco Aurélio de Mello: Mas não há espaço sequer para lançar idéias, para se revelar o perfil do candidato.
Joseval Peixoto: Ah, são programas de alto interesse...
Renata Lo Prete: Ministro, deixa eu aproveitar a pergunta dele para lhe dizer o seguinte: por vezes, tem-se a sensação de que a legislação eleitoral busca, na essência, proteger o eleitor dele mesmo. Como se o eleitor fosse uma presa fácil dos candidatos "lobo mau", ainda que a gente tenha vários que podem ser incluídos nessa categoria. Enfim, como se o eleitor pudesse ser protegido dele mesmo na escolha. Eu lhe pergunto: isso não acaba resultando em menos informação para o eleitor decidir?
Marco Aurélio de Mello: Eu volto à colocação anterior. Qual seria a forma desejável? O que se busca com a propaganda eleitoral que não é gratuita? Todos nós pagamos por ela, pois as empresas se compensam, considenrando o Imposto de Renda? A revelação do perfil do candidato. E, aí, há um tempo que já se diz demasiado para essa exposição e, mesmo assim, se pretende a feitura de debates com tantos candidatos?
Paulo Markun: Justamente. Eu acho que a reclamação da Lídia é... [entrevistadores falam juntos].
Dácio Nitrini: Na verdade, a dificuldade que nós jornalistas, que ora estamos no rádio, ora na televisão, ora na imprensa escrita... O que se vê claramente é que o jornalista que está no rádio e na televisão no período eleitoral passa a ser quase um jornalista de segunda categoria. Porque na imprensa escrita não há esse tipo de restrição. No rádio e na televisão há inúmeras restrições. Algumas aparentemente muito democráticas, mas ingenuamente democráticas, porque impedem que se exercite a cidadania. Por exemplo, pouca gente se pergunta: por que no rádio e na TV não se faz debate entre candidatos ao legislativo?
Marco Aurélio de Mello: Proporcionais.
Dácio Nitrini: Proporcionais. Por quê? Porque a lei...
Marco Aurélio de Mello: Pensariam em certos candidatos para que esses debates? Haveria espaço para se fazer com quantos candidatos esses debates?
Joseval Peixoto: Sim, a lei obriga...
Tereza Cruvinel: Com o número de partidos que nós temos e o sistema eleitoral é impossível.
Joseval Peixoto: Sim, mas a lei obriga a convidar todos os partidos para fazerem um debate ao mesmo tempo, a não ser que haja discordância...
Marco Aurélio de Mello: Aqueles com representação na Câmara dos Deputados.
Joseval Peixoto: Sim, obviamente, e agora com essa mudança, a representação desse momento, de 3 de agosto ..
Marco Aurélio de Mello: E a época de conversão.
Tereza Cruvinel: Sim, mas chamar somente aqueles que você julga relevantes, também seria uma interferência indevida, um desequilíbrio.
Joseval Peixoto: Não...
Marco Aurélio de Mello: O equilíbrio na disputa, já que a eleição objetiva justamente é esse equilíbrio.
Joseval Peixoto: Tudo bem, mas a imprensa escrita pode.
Marco Aurélio de Mello: Eu voltaria ao início da pergunta.
Dácio Nitrini: Mas não é inconstitucional? Imprensa não é imprensa em todo lugar?
Tereza Cruvinel: Mas a imprensa escrita não faz debate entre candidatos.
Marco Aurélio de Mello: Perdoe-me, Tereza, nós temos uma figura jurídica que é abuso no uso dos meios de comunicação.
Tereza Cruvinel: Sim.
Marco Aurélio de Mello: Então, se o candidato tem uma coluna e continua veiculando idéias nessa coluna, ele está muito próximo desse abuso.
Tereza Cruvinel: Mas, olha, eu não sou delegada dos meios impressos não, nem dos jornais. Embora não exista nenhuma ingerência dessa ordem que há no rádio e na televisão. Nos jornais e nas revistas, por exemplo, políticos que escrevem artigos periódicos são todos desligados. Acho que a própria lei exige que eles se desliguem antes de se tornarem candidatos. Notícias sobre parlamentares candidatos às eleições proporcionais ficam restritas apenas ao que é imperativo da notícia.
Dácio Nitrini: Mas não é uma obrigação legal. A discussão é de outro nível.
Tereza Cruvinel: Mas se procura evitar qualquer tipo... Todos os jornais têm um código de conduta na eleição procurando evitar este tipo de ação.
Dácio Nitrini: Todos não. Poucos jornais no país têm código de conduta. Pouquíssimos.
Tereza Cruvinel: É, nem todos. Tem lá os regionais.
Marco Aurélio de Mello: Qual seria o exemplo concreto de candidato em atuação via jornal?
Joseval Peixoto: Mas, ministro, eu não falo nem candidato.
Tereza Cruvinel: Não sei de nenhum.
Marco Aurélio de Mello: Eu não conheço.
Joseval Peixoto: Eu gostaria é de colocar o ouvinte no ar. É um programa de grande audiência. O ouvinte, ele...
Tereza Cruvinel: Mas por que você não pode bota seu ouvinte?
Joseval Peixoto: Porque o tribunal me condena. Eu fui condenado.
Marco Aurélio de Mello: Mas ouvinte candidato?
Joseval Peixoto: Não. Ouvinte debatendo. É cidadão.
Tereza Cruvinel: Não, a liberdade de expressão te garante isso.
Paulo Markun: Em quem quer votar, em quem não pode...
Márcio Chaer: Você vai colocar um ouvinte e vai ter transação monetária. Nas outras 5 mil cidades do Brasil o que vai acontecer é que vai ter dinheiro, vai ter ouvinte de aluguel.
Joseval Peixoto: Se me deram o rádio, eu queria...
[entrevistadores falam juntos]
Dácio Nitrini: É estranho, numa democracia, não ser possível emitir uma opinião no rádio ou na televisão a respeito de uma candidatura. Não é estranho?
Marco Aurélio de Mello: É um problema cultural. Se a lei proíbe é porque existe uma razão para chegar a essa proibição. Com o apadrinhamento e até a manutenção do candidato, o equilíbrio na disputa deixa de existir.
Dácio Nitrini: Está acontecendo aqui uma coisa: o exercício dessa legislação, na verdade, está prejudicando o eleitor. E está favorecendo candidatos, em tese e provavelmente, ruins.
Marco Aurélio de Mello: Mas nós podemos subestimar o eleitor? O eleitor pode perceber o que o candidato está dizendo na telinha. O que o candidato fez até então. Esperemos primeiro de outubro.
[Comentarista]: A campanha eleitoral de 2006 deverá dar mais trabalho ao ministro Marco Aurélio de Mello do que ele teve quando presidiu o TSE, em 1996. Na época, ele se envolveu mais com a implantação do voto eletrônico no país. Desta vez, enfrenta um quadro eleitoral mais complexo e agravado por escândalos políticos. A expectativa é de que haverá um recorde de ações no tribunal. O TSE já vem registrando, desde julho, um aumento no número de representações. São candidatos contestando as campanhas de seus adversários ou pedidos de direito de resposta, mas muitas ações poderão partir da própria Justiça Eleitoral contra candidatos que desrespeitarem regras e cometerem abusos. O ministro Marco Aurélio de Mello já criticou a propaganda enganosa de partidos e candidatos e também recomendou que o eleitor fique alerta ao que acontece na campanha eleitoral.
Paulo Markun: As últimas pesquisas eleitorais indicam desinteresse da população pelas eleições proporcionais, e a corrupção é um dos motivos principais. Vamos ver alguns depoimentos. [gravados nas ruas]
[Marcela Moreira Leite, médica]: Eu queria saber, com relação aos candidatos que tenham algum histórico de corrupção em mandatos anteriores, o que o TSE poderia fazer para que a população seja informada ou para que essa pessoa não possa se candidatar?
[Oscar Boczko, matemático]: Existe a possibilidade de todos os candidatos que realmente apresentem diferença de bens, entre o real e o declarado, serem impedidos de participar nas próximas eleições?
Paulo Markun: Ministro, a mesma questão, que foi feita na primeira parte do primeiro bloco, se coloca nas ruas da cidade. Quer dizer, isso, em parte, faz com que esse desinteresse do eleitor se manifeste, porque, de que alguma maneira, vai no sentido contrário daquilo que o senhor disse, que os eleitores têm que estar atentos e, de alguma forma, tomarem a iniciativa da punição. O senhor deu uma entrevista para a revista Isto É, recentemente, dizendo que a gente, a sociedade, não pode se eximir da responsabilidade por esse quadro. Queria que o senhor explicasse o porquê.
Marco Aurélio de Mello: O voto é poder e nós somos responsáveis pelos políticos em geral. E esses políticos têm uma atividade que repercute em nossas vidas. É preciso que o eleitor compreenda a importância do voto. É preciso que o eleitor compareça conscientizado e escolha, realmente, aqueles homens que se mostrem dignos ao exercício dos mandatos.
Márcio Chaer: Agora, ministro, no Brasil, nós temos partido de aluguel, candidato de aluguel, horário eleitoral de aluguel e também o eleitor de aluguel pelo visto, não é? O senhor teve aí o mérito e a coragem de apontar para o eleitor e chamá-lo à responsabilidade, porque essa história de que toda culpa pela corrupção e impunidade é do político ou da Justiça, evidentemente, não cola. Nós vimos, ontem, na televisão, uma feira de produtos roubados de um quilômetro e meio, não é. Em suma, só há voto comprado porque há voto vendido e vice-versa. Só há venda de drogas porque há mercado para droga e daí por diante. Quer dizer, nós estamos vivendo um quadro de corrupção em escala industrial no Brasil. Acho que se for usar a tolerância zero no país não haveria prisões no mundo para deter tanta gente. Agora, sendo verdade alguma coisa do que eu disse, o que pode fazer a Lei? O que pode fazer a Justiça se a sociedade é tão amiguinha da corrupção? Ela se dá tão bem não é. O que a Justiça vai poder fazer para mudar esse quadro?
Marco Aurélio de Mello: A Justiça, em si, muito pouco, porque, reafirmo, ela não elabora a regra incidente no caso concreto. Ela parte da regra já prevista no ordenamento jurídico. Agora, nós estamos num avanço cultural. O período é o de purificação. As mazelas estão vindo à tona, as instituições funcionam, a Polícia Federal, o Ministério Público, o próprio Judiciário, além das próprias Comissões Parlamentares de Inquérito.
Márcio Chaer: Agora, é verdade isso que o senhor falou, o Judiciário não tem uma faixa de criatividade, que é no campo da interpretação?
Marco Aurélio de Mello: Márcio, você sabe melhor do que ninguém que não tem. E a resposta é desenganadamente negativa. Nós não atuamos a partir do poder normativo. O nosso poder é o de julgar, ou seja, transportando a Lei para o caso.
Rui Nogueira: Ministro Marco Aurélio, o senhor praticamente, quer dizer, jornalisticamente, podemos usar isso, para revogar aquela Súmula número 1 do TSE, que dizia que o sujeito poderia ser candidato, bastava abrir o processo que estava elegível, e hoje não. Está trabalhando em cima disso?
Marco Aurélio de Mello: Tinha uma modificação anterior que o tribunal entendeu literal, gramatical, e que esvaziava por completo a situação de inelegibilidade, bastando um ato do próprio interessado ingressando em juízo. O protocolo do Judiciário não pode ser fechado. O que nós fizemos nessa última sessão? Nós reinterpretamos a norma e reinterpretamos para concluir que, como o poder de cautela é inerente ao Judiciário, como nós temos a tutela antecipada, como nós temos liminar, o interessado deveria alcançar junto ao órgão eqüidistante, que é o Juízo, a providência, afastando do cenário o... [entrevistador interrompe]
Tereza Cruvinel: Mas isso que o Márcio está perguntando, não há mais espaço para reinterpretações dessa natureza, não é?
Márcio Chaer: Exatamente.
Marco Aurélio de Mello: No caso da inelegibilidade não, porque as situações concretas estão em preceitos que não são exemplificativos, são exaustivos, ou nós...
Tereza Cruvinel: Ministro, essa corrupção toda, essas ações todas da Polícia Federal mostrando que a coisa não é só no âmbito da política e da vida pública. São tantos escândalos. Tem corrupção de todo jeito, com importação, com contrabando, com transporte rodoviário, tem corrupção de todo jeito. Como o senhor avalia este momento que nós vivemos? Qual é a parcela de responsabilidade da qualidade dos homens públicos? E da qualidade do próprio caráter nacional brasileiro? E qual é a parte do sistema? É claro que devem existir as duas coisas, não é. É porque eu quero chegar à reforma política. O senhor acha que nós podemos? O senhor acredita que ela será possível e que ela nos tire dessa situação de tanta degradação?
Marco Aurélio de Mello: Precisamos pensar em uma reforma política. Precisamos pensar em uma nova lei que revele que essas pessoas que claudicaram são inelegíveis para cargos públicos. Mas, enquanto não vier essa nova legislação, o Judiciário fica manietado. Ele não pode ir além do direito posto. Ele não pode proceder como se empolgasse aí um direito alternativo. Ele caminharia para o justiçamento e não para o julgamento em si. E olvidaria o devido processo legal.
Tereza Cruvinel: O senhor falou da reforma de lei. Estou falando de uma reforma política, da forma de fazer política, das regras de fazer política.
Marco Aurélio de Mello: Sim, política pública por um avanço cultural.
Tereza Cruvinel: O senhor acha que pode melhorar? Ou estamos condenados, por cultura e caráter, a reproduzir sempre os erros?
Marco Aurélio de Mello: Não, não, sou otimista.
Tereza Cruvinel: Por exemplo, o senhor acha que a nossa forma de financiamento das campanhas eleitorais é indutora de delitos?
Marco Aurélio de Mello: A forma atual é...
Tereza Cruvinel: O senhor também não acha que o nosso sistema partidário, competitivo, com voto nominal, com votos nos atributos da pessoa e não nas idéias de um partido, também não é indutor do endurecimento das campanhas e, com isso, da busca do financiamento ilícito e, com isso, do delito?
Marco Aurélio de Mello: Sem dúvida. O financiamento hoje é mesclado. Nós temos o financiamento público com recursos do próprio fundo partidário, com a propaganda eleitoral nesse período, e o financiamento privado. E onde o homem coloca a mão é sempre possível desvio de conduta. Talvez seja o caso de se pensar em financiamento estritamente público e com normas rígidas, se aportar numerário do setor privado, mas precisamos modificar a legislação.
Tereza Cruvinel: Para isso terá que descansar...
Marco Aurélio de Mello: Claro, como o voto é obrigatório, o que ocorre hoje? O eleitor parece um pouco aborrecido por ter que votar.
Paulo Markun: Exatamente. Sobre esse tema, sobre o qual o senhor já se manifestou, 50% dos eleitores, segundo pesquisa Data Folha, a última delas divulgada sábado, são contra o voto obrigatório, 45% a favor, e só 5% não souberam opinar. Nós temos algumas opiniões dos telespectadores para, digamos, encaminhar essa questão.
[Vídeo com enquete na rua]
Repórter: O que você acha da obrigatoriedade do voto no Brasil?
Lyndóia Loureiro, taxista: Eu acho que a gente não deveria ser obrigado a votar, principalmente com essas figuras que a gente tem aqui.
Claudirei Melo, guia de turismo: A obrigatoriedade do voto faz com que alguns políticos levem pessoas que não estão, de repente, preparadas para o voto às urnas e elejam maus candidatos. Mas, mesmo sem ser obrigatório, eu votaria com certeza.
Repórter: Se o voto não fosse obrigatório o senhor votaria?
Paulo César Lopes, taxista: Eu iria votar porque a gente tem que fazer alguma coisa para tentar mudar, embora não acredito muito nesses políticos que estão aí, principalmente nos candidatos. Naturalmente serão nossos representantes, mas um dia a gente acerta num, quem sabe, não é?
[Fim do vídeo]
Paulo Markun: Há uma forte corrente de políticos e de cientistas políticos que consideram o voto obrigatório absolutamente necessário no estágio em que a democracia brasileira está. Por que o senhor pensa diferente?
Marco Aurélio de Mello: Eu creio que não. Creio que o direito ao sufrágio deve ser realmente um direito e não um dever imposto à pessoa. E devemos avançar.
Dácio Nitrini: E aos 16 anos, o senhor acha que o jovem está apto a votar?
Marco Aurélio de Mello: Está. Com a gama de informações que ele recebe hoje em dia, está apto a votar. Agora, de qualquer forma, eu preconizo o voto facultativo para todos, como um direito em si, inerente à cidadania, e não um dever.
Renata Lo Prete: Ministro, nós estamos numa eleição em o que próprio presidente da República, líder folgado nas pesquisas, declara que ele mesmo não sabe ao certo quando ele é candidato e quando ele é presidente. Eu queria lhe fazer a seguinte pergunta: o que é mais fácil, barrar os candidatos "sanguessugas" ou conter o poder da reeleição? O que é preciso fazer para, de fato, conter o uso da máquina na reeleição?
Marco Aurélio de Mello: Renata, a reeleição não integrava nossa história republicana. Ela foi inserida há pouco tempo, em 1996. E o que nós temos? Temos distorções de toda ordem. Temos essa confusão entre aquele que ocupa a cadeira e que caminha no sentido da reeleição e acaba acionando a própria máquina administrativa. Incumbe, aí, ao Judiciário, agir. E o Tribunal Superior Eleitoral tem agido, impondo multa. Poderíamos ter futuramente até uma representação pelo uso da máquina, visando investigar o uso da máquina administrativa, o abuso do poder econômico e abuso dos meios de comunicação.
Renata Lo Prete: Não lhe parece, ministro, que na prática essa confusão é total? Eu vejo, por exemplo, no trabalho...
Marco Aurélio de Mello: É a mesmice, não é. E aí se fica na vala comum. Mas eu reafirmo que nós estamos vivendo tempos próprios. A quadra é uma quadra que se busca realmente marchar para dias melhores. E devemos advertir para que não haja surpresas posteriormente.
[Entrevistadores falam juntos]
Paulo Markun: Só queria que o senhor reiterasse. Quer dizer, o TSE está agindo e poderá continuar agindo independentemente do período eleitoral? Ele poderá ser algo a posteriori?
Marco Aurélio de Mello: Claro. Poderemos ter uma apresentação por uma representação pelo Ministério Público, por uma coligação antagônica, por um partido político antagônico, por um candidato antagônico. E o Judiciário atuará de acordo com os elementos coligidos, com as provas do processo.
Márcio Chaer: O presidente da República pode vir a ter a candidatura cassada?
Marco Aurélio de Mello: E por que não? Ele é acima de tudo um cidadão, submete-se às leis em vigor.
Márcio Chaer: E o senhor acha isso provável, com esse abuso todo?
Marco Aurélio de Mello: No contexto não. Eu ainda não me defrontei com o caso concreto. Vou esperar o caso concreto chegar à bancada e aí julgarei.
Paulo Markun: Agora, há vários governadores que abandonaram o posto para concorrer à reeleição. O presidente da República não se valeu dessa prerrogativa que ele tem.
Marco Aurélio de Mello: Ele tem o direito de permanecer no cargo. Aqueles que se afastaram o fizeram por foro íntimo, por uma conclusão e por um apego maior a um certo direcionamento.
Rui Nogueira: O problema da reeleição é mais a falta de regulamentação ou a reeleição em si?
Marco Aurélio de Mello: A reeleição em si.
Rui Nogueira: Mas, nesse caso, pelo fato de não fazer parte do preceito republicano, também não mudaríamos nada. O voto eletrônico não faz parte do republicano, aí seria imobilismo...
Marco Aurélio de Mello: São diferentes. Você tem envolvimento no voto eletrônico da urna, da máquina, da informática. Já no caso da eleição, você tem envolvimento do homem. Realmente, as normas em vigor da Constituição não prevêem um afastamento, a descompatibilização do cargo, para concorrer à reeleição, mas é a regra do jogo. Verificamos que, às vezes, como o próprio presidente da República, com fidelidade intelectual, reconheceu, as figuras se confundem, o presidente da República e o candidato à reeleição.
Rui Nogueira: O ideal seria fazer a regulamentação e o presidente se descompatibilizar do cargo para disputar a carreira... [entrevistador interrompe]
Tereza Cruvinel: Ou não é acabar com essa reeleição? Porque tem muito governador que põe um "laranja", um preposto, no cargo e que está fazendo mais uso da máquina do que se ele pessoalmente estivesse legitimando, já que ele deixou o cargo. Tem isso aí pelo Brasil.
Marco Aurélio de Mello: É sempre possível o desvirtuamento. Agora, claro que ele vindo à tona, o Judiciário atua e pode chegar à conclusão sobre a inelegibilidade, a cassação do registro, a cassação do diploma e até impugnação do mandato.
Tereza Cruvinel: O senhor é a favor do fim de reeleição? O senhor acha que faz mal ao Brasil?
Marco Aurélio de Mello: Eu creio que há um convencimento geral quanto à maior soma de aspectos negativos, considerada a tradição brasileira. Mais dia, menos dia, nós vamos voltar ao sistema anterior.
Rui Nogueira: Ministro, como o senhor cria esse convencimento geral? É estranho, o senhor não tem o convencimento sobre outras coisas que a população está absolutamente crente de que é preciso agir dentro desse convencimento geral. A começar pela questão da Justiça Eleitoral, das coisas que a gente vem discutindo aqui.
Marco Aurélio de Mello: Rui, coloquei opiniões considerando o direito posto, como juiz. Agora, como cidadão, tenho o direito de imaginar que voltaremos ao sistema anterior.
Joseval Peixoto: Ministro Marco Aurélio, outra vez um radialista vem aqui fazer uma súplica ao senhor, como cidadão, como homem respeitado neste Brasil. A legislação eleitoral não só manietou o rádio como acabou com a prévia eleitoral no rádio, que é um negócio histórico. Toda vez que o repórter Anchieta Filho vai questionar o ouvinte, ele tem que ler este texto aqui: "de acordo com o artigo 19 da resolução 21576 do Tribunal Superior Eleitoral" - que o senhor preside - "estamos fazendo uma enquete que é mero levantamento de opinião, sem controle de amostra, não utilizando métodos científicos para sua realização." Quer dizer, o locutor começa dizendo que o programa é uma droga e que não vale nada. E aí, perde... Olha, historicamente, a rádio Jovem Pan, quando foi na eleição do Jânio Quadros [em 1985, Jânio Quadros (1917-1992 ) foi eleito prefeito de São Paulo com 30.000 votos a mais do que Fernando Henrique Cardoso. Jânio foi também presidente da República em 1961], todos aqui vão se lembrar disso, todos os institutos de pesquisa deram vitória de Fernando Henrique Cardoso [presidente da República de 1995 a 2002]. Ele até foi capa de revista sentado na cadeira da prefeitura. E o Jânio pegou aquele "rodosol" [refere-se a um inseticida] e aspergiu na cadeira. Na eleição de Erundina [Luiza Erundina de Souza, prefeita de São Paulo entre 1989 e 1993], às 17h21 eu fui para o ar, meu chefe era o saudoso Fernando Vieira de Mello, para indicar que a Luiza Erundina estava eleita, quando todos davam a vitória de Paulo Maluf. Na nossa prévia eleitoral da rádio Jovem Pan, deu Jânio Quadros lá atrás e também deu Erundina nos últimos dias. Agora, o rádio tem que dizer que só a pesquisa dos institutos é científica? Quando eu aprendi, eu também tenho diploma da Faculdade de Direito do Largo São Francisco,...
Marco Aurélio de Mello: As arcadas, gloriosas arcadas.
Joseval Peixoto:.. ensinavam que ciência dá a causa das coisas. Isso era lição do Goffredo [Telles Júnior, professor emérito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco].
Marco Aurélio de Mello: Sim, mas nesse caso concreto, as leis regedoras das eleições são explícitas ao excluir participação de terceiros. Só os institutos podem realmente adentrar ao mercado e...
Joseval Peixoto: O senhor concorda, então, que o rádio tem que ler esse texto da resolução do TSE?
Marco Aurélio de Mello: Considerada a legislação, opção política legislativa que já ocorreu, considerada a Lei 9.504 de 1997, não tem condições disso [realização por rádios de pesquisas científicas de opinião de eleitores].
Joseval Peixoto: Como o senhor explicaria os institutos que usam métodos científicos e que erram? Que ciência é essa, ministro?
Marco Aurélio de Mello: O erro é sempre possível. O que quero dizer é que a limitação dos institutos decorre da lei.
Joseval Peixoto: Mas que lei é essa?
Marco Aurélio de Mello: É a Lei 9.504 que foi elaborada pelo Congresso.
Joseval Peixoto: Eu falo na questão do instituto de pesquisa dar vitória de Fernando Henrique Cardoso, cientificamente, e ganhar o Jânio.
Marco Aurélio de Mello: Sim, quanto ao aspecto fático [relativo à fato jurídico]. É que se fez referência a uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral não cria o Direito, ele parte do Direito.
Joseval Peixoto: Não, a resolução é do TSE.
Marco Aurélio de Mello: Sim, é do TSE, mas calcada na Lei. A limitação advém da própria Lei.
Joseval Peixoto: Ministro, eu gostaria que vossa excelência mudasse de opinião, como tem mudado de forma eloqüente em algumas decisões que o senhor toma. Sinceramente.
Marco Aurélio de Mello: Eu sou apenas um juiz, e evidentemente, tenho que observar a ordem jurídica, interpretando-a, para alcançar a realização da própria Justiça. Não posso, evidentemente, fechar o que se contém na legislação para adotar um critério de plantão que pense mais justo.
[Comentarista]: O Tribunal Superior Eleitoral é composto por 7 ministros, 3 deles do Supremo Tribunal Federal. Só os ministros vindos do Supremo é que podem concorrer à eleição para presidência do TSE e o mandato é de dois anos. Marco Aurélio de Mello assumiu em maio deste ano, devendo permanecer no cargo até 2008. No site do Tribunal Superior Eleitoral é possível conhecer o organograma da Justiça Eleitoral e ver as relações dos Tribunais Regionais Eleitorais em todo o Brasil, com endereço e telefone. Também estão disponíveis vários serviços on-line, onde o eleitor pode consultar locais de votação e fazer a justificativa eleitoral. Pode ainda consultar a relação de candidatos, confirmando nomes, números, partidos e coligações. A novidade, neste ano, é a consulta ao financiamento de campanhas de candidatos e comitês. Há também uma página com formulários, onde doadores e fornecedores informam valores de doações e despesas com candidatos. É para dar mais transparência à origem e ao volume de dinheiro nas campanhas.
Paulo Markun: Ministro, pelo Brasil inteiro onde eu tenho feito palestras sobre o programa Roda Viva, ouço a mesma pergunta. Eu tenho a resposta para ela, mas eu queria ouvir do senhor. "Por que a democracia brasileira não dá a possibilidade de escolha de não votar?" A pergunta é de Roberto, estudante de direito, de Campinas, que diz que não gostaria de votar e que votaria nulo. A mesma pergunta: "Por que a máquina de votar não tem voto nulo como direito do cidadão?" Diz o Sérgio, estudante da cidade de Araras. E também José Ricardo das Chagas Monteiro, de São Paulo, pergunta: "Por qual motivo não se ensina como se pode anular o voto e o que significa votar em branco?"
Marco Aurélio de Mello: O voto é anulado a partir do momento em que se digita na urna - e isso não deve ser feito porque é uma fuga - o número de um candidato inexistente. Aí nós não temos o cômputo do voto. Quando se digita apenas de forma errônea o número do candidato, mas se acerta os dois primeiros algarismos, o voto vai para a legenda.
Paulo Markun: E a história que se circula de que se a gente tiver mais votos nulos do que votos para um candidato a eleição está anulada. É fato?
Marco Aurélio de Mello: Nós temos uma regra que advém da Constituição Federal e diz respeito às eleições majoritárias para os cargos de governadores e presidente da República. Aí, o eleito precisa alcançar 50% dos votos válidos. A par dessa regra existe uma outra que é linear, que também repercute nas eleições proporcionais. Se os votos nulos e brancos alcançarem mais de 50%, nós temos a insubsistência de pleito. Mas eu não acredito que isso ocorra. A época é de definição, o eleitor precisa se definir, e não simplesmente projetar no tempo essa definição para uma outra data.
Márcio Chaer: Ministro, de tudo o que o senhor pôde ver neste seu segundo mandato na presidência do TSE, o senhor tem convicção de que a urna eletrônica é confiável?
Marco Aurélio de Mello: É confiável. Eu diria que de 1997 para cá, quando houve o implemento do sistema, para cá, nós não tivemos uma impugnação séria.
Márcio Chaer: Mas não houve cidades em que se constatou mais votos do que eleitores na cidade?
Marco Aurélio de Mello: Não, não, nós tivemos situações concretas de inserção de eleitores em certas seções, em certas zonas eleitorais. Mas isso se resolve em outro campo, não no campo do defeito ou da vulnerabilidade da urna. A urna está submetida a um sistema de auditagens permanentes. Ela recebe os votos e eles são criptografados [codificados] e passados diretamente para o Tribunal Regional Eleitoral, e, em se tratando das eleições gerais nacionais, para o Tribunal Superior Eleitoral.
Márcio Chaer: Agora, houve uma decisão no sentido de não liberar as atas dessa auditagem para fiscais de partido, por parte do TSE?
Marco Aurélio de Mello: Não tenho conhecimento. Se houve, evidentemente, não se primou pela transparência. Sob a minha direção, nós teríamos a divulgação, porque não há norma alguma que impeça essa divulgação. E a publicidade é a tônica da administração pública.
Renata Lo Prete: Ministro, há uma campanha do TSE no ar no momento, talvez o telespectador tenha até visto uma das peças agora no último intervalo do programa, a campanha do voto consciente. Um dos slogans é: “Pense, vote, o Brasil é tão bom quanto o seu voto.” Se não me engano, uma das variantes da peça é “O seu voto é tão bom quanto seu presidente” e tal. Essa campanha foi recebida na urna como uma confusão. Houve até quem enxergava um cunho situacionista na mensagem, pró-candidatos que estavam no cargo. O senhor não acha que a mensagem está muito confusa, não, ministro?
Marco Aurélio de Mello: Não, eu acho que ela está muito clara. E se sinaliza alguma coisa é a intenção do eleitor para a quadra vivida. Ela é contrária, inclusive, àqueles que claudicaram e tentam a reeleição. Agora, a moeda tem duas faces.
Renata Lo Prete: Seu voto é tão bom quanto seu presidente?
Marco Aurélio de Mello: É difícil, realmente, imaginar uma campanha institucional que não seja passível de interpretações distorcidas. O que a campanha reflete é que a boa escolha depende muito do eleitor, dele comparecer devidamente conscientizado e após ter examinado o perfil dos candidatos.
Paulo Markun: Ministro, em relação à eleição proporcional - e eu não quero voltar ao debate que se estabeleceu no primeiro bloco, que acho que é relevante mas tem um pouco do nosso interesse, de nós jornalistas, e em defesa até do cidadão, obviamente -, na eleição proporcional, a imprensa, principalmente a imprensa escrita, que tem condições de fazer isso com mais espaço, tem registrado muito claramente "mensaleiros", "sanguessugas" e até movimentos que esses candidatos estão fazendo em busca da reeleição. Candidatos que, inclusive, renunciaram para escapar da cassação e depois, hoje, estão buscando a reeleição como a Lei permite. No entanto, eu fico pensando, que espaço o eleitor tem para conhecer os candidatos que não disputaram eleições anteriores, que se colocam hoje pela primeira vez na busca de um espaço do Legislativo e que não tem como se apresentar. Salvo naquele horrendo desfile de pessoas que falam dez segundos na televisão e dão um recado, numa mistura que é absolutamente surrealista?
Marco Aurélio de Mello: Presumindo, o que normalmente ocorre. Vendo em um candidato novo uma figura que se propõe realmente a servir, e não a se servir do cargo público. E quanto àqueles que estão acusados, evidentemente caberá ao eleitor a triagem. E lamento que os veículos de comunicação não cheguem a todos os eleitores.
Joseval Peixoto: Ministro, supondo que esses corruptos, "mensaleiros", "sanguessugas" passem pela Justiça, sejam eleitos, e depois condenados ou denunciados num processo de crime, em que momento o Tribunal pode cortar essa diplomação do deputado?
Marco Aurélio de Mello: Há uma norma contida na Constituição Federal que, enquanto durar os efeitos da sentença condenatória, tem-se a suspensão dos direitos políticos. Aquele que esteja com direitos políticos suspensos não pode exercer o mandato.
Joseval Peixoto: Então, uma simples denúncia não impede que ele continue legislando?
Marco Aurélio de Mello: No passado impediu. Considerada a Lei Complementar número 5, o recebimento da denúncia era motivo para se concluir pela inelegibilidade. Hoje não. A Lei Complementar exige uma sentença condenatória da qual não caiba mais recurso.
Joseval Peixoto: Com uma gama de 80 réus, imagina aonde vai isso.
Marco Aurélio de Mello: Quando o mandato estará exaurido.
Rui Nogueira: Ministro, o senhor não exige muito do eleitor, enquanto a Justiça Eleitoral oferece tão pouco? Por exemplo, estamos conversando aqui há tanto tempo e acho que o eleitor em casa está se perguntando se o fato de alguém não ser proibido de disputar uma eleição o impede de fazer a devida defesa no processo de "sanguessuga", ou do "mensaleiro", o que quer que seja. Se nem isso a Justiça reconhece, o senhor não está exigindo demais do eleitor?
Marco Aurélio de Mello: Não é a Justiça que reconhece ou deixa de reconhecer. É a legislação de regência. E aí, ou nós fechamos para balanço, e isso aí é impensável, pois seria um retrocesso, ou então vamos marchar e buscar uma legislação mais rigorosa.
Tereza Cruvinel: Ministro, por favor, nós falamos rapidamente sobre a necessidade de mudar muitas regras e ritos do sistema político, reforma política em suma. Há pouco tempo, foi suscitada pelo presidente da República e por alguns juristas, agora mesmo alguns empresários disseram que a proposta nasceu entre eles, no Conselho do Desenvolvimento Social, o CDS, uma proposta de uma Constituinte [Assembléia Constituinte – órgão colegiado formado por representantes do povo e que têm como missão aprovar a lei maior do país, a Constituição Federal] exclusiva para se fazer uma reforma política. Essa proposta esbarra em cláusula pétrea [normas constitucionais que não podem ser alteradas, nem mesmo por emendas constitucionais, a menos que se promulgue uma nova Constituição através de uma Assembléia Constituinte]? Ou seja, ela, se politicamente viabilizada, não tromba, não choca com a Constituição?
Marco Aurélio de Mello: O poder constituinte que viria seria um poder derivado, derivado da Carta [Constituição Federal] em vigor. Agora, o problema, para mim, está em se pensar que poderíamos ter dias melhores no Brasil simplesmente com novas leis, com uma nova Constituição. Quando o que precisamos no Brasil é de homens, principalmente homens públicos, que observem a legislação em vigor.
Tereza Cruvinel: Mas existe essa figura de uma Constituinte para se fazer só um capítulo? Constituinte específica para uma...
Marco Aurélio de Mello: Mediante emenda, nós temos os obstáculos contidos na Carta atual. Eu repito, a Constituição de 1988 resultou da passagem do regime de exceção para um regime democrático.
Tereza Cruvinel: Sim, mas ela é uma Constituinte para fazer tudo.
Marco Aurélio de Mello: Apontou-se que o poder constituinte seria originário, o que vier. Agora, sem uma virada de mesa, sem uma revolução, sem ter-se até mesmo a divisão do território brasileiro, e surgimento de um outro país, será uma...
Tereza Cruvinel: Derivado?
Marco Aurélio de Mello: ...normatização constitucional por emenda. Aí temos a vinculação ao que está na Carta de 1988, ou seja, nós temos aquelas matérias contidas no artigo 60 que não podem ser objeto de emenda.
Paulo Markun: Ministro, a infidelidade partidária é tema recorrente em qualquer discussão sobre a legislação eleitoral. O troca-troca de partidos impede que deputados sejam identificados com a legenda. Vamos ver algumas questões na rua.
[Marília Moreira Preto, dona de casa]: Procuro acompanhar tudo o que está passando nos horários políticos e eu gostaria de saber mais de muitos partidos que eu não sei nem de onde surgiram.
[Diogo Morais Leite, monitor]: Gostaria de saber o que a obrigatoriedade de fidelidade partidária mudaria no processo eleitoral brasileiro?
Paulo Markun: Ministro, o que o fim da infidelidade mudaria no sistema eleitoral? Pode mudar alguma coisa? O que é que se muda?
Marco Aurélio de Mello: Fortaleceria os partidos políticos, o que seria muito bom, porque teríamos não uma eleição calcada no candidato em si, mas no partido, no programa do partido, no que é sinalizado pelo partido.
Paulo Markun: O senhor sabe que eu andei por vários estados brasileiros e fiquei absolutamente chocado com a salada partidária. Há candidatos do PSDB [Partido da Social Democracia Brasilleira] apoiando gente do PT. Há candidatos do PMDB [Partido do Movimento Democrático Nacional] apoiando gente de tudo quanto é partido. Quer dizer, apesar da verticalização, o fato é que é difícil explicar para quem não acompanha o processo político que tipo de casamento tem surgido na eleição. Quer dizer, com isso aí, a possibilidade de os partidos serem algo consistente não vai cair por terra?
Marco Aurélio de Mello: Cai por terra. E veja, nós temos uma emenda constitucional para vigir a partir da próxima eleição que libera totalmente as coligações. Ao invés de se buscar realmente uma fidelidade maior aos programas, às composições, percebendo que o Brasil é uma federação, é um país de extensão continental, mas um país único, se caminha para essa liberdade maior. Agora, creio eu que virá, fatalmente, uma reforma política.
Paulo Markun: O senhor é candidato a presidente da República, ou pensa nisso?
Marco Aurélio de Mello: Como?
Paulo Markun: O senhor pensa em ser um dia candidato a presidência da República?
Marco Aurélio de Mello: Não, não. Quando eu estava na Nacional de Direito [Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro], eu não me imaginava sequer juiz, e hoje eu sou um juiz 24 horas por dia.
Paulo Markun: Mas isso tem um tempo.
Marco Aurélio de Mello: Gosto imensamente do que faço, completei tempo para me aposentar e sair quem sabe para a advocacia, concorrendo com meu colega Manoel Alceu [Manoel Alceu Affonso Ferreira é advogado] na banca de clientes. Completei tempo, nosso sistema é falho, aos 49 anos. Eu esperaria a expulsória e se for majorado o período, a idade hoje prevista de 70 para 75, eu ficaria até os 75 anos. Não há função que gratifique, talvez a de médico, mais do que a função de julgar os próprios semelhantes e os conflitos envolvendo semelhantes. Eu amo o que eu faço.
Tereza Cruvinel: Ministro, há poucos dias, no início do processo eleitoral, acho que o TSE até, digamos assim, violentou-se um pouco ao aceitar uma lei eleitoral votada pelo Congresso fora do prazo regulamentar para incorporar ao processo normas que tornassem as eleições mais transparentes e mais baratas, sobretudo. No entanto, nós temos visto aí pelos estados - um deputado até me disse que nestes dias vai levar um dossiê ao senhor, deputado Chico Alencar, do PSOL, que diz que está com o dossiê pronto para te levar - o jeitinho brasileiro acabou prevalecendo e neutralizando boa parte daquelas regras da nova lei eleitoral. Por exemplo, outdoors estão proibidos, a não ser que o dono da casa concorde de ter lá um cartaz grande. Todas as casas do Brasil, sobretudo de subúrbios tem lá “esta família apóia fulana de tal” como se fosse uma manifestação espontânea, mas são espaços vendidos, que os candidatos estão comprando nas casas, principalmente nas casas de subúrbio e mais pobres. Há evidências muito grandes disso. Hoje mesmo, na Folha de S. Paulo, tem uma matéria sobre cabos eleitorais remunerados. No Brasil afora tem cabos eleitorais remunerados. E eu lhe pergunto, sem falar no caixa-dois [caixa informal e ilegal não contabilizado oficialmente de financiamento de campanhas políticas] que nós não sabemos, a prestação de contas pela internet se limita a saber como foi a arrecadação. Mas nós não sabemos, assim, se aquela arrecadação é legal e se há além dela a arrecadação ilegal, não contabilizada. Eu sei que a Justiça Eleitoral tem suas limitações, mas o senhor disse muitas vezes aqui hoje assim: “nós estamos manietados, subjulgados pelos rigores, pelos limites da Lei”. Então, nós não precisamos de um órgão de fiscalização eleitoral mais executivo que não seja esse dependente apenas da aplicação da Lei? Há casos, em alguns países, em que a corte eleitoral, que tem um caráter diferente da corte brasileira, que é um órgão do Poder Judiciário. Portugal é diferente, não é da Justiça Eleitoral. No México não é. Mas um órgão independente, porém mais fiscalizador, que pode ir em cima do processo eleitoral e ver se o candidato está gastando, está fugindo muito do padrão, com sinais exteriores de uma campanha cara, de uma campanha muito rica. Será que não está esgotado esse modelo de Justiça Eleitoral que o TSE representa como vigilante da Lei? Nós não estaremos precisando de outra coisa?
Renata Lo Prete: Ministro, deixa eu só embarcar uma pergunta de carona na pergunta da Tereza. O escândalo do "mensalão" não teria revelado, entre outras tantas coisas, a falta de instrumentos, a incapacidade da Justiça Eleitoral de fiscalizar o financiamento de campanhas?
Joseval Peixoto: Ministro, eu adendo mais um detalhe...
Tereza Cruvinel: Estamos encerrando...
Joseval Peixoto: Cabo eleitoral é um bem, ministro, seria importante essa fiscalização. Na verdade, na longa periferia de São Paulo é o tráfico que domina. É o criminoso que está dominando e mandando botar a placa do político dele nas casas das famílias.
Tereza Cruvinel: Tem isso também.
Marco Aurélio de Mello: É um problema seríssimo. Agora, voltemos à tecla inicial. A Justiça Eleitoral atua mediante provocação, ela não tem fiscais na rua. Fiscais são os partidos. Fiscal é o Ministério Público. Se apresentada representação pelo descumprimento à Lei, atual, 11.300 [Lei número 11.300/2006, que alterou a Lei número 9.504/1997 e dispõe sobre propaganda, financiamento e prestação de contas das despesas com campanhas eleitorais], logicamente a Justiça Eleitoral, nessa quadra principalmente, atuará. E atuará com todo rigor. Agora, é preciso que a matéria seja levada à Justiça Eleitoral. E nós não atuamos de ofício sem provocação.
Márcio Chaer: Estão querendo justiceiros, não é?
Marco Aurélio de Mello: Não somos ao mesmo tempo polícia, Ministério Público e órgão julgador.
Rui Nogueira: Para o ministro da Suprema Corte, ex-presidente do Supremo, 2 vezes presidente do TSE, para o senhor, nada é superior ao direito transitado em julgado?
Marco Aurélio de Mello: Não, não, até mesmo o direito transitado em julgado pode ser impugnado. Desde que se entre com ação competente dentro dos 2 anos. Na Justiça Eleitoral são 120 dias e, mesmo assim, restrita à matéria de caso de inelegibilidade.
Paulo Markun: Ministro, última pergunta mesmo, nosso tempo acabou. A resposta eu queria curta, apenas para registro histórico. O senhor espera - esperar eu sei que o senhor espera - o senhor acredita que o próximo Congresso será melhor do que este?
Marco Aurélio de Mello: Eu sou um homem, até por criação, otimista. Eu acredito que o eleitor comparecerá no dia primeiro de outubro conscientizado. Eu não subestimo a inteligência alheia. E haverá a triagem quanto àqueles que ocuparão as cadeiras na Câmara dos Deputados e no Senado da República, numa renovação, nesta última casa, parcial.
Paulo Markun: Ministro, muito obrigado pela sua entrevista. Boa sorte nessa empreitada. Obrigado aos colegas entrevistadores. E nós estaremos aqui na próxima segunda-feira, às 10h30 da noite, com mais um Roda Viva . Ótima semana e até segunda.