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Memória Roda Viva

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Luiz Hildebrando

29/10/2001

O pesquisador, especialista em malária, defende que os avanços tecnológicos devem visar também a resolução de problemas básicos de saúde

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Programa ao vivo

Paulo Markun: Ele é um dos mais importantes pesquisadores brasileiros e um dos maiores estudiosos das doenças tropicais. Especialista em malária, trocou a França por Rondônia, onde comanda uma difícil tarefa de melhorar a saúde pública na região amazônica. O Roda Viva entrevista esta noite o médico, professor e pesquisador científico Luiz Hildebrando Pereira da Silva.

Comentarista Márcia Bongiovanni : Aos 73 anos de idade, o professor Luiz Hildebrando é um recordista. Trabalha há 48 anos com pesquisa científica, desde o doutorado em medicina na universidade de São Paulo em 1953. Logo de início, dedicou-se à parasitologia e ao estudo da malária. Nos anos 60, cassado pelo regime militar e demitido da universidade, foi para Paris onde viveu quase 30 anos trabalhando no Instituto Pasteur. Comandou pesquisas de ponta que o tornaram referência mundial no estudo da malária. Defensor da idéia de que ciência e tecnologia devem se voltar, prioritariamente, para soluções de problemas nacionais, deixou o Instituto Pasteur em 1996 para retornar ao Brasil e se dedicar ao combate à malária em Rondônia, região que mais sofre com a doença no Brasil. A malária que produz febre alta, delírios e até morte é uma infecção provocada por um parasita transmitido pelo mosquito anófeles. Ele pica uma pessoa doente, se infecta e vai transmitindo a infecção ao picar outras pessoas. Pode transmitir também a partir dos assintomáticos, pessoas que têm a doença, mas que não desenvolvem os sintomas. Há uma hipótese de que Rondônia tenha uma população considerável de assintomáticos, o que complica o quadro da malária na região. É nesse cenário que o doutor Luiz Hildebrando comanda uma equipe de pesquisadores do Centro de Pesquisa e Medicina Tropical, vinculado ao Cemetron, Centro de Medicina Tropical de Rondônia, em Porto Velho. Além da busca de vacinas, os pesquisadores avaliam a evolução de doenças e planejam ações de controle que, no caso da malária, inclui até a captura noturna de mosquitos para estudos, um jeito surpreendente, mas eficiente. Os especialistas atraem e sugam o mosquito através de um tubo, antes da picada, e estudam em laboratório os hábitos e o organismo do inseto. Foi assim que se descobriu que o mosquito também se infecta ao picar um assintomático. O centro tem contratos de pesquisas com a Organização Mundial da Saúde e conta com o apoio e colaboração de alguns países, mas a equipe do doutor Luiz Hildebrando é solitária. Rondônia tem o menor índice de médicos por habitantes do país, 4 para cada 10 mil habitantes e não há profissionais, nem estudantes de outras regiões, interessados nesse trabalho.

Paulo Markun: Para entrevistar o cientista Luiz Hildebrando, nós convidamos o jornalista Armênio Guedes, do jornal Gazeta Mercantil; Mônica Teixeira, da TV Cultura; Erney Camargo, professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas, da Universidade de São Paulo; Carlos Eduardo Lins e Silva, diretor adjunto do jornal Valor; Alessandro Greco, repórter do site no.com . e Walter Colli, professor titular de bioquímica da Universidade São Paulo, USP, e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Boa noite, professor Hildebrando.

Luiz Hildebrando: Boa noite.

Paulo Markun: Queria saber o que o senhor está fazendo, tudo bem, nós explicamos aí na reportagem, mas de Paris para Porto Velho é uma distância enorme. O que levou o senhor para lá, qual é o sonho da sua vida?

Luiz Hildebrando: São vários motivos, eu acho que seria bom começar por eliminar uma ambigüidade, quer dizer, não há nenhum sentimento do tipo da Madre Tereza ou do doutor Shwarts de querer se ocupar de pobres e pessoas abandonadas em situação, quer dizer, não existe essa atitude caritativa. Nós sabemos que num país como o Brasil, e no mundo em geral, caridade é uma coisa importante, mas nós agimos como cientistas, quer dizer, cientista não se preocupa com conseqüências de situações para tentar resolver pela caridade. Nós procuramos nos ocupar das causas, que levam a certas conseqüências. Então, na verdade, o motivo que nos leva a ir à Amazônia, de uma maneira geral, não em Rondônia em particular - há razões depois particulares para Rondônia - é a questão de enfrentar, como cientista, um desafio enorme. Amazônia é um desafio, é um desafio não apenas para o Brasil, mas para a comunidade científica internacional. Então é com essa ambição de enfrentar esse desafio que representa a Amazônia no seu total e nos seus aspectos, digamos, de saúde, relativos a doenças que existem na região, que desperta em nós, como cientista, esse desafio de tentar entender, verificar, compreender as causas da incidência das doenças, a natureza delas, que existem nessa região e tentar, de certo modo, como cientist,a ligando causas e efeitos, procurar encontrar solução para resolver essea problemaa da Amazônia, que são, entre muitos problemas, alguns problemas fundamentais para que a Amazônia possa ter um futuro, digamos, que seja conveniente para a sociedade e para a nação brasileira de uma maneira geral.

Paulo Markun: Agora, o senhor fazer isso e num momento em que o mundo gasta rios de tinta, centenas ou milhares de horas de televisão para discutir única e exclusivamente as ameaças da guerra bacteriológica, que sentimento dá isso no senhor? Dá vontade de dizer: “puxa vida, não dão nem 1% do tempo para discutir questões como a malária”, ou isso não passa pela sua cabeça?

Luiz Hildebrando: Passa profundamente. Posso lhe contar até um fato muito objetivo. O Ministério de Saúde está empenhado numa campanha para redução da malária na Amazônia. E nós fazemos parte de um comitê cientifico técnico que procura orientar tecnicamente essa campanha, atualmente, e que tem tido um certo sucesso, ao nível da Amazônia em geral, com redução considerável da incidência do ano 2000 para 2001. Então nós estávamos em Brasília, reunimos o comitê técnico e depois o presidente da Funasa, da Fundação Nacional da Saúde, convocou uma reunião de jornalistas, então, uma entrevista coletiva que tinha uns trinta jornalistas, várias estações de televisão, para expor a evolução da campanha, mostrando um certo otimismo. Isso é uma coisa importante, quer dizer, o fato de uma campanha ser bem sucedida na redução da malária, pois está acontecendo. Quando terminou a sua exposição ele abriu perguntas para o auditório, quer dizer, para os jornalistas, não houve uma pergunta sobre malária, houve só pergunta sobre o bioterrorismo, e o que os jornalistas estão chamando de antraz.

Paulo Markun: O velho e o bom carbúnculo.

Luiz Hildebrando: Que é o velho e o bom carbúnculo. Não se perguntou nada sobre isso, sobre malária, só se perguntou sobre carbúnculo. Isso é para dar uma idéia, digamos, de certa maneira, do afastamento da realidade que existe, o problema do bioterrorismo que é um problema importante provavelmente para ser discutido calmamente, e o Brasil é um bioterrorismo de imprensa, quer dizer, se coloca isso essencialmente como o tema, de certo modo, de escândalo e de fazer um pouco de medo para a opinião pública, um certo, digamos, sensacionalismo e algo que não tem grande importância para nós, aliás o bioterrorismo de uma maneira geral tem se mostrado que é algo que simplesmente explora psicologicamente o medo. O que tem acontecido é a utilização do bioterrorismo por setores ainda não bem identificados, que tem um efeito artesanal de atingir algumas dezenas de pessoas esparsas, mas que não tem atualmente nenhuma possibilidade de ser utilizada como arma de grande envergadura. Quer dizer, a idéia de que o bioterrorismo, digamos, a guerra bacteriológica pode ser um substituto da bomba atômica, e a bomba atômica do pobre, é uma ilusão que não se pode deixar, realmente, ser disseminada como uma hipótese justa e cientificamente correta.

Walter Colli: Luis, você na França, nas décadas de 60 e 70, viveu a revolução da genética dos vírus que infectam bactérias, os bacteriófolos. Trabalhando lado a lado, dentre outros, com François Jacob [(1920-), bioquímico geneticista francês], prêmio Nobel de medicina e fisiologia. Esses trabalhos feitos por muitos grupos revolucionaram a biologia molecular e foram fundamentais para o estabelecimento do que hoje se convencionou denominar de biotecnologia. Isso é o que eu denomino de pesquisa básica, pois na época ninguém conseguiria prever a aplicação prática disso tudo. Agora que você, em Rondônia, está mais em contato com a realidade do ser humano e do meio ambiente, como você vê essa dualidade, essa tensão, digamos, entre pesquisa básica versos pesquisa aplicada? E qual a importância de ambas no processo do desenvolvimento brasileiro?

Luiz Hildebrando: Isso é uma pergunta que levaria a reflexões bastante amplas e longas talvez. Mas tentando resumir, eu acho que a realidade, quer dizer, a abordagem científica de problemas se faz sempre em relação a elementos de uma realidade. Que pode ser uma realidade simples, que foi observada no laboratório ou pode ser uma realidade mais complexa, que é observar, digamos, de uma maneira geral, num país, numa sociedade, numa região, enfim, na natureza, de certo modo. Cada problema desse tipo leva a interrogações do cientista no sentido de compreender o fenômeno que ele observa. Na verdade, a abordagem do cientista é sempre a mesma, quer se trate de um problema imediato de conseqüências, digamos, que se pode chamar práticas, imediatas, ou pode ser um problema que, aparentemente, não possa ter nenhuma significação prática imediata, mas que na verdade, como se vê no desenvolvimento científico, pouco a pouco, ela se insere também no problema da realidade. Quer dizer, esse exemplo que você citou do fato de eu ter vivido no momento histórico da biologia, que foi o desenvolvimento da biologia molecular, que era uma interação profunda entre poucas unidades que existiam de pesquisadores na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, quer dizer o nascimento da biologia molecular, parecia de início simplesmente uma interrogação sobre a estrutura e a natureza dos fenômenos biológicos. Hoje a gente sabe que ela é a base de toda uma biotecnologia de aplicação, de análise da estrutura genoma, da obtenção de antígenos e proteínas por engenharia genética, enfim, abre bases para o que se pode chamar de uma terapia gênica e que tem, encontra, atualmente, aplicações enormes em todas as áreas, digamos, da biologia, da medicina, da agronomia, de todo setor biológico.

Carlos Eduardo Lins e Silva: O Brasil sendo um país pobre, com recursos limitados, onde o senhor acha que devia ser a prioridade da aplicação dos recursos para a área da saúde? Por exemplo, muita gente critica o projeto brasileiro de participar da estação espacial internacional onde algumas experiências importantes vão ser feitas, inclusive no ramo da biologia, dizendo que o país não devia estar gastando dinheiro nisso, mas sim curando as doenças essenciais, que ainda estão aí disseminadas pelo país. Na sua opinião, como é que o Brasil deveria alocar os seus recursos, criando ilhas de excelência ou antes de criar ilhas de excelência de pesquisa desenvolvida, tratar de curar a população? E na seqüência, talvez pela primeira vez o Brasil venha a ter, pelo menos há essa perspectiva, de ter um ex-ministro da Saúde na presidência da República [referindo-se à José Serra que perdeu a eleição para Lula]. O senhor acha que isso ajuda alguma coisa, uma pessoa que tenha sido ministro da Saúde terá mais sensibilidade para os problemas que o senhor enfrenta ou o senhor acha que isso não resolve nada?

Luiz Hildebrando: Eu teria em relação a esse problema uma posição que talvez possa ser exemplificada pela própria natureza da estrutura que foi criada na Universidade de Brasília em 61. Um país atrasado e pobre não pode tentar começar da roda para chegar na fronteira da ciência. E isso foi muito claramente exposto como filosofia da criação da Universidade de Brasília, nós temos que fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Nós temos que estar na vanguarda do conhecimento e nós temos que estar lá bem embaixo na roda para poder exatamente eliminar esse vácuo e esse abismo que existe entre o conhecimento científico de vanguarda e o conhecimento básico de ciência que não encontra ainda as aplicações necessárias e que seriam, se aplicadas corretamente, capazez de resolver problemas básicos estruturais na área de saúde e em outras áreas. Agora a experiência mostra que se nós não fomos capazes de abordar as duas coisas ao mesmo tempo, se não formos capazes de, ao mesmo tempo, investir na fronteira do conhecimento, criando condições para criar as inteligências, as capacidades de análises e de conhecimento da natureza e dos processos que implicam e que tenham implicação direta na sociedade em termos de saúde e em termos mais gerais ainda, nós não seríamos capazes, tão pouco, de criar mentalidades científicas capazes de agir em relação aos problemas mais simples e ser capazes de aplicar os métodos científicos para resolvê-los. A nossa atividade em Rondônia mostra muito bem esse tipo de... Nós estamos tentando estudar meios práticos de poder utilizar os conhecimentos existentes, conhecimentos já bem assentados em relação à malária e para formular métodos ou formular processos de controle que possam ser adaptados à resolução de problemas básicos de saúde. Entretanto, nesse processo, nós estamos chegando a descobrir fenômenos novos em relação à malária que não suspeitávamos, porque, na verdade, quer dizer, a análise do fenômeno e análise da realidade nos leva à identificação de problemas novos que são problemas de fronteira da ciência.

Mônica Teixeira: Então, não tem oposição entre o problema local ou problema da região dita atrasada e a qualidade da ciência que é feita?

Luiz Hildebrando: A dificuldade para se desenvolver uma ciência de qualidade avançada em regiões que são tecnicamente ou socialmente atrasadas, são grandes, mas isso é exatamente o que tem que ser resolvido pelo que a gente chama de uma política científica. Então os investimentos que as autoridades na área de ciências e tecnologia, quer dizer, o Ministério de Ciência e Tecnologia ou os ministérios, tipo Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura, tem que realizar em áreas atrasadas, não é só para resolver o problema do “bê-a-bá”. É para investigar os problemas reais que existem em relação, digamos, das suas áreas de atividade, para que se possa saber, ou que se possa identificar em que conhecimentos e técnicas avançadas, que são acessíveis, possam contribuir para uma solução, o que a gente pode dizer para “curtocircuitar”, digamos, os problemas que existem. Eu daria exemplos essencialmente no setor agrícola, setor da agricultura. Nós temos uma estrutura na Embrapa que é extremamente avançada tecnologicamente e extremamente competente, quer dizer, a Embrapa científica e tecnicamente se compara com qualquer estrutura, digamos, das melhores estruturas dos países da Europa, dos Estados Unidos. Em que eu acho que as atividades científicas e técnicas da Embrapa podem ser criticáveis? É que ela, em geral, é dirigida para a solução de problemas do sistema econômico atual em termos de exportação agrícola. Quer dizer, investe muito na agricultura de exportação, é a soja, a cana-de-açúcar, o café e assim por diante, e se preocupa pouco ou tem pouco investimento em função da agricultura familiar, da pequena agricultura ou de resolver problemas básicos. Por exemplo, a hevea brasiliense [conhecida como seringueira], a borracha, até agora não se conseguiu resolver o problema da cultura de borracha, que é exclusividade da região amazônica através do emprego de tecnologia moderna, de biotecnologia moderna, de análise e seleção de variedades resistentes que se faz atualmente em laboratório e a Embrapa tem toda a tecnologia necessária para isso. As universidades do Norte não trabalham sobre isso, então a necessidade de introduzir tecnologias altamente avançadas na área, digamos, da biologia vegetal molecular e celular para resolver problemas locais. Em relação ao cacau isso foi feito e aparentemente o problema da vassoura de bruxa [doença causada por um fungo que ataca as plantas de cacau] está sendo resolvido através de uma tecnologia extremamente avançada. Então o problema da seleção de conhecimentos de tecnologias...

Mônica Teixeira: Mas eu queria tomar o exemplo mais complicado um pouco, na linha do que o Carlos Eduardo perguntou. Digamos que se trate de escolher, já que os recursos são escassos entre criar núcleos, grupos que vão trabalhar nanotecnologia, que é vista como tecnologia para daqui a 10 anos e sei lá, pesquisar questões relativas a doenças emergentes em Rondônia. O senhor acha que essa questão se coloca?

Luiz Hildebrando: Então vamos falar das doenças emergentes em Rondônia. As doenças emergentes de Rondônia não são ainda nem todas conhecidas. Então a malária é conhecida, as formas de hepatite que existem na Rondônia, por exemplo, como a hepatite delta é muito mal conhecida. As viroses e arboviroses [nome dado a doenças transmitidas por picada ou secreção de insetos] existentes da região amazônica não são identificadas ainda todas, quer dizer, o Evandro Chagas já isolou algumas centenas de vírus, mas não se sabe quais são, as que são importantes do ponto de vista da patologia humana ou animal. Como é que se pode abordar isso? Se pode abordar com tecnologia antiga? Não. As tecnologias e os conhecimentos científicos avançados atualmente facilitam a análise desse problema. Nós não vamos utilizar as técnicas clássicas da virologia, nós temos que usar as técnicas mais avançadas possíveis da virologia, porque isso simplifica a abordagem e análise do problema.

[...]: Para isso tem que ter gente preparada para fazer isso.

Luiz Hildebrando: Para isso tem que ter gente preparada, então isso é um dos setores de investimento fundamental a ser feito.

Erney Camargo: Perguntinha simples. Claro, nós temos mesmas origens e aquela preocupação de investigação científica. Mas você voltou há alguns anos da França e quando nós trabalhávamos..., aliás, somos discípulos do professor Samuel Pessoa, e a preocupação do Samuel, que veio toda a sua escola, era pesquisa científica da melhor qualidade possível, mas com um certo envolvimento com os problemas sanitários do país e os problemas sociais. Você quando voltou para cá, e dentro dessa linha que eles estão formulando, você acha que o país ou as universidades, ou os centros de pesquisa se divorciaram desse compromisso social de certa forma?

Luiz Hildebrando: Eu acho que houve um recuo grande nesse sentido, quer dizer, a gente pode responsabilizar em parte o interregno [intervalo entre dois governos] ou o período militar em que houve, se você lembra a história do Samuel Pessoa, já que você levantou o nome dele, gostaria de lembrar uma história clássica do Samuel Pessoa. Quando houve o golpe militar, o Samuel Pessoa deixou de investigar xistosomose, malária, doenças humanas e começou a trabalhar em parasitas de cobra.

Erney Camargo: No Butantan.

Luiz Hildebrando: No Butantan. E aí uma vez ele estava fazendo uma conferência em Goiás com os alunos e um dos alunos perguntou para ele: “mas professor, por que o senhor sempre trabalhou em malária, em coisas humanas e agora o senhor está trabalhando com parasitas de cobra?” Ele falou: “ é porque parasitas de cobras não dá em IPM”. [risos] Então, na realidade, o regime militar, você sabe muito bem que os pesquisadores de parasitologia e de microbiologia da Faculdade de Medicina de São Paulo, que realizava as chamadas excursões com os estudantes para levá-los a áreas endêmicas para estudar leishmaniose, malária, doenças diarréicas, e toda uma quantidade de coisas, principalmente o Leônidas Deane [(1914-1993), médico brasileiro de projeção nacional e internacional, dedicou-se ao combate de males endêmicos como malária, filariose, leishmaniose visceral, verminose e leptospirose], o Luís Reis [médico da Organização Mundial da Saúde e presidente da Sociedade Brasileira de Parasitologia], eu mesmo, alguns outros. Você era jovem, também participou disso, foi levantado como atividade extremamente subversiva e colocaram como atividade subversiva pelo regime militar. Então isso foi um dos elementos que colocou ou que talvez tenha afastado a comunidade científica na área de saúde pública, na área de parasitologia e microbiologia, se afastaram um pouco da análise da problemática direta do problema. Agora acho que houve outros problemas, quer dizer, houve um progresso importante em pesquisa científica no período de 70 a 90, com investimentos importantes, principalmente do lado do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], do Ministério de Ciência e Tecnologia, da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] em São Paulo, com criação e melhoria de laboratórios, de investimento. E criou-se de certo modo ao lado dos elementos positivos, criou-se um certo modismo, um certo falso modernismo de se inspirar para as atividades de pesquisa científica, não mais nas análises das realidades existentes, não mais estudar doenças emergentes da Amazônia, mas estudar modelos experimentais gerais, que são inspirados pela bibliografia internacional. Quer dizer, o modismo, o estudante sai daqui, ia fazer doutorado nos Estados Unidos ou na França ou na Inglaterra, volta para cá e continua trabalhando naquele tema desse pesquisador estrangeiro. Então esse tipo do “seguidismo” e do modismo que é, digamos, fantasiado de trabalho de fronteira. Na verdade ele é um trabalho de seguidismo. E nós estamos muito ameaçados em relação a isso com essa grande divulgação atualmente das orientações no incentivo das análises genômicas. Estamos querendo fazer análise genômica de tudo quanto é organismo, quer dizer, porque parece que isso é da moda. Acho que isso é um dos elementos que caracteriza esse afastamento. Então a necessidade realmente de haver uma correção de trajetória no sentido de focalizar problemas que sejam para análise de investigação utilizando os níveis mais avançados de conhecimento de fronteira, mas com as problemáticas que existem em relação aos nossos países respectivos.

Alessandro Greco: Na verdade, como a gente traz esse conhecimento científico para o dia-a-dia da população? Há dois anos, por exemplo, a revista Economist fez uma pesquisa e entre os entrevistados mais da metade não sabia, por exemplo, que o átomo era maior que o elétron, que é um conhecimento muito básico de ciência. E o senhor estava falando de doenças emergentes, eu imagino que tem muita gente que não sabe o que é malária, não sabe o meio de transmissão da malária. Como que a gente traz para essas pessoas, para o dia-a-dia delas, todo o conhecimento que é gerado dentro dos laboratórios, dentro do centro de pesquisa?

Walter Colli: Luis, antes de você responder, ele é jovem, você usou um jargão, ele é jovem e não sabe, você falou IPM, que quer dizer Inquérito Policial Militar. E muita gente deve ter entendido PM como Polícia Militar. É bom deixar claro, você falou IPM, não foi?

Luiz Hildebrando: Inquérito Policial Militar.

Paulo Markun: Não sou tão jovem, eu também entendi PM! Mas a pergunta do Alessandro persiste ainda.

Luiz Hildebrando: Em parte eu acho que a resposta é dele mesmo, quer dizer, em função dele transmitir isso para a população.

Alessandro Greco: Mas eu digo também na hora que os cientistas estão no campo, no caso do senhor, que trabalha com saúde pública. Como chegar nas pessoas, nas populações, explicar para elas o que está acontecendo?

Luiz Hildebrando: Isso é um tipo de trabalho no qual nós estamos empenhados e nesse sentido tem havido um certo progresso em saúde pública no Brasil com o desenvolvimento do chamado Sistema Único de Saúde, o SUS. Então praticamente nós trabalhamos em algumas áreas piloto no estado de Rondônia e nos associamos através do Sistema Único de Saúde, com a organização chamada de PACS/PSF, quer dizer, os agentes comunitários de saúde e os profissionais de saúde família. Nessa região, como foi citado, acho que foi pela Mônica, não sei, Rondônia tem um médico por 2.800 habitantes, quer dizer, a média nacional é de 700. Agora esses 2.800 habitantes, o médico está sempre na sede da capital ou na sede do município. A zona rural é inteiramente abandonada, não tem médico nenhum, não tem enfermeira. Então o acesso à informação, mesmo a qualquer tipo de cuidado, na área rural do Norte, do Nordeste, e mesmo em certas áreas do Centro Oeste e do Sul, é extremamente precário. Então esse trabalho de educação que seria através de uma prática da saúde pública, uma prática da atividade dos profissionais de saúde, não atinge realmente. Agora, com o desenvolvimento do sistema PACS/PSF, então nessas áreas-pilotos que nós trabalhamos, nós trabalhamos com dezenas de agentes comunitários, que são treinados em relação à natureza dos processos e patologias, se explica exatamente isso, por que malária é transmitida por mosquito, como é que reconhece o mosquito da malária, do mosquito que transmite o dengue; o problema da hepatite, a hepatite B se transmite por via sexual, enquanto que a hepatite A é por via alimentar. Todo esse tipo de treinamento o agente comunitário de formação primária é capaz perfeitamente de absorver. E aí quando o sistema de vigilância epidemiológica e sanitária daquela comunidade se desenvolve, a comunidade, a população tem acesso a esse tipo de informação através dos agentes. Agora isso é um aspecto, eu que acho que esse problema é muito complexo, ele exige que a informação passe através da escola, passe através de todo o sistema educacional. Eu acho que a imprensa nesse sentido tem um papel, se o senhor estiver de acordo, um papel fundamental...

Alessandro Greco: Mas as escolas também.

Luiz Hildebrando: E a imprensa como eu disse, fica se interessando cada vez mais sobre o antraz, que é furunculose, e sobre o caso carbúnculo, e não sobre os problemas sanitários. Quer dizer, acho que esse é todo um processo, que é um processo cuja origem eu tenho impressão, é minha idéia, é que o centro de preocupações atuais de políticas não é o de resolver problemas da saúde pública rural. Quer dizer, o interesse atualmente em relação mesmo à medicina ainda é muito a política assistencial, hospitalar, desse tipo de...

Paulo Markun: Só um segundinho. Nós vamos fazer um rápido intervalo e Roda Viva volta já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: Voltamos com Roda Viva, esta noite entrevistando o cientista Luiz Hildebrando. Antes de passar para o Armenio Guedes queria fazer uma bateria rápida de perguntas de telespectadores. Risomar Mazarano, de Osasco, que é professor, pergunta qual é o risco que uma pessoa corre de pegar malária saindo de São Paulo para morar em Rondônia? Existe?

Luiz Hildebrando: Existe o risco, mas existem métodos de se proteger pessoalmente, dependendo dos meios que dispõe, se morar na cidade de Porto Velho, por exemplo, como eu moro. Agora deve evitar freqüentar beiras de rio ou áreas de transmissão em certas horas, principalmente em que o mosquito é mais ativo. E usar roupas adequadas para não ser picado quando necessita ter esse contato. Não é difícil de se proteger de malária em situações brasileiras. Em situações africanas é bem mais complexo, porque a transmissão se dá essencialmente dentro das casas em alta densidade de invasão do mosquito lá, que são muito agressivos, então é mais difícil.

Paulo Markun: O Vicente de Aguiar, de Fortaleza pergunta qual é o verdadeiro motivo da malária ser endêmica no Brasil?

Luiz Hildebrando: Não existe um motivo, existem motivos. Em primeiro lugar, é uma área em que a quantidade de vetor e de mosquitos é bastante grande. A abundância de mosquitos na área, em função da própria natureza da floresta e das grandes coleções de algas que existe, existe uma grande densidade de mosquito. Segundo, o tipo de habitação das casas rurais que são muito dispersas, não são protegidas contra a invasão de mosquitos. Terceiro lugar, o nível socioeconômico é baixo e o nível cultural da população também é baixo em termos de desenvolver atividades para se proteger. Então o conjunto desses fatores determina que seja muito difícil, muito mais difícil de controlar a malária na região amazônica do que foi feito em outras regiões do país nos anos 50 e 60, quando se conseguiu erradicar a malária na região litorânea do Nordeste, em todo interior do estado de São Paulo e Minas Gerais através de medidas de profilaxia e de combate ao mosquito.

Paulo Markun: A professora Zulma aqui de São Paulo pergunta qual a perspectiva de se obter uma vacina contra a malária e quais as principais dificuldades para se utilizar uma vacina desse tipo em larga escala, eu imagino.

Luiz Hildebrando: Em geral, as vacinas que são práticas e facilmente obtidas são vacinas contra vírus, por exemplo, em que se pode obter o próprio vírus, a cultura do vírus, e se obter depois, praticamente a partir de uma sopa viral, do vírus inativado, a vacina, isso é o que ocorre com a maior parte das vacinas antivirais, como a poliomielite, como o sarampo, a rubéola. Mas na malária não se pode fazer isso porque o parasita da malária é dificilmente cultivável e quando se cultiva, ele é uma estrutura complexa, com várias toxinas, se injetar o parasita da malária mesmo inativado ele provoca reações negativas, dificilmente induz uma imunidade protetora. Então o que se faz, a orientação que se faz, é no sentido de isolar e identificar certas proteínas, que seriam antígenos dos parasitas, depois identificar os gens que são responsáveis pela codificação dessas proteínas, produzir isso em engenharia genética, através de técnicas de engenharia genética e produzir, então, artificialmente em laboratórios os antígenos do parasita in vitro. Isso é o que tem levado numerosos laboratórios, inclusive, nós do Instituto Pasteur, da equipe que trabalhava nisso e continua trabalhando depois que eu saí, existem vários laboratórios do mundo empenhados nesse tipo de pesquisa. Mas até hoje não se obteve realmente resultados válidos no sentido de produzir realmente uma imunização permanente, ativa contra a malária. Existem resultados parciais, mas que não permitem a utilização disso maciçamente em termos de imunização.

Paulo Markun: Trabalha-se também na perspectiva de mudar o mosquito, digamos assim?

Luiz Hildebrando: Isso é a uma outra orientação sobre a qual eu não sou muito otimista, a possibilidade de se obter mosquitos que são refratários à malária. Isso tecnicamente é considerado como possível, existem já vários avanços nesse sentido. O problema da dificuldade não é esse, o problema dessas dificuldades é depois convencer o mosquito, que é bom vetor,  a sair do lugar e deixar lugar para quem é mau vetor. [risos] Isso eu até agora não entendi como é que pode fazer.

Armenio Guedes: Luis, no seu livro recentemente lançado, Crônicas de nossa época, você se auto define como um cientista engajado, de onde se pode concluir também que existe o cientista não engajado. Eu queria, então, que você conceituasse um pouco o que é ser um cientista engajado. É um cientista que ao lado da sua pesquisa científica, da sua ação como cientista, do seu trabalho como cientista, desenvolve necessariamente e paralelamente um trabalho de ação social, política? Ou é um cientista que também, mesmo que desligado de uma atividade social explícita ou política explícita, na sua atividade científica está sempre se orientando, se localizando, tentando fazer com que a sua pesquisa seja dirigida no sentido de resolver alguns problemas que a sociedade coloca diante dele?

Luiz Hildebrando: Eu me defino como cientista engajado nesse segundo sentido que você está colocando. Eu acho que a ciência tem em si um valor intrínseco de interesse intelectual e humano, quer dizer, para satisfazer uma curiosidade humana natural normal do ser humano, de conhecer, de entender. Mas nesse sentido eu acho que se pode até formular o aforismo do Auguste Comte [(1798-1857), filósofo precursor do positivismo], “conhecer para poder prever, para poder prover”. Então o cientista não engajado, ele quer conhecer, satisfazer o simples interesse da curiosidade dele. Eu não quero dizer que o cientista que não seja engajado não seja socialmente útil, quer dizer, o cientista não engajado, o cientista que tem descobertas que depois levam a aplicações. Eu me lembro um caso muito especial, muito particular, de quando, nos anos 60, eu trabalhava em engenharia genética em...

[?]: Biologia molecular.

Luiz Hildebrando: Não, biologia molecular e genética molecular com bacteriófago [pequeno vírus que infecta apenas bactérias]. Nós íamos sempre aos congressos europeus de biologia molecular, eram em vários lugares da Europa e tinha sempre um cientista suíço que vinha lá trazer uns resultados completamente estapafúrdios para o nosso ponto de vista, que era o que ele chamava de modificação e restrição no mundo da bactéria. É um cientista suíço, a gente achava aquilo a maior chatice do mundo, não tinha nenhum interesse nem do ponto de vista científico para nós e nem do ponto de vista prático. Esse cientista depois ganhou o prêmio Nobel, é o criador da engenharia genética, porque ele que definiu o chamado “enzimas de restrição”, que cortam o DNA e que são capazes então de permitir, grudar pedaços de DNA estrangeiro um com o outro. Então ele é um cientista inteiramente abstrato e completamente desengajado, mas os resultados do trabalho dele tiveram uma conseqüência prática enorme. Eu me considero um cientista engajado não nesse sentido, eu trabalho e escolho temas; minha investigação, minha atividade de pesquisa é sempre dirigida em relação à atividade de ciência da qual eu vejo, de certo modo, uma possibilidade de aplicação ou de desenvolvimento de interesse pela sociedade, nesse sentido que eu me considero um cientista engajado.

Armindo Guedes: Lembra que você fazia biologia molecular no Instituto Pasteur, depois de ter sido um cientista muito engajado ao lado do professor Samuel Pessoa, começando no Brasil, uma pesquisa de campo e tal. Você se sentia...?

Luiz Hildebrando: Em certos momentos, eu ficava pensando no Samuel Pessoa e achava que nós estávamos fazendo, o que eles chamavam um pouco de “masturbação mental”. [risos] Samuel Pessoa em certos momentos nos acusava. Agora eu tenho impressão que pouco a pouco, ele foi se convencendo que as abordagens mais analíticas de biologia molecular e de bioquímica dos parasitas tinha a sua aplicação imediata no aprofundamento do conhecimento parasita, portando da maneira de conhecê-lo para combatê-lo. Samuel Pessoa, ele tinha a classificação clássica dos parasitas, ele dividia em três classes, quer dizer, os “bichos bons” dizia ele, bicho bom era malária, Trypanosoma cruzi, barbeiro, mosquito da malária. Depois tem os “bichídios”, bichídio é bicho que confunde com ele, [risos] então todos esses bichos, que é percevejo de mato, percevejo de mato pode confundir com barbeiro, que é o vetor da doença de Chagas, então ele chama bichídio. E depois ele fala “bicho besta”, bicho besta é borboleta. [risos]

Erney Camargo: Deixa eu retornar uma provocação do Carlos Eduardo, que você não respondeu. Faz diferença para um cientista na área sanitária ter eventualmente um presidente da República ex-ministro da Saúde?

Luiz Hildebrando: Vocês estão falando do fato atual?

[vários falam a mesma coisa]: Em tese.

Luiz Hildebrando: Eu responderia da seguinte maneira: o ministro da Saúde atual não é biologista, nem médico, não entende nada de problema de saúde de uma maneira técnica, e eu tenho impressão que ele é o melhor ministro da Saúde que nós conhecemos nas últimas décadas. Porque a função dele é de ser um grande administrador e saber se cercar de técnicos de competências tal para realizar. Agora um presidente da República que tivesse essa formação de saúde pública, talvez fosse um mau presidente da República para a saúde pública se ele fosse um especialista, é uma hipótese. Então eu acho que não há uma proporcionalidade, nenhum paralelismo...

Carlos Eduardo Lins e Silva: O ministro Serra conseguiu um destaque internacional com a questão das patentes e daqui a poucos dias se reúne em Catar, os ministros se reúnem, os ministros de economia, relações exteriores e comércio do mundo inteiro. E a questão da patente talvez seja o grande impeditivo de um novo acordo comercial mundial. Como que o senhor vê a questão da patente, o senhor que teve a experiência de viver tanto no país desenvolvido como aqui, em função dos últimos acontecimentos?

Luiz Hildebrando: Eu acho que a posição brasileira é perfeita. O governo brasileiro não está negando a necessidade de patente, ele está reconhecendo a necessidade de patente. Agora ele se recusa se curvar em relação à política de patentes quando existe um interesse público evidente e quando o respeito à patente for, em caso de doenças como o Aids, e que necessitam e que coloquem em perigo de vida a saúde coletiva da população, aí nesse caso, então, há necessidade de se encontrar acordos ou de romper com a patente, e acho que é perfeitamente normal. Então eu acho que a política é uma política razoável, moderada e perfeitamente compreensível.

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor acha que essa posição vai prevalecer em Goa [estado da Índia]?

Luiz Hildebrando: Essa posição terá que prevalecer. Eu que tenho freqüentado muito a França ainda, vou sempre à França atualmente, que é um dos países que tem muita patente na área de medicamentos, mas a opinião pública na área científica e técnica é perfeitamente favorável à posição do governo brasileiro. Quer dizer, o meio profissional não é contra, simplesmente os interesses industriais que isso está contrariando levam a certas posições, às vezes, dos governos para... Mas a opinião pública mundial na área científica e técnica é favorável a esse tipo de atitude.

Mônica Teixeira: Professor o senhor está envolvido com pesquisa, com atividade de pesquisa há quase 50 anos, 48 anos eu acho, 53...

Luiz Hildebrando: Eu comecei nos anos 50; 50 anos, como estudante de medicina.

Mônica Teixeira: Então o senhor conhece a pesquisa brasileira praticamente desde que ela começou a se institucionalizar, que foi há 50 anos, com o CNPq e a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior].

Luiz Hildebrando: Numa área limitada.

Mônica Teixeira: Mudou muito a ciência brasileira, a pesquisa brasileira?

Luiz Hildebrando: Mudou.

Mônica Teixeira: O que mudou?

Luiz Hildebrando: Bom, o que mudou! Eu acho que, de certo modo, houve uma verdadeira revolução que começou em São Paulo, com a criação da Fapesp. No meu livro eu tenho um capítulo que eu chamo a Revolução Paulista e o professor [doutor Jaurès P.] Ceccone. Eu conto uma experiência que eu acho uma experiência magnífica que nós tivemos de dar um golpe de estado dentro da USP com a eleição do reitor Antonio Carlos de Ulhôa Cintra. A Universidade de São Paulo nos anos 50 era uma universidade dirigida pelas escolas profissionais, quer dizer, engenharia, medicina e direito. Tinha pessoal competente em termos de transmissão de conhecimento, formava bons médicos, formava bons engenheiros, bons advogados, mas não existia participação na elaboração do conhecimento, quer dizer, a pesquisa científica era completamente ausente. Tinha pequenos núcleos na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, existia grupos de física, grupos de matemática, grupos de química, nas áreas de ciências sociais, principalmente com uma grande colaboração que houve das universidades européias para formação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Mas era uma faculdade marginalizada, quer dizer, que não tinha vez na Universidade de São Paulo; a universidade era machista, o que se dizia da Faculdade de Filosofia era que isso é “escola para formar mocinhas casadoiras”, isso era o que se dizia dentro do conselho universitário. E a tomada do poder pelo Antonio Barros de Ulhôa Cintra,  foi um complô importante que se fez através das células comunistas e da sociedade auxiliar de ensino da universidade. O presidente da República até, naquele tempo, era assistente aqui, o Fernando Henrique, era representante dos assistentes no conselho universitário; foi um elemento importante para conseguir a vitória do doutor Barros de Ulhôa Cintra, que era um professor de medicina, mas era cientista e conseguiu entrar como reitor nesse complô. Quando ele entrou como reitor no governo do Carvalho Pinto, imediatamente o Carvalho Pinto fez um plano de ação em ciência, colocando verbas específicas, ele era interessado em desenvolvimento de ciência e tecnologia, e um ano depois fundou a Fapesp. A partir daí mudou inteiramente.

Mônica Teixeira: Já aí na década de 60?

Luiz Hildebrando: 61.

Mônica Teixeira: Por que o senhor acha a Fapesp mais importante do que o CNPq?

Luiz Hildebrando: Porque naquele tempo, em 50, nós cientistas que trabalhávamos... Como que fazia ciências na Faculdade de Medicina em 50? A gente chegava para o Homero que era o tesoureiro, “Homero estou precisando de um aparelhozinho, você não arranja um dinheiro?” Ele falou: “Vamos ver”. Era o tesoureiro, não tinha conselho científico, tesoureiro. Aí no fim do mês, ele ia buscar o dinheiro na reitoria, trazia uma mala cheia de dinheiro, fechava a porta, punha os dinheiros todos nos envelopes, ia fazer aquela fila e todo mundo recebia o seu salário. Depois ele falava para gente: “sobrou um dinheirinho e tal, então aquele negócio que você quer e tal”. Aí dava o dinheirinho. O almoxarifado da faculdade tinha papel higiênico, papel para escrever, tinha mimeógrafo, tinha uns vidros, fora disso não tinha nada. Quer dizer, existiam os laboratórios apoiados pela Rockefeller então na Faculdade de Medicina tinha o laboratório de Junqueira, que era riquíssimo porque vinha dinheiro de fora. Todo ano vinha um representante da Rockefeller, chegava lá, via a faculdade, e falava: “Tem algum menino aí importante”? “Tem um menininho aí, o Walter Colli, muito bom...” Pegava ele, bolsa nos Estados Unidos. Isso é o que existia em São Paulo. Agora o Rio já era melhor, porque o Rio pegava o CNPq direto. A gente ia para o Rio de Janeiro, ia visitar o laboratório do Carlos Chagas, um estudo em biofísica, falava: “Ah!" [expressando admiração] Vai agora um paulista, para ver a diferença. E isso deu uma alteração qualitativa fantástica, quer dizer, aí a pesquisa científica foi valorizada como atividade essencial e a pesquisa técnica igualmente, e a pesquisa na área de ciências humanas, a pesquisa em artes. Isso foi uma revolução na universidade, que teve a sua interrupção com o regime militar, passou do Ulhôa Cintra e do Hélio Lourenço [de Oliveira, diretor da Faculdade de Medicina e vice-reitor da USP de 1968 a 1969, quando foi aposentado compulsoriamente e proibido de lecionar] passou para o [Luís Antônio da] Gama e Silva [reitor da USP de 1963 a 1969] durante um tempo, ministro da Justiça na ditadura, mas depois retomou. Depois da democratização veio o José Goldemberg [físico, reitor da USP de 1986 a 1990] e houve uma nova série, uma retomada. E hoje, a situação de pesquisa, não vai falar com "Alberto", tem uma instituição de pesquisas. Agora isso teve uma repercussão nacional, começou aqui, mas agora todos os estados importantes estão criando fundações de pesquisas. Estão alocando recursos importantes para pesquisa na área científica, na área técnica.

Mônica Teixeira: Então o senhor diz que uma coisa que mudou é que a pesquisa se profissionalizou através das agências de financiamentos?

Luiz Hildebrando: Institucionalizou-se através das agências de financiamento.

Mônica Teixeira: Que mais? Qual foi o resultado dessa institucionalização?

Luiz Hildebrando: Nós temos uma massa crítica de cientistas atualmente que é considerável. Nós temos realmente competências em muitas áreas, nas áreas biológicas; nós temos competências, nas principais disciplinas da biologia, das mais avançadas, até as técnicas mais modestas. Isso garante ao país a competência técnica e a competência científica para adquirir uma certa autonomia. Em relação às possibilidades de aplicação, a capacidade de criar ou de ter o seu projeto científico. E você viu agora recentemente esse congresso nacional que houve de ciência e tecnologia tem uma dimensão internacional importante. Quer dizer, o Brasil já se arvora com a possibilidade de ter um plano de desenvolvimento científico para os próximos 10 anos e de começar a fazer investimentos com a criação dos fundos setoriais e as agências que começam a desenvolver. Tem havido um progresso importante nesse setor, agora há deformações evidentemente, uma das deformações é a deformação regional.

Paulo Markun: O Ramiro Carlos Rocha Rebouças do Rio de Janeiro, aliás, aborda o que ele não classifica de deformação, mas imagino que concordaria com essa avaliação, diz o seguinte: os defensores do privatismo do ensino superior defendem um modelo de universidade que é tradicionalmente descompromissado com a pesquisa, com o desenvolvimento científico, apenas repetidora de conhecimentos desenvolvidos fora de seus limites e totalmente voltadas para formar profissionais de rápida absorção pelo mercado de trabalho. O senhor que trabalha na avaliação desse grupo numa pequena e emergente universidade federal em Rondônia, se sentiria à vontade para trabalhar como professor, pesquisador numa universidade privada dentro do modelo das universidades brasileiras privadas? E ele pergunta o seguinte: as universidades públicas francesas são inviáveis por serem públicas?

Luiz Hildebrando: Pelo contrário, as únicas universidades que são viáveis na França são as públicas e que concentra 90% da pesquisa talvez. Eu acho que esse tipo de problema devia se inverter, para dizer: há um preconceito quanto à universidade privada? Eu não tenho. Se a universidade privada realmente realizasse aquilo que ela se propõe a realizar, o problema que é criticável nas universidades privadas, escolas privadas universitárias, é que elas aparentam ser um ensino universitário de vanguarda, mas não têm e não investem, não têm estruturas capazes de realmente participar do processo de elaboração do conhecimento. Então ficam puros transmissores de informações livrescas atrasando ou renovando o que se fazia há 30, 40, 50 anos no Brasil nas próprias universidades públicas e ainda com menor competência. Então não é um problema de ter preconceito contra as universidades privadas. Se elas forem capazes de desenvolver uma atividade de competência e de investimento em área de ciência e tecnologia com pesquisa, muito bem. Mas na verdade, o que se verifica é que não existe isso. A pesquisa científica e tecnológica se faz no Brasil essencialmente nas instituições públicas, nas federais e nas estaduais.

Paulo Markun: Quais as avaliações que o senhor faz sobre as universidades públicas brasileiras?

Luiz Hildebrando: Eu acho que existem boas, médias e ruins. Mas isso, eu acho que é um dos problemas das universidades brasileiras, o problema do contraste regional em particular. Nesse sentido é que eu acho que existe uma responsabilidade cidadã do país em termos de uma república federativa, uma responsabilidade das universidades de vanguarda, das universidades de qualidade, como é o caso da USP, como é o caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como é o caso da Federal de Minas Gerais, como é provavelmente, em certos casos, Universidade Nacional de Brasília e a do Porto Alegre, essas são talvez as melhores, algumas outras também de Curitiba, não sei, não conheço tão bem. Eu acho que essas universidades têm um dever cidadão cívico de contribuir para a elevação do nível de conhecimento de capacitação das outras universidades públicas do país, sejam elas estaduais ou federais. E nesse sentido nós temos uma experiência importante em Rondônia, porque nós estamos trabalhando na Universidade Federal de Rondônia, que é uma universidade muito fraquinha, muito pobre ainda, mas com uma grande colaboração das universidades, da Universidade de São Paulo, não inteiramente, mas departamentos como da bioquímica, das ciências biológicas e de outros setores; da genética de Ribeirão Preto, nós temos setores da biologia molecular e isso tem um impacto fantástico.

Mônica Teixeira: Mas o impacto é em Rondônia, professor, ou é na Universidade de São Paulo? Quer dizer a Universidade de São Paulo também se beneficia?

Luiz Hildebrando: Aí é uma boa questão. Eu acho que existe um impacto mútuo. Os professores da Universidade de São Paulo, os professores da universidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, os professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro que têm vindo a Rondônia colaborar nesse trabalho, ficam encantados. Ficam encantados com o quê? Com o potencial de vontade que têm os alunos, os jovens lá de Rondônia de progredir. Então a necessidade, essa atitude deles tem encantado um grande número de professores que vem lá para passar uma semana, duas semanas, um mês. E de um certo modo, eu tenho impressão que tem generalizado um pouco, em várias dessas áreas, o interesse por iniciativas desse tipo.

Alessandro Greco: E é fácil levar esses pesquisadores? Ou eles são muito reticentes em sair de São Paulo e ir até Rondônia?

Luiz Hildebrando: A reticência em se instalar de uma maneira mais permanente em Rondônia é bastante grande. O que se entende, o que se pode entender. Não há reticências em uma colaboração limitada em tempo, isso aí temos encontrado uma certa facilidade. Agora para isso há necessidade de recursos e nesse sentido nós temos obtido um apoio grande da Capes nesse sentido, Ministério da Saúde também. Mas seria mais do que isso, ao meu modo de ver, necessário um desenvolvimento também mais político de projetos. Quer dizer, o problema da solução do desenvolvimento científico e tecnológico de áreas como Rondônia e da Amazônia em particular, não é um problema que interessa só aos amazônidas, é um problema que interessa ao país de uma maneira em geral. Então esse tipo de mentalidade em que se entenda qual é a função da universidade, que não é só a de olhar para o próprio umbigo, não só olhar para a sua própria região, seu próprio ambiente limitado, mas ter a noção ou a atitude de ver os problemas a um nível nacional. Porque o problema de saúde, o problema de educação na Amazônia ou no Nordeste... porque existe este êxodo rural permanente com a imigração e a formação dessas massas de favela, de periferia. Porque esse pessoal vem de zona rural onde eles são inteiramente desassistidos. Não é que eles são desempregados nessa região, eles são produtores, mas os produtores não têm acesso aos cuidados básicos de saúde e não participam das vantagens do conhecimento atualizado na área médica, na área biológica, na área de saúde pública. Quando eles vêm para São Paulo e vão para periferia ou quando vão para a favela do Rio de Janeiro, eles têm cesta básica, vai no centro de saúde, se ficar doente, vai no hospital. Tem muito melhor cuidados e assistência médica e odontológica do que o produtor que está na zona rural, muito mais. E isso é um problema nacional. Agora para isso resolver o problema da saúde pública rural, que esse era o grande objetivo do Samuel Pessoa, quer dizer o objetivo dele era problemas brasileiros de higiene rural dos anos 40, eu acho que não mudou tanto, mudou relativamente às regiões, mas os problemas brasileiros de higiene rural e de saúde pública da área rural, para mim, são problemas estratégicos da nação brasileira. E aí eu diria, não é só na saúde, é também na agricultura, é também na pequena indústria, é também em todo um processo, é também na área de ciências humanas, na organização desse tipo de sociedade, que são grupos. Então isso exige uma participação intelectual da academia. Todo mundo vai dizer, mas isso é problema político, é problema que os políticos têm que resolver. Mas os políticos só vão resolver isso se a academia for capaz de analisar os problemas e propor soluções que os políticos têm que encaminhar.

Paulo Markun: Eu tenho que pedir o intervalo, mas eu queria só encaixar rapidamente a pergunta do doutor Henrique, de Porto Velho, que é médico psiquiatra. Ele diz exatamente o seguinte: o senhor não acha que o governo de Rondônia tem pouca sensibilidade em relação a esse trabalho? Ele diz que já viu o senhor duas vezes na biblioteca do Centro de Pesquisas e pouco vê a divulgação sobre a sua dedicação. "Só fui duas vezes na biblioteca e nessas duas vezes o senhor estava lá". [risos]

Luiz Hildebrando: Respondo ou não respondo?

Paulo Markun: Responde, por favor. Ele [o governo de Rondônia] tem pouca sensibilidade?

Luiz Hildebrando: Nós estamos na expectativa de que o governo do estado de Rondônia, ele está nos prometendo isso, inaugure um instituto de apoio a pesquisas em patologias tropicais. Está nos prometendo terreno para construção desse instituto. Nós obtivemos um projeto do Oscar Niemeyer para fazer esse instituto, que tem por finalidade o apoio à pesquisa em várias áreas das patologias tropicais, tanto na área médica, como na área agrícola, na área de patologia e também nas áreas de ciências humanas. E nós temos encontrado da parte do governador muita boa vontade nesse sentido. Não há grande concretização atualmente de apoio à ciência, apoio à atividade científica, mas não se pode dizer que é um problema de responsabilidade do governo, é um problema de estrutura da sociedade que ainda não amadureceu o suficientemente. Então as assembléias legislativas, a própria sociedade não têm ainda a maturidade de compreender em profundidade a importância do investimento nessa área. Mas eu tenho a impressão que tem havido avanços, através da Unir [Universidade Federal de Rondônia], através dos processos de formação em pós-graduação, tem havido, através dos contatos. E nesse sentido eu tenho impressão que programas como este que nós estamos fazendo aqui são úteis para, de certo modo, mobilizar um pouco o setor político administrativo do estado de Rondônia.

Paulo Markun: Como o programa Roda Viva é exibido em Rondônia, fica aí a sugestão, não digo só do professor Hildebrando, mas de toda a bancada. A gente volta já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: O Roda Viva está de volta, esta noite entrevistando o cientista Luiz Hildebrando. O livro do senhor, Crônicas da nossa época, que é delicioso de ler inclusive, Editora Paes e Terra, recomendo com entusiasmo. Tem crônicas muito interessantes sobre a sua passagem, inclusive por um navio-prisão, e pela sua prisão logo após o golpe de 64, se não me falha a memória, quando eles acharam que aquelas reuniões que se faziam na faculdade era subversão pura, e na verdade vocês estavam reunidos para trabalhar a ciência. E há um detalhe muito curioso que eu queria que o senhor relatasse, que é como que o senhor conseguiu obter o documento do processo judicial que o senhor estava submetido naquela circunstância.

Luiz Hildebrando: Eu relato isso num capítulo de crônicas que se chama “O processo”, porque foi uma história verdadeiramente kafkaniana. Então nós queríamos ter acessos a informações, mas tudo secreto. O nosso advogado era o Cesário Junior, professor de Faculdade de Direito. Aí nós falamos: “Professor, o senhor não quer nos credenciar para nós irmos como agentes ou como funcionários seus no Tribunal Militar lá?” Naquela situação, “porque não”, então ele nos autorizou, “fulano de tal, fulano de tal são meus funcionários”. Nós fomos e é aquela coisa bem brasileira, né? Chegou lá, tinha um sub-oficial que tomava conta de toda a documentação do processo, então encaminhamos a carta do Cesário Junior, ele foi buscar lá, trouxe o processo para gente. E eu tinha levado uma máquina fotográfica que o Farques que era da [empresa fabricante de produtos para fotografia] Fotóptica tinha nos emprestado. Fotografamos todos os documentos, secreto, secretíssimo, informação confidencial e tal, ficamos com a informação. E vimos, inclusive, que tudo isso tinha partido de uma carta anônima, que era de uma biologista que trabalhava comigo que tinha nos denunciado, a todos nós. Então essa foi a tomada do conhecimento que nós tivemos do processo e aí foi terrível, porque aí nós ficamos tomando conhecimento de todos os professores e funcionários que tinham agido nos denunciando, os oito indiciados, que eram oito professores da faculdade, depois foram demitidos. É interessante isso porque se a gente olhar a trajetória dos professores da faculdade que foram demitidos, em 64 e em 68, coincide exatamente não com um setor comunista, subversivo, caracterizado ou preciso. Não, tinha alguns comunistas no meio, mas tinha gente completamente liberal, inclusive de direita até, que foi demitido ao mesmo tempo. Mas na verdade, coincidiu com o grupo que liderava as reformas na faculdade, em termos de transformar a faculdade realmente, não apenas em uma faculdade de transmissão de conhecimento, mas ligada com a pesquisa científica, que é o caso do Isaías Raw [(1927-), médico e bioquímico brasileiro], que é o caso do [Michel Pinkus] Rabinovitch [médico e livre docente da USP desde 1953], que é o caso do Pudles [Júlio Pudles, foi professor do Departamento de Bioquímica da Faculdade de Medicina da USP a convite de Isaías Raw, mas em 64, teve seus direitos políticos cassados].

[?]: Alberto Carvalho da Silva.

Luiz Hildebrando: Alberto Carvalho da Silva.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Professor, o senhor estava agora há pouco relatando o “golpe de Estado” como o senhor chamou a eleição do reitor Ulhôa Cintra. Nós estamos agora passando um processo de eleição para reitor aqui na USP, e esse período todo que o senhor passou fora do Brasil, houve uma mudança significativa na forma como se escolhe reitor aqui no Brasil. Como é que o senhor acha que deve ser a escolha de reitor? Nos Estados Unidos são headhunters [caça-talentos] que procuram a pessoa mais competente; na França não sei como é. Aqui no Brasil alguns defendem uma eleição em que professores, estudantes e funcionários tenham o mesmo peso para votar. Como é que se deve escolher o reitor de uma universidade na sua opinião?

Luiz Hildebrando: Na França é designado pela administração, uma função puramente administrativa. Aqui no Brasil, em função de todo processo da ditadura militar, em que havia um arbítrio total em relação às nomeações das autoridades e dos responsáveis, houve uma reação, em sinal contrário, de excessivas, não democratização, mas liberalização do sistema de escolha que, numa universidade, não pode ser por assembléia geral, evidentemente. Nós estamos sofrendo com isso, não em São Paulo, menos, mas no Rio de Janeiro, terrivelmente, na Universidade Federal, sofremos isso na Frei Cruz, sofremos isso em várias instituições, que ainda não conseguiram realizar um certo equilíbrio nessa participação, que é obrigatória, da comunidade na administração das universidades, a participação. Mas é lógico que teoricamente, a designação, a escolha de representantes ao nível da reitoria ou da direção dos institutos, devia obedecer muito mais a critérios de ordem de competência profissional e científica do que simplesmente uma satisfação de um corpo eleitoral. Agora, na verdade, nós temos que conviver com essa situação desde que ela reflete uma reação positiva, democrática a uma situação precedente. Mas eu tenho a impressão que nós temos que evoluir progressivamente para um desenvolvimento de outros métodos para a escolha do responsável da administração.

Mônica Teixeira: O senhor diria que funcionários e docentes das universidades são corporativistas, professor, nas nossas universidades públicas?

Luiz Hildebrando: Eu acho que as instituições... Eu vejo, por exemplo, uma diferença fundamental entre as atitudes. Eu sou USP antigo, o meu avô foi professor e diretor da Escola Politécnica; um tio meu foi professor e diretor da Escola de Arquitetura, minha irmã foi professora de física. Tenho um cunhado que é professor de matemática, eu tenho um sobrinho que é professor de matemática na USP. Eu sou USP, quer dizer, eu sou USP de quatro gerações. Então a minha afeição, o meu sentimento em relação à USP é de participante. Agora eu acho que a diferença, por exemplo, que havia entre a Associação dos Auxiliares de Ensino que nós fundamos, nós fundamos a Associação dos Auxiliares de Ensino da Universidade de São Paulo nos anos 50.

[?]: 56.

Luiz Hildebrando: 56, precisamente. O primeiro presidente foi o Alberto Carvalho da Silva, que depois foi presidente da Fapesp. Então existiam preocupações de carreira, existiam preocupações de salário, existiam essas preocupações. Mas existia uma preocupação profunda de política universitária, de funções da universidade, e como eu disse, em relação à promessa da criação da Fapesp, um dos elementos fantásticos, fundamentais foi a pressão que foi feita pela Associação Educacional de Ensino que fez sitting na Assembléia Legislativa de apoio à criação, porque a criação da Fapesp estava prevista na Constituição de 47, aliás, por emenda que foi feita pelo Mário Shemberg [(1914-1990), físico brasileiro de projeção nacional], e o Caio Prado Júnior [(1907-1990), político e historiador brasileiro] que era da bancada comunista em 47. E isso ficou no papel até 60, até a vitória da eleição do Cintra, que aí então é que desencadeou. Mas a participação do setor acadêmico em relação à Associação dos Auxiliares de Ensino foi muito importante.

Mônica Teixeira: Então o senhor está dizendo que há corporativismo na USP?

Luiz Hildebrando: Eu acho que hoje, se nós olharmos a atitude da associação dos docentes [Adusp], ela é muito mais corporativista. Ela se preocupa essencialmente com questões de salários, de situação dos professores, ou então uma situação de contestação à instituição, quer dizer, é uma atitude entre o radicalismo e uma atitude... Então eu acho que isso é observado em todas as instituições nacionais ou acadêmicas, essa evolução corporativa, eu acho que é um elemento negativo que nós temos que...

Walter Colli: Posso fazer uma pergunta? Eu queria mudar um pouco o foco da coisa e ampliar a situação em Rondônia. Há dois anos, precisamente há dois anos, nós estávamos almoçando, você e eu, o Erney e o Isaías Raw, numa tentativa de talvez usar a estrutura que você implantou em Rondônia para fazer testes adicionais para vacina de hepatite B, a vacina recombinante para engenharia genética, feita pelo Instituto Butantan. Depois perdi contato porque saí do instituto. Aquilo prosperou? Quer dizer, é possível dar um parecer aqui em primeira, um furo aqui para o Markun, vamos dizer assim, vacina recombinante do Butantan funciona, de hepatite B?

Luiz Hildebrando: Você está puxando um assunto delicado.

Walter Colli: Por quê? Não é boa?

Luiz Hildebrando: É ótima. Não tenho nenhuma restrição de falar sobre ele, embora com uma certa precaução, porque não são claras as histórias. A produção de vacina recombinante de hepatite B pelo Butantan é um passo importantíssimo no setor industrial. É a primeira vez que uma vacina de segunda geração, terceira geração é produzida no país, o que significa a possibilidade de utilização de toda essa tecnologia para todo setor farmacológico e imunobiológico. Então é uma vitória técnica. Agora na hora que o Butantan produz essa vacina do hepatite B, que devia contar com o apoio nacional de todos os setores, do Ministério, da Secretária de Saúde, houve, paradoxalmente, uma invasão do mercado da hepatite B, da vacina de hepatite B produzida pela Smithkline. Nunca se vacinou contra a hepatite B, a não ser grupo de risco direto, e de repente ficou inundado o mercado de..., quer dizer, aí o problema dos ensaios...

[?]: Sem necessidade, professor?

Luiz Hildebrando: Não, há necessidade. Por que essa necessidade que existiu há 50 anos, 60 anos só apareceu...

[?]: Só apareceu agora.

[?]: É uma coincidência estranha.

Walter Colli: Por que não se usou a vacina que custava 8 reais?

Luiz Hildebrando: Porque evidentemente nesse processo na hora que o Butantan produz, houve uma diminuição de preço, como é que chama isso, um  dupping, do custo da coisa, aí se importou em massa.

Mônica Teixeira: Então a vacina da Smithkline foi oferecida mais barata que a vacina do Butantan, é isso?

Luiz Hildebrando: Que o custo da produção da vacina do Butantan. E mais do que isso, se inventou uma vacinação maciça de toda população brasileira, que não pode ser feita. E nós, em Rondônia, nós tínhamos proposto a Isaías de utilizar, nós utilizamos em uma pequena população, de amostra pequena, com resultado muito positivo de imunização, de viragem sorológica e depois propusemos realizar um estudo maior que era perfeitamente, eticamente possível, porque nós temos médico na zona rural, nós temos enfermeiro na zona rural, temos uma equipe técnica para seguir, para fazer esse segmento. Propusemos isso e, em vez de haver uma grande satisfação do serviço técnico, houve restrições do serviço federal, ligados com problema nacional de imunizações, nós tivemos dificuldades de fazer isso, tivemos que insistir muito, tivemos que brigar para poder fazer isso e estamos realizando. Mas houve fenômenos muito estranhos nesse sentido. Eu tenho a impressão que existe realmente, como dizem os espanhóis [referindo-se às bruxas], “no lo creo, pero que las hay, las hay”.

[vários respondem]: Las brujas.

Paulo Markun: Mas tudo com vassoura bem equipada, são umas bruxas bem...

Luiz Hildebrando: Bruxas modernas!

Erney Camargo: Luis, tem um problema que está muito em foco aqui em São Paulo, que é o problema das fundações. Você teve esse problema, nós tivemos, você conseguiu recursos de várias fontes em Rondônia, mas tinha grande dificuldade de agilizar e mobilizar esses recursos. Qual foi a solução que você encontrou para Rondônia ou pelo menos para o seu serviço?

Luiz Hildebrando: Nós criamos uma fundação, que chama-se Instituto de Apoio à Pesquisa e Patologias Tropicais, IAP4, que chama. Que permite fazer convênios com o governo federal, com o governo estadual, com o governo municipal ou com o setor privado para recursos. Por que nós somos obrigados a fazer isso? A nossa instituição faz parte da Secretaria da Saúde de Rondônia, mas não é uma unidade orçamentária. Então se eu consigo recurso da OMS, como nós conseguimos, estamos com 150 mil dólares da OMS, não tem uma conta que eu posso pôr no nome da instituição, do centro de pesquisa, isso vai para a Secretaria da Saúde. Agora 150 mil dólares na Secretaria de Saúde, ele vai dizer que tem milhões de coisas, de prioridade, antes da pesquisa, evidentemente o dinheiro some na hora e assim por diante. Então nós fizemos isso e agimos como uma sociedade, como uma instituição privada de interesse público sem fins lucrativos. Temos um conselho consultivo, temos um conselho de curadores, um conselho fiscal e esperamos ter uma situação inteiramente aberta da análise das nossas..., nós temos, já tivemos uma investigação do Tribunal de Contas no local que veio ver a situação. Eu acho que nas situações da Constituição Brasileira, da legislação brasileira, nós vamos ter que ser obrigados a criar instituições desse tipo, fundações desse tipo, porque senão os fundos de ordem orçamentária terão sempre restrições em termos de licitações, em termos de concorrência, em termos de tempo. Nós tivemos recursos que vêm por via direto federal para comprar, por exemplo, carros para o trabalho de campo. Quando vem por recurso federal, nós demoramos um ano porque há concorrência, então vence... Toyota venceu, aí o Mitsubishi impugna aquela dizendo que foi mal feita, então começa tudo outra vez. Então demoramos um ano, o recurso de dinheiro presente, governo federal já tinha pago e demorou um ano para ter esse carro. Mesma coisa com instalação elétrica. Então esse tipo de, na situação atual, eu tenho a impressão que é necessário. Agora acontece que tem havido, sem dúvida, no nível nacional abusos enormes nesse sentido, porque esse tipo de instituições tem sido usadas, esse tipo de fundação tem sido usada por instituições federais ou estaduais de várias regiões para encobrir transferência de recursos para pagamento de professores, de técnicos, para melhoria de salário, e inclusive para obtenção de vantagens pessoais, assim por diante. Quer dizer, o que eu considero como essencial é que esse tipo de fundação seja submetido a uma regulamentação estrita com obrigatoriedade de uma transparência total.

Mônica Teixeira: Professor, fora da área mais estrita de saúde pública com a qual o senhor está mais familiarizado, mas também na área de saúde, está ocorrendo em todo mundo uma situação em que a universidade no Brasil e fora do Brasil, as universidades estabelecem várias formas de associação com a empresa privada, há vários exemplos disso. O senhor acha que o cientista se envolver com questões que são mais propriamente do mundo, vamos dizer, econômico, deslustra o cientista, professor?

Luiz Hildebrando: Absolutamente, absolutamente.

Mônica Teixeira: Absolutamente sim ou não?

Luiz Hildebrando: Absolutamente não. Nós estamos atualmente com recursos do Conselho Nacional de Pesquisa e da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] para desenvolver um setor de biotecnologia relacionado com o imunobiológico, lá em Rondônia. Porque temos a pretensão de criar um setor industrial de vanguarda com produção de anticorpos monoclonais ou do que se chama da técnica do feixe de laser para identificação e caracterização de vírus das doenças emergentes, nós precisamos especificar isso. Então isso é uma pesquisa por enquanto de nível científico, que vai passar por nível tecnológico na hora, inclusive, nós estamos com colaboração, vamos ter colaboração do Instituto Pasteur, que vai mandar uns técnicos para cá para formar, treinar gente no campo monoclonal, em feixe de laser e coisas desse tipo. Nós vamos começar a produzir reativos, a partir do momento que nós temos reativos, temos monoclonais, algo que é utilizado e pode ser utilizado comercialmente, quer dizer, é um produto para o mercado, eu tenho a impressão que não é mais uma função que tenha que ficar com a universidade nem com a instituição de pesquisa, ele tem que criar algo de diferente. Então o governo federal, a Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], criou uma coisa chamada Bio-Manguinhos [O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos é a unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz, que produz e desenvolve imunobiológicos para atender às demandas da saúde pública], mas que continua sendo federal; o estado de São Paulo tem o Butantan, aí tem que criar uma Fundação Butantan. Então eu tenho a impressão que tem que existir nesse setor uma grande inventividade, uma grande criatividade para criar instituições, que tenham o caráter privado, que possam ter ou não interesse lucrativo, mas essencialmente que tenha interesse social de utilidade daquele tipo de produto, em que a instituição use a própria legislação no sentido de ter as patentes, de ter as participações, de ter os recursos, de ter as vantagens, mas não vai transformar a instituição de pesquisa em uma firma comercial para produção.

Mônica Teixeira: Vários mecanismos desse tipo que o senhor está citando estão previstos na nova lei de inovação...

Luiz Hildebrando: Exatamente.

Mônica Teixeira: Que muda, vamos dizer, a relação do...

Luiz Hildebrando: Eu acho um progresso isso, acho que é um progresso, é um grande progresso.

Mônica Teixeira: Porque flexibiliza a relação, o senhor acha que precisa facilitar a relação do aparato científico?

Luiz Hildebrando: A experiência passada de estrutura do próprio instituto Butantan, de transformar o Instituto Butantan ao mesmo tempo, num órgão de ciência e de pesquisa e comercial, de comercialização do produto foi um fracasso, quer dizer, isso teve que ser mudado. O Instituto Pasteur era assim nos anos 60, aí fizeram Pasteur produção, Pasteur científico e pesquisa... depois teve que criar algo mais importante ainda, Pasteur Mérieux, uma firma estritamente privada, no qual o Instituto Pasteur é acionário majoritário, então tem lucro porque vem para o instituto através da produção industrial daquela firma, que é uma firma privada e que se desenvolve com uma atividade puramente de estrutura privada. Eu acho que isso tem que ser usado, esse tipo de instrumento, porque senão não vai se progredir realmente nas aplicações que são necessárias na nossa área.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Professor, no belíssimo último capítulo do seu livro, o senhor recorda a história do Monteiro Lobato, da Narizinho, do casamento da Narizinho, da dona Aranha, que era uma princesa que foi transformada em aranha, depois uma fada boa resolve que ela pode ser o que ela quiser, ela resolve continuar aranha. O senhor termina dizendo que o senhor resolveu continuar comunista. O que é ser comunista no século XXI?

Luiz Hildebrando: Eu diria que, em primeiro lugar, esse continuador dos grandes ideais dos humanistas do século XVIII, que lutaram pela liberdade, pela fraternidade e pela igualdade. O movimento comunista introduziu isso, acrescentou a isso, como ideais, a natureza de uma igualdade através da eliminação das estruturas de opressão social representada pelas classes dominantes e pelas classes exploradas. Esse processo levou a um impasse e um certo recuo da sociedade, e não chegou a ser obtido. Quer dizer, eu tenho a impressão que o movimento comunista, historicamente, levou a várias conquistas sociais, quer dizer, deu como subproduto a social-democracia que depois levou a vários progressos da sociedade humana em termos de melhoria dos equilíbrios sociais e melhoria das condições das camadas dos setores produtivos da sociedade. Mas eu diria finalmente que em relação a esse ponto - ser comunista - é ter essa convicção que tem o  [Eric] Hobsbawn [(1917-), marxista e um dos mais importantes historiadores britânicos]  no livro dele sobre o aumento dos contrastes, dos grandes conflitos. Em que ele diz que “para a humanidade, se ela pretende ter um futuro, qualquer que ele seja, é necessário que ele não repita as estruturas sociais que manteve até agora, em termos da desigualdade e dos desequilíbrios sociais. Porque se ele não for capaz de fazer isso", diz Hobsbawn, "são as trevas”. E nós vemos hoje, depois que a União Soviética foi inteiramente eliminada do cenário histórico como uma nação que tem uma certa vanguarda, e certas perspectivas de vanguarda e evolução social. Depois dessa evolução, que as sociedades humanas estão encontrando formas de conflito entre elas, através do que se vê atualmente, baseadas em diferenças de ordem ideológica, religiosa, de estruturas sociais, de estruturas culturais que precisam ser resolvidas. Então simplesmente eu tenho a impressão que com a continuidade dessas proposições que nós herdamos do século XVIII, do Humanismo, da Revolução Francesa e das proposições gerais do movimento comunista internacional, que propunha eliminação das desigualdades sociais ou um controle dessa desigualdade, senão eu tenho impressão que isso continua sendo objetivo da sociedade e um objetivo, digamos, dos setores esclarecidos da sociedade.

Paulo Markun: Nosso tempo está acabando, mas a última pergunta. Se o senhor não continuasse comunista, o senhor tinha continuado em Paris e não tinha ido para Rondônia? Porque o senhor começou o programa dizendo que não se tratava de caridade.

Luiz Hildebrando: Não se tratava de caridade.

Paulo Markun: Mas tem a ver com a sua opção ideológica?

Luiz Hildebrando: Em termos da racionalidade sim, em termos de uma racionalidade, quer dizer, eu continuo dizendo que a razão pela qual eu estou em Rondônia, fui para Amazônia, Rondônia é um caso particular. A razão pela qual eu estou em Rondônia se inspira de razões de ordem racional. Quer dizer, eu, com a minha formação de cientista, para mim o desafio que representa toda a problemática de uma região, como a região amazônica, é uma fonte de uma grande curiosidade, de estímulo intelectual que eu acho que só pode ser resolvida através do investimento intelectual, e no qual a ciência, e o setores de ciência do qual eu participo, tem um papel muito importante a ser desenvolvido.

Paulo Markun: Se eu não estou enganado, os comunistas costumavam ser otimistas. O senhor é otimista?

Luiz Hildebrando: Eu acho que sou otimista, sim. Sou otimista, e já que você falou nisso, eu gostaria de lembrar grandes figuras comunistas da Universidade de São Paulo, como o Mário Schenberg, o Caio Prado, que foram os que criaram, de certo modo, a idéia da Fapesp; o [João Batista] Vilanova Artigas [1915-1985)], que foi um dos grandes arquitetos, e o Samuel Pessoa [(1898-1976), médico parasitologista] que foi, talvez, um criador de toda uma escola de saúde pública, que não se limitou à Universidade de São Paulo, mas que teve um desenvolvimento de nível nacional e de nível internacional.

Paulo Markun: Professor Hildebrando, muito obrigado pela sua entrevista. Boa sorte nas suas pesquisas. E nós voltamos na próxima segunda-feira às 10h30 da noite. Uma ótima semana e até segunda.

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