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Memória Roda Viva

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Fernando Cesar Mesquita

26/1/1987

Casos de corrupção e irregularidades nos órgãos públicos vêm à tona nesta entrevista com o ex-secretário de Imprensa do governo Sarney

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Programa ao vivo

Rodolpho Gamberini: Boa noite. Nós estamos começando mais um Roda Viva, o programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo. Esta noite o nosso entrevistado central é Fernando César Mesquita, o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão, ex-porta-voz da Presidência da República. Para participar deste programa, entrevistando Fernando César Mesquita, estão conosco Jorge da Cunha Lima, o secretário de Cultura do estado de São Paulo; Hélio Bicudo, jurista; Joyce Pascowitch, jornalista e colunista da Folha de S. Paulo; Marcelo Rezende, que deveria estar ali naquela cadeira que por enquanto está vazia, porque o Marcelo Rezende está tendo problema, ele está voando do Rio de Janeiro para São Paulo, e esse problema todo de inundações na nossa cidade hoje atrasou a chegada do Marcelo, que deve estar por aqui daqui a pouquinho. Também está conosco Jorge Escosteguy, jornalista da revista Isto É; Ruy Castro, jornalista; Luiz Fernando Emediato, jornalista do jornal Estado de S. Paulo, e Ricardo Kotscho, jornalista do Jornal do Brasil. Fernando, para começar, então, a nossa conversa, você era porta-voz da Presidência da República, porta-voz do presidente Sarney, e teve uma série de... Em meio a alguns entreveros, teve problemas com alguns ministros e no final teve um problema um pouco mais grave com um órgão do governo que você disse que era um antro de corrupção, ou qualquer coisa parecida, acusou um órgão do governo de ter casos de corrupção... E daí você saiu do cargo de porta-voz da Presidência da República e foi presidir a Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão.  Você foi promovido?

Fernando César Mesquita: Eu não interpreto como uma promoção, eu acho que foi um deslocamento para uma área de atuação do governo que eu acredito que faz muito mais o meu gênero do que ser secretário de imprensa.

Rodolpho Gamberini: Por quê?

Fernando César Mesquita: Eu acho que o meu temperamento não se coadunava muito, não era muito compatível com o cargo de secretário de imprensa. Vocês podem dizer: “Você descobriu isso muito tarde”, eu acho que há muito tempo eu já tinha descoberto.

Rodolpho Gamberini:Mas qual é o problema? Qual a diferença entre o Fernando César Mesquita e a pessoa ideal para o cargo de porta-voz?

Fernando César Mesquita: Eu acho que um secretário de imprensa, porque eu tenho dito e repetido, que não existe essa figura do porta-voz. Isso é uma ficção, ficção criada pela imprensa, a imprensa gosta de criar mitos, destruir mitos, e nunca houve oficialmente essa figura de porta-voz. Existe o secretário de imprensa.

Ricardo Kotscho: O senhor agora é um ombudsman, ouvidor geral da República, é também jornalista e advogado. Quando você vai para um hotel, vai preencher a ficha lá na portaria, está escrito: profissão, você escreve o que ali? 

Fernando César Mesquita: Eu escrevo jornalista, é a minha profissão, sou jornalista desde quinze anos de idade, eu tenho 48 anos, tenho muito orgulho de ser...

Ricardo Kotscho: Se o porteiro pergunta para você o que você faz, o que você responde para ele?

Fernando César Mesquita: O que eu faço, hoje? 

Ricardo Kotscho: Isso.

Fernando César Mesquita: Defendo o cidadão contra o Estado...

Jorge Escosteguy:E se ele cobrar ágio [valor extra cobrado pelo empresário sobre título, bem ou serviço visando repor perdas devido à desvalorização da moeda] na sua conta do restaurante, por exemplo?

Fernando César Mesquita: Eu encaminho uma queixa à Sunab, se a Sunab não tomar providência, eu peço ao presidente [da República] para demitir o superintendente da Sunab.

Jorge Escosteguy: Você acha que o ouvidor pode ser alguém membro do governo, principalmente alguém que já foi assessor próximo, íntimo do presidente da República? O melhor não seria uma entidade representada pela sociedade civil, fora do governo, para poder ter isenção, inclusive, de atacar o governo, ou criticar o governo quando for o caso?

Fernando César Mesquita: Não há nenhum entendimento para que o Congresso Nacional, que é a Assembléia Nacional Constituinte, crie a figura do ombudsman. Agora eu acho que quando o presidente Sarney criou a Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão e me entregou a presidência dessa comissão, ele sabia o que estava fazendo. Eu acho que o governo se auto-limitou, eu acho que o presidente criou condições para que se estabelecesse a transparência que ele acha que deve ter o governo.  Eu acredito que eu vou fazer um trabalho sério, aliás, eu acho que já estou fazendo um trabalho sério.

Jorge da Cunha Lima: Em outros países do mundo, essa figura do ombudsman, sobretudo nos países altamente desenvolvidos, é, quando há, vez ou outra, uma violência à dignidade de um cidadão. Como você vai exercer essa profissão num país em que a violência à dignidade do coletivo é tão grande, e que você tem milhares de crianças morrendo de fome todo dia? Como é essa sua função diante desse quadro em que o cidadão violentado é uma endemia e não um caso isolado?

Fernando César Mesquita: Bom, problema social, problema grave, injustiça, sempre teremos. A humanidade caminha à procura de ideais, tem sido desde os primórdios das civilizações. O que existe a respeito do ombudsman é, realmente que a figura do ombudsman tem alguma semelhança com esse cargo que foi criado agora. Mas o ombudsman originalmente criado na Suécia, em 1809, se multiplicou pelos dados que eu disponho, 77 países já adotaram a figura do ombudsman, ou alguma coisa parecida. E essa figura inicial do ombudsman que é um cidadão eleito pelo parlamento por um mandato não definido, e que tem gerência sobre todos os outros poderes - o legislativo, o executivo e o judiciário - ele hoje, na própria Suécia, hoje já existe o ombudsman eleito pelo parlamento, e o gabinete escolhe mais três ombudsmen que são pessoas do governo.  A Noruega tem, a Finlândia tem, na África tem, essa figura já existe, inclusive, a nível regional e a nível municipal em vários estados. Portanto, quando eu ouço a crítica de que o ombudsman deveria ser eleito pelo parlamento, eu acho que é perfeitamente razoável. Agora, isso não impede que o governo procure, desde já, encontrar meios e modos de facilitar a vida do cidadão e procurar dar meios para que ele se defenda desse ente poderoso.

Jorge da Cunha Lima: A questão que eu coloquei não é a validade de ser ou não, é como você vai cobrar do governo quando, às vezes, o próprio governo violenta a dignidade do cidadão no sentido coletivo.

Fernando César Mesquita: Olha, existem muitas teorias, muitas teorias do Estado, o professor Bicudo aqui conhece todas elas muito bem, direito administrativo...  Mas o que se quer é chegar ao cidadão através de pequenos casos ou de grandes casos. Eu tenho criticado muito o governo, porque o presidente que é um homem batalhador, começa a trabalhar sete horas da manhã, vai até uma hora da manhã, todo dia, da madrugada e todo dia, ele não consegue fazer a máquina do governo funcionar. Não adianta lançar um grande projeto, um projeto fantástico, maravilhoso, quando chega lá no cidadão, que é o terminal, o efeito terminal não funciona.  Não funciona por razões políticas, por incompetência administrativa, por emperramento da máquina, então o que nós vamos fazer? Se tem uma queixa a fazer de algum interesse seu que foi esbulhado na área do governo, se nós resolvermos seu caso, isso serve de exemplo, isso é uma medida pedagógica, uma ação preventiva que pode levar aos setores de governo mais empedernidos contra o cidadão, que discordam dos métodos do governo, a aceitarem que o governo quer realmente realizar alguma coisa de útil.

Rodolpho Gamberini: Fernando, deixa eu só colocar uma coisa que eu esqueci de colocar na abertura do programa, além de todas as pessoas que eu citei aqui e que estão participando da entrevista com você, o Paulo Caruso, que está aqui em cima, é cartunista e está fazendo charges do cenário todo, ainda bem que ele não me vê, ele só vê você de frente. A mim, ele só vê o meu cabelo por trás. E nós estamos de vez em quando mostrando as charges. Mas no comecinho do programa, você começou responder, o pessoal começou a falar de ombudsman, mas queria que você voltasse um pouco à questão do porta-voz, que você disse que você não é a pessoa, você não se sente porta-voz... Você ia falar [referindo-se a Ruy Castro]? Vamos passar para o Ruy Castro e ele toca o assunto, que ele estava nessa linha de resposta naquela hora.

Ruy Castro: Eu acho interessante que você disse que o porta-voz é uma ficção da imprensa, você então foi um personagem fictício durante um ano e meio?

Fernando César Mesquita: Não, eu fui secretário de imprensa e divulgação da Presidência da República. Eu sempre respondi aos jornalistas quando eles vinham com essa história do porta-voz, eu falava: “Eu não sou porta-voz, eu sou um repórter temporariamente a serviço do poder”. Porta-voz você cria porque você quer valorizar a notícia. Eu sempre disse para os repórteres: “Vocês me pedem as informações, eu vou lá no gabinete do presidente, peço esclarecimento ao presidente, como eu posso pedir a qualquer ministro do governo e trazer de volta a vocês, como eu posso dar aqui as minhas opiniões pessoais”. Quando eu falo em nome do presidente, eu vou e digo - tenho as gravações - : “Estou falando aqui em nome do presidente, o presidente mandou dizer isso e aquilo.” Agora, os meus colegas jornalistas sempre gostam de valorizar a matéria. Então, eu dava uma declaração e no outro dia saía: “O presidente Sarney declarou ontem isso, isso e aquilo.” Mas isso não é o presidente Sarney, eu deixei claro que era eu que estava dizendo, vocês me pediram a informação, mas isso faz parte...

Ruy Castro: Mas seja como for, você, tranquilamente, apesar de ser conceituado como uma coisa diferente, você na realidade está falando em nome da Presidência da República? 

Fernando César Mesquita: Nem sempre, nem sempre...

Ricardo Kotscho: No caso do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que provocou a sua saída, que deu aquele rolo todo, você estava falando da corrupção no Incra em nome do presidente ou em seu nome pessoal? Porque quando você assumiu o novo cargo de ouvidor, o primeiro caso que você levantou e falou que ia denunciar, era também no Incra. E a gente sabe que a administração pública está cheia de corrupção em todos os cantos... Nesse caso como é que foi?

Fernando César Mesquita: O caso do Incra, eu não estava falando em nome do presidente, nem poderia chegar porque seria até uma contradição eu falar, o presidente dizia que havia corrupção e incompetência num órgão do governo, do qual ele é o presidente, e não demitir as pessoas, seria meio absurdo. Ali eu estava falando em nome pessoal, quando eu declarei que o Incra era um antro de corrupção e incompetência, eu estava, na verdade, assinando meu pedido de demissão, porque eu sabia que o presidente não teria condições de demitir o diretor do Incra.

Ricardo Kotscho: Por que essa preocupação com o Incra, Fernando?

Fernando César Mesquita: Não, a minha preocupação não é com o Incra, eu sou, sempre fui, desde quando assumi a posição de secretário de imprensa, sou o maior crítico dentro do governo. Dada as minhas relações de amizade com o presidente, ele me permitiu sempre a liberdade de criticar internamente o governo. Então eu sempre discordei de muitas medidas, de muitas decisões que o governo tomou, mas discordei, critiquei, briguei, até o momento em que o presidente tomou. A partir do momento em que o presidente tomou aquela decisão, eu fico ao lado do presidente, por um dever de lealdade, por uma questão profissional.

Ruy Castro: Suponha. Você é secretário de imprensa, você faz uma denúncia grave como essa, no caso do Incra; você é transferido, promovido no serviço, você disse que não achou uma promoção. Inclusive para a função de ouvidor da República que poderia se chamar de orelhão da nova República; significa que você continua sacramentado na nova República, mas as suas denúncias não ficaram em branco. Quer dizer, ou a sua denúncia é verdadeira e a direção toda do Incra tinha que ser demitida, ou sua denúncia é falsa e você não poderia ser promovido, transferido.

Fernando César Mesquita: Olha, o Incra...

Luíz Fernando Emediato: A corrupção no Incra que o senhor denunciou, quer dizer, o senhor denunciou a corrupção no Incra. A corrupção no Incra, que é órgão do governo, é uma violência contra o cidadão. O senhor agora está num cargo de investigar essas reclamações de violência contra o cidadão. No caso específico do Incra, que providência no seu novo cargo o senhor tomou?

Fernando César Mesquita: Bom, eu, no caso do Incra, quando eu disse que o Incra era um antro de corrupção, não sabia o que estava dizendo. Uns 20 dias depois, o Incra começou a desovar os inquéritos e revelou que setenta e tantas pessoas tinham sido demitidas. Eu acho que ainda existe corrupção no Incra, agora, eu acredito que o ministro Dante de Oliveira e o presidente do Incra estão empenhados em investigar, em descobrir o que é que existe realmente. Eu acho que minha denúncia não foi uma denúncia que se perdeu; toda imprensa registrou as declarações do procurador geral do Incra, relatando os casos de corrupção, as investigações em curso, as denúncias e os fatos envolvidos.

Luiz Fernando Emediato: Bem, nesse caso específico do Incra também um funcionário do Incra devolveu as acusações, acusando o senhor de fazer tráfico de influência. Nesse caso quem investiga, já que não tem outro líder? 

Fernando César Mesquita: O caso do Incra comigo foi um típico caso que se observa hoje no governo. Eu sei de inúmeros casos de corrupção no governo, tenho depoimentos pessoais de pessoas que...

Luíz Fernando Emediato: O senhor sabe? 

Fernando César Mesquita: Mas as pessoas têm medo de fazer a denúncia oficialmente, de apresentar documentos, de apresentarem provas, com medo de que salpique alguma coisa para elas, porque hoje a máquina é tão bem-montada, é quase uma coisa mafiosa. Então um cidadão respeitável tem medo de chegar e apresentar uma denúncia, como eu tenho denúncias de pessoas que têm gravação com fitas de tentativas de extorsão. Mas as pessoas estão com medo de entregar as fitas porque elas acham que na hora que aparecer o nome delas no jornal, elas vão aparecer salpicadas.

[?]: Mas se o senhor tem conhecimento disso, o senhor não acha que é seu dever como cidadão e membro do governo de poder tornar isso público, inclusive dando os nomes?

Fernando César Mesquita: Eu tenho procurado fazer isso, tenho procurado dar nome aos bois. No caso das denúncias que me têm chegado, eu tenho procurado encaminhá-las a quem de direito...

Ricardo Kotscho: Vamos aproveitar aqui e já antecipar. Quais são os outros antros de corrupção que você já descobriu nessa nova função? 

Fernando César Mesquita: Não é que existam antros de corrupção. Na função que eu exerço, eu queria lembrar para vocês, quando eu assumi a secretaria de imprensa, eu passei a ler, criei um serviço para ler os jornais do país inteiro, do Acre ao Rio Grande do Sul. E eu tenho um serviço de recortes - tinha um serviço de recortes porque não sou mais secretário de imprensa, hoje esse serviço de recortes passou para minha comissão. Então, nós líamos as cartas de leitores publicadas no país inteiro, desde o jornalzinho do Acre até o jornalzinho do interior do Rio Grande do Sul. Nós líamos uma média de 40 jornais por dia. Denúncias que eram publicadas nos jornais, matérias jornalísticas, além das cartas de leitores. Por ordem do presidente, todas essas denúncias, as denúncias contidas nessas cartas, e as denúncias contidas nas matérias jornalísticas, nós mandávamos uma cópia para o órgão do governo, ao qual estava afeto o assunto, ou então para o ministro ao qual aquela repartição estava jurisdicionada. E nós tivemos alguns resultados; eu tenho alguns exemplos, no caso de uma companhia de navegação do Pará, que foi publicado no jornal do Pará, que determinado diretor estava envolvido em corrupção. O ministro dos Transportes recebeu esse recorte nosso e imediatamente tomou providências, e dois meses depois, foi feito um inquérito, comprovadas as denúncias, esse diretor foi demitido. Agora na importação de leite, alguns casos, no porto de Santos, estavam algumas toneladas de leite lá apodrecendo há dois meses,  foi também o  jornal de Santos que nós...

Ruy Castro: Quer dizer que o cidadão então continua precisando desse intermediário que é jornal para se dirigir ao poder? [Ruy Castro continua falando, e Fernando César Mesquita fala ao mesmo tempo]

Fernando César Mesquita: Não, não, nós recebemos 1500 cartas, além do jornal, estou falando, esse comportamento nós tínhamos já na Secretaria de Imprensa. Então nós acompanhávamos todos esses casos e pedíamos providências ao ministro por ordem do próprio presidente que não queria nenhuma zona de sombra do governo. Estou dizendo que isso nós já fazíamos na Secretaria de Imprensa. Quando eu fui para a Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão, eu apenas ampliei, porque agora nós temos uma média de 100 cartas por dia, além de telefonemas e de pessoas que nos procuram. Então, estou fazendo uma coisa que eu já vinha fazendo, era uma atividade que eu já vinha desenvolvendo com muito prazer, que era fiscalizar o governo por ordem do presidente. Agora, as pessoas confundem um pouco, o governo não é um ente homogêneo.

Ruy Castro: O atual ou? Longe disso, parece...

Fernando César Mesquita: Não, nenhum governo é homogêneo. O governo é um ente muito complexo, muito complexo, é uma máquina muito difícil.

Ricardo Kotscho: Mas o povo só acredita mesmo nesse trabalho, que o senhor está fazendo, começando agora, no dia em que um figurão for para cadeia, porque a gente houve falar de um monte de denúncias, mas ninguém vai para cadeia.

Fernando César Mesquita: Mas acontece que não estou só apenas apurando denúncia de irregularidades, não estou apurando apenas falcatruas. Nós estamos investigando e pedindo providências até para pequenos problemas que atrapalham a vida do cidadão comum, que é o mau atendimento nas repartições públicas, que é aquilo que se convencionou chamar a venda de... a criar dificuldades para vender facilidades. Então, o que há hoje, o que se observa é que o cidadão não merece nenhum respeito perante os órgãos públicos, ele é tratado muito mal, é tratado como marginal. Principalmente se for pobre, é capaz até de levar um pontapé.

Hélio Bicudo: Fernando, eu tenho a impressão, da maneira pela qual foi criada essa comissão, de que nós estamos pondo em risco, como no Brasil já se fez muitas vezes, uma grande idéia. Exatamente porque essa comissão não tem a representatividade que ela deveria ter perante a população para que ela não apenas ouvisse ou encaminhasse, mas que ela atuasse. Eu acho que o governo federal desprezou a existência de uma instituição que existe no Brasil, que é o Ministério Público, e que, na verdade, é o Ministério Público  que faz - não apenas nas grandes cidades, onde se burocratiza um pouco, mas nas pequenas cidades, as funções do ouvidor geral, do ombudsman - e com a competência para atuar. Ora, a sua comissão não tem competência para atuar, por exemplo, junto ao Judiciário, não tem competência para atuar junto aos órgãos policiais.

Fernando César Mesquita: Não, não policiais estaduais, mas policiais federais...

Ruy Castro: Mas os direitos das pessoas são feridos não só a nível federal, mas também a nível estadual.

[vários falam ao mesmo tempo]

Fernando César Mesquita: Eu queria, eu queria... Eu sou muito...

Hélio Bicudo: Eu tenho a impressão, sabe Fernando, que se as coisas tivessem outro tipo de encaminhamento, aliás, a última conferência da Ordem dos Advogados que se realizou em Belém, estudou essa questão do ombudsman, do ouvidor geral, ou que nome tenha, no sentido de que é aquele que recebe as queixas do povo, e procura restabelecer o direito. Porque se não há essa atitude do restabelecimento do direito, quer dizer, a atuação da comissão vai se esgotar, vamos dizer assim, num vazio.

Fernando César Mesquita: Professor Hélio Bicudo, eu gostaria de fazer alguns esclarecimentos a respeito. Eu considero os seus pontos e a sua opinião, mas eu acho que essa iniciativa é uma iniciativa válida. E isso eu já respondi aqui anteriormente, essa iniciativa não inibe, o governo não tem condições de impedir, até estimula que a Constituinte crie a figura do ombudsman, do chefe defensor do povo, como tem na Espanha. Isso não impede, o Congresso pode criar órgãos com poderes para fiscalizar o executivo, o legislativo e o judiciário, como existe... Agora... [alguém tenta interrompê-lo] Só um minutinho para eu terminar o meu raciocínio... Eu acho que quando a Presidência da República cria um órgão dessa natureza com os poderes que concedeu a essa comissão, eu acredito que é uma iniciativa que merece elogios, porque o presidente, ao assinar esse decreto, basicamente, ele vai defender o cidadão de erros, omissões e irregularidades praticados pelo governo contra o cidadão. Então, isso não quer dizer que o Ministério Público vai deixar de atuar, o Ministério Público continua atuando. Agora, existe a teoria e existe a prática, e eu sou muito pragmático. O Ministério Público tem uma média de 10 mil processos, está com 10 mil processos para examinar. Com 10 mil processos na Procuradoria Geral da República para ser em distribuídos.

Hélio Bicudo: Fernando, isso é uma questão de estrutura. 

Fernando César Mesquita: Eu sei, mas aí é que está. Enquanto se remove essa estrutura, enquanto se modifica o país, nós vamos atuando. Agora o Roberto Campos [(1917-2001), foi diplomata, presidente do BNDE, embaixador, ministro do Planejamento, senador e deputado federal, escritor premiado, considerado ícone do pensamento da direita brasileira, foi da Academia Brasileira de Letras], nas poucas vezes em que ele disse uma frase inteligente [risos], ele disse que existe opinião pública e existe opinião publicada. Então, há no Brasil, o vezo [costume vicioso] de você ir condenando - eu vejo muito isso na imprensa - você vai condenando, vai fazendo juízo de valor, vai fazendo uma apreciaçãonegativa - não há nenhuma crítica ao senhor nisso - antes de ver na prática se aquilo funcionou ou não. Eu já resolvi, resolvemos na Comissão, cerca de dez casos interessantes. Eu acho que a opinião pública, dentro de dois ou três meses, ela é que vai dizer se funcionou ou não, se está funcionando ou não, e nós vamos nos submeter a esse julgamento da opinião pública. Quando foi criada a figura do ombudsman, o Jornal do Brasil fez um editorial contra, o Estadão fez um editorial contra, a Folha de S. Paulo fez um editorial contra. E muito num julgamento apriorístico, e os casos que nós resolvemos, os jornais não deram, não divulgaram. Então eu acho que há uma prevenção quase contra o governo, porque o governo criou isso, e isso poderia ser melhor se fosse pelo Congresso, mas eu acho que Congresso pode criar. Queria dar um depoimento, sou jornalista no Congresso desde 1963 e eu batalhei muito pela regulamentação do artigo 72 da Constituição, que dispõe sobre a fiscalização dos atos, da fiscalização financeira e orçamentária. Depois, junto com o senador Mauro Benevides, nós batalhamos pela regulamentação do artigo 45, que dispõe sobre os atos do poder executivo. Esses dois dispositivos constitucionais foram regulamentados depois de uma luta tremenda, e são muito mal utilizados, são muito mal utilizados. Pode-se argumentar que durante vinte anos o Brasil viveu numa ditadura, o Congresso não podia atuar contra o regime militar, não tinha condições políticas. É verdade, essa é a realidade. Mas não atuou, então nós temos um Ministério Público que poderia fazer, mas a realidade brasileira é que você tem injustiça em toda parte. É como eu lhe falei, tem dez mil processos na Procuradoria Geral da República para ser... Então, não é o procurador, o Ministério Público que tem casos muito graves para resolver que vai se preocupar com o cidadão aí que está sendo ...

Hélio Bicudo: [interrompendo Fernando Mesquita] Veja bem Fernando, o meu receio é que de uma idéia que eu acho boa, que é de uma instituição servir de ponte entre o cidadão e a Justiça, que ela se desfaça por dificuldades até de funcionamento.  Eu acredito...

Fernando César Mesquita: Eu acredito que não vá não, porque na hora que ...

Hélio Bicudo: [interrompe Fernando Mesquita] Você tem um Brasil inteiro, quer dizer, eu não sou favorável, por exemplo, a se criar um ombudsman em Brasília. Eu acho que a figura do ombudsman pode ser e deve ser criada a nível dos estados. E utilizando toda uma infra-estrutura que já existe, volto a falar no Ministério Público. Agora, por exemplo, eu vou citar a você um caso, e que levo a você como uma denúncia. É o caso, por exemplo, de Presidente Venceslau [cidade do estado de São Paulo], onde foram chacinados 14 presos, em flagrante desrespeito a qualquer tipo de direito que se possa pensar no mundo, porque eram homens já rendidos, alguns que participaram no movimento, e a maioria que não participou do motim, que foram trucidados naquele local por servidores públicos do estado de São Paulo. Então, isso é uma denúncia da maior importância para que o ombudsman tome tento sobre ela e procure fazer chegar a Justiça no lugar onde ela deve estar.

[outro entrevistador começa a falar ao mesmo tempo que Fernando Mesquita]

Fernando César Mesquita: Esse caso dele, como eu estava falando, o ombudsman, na Suécia, tem poderes, o primeiro ombudsman original tem poderes para interferir, tem gerência sobre os governos federal, estadual e municipal. E pode também intervir em casos na ordem do poder executivo, do judiciário e do legislativo. Mas lá ele tem um status completamente diferente; no nosso caso, é o poder executivo federal, a máquina administrativa federal que está sendo fiscalizada por uma comissão do governo federal. Então, nesse caso, eu realmente não poderia atuar porque isso é um assunto da competência do governo estadual. Mas os casos que nós temos para examinar na área da administração federal já são muitos. Mas isso não quer dizer que a comissão não deixa de se pronunciar sobre assuntos que estão na área estadual ou então até sob júdice. Nós temos recebido cartas de presos, de presidiários que estão já com a pena cumprida, estão com a liberdade condicional já concedida e ainda não foram liberados por causa da burocracia. Mesmo correndo risco de haver uma interferência indébita em uma outra esfera de poder, nós temos, cautelosamente, feito gestões junto aos conselhos.

Hélio Bicudo: Fernando, permita-me que lhe chame de Fernando porque eu acho que aqui eu sou o mais velho de todos. Pois bem, mas o que eu acho é o seguinte, é que se esgota a sua atuação apenas na solicitação. Eu acho que...

Fernando César Mesquita: Nós temos tomado iniciativas.

Hélio Bicudo: Ela deveria ter ido muito mais longe.

Fernando César Mesquita: Nós estamos com 1500 cartas, estamos recebendo 100 cartas por dia. Por aí você pode ter uma idéia do que existe de problemas e de mazelas neste país, de injustiça, de burocracia, de incompetência, de burrice, de má-fé. Então, nós temos que trabalhar inicialmente com essas pessoas que estão tendo confiança no nosso trabalho e que precisam de uma resposta, e elas vão ter uma resposta.

Rodolpho Gamberini: Fernando, você como ouvidor, tem que ouvir bastante. Eu gostaria que você ouvisse, agora, uma pergunta de um telespectador que ligou para cá, o senhor Márcio Antônio Angelim, ele é presidente do Grupo de Proteção do Boto Tucuchi da cidade de Vargas. Ele disse o seguinte: “Tenho provas de que a Sudep [Superintendência de Desenvolvimento da Pesca] é o maior exemplo de empreguismo e corrupção do governo Sarney. Eu escrevi uma carta ao presidente Sarney no dia 9 de dezembro de 1985, portanto há mais de um ano, ele me respondeu que minha denúncia tinha sido encaminhada através do ofício Ceape n° 70.125, ao Ministério da Agricultura e até hoje não houve nenhuma providência.  A Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão é para valer ou não passa de mais um engordo do presidente Sarney à população?” Pergunta do senhor Márcio Antônio Angelim. Depois você vai receber todas as perguntas dos telespectadores.

Fernando César Mesquita: Eu posso assegurar ao senhor Márcio Antônio Angeli, que a comissão não é um engodo. Ela pode não ter os poderes suficientes para resolver todos os problemas nacionais e também não me arrogaria a essa pretensão de querer resolver os problemas brasileiros. Mas eu posso assegurar que qualquer denúncia será investigada com isenção, e as providências serão exigidas do governo. Isso é um compromisso que eu assumo e é um compromisso do presidente da República que agora, recentemente, na Conversa de Pé do Rádio, na sexta-feira, voltou a conclamar o povo brasileiro a denunciar, a reclamar, a protestar. Ele disse: “O governo não pode fazer tudo, o presidente não pode ver tudo que está acontecendo no governo. Então, denunciem, reclamem, façam suas queixas à Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão.” Quando o presidente assume esse compromisso de público, ele está empenhado em que os problemas e as denúncias, as reclamações, as queixas que chegarem à comissão, elas tenham seqüência, tenham desdobramento, e haja realmente medida punitiva.

Rodolpho Gamberini: Fernando, quando foi decretado o Plano Cruzado número 1, houve denúncias de cadeias de supermercado que remarcavam preço, nós víamos práticas ilegais todos os dias, nós víamos abusos de pessoas muito conhecidas, muito famosas, não tem ninguém na prisão, não tem ninguém condenado, não tem nenhuma pessoa importante neste país na cadeia. Você conhece o nome de alguma pessoa importante que esteja presa?

Fernando César Mesquita: Eu conheço algumas que deveriam estar presas e não estão.

Rodolpho Gamberini: Eu conheço inúmeras; certamente o Ricardo outras, o Rui, o Marcelo, doutor Hélio, a Joice, todos nós conhecemos. Você conhece alguém que esteja preso? Alguém? Uma só, uma só... São 130 milhões de pessoas, e todas elas devessem estar na cadeia. Por que é que nós devemos acreditar que sua comissão vai funcionar? 

Fernando César Mesquita: Porque ela está dotada de instrumentos para funcionar. A comissão é constituída por um procurador da República, por um consultor da República, por um membro do gabinete militar da Presidência da República, por um técnico da Secretaria de Administração e por um representante do Gabinete Civil, que sou eu. Essa comissão é subordinada diretamente ao presidente Sarney. Eu acredito que quando um presidente da República empenha a palavra dele, quando ele diz que essa comissão é para funcionar e declara, peremptoriamente, que os casos serão apurados, que as denúncias serão levantadas, eu acredito que você não pode duvidar da palavra do presidente da República. Agora, os casos anteriores, se chegarem denúncias sobre eles, nós vamos apurar. Agora, eu queria dar aqui um depoimento que foi uma coisa que me deixou muito contristado. Na última reunião ministerial - aliás, eu gostaria que o professor Bicudo prestasse atenção a isso - o doutor José Paulo Sepúlveda Pertence, o procurador geral da República, nessa reunião do Ministério, uma parte reservada, ele disse que a Procuradoria Geral da República, o Ministério Público estava encontrando dificuldades para abrir processos, abrir inquéritos contra pessoas notoriamente conhecidas por atos de corrupção praticados no governo ou fora do governo, porque eles estavam se arriscando a passar atestados de inocência a corruptos, a marginais, tal a estrutura legal que existe hoje no país. 

Rodolpho Gamberini: A estrutura aparentemente legal ou...

Fernando César Mesquita: Não, a estrutura jurídica, as leis existentes no país são de moldes a favorecer gente assim. Então houve vários casos em que a Procuradoria abriu o inquérito, abriu os processos e não conseguiu provar, deu atestado de inocência a pessoas sabidamente corruptas, porque não tinha como, materialmente, não tinha como chegar. Embora se tivesse provas testemunhais, você tivesse informações, tivesse até provas documentais, as pessoas estão livres aí. Então, o receio de passar esse atestado de inocência a ladrões está levando o governo a ter uma certa inibição, enquanto não se mudar a legislação no país, você não vai...

Hélio Bicudo: Mas Fernando, se o governo tinha, se o Procurador Geral da República tinha depoimentos e tinha outros tipos de provas, é uma questão de vontade, de se proceder...

Fernando César Mesquita: O senhor sabe que não é só... Abre-se o processo, mas na hora da decisão, a justiça é independente.

Hélio Bicudo: Mas eu acho que o Ministério Público tem obrigação de abrir.

Fernando César Mesquita: Sim, mas ele tem obrigação de abrir e tem aberto...

Hélio Bicudo: Depois a questão do julgamento é uma questão do Judiciário.

Fernando César Mesquita: E tem aberto, mas os casos, os precedentes são desastrosos. O Ministério Público...

Hélio Bicudo: Eu acho que também é uma questão vontade...

Fernando César Mesquita: Olha, doutor Bicudo...

Hélio Bicudo: Eu não quero fazer crítica a determinadas pessoas, mas no caso da Procuradoria Geral da República, quantas omissões ela já não tem praticado, de pouco tempo para essa parte, no período eleitoral? Por exemplo, quando se põe uma lei de contornos evidentemente incondicionais, como é a lei da distribuição do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão, o Procurador Geral da República de braços cruzados!

Marcelo Rezende: Fernando, só para acabar, eu cheguei aqui meio atrasado, talvez fica aqui a minha primeira queixa contra a ponte aérea. Pena que eu não sei se pega. Mas vai cair a qualquer hora...

Fernando César Mesquita: Aliás, os aviões são concessionários de serviço público, então as queixas também contra atrasos, e os transportes interurbanos também são concessionários de serviços públicos. A comissão também vai examinar queixas, denúncias, reclamações relacionadas com concessionários de serviços públicos.

Marcelo Rezende: Mas eu cheguei, cheguei aqui a meio do caminho... E portanto não peguei o início do programa, mas eu cheguei a pegar, sim, uma parte quando se falava do ouvidor geral, o que era, o que emanava, num parlamento como na Suécia, e o que era escolhido pelo executivo para fiscalizar o próprio executivo. Ora, o que me faz ater ao seguinte. No caso de uma grande denúncia que envolva um ministério importante, em que nesse ministério a pessoa envolvida seja uma pessoa de confiança do ministro, como ficará o ouvidor geral? Nós tivemos o  exemplo agora do Incra, e quando na verdade houve um embate do ministro com o porta-voz, o ministro continua, apesar daquela fumaça de que o ministro sairia, o porta-voz foi deslocado para o ouvidor geral, escolhido pelo executivo. Num caso desse, você acredita que terá força, então, de um enfrentamento com um ministro ou com alguém de importância para o ministro? 

Fernando César Mesquita: Eu repito aqui...

Jorge Escosteguy: Posso dar um exemplo, Fernando, por favor? Um caso recente e atual, as denúncias de favorecimento à TV Bahia do ministro Antônio Carlos Magalhães [conhecido também como ACM, político baiano, foi um dos mais influentes nomes do cenário político brasileiro durante mais de quatro décadas, mantendo-se como força atuante em governos dos mais variados matizes ideológicos, desde o regime militar e depois da abertura política. Foi governador, deputado e senador e ministro. Faleceu, aos 79 anos, em 2007]. Que providências o ouvidor da República pode tomar nesse sentido?

Fernando César Mesquita: Se houver uma, se for formalizada... Porque o caso, a comissão, ela está regulamentando também direito de representação e direito de petição previsto, direitos previstos na Constituição. Se houver uma representação, uma petição, se for formalizada uma representação ou uma petição, nós vamos examiná-la. 

Marcelo Rezende: Mas politicamente você se crê, hoje, já no cargo de ouvidor, com forças suficientes para enfrentar, como disse bem, esse caso? 

Jorge Escosteguy: Você acabou de dizer que agiu com base em noticiário de jornais, dos jornais que você leu do Acre ao Rio Grande do Sul.

Fernando César Mesquita: Sim, eu estava falando quando eu era secretário de imprensa, era um serviço que nós criamos, não havia a comissão, eu apenas já fazia um serviço. E o que eu disse aqui é que nós estamos dando prioridade inicialmente às pessoas que nos escreveram. Nós recebemos 1500 cartas, estamos recebendo uma média de cem cartas por dia, além das pessoas que nos telefonam, as pessoas que nos procuram, então, nós temos que dar resposta a essas pessoas que têm problemas graves, problemas maiores ou menores, dos mais variados, e que nos procuraram, que manifestaram confiança no nosso trabalho. Então, nós estamos querendo resolver com uma estrutura que nós estamos montando, uma estrutura ainda precária, nós estamos querendo devolver a essas pessoas a confiança que elas nos depositaram nessa comissão. Então, nós não estamos tomando a iniciativa de investigar outros casos além daqueles que estão chegando, porque se nós formos deixar de lado esses e formos procurar outros que não nos representaram, que não veio uma representação, estamos de alguma maneira esbulhando [ato de expropriar à força] essas pessoas. Agora, se alguém fizer uma representação formal, uma petição sobre esses casos da TV Aratu, nós teremos, seremos obrigados a investigar.  Não é que eu queira ou deixe de querer não, eu sou obrigado, o decreto fala em erros, omissões, abusos de autoridade.

Marcelo Rezende: Você se acredita com força suficiente para prosseguir um caso contra o ministro Antônio Carlos Magalhães? 

Fernando César Mesquita: O problema não é o ministro Antônio Carlos Magalhães ou o ministro A, B ou C. Se alguém fizer uma petição, fizer uma representação, apresentar, encaminhar dados, provas, o que for; fizer, protocolar, mandar para comissão uma representação sobre isso, nós somos obrigados a investigar.

Hélio Bicudo: Mas Fernando, isso não é um formalismo exagerado? Porque uma denúncia publicada pela imprensa com esse conteúdo não pode ser ignorada.

Fernando César Mesquita: Não, nós estamos investigando também casos publicados pela imprensa, quando eles são gritantes, nós vamos imediatamente investigar. Agora, nesse caso, uma comissão de deputados da Bahia, uma comissão de deputados dederais, deputados federais e senadores, esteve com o presidente da República e pediu que o presidente interferisse. Até  o presidente é muito amigo do senador Luiz Vianna que é dono da TV que perdeu a concessão. O presidente falou: “Olha, se os senhores me provarem que houve alguma ilegalidade - não estou defendendo a priori, estou repetindo -  se vocês me provarem que houve alguma ilegalidade, se houve algum ato escuso nesta transferência de concessão de renovação, de concessão da TV Globo para TV Aratu, eu tomaria as providências.”.

Luiz Fernando Emediato: Mas aí o problema é que certas coisas são legais, mas não são éticas. Nesse caso aí parece que não há ilegalidade nenhuma...

Jorge Escosteguy: A TV Globo pode fazer que o  quiser com a filmagem, ela vende para quem bem entender...

Luiz Fernando Emediato: O problema é uma questão de ética, de moralidade pública.

Fernando César Mesquita: Sim, aí é que está. Eu não estou entrando no mérito, estou dizendo, repetindo é que se alguém fizer uma representação, formalizar uma representação à comissão, nós vamos agir. Agora, depois que o presidente declara a esses parlamentares que está disposto a receber as provas, os documentos que comprovem que houve, até razões éticas desrespeitadas aí, eu não posso tomar a iniciativa de fazer isso.

Rodolpho Gamberini: Fernando, por favor, a Joyce Pascowitch da Folha de S. Paulo gostaria de fazer a próxima pergunta para você.

Joyce Pascowitch: Fernando, você disse que é amigo do presidente Sarney. Eu queria saber se essa intimidade sua com o presidente Sarney fez com que você não perdesse seu emprego mais cedo, e na hora de perder seu emprego, quer dizer, você foi transferido para outro. Você acha que o fato de você ser amigo do Sarney não tem nada a ver com isso?

Fernando César Mesquita: Eu não nunca considerei minha função de secretário de imprensa um emprego.

Joyce Pascowitch: Uma função!?

Fernando César Mesquita: Eu me identifico com a Nova República. Eu tenho um histórico, eu participei da campanha do Hélio Beltrão [(1916-1997), advogado, economista e administrador público brasileiro, ex-ministro de dois governos do período militar e pioneiro na defesa da simplificação administrativa e dos direitos do cidadão diante do Estado], candidato a candidato, que era uma aventura meio quixotesca. Como eu sou quixotesco, eu entrei na campanha do Hélio Beltrão, e obviamente não teve sucesso, porque não havia realmente condições dele chegar a bom termo nisso. E entrei na campanha do Aureliano [Chaves, (1929-2003), engenheiro, político e professor, foi vice-presidente da República e governador de Minas Gerais], que já era uma costura entre Beltrão e Aureliano. Eu sou amigo de Aureliano desde 67, porque eu fiz a cobertura do Congresso durante muitos anos, então eu conheço bem Aureliano, que é um homem muito sério. Então quando eu fui trabalhar com Beltrão, eu disse: “Doutor Hélio, eu vou fazer essa campanha para o senhor porque realmente eu acho que é uma aventura fazer isso. Mas se na hora que o vice-presidente Aureliano Chaves for candidato, eu vou entrar na campanha dele”. Então ele disse: “Tudo bem, porque eu também, na hora que ele for candidato, eu desisto de ser candidato e vou apoiá-lo”. Como a candidatura do Aureliano não deu certo, então começamos a costurar aquela aliança democrática, foi quando eu fui cair na aliança PMDB/PFL, cujo candidato a vice era o senador José Sarney a quem conhecia há muitos anos. Então, há um projeto político meu, um projeto meio idealista, até meio infantil, mas eu entrei nisso. E o presidente sabe que realmente eu não queria, não estava à procura de um emprego, ele conhece o meu temperamento, eu não iria ficar calado. E isso eu falei desde o primeiro momento, que eu não iria ser um secretário de imprensa convencional. E ele sabia disso. Então, o fato de eu ter sido deslocado da Secretaria de Imprensa para a Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão, não foi para me manter empregado do governo, foi para me dar um trabalho mais compatível com os meus ideais. Eu acho que este trabalho de ouvidor -  apelido que deram de ouvidor -  ele vai me dar muito mais dor de cabeça do que o trabalho de secretário de imprensa.

[vários querem fazer uma pergunta e falam ao mesmo tempo]

Ricardo Kotscho: Queria só completar uma coisa que eu gostaria de saber, Fernando. Há um ano atrás, no começo do governo Sarney, o senhor ajudou numa reportagem sobre um dia na vida do presidente, né?

Fernando César Mesquita: Aliás, como ajudou você naquela famosa matéria sobre as mordomias, que até hoje criou a palavra mordomia.

Ricardo Kotscho: Faz mais de dez anos... Mas naquele dia, eu acompanhei o dia do trabalho do presidente, senti o presidente muito tenso, e às vezes até inseguro no começo do governo dele. Depois veio o Plano Cruzado, a euforia do Cruzado. Aí com o Cruzado Dois inverteu tudo, começou a ser muito criticado pela imprensa, críticas contundentes. Você que priva da intimidade do presidente, como ele reage a essas críticas, o que ele fala com você? Mesmo quando você era porta-voz e agora, como ele está reagindo nessa nova fase em que ele está sendo atacado violentamente quase todo dia? 

Fernando César Mesquita: Quem senta naquela cadeira ali de presidente da República é obrigado a ter uma visão diferente das coisas. Um presidente da República, como o presidente Sarney, que é um político militante há mais de trinta anos, passou por experiências, foi governador do Maranhão, e um governador com êxito, com muito sucesso. Mudou o estado. [Sobre] Isso há depoimentos até dos inimigos dele. Foi deputado federal no Rio de Janeiro, um dos mais jovens deputados federais, depois foi senador, muito tempo, conhece profundamente o Congresso; é uma pessoa que tem o prazer da conversa, tem o prazer do diálogo político, da informação, trabalha bem a informação. Então, o presidente Sarney, com essa vivência que ele tem, não é mais um político que se empolgue ou que vá à depressão por qualquer bobagem. Ele tem uma dimensão do país. Como eu posso até dar, posso ser acusado de estar dando um depoimento de amigo, mas ele tem uma capacidade de avaliar as pessoas exatamente como elas são. Ele dimensiona as pessoas  como elas são e não como elas gostariam de ser vistas ou como gostariam de ser consideradas, mas ele vê exatamente como elas são, eu tenho visto isso pela experiência que eu tenho. Então ele não se abala, ele trabalha, começa às sete horas da manhã, você viu lá muito bem, tomando café com alguém, ele conversa com as pessoas, ele gosta de conversar, vai para o Palácio e fica o dia inteiro recebendo gente. Ele sabe conversar com as pessoas. Eu acho engraçado que, às vezes, ele está muito bem informado sobre um determinado assunto, e chega uma pessoa e vem contar aquela história para ele, dá todos os detalhes, e ele é incapaz de dizer: “Não, isso não é assim, eu já ouvi essa história, não é bem assim não”. Ele ouve tudo, tim-tim por tim-tim, porque ele quer sempre um detalhe a mais. Ele é acusado, inclusive, às vezes, de vacilante, relutante. Acho que isso é um vício que ficou da ditadura, porque no tempo dos governos militares, os presidentes faziam, tomavam as medidas e não consultavam ninguém, não aceitavam pressão, e aquilo era considerado um gesto de grande capacidade de decisão. Hoje, o presidente para tomar uma decisão, ele avalia, ele ouve as partes, ele aceita pressões, ele modifica quando ele acha que tem que modificar. Então, eu não o vejo como uma pessoa angustiada, eu o vejo como uma pessoa preocupada com os problemas do país.

Ricardo Kotscho: Uma situação preta como esta que estamos vivendo agora, você ouviu o presidente algum dia assim de amargura, ameaçar "pegar o boné" e ir embora, ele chegou a comentar isso com você alguma vez?

Fernando César Mesquita: Não, não, nunca. O que eu percebo nele é que ele tem uma visão, tem uma visão histórica, e sabe o que é que está acontecendo. Então, às vezes, eu vejo, eu mesmo chego com um quadro que, a meu ver, é um quadro que reflete a realidade do país. Então, ele me mostra por A mais B que eu estou completamente enganado. Isso não quer dizer que...

Ricardo Kotscho: Pode dar um exemplo? 

Fernando César Mesquita: ...Que a “ilha da fantasia”, que é Brasília, seja a causa disso não. É porque realmente o presidente tem dados sobre os quais ele trabalha.

Rodolpho Gamberini: Dá um por exemplo para o Ricardo de alguma vez que o presidente tenha feito sua cabeça.

Fernando César Mesquita: Minha cabeça?

Rodolpho Gamberini: É.  No caso de que você estava certo e o presidente te convenceu.

Fernando César Mesquita: Por exemplo, nós temos o caso, o problema dos juros agora, está todo mundo está apavorado com problema dos juros. “Presidente, eu tenho recebido aqui queixas, reclamações de empresariado, telefonam para mim dos estados, juro alto.” Ele falou: “Está bom, você vai num banco e procura comprar uma letra por um ano com esse juro para ver se eles te vendem”. E realmente eu mandei procurar, não tem um banco que faça qualquer negócio por mais de 60 dias, porque eles não acreditam que esse juro vai subir, que esse juro vai permanecer assim. E assim tem vários outros casos que eu tenho chegado... E ele disse: “Não, a realidade”... Porque ele tem informações de todos os setores da sociedade, ele sabe avaliar.

Marcelo Rezende: Fernando, diante dessa angústia que o Ricardo levantou, você que convive lá bem com o presidente, você acredita que o  presidente hoje esteja convicto de que foi um equívoco muito grande se envolver no Cruzado Dois e lançá-lo naquele momento logo após uma vitória eleitoral? 

Fernando César Mesquita: Eu tenho o dever de lealdade, eu posso até discordar da maneira como foi feito o Cruzado Dois, como foi lançado, mas no mérito, eu acho que o Cruzado Dois atingiu alguns objetivos. Eu até cheguei a ser indelicado com o ministro [da Fazenda] Dílson Funaro [(1933-1988), responsável pela implantação do Plano Cruzado], dizendo que... Até que a primeira vez, uma das muitas vezes que eu pedi demissão do governo, foi naquele dia, porque eu achei que não houve nenhuma preparação para divulgação daquelas medidas. E eu disse para a Veja, para o Jornal do Brasil que eu ia embora porque eu não aceitava mais a forma como eram divulgados determinados projetos do governo, e também não aceitava o messianismo do ministro Funaro. Foi um gesto indelicado meu, porque ele não merece isso. Eu fiquei profundamente irritado porque eu sabia que seria desastre em termos de comunicação, em termos de opinião pública, a maneira como se divulgou aquilo.

Marcelo Rezende: O presidente também depois acreditou nisso?

Fernando César Mesquita: Não posso interpretar o pensamento do presidente a esse respeito.

Ruy Castro: Se fosse divulgado de maneira diferente, os resultados teriam sido diferentes também? 

Fernando César Mesquita: Eu acredito que sim, acredito que sim, porque...

Hélio Bicudo: Então não seria uma questão de conteúdo...

Fernando César Mesquita: Acho que se deixou que se cristalizasse o lado aparentemente negativo do Cruzado Dois. Eu acho que houve um erro de avaliação. Acho que se as pessoas tivessem sido suficientemente esclarecidas sobre a realidade, porque estavam sendo adotadas aquelas medidas, eu acredito que as pessoas teriam reiterado sua confiança, a sua fé na administração do presidente.

Marcelo Rezende: Se o presidente tivesse ido à televisão anunciar o Cruzado Dois naquele momento, no auge da popularidade dele, você acredita que teria sido aceito pela população de uma forma diferente? Ou que ele teve uma antevisão e preferiu colocar um ministro lá? 

Fernando César Mesquita: Não, não, eu acredito que se ele tivesse ido à televisão, teria sido melhor.

Marcelo Rezende: Fernando, você foi voto vencido nessa questão? 

[vários falam ao mesmo tempo]

Fernando César Mesquita: Fui voto vencido. Não estou querendo dizer aqui que eu sou bonzinho e os outros são errados. Eu não digo que eu fui... [ele é interrompido]

Marcelo Rezende: Tem muita gente também que não te acha bonzinho, não tem problema.

Fernando César Mesquita: Eu sei disso, aliás, eu não sou bonzinho não. Queria dizer o seguinte, eu fui voto vencido, acho que o presidente deveria ter ido à televisão, mas...

Jorge Escosteguy: Você defendia a divulgação das medidas, antes ou depois das eleições? Porque que elas só vieram depois das eleições?

Fernando César Mesquita: O presidente explicou exaustivamente as razões que o levaram a só divulgar essas medidas depois das eleições. Ele pretendia fazer o anúncio dessas medidas somente no dia 28 de fevereiro, mas o quadro foi se agravando e uma semana antes de eleições houve problemas cambiais graves, e então não havia como segurar mais. Então, ele teve que adotar, logo depois das eleições. Então, foi essa a explicação que o presidente deu...

Ruy Castro: Problemas cambiais já existiam há algum tempo, que os jornais, alguns jornalistas estavam denunciando e que o ministro Funaro desmentia? 

Fernando César Mesquita: Mas no caso houve um agravamento uma semana anterior à eleição.

Ruy Castro: O que o ouvidor da República diria, se um cidadão reclamasse, por exemplo, que as medidas econômicas do governo apenas visam interesses políticos pessoais, ao contrário do que havia na ditadura militar quando era o contrário. 

Fernando César Mesquita: Eu não posso fazer avaliações subjetivas, eu posso trabalhar com dados e fatos, com documentos, não posso entrar em questões...

Rodolpho Gamberini: Fernando... Ricardo, deixa a Joyce fazer a pergunta. Em seguida você faz, por favor, Joyce.

Joyce Pascowitch: Fernando, na opinião do ex-porta-voz da República, eu queria saber quais os ministros competentes e os incompetentes, não do ouvidor?

Fernando César Mesquita: Olha, se eu te responder, vou perder a oportunidade de fazer alguma coisa pelo povo brasileiro, me deixa pelo menos ficar mais uns três meses e fazer alguma coisa.

Joyce Pascowitch: Não vai não! 

Jorge Escosteguy: Com quantos ministros você brigou? 

Fernando César Mesquita: Isso é ficção, eu não briguei com nenhum ministro.

Jorge Escosteguy: Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, te chamou de moleque.

Fernando César Mesquita: Eu nunca briguei! O ministro Antônio Carlos Magalhães, eu até me admiro, ele é muito espontâneo, ele tem coragem de dizer o que pensa. Uma vez ele deu uma entrevista para o Correio Brasiliense, dizendo que tinha esquerdista demais no governo. Eu disse que o governo democrático não pedia atestado ideológico a ninguém, só isso.

Ricardo Kotscho: Fernando, sobre a sua nova função, eu só não entendi uma coisa ainda. Se o cidadão quiser se queixar contra o cidadão Fernando César Mesquita, ele vai se queixar para quem? 

Fernando César Mesquita: Ao bispo. [risos]

Rodolpho Gamberini: Fernando, só uma coisinha... Eu tenho que fazer intervalo agora, na seqüência a gente continua conversando com o Fernando César Mesquita. Nosso intervalo, por favor, a gente já volta. 

[intervalo]

Rodolpho Gamberini: Nós voltamos então com Roda Viva esta noite entrevistando Fernando César Mesquita, o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão. Fernando, quando  em resposta a algumas perguntas anteriores, você disse que queria ser um secretário de imprensa diferente. Depois você disse que o presidente ou qualquer pessoa que senta naquela mesa do presidente da República tem que ter uma visão diferente das coisas. E você disse também que quando foi trabalhar em Brasília como secretário de imprensa - você não gosta do termo porta-voz - como secretário de imprensa, você disse que gostaria de ser um repórter junto aos ministérios, que divulgasse a verdade.

Fernando César Mesquita: Um repórter temporariamente a serviço do poder.

Rodolpho Gamberini: Um repórter temporariamente a serviço do poder! Me diga uma coisa, você trabalhou vários anos como repórter, um repórter publica, tem vontade de publicar, acaba, às vezes, esbarrando na vontade do dono do jornal, mas tem vontade de publicar tudo aquilo que ele levanta. Quando um repórter vai trabalhar para a Presidência da República, ele pode publicar tudo aquilo que ele levanta? Pode publicar tudo aquilo que ele sabe, tudo aquilo que ele conhece, tudo aquilo que ele descobre ou ele passa a ver razões de Estado para não divulgar isso, ver razões políticas para não divulgar aquilo? Ele passa a selecionar as notícias que ele deveria dar como repórter? O repórter não deve nunca fazer isso, a gente aprende isso, o repórter não deve nunca selecionar notícia, não deve interessar, não deve pensar a quem ela vai doer. E quando ele trabalha para o governo, ele passa a pensar assim, ele passa a pesar: “Isso eu não devo divulgar porque vai criar um problema assim ou assado”. O repórter muda a cabeça dele quando trabalha para o governo? 

Fernando César Mesquita: O repórter, no meu caso, não é que ele mude a cabeça, ele tem que aceitar as regras do jogo. Há razões...

Rodolpho Gamberini: Por exemplo, uma das regras do jogo é: há coisas que não podem ser divulgadas?

Fernando César Mesquita: Não, há coisas que ainda, em determinados momentos, não podem ser divulgadas porque ainda estão em fase de elaboração, ainda estão sendo examinadas, ainda estão por ser decididas. Às vezes, há idéias que estão germinando em determinados setores do governo, e que para que elas se tornem realidade, para que elas sejam postas em prática, é necessário que haja uma decisão de governo. E muitas vezes essas idéias, sugestões, estudos, são divulgados como se fossem decisão de governo quando ainda não são. Então, às vezes, eu via meus colegas repórteres, com uma pauta muito boa, aquelas pautas maravilhosas, que têm tudo desde o lead ao sublead, até o final da matéria, só não tem informação. Então, eu sabia que eles estavam na pista certa, mas estavam na pista certa de informação que ainda não era uma decisão de governo, havia estudos sobre aquilo. Eu não podia confirmar porque na hora em que eu confirmasse que aquilo realmente estava em exame no governo, eu estaria precipitando fatos, situações que poderiam prejudicar não a mim, ao repórter ou ao jornal, mas prejudicar a sociedade brasileira.

Rodolpho Gamberini: Agora, alguma vez em Brasília, você trabalhando como secretário de imprensa perdeu o sono por ter deixado de dar uma informação importante, ou ter enganado algum repórter ou ter dado alguma informação não como ela deveria ela ser dada na verdade, e ter “dourado a pílula”, ter enganado alguém? 

Fernando César Mesquita: Não, não, eu nunca perdi o sono. Eu perdi o sono realmente por ter deixado que prosperassem algumas informações do governo que eu deveria ter tido coragem de ter dito: “Olha, isso aqui foi, é grupo, foi montado, veio de determinada área ministerial com o objetivo declarado, uma discussão acadêmica que está sendo lançada.”

Rodolpho Gamberini: Balão de ensaio...

Fernando César Mesquita: Balão de ensaio.

Rodolpho Gamberini: Por exemplo, conta um caso desse para gente.

Fernando César Mesquita: Acho que no próprio Plano Cruzado Dois, eu vi se cristalizar na imprensa tudo que o era negativo no Plano Cruzado Dois. Vinte dias antes de ter sido editado, das medidas terem sido divulgadas, editadas, todo dia vazava para imprensa alguma idéia que estava em estudo, alguma medida que poderia ser editada, mas o presidente não tinha nem examinado, e era apresentada à imprensa como se fosse já uma decisão de governo.

Rodolpho Gamberini: E você acha que era um interesse de alguns grupos defendidos dentro do ministério?

Fernando César Mesquita: É, inclusive vaidades acadêmicas, porque a vaidade, todos sabem aqui, a vaidade intelectual, todos sabem aqui que a vaidade intelectual é a pior das vaidades.

Jorge da Cunha Lima: Você disse que não perdeu o sono, mas a gente, às vezes, perde. Quer dizer, o cidadão brasileiro hoje vive assustado [sobre] qual vai ser o pacote de manhã que o jornal vai publicar. Esta administração por impacto ou por decreto-lei vai continuar por muito tempo? 

Fernando César Mesquita: Não, porque a Constituinte está aí.

Jorge da Cunha Lima: Só a Constituinte vai acabar com esse mau costume? 

Fernando César Mesquita: Acredito que o pacote [conjunto de medidas tomadas pelo governo], essa figura do pacote, eu acredito que não vai ter mais.

Jorge da Cunha Lima: Nem para essas decisões que estão prometendo hoje para depois de amanhã?

Fernando César Mesquita: Eu acho que essas decisões serão divulgadas aos poucos. Eu não acredito que o presidente...

Hélio Bicudo: É um pacote desembrulhado? 

Fernando César Mesquita: Não, não, não...

Hélio Bicudo: Pacotinho.

Fernando César Mesquita: Quem sabe um pacotinho...

Jorge da Cunha Lima: Essa é uma informação importante, ele não acredita que o presidente vá fazer um novo pacote, e todos os jornais estão anunciando um pacote para daqui dois, três dias. 

Fernando César Mesquita: Eu acredito que são... que as medidas virão gradualmente. Eu não acredito mais que venha esse pacote.

Rodolpho Gamberini: Por que virão gradualmente? 

Fernando César Mesquita: Porque eu acho que...

Rodolpho Gamberini: Porque foi ruim quando vieram em pacotes?

Fernando César Mesquita: Acho que sim.

Rodolpho Gamberini: Mas aí é uma questão de tática de apresentação das medidas, não tem a ver com as medidas, tem a ver com o dourar as medidas...

Marcelo Rezende: Não é uma questão mais política do que uma questão econômica, Fernando? 

Fernando César Mesquita: O quê?

Marcelo Rezende: Quero dizer, o que está prevalecendo nessa questão, que me parece, não sei se passa a todos, é que a preocupação passou mais com o aspecto político, uma maquiagem política da questão do que na verdade com a necessidade econômica, então?

Fernando César Mesquita: Eu acho que o governo não vai tomar nenhuma medida séria, grave, atendendo apenas a uma questão política. Muito embora eu não vá dizer que o governo deixe de observar as questões, porque é um governo político. Agora, eu acho que o que prevalece, o que precede, é o interesse do país, um interesse econômico. Eu acho que um governo sério, ele pode até tomar uma medida errada, mas quando ele adota essa medida, ele sempre leva em conta que essa será a melhor solução para aquele problema, para o problema que está se apresentando. São todas...  [alguns falam ao mesmo tempo]

Ricardo Kotscho: Vamos falar de algum caso concreto, Fernando. Está todo mundo esperando o que vem agora...

Fernando César Mesquita: Ah, isso eu não sei, Ricardo.

Hélio Bicudo: Eu queria apenas dizer o seguinte. Essa é uma maneira de dar um enfoque do problema, que não é o enfoque mais democrático. Porque se essas medidas devem ser tomadas, nós temos um parlamento, nós temos um Congresso Constituinte que vai se reunir agora no dia primeiro de fevereiro, por que não jogar as discussões dessas medidas ao novo parlamento ao invés de se adotar medidas processuais para que isso não aconteça? 

Fernando César Mesquita: Professor Bicudo, hoje não há quem vá negar que há uma situação de grande expectativa no país. A sociedade, pelo menos as elites, estão numa expectativa intensa em relação a essas medidas. Essas medidas não podem, se elas vão ser tomadas, mesmo que sejam gradualmente, elas têm que ser tomadas. Eu acredito que será difícil, será prejudicial à sociedade se o governo tiver que esperar pela abertura, pela instalação, pelo funcionamento do Congresso. Eu acredito que algumas medidas terão que ser tomadas.

Rodolpho Gamberini: Fernando... [vários falam ao mesmo tempo]

Hélio Bicudo: De qualquer maneira, qualquer medida a ser tomada, ela deve ser apreciada pelo parlamento, o que não acontece hoje. No estilo do pacote...

Fernando César Mesquita: Há problemas que são defeitos de vícios estruturais que vieram dos anos da ditadura. Hoje nós temos órgãos do governo no poder executivo que legislam tanto quanto o Congresso: o Conselho Monetário Nacional, os diversos conselhos que existem no governo. Tem que acabar com isso. Mas o Conselho Monetário legisla tanto quanto o Congresso. Você tem uma série de conselhos aí, alguns deles foram desativados, mas eles têm tanto poder quanto o Congresso para legislar, é um absurdo, mas têm. Tem que haver uma revogação como existe a legislação de sessão, mas não foram...

Hélio Bicudo: Mas aí não seria um ponto importante, porque, sabe Fernando, eu acho que suas atribuições de ouvidor geral, eu acho que é muito pouco elas se esgotarem nas denúncias pequenas. Eu acho que os casos exemplares são os casos em que o ouvidor geral aparece e mostra, vamos dizer assim, que ele representa realmente a vontade popular. Então, essa questão de que os órgãos que não são legislativos legislam, isso é uma questão que interessa muito de perto aos direitos do cidadão. Então, por que você, como ouvidor geral, não põe esse problema na pauta das suas preocupações? 

Fernando César Mesquita: Eu gostaria de colocar esses problemas na pauta das minhas preocupações. Agora, eu só discordo do senhor num aspecto, eu acho que os problemas importantes, problemas graves têm que ser analisados, têm que ser discutidos. Mas pela minha experiência e pelo que eu estou vendo, os pequenos problemas, ou os pequenos, os problemas médios ou até alguns problemas que não são pequenos, mas são graves, que dizem respeito ao homem comum, eles têm que ser atacados. Não compete a mim fazer mudanças estruturais na sociedade brasileira, nem tão pouco mudanças conjunturais no governo. Eu tenho que proteger o cidadão, minha missão é tentar proteger o cidadão das garras do Estado, da burocracia.

Hélio Bicudo: Você vai fazer muito mais se você atuar nos casos exemplares, porque você tem 130 milhões de habitantes no Brasil, com 130 milhões de problemas cada um.

Fernando César Mesquita: Mas nós todos trabalhamos por amostragem, eu não vou resolver problema de 130 milhões. Se eu tenho cem pessoas que...

Ruy Castro: Professor Hélio, o senhor acha que se, por exemplo, um empresário acusado de remarcar preço naquela época do primeiro congelamento, acusado repetidamente de remarcar preço na sua cadeia de supermercado, sendo membro do Conselho Monetário Nacional, não seria um caso exemplar? 

Hélio Bicudo: Eu acho que também é.

Ruy Castro: E o ouvidor da República faria alguma coisa a respeito?

Fernando César Mesquita: Se houver um caso agora, eu vou ter que examinar, agora como eu já falei para você, não estou querendo fugir do debate e nem das perguntas que eu estou percebendo qual é o sentido delas...

Ricardo Kotscho: Vamos mudar um pouco de assunto, voltar a ser repórter, Fernando. Eu vou insistir nisso porque todo mundo está querendo saber. Cá entre nós, o que é que vem aí, né? Mais um túnel escuro, o que você tá sabendo, em off, só entre nós?

Fernando César Mesquita: Confesso que não estou mentindo quando te digo que não sei. Estou tão em off ...  [risos]

Ricardo Kotscho: Fernando, o que você pode esperar desse novo pacote aí?

Fernando César Mesquita: Olha, confesso que não sei, estou falando a verdade porque estou tão ocupado com os problemas da minha comissão que estou estruturando. Hoje nós tivemos uma reunião de quase doze horas para decidir o regimento, para discutir o regimento, que eu ainda não tive tempo de examinar esses problemas.

Rodolpho Gamberini: Fernando, eu queria te fazer uma pergunta um pouco mais pessoal do que as que estão surgindo aqui. Você acaba dizer para o Ricardo que não sabe o vem pela frente, e você foi um homem privilegiado até pouco tempo atrás, porque você convivia com o presidente da República, você sabia o que ia acontecer, você sabia das coisas. Hoje, se você ainda fosse secretário de imprensa, talvez soubesse. Não dói um pouco você ter sido afastado desse centro das notícias, de saber tudo o que vai acontecer no Brasil amanhã?

Fernando César Mesquita: Eu sempre estive sob suspeita no governo, eu sempre fui considerado mais jornalista do que secretário de impressa, eu sempre estive sob sérias suspeitas. As informações só chegavam para mim quando eram para ser divulgadas, eram escondidas de mim, porque havia receio de que eu passasse para os jornalistas...

Rodolpho Gamberini: Escondidas por quem? 

Fernando César de Mesquita: Porque achavam que eu poderia, poderia passar para a imprensa, quando acontecia exatamente o contrário. 

Rodolpho Gamberini: Você não passava, né?

Fernando César Mesquita: As notícias que vazavam na imprensa, principalmente as perniciosas e prejudiciais não saiam da secretaria de governo, saiam de áreas do governo interessadas em prejudicar, ou algum tecnocrata que não estava satisfeito com o fato da sua idéia não ter sido a idéia predominante, mas a do colega dele que era de outro grupo de Harvard, de Cambridge, da Unicamp ou da USP...

Rodolpho Gamberini: Alguma vez você abriu algum jornal brasileiro, de manhã, quando você chegou lá no Palácio do Planalto, leu alguma notícia e disse alguma coisa parecida com: “Puxa vida, que desgraçado aquele repórter, descobriu isso aqui que eu estava, que só ele sabe...”. Você alguma vez furioso com algum o furo de algum repórter que descobriu alguma coisa? 

Fernando César Mesquita: Não, nunca fiquei, nunca fiquei furioso com nenhum repórter.

Rodolpho Gamberini: Agora, uma coisa... Tem um telespectador que ligou para cá, o senhor Rogério Corrêa. Você estava dizendo como era visto dentro do governo, o telefonema desse telespectador, Rogério Corrêa, mora aqui na Casa Verde, talvez te mostre como você era visto pela população.

Fernando César Mesquita: Interessante saber.

Rodolpho Gamberini: É interessante? Depois você vai levar...  [risos e comentários aleatórios]

Rodolpho Gamberini: O senhor Rogério Corrêa diz o seguinte: “Depois de contar tanta mentira, falar tanta mentira como porta-voz da presidência da República, será que você vai acreditar nas mentiras que você vai ouvir como resposta?” 

Fernando César Mesquita: Eu não entendi, as mentiras de quem?

Rodolpho Gamberini: Depois de falar tanta mentira como porta-voz da presidência da República, será que ele -  no caso ele é você - será que você vai acreditar nas mentiras que você vai ouvir em resposta às suas perguntas como ouvidor? 

Fernando César Mesquita: Não, eu acho que o...

Rodolpho Gamberini: É Rogério Corrêa o nome do telespectador.

Fernando César Mesquita: O Rogério tem todo o direito de dar as opiniões dele, de valor, de juízo dele, perfeito... Mas primeiro que eu não contava mentiras, eu acho que posso invocar o depoimento de meus colegas que trabalhavam, faziam a cobertura de imprensa no Palácio do Planalto, eles sabiam que eu não dizia mentiras. Ao contrário, eu sempre vivi a angústia de passar para eles o máximo de informações que eu pudesse ter. Mas  eu me recusava até a fazer desmentidos, e quando me mandavam desmentir alguma coisa que eu achava que não era verdadeiro, eu desconversava e não desmentia. Então, eu acho que há um juízo aí um pouco apressado dele, eu acho que ele não acompanhou bem, ele deve ter lido muito o Estado de S. Paulo.  [risos] Então, eu não, não...

[risos]

Rodolpho Gamberini: Por que essa citação do Estadão? 

Fernando César de Mesquita: Porque o Estado de S. Paulo nunca reproduz bem a realidade de Brasília, né.

Luiz Fernando Emediato: Que opinião que o senhor tem da imprensa brasileira em geral?

Fernando César de Mesquita: Excelente, eu acho a imprensa brasileira muito boa. Agora, o Sebastião Nery [(1932-), escritor e político brasileiro] hoje faz um artigo na Tribuna da Imprensa, dizendo que a imprensa brasileira está acima de qualquer suspeita.

Luiz Fernando Emediato: Você acha que ele reflete a realidade, diz a verdade? 

Fernando César Mesquita: Acho que ela procura refletir, mas nem sempre consegue.

[?]: Por que que ela está acima de suspeita?

Fernando César Mesquita: O Sebastião Nery disse que a imprensa brasileira está acima de qualquer suspeita. Então você tomar paulada da imprensa, ela pode publicar o que quiser e você não pode dizer o que você pensa da imprensa.  Então, a Tribuna...

Marcelo Rezende: A propósito desse negócio de imprensa, você disse aí outro dia que 70% da imprensa - e aí ficou meio vago o sentido, eu não sabia se era a que trabalhava em Brasília ou se era de uma maneira geral - mas que 70% são de esquerdistas. E que com isso as pessoas quando iam traduzir a notícia, elas na verdade não refletiam a verdadeira notícia, mas colocavam ali um pouco da sua própria ideologia. Você não acredita que essa frase cria um pouco de tom assim de que quem faz isso é um pouco desonesto como repórter, de não traduzir fielmente o que ouviu?

Fernando César Mesquita: Houve uma certa... É como eu estava falando, você não pode, você tem que levar paulada da imprensa, mas quando você faz uma avaliação como se estivesse discutindo com outro jornalista o que é realidade ou o que você pensa que é a realidade, a notícia sai exatamente como a pessoa quer que saia, e não como você colocou. Eu sou um homem, eu era, no caso, um homem do governo, representava o pensamento do governo, em alguns casos, em outros casos era o meu pensamento.  Quando houve o “badernaço" em Brasília, que foi um movimento organizado por um grupo muito competente, aproveitou o período eleitoral, o resultado da eleição que favoreceu...

Rodolpho Gamberini: Que grupo foi esse, Fernando? Já descobriram? 

Fernando César Mesquita: Era, era... O badernaço foi convocado pela CUT, e por vários partidos e organizações de Brasília. Eles fizeram uma... pretendiam fazer uma manifestação pela Esplanada dos Ministérios, iam em passeata pela Esplanada dos Ministérios até o Palácio do Planalto. A mobilização foi realmente muito competente, muito bem feita. Eles aproveitaram todo o esquema da campanha eleitoral vitoriosa, que foi poucos dias depois da campanha eleitoral, para fazer uma ação política, era um ato político. E infelizmente, quando você coloca - como todos aqui entendem de comunicação de massa e psicologia de multidão - quando você coloca uma multidão na rua e quando você coloca diante dessa multidão palavras de ordem com alguma agressividade, você estimula reações que você não sabe quais vão ser. Então, no caso, houve realmente uma inabilidade desses grupos, eles não tiveram uma percepção maior do que poderia acontecer...

Ruy Castro: Mas o governo já descobriu quem botou fogo nesse caso...

Fernando César Mesquita: Deixa eu terminar, eu já vou explicar isso, porque já houve muita distorção sobre isso. Então, se colocou essa multidão na rua. E os dirigentes, os convocadores, os mobilizadores perderam o controle, perderam completamente o controle da situação, e degenerou naquele badernaço, naquela bagunça, foi realmente uma bagunça, 42 carros incendiados, 42 carros... Depredaram, destruíram lojas de pequenos...

Rodolpho Gamberini: E aí você acha que havia grupos organizados? 

Fernando César Mesquita: Deixa eu terminar, Gamberini, então houve realmente um descontrole total da situação. Os organizadores da manifestação, pessoas inteligentes, competentes, fizeram uma reunião no sindicato lá em Brasília, de madrugada e disseram: “Olha, vamos dizer que foi infiltração da direita, vamos dizer que foi infiltração da direita porque aí a repercussão disso vai ser desastrosa.”

Marcelo Rezende: Quem te informou isso foi o SNI? [Serviço Nacional de Informações]

Fernando César Mesquita: Não, não, quem me informou isso foi um jornalista [risos], um jornalista que me informou. Chegou e disse: “Olha, foi isso, o negócio foi esse.”  E a orientação foi o seguinte, foi que quem tivesse ligação, contato nas redações, passasse essa orientação que tinha sido infiltração de direita. Quando eu recebi a informação, logo sete horas da manhã, eu pedi à área de segurança para me dizer: “Olha, houve infiltração de direita ou não houve?”. Eles disseram: “Não houve infiltração de direita, não tinham nem condições de fazer isso, não tinha nada, nada, realmente não tinha nada disso.” Quando chegaram os repórteres, meus colegas, que eu me dou muito bem com todos eles, apesar de sempre colocarem uma casquinha de banana para eu pisar, eles disseram: “Mas olha, disseram que isso aí foi infiltração de direita.”. Eu falei: “Olha, calma, se foi infiltração da direita, quem vai ter que provar que foi infiltração da direita, que eu até admito, é quem convocou, quem mobilizou e quem organizou a passeata. Isso é um ônus que cabe a quem organizou.” “Ah não, mas isso aí não é bem assim”! Eu disse: “Bom, o ônus da prova cabe a vocês. Então, vocês receberam realmente uma orientação, alguém dentro do jornal recebeu uma orientação para transmitir essa pauta, então, vocês estão vindo com uma pauta que foi passada assim, assado, nessa reunião.”

Marcelo Rezende: Quer dizer que você acha que as redações dos jornais, na verdade, não dão pautas, dão uma pré-matéria já?

Fernando César Mesquita: Não, ninguém aqui é ingênuo, aqui ninguém nasceu ontem. Eu estou há 30 anos dentro de redação, e eu não sou nada, não sou contra o engajamento ideológico de ninguém, não sou macartista, não tenho nada contra isso, é um problema de cada um.  Agora, querer me fazer de bobo é que eu não vou admitir.  Então, falei: “Não venham me fazer de bobo que vocês receberam orientação”.  Todos nós sabemos que todo mundo aqui tem vinculações ideológicas, quem é que pertence a tal partido, quem é que está na CUT...

Marcelo Rezende: E os jornais publicariam isso então? 

Fernando César Mesquita: Eu não tenho nada contra...

Marcelo Rezende: Quer dizer que os donos de jornais que aceitaram publicar isso também estão engajados com a CUT? [risos]

Fernando César Mesquita: Não, não. O dono de jornal nem sempre publica, o dono de jornal pensa que manda no jornal, todo dono de jornal pensa que manda no jornal.

Ricardo Kotscho: Espera aí, então você acha os jornalistas estavam no badernaço? [Rodolpho Gamberini fala ao mesmo tempo que Kotscho]

Fernando César Mesquita: Eu não estou dizendo isso. Eu queria que vocês me entendessem bem, não estou dizendo que foram os jornalistas, eu estou dizendo que eu não sou bobo...

Ricardo Kotscho: Alguém fez aquilo, alguém cometeu um crime, quer dizer, botar fogo no carro. Como é que a polícia até hoje não...

Fernando César Mesquita: Não estou dizendo que foram os jornais, acho que houve, todos nós fizemos militância, eu acredito, militância estudantil, aqui, e participamos de coisas parecidas com essa, não é? Se tem uma multidão aqui e você diz “quebra”, todo mundo quebra, se você diz “incendeia”, todo mundo incendeia.

Ricardo Kotscho: Tem que ser uma coisa organizada, seja de esquerda ou de direita, alguém organizou isso e praticou.

Fernando César Mesquita: Se havia alguém da direita, eu não estou rejeitando a idéia de que houve participação de direita, eu me desliguei desse assunto.

Marcelo Rezende: Até um dos órgãos de seguranças ter informado equivocadamente ou propositalmente, até quando você chegou...

Fernando César Mesquita: Eu admito que pessoas de direita aproveitaram, que depois que investigou, eu mesmo tive interesse, procurei investigar exaustivamente se havia alguma... Olha, eu quero dizer para vocês que não tenho a menor simpatia pela direita não, nem ela por mim. Nós temos uma relação muito inamistosa...

Marcelo Rezende: Então você está engajado onde? 

Fernando César Mesquita: Eu sou um liberal, sou um democrata convicto. Então, realmente eu não podia admitir que você viesse com uma pauta que eu sabia que era uma orientação política e me fazer de bobo, eu disse: “Olha aqui, eu sou tão jornalista quanto você. Vocês podem ter a coloração ideológica que vocês quiserem, agora não vão me fazer de bobo.” Agora, se houve realmente participação da direita, foi uma infiltração que ocorreu ali naquele momento.

Marcelo Rezende: Agora, diante dessa sua liberalidade que você falou há pouco e a propósito disso, a Joyce está ali para fazer uma pergunta, me desculpe, mas é só para não perder o sentido aqui. No momento em que saía a greve geral, você - não sei a mando de quem, talvez você possa nos revelar, não creio que tenha sido apenas por auto-recreação sua - mas você começou a ligar para as redações, ou para não sei quem, para donos de rádio e televisão pedindo moderação no noticiário, não me parece...

Fernando César Mesquita: Acho que houve um engano também nisso aí. Eu nunca pedi a nenhuma estação de rádio para moderar no enunciado da greve.

Marcelo Rezende: Não censurou, então?  Censurador? 

Fernando César Mesquita: Não, não. O que houve – e o que estou falando aqui é absolutamente a verdade - nós tínhamos um grupo informal que discutia questões de comunicação no governo. E quando estava se preparando a greve, que era uma greve política, todos nós sabemos que era uma greve política, eu acho que a gente tem que dizer a verdade. Era uma greve política, declaradamente política. Então o governo tem que agir politicamente. Então nós decidimos que não deveria, esse grupo, que não deveria haver nenhum tipo de censura, nenhum tipo de ingerência junto às direções de jornal ou de televisão, para deixar de dar, ou dar o que fosse fato relacionado com a greve. Bom, mas houve uma precipitação de alguém do governo que não vou dizer quem, e andou tomando alguma providência em relação a isso, pedindo às estações de televisão, de rádio para não divulgar. Bom, qual foi o meu papel? Quando vieram me perguntar...

Rodolpho Gamberini: O ministro que fala com os proprietários de rádio e televisão é Antônio Carlos Magalhães, é isso Fernando? 

Fernando César de Mesquita: Não sei, eu não sei. Então houve aí uma ação política, que fugiu, não estou dizendo que foi certa ou errada, eu tenho coragem de assumir minhas posições.

Marcelo Rezende: Mas aí você declarou...

Fernando César de Mesquita: Então, quando vieram me perguntar o que é que eu achava disso, eu falei: “eu não tenho conhecimento. O que eu sei é que é existe o Código Nacional de Telecomunicações, as estações de rádio e TV são concessões do serviço público e quem aceita uma concessão de rádio e televisão está sujeito ao que determina o Código Nacional de Telecomunicações. Se existem abusos, se existem restrições à liberdade, pode ser revogado, o Congresso pode revogar, até hoje não revogou”. Então se existe essa proibição lá, de incitamento à greve, ela está lá, não foi revogada. Acho que o governo é um governo político, tem que agir politicamente.  Acho mais fácil o governo partir para uma ação que evite problemas que impliquem depois em haver repressão, do que ficar numa situação...

Hélio Bicudo: Mas isso já é uma repressão, né?

Fernando César de Mesquita: Bom, eu apenas assumi meu papel, no caso eu assumi o meu papel.

Hélio Bicudo: Além dessa questão da greve, como é que o senhor explica o chorrilho de mentiras a propósito do episódio de Leme [referência a uma manifestação de trabalhadores rurais, na cidade de Leme (SP), em 1986, que foi reprimida com tiros de revólver pela Polícia Militar, causando a morte de dois trabalhadores], que foram veiculados pelo governo? Ministros, pelo presidente, enfim, pelo conjunto da administração federal.

Fernando César de Mesquita: Sinceramente, eu não tenho como responder. Se eu soubesse... Não é que eu queira fugir da pergunta... Eu não vou responder porque eu não estou aqui para bater palma para tudo que o governo faz ou deixa de fazer. 

Jorge Escosteguy: Você acha que houve, Fernando? 

Fernando César de Mesquita: O quê?

Jorge Escosteguy: Isso que o professor Hélio falou.

Fernando César de Mesquita: Eu já te falei que não vou responder.

Ricardo Kotscho: Mudando um pouco de assunto, Fernando, nesta sua vida, nesta confusão toda que está aí, você tem tempo ainda de praticar ultraleve e tal? Outro dia baixou lá no palácio do presidente com um ultraleve, assustou a segurança toda. Fala um pouco da tua vida. Como é que é essa sua transa com o poder? Você estava do outro lado do balcão junto com a gente, agora está...

Fernando César de Mesquita: O tempo todo em que eu fui jornalista, que eu vivi na imprensa, não tinha credencial para entrar no Palácio do Planalto. Até a Nova República eu era proibido. Durante os dez anos em que eu estive no Estado de S. Paulo...

Jorge Escosteguy: Para mostrar que tinha mudado, você resolveu descer de ultraleve? [risos]

Fernando César de Mesquita: Durante os dez anos em que eu estive no Estadão, que nós tivemos lá praticamente na mesma época como repórter, como secretário, e depois como chefe de redação, o meu esporte predileto era ler o Diário Oficial e procurar tudo o que tinha de errado no governo e fazer matéria contra o governo, era a única maneira. Tinha o edital do Palácio do Planalto para comprar uma tonelada de camarão, aquelas bobagens todas, as concorrências, licitações, e aprendemos isso com Ronan Soares, que era o primeiro especialista nisso, em ler o Diário Oficial. Então nós criamos essa escola de fazer maldades com o governo lendo o Diário Oficial e via que não tinha como... era informação que estava ali no Diário Oficial. Então eu sempre fiz uma oposição ao governo.

Rodolpho Gamberini: Fernando, você disse agora há pouco que O Estado de S. Paulo, o Estadão, não se refere à realidade de maneira correta. Você disse que o Estadão é um jornal que não diz muito bem a verdade, não conta muito bem a verdade. Você disse isso.

Fernando César de Mesquita: Não, eu disse o seguinte, que o Estadão não reflete muito bem a realidade de Brasília pelo menos.

Rodolpho Gamberini: Muito bem a realidade de Brasília, está bom. Você trabalhou no Estadão, durante dez anos, ocupou vários cargos. Você acha que pode chegar um dia em que você faça uma acusação sobre o governo igual a que você está fazendo ao Estado de S. Paulo? 

Fernando César Mesquita: Eu não entendi bem...

Rodolpho Gamberini: Você disse que o Estado de S. Paulo, o jornal para o qual você trabalhou dez anos, não reflete bem a realidade.

Fernando César Mesquita: No tempo em que eu trabalhava no Estadão, ele refletia. [risos] O Estadão tem uma posição excessivamente crítica em relação ao governo, eu não tenho nada contra a idoneidade do Estadão, até eu acho que eles são muito corretos. Mas eles têm em relação ao governo uma posição, chega a...

Rodolpho Gamberini: Picuinha?

Fernando César Mesquita: Muitas vezes mesquinha, então, tudo o que o governo faz é errado, qualquer ação do governo é criticada antes de que ela produza efeitos. Então, o Estadão, ele dá... as matérias do Estadão não são nada isentas. Os títulos do Estadão são títulos profundamente, excessivamente agressivos.

Rodolpho Gamberini: A Joyce gostaria de fazer a próxima pergunta para você.

Luiz Fernando Emediato: Depois da Joyce, eu queria fazer pergunta sobre a vida de jornalista dele.

Joyce Pascowitch: Fernando, voltando ao tempo em que o presidente Sarney ainda não era presidente, vocês já eram bem amigos, e vocês saiam bastante juntos e tudo. Eu queria saber que tipo de programas vocês faziam?  Se vocês aprontavam muito? [risos]

Fernando César Mesquita: Não, não, não... O presidente é um fanático por bibliotecas.

Joyce Pascowitch: Ah, vocês liam?  [risos]

[?]: Ficavam juntos lendo?

Rodolpho Gamberini: Qual foi o melhor título que você leu junto com o presidente? 

Fernando César Mesquita: Não cheguei realmente, os títulos eu li, mas os livros, sinceramente, que ele tem mais muito mais voracidade com os livros do que eu.

Luiz Fernando Emediato: Fernando, na mesma entrevista, para a revista Isto É, em dezembro, em que o senhor acusou 70% dos jornalistas brasileiros de serem petistas, não sei como o senhor conseguiu medir, o senhor disse que esses jornalistas são também, eventualmente parciais. Mas que de qualquer maneira, o senhor também foi parcial enquanto jornalista, e terminou essa entrevista até dizendo: “Eu já fiz muita sacanagenzinhas.”  Que tipo de sacanagenzinha o senhor fazia enquanto jornalista? [risos]

Fernando César Mesquita: Quando nós vivíamos no regime de exceção, que havia uma ditadura, nós realmente na imprensa tínhamos que, às vezes, apelar para algumas sutilezas na notícia, porque eu trabalhei no Estadão muito tempo e uma grande parte desse período que eu trabalhei era sob censura. Então, nós tínhamos que apelar e dar a notícia de maneira que o censor não percebesse que estava embutido ali, como o senhor usou a palavra, uma sacanagenzinha contra o governo.

Luiz Fernando Emediato: Mas no contexto da entrevista não era bem isso, o repórter havia...

Fernando César Mesquita: Não, o repórter... é que não... a entrevista reproduziu... [bastante reticente e confuso]

Luiz Fernando Emediato: O senhor admitia que tinha sido parcial na sua carreira.

Fernando César Mesquita: Eu fui parcial nisso, como havia um regime de exceção, como havia dificuldade de você publicar a matéria, você não podia, às vezes, dizer frontalmente aquilo, e você encontrava uma maneira de diluir pela matéria, pelo texto, algo que você estava querendo dizer.

Luiz Fernando Emediato: Não é isso que está na entrevista, eu tenho ela aqui.

Fernando César Mesquita: Não, aí é que está. É que o problema é a leitura.

Luiz Fernando Emediato: Eu também não vou ler a entrevista inteira, mas não é isso não.

Fernando César Mesquita: Isso aí até me chamou a atenção, mas não foi esse o sentido que eu quis dar, que eu fizesse alguma coisa que fosse prejudicar alguém, era com relação ao governo, ao governo de então, que nós queríamos de alguma maneira que esse governo...

Jorge Escosteguy: Você criticou o Estado de S. Paulo, porque os seus títulos são muito agressivos, agora há pouco. E agora você mencionou que porque se vivia uma ditadura, na época em que você trabalhava lá, você era obrigado a fazer essas “sacanagenzinhas” e as “pequenas picuinhas” porque havia censura. Você não acha que está simplesmente irritado porque neste momento não há censura, portanto o Estado de S. Paulo pode fazer os seus títulos agressivos que vocês não puderam fazer porque havia censura na época?

Fernando César Mesquita: Não, não. É porque o Estadão hoje, eu acho o Estadão um excelente jornal.  Agora o que eu acho...

Jorge Escosteguy: [interrompendo Fernando C. Mesquita] Você não faria nem uma manchete agressiva se pudesse naquela época?

Fernando César Mesquita: Eu acho que, às vezes, você lê o Estadão, parece que você está no Líbano, que está ali. Você vai sair na rua e vai levar um tiro de metralhadora, de uma falange A, B ou C, ou do grupo xiita, daqui ou de acolá... Eu acho que o Estadão dá a idéia ao leitor de que o país está à beira do caos, que o país está indo para um precipício, que é um governo de irresponsáveis, quando não é isso. É um governo sério, que tem dificuldades, tem problemas, mas que está procurando resolver esses problemas da melhor maneira possível com correção, com competência. Tem problemas. Então a minha crítica ao Estadão é que ele reflete...

[vários falam ao mesmo tempo]

Fernando César Mesquita: Os títulos do Estadão são excessivamente agressivos e excessivamente pessimistas. Um dia desses eu fui convidado para almoçar na casa de algumas pessoas lá em Brasília, e todas elas me falando sobre a grave crise que o país estava vivendo, sobre as dificuldades, e se discutia com Royal Salute [whisky muito caro], não é? Royal Salutte, cerveja alemã, é...

Rui Kotscho: Onde que é isso, Fernando? 

Fernando César Mesquita: em Brasília. Bacalhau importado, depois vinho alemão... Então dizem: “Ah, este país é inviável...”. E eu estava dentro da piscina, todo mundo dentro da piscina, a piscina não era térmica, infelizmente, né? Mas todo mundo... O dono da casa tinha três carros, cada um dos participantes da reunião, a mulher tinha um carro, o filho tinha um carro, então, há uma certa...

Marcelo Rezende: Fernando, só a propósito do Estado de S. Paulo, um instantinho, só por uma questão da... Você no Estado de S. Paulo...

Fernando César Mesquita: Você vai agravar minha briga com O Estado de S. Paulo...

Marcelo Rezende: Não, não. Já que a situação aqui virou O Estado de S. Paulo... Há dez anos atrás, teve uma greve de jornalista. E eu lendo um pouco sobre a sua carreira que saiu e tal, dizia lá no momento você que foi seqüestrado na greve. Aí eu disse: “Meu Deus do céu, o homem quase passou um dobrado”. Mas parecia que, na verdade, você não estava disposto era a aderir à greve dos jornalistas, e saiu ali na entrevista meio por um subterfúgio, e no momento que saiu para tomar café, foi impelido, então, a ir ao sindicato. Você usou exatamente essa palavra.

Fernando César Mesquita: Eu era chefe de redação do Estadão.

Marcelo Rezende: Você já, a essa altura, era contra a greve? 

Fernando César Mesquita: Não, eu achava que uma greve sem gráfico era um desastre, porque como chefe de redação, eu sabia que se podia fazer um jornal mal e porcamente, mas você conseguiria com os gráficos colocar um jornal na rua. Só com a produção de releases que os órgãos do governo de Brasília poderiam colocar à disposição do jornal como realmente colocaram naquela greve, e isso ficou provado pelo fracasso, que foi a greve mais fracassada e que prejudicou a vida da gente.

Marcelo Rezende: Mas uma decisão de uma assembléia não te sensibilizava?

Fernando César Mesquita: Até hoje a imprensa não se recuperou do fracasso daquela greve. Os jornais ganharam os tubos agora com o Plano Cruzado e a categoria de empregados que ganha menos são os jornalistas.

Marcelo Rezende: Mas essa é uma visão outra...

Fernando César Mesquita: Eu realmente era contra a greve, eu era contra a greve porque eu achava que sem os gráficos não iria se fazer nada. E eu era o chefe de redação e eu sabia, eu recebia toneladas de releases, mas ponderava: “Olha, essa greve vai dar em nada”. Porque se esses releases vão ser colocados no jornal e vão, como nessa greve agora, todos os jornais circularam

Marcelo Rezende: Mas a decisão da coletividade não te sensibilizou? 

Fernando César Mesquita: Então, havia uma... eu não podia fazer greve. Nenhum chefe lá em Brasília, nenhum chefe de jornal fez greve na época, nenhum chefe! Então, eu fui, realmente, quando eu desci pra tomar café...

Marcelo Rezende: Mas não fez greve por amor ao cargo? 

Fernando César Mesquita: Não, porque havia uma certa convenção que chefe não fazia greve. Não sei se aqui em São Paulo os chefes aderiram à greve, eu sei que lá em Brasília a maioria dos chefes não entrou na greve. Eu não estava sensibilizado por aquela greve. Então eu desci para tomar café, e todos os meus colegas que estavam ali: “Não, você não volta mais, fica aqui, vamos para o sindicato”... Então acabei indo para o sindicato, e não...

Marcelo Rezende: A contragosto?

Fernando César Mesquita: Te confesso... realmente eu fiquei... mezzo a mezzo, fiquei meio sem...

Ricardo Kotscho: Fernando, você se lembrou agora há pouco uma reportagem que a gente fez junto no Estadão há dez anos atrás, das mordomias. E falou de uma festa fantástica com cerveja alemã em Brasília. Você, que vive lá junto ao poder, você acha que aquela reportagem serviu para acabar um pouco com a mordomia, ou ela só fez crescer? Quer dizer, quem não tinha ainda, viu que era uma coisa boa e passou a querer, disseminou mais ainda? 

Fernando César Mesquita: Não, ela deu alguma culpa, as pessoas passaram a se sentir um pouco culpadas quando faziam mordomias ou participavam de mordomias, mas não acabou, não. Hoje já se extinguiram vários casos de mordomia, graves casos de mordomia, mas ainda hoje você tem uma revoada de funcionários do governo, no final de semana, principalmente aqui para São Paulo. [vários falam ao mesmo tempo]

Fernando César Mesquita: Foi reduzido bastante o número de automóveis...

Marcelo Rezende: Porque quando eu entrei aqui eu vi dois automóveis de placa oficial, os dois parados aqui. Eu não sei se a propósito, alguém...

Fernando César Mesquita: Tinha algum [...] vir de táxi?

Marcelo Rezende: Só uma questão só, porque eu vi... São quase, que horas são, porque eu nem sei mais...

Rodolpho Gamberini: Quinze para meia-noite.

Fernando César Mesquita: Posso dizer que não é meu.

Marcelo Rezende: Pois é, talvez estejam em serviço.

Rodolpho Gamberini: Doutor Hélio, só uma coisinha, é que tem uma pergunta de um telespectador, que vai em cima dessa questão dos funcionários, uma pergunta do senhor Carlos Gomes Carvalho Júnior, do Barro Branco. Ele pergunta “o que o senhor Fernando poderia fazer no caso da demissão - não sei se ele defende ou não, me parece que ele defende - a demissão de quase 300 mil funcionários públicos que ganham sem trabalhar ou estão como excedentes, e o ministro Aloísio Alves, da administração, afirmou que seriam demitidos e até hoje não foi nada feito”? O governo não consegue resolver essa questão da reforma administrativa? O seu órgão tem alguma coisa a ver com isso? Porque na verdade, o consumidor paga imposto e o salário do servidor público vem do imposto. Então é um direito do consumidor zelar para que o imposto dele seja bem usado. É muito difícil fazer essa reforma administrativa no Brasil, Fernando? 

Fernando César Mesquita: Eu acredito que sim. Você ouve as pessoas falar em demissão de cem, de cinqüenta mil funcionários, aí na hora de pôr isso em prática, você tem problemas sociais graves aí. E não há governo que queira enfrentar esse tipo de problema, estou falando sinceramente.

Rodolpho Gamberini: Mas há necessidade? 

Fernando César Mesquita: Eu nem sei se há necessidade. Eu acho que, eu tenho estatísticas que mostram que o número de funcionários públicos que existem no Brasil é um dos menores do mundo. Eles podem ser, estar desestimulados, porque também há muita crítica não avaliada em profundidade. O funcionário público brasileiro foi tendo um achatamento salarial de vencimentos, que hoje reflete em uma situação muito grave. Funcionário público antigamente tinha status; você ser funcionário público federal era uma demonstração...

Luiz Fernando Emediato: Mas não será porque o número deles cresceu em demasia, não? É tanto funcionário que haja dinheiro pra pagar!

Fernando César Mesquita: Não, o número de funcionários no Brasil ainda é um dos menores do mundo, existe essa estatística.

Luiz Fernando Emediato: Pode até ser, mas é que eles não têm muito o que fazer. No caso do BNH [Banco Nacional da Habitação] mesmo, já foi mais do que provado que se todos eles comparecessem ao trabalho diariamente, no horário em que deveriam trabalhar, não caberiam nos prédios, precisaria construir mais prédios. Agora extinguiram o BNH; os funcionários foram remanejados para a Caixa Econômica. Se eles não tinham o que fazer no BNH, o que eles vão fazer na Caixa Econômica? Claro que eu não me refiro a todos, porque eu vi, acho que parece que numa entrevista do Aloísio Alves mesmo, que parece que 30% desses 8700 e tantos funcionários do BNH seriam realmente necessários porque eles trabalhavam suficientemente e dignamente, mas que tinha um bando de parasitas que o governo ainda não resolveu o que fazer com eles. Para onde será que eles vão, porque nós estamos pagando! 

Fernando César Mesquita: [faz gesto e expressão de dúvida]

Marcelo Rezende: Você é a favor de eleição direta em 1988?  

Luiz Fernando Emediato: Mas ele não ia responder essa pergunta?

Marcelo Rezende: Não, ele fez assim... Ele também está querendo saber!  [risos]

[alguns falam ao mesmo tempo]

Luiz Fernando Emediato: O ouvidor é ele! 

Fernando César Mesquita: Eu estou ouvindo, eu estou ouvindo.

Marcelo Rezende: Você é a favor de eleição direta em 1988? 

Fernando César Mesquita: Não, eu acho que isso aí é o Congresso, a Assembléia Nacional Constituinte que vai... Eu não tenho minha opinião. Acho que a Assembléia Nacional Constituinte tem discernimento o bastante para decidir o que é melhor para o país.

Ruy Castro: Ouvidor não fala, só ouve.

Marcelo Rezende: Ele já foi porta-voz.

Ricardo Kotscho: Seja como for, quem é seu candidato a presidente da República? 

Fernando César Mesquita: Meu candidato a presidente da República? O voto é secreto.

Ruy Castro: Ouvidor, por favor, como o senhor próprio diz que no Brasil existem poderes que legislam muito mais que o legislativo, qual o poder legislador, digamos assim, da dona Roseana e daquele genro profissional? 

Fernando César Mesquita: O Jorginho [referência à Jorge Murad, marido de Roseana]?

Ruy Castro: É. [risos]

Fernando César Mesquita: Acho que existe também uma certa maledicência em relação a isso, não sua, [risos] mas a Roseana... O Jorge Murad é uma pessoa de conhecimento econômico, ele tem uma competência, ele é um especialista, ele entende do assunto. E ele é o secretário particular do presidente, ele merece total confiança do presidente. E de alguma maneira, ele interfere, ele procura soluções, ele faz uma espécie de coordenação; ele é uma pessoa que é uma ligação do presidente com os outros ministros da área econômica. Ele é uma pessoa muito correta. E no caso de Roseana, a Roseana tem, a Roseana é formada, ela tem uma formação em ciência política, ela estudou na Suíça, na Europa, e gosta de política, e dá uma grande ajuda com o contato que ela tem com os grupos políticos. Ela é filha de político desde pequenininha, desde pequenininha é filha de político. Então, ela gosta disso, ela conhece todos os parlamentares, os governadores, sabe quem são essas pessoas. Então, ela procura ajudar, ela procura ajudar o pai dela. Agora, eu posso dizer pela minha experiência e pela minha vivência, que a influência que a Roseana tem no governo não é que a se diz, não é a que se propala, porque se dissemina a idéia de que este é um governo doméstico, que a Roseana ou o Jorge Murad dão as decisões definitivas, não é nada verdade.

Rodolpho Gamberini: Quem é que realmente tem influência junto ao presidente? Se não são esses dois, quem é que influi...?

Ruy Castro: Fico muito tranqüilo em ouvir ele falar isso, porque todo mundo acha que o governo é feito, na realidade, pela filha do presidente, pelo genro do presidente e pelos amigos íntimos do presidente, como o senhor Roberto Marinho [dono da Rede Globo, falecido em 2003, aos 98 anos, foi um dos empresários de maior poder junto ao governo federal por décadas], pelo...

Ricardo Kotscho: Pois é, ele está dizendo que não são eles.  Então eu estou querendo saber quem é...

Ruy Castro: Agora fomos tranqüilizados, não são eles, queremos saber quais são.

Fernando César Mesquita: Não, não, realmente... Claro que a Roseana dá os palpites dela discretamente. Agora, esse alter ego do Sarney, uma pessoa que está ali, com uma voz ativa em qualquer decisão de governo, isso não é verdade. 

Ricardo Kotscho: E quem é, Fernando? Que é que tem mais influência, mais poder junto ao presidente?

Fernando César Mesquita: Pelo estilo do presidente, como eu já falei aqui, é difícil você dizer se A ou B teve influência nesta ou naquela decisão. Eu vejo o presidente, às vezes, receber algumas pessoas que vêm e apresentam uma idéia aparentemente brilhante, salvadora, e ele não se manifesta, ele ouve, se aquela idéia for realmente uma boa idéia, ele vai examinar, vai maturar, vai matutar sobre ela, e vai ouvir outras pessoas. Ele ouve várias pessoas. 

Ricardo Kotscho: Não é muito grande o peso dos ministros militares que trabalham dentro do Palácio do Planalto? O chefe do SNI e da Casa Monetária?

Fernando César Mesquita: Não, não, é mínimo, é mínima a influência dos ministros.

Marcelo Rezende: Quando você dava as suas declarações e se atritou com o ex-ministro Nelson Ribeiro, com Antônio Carlos Magalhães, com o Dante [de Oliveira (1952-2006), foi prefeito, governador, ministro e, como deputado federal, propôs uma emenda constitucional que levou o seu nome com o objetivo de instaurar eleições diretas para presidente da República], enfim, você falava antes com o presidente que ia dizer isso ou aquilo, ou você falava por livre recreação, sem fazer uma consulta prévia do que você iria dizer?

Fernando César Mesquita: Não, não. Algumas vezes eu perguntei ao presidente sobre determinado assunto, mas em casos assim, eu dava a minha opinião.

Marcelo Rezende: Você não serviria como a voz do Sarney para criticar os seus próprios ministros? 

Fernando César Mesquita: Eu acredito que não, o presidente não se prestaria a isso.

Ruy Castro: Você já leu aquele livro genial, comparado aos Lusíadas [clássico da literatura mundial, escrito por Luis de Camões], chamado Marimbondos de fogo [livro escrito por José Sarney que é, além de político, escritor]? [risos]

Rodolpho Gamberini: Fernando, eu gostaria de pedir uma última coisa, que você respondesse com velocidade e rapidez a pergunta do professor Bicudo, que estamos praticamente encerrando o programa, por favor.

Fernando César Mesquita: Ótimo. [risos]

Hélio Bicudo: Você, como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão, evidentemente que você vai pleitear a justiça. Qual tipo de relacionamento que você pretende ter com o Procurador Geral da República, com o Consultor Geral da República e com o próprio ministro da Justiça? 

Fernando César Mesquita: Com o procurador Geral da República...

Hélio Bicudo: E com o chefe da Polícia Federal evidentemente.

Fernando César Mesquita: O procurador geral da República está representado na Comissão, o consultor geral da República está representado na Comissão, como está representado o ministro-chefe do Gabinete Militar, o ministro-chefe da Secretaria de Administração e o ministro-chefe do Gabinete Civil. Eu tenho um melhor relacionamento pessoal e administrativo com o procurador geral da República e com o consultor geral da República. Até com o doutor [Romeu] Tuma [(1931-), senador por São Paulo, foi chefe da Polícia Federal], eu tenho bom relacionamento. Alguns casos ele ficou de resolver e resolveu.

Hélio Bicudo: Porque as suas atribuições vão interferir nessas áreas... 

Fernando César Mesquita: Hein?

Hélio Bicudo: Porque as suas atribuições vão interferir nessas áreas.

Fernando César Mesquita: Vão. A Comissão pode recomendar à Consultoria Geral da República que tome algumas providências, como pode recomendar ao Ministério Público que tome providências...

Hélio Bicudo: Isso é que eu acho que é pouco, sabe, porque “recomendar para” na recomendação. Quer dizer, tanto o consultor geral da República vai fazer se assim ele achar, como o procurador geral da República vai fazer, se assim ele achar. Por isso que eu volto a dizer que talvez se nós tivéssemos estruturado de uma maneira um pouco diferente essa questão da Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão, a gente não perdesse uma grande idéia que ela é.

Fernando César Mesquita: Eu continuo discordando...

Hélio Bicudo: Não obstante a sua pessoa.

Fernando César Mesquita: Eu continuo discordando porque eu acho que nós estamos tendo agora uma excelente oportunidade de começarmos a fazer um trabalho sério em defesa do cidadão. Eu acredito que todos esses órgãos na área da administração federal ou fora dela, que trabalham em defesa do cidadão, eles têm um papel muito importante a cumprir na sociedade. A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a Comissão de Defesa de Direitos da Pessoa Humana, o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, e quaisquer outros que existam por aí. Inclusive nós temos uma idéia de fazer uma reunião e encontrar uma maneira de trabalhar conjugadamente, fazer um esforço conjunto para que não haja dispersão de recursos, de esforços. Eu acredito, vamos ter um pouco de paciência, porque essa comissão vai dar certo, não é que seja obrigado a dar certo, mas eu acho que é um momento importante para o país.  O presidente Sarney está empenhado em que essa comissão funcione, porque a partir dele se sabe que a máquina é difícil de ser conduzida, que você não tem condições de controlar realmente a máquina, a máquina é monstruosa. O Estado hoje entra na vida das pessoas de maneira absurda. Mas essa é a realidade, eu asseguro ao telespectador e ao senhor, professor Bicudo, que esaa comissão vai funcionar, e nós vamos, dentro de pouco tempo, apresentar resultados. Não por vaidade minha, mas porque essa é uma missão a qual eu vou me dedicar com o ímpeto que eu tenho e tive em todas as outras missões as quais eu me dediquei.

Rodolpho Gamberini: Fernando, se para a comissão funcionar for necessário ter queixa da população brasileira, é certeza, se esta for a única condição para que ela funcione, certamente a comissão vai funcionar bastante. Este aqui é calhamaço de telefonemas que nós anotamos, ainda as moças estão anotando perguntas, e você vai levar. Agora eu acho que seria importante você deixar no ar, para terminar o programa, o endereço da comissão, porque várias perguntas, vários telespectadores fizeram denúncias que você vai levar agora, eu peço que você leve, mas que você deixasse no ar para onde as pessoas podem encaminhar as denúncias. Existe um endereço, uma caixa postal, como é que se faz? 

Fernando César Mesquita: Há três tipos, há três formas de você chegar até o Palácio do Planalto. Primeiro, você tem aí a petição e a representação. A petição, como eu expliquei, está prevista na Constituição. Você faz uma petição sobre um determinado assunto, essa petição tem que ser fundamentada. E a representação da mesma maneira: você tem que dizer os fatos, aludir aos fatos os quais estão prejudicando alguém, ou qualquer coisa assim. E tem a denúncia. Simplesmente, você faz uma carta e encaminha para o Palácio do Planalto, Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão, Palácio do Planalto, terceiro andar.  Só mandar...

Rodolpho Gamberini: Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão, Palácio do Planalto...

Fernando César Mesquita: Sim, Palácio do Planalto...

Rodolpho Gamberini: Distrito Federal.

Fernando César Mesquita: Terceiro andar. Agora, há uma outra facilidade. Há uma determinação do presidente aos ministros de Estado, e eles já fizeram valer essa determinação, é que em qualquer ponto do território nacional, qualquer repartição pública federal, da administração direta ou indireta, é obrigada, lá do Chuí, em Cocosi, ou aqui em Bauru, qualquer repartição pública federal é obrigada a receber a denúncia que o cidadão entregar a essa repartição e mandar imediatamente a Brasília. Não tem o direito de entrar no mérito, tem que encaminhar imediatamente à comissão em Brasília, sem intermediários.

Rodolpho Gamberini: E o cidadão não pagaria o correio.

Fernando César Mesquita: Nem isso. A repartição é obrigada a receber a denúncia, a reclamação, a queixa, a representação, petição e encaminhar à Brasília. Da mesma maneira foi solicitado aos ministros que designassem um funcionário qualificado para acompanhar no âmbito de cada ministério todas as reclamações, as queixas, as providências encaminhadas e solicitadas pela comissão a partir do Palácio do Planalto. Portanto eu tenho convicção de que nós vamos fazer um trabalho sério. Por isso que eu fico um pouco revoltado com as críticas apriorísticas, com as críticas que revelam prevenção e são um pouco açodadas [apressadas], bastante açodadas.

Rodolpho Gamberini: Está bem, eu agradeço muito sua presença aqui no Roda Viva e te desejo muito boa sorte, você vai precisar de bastante sorte para tocar esse trabalho direito. E agradeço a todos que participaram do Roda Viva esta noite.

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