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Memória Roda Viva

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Orlando de Salles Senna

3/2/2004

Política, cultura e sociedade são elementos do debate sobre as mudanças e sobre o futuro do setor audiovisual brasileiro

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Paulo Markun: Boa noite. Ele é o responsável pela formulação e pela aplicação de nova política do setor audiovisual, um conjunto de novas regras que dará rumos e definirá incentivos para o desenvolvimento da produção brasileira no cinema, na televisão e também nos conteúdos audiovisuais para circulação na internet. O Roda Viva entrevista esta noite o cineasta, roteirista, escritor, jornalista e professor de cinema Orlando Senna, secretário para o Desenvolvimento das Artes Visuais do Ministério da Cultura.

[Comentarista]: Baiano, de Chapada Diamantina, Orlando de Salles Senna era estudante em Salvador no final dos anos 50, quando a capital baiana vivia um grande agito cultural. Surgiu como documentarista, integrando com Glauber Rocha [cineasta, (1939-1981)], entre outros, o núcleo do Cinema Novo na Bahia. Integrou também o núcleo da nova música baiana que chegava com Gil, Caetano e Tom Zé. Produziu no teatro Vila Velha, em Salvador, o primeiro show dos jovens baianos que buscavam ali o caminho para o Tropicalismo. Mantendo a ligação com a música, teatro, jornalismo e a literatura, Orlando Senna concentrou a atenção no cinema, fazendo documentários, curtas e médias metragens. Nos anos 70, com  [o cineasta paulista] Jorge Bodansky dirigiu 2 longas: Iracema, uma transa amazônica, e Jitirana, ambos interditados pela censura. Fez roteiros para Hector Babenco [cineasta] em  o rei da noite e Ópera do malandro, de Rui Guerra. Roteirizou também outras produções, inclusive com o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez [autor de obras como como Cem anos de solidão e o O amor nos tempos de cólera] com quem fundou a Escola Internacional de Cinema em Cuba, onde trabalhou como professor e diretor.  De volta ao Brasil, dirigiu projetos audiovisuais no estado do Ceará e Rio de Janeiro. No governo Lula, foi nomeado secretário para Desenvolvimento das Artes Audiovisuais pelo ministro [da Cultura], conterrâneo e amigo Gilberto Gil, que obteve para o Ministério da Cultura o controle da política pública para o cinema e audiovisual. É de onde virão as novas regras e os incentivos para desenvolver melhor um setor que já vem rendendo bons negócios. O cinema nacional saiu de uma produção quase zero, no início do anos 90, para fechar o ano de 2003 com mais de 30 lançamentos em circuito nacional. Bateu alguns recordes de público e colocou 4 filmes na lista dos 10 mais assistidos. A prevista transformação da Ancine [Agência Nacional do Cinema] em Ancinave, Agência Nacional de Cinema e Audiovisual, pretende impulsionar mais a produção brasileira,  assegurando mercado e acesso ao público com a união entre o cinema e a televisão. Um dos passos nesse rumo foi dado com a criação do DocTV, através de um convênio entre a Secretaria do Audiovisual, a TV Cultura de São Paulo e outras 19 emissoras que formam a Abepec, Associação Brasileira das Emissoras Públicas  Educativas e Culturais. O projeto que está se tornando modelo de política pública para documentários no Brasil é coordenado pelo núcleo de documentários da TV Cultura. E é a primeira experiência brasileira a incentivar regionalmente a produção, distribuição e exibição de documentários em parcerias entre televisão e produtores independentes. O DocTV recebeu 680 inscrições em todo o país, 26 trabalhos foram escolhidos e já estão em produção, devendo ser exibidos de junho a dezembro deste ano através da rede pública de televisão em 20 estados brasileiros. A Secretaria do Audiovisual prevê outras frentes de ação, estimulando os primeiros filmes de baixo orçamento, criação de cine-clubes, de cinema mambembe, cursos de formação profissional e preservação da memória audiovisual.


Paulo Markun: Para entrevistar Orlando Senna, nós convidamos Geraldo Morais, presidente do Congresso Brasileiro de Cinema; Toni Venturi, cineasta da Associação Paulista de Cineastas, a Anpaci; Ana Paula Souza, repórter de cultura da revista Carta Capital; Roberto Farias, cineasta; Antônio Torres, escritor; e Valmir Fernando, presidente da rede de cinemas Cinemark. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Boa noite.

Orlando de Salles Senna:
Boa noite.

Paulo Markun: O Brasil de alguma forma festeja 4 indicações para o Oscar de um filme brasileiro, o filme Cidade de Deus [lançado em 2002, baseado no livro homônino de Paulo Lins, dirigido por Fernando Meirelles], que tem indicações técnicas, vamos dizer assim: melhor diretor, melhor fotografia, melhor roteiro adaptado. Quer dizer, uma área que surpreende, surpreendeu todo mundo, a imprensa só fala nisso. Queria saber o que é que esse projeto, Cidade de Deus, tem a ver com a política audiovisual que o atual governo faz. Se é que ele tem alguma coisa a ver.

Orlando de Salles Senna:
O filme Cidade de Deus apareceu antes que o governo Lula apresentasse o seu projeto de reformatação do universo audiovisual brasileiro. Se assim pudermos defini-lo. É um filme que passa a ter, ainda mais agora, uma importância muito grande no que se refere à visibilidade do cinema brasileiro. Isso não apenas dentro do país, falo também da visibilidade relacionada com fora do país. Essas 4 nominações, incluindo a de direção, que sempre é uma nominação muito importante, chama a atenção para o cinema brasileiro da atualidade.  Eu acho que devemos isso a vários fatores, mas também, e talvez principalmente, exatamente à qualidade do cinema brasileiro. A partir de 94, 95, quando a produção foi reiniciada, o cinema vem crescendo ano-a-ano, no sentido da diversidade temática, da diversidade de propostas estéticas, também como um ganho principal nessa nova relação, nesse novo caso de amor, digamos assim, do nosso cinema com nosso público. O fato de agora haver essas 4 nominações, eu acho que esse interesse, ou seja, abre possibilidade de estender o interesse também para platéias de outros países. Eu acho que Cidade de Deus vai conseguir, já está conseguindo, ganhar algum desses prêmios e fará ainda muito bem ao nosso cinema. O que se nota no mundo inteiro, pelo menos no mundo ocidental, digamos assim, é que o cinema brasileiro, puxado pela nova imagem do Brasil, está voltando à moda. Já estivemos na moda em determinado tempo, o cinema brasileiro, nos anos 60, depois também um pouco entre 70 e 80, no final de 70, início de 80. O cinema esteve na moda no sentido de que os olhos do mundo estavam voltados para nossa produção. Depois, perdemos esse privilégio, pelo menos durante 10 anos o cinema iraniano ficou na moda, tomou essa posição. Agora, parece que agora estamos voltando de novo a chamar a atenção.

Paulo Markun: Você acha que isso combina com a nova reformatação? Usando expressão do samba: a vida não é só isso, o que se vê é um pouco mais. Tem um projeto que atende esse interesse mundial e pode alavancar o cinema?

Orlando de Salles Senna:
Sim, vários fatores nos apontam essa direção, pois estamos vivendo um momento histórico excepcional, no sentido de possibilidades de se realizar um trabalho, tanto do ponto de vista institucional como do ponto de vista também empresarial. No sentido de que o cinema brasileiro possa consiguir romper um círculo vicioso que marca, na verdade, sua história. É um cinema cíclico, tipo montanha russa, não é? Se pode até medir - alguém que se interesse por isso e que tenha mais atenção nessas coisas. Se pode até sentir como esse movimento se faz a cada 10 ou 15 anos, de subir e descer, não apenas sob o ponto de vista da qualidade, mas também da sua relação com o público. Isso também tem a ver, essa história cíclica do cinema brasileiro, com o que os cineastas inventam, com o que os cineastas conseguem organizar para que o cinema continue a existir. Ou seja, no que se relaciona à produção, por exemplo, a cada 10 ou 15 anos, o cinema brasileiro inventa uma nova maneira de se financiar. Há 10 anos estamos, por exemplo, utilizando as leis de incentivo, de renúncia fiscal, que há uma década, ou um pouquinho mais, é o que possibilita continuarmos a produzir. Já não está acontecendo tanto isso, mesmo que o respaldo e a resposta do público não fosse muito forte. Ou seja, uma maneira de produzir em um país que tem o seu mercado consumidor quase que totalmente ocupado por um produto estrangeiro. É como inventar a mágica. E, a cada 10 ou 15 anos, o cinema brasileiro muda a maneira de encontrar esses recursos. Ou seja, é uma história cíclica. Acho que neste momento, a partir de diversas circunstâncias, abre-se a possibilidade de romper o ciclo vicioso, de encontrar caminhos de sustentabilidade para nosso cinema.  Um caminho que tem a ver exatamente com, digamos, o casamento do cinema e a televisão, com uma visão, como um tratamento audiovisual da questão, e não apenas com o cinematográfico.

Geraldo Moraes:
Você falou na visibilidade do cinema brasileiro no exterior e sobre o que Cidade de Deus representaria. Cidade de Deus é um filme e o Oscar é a exceção. Eu perguntaria o seguinte: o que pretende o Ministério da Cultura e sua Secretaria no sentido de fazer com que a presença do cinema brasileiro no exterior seja um fenômeno regular, não apenas restrito a alguns filmes de exceção e também não apenas nos prêmios? Quero dizer em termos de presença no mercado, em termos de exportação do cinema brasileiro, colocação do cinema brasileiro como pauta da exportação do Brasil? 

Orlando de Salles Senna:
Acho que isso está interligado com o que acontece aqui dentro. Também aqui, no nosso mercado interno, a gente não pode confiar e colocar todas as fichas em filmes de grande sucesso. Nenhuma cinematografia se sustenta a partir de filmes de grande impacto. São poucos porque a cinematografia nacional se sustenta a partir de seu filme médio, da recepção, digamos, normal, pouco acidentada, da sua produção média por parte do seu público. Eu acho que isso também tem a ver com uma política, digamos, de visibilidade do cinema brasileiro extra fronteiras. Também aí não temos de confiar exclusivamente nesses acontecimentos artísticos ou empresariais, que é o grande sucesso de um filme. Nós temos que estabelecer também lá fora uma relação do público de outros países com o nosso filme médio, com o filme que tenha uma carreira não meteórica, mas uma carreira segura e estável. Nossos esforços, o desenho de uma política institucional para isso, têm a ver com essa relação daqui de dentro. Ou seja, a visibilidade também do cinema médio, visibilidade interna e externa. Mas, pontualmente, existem, já em andamento, negociações basicamente com a Índia, com a China, começando agora com a Rússia, no sentido de estabelecermos acordos de co-distribuição. Esses países também estão interessados em outros aspectos da atividade audiovisual. Por exemplo, a Índia está interessadíssima em filmar no Brasil. A Índia faz mais de 1000 filmes por ano e, segundo os dirigentes do audiovisual indiano, existe como uma fome muito grande por parte de suas platéias de ver geografias físicas ou humanas novas. Ou seja, eles querem filmar histórias indianas no Brasil. Inclusive, já está começando uma co-produção Índia-Brasil nesse sentido. Além dessas negociações, que estão sendo iniciadas com esses importantíssimos mercados, da Índia e da China, também existem entendimentos avançados com o mercado latino-americano. Na verdade, ibero-americano. Essas negociações estão sendo encaminhadas através da Conferência das Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais Ibero-americanas. Estão caminhando no sentido de que o acordo de co-produção e co-distribuição que fizemos com a Argentina possa se transformar num acordo multilateral, envolvendo todos os países ibero-americanos. Existem também outras iniciativas, que têm a ver, por exemplo, com os países de língua portuguesa. Ou seja, pelo menos nessas 3 direções já se está trabalhando: liberação ibero-americana, países de língua portuguesa e ligação direta com grandes mercados internacionais: Índia, China e Rússia.

Toni Venturi:  Boa noite, Orlando.

Orlando de Salles Senna:
Boa noite.

Toni Venturi:  Você comentou do cinema brasileiro, disse que para romper esse ciclo, só mesmo havendo sustentabilidade. Você falou da casamento entre o cinema e a televisão, para mim esse é o nervo, vamos direto a ele. A relação cinema e TV, acreditamos, é fundamental. Todas as cinematografias européias, através de legislação, estimularam as TVs a entrarem em co-produção com a produção local. Porém, como produto de produção independente em suas TVs. O Ministério acena com uma nova lei geral de cinema, que seria a Ancinave, que estabeleceria esse casamento entre cinema e televisão.  Nós conhecemos as intenções, mas não conhecemos os detalhes. Queria saber o que você pode adiantar concretamente, principalmente em relação a qual vai ser o compromisso da televisão em se envolver em co-produções com os produtores independentes?  Segundo, os nossos filmes, não só produzidos em houses, como da Globo Filmes, serão exibidos nas TVs abertas e pagas? Haverá uma certa obrigatoriedade de exibição para que haja um escoamento da nossa produção? E eles serão adquiridos pelo verdadeiro valor de mercado? 

Orlando de Salles Senna:
Você faz perguntas difíceis. Você mesmo disse: até onde você pode adiantar esses assuntos. Começamos pelo geral, ou seja, os movimentos do governo nessa direção, que foram passos institucionais de organizações, digamos, do próprio governo em relação a isso. A começar pela criação e agora instalação, no dia 11 de fevereiro, do novo Conselho Superior de Cinema. Logo que houver um encontro desse Conselho, com o projeto de criação da Ancinave, ele será transformado em Conselho Superior de Cinema e do Audiovisual. Ou seja, é um passo importante, não apenas porque amplia o raio de ação da nossa agência relacionada com o tema da televisão e todas as mídias afins, mas também porque esse Conselho abriga o que nós consideramos como desenho institucional de sustentabilidade de televisão audiovisual, que são 9 ministérios.  Houve uma saudável discussão no ano passado, para estabelecer em que ministério a agência deveria estar vinculada. Discutiu-se muito, digamos, a partir das ações de desenho de cada ministério. Quer dizer: a Ancine pode caber mais no Ministério da Indústria e Comércio, pode caber mais no Ministério de Relações Interiores, no Ministério da Cultura? O governo decidiu pelo Ministério da Cultura por uma razão muito simples: o que se procurava era qual ministério poderia articular, encabeçar e articular um pool ministerial que, na verdade, possa responder às necessidades empresariais e artísticas do cinema. Então, formou-se esse grupo de 9 ministérios que correspondem, digamos, a todos os aspectos de expressão audiovisual, que é arte, cultura, indústria, comércio, tecnologia, relações exteriores e educação. Todos os ministérios relacionados com essa irradiação, digamos, da atividade audiovisual estão presentes nesse novo Conselho.  Além, evidentemente, de 9 representantes do setor e da sociedade civil.  Ou seja, a escolha do Ministério da Cultura para encabeçar e articular esse pool ministerial, foi no sentido de que o cinema, a televisão e todas as expressões audiovisuais, tudo isso que a gente acabou de mencionar, é essencialmente cultural.  Ela é, em sua alma, em sua maior profundidade, uma expressão cultural. Por isso, o Ministério da Cultura foi escolhido. Não quer dizer com isso que um seja mais importante do que os outros. Acho que aí está a importância maior desse Conselho, respondendo sua pergunta, O Conselho deu a ação dessa providência com relação ao desejo nosso, desse casamento e do cinema. Um passo seguinte, evidentemente, é a ampliação da agência que trata do assunto de Agência Nacional do Cinema para Agência Nacional do Cinema e Audiovisual. Você quer ir mais além, perguntando sobre providências concretas em relação a isso. Estamos ainda na fase de negociação e discussão com todos os interessados, com todas as pessoas envolvidas, com todos os setores, todas as áreas envolvidas na questão. Creio que não seria adequado, nem de bom tom, estar adiantando assuntos que ainda estão em negociação e discussão. Mas posso lhe dizer que existe uma demonstração de boa vontade por parte dos setores envolvidos nisso. Ou seja, se falarmos diretamente na televisão - que nesse caso seria a atividade mais próxima do tema, desse casamento, já que o cinema, embora não pareça, historicamente sempre esteve de alguma maneira de portas abertas para esse encontro -, ela é quem tem mais o que discutir neste momento. Nossa impressão, a partir do governo, a partir do Ministério da Cultura, é que isso está caminhando muito bem. Existe um sentimento de parceria entre a televisão, basicamente a televisão aberta, a televisão privada aberta, no sentido de que estamos encontrando uma linguagem comum para que a prática desse casamento seja possível.  Eu acrescentaria apenas que estamos começando - e isso foi intencionalmente assim - estamos começando pela nossa própria casa, a televisão pública. Existem várias ações, vários movimentos, no sentido de que a televisão pública seja uma aliada forte, uma aliada que se transforme indispensável para o cinema brasileiro. Isso não apenas no sentido de uma futura reformatação da televisão pública brasileira para que ela seja realmente pública, ou cada vez mais pública, mas também no sentido de ações pontuais, como as mencionadas há pouco aqui na apresentação do programa. Ou seja: concursos e editais diretamente relacionados com o cinema, sendo realizado para a televisão, para o cinema, para o filme que é feito já com data marcada de exibição nas nossas redes.

Roberto Farias: Orlando, vocês estão pensando em mudar a Ancine para uma Agência do Cinema e do Audiovisual.

Orlando de Salles Senna: Vocês ou nós? 

Roberto Farias:
Nós todos, do cinema brasileiro e do governo.  Nós sabemos que o cinema brasileiro tem vivido, a produção tem vivido de incentivos fiscais. Sabemos também que a quantidade de filmes importados para o cinema, oscila mais ou menos em torno de 400 filmes por ano. Mas, para a televisão, isso se amplia enormemente. Nós sabemos que o produto brasileiro da televisão é o que mais aceitação tem. Quer dizer, a dramaturgia brasileira na televisão é o produto mais caro que a televisão tem.  Algumas emissoras fazem mais, outras fazem menos, outras fazem nada. Como é que você acha que nós vamos conseguir incentivar, porque você vê a coisa aumentar exponencialmente. Quer dizer, o problema que nós temos no cinema vai ser agora muito maior, porque as televisões ainda exibem muito produto estrangeiro. Como é que nós vamos conseguir incentivar também a televisão para aumentar a quantidade de produto nacional nas televisões? 

Orlando de Salles Senna:
Já existe um dado que ajuda muito o cinema brasileiro nessa direção. Você, inclusive, mencionou isso. É o fato de que o filme brasileiro, na televisão brasileira, tem uma audiência geralmente superior a do filme estrangeiro. Historicamente, quando qualquer emissora aberta de televisão faz essas famosas semanas do cinema brasileiro, essas semanas têm uma audiência superior a semanas semelhantes, que não são realizadas com filmes brasileiros. Ou seja, podemos chegar à conclusão bastante óbvia de que o público de televisão brasileira gosta de ver filmes brasileiros na televisão. O ano passado, a partir de 2002, na verdade, também se chegou  a uma conclusão exatamente igual a essa sobre o público de cinema. O brasileiro gosta do seu cinema. Foram 22 milhões de pessoas, de ingressos, do cinema com filme brasileiro, no ano passado, em 2003, no nosso mercado. Não significa que 22 milhões de pessoas foram ver esses filmes, mas, sim, que um número que eu não consigo imaginar foi ver um filme, no início do ano, e depois, essas mesmas pessoas voltaram para ver outros filmes brasileiros. O dado mais importante que eu acho, em todas as questões que estão fervilhando atualmente no que se refere a isso, é essa nova relação, ou essa relação restaurada, do nosso cinema com nosso público. As pessoas acham, inclusive, que é uma relação até mais sólida do que outros tipos de namoros, que aconteceram em outras épocas. Em outras épocas existia determinado gênero e determinado tipo de filme brasileiro, que chamava especialmente a atenção desse público. Como aconteceu com a comédia radiofônica, como foi na época das chanchadas, como foi a época do erotismo, da pornochanchada. Existia sempre um chamariz específico que puxava o espectador brasileiro para ver filme brasileiro. Atualmente, não existe nenhum gênero tão marcante, ou nenhum tipo que chamemos gênero, nenhum tipo de filme que possa atrair tanto a atenção de nosso público. No entanto, estamos tendo multidões vendo filmes brasileiros em nossas salas. Eu acho que a partir desse dado... Ou seja, que quem faz cinema brasileiro, quem distribui cinema brasileiro, quem exibe cinema brasileiro, tende, a partir desse dado... não é mais uma suposição, quer dizer, é um dado real, ou seja, há publico para nos acatar, seja na tela grande de cinema, seja na tela de televisão, seja através do vídeo doméstico. Este momento tem que ser aproveitado em todo sentido, não apenas pelo governo, mas basicamente pelo empresariado que tem que entender com mais profundidade o que está acontecendo na relação do cinema brasileiro com o povo brasileiro. Quer dizer, tem ações a partir disso que nos levarão a resultados bem importantes.

Paulo Markun: Eu queria pedir licença para um rápido intervalo, voltamos em instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta a Roda Viva, nesta noite entrevistando Orlando Senna, responsável pela Secretaria do Audiovisual - pelo menos esse era o nome original -, do Ministério da Cultura. Orlando, para fazer uma provocação aqui, vou ler a pergunta de Milton Robson Veiga, de São Paulo, capital. Ele diz o seguinte: "Apesar da qualidade fantástica do cinema atual brasileiro, lamento que não dê para assistir grandes filmes, pois grandes exibidores, como o Cinemark, não exibem a maioria dos filmes, só para citar alguns que me vêm à memória agora: Cronicamente inviável, Madame Satã, Amarelo manga. Iriam lançar agora Narradores de Javé, [todos os filmes citados foram bastante premiados e elogiados pela crítica e são consideradors filmes de arte, ou filmes de fora do circuito comercial] mas, para assistir esses filmes, tenho que me locomover até o centro, pois eles são exibidos em poucas salas de São Paulo." Acho que o Milton - por isso digo provocação, já que o Valmir [presidente da Rede Cinemark] está aqui -, coloca a questão de que temos, sim, 35 filmes sendo produzidos, mas boa parte desses filmes, seja nas redes de várias salas, ou nos cinemas de modo geral, passam por um curtíssimo espaço de tempo. Como se resolve isso?

Orlando de Salles Senna: Talvez tenha que dividir essa resposta com o Valmir, não é?

Paulo Markun: Por isso que a provocação é dupla.

Orlando de Salles Senna: Evidentemente, ao se colocar isso, estamos colocando a questão da infra-estrutura.

Paulo Markun: De exibição?

Orlando de Salles Senna: Física, de exibição...  Isso é um fato já sabido, talvez até por boa parte da população, porque sempre estamos batendo nisso e a imprensa faz eco nesse tipo de coisa, que é o número muito baixo de salas de exibição que temos no Brasil. Isso não só no sentido até de corresponder com a nossa própria produção, mas também de importância, digamos assim, do nosso mercado consumidor, que não se reflete nesse número tão exíguo de salas. Eu acho que um dos caminhos a serem trilhados para se buscar solução para isso é exatamente a recomposição do nosso parque exibidor aos níveis que atingiu no passado, de 5 mil salas. Embora eu ache que deveríamos voltar a esses patamares, mas de qualquer maneira será uma reconquista desses espaços de uma maneira substantiva. 

Paulo Markun: Mas isso é tarefa de governo?

Orlando de Salles Senna: É uma tarefa de governo.

Paulo Markun: É? 

Orlando de Salles Senna: É tarefa de governo também, no sentido do estímulo, por exemplo. Podemos mencionar, digamos, providências já materializadas, como o lançamento dos Funcines [Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional], feito em novembro do ano passado pela CVM [Comissão de Valores Imobiliários] e pela Ancine. São fundos de investimento, digamos assim, descartáveis, já que as empresas ou pessoas físicas podem descontar o gasto desses fundos no Imposto de Renda. São fundos destinados também à construção de salas de cinema. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] está estudando o lançamento de uma carteira de financiamento bastante confortável para as pessoas que queiram atuar nesse campo, que também estejam focando na construção ou na restauração de casas de cinema. Existe também outros projetos governamentais que vão nessa direção, que é um
dos projetos mais queridos do Ministério da Cultura, também dos mais caros e mais difíceis de serem implementados, que é a criação de uma rede popular de exibição, com espaços que possam cobrar 10%, digamos, do preço do ingresso comercial, para que seja possível atrair contingentes de espectadores que, nas condições atuais, nem chegam perto de uma casa de exibição. Acreditamos também que temos que aumentar o número de espectadores no nosso mercado, apesar dessa quantidade tão badalada no passado, de 22 milhões de pessoas vendo filmes brasileiros. Na verdade, esse número, se o colocamos diante do tamanho e da grandeza deste país, não só no que se refere à grandeza populacional, mas cultural, a grandeza de país emergente, seu lugar de nona economia do mundo, 22 milhões de ingressos para o cinema nacional não é grande coisa nas dimensões em que vivemos. Há de aumentar o número desses espectadores e isso só será possível a partir da qualidade dos filmes, da visibilidade dos filmes e do espaço físico onde as pessoas poderão ir, terão capacidade de ir, terão a possibilidade de ir. Atualmente, nós não contamos mais com o público que garantiu em épocas passadas o êxito, o sucesso dos nossos filmes, que era um público, em geral, denominado como classe C e D. Era um contingente de renda não muito alta e que garantiu o sucesso da chanchada e outros gêneros. É maciça a presença de platéia em filmes brasileiros no final dos anos 70 e 80. Esses públicos, nós perdemos e um dos projetos é reconquistá-los, porque exatamente essas pessoas não têm poder aquisitivo para pagar um ingresso de cinema nos preços atuais. E também não tem mobilidade social para freqüentar cinemas de shopping. Ou seja, temos de conseguir implementar algumas correções no desenho do mercado consumidor brasileiro, embora a tendência seja dos cinemas fechados em centros comerciais. Eu acho que seria, digamos assim, um erro bastante grave se abandonássemos definitivamente o cinema de rua, o cinema de bairro. Acho que as duas maneiras de se freqüentar cinema devem conviver, para que tipos distintos de públicos possam ser atendidos. Ou seja, é uma das providências entre as muitas que devem ser tomadas, que devem ser encaminhadas, para que essa festa de inauguração, que é como eu considero o ano passado, o ano de 2003, seja realmente uma festa de inauguração. E que 2004 e 2005 sejam uns dos primeiros anos de uma nova era real para o cinema brasileiro e não apenas um pipocar de foguetes. 

Paulo Markun:  Queria pedir a opinião do Valmir, cuja a organização foi indiretamente citada. 

Valmir Fernandes: Respondendo, primeiramente, acho que tem que se sentir e se conhecer a diferença que existe entre o circuito comercial e o circuito de arte. Algumas vezes isso tem que ser notado. Filmes como o Cronicamente inviável [de Sérgio Bianchi, 2000], que foi lançado no Brasil, que tem 1.880 salas com duas cotas. É impossível ter acesso a isso. Filmes como Amarelo manga [de Cláudio Assis, 2002, ganhou prêmio do Ministério da Cultura para filmes de baixo orçamento, tendo custado 500 mil reais] e Madame Satã [de Karim Ainouz,
2002] foram lançados no circuito em questão, no Cinemark, e em outros circuitos comerciais, em posições selecionadas. Então, existe o lançamento, mas o próprio distribuidor privilegia o cinema de arte, que é o cinema que atrai o público que prefere alguns desses produtos, não a totalidade. Eu diria que Narradores de Javé [de Eliane Caffé, 2003] também entrou em cartaz, ao mesmo tempo em que 2 outros filmes brasileiros, que foi um filme da Angélica [apresentadora de televisão], Show de verão, e A cartomante [de Wagner de Assis]. Então, alguns circuitos preferiram trabalhar com os produtos por acharem que eram mais afeitos ao tipo de público. Ou seja, essa é uma situação que é mista, não é simplesmente questão de determinado filme não ser lançado numa determinada cadeia. Existem essas condições. Às vezes, filmes sofisticados e estrangeiros, posso citar Dogville [filme americano, dirigido por Lars Von Trier], Adeus, Lenin [ filme alemão, dirigido por Wolfang Becker] ou Encontos e desencontros [filme americano, dirigido por Sofia Coppola], também são filmes que você não vai encontrar normalmente no circuito comercial em todas as posições. Eles são lançados em posições específicas. Então, isso são características e nuances do mercado que têm que ser consideradas. Espero estar respondendo ao telespectador em relação à dúvida que ele colocou. Falando, agora, com o Orlando e perguntando especificamente sobre cinema, é um momento particularmente feliz, a questão do Cidade de Deus no Oscar. Acho que temos que focar em tudo o que aconteceu de bom em 2003. Diria que para um governo, que fala e deseja demonstrar um espetáculo de crescimento, acho que o setor de cinema e principalmente o setor de exibição demonstrou isso nos últimos 5 anos. Foram mais de 600 salas novas, 600 milhões de reais de investimentos, houve a criação de mais de 4 mil empregos diretos, mais de 50 milhões de ingressos vendidos em relação à realidade de 1997. Obviamente, não por mérito apenas do setor de exibição, mas por mérito de toda a indústria. Houve um aumento de 21% de participação de mercado do filme nacional, no mercado doméstico, ou seja, dados inquestionáveis de um show de crescimento. O que acontece em relação a isso é que esse investimento deveria ser continuado para se buscar elevar esse número, de 1880 salas, para 2 mil, 3 mil salas. O objetivo seria encontrar mais espaço e mais condições de se lançar filmes de todas as nacionalidades, principalmente os filmes brasileiros, sem os quais o mercado não vai sobreviver ou desenvolver a contento. Assim, vai conseguir chegar a algumas dessas classes C e D que nós aqui falamos. A pergunta é: como é que o governo espera continuar a criar condições para que esse nível de investimento seja feito? E isso ao mesmo tempo em que ele atua na primeira situação, aumenta a reserva de mercado e cria uma condição de insegurança ou risco para o setor? Como a gente converge - e aí falando de parcerias que está se buscando como a televisão - o interesse de todos no aumento do número de salas, com uma intervenção maior que nós não sabemos aonde é que vai se posicionar?  Como a gente pode ver isso daqui para frente, quais são as respostas que a gente pode esperar do governo? 

Orlando de Salles Senna:
Para refletir sobre isso precisaríamos de um esclarecimento seu. Você disse que existe uma margem de insegurança com relação a uma cota de tela?

Valmir Fernandes: Eu vou tentar ser mais claro. Eu falei em risco. Risco existe a partir do momento em que se cria uma obrigatoriedade e não se procura avaliar necessariamente se o público vem junto com essa obrigatoriedade. Quando se estabelece uma reserva de mercado fundamentada em guias de exibição - eu citei isso numa reportagem -, é a mesma coisa que você estabelecer que uma empresa aérea vai comprar aviões da empresa que produz localmente, com ou sem passageiros. Então, alguém tem que bancar esse ônus. Então, quando se fala em risco de 2003 para o cinema brasileiro, não houve risco, houve uma situação de sucesso generalizado. No entanto, os próprios institutos do governo, como divulgado pela Folha de S. Paulo, mostram que existe possibilidade de uma queda do público de cinema brasileiro em 2004. Então, em função disso, existe um risco. Em função disso, uma obrigatoriedade maior cria uma situação de risco para esse capital investido. E a gente gostaria de entender do governo que segurança ou que possibilidades haverá, além dos Funcines, que nós conhecemos. Mas os Funcines tratam do capital a ser investido. Estamos preocupados porque houve investimentos de capital, nacional e estrangeiro, de vulto na atividade, que precisam entender quais são as regras do jogo.

Orlando de Salles Senna: Primeiro, eu acho que devemos entender como são calculadas e decretadas as cotas de tela, que é um procedimento utilizado pela maioria dos países. É um procedimento, inclusive, recomendado pela Organização Mundial do Comércio, que os países, principalmente os países ascendentes, devem utilizar essa reserva de mercado como garantia para que a sua produção e sua atividade cultural também tenha um respaldo, digamos assim, uma garantia. Este ano, o governo aumentou a cota de tela com relação a que estava valendo no ano passado. Isso a partir de estudos da Ancine e a partir também, evidentemente, de consultas a todos os setores desenvolvidos na questão. Ou seja, a produção, distribuição e exibição foi levada em conta. Evidentemente, isso que você acaba de dizer, que não se espera que em 2004 se repita a ocupação do nosso mercado nos mesmos níveis que foram feitos em 2003....  Houve um salto, digamos assim, muito forte, um aumento de mais de 200% nessa ocupação. O filme brasileiro esteve em nosso mercado ocupando cerca de 22% do espaço. Não se espera, nada nos indica, que em 2004 possa haver uma ocupação igual, mas também nada nos informa, ou nos indica, que em 2004 a ocupação descerá a patamares inferiores. Ou seja, ninguém acredita que a ocupação do cinema dos filmes brasileiros no mercado volte a 7%. Todos os cálculos, projeções, nos levam a uma boa margem de erro. Evidentemente, como qualquer projeção, a uma ocupação entre 15% e 16%, que é o que corresponde, mais ou menos, à cota de tela de 63 dias. O governo, através da Ancine, e depois como decisão da presidência da República, chegou a esse número também a partir de sugestões bastante desencontradas de 2 setores da atividade, que é a produção e a exibição. Quando um setor tão importante, como a produção, demanda 91 dias de cota de tela e outro setor de importância igual, que é o de exibição, demanda 49 dias, a diferença entre um e outro é tão gigantesca que o governo entende que não está havendo ainda um entendimento entre essas duas importantíssimas áreas de atividade cinematográfica. Por isso, tem que haver uma arbitragem, evidentemente, a partir do melhor que se pode calcular, do que melhor se pode projetar, com relação ao ano seguinte. Mas eu não creio que haja qualquer risco, no sentido de que se essa cota de tela está para menos ou para mais do que pode o mercado alcançar, evidentemente, o governo fará correções e está disposto a fazer qualquer correção. 

Valmir Fernandes:
Significa que exibidores não serão multados? 

Orlando de Salles Senna: Não, eu não chegaria a tanto, depende de comportamentos dos exibidores. Os exibidores são parte mais que importante nesse crescimento, nessa onda de crescimento, nessa vontade de se chegar à sustentabilidade do cinema brasileiro. Ou seja, são elementos de importância capital e, evidentemente, nenhum negócio será bom, envolvendo audiovisual, o cinema, se também não for bom para os exibidores. Eu acho que estamos chegando ao momento em que essas distintas áreas de atividade deverão se entender de uma maneira mais positiva e mais substantiva, inclusive para que o governo não tenha que arbitrar tanto.

Ana Paula Souza: Voltando um pouco à questão da visibilidade, até tomando como exemplo alguns filmes citados por esse espectador. Todos os filmes que ele citou têm em comum o fato de não serem nem Globo Filmes e nem terem a indústria americana atrelada a eles. 92% dos ingressos vendidos no ano passado tinha o nome da Globo Filmes atrelados a eles. Eu gostaria de saber se o Ministério da Cultura não considera uma distorção o que está acontecendo no cinema brasileiro? Todos os grandes sucessos, sem exceções, são feitos com leis de incentivo, leis essas utilizadas por empresas americanas e grandes empresas. Se é assim, o que deve ser mudado nessas leis gerais do cinema que estão sendo planejadas? 

Orlando de Salles Senna:
Não me refiro a essa nova lei geral. Para que não haja confusão, alguém disse assim "a lei geral que cria a Ancinave". Na verdade, o projeto da Ancinave será materializado a partir de uma norma específica, que pode ser uma medida provisória ou um projeto de lei. O que o governo pretende, e já começou a articular, é a elaboração de uma norma geral do audiovisual para o Brasil, um estatuto do audiovisual.  Inclusive, não apenas para corrigir as muitas distorções das leis de renúncia fiscal, no que se refere à aplicação de projetos audiovisuais, projetos de maneira geral. E isso em várias legislações, que têm que ser encaminhadas e corrigidas, como por exemplo a utilização de dinheiro público em uma grande empresa exclusivamente para suas fundações culturais, seus centros culturais. Essa distorção, por exemplo, impediu que boa parte desses recursos chegassem ao seu destinatário originário, digamos, para quem foi pensado as leis, que era o setor de produção independente cultural brasileiro. Várias outras distorções tendem a ser encaminhadas e reajustadas, digamos assim. No que se refere à questão da eclosão na produção cinematográfica, e também refletindo sobre a difusão desses produtos de uma grande empresa de comunicação brasileira, é um fato que nós devemos absorver, não como uma distorção, mas sim como um fato novo que pode existir, que pode incidir em qualquer cinematografia nacional. Não é, digamos, criando impedimentos para que grandes produtoras como a mencionada, ou seja, a Globo, ou impedindo que as empresas estrangeiras possam alimentar, adubar, a produção brasileira, que vamos encontrar soluções para o problema geral. Eu acho que temos de caminhar por outras cenas, como aquela que eu já mencionei aqui, que é o governo pautar e focar, de uma maneira muito especial, a produção média. Ou seja, tentar dar uma visibilidade adequada, uma visibilidade que possa obter boas respostas do filme médio, do filme que você acaba de mencionar.

Ana Paula Souza:
Mas como fazer isso se grande parte dos filmes têm visibilidade na TV Globo e têm esse dinheiro das empresas americanas, que usam na produção o dinheiro incentivado, e depois ainda lucram com as distribuidoras do filmes?  Como tornar essa briga um pouco mais compatível? 

Orlando de Salles Senna: Primeiro, através das correções normativas. Estamos falando disso basicamente desde que começamos esta conversa. É necessário uma norma mais clara, mais precisa, mais moderna e mais direcionada ao que vai acontecer nas novas décadas. Não temos uma legislação brasileira referente a essa atividade, pois ela é praticamente inexistente, ineficaz, como é o caso do que se refere à televisão aberta privada. Então, ela é muito numerosa e variada, como a legislação referente diretamente aos cinemas, que é muito ampla e vem sendo feita há muitas décadas. Chega neste momento, neste sagrado ano de 2004, com resultado que temos, com praticamente toda a produção de cinema brasileira dependente das "tetas" do governo. Ou seja, isso não é um bom resultado para a legislação de um país que pretende perseguir uma sustentabilidade real para a produção de cinema, que pretende criar possivelmente uma indústria cinematográfica. O caminho é outro, o caminho é outro tipo de legislação. A responsabilidade do governo precisa ser dividida com a responsabilidade do setor privado, do empresariado nacional e também pela sociedade. Enquanto não houver essa soma, esse dar-se as mãos, entre o governo, o setor privado e a sociedade, a gente vai ficar patinando. Não é... talvez através da discussão, se uma empresa grande que entra no setor pode direcionar esses setores, é que nós vamos ter uma boa percepção do que nós queremos fazer. Seria ideal que todas as empresas de televisão tivessem as suas produtoras de filmes e jogassem no ar, não apenas a TV Globo, mas todas elas. Mas também, evidentemente, é necessário que o governo se ocupe de oferecer visibilidade aos filmes médios, a produção média. Estamos tentando fazer isso, que é difícil, oneroso etc. Estamos tentando fazer através de caminhos. Há um século, o dinheiro público é destinado à produção de cinema e nem um centavo é destinado à difusão dessa produção, à comercialização dessa produção.  De maneira inédita, historicamente inédita, este governo está começando essa ação, que é o fomento direto à comercialização do filme brasileiro. Eu acho que, com isso, a depender da dimensão dessa intervenção governamental, podemos ter uma modificação importante nesse mercado.
 
Antônio Torres: Orlando Senna, você viveu várias experiências em sua vida no cinema.

Orlando de Salles Senna:
Somos da mesma idade, não? 

Antônio Torres:
É que você está com cara de menino. É o seguinte, dentro dessas experiências, houve a Escola de Cinema de Cuba e a Escola de Cinema do Ceará. Eu estive na do Ceará, por duas vezes, a seu convite, e achei que era um trabalho magnífico. Aquilo de repente parou. A primeira pergunta: o que aquilo representou para um possível plano de cinema no Nordeste e por que parou?

Orlando de Salles Senna:
Eu acho que teve um significado muito importante para a atividade cultural e artística do estado e particularmente para a capital Fortaleza. Durante 4 anos, um grupo de pessoas, digamos, apoiado nesse quadro e pela comunidade, conseguiu produzir 14 longa-metragens, um número significativo de curta-metragens, dezenas de espetáculos teatrais e um número enorme de espetáculos de música. Ou seja, houve uma agitação durante 4 anos que, evidentemente, eu acho que algumas comprovações podem ser encontradas lá. Eu acho que foi um enorme estímulo, de maneira geral, para a criação artística e para a atividade cultural da cidade. Agora, como eu, digamos... A realidade de um pólo foi uma proposta, foi uma tentativa, foi também, digamos, como buscar exemplificar que era possível fazer. Terminou por problemas políticos estaduais. Por atritos internos dentro do PSDB [Partido Social Democrata Brasileiro] cearense. Uma explicação nada mais charmosa do que essa: briga política e pouca visão de estadista por parte dos políticos. Muitos dos nossos políticos têm, digamos, uma dimensão política, que é uma dimensão... Mas falta uma dimensão de estadista, ou seja, de pensar no estado, de pensar no futuro do seu estado, do seu país, da sua cidade e da sua comunidade. Eu acho que em muitos momentos, no Brasil, projetos culturais, projetos artísticos importantes, foram descartados quando começavam a crescer. É exatamente essa questão, ou seja, existem muitos projetos de grandeza no Brasil, mas há certa deficiência de nossos políticos, de boa parte deles, por não terem um dimensão de estadistas. De sentirem a sua obrigação de político circunscrita a situações e a épocas muitos reduzidas.

[intervalo]:

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando Orlando Senna, responsável pela Secretaria de Cultura. Orlando Senna, eu moro em Florianópolis, estou lá há 5 anos com muita alegria. Em Santa Catarina, a TV Cultura, que hoje é administrada por 2 universidades, a Universidade Federal e Universidade Estadual, tem como verba mensal 20 mil reais. Em uma situação como essa, que é absolutamente inacreditável, é muito boa a iniciativa que o governo federal fez junto à TV Cultura de São Paulo, de lançar edital chamado DocTV, que oferece 90 mil reais para a produção de um documentário de baixo orçamento. Isso é feito em um concurso e são 28, se não me falha a memória, 28 documentários.

Orlando de Salles Senna:
Organizados em vinte estados.

Paulo Markun:
Vinte estados e muitos deles com situações semelhantes à TV Cultura. Como a gente sai de uma situação como essa, de uma emissora que tem 20 mil reais de verba mensal, para uma situação em que a TV pública possa ser uma realidade no Brasil? 

Orlando de Salles Senna:
Você me faz perguntas difíceis.

Paulo Markun:
É meu ofício.

Orlando de Salles Senna:
Há prospecções que podem ser feitas para os próximo 10 anos, para que nós possamos ter uma televisão pública realmente bem alimentada. Ficaríamos conversando muito tempo e teremos que trocar idéias, não dizer exatamente o que deve ser feito. Podemos ter idéias do que pode ser feito, nesse sentido. Evidentemente. quando você faz uma menção dessas, você dá o exemplo de uma televisão pública que tem 20 mil reais de orçamento, já estamos navegando em surrealismo, não é? Evidentemente que nem merece comentários.  Eu acho que também a questão da televisão brasileira pública tem de ser analisada, tem de ser prospectada e tem de ser redesenhada no seu conjunto, na sua globalidade. Existem questões relacionadas ao conteúdo, apesar da qualidade que vemos historicamente na TV pública brasileira. Nesses 10 anos, inclusive, temos a questão administrativa, do dinheiro, que é uma questão da sustentabilidade econômica e também a questão das plataformas. Ou seja, até onde chega a televisão pública e até onde ela pode chegar.  Acho que são 3 aspectos e eu os menciono porque são exatamente os aspectos sobre os quais o governo está colocando seu foco, para ver até onde podemos chegar em 3 anos. Não se trata apenas no desenho dessa situação, o que é mais fácil, mas também de algumas ações substantivas nesse sentido. Eu acho que tem de começar, e esse nosso esforço é o nosso assunto no Ministério da Cultura, que é o conteúdo. O Ministério da Cultura cuida basicamente e essencialmente do conteúdo do audiovisual brasileiro. Eu acho que temos de começar por aí: o que se pode fazer, além de promover uma conferência, que é nossa intenção este ano, sobre a TV pública brasileira para que possamos ter definições claras que não venham apenas do governo, mas principalmente das pessoas que atuam no setor. Além disso, para ter essa visão mais clara do que devemos fazer. Sobre as providências que estamos tomando, elas são no sentido de criar condições para que a TV pública possa se gerir nesse novo desenho, que é o caso mencionado por você, do projeto DocTV, que este ano, tem uma nova edição, com novos moldes, diferentes do que se fez no passado. Isso também se estende, inclusive, por demanda dos estados, que começam a desenvolver DocTVs estaduais e até municipais: DocTV Minas Gerais, DocTV São Paulo. Agora também já começam a andar, já aprendem a andar, mas está difícil reunir interessados nisso. A DocTV América Latina também será realizada este ano e pensamos também, não para este ano, mas para o próximo ano, nos países de língua portuguesa. E podemos mencionar também todas as ações que estão em andamento, como a TVE Educativa, que eu mencionei, com a TV... como é?

Paulo Markun:
TV Cultura.

Orlando de Salles Senna:
TV Cultura. E também temos projetos de desenvolvimento com a TVE, que são séries infantis, séries de animação, inclusive, dentro da vocação da TVE. Ou seja, há algumas medidas práticas para insuflar e oxigenar o que tende a ser uma ação do governo muito mais forte, muito mais global, a ser desenhada com muito cuidado e eficácia, digamos assim.

Toni Venturi: Queria voltar à questão do adubo, porque como produtor me interessa. Parafraseando um pouquinho, Fellini [Federico Fellini, cineasta italiano, (1920-1993)] quando lhe perguntaram o que ele precisava para fazer filme. Ele disse: "Dinheiro, dinheiro e dinheiro." Mas eu vou entrar em mais uma...

Orlando de Salles Senna:  E eu lhe citaria mais uma.

Toni Venturi:
Como?

Orlando de Salles Senna:
Saúde do cineasta.

Toni Venturi:
Fundamental, ainda mais hoje, está complicado. Mas eu vou entrar na questão da distribuição. Na nova lei geral de cinema, a atribuição da formulação da política nacional do cinema passa para o Ministério da Cultura. E estava vagamente descrito que ficaria na Ancine e agora passa para o Ministério da Cultura. Quanto à distribuição, qual é o pré-projeto, qual o projeto para a distribuição? Você falou em incentivo comercial. Isso é uma medida, uma ação, mas uma medida de médio, longo prazo, medida que será implantada?.

Orlando de Salles Senna:
Já implantada.

Toni Venturi:
Já implantada como edital, que houve prioridade, continuidade? Iremos investir numa distribuidora forte, que tenha os títulos nacionais, que posicione o filme brasileiro no mercado com agressividade, com recursos, ou iremos pulverizar recursos para muitas distribuidoras? Como nós vamos atacar essa questão nevrálgica do cinema brasileiro? Qual o projeto do Ministério da Cultura? 

Orlando de Salles Senna: Vou começar com um esclarecimento, a formulação da política de audiovisual do Brasil é realizada pelo Conselho Superior e não pelo Ministério da Cultura. O Ministério da Cultura, na verdade,...

Toni Venturi:
Entendi, atua na colocação.

Orlando de Salles Senna: Ele é quem informa, ajuda e encaminha ao Conselho Superior de Cinema.

Toni Venturi:
Sobre as idéias dos projetos, o Conselho é quem irá sancionar? Qual a responsabilidade, ele vai julgar como a própria sociedade, o desenho é feito lá?

Orlando de Salles Senna: É, mas ele tem que ser aprovado pelo conjunto. É lançado, na verdade, definido, pelo Conselho Superior de Cinema e Audiovisual.  E o ministro [Gilberto] Gil, no seu discurso programático diagramado, colocou um leque de possibilidade de ações referentes à distribuição, onde colocava no último final do espectro a possibilidade de criação de uma grande distribuidora estatal. Não estamos trabalhando nesse sentido no momento, porque essa possibilidade está no final do espectro. O que acreditamos é que o melhor caminho é o fortalecimento das distribuidoras nacionais, diria das pequenas distribuidoras nacionais, já que só existem distribuidoras nacionais pequenas. Ou seja, no sentido de estimulá-las, de alimentá-las, de inspirá-las, no que se refere às junções de diversas empresas, exatamente para seu fortalecimento. Em paralelo a isso, a questão do incentivo direto à comercialização. Ou seja, são esses 2 caminhos que estamos seguindo, esses dois vetores nos quais estamos atuando. Não nos parece, a realidade não está nos dando até este momento nenhuma indicação de que deveremos partir para uma grande distribuidora estatal. Isso pode ocorrer, mas, no futuro, dependendo de como as coisas caminharem, de como o mercado se comportar. Isso já foi um mecanismo utilizado no Brasil, já foi utilizado em outros países também, mas neste momento, a possibilidade mais presente, que se apresenta com maior nitidez, é a de fortalecimento das nossas pequenas distribuidoras. 

Ana Paula Souza: Eu gostaria de voltar à pergunta do Markun sobre as TVs públicas. Eu gostaria de saber qual o modelo de TV pública que o governo federal pretende incentivar, porque nós temos diferentes TVs públicas. A TV Cultura funciona de uma maneira, a TVE do Rio de outra maneira, nós ainda temos uma série de TVs públicas que recebem uma ingerência estatal direta.  Há TVs públicas que ainda precisam fazer concurso para contratar apresentadores, por exemplo. Então, eu gostaria de saber qual é esta TV pública que o governo quer fortalecer e de onde viriam os recursos. Vocês, por exemplo, pretendem incentivar, a exemplo do que acontece na TV Cultura, que as TVs possam ter apoios institucionais? 

Orlando de Salles Senna: Eu acho que eu estaria me adiantando se começasse a responder pontualmente a cada uma das suas indagações. Eu acabo de dizer que nosso objetivo é fazer um grande enconto, um seminário, no final do primeiro semestre e início do segundo semestre, exatamente para desenhar respostas para suas perguntas. O que eu posso adiantar, também digo isso, é que essa tentativa de redesenho da TV pública brasileira não depende exclusivamente do Ministério da Cultura.

Ana Paula Souza:
Depende dos estados também.

Orlando de Salles Senna: Vários fatores terão de estar presentes nesse movimento, digamos assim, mas o que podemos é falar de uma maneira muito geral. Ou seja, o governo está interessado em uma TV pública que, a partir do seu conteúdo, possa não apenas ser uma vitrine confiável do que é a cultura brasileira, do que é a relação do homem brasileiro de hoje com o mundo e consigo mesmo, mas também que possa ser bem mais atrativa do que  é hoje. É algo no sentido de conquista de afeto por parte do expectador. Nesses 2 sentidos, que exista um conteúdo que possa ser ainda mais representativo, que possa refletir ainda mais o que já reflete, em todas as dimensões da nacionalidade brasileira. E também que esteja mais próxima do espectador como algo atrativo, como algo sedutor, como algo que leve o espectador a gostar de nossa TV pública, como gosta de qualquer TV privada, que o espectador estabeleça uma relação mais íntima com a nossa TV pública. Evidentemente que estou falando de linhas gerais, mas são essas linhas gerais que estão norteando o trabalho de maior profundidade, digamos assim.

Valter Fernandes:
Orlando, parece que o ponto levantado pelo Toni é que tem um certo consenso em relação ao mercado. Está transpirando que Ministério da Cultura, realmente, se não é um formulador está se posicionando de maneira bastante firme em relação ao encaminhamento da política de audiovisual. A exemplo disso, partindo do particular para o geral, citei 2 estudos diferentes, como o pré-estabelecimento de reserva de mercado. Houve um posicionamento até prévio do Ministério em relação à expectativa de um projeto do governo ter uma reserva de mercado mais significativa.  Expandindo um pouco, seria com o Ministério da Cultura atuando da forma que o governo pretende atuar em outros setores, assumindo para si a responsabilidade de formulação dessa política e deixando isso na mão das agências reguladoras, que teoricamente teriam autonomia para isso? 

Orlando de Salles Senna:
Seria muita ousadia da minha parte lhe dar uma resposta conclusiva com relação a isso. Inclusive porque a relação do governo com as agências está em debate, está sendo discutida, não apenas pelo governo e pelas agências, mas também pela sociedade, que começa a participar da discussão. No que se refere particularmente à Ancine, o que estamos vivendo é um período de ampliação de uma agência. Evidentemente, é um período em que todas essas questões, relacionadas com a relação geral do governo com as agências, podem e devem aparecer, mas é algo que eu pensaria de uma maneira muito pontual, porque a Ancine já nasceu como uma agência diversificada em comparação ao desenho geral das agências aqui no Brasil. A Ancine, desde o primeiro pensamento formulador, já se indicava que não seria uma agência que pudesse ao mesmo tempo formular, fiscalizar e fomentar. É uma agência que, desde o seu início, não foi muito claramente pensada para que formulasse as políticas para o setor. Ou seja, já é uma agência bastante diferente das demais em termos de vê-la nessa dimensão.  E, além disso, existe a questão de que é uma agência que está em transformação, não a Ancine em si, mas tudo o que tenha a ver com ela, que leva a esse movimento de transformação. É um momento para uma agência bastante ímpar. Eu acho que nenhuma outra agência no Brasil está vivendo isso. Temos de pensar na Ancine com uma certa exclusividade, digamos assim.

Valter Fernandes:
Mas de onde se conclui a expansão, a Ancinave seguiria que modelo? Ou seja, continuaria sendo uma agência diferenciada ou passaria a ser uma agência reguladora com certa autonomia?

Orlando de Salles Senna: Uma agência reguladora é a definição da Ancinave, como também, no entendimento atual, é a definição da Ancine. É uma agência reguladora e fiscalizadora. Esse é universo que a Ancinave cuidará.

Ana Paula Souza:
Deve haver um comando para quando a Ancine for transformada em Ancinave?

Orlando de Salles Senna: Isso é uma definição que está em mãos, exclusivamente, da presidência da República e está sendo analisada e estudada por parte da Casa Civil. Pessoalmente, acho que o comando de uma agência que se relaciona, que se refere, apenas, ao cinema, não pode ser a mesma de uma que se refere à atividade como um todo. Ou seja, na atual direção da Ancine, se essa direção passa a ser a mesma da Ancinave, ficaria faltando o lado televisão. Nesse sentido, eu acho que o governo está estudando com bastante atenção e carinho o que se pode fazer com relação a isso. 

Geraldo Moraes:
Só para não entrar em questões muito particularizadas, com relação a todo esse assunto que nós estamos abordando aqui, a gente verifica seu cuidado em abordar as coisas de forma bastante ampla. Eu colocaria o seguinte, as perguntas que nós tivemos neste debate acenam realmente para uma modificação bastante ampla de todo o panorama audiovisual brasileiro. Na medida em que se falou de distribuição para o exterior, em aumentar presença do filme brasileiro aqui dentro, em produção independente, em reformulação da TV pública etc...  Em todos esses setores a gente verifica que o audiovisual brasileiro e o cinema brasileiro estão muito bem, obrigado. Acontece que estão muito bem, mas a situação é sempre um tanto quanto excepcional. Ou seja, nós estamos bem, porém há um determinado modelo de filme que está muito bem, mas, no geral, nós temos dificuldade. Nós temos uma certa presença, por exemplo no Oscar - apenas apresentado como um símbolo, pois, para mim, particularmente, não tem tanto significado, somente no sentido de divulgação -, mas como uma exceção. Acena-se com relação à transformação da Ancine em Ancinave e à lei geral do cinema, que me parece bastante adequada na medida em que justamente se procura uma forma de abordar tudo isso, está certo?  Mas lá pelas tantas, entre as exceções que deram certo, você citou uma experiência que houve no Ceará e que deu certo enquanto houve vontade política. No momento em que não houve mais vontade política o negócio mudou. Minha pergunta é a seguinte, sem querer entrar em detalhes, até porque o tempo não daria, mas eu pergunto: haverá realmente uma possibilidade? Ou, está sendo pensada a possibilidade de transformação de Ancine em Ancinave, ou na lei geral do cinema ser baixada pelo governo atual com medidas e com possibilidade que façam com que o cinema brasileiro não dependa mais dessa vontade política? Você entende? Que a gente não dependa mais das exceções ou não dependa mais de uma nova mudança? Você entende? 

Orlando de Salles Senna:
Entendo. Há pouco eu fiz uma crítica à nossa legislação cinematográfica, dizendo que o que resultou dela foi a dependência absoluta do cinema, não é? Com relação ao governo e, evidentemente, ao trabalho que se encaminha, o trabalho que se norteia, para que o cinema brasileiro possa dispensar as "muletas" do Estado, possa andar de uma maneira inteligente em direção a uma certa sustentabilidade, também não temos de ser tão ingênuos. Digo isso no sentido de acreditarmos que a cinematografia de um país emergente como o nosso possa, de repente, ser autosustentável da noite para o dia. Quer dizer, em nenhum país isso acontece. Nós temos indústrias cinematográficas sustentáveis apenas nos Estados Unidos e na Índia, em nenhum lugar mais.Todos os outros dependem, exclusivamente, basicamente, do apoio estatal. Então, sem cairmos nessa ingenuidade, temos de andar. O que o governo está fazendo é criar condições para que essa dependência diminua, para que essa dependência não seja tão sufocante, tanto para o cinema brasileiro, quanto para o governo - mais ainda para o cinema brasileiro.  O desenvolvimento de uma atividade empresarial privada para fazer par com o governo só acontecerá quando pudermos oferecer aos empresários a possibilidade de um bom negócio no Brasil. Então, o que o governo pretende é criar condições para transformar o cinema em um bom negócio para todo mundo. É um pouco o que eu disse antes, que o cinema será um bom negócio no Brasil se for um bom negócio para o exibidor, para o distribuidor e para o produtor. Se for apenas para um dos lados, não será jamais um bom negócio. Então, nesse sentido é que acho que devemos trabalhar, nesse sentido é que o governo trabalha, para criar condições para a diminuição da dependência estatal e para o aumento da ação empresarial privada no setor.

Paulo Markun:
Orlando, com sua expectativa, tenho certeza absoluta que todos aqui na mesa e grande parte de quem está acompanhando o programa, assina embaixo. A gente encerra este Roda Viva, como sempre, todas as perguntas
dos telespectadores que não foram formuladas durante o programa, que não puderam ser formuladas, serão encaminhadas para o entrevistado para que ele possa responder diretamente. Queria agradecer a presença da nossa bancada e a você, Orlando Senna. Você que está em casa, convido para que esteja aqui na próxima segunda-feira, às 10h30 da noite, para mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até lá. 

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