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Memória Roda Viva

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Debate Gastronomia

19/12/2005

Especialistas em gastronomia, de várias nacionalidades, discutem, entre outros temas, a identidade da culinária brasileira

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Paulo Markun: Boa noite. Dividir a comida, reunir-se em volta do fogo ou da mesa para compartilhar alimentos não se tornou apenas marca da sobrevivência do homem ao longo dos tempos, acabou mostrando também como cada povo se organizou socialmente criando seus elos de cultura. E por ter passado de elemento de sobrevivência para elemento cultural, a comida ganhou status crescente na história humana, virou arte, negócio e virou prazer também. Na semana do Natal, o Roda Viva faz hoje um programa especial em torno de uma mesa redonda que nos remete aos prazeres do copo e do prato. Reunimos uma bancada de especialistas, gente que comanda e dá impulso à fina arte da gastronomia no país. Para o nosso debate gastronômico desta noite, e o cartunista Paulo Caruso já está atento com os pincéis e tintas para registrar o programa, nós convidamos os chefes Alex Atala, do restaurante D.O.M; Claude Troisgros, do Olympe; Emmanuel Bassoleill; Charlô Whately, do Bistrô Charlô; Carla Pernambuco, do Carlota; Jun Sakamoto, que também dá o nome ao seu restaurante; Sílvio Lancellotti, jornalista e consultor gastronômico e Manoel Beato, sommelier do Fasano. Antes da conversa, vamos ver um pouco da história e o que faz cada um dessa turma gastronômica que o Roda Viva reuniu esta noite.

 

[Comentarista]: Alex Atala tem uma mão na cozinha francesa, outra na italiana e a cabeça nos ingredientes mais insólitos. Pilota o Na mesa, restaurante de comida rápida, e o D.O.M, mais sofisticado. Virou chefe de cozinha por acaso. Aos 19 anos foi para a Europa e, por influência de um amigo, cursou hotelaria em Bruxelas, depois passou por restaurantes na França, na Itália até voltar ao Brasil, onde acabou abrindo a sua própria casa em 1999 [o restaurante Na mesa]. Conhecido pela diversidade de sabores, vai do moderno ao ancestral, usa a tecnologia, mas também recorre à simplicidade, especialmente em molhos. Pesquisador dos ingredientes das várias cozinhas brasileiras, defende a idéia de que o Brasil só terá uma alta gastronomia quando valorizar sua cozinha regional. Claude Troisgros é da terceira geração de uma família que, desde os anos de 1930, marca posição importante na culinária da França. Herdeiro do pai [Jean Baptiste], Pierre, o irmão, dirige o Troisgros em Roanne, na França, a irmã [Anne Marie] tem o Gravelier, em Bordeaux, e Claude, no Brasil desde 1979, fincou sua marca no Olympe, no Rio de Janeiro. Com passagens por restaurantes consagrados na França e em Nova Iorque, foi no Brasil que sua culinária adquiriu ousadia. Claude também se deixou seduzir por ingredientes tropicais. Com as técnicas de forno e fogão adquiridas quase que por herança genética, faz uma cozinha híbrida, afrancesando jilós, quiabos e maxixes, para surpresa de brasileiros e franceses. Emmanuel Bassoleill também tem influências fortes da família Troigros, nasceu em Dijon, na França. Por influência de pai e mãe gourmets teve formação em cozinha clássica e regional, dirigiu restaurantes e cozinhas de hotéis na França, percorreu o mundo como o chefe de um navio de cruzeiro, em 1987, até desembarcar no Brasil. Fixou-se em São Paulo onde tropeçou na feijoada, na muqueca, no baião-de-dois [prato típico nordestino que mistura, em uma mesma panela, arroz, feijão e queijo coalho] e nunca mais foi o mesmo. Já passou pela nouvelle cuisine [desenvolvida na década de 1970 na França em reação à cozinha tradicional, caracteriza-se por ser elaborada em pouco tempo, com molhos mais leves e menores porções, apresentadas em formas refinadas e decorativas. Incorpora técnicas vindas da Ásia e teve grande influência nos estilos de cozinha de todo o mundo], que aos poucos foi trocando pela chamada cozinha de autor, criando e recriando seus próprios pratos. Charlô Whately fez um caminho contrário, saiu do Brasil para a França em 1980, depois de se decepcionar com seu trabalho de corretor da Bolsa de Valores de São Paulo. Em seus dois anos de Paris, onde seu primeiro emprego foi num restaurante, acabou fazendo vários cursos de  gastronomia. De volta ao Brasil começou um novo negócio: fazer patês e bolos para vender no Natal. Foi um passo para se tornar banqueteiro, depois dono de rotisserie e mais tarde de restaurante. Seu bistrô paulista começou misturando pratos portugueses e comida de fazenda com influências francesas. Charlô também é o responsável pelo restaurante do Jockey Club de São Paulo e dirige um buffet especializado em eventos e festas. Mais nova, atenta e aberta às mudanças, a gaúcha Carla Pernambuco deu uma guinada na carreira profissional antes de se dedicar à cozinha. Formada em jornalismo e artes, trabalhava numa agência de publicidade em Nova Iorque quando resolveu estudar culinária francesa. Terminou o curso e mudou de vida, veio para São Paulo onde há 10 anos comanda o Carlota, que começou como café e transformou-se em restaurante, com uma filial no Rio de Janeiro. Carla faz uma cozinha considerada contemporânea, incorpora influências de vários lugares, com fortes influências tailandesa, marroquina e americana, mas tem um pé também na cozinha francesa e principalmente italiana, essa última para justificar a descendência. Jun Sakamoto tem descendência e tradição para justificar e preservar. O interesse pela cozinha japonesa veio aos 18 anos, quando cursava o colegial em Nova Iorque. Discípulo de um chefe japonês de um restaurante nova-iorquino, Jun Sakamoto voltou ao Brasil como sushiman e passou por vários restaurantes em São Paulo. Desde 2000 tem sua própria casa no bairro paulistano de Pinheiros, um restaurante atelier. Sakamoto foi a fundo no estudo do sushi, seguiu a linha tradicional, mas personalizou seus pratos, fazendo combinações que esbarram na cozinha italiana sem ferir a tradição da culinária japonesa. Sílvio Lancellotti ficou conhecido como o jornalista que virou chef. Comentarista esportivo e crítico de gastronomia, escreveu livros sobre esporte e comida, na hora de abrir um negócio, preferiu a comida. Já foi dono de pizzaria, criou uma academia de gastronomia e hoje é consultor de restaurantes. Tudo por causa da família italiana, o pai, um siciliano bom de fogão, foi a primeira influência. Sem regalias, tendo que providenciar o próprio jantar quando tinha 15 anos, Lancellotti aprendeu cedo a cozinhar. Arquiteto que queria ser químico e acabou virando jornalista, decidiu escrever sobre gastronomia, foi daí que transformou o prazer de cozinhar em atividade profissional. Manoel Beato é o único que não pilota um fogão, mas passa perto. Seu trabalho complementa o que panelas e frigideiras preparam. Sommelier do restaurante Fasano, ele é guardião de uma das mais completas adegas de São Paulo. O sommelier é quem cuida do serviço de bebidas de restaurantes e lojas, pode ser vinho ou outras bebidas, é ele que tem a responsabilidade de escolher, comprar, armazenar e sugerir aos clientes a bebida certa para cada momento ou para cada prato. E o vinho certo é o que a boa culinária sempre espera para cumprir e completar o que promete.

 

Paulo Markun: Eu queria agradecer a presença de todos aqui e colocar a bola em jogo aí, roubando a expressão dos programas [de esportes] do Sílvio, com a questão que acho que é óbvia nesta semana do Natal. Nós passamos aqui no Brasil, eu desde que me conheço por gente, comendo peru, leitão, no máximo um pernil e mais frutas cristalizadas e uma porção de coisas que a gente importou diretamente da Europa, não é? Junto com Papai Noel, árvore de Natal, neve de algodão e assim por diante. Eu queria perguntar para vocês se nós já estamos começando a virar esse jogo, se o brasileiro já começa a fazer uma ceia de Natal e Ano Novo que tem algum tipo de brasilidade? Quem começa? Carla.

 

Carla Pernambucano: Bom, eu acho que o brasileiro começa, sim, porque hoje a gente conseguiu, eu acho, este grupo de pessoas que está aqui reunido, foi um grupo que conseguiu fazer com que as pessoas se interessassem mais por esse assunto e chamassem atenção para os produtos brasileiros. Então, acho que o Claude foi um precursor dessa história e, quando ele veio para o Brasil, ele começou com isso e depois, todo mundo, legitimamente, também abraçou essa história. Eu acho que ainda a gente tem uma cultura muito forte e que as pessoas ainda querem comer as comidas importadas, mas eu acho que a gente pode começar mudando os molhos, a gente pode começar oferecendo, enfim, peixes ao invés de perus, a gente pode trocar os perus por outras aves e assim por diante. Eu acho que a gente começa a fazer um movimento, sim, de começar a mostrar que dá para fazer um Natal mais brasileiro.

 

Paulo Markun: Quem discorda, para simplificar? Porque se todo mundo concordar a gente muda de pergunta [risos].

 

Manoel Beato: Eu concordo, só acho que a gente está engatinhando ainda nessa mudança. Eu acho que tem já um movimento que começou a ser feito, mas ainda é nos grandes centros, acho que é uma coisa ainda engatinhando. Acho que existe um desvio social aí em relação a quem freqüenta os restaurantes, quem descobre essa diversificação, quem usa de maneira inteligente a comida. Eu acho que ainda não conseguimos espalhar isso, difundir isso para todo o Brasil. Acho que ainda estamos engatinhando, só nesse sentido.

 

Charlô Whately: Mas acho que, voltando ao Natal, a gente [o restaurante dele] faz muita ceia de Natal e, há uns anos atrás, eu resolvi fazer uma ceia brasileira e uma européia normal. Então, vendeu 40 normais e uma brasileira só, que era com frutos do mar, tinha, nem lembro, salada de camarão com manga...

 

Manoel Beato: É o que prova isso, né.

 

Charlô Whately: Eu achei engraçado porque eu falei para uma cliente: ah, mas por que você não varia?Mas se a gente não comer o peru e tender agora, vai comer quando? [risos] A gente só come nesta época, é raro você ver um peru em março, alguém preparar peru ou fazer tender.

 

Paulo Markun: É um certo preconceito que a gente tem hoje.

 

Carla Pernambucano: Cultural, eu acho.

 

Charlô Whately: Às vezes, você nem acha no supermercado, você vai comprar um peru grande, não tem.

 

Carla Pernambucano: O tender não tem. As revistas queriam fotografar o tender para o Natal e não tinha tender.

 

Charlô Whately: É.

 

Silvio Lancellotti: A questão do peru e do tender também é basicamente comercial, não só o tender como também o chester. Nesta época do ano as empresas produtoras, né...

 

Paulo Markun: [interrompendo] Fazem um enorme esforço de venda, né.

 

Silvio Lancellotti: Eles exageram na necessidade de estimular o consumo dessas matérias-primas, desses insumos. Eu lembro que ontem pela manhã eu estava pescando televisão e um colega nosso, o Alan, estava dizendo o seguinte, o Alan [...] , estava dizendo o seguinte: “Olha, peru pode comer o ano inteiro, hein, não é só nesta época”. Hoje, no Bate Bola [programa de esporte do canal ESPN Brasil, de TV a cabo] primeira edição, por incrível que pareça, um programa de futebol tem um quadrinho supostamente gastronômico. Eu passei o ano inteiro, toda segunda-feira, Campeonato Brasileiro, me inspiro em fato futebolístico do final de semana para fazer uma receita, o ano  inteiro eu fiz receitas brasileiríssimas. Hoje não foi possível, eu tive que fazer uma receita de peru com alguns truquezinhos. Até propuseram uma série de brincadeiras, o João Paulo, o Paulo Vinícius Coelho [jornalistas do programa], porque eu comecei a brincar que o frango deveria ser massageado com uma manteiguinha de alecrim com laranja etc. Aí no momento em que eu disse que tinha que colocar laranja dentro do frango foi uma gargalhada geral no estúdio. Mas era a minha necessidade de homenagear o personagem esportivo do final de semana que foi o Rogério Ceni [goleiro do São Paulo desde 1990], eu disse: “puxa vida, um goleiro é sempre acusado de engolir o peru, pois dessa vez ele vai levar o peru de presente pela brilhante atuação na vitória do São Paulo contra o Liverpool [time de futebol da Inglaterra]. Mas é muito difícil você escapar por causa da pressão comercial, você entra no supermercado, você só vê peru, chester e tender. É difícil você, às vezes, sair de lá sem isso.

 

Claude Troisgros: É uma tradição forte, né, em Natal. Eu diria que estou fazendo esta culinária, eu chamaria de franco-brasileira, há 25 anos, usando produto tropical aqui, uma culinária e técnica francesa. Então, estou doido para ver um Natal assim. Tentei resguardar o peru, mas em vez de botar frutas secas, botar de repente uma manga desidratada, uma papaia desidratada, mas eu acho que a tradição é tão forte que primeiro a gente teria que pensar num Papai Noel exótico também, porque como estrangeiro, eu vejo aqui, no Natal, Papai Noel cheio de casaco, barba, neve, aquela neve artificial. É estranho, né, tem esta tradição forte que é difícil mudar com o tempo.

 

Charlô Whately: Mas sabe que nos anos de 1940 inventaram um, isso é meu pai que conta, um Papai Noel negro, aquele “papai índio” que chamavam.

 

[...]:  Papai João, era negro.

 

Charlô Whately: E que as crianças morriam de medo, ninguém vinha pedir nada para ele, morreriam de medo [risos].

 

Emmanuel Bassoleill: Eu vejo, como é hotel [onde ele trabalha] a gente tem que abrir todos os dias, Natal, Ano Novo e faz quatro anos que estou fazendo a ceia do Natal e do Ano Novo. Inclusive quis prestigiar um petit comité, mas sempre as pessoas perguntam, o pessoal da venda começa, em geral, a comentar o cardápio: “Esse ano não vai ter uma farofa, um pouquinho arroz com frutas secas?” Sempre você tem que ter um toque leve, óbvio que eu vou ter camarão, eu vou ter vitela, coloco um pouquinho de foie gras [iguaria de origem francesa, resultado do processo de superalimentação do ganso ou pato até que o fígado do animal fique hiperatrofiado, matéria-prima do patê]. Todos os anos faço uma coisa mais luxuosa, um pouquinho de tartuffe que deixa as pessoas um pouquinho a sonhar, coisas que as pessoas não comam durante o ano inteiro, entendeu? Mas você tem que ter sempre um toque brasileiro e guardar o peru. Este ano eu coloquei um carré suíno do porco que fica super gostoso, uma coisa que se diferencia, mas vai ter sempre, cada ano, acho que consegui 90% do meu cardápio quase europeu, mas você tem que ter sempre um toque que lembre a cozinha do Brasil.

 

Alex Atala: Bom, eu acho que eu reitero o que todos disseram, mas vale a pena lembrar, acho, duas coisas: a primeira que não se muda um hábito cultural em seis meses, em dois anos, em 10 anos. Acho que, para gastronomia, 20 anos é talvez um segundo. Então, fantástico que pudemos pelo menos trazer o assunto à tona, eu acho importantésimo. Tão importante quanto lembrar cada brasileiro, eu tenho uma... Contava ainda hoje à Mara Salles [chef de cozinha] um ocorrido na minha vida, que fui à Rondônia e ao Acre uma certa vez e uma pessoa quis me homenagear e cozinhar um frango para mim. Eu estava na fazenda dela, e para minha surpresa completa, em vez dela pegar um frango do terreiro, ela pegou um congelado do freezer. Eu acho que essas são as mudanças que hoje a gente está tentando propor, que eu acho que em menos de 20 anos vai ser difícil ser fato, mas importante que existam.

 

Paulo Markun: Jun, e no Japão, existe esta tradição? Certamente não no Natal, mas final do ano, da passagem do ano ser uma ceia especial e que tipo? Porque a gente também acabou adquirindo toda, vamos dizer assim, a base da culinária japonesa, mas o brasileiro acha que japonês come sushi e sashimi todos os dias, o que não é verdade.

 

Jun Sakamoto: É verdade. Isso não é verdade [risos]. No Japão se come sushi exatamente da mesma maneira que se come sushi aqui no Brasil, quer dizer, quem vai todos os dias comer sushi no restaurante? Você vai de vez em quando, japonês também tem esse mesmo hábito, em casa ele come uma comida bem mais trivial, existe um feijão e arroz do japonês. São, em geral, mais saudáveis porque numa ilha onde não dá para criar gado, você tem pouco consumo de gordura animal, você acaba pegando muita coisa do mar, e o mar comprovou ser um pouco mais saudável, né, dependendo da maneira que prepara. E lá realmente só se comemora a virada do ano, você festeja a entrada de um ano novo.

 

Paulo Markun: Mas o peru de japonês, o chester de japonês?

 

[...]: É o torô [é um tipo de atum gordo] [risos].

 

Jun Sakamoto: Não, não é... Para alguns é, mas é muito caro lá.

 

Paulo Markun: Existe um prato assim que seja o...

 

Jun Sakamoto: [interrompendo] Existe, existe uma refeição, o setidiori, que são boxes tipo um bentô [é um tipo de vasilha onde se leva comida, como uma marmita] onde são preparadas comidas que celebram o mar, a terra e o ar. Então, é essa a celebração que o japonês faz. E a do Natal, é uma porção pequena de cristãos japoneses que têm lá, mas a cultura americana forte é presente para todo mundo e tal. Então, é como funciona lá.

 

Paulo Markun: Queria pedir para vocês, nós temos mais um pedacinho desse bloco, uma rodada onde certamente eu vou mudar de assunto, não vamos ficar falando de Natal e Ano Novo o programa inteiro, embora merecesse, se vocês pudessem sugerir uma alternativa de, eu diria não uma receita porque, obviamente, não é o intuito, mas assim de ingredientes, qual seria para este Natal? Para as pessoas que estão em casa, dizer para as pessoas que estão em casa: “Olha, experimentem inserir...”, sei lá, não vou dar aqui a minha sugestão [risos]. Que não sejam nozes, castanhas e avelãs. Sílvio.

 

Silvio Lancellotti: Eu, obviamente, vou passar o Natal e reveillon com a minha neta, a Rafaela, recém‑nascida, e certamente vou ter que fazer uma papinha para ela, já está com seis meses. Mas predominante, a minha família é democrática,  a gente fez uma votação, vai ter obrigatoriamente o macarrão "da mamma", fusili com molho de tomate e alguns incrementos que ela na hora “H”, nos seus 82 para 83 anos colocará, mas a minha obrigação, dentro dessa votação democrática, vai ser fazer um atum grelhado, atum de churrasqueira, onde se combinará a saudabilidade do mar e o fato de eu vir de uma família mediterrânea. O atum foi muito rico no mediterrâneo quando eu nasci, na década de 1940, e hoje, infelizmente, por lá pelo menos, está quase extinto. Então, vamos ter que recorrer a uma peixaria japonesa para trazer o atum para este Natal.

 

Carla Pernambucano: Bom, eu sugiro que as pessoas façam, a gente está fazendo este ano para comemorar os 10 anos do Carlota... Quando abriu, o Carlota abriu para ser uma rotisserie, então, a  gente fez ceia de Natal. A gente voltou, este ano, a fazer ceia e estou igual ao Charlô, todos querem ceias clássicas, mas a gente fez uns toques aqui e ali. Eu acho que as farofas são gostosas da gente fazer de uma maneira mais brasileira. A gente fez uma com melado de cana e com castanha de caju que ficou super boa.

 

Paulo Markun: Melado de cana como se fosse um molho, assim, você dá uma refogadinha nele.

 

Carla Pernambucano: Você dá uma refogada, na hora que você vai dourar a farinha de mandioca na manteiga, você coloca um pouquinho de melado, então isso é um toque bacana para uma farofa.

 

Paulo Markun: Claude, um ingrediente.

 

Claude Troisgros: Um ingrediente só?

 

Paulo Markun: É, um caminho.

 

Claude Troisgros: Então, poderia, uma coisa que é bem brasileira, que é uma coisa que marca sempre um momento, que marca principalmente a mudança de ano, é um sagu. Sagu se usa muito no sul do Brasil, no Rio Grande do Sul, mas um sagu um pouquinho diferente que, ao invés, lá eles cozinham no suco de uva ou no vinho tinto, cozinhar ele no molho de soja, quer dizer, o sagu ficaria parte salgado e daria um caviar de tapioca maravilhoso [risos]. É para marcar com uma taça de champanhe.

 

Paulo Markun: Boa dica.  Charlô, um caminho.

 

Charlô Whately: Bom, o meu Natal vai ser normal, tradicional, mas eu acho que eu faria cabrito que eu gosto. Eu acho que antigamente comia, eu me lembro de comer cabrito na casa da minha tia.

 

Paulo Markun: Porque tinha mais oferta, hoje em dia está voltando, né?

 

Charlô Whately: A ter cabrito, né.

 

Paulo Markun: Sim, começando a ter. Manoel, aí de repente na sua área.

 

Manoel Beato: É, eu vou entrar na minha área lógico, mas comentando em cima do que o Alex disse de mudança, né, o quanto a gente demora para mudar uma tradição ou que foi imposto para nossa tradição, é que eu só acho assim, que as pessoas tem que procurar descobrir, como o Claude fez agora, em descobrir, criar algumas coisas novas, mesmo que seja a partir de uma tradição européia. Aquela história da antropofagia, de fazer com que, pegar, comer alguma coisa da cultura exterior e transformá-la diante do que a gente tem de clima, de ingredientes. Isso é muito importante, o Brasil tem de fazer isso. A gente vai em qualquer hotelzinho de interior e a gente vê bolacha Maria em vez de usar o doce da dona Zezé, a gente já comentou muito sobre isso. Então, acho que falta um pouco isso, mais ousadia para criar a partir dos nossos produtos. Mas eu vou dar aqui as dicas de coisas que vêm de fora, vieram de fora, apesar do Brasil agora estar caminhando melhor em relação ao vinho, mas acho que umas coisas que são esquecidas em relação ao vinho, para acompanhar esses pratos, são os vinhos brancos, os vinhos espumantes e os rosês. Parece que o vinho está colocado, tem uma escala hierárquica, que coloca o vinho tinto...

 

Paulo Markun: [interrompendo] O mais nobre é o tinto?

 

Manoel Beato: O vinho tinto como sendo o melhor do que um branco. Isso não é verdade, o vinho branco ou um rosê podem ter todos os quesitos que julgam a qualidade de um vinho, [os quesitos] podem valer para o vinho branco e para o vinho rosê também. Então, procurar, sobretudo em uma época mais quente, tomar vinhos rosês, brancos e espumantes em que o Brasil, aliás, está melhorando muito, principalmente na parte de espumantes.

 

Jun Sakamoto: Acho que peixe cru é minha maior indicação [risos].

 

Paulo Markun: Mas aí não é o caso, quer dizer, o que eu ouço falar também é o seguinte, eu tive alguma intimidade com essa coisa de restaurante na vida, e a dificuldade é você cortar o peixe cru, encontrar ele de boa qualidade e a maneira do corte, existe uma certa ciência.

 

Jun Sakamoto: A minha sugestão, ao invés da pessoa tentar fazer um sashimi, que isso realmente é um trabalho artesanal que leva um certo tempo para pessoa chegar numa representação bonita em cima de um prato, a minha sugestão seria fazer um sevite, que é um peixe cru, a estética dele não está no corte e tudo mais, se corta no tamanho de uma fácil bocada, limão, sal, um pouco de pimenta, cebola, milho, para quem quer uma coisa mais peruana. Eu acho que é saudável, é refrescante para o verão, é ótimo e é muito gostoso, né, o pessoal gosta bastante. Esta seria minha sugestão.

 

Paulo Markun: Boa dica. Emmanuel.

 

Emmanuel Bassoleill: Bom, já que todo mundo falou um pouquinho dele, mas acho que eu seria, de repente, pensar mais um pouquinho do lado do cavaquinho, de repente para poder marcar um dia, acompanharia de repente com um risoto, alguma coisa assim. Mas não vou falar disso que eu vou fazer porque vou acabar trabalhando, Natal, Ano Novo, sempre na cozinha, cozinhando para os outros, não para o meu Natal e o meu Ano Novo, mas é sempre, de repente tem um carré que é maravilhoso, que segue um pouquinho o tratamento de cordel que é uma coisa que tem um fornecedor aqui de São Paulo que faz e que é maravilhoso. Este ano eu vou optar por esse tipo de carne. Sempre regando, de repente, com um molho um pouquinho diferente sem guardar as características da culinária brasileira, deixar um pouquinho mais o francês.

 

Alex Atala: Eu, mandioca frita. Eu acho sensacional, acho que é uma alternativa para todos os feculantes que a gente vê na mesa. Sou super a favor da tapioca, sou super a favor da farofa, acho mandioca um elemento central na cultura brasileira que devia fazer parte, de maneira central, de uma boa mesa também.

 

Paulo Markun: Eu sou de um tempo que, e acho que a boa parte aqui, em que as moças, as mulheres é que ficavam na cozinha e os rapazes ficavam na sala falando de futebol, tomando a sua cervejinha, tomando conta do barril de chope etc e tal. E hoje, se a gente examinar a classe média brasileira, principalmente quem tem mais informação, a gente vê uma certa inversão disso, quer dizer, um interesse masculino maior pela culinária e, num certo sentido, um distanciamento da mulher em relação à cozinha. Vocês concordam com isso, existe isso mesmo? A que se atribui isso e o que é que isso mudou, se é que mudou alguma coisa, na culinária brasileira?

 

Charlô Whately: Acho que ficou um pouco “modern”, assim, porque 20 anos atrás, a culinária era pouco, você tinha poucos restaurantes, foi um pulo muito rápido que deu de uns 20 anos para cá. Acho que um pouco da influência americana que lá começou uma coisa aqueles foods,  de fazer aquelas lojas com comidas especiais, aparelhos e tal. Ficou uma coisa bacana o cara cozinhar, fazer um prato, mostrar para os amigos e tal. Acho que isso veio para cá e, ao mesmo tempo, é isso, mudou muito mesmo, sabe? Tudo que o aconteceu de reviravolta em São Paulo na parte gastronômica de 20, 15 anos para cá é impressionante.

 

Paulo Markun: E muda alguma coisa?

 

Silvio Lancellotti: Eu diria até, se o Charlô e os companheiros me permitem, é um pouquinho mais antigo, eu diria 30 anos, chegaria à década de 1970 e dividiria o raciocínio em duas partes: a primeira é que a mulher foi condenada à cozinha culturalmente porque ao homem cabia a obrigação de ou guerrear ou ir buscar o sustento, estou falando...

 

Paulo Markun: [interrompendo] De Adão de Eva?

 

Silvio Lancellotti: De Adão e Eva até meados dos anos de 1950. Eu falei da década de 1970 porque foi quando eu comecei a trabalhar e a misturar o jornalismo com gastronomia. Digo, sem nenhum pedantismo, mas com uma pitada de orgulho, que eu fui o primeiro brasileiro homem de classe média a botar uma jaqueta branca, um chapéu na cabeça e não ter vergonha disso, porque homem fugia da cozinha. Nos restaurantes, os chefs eram todos anônimos. No final da década de 1970, começaram a vir os grandes mestres franceses para os hotéis no Rio de Janeiro e São Paulo. Isso provocou o primeiro ato da revolução que se completa, eu acho, aí já nos anos de 1990, com essa molecada que adota a gastronomia como uma profissão sem nenhum constrangimento e com muito orgulho. Eu acabo de montar um, antigamente era um bingo que tinha um restaurante, agora é um restaurante que tem um bingo, o Alphaville, do Adilson Monteiro Alves [diretor de futebol], da Democracia Corinthiana [período em que os jogadores do clube participavam das decisões do time. Aconteceu entre 1981 a 1985] lá em Alphaville. Até modifiquei meus conceitos, porque eu disse: “não, eu vou pegar gente jovem. Eu não vou pegar mais aqueles caras que trabalhavam comigo, que eu conheço bem e que eu confio, porque também eu preciso de uma reciclagem. Não há área na profissão, neste país, em que a reciclagem, para o bem, para saudabilidade, está tão grande, está tão sensacional. Quer dizer, a minha menina, que é a Carol, que é a responsável por alimentos e bebidas daquele complexo que atende 700, 800 pessoas para comer ao dia, ela tem três anos de hotelaria na França, e ela, certamente um dia, vai ficar com o nome mais importante do que o meu, assim como o pessoal da cozinha. Então, esta etapa da revolução, da revolução que vai entender o Brasil e somar o que tem de cultural na alimentação ou o que tem de nutritivo na alimentação, é a geração dessa molecada, é a geração da sucessão desse pessoal que ocupa o espaço com algo que eu não tive. Eu sou empírico, eu fui estudar 15 anos depois de estar trabalhando. Mas eles estão fazendo o contrário, eu tenho certeza que vai dar certo.

 

Alex Atala: Eu acho que tem uma... Esta questão a gente tem que ver de duas formas: uma que é sobre o prisma profissional, outra que é cotidiano. Eu acho que a maneira como você abordou a pergunta, a gente está falando muito mais do lado social e cultural, nesta parte estou de acordo com o Sílvio. Existe dentro de uma de uma sociedade o cômpito feminino da cozinha. A cozinha hoje é um elemento de sedução, ela é um prisma de cultura, de comportamento, então, acho que natural que ela ganhe interesse. Não estou só 100% de acordo porque eu tenho dado aula com regularidade em São Paulo, às vezes, muitas vezes fora de São Paulo ou poucas vezes fora do Brasil, e vejo um número de mulheres interessadas na melhoria da sua cozinha de uma maneira muito interessante. Mães, pessoas do dia-a-dia da cozinha buscando técnica, buscando refinamento e talvez sublimando o prazer de dar prazer, que eu acho que é a faculdade da cozinha familiar, do lar. E acho que, por outro lado, vamos ter, na cozinha profissional, um momento onde a cozinha era um ofício sem brilho, era uma formação operária. Acho que o Claude tem uma história boa para contar do pai dele, estava contando esses dias, do que era cozinhar antigamente. Acho que tivemos a seqüência disso, que foi uma cozinha extremamente machista e, hoje em dia, graças a Deus, isso [vem] se desfazendo e tendo pessoas como a Carla e outras tantas boas chefs quebrando esta homogeneidade masculina. Então, acho que é mais uma transformação aí.

 

Paulo Markun: Antes de passar para o Claude, eu queria perguntar para a Cláudia o seguinte: você concorda? Porque está parecendo aqui, quase que um clube do bolinha [risos].

 

Carla Pernambucano: Por isso que eu estou quieta, por isso que eu estou bem quieta aqui, não vou falar nada [risos]. Eu sempre faço uma brincadeira que a melhor chef é a mãe do chef, é a avó do chef. A gente aprende a cozinhar, mesmo quando a gente é homem, a gente aprende a cozinhar na barra da saia da mãe e da avó. O Claude pode contar também sobre isso. Como ele é homem, né?

 

Paulo Markun: [interrompendo] Só um parêntese, lá em casa os meus filhos estão aprendendo a cozinhar na barra da calça do pai, porque a mãe não sabe nem fritar ovo [risos].

 

Carla Pernambucano: Bom, eu tive duas vertentes aí na minha família, meu pai, como eu sou gaúcha, enfim, tem toda uma história de churrasco e de... Mas as avós italianas, sem dúvida nenhuma, cozinham, cozinhavam muito bem. Então, tive toda esta herança de família. Agora, eu acho que isso é uma... Culturalmente, os chefs de cozinha, eles... os reis confiavam neles, porque afinal de contas era como hoje, um grande business, um banquete era uma cena para você conseguir fazer lobby. Se você assistir ao seriado Roma [exibido na HBO, canal de TV a cabo] , por exemplo, você vai ver isso, as coisas só se repetem. Então, eu acho que a mulher realmente também teve muita culpa hoje, porque ela achava que a cozinha... Ela [achava que] era respeitada com tailleur e sendo uma executiva, ela não era respeitada colocando avental e indo cozinhar, ela achava que isso não era... hoje em dia eu acho que não é mais assim, eu acho que, hoje em dia, as mulheres querem voltar para cozinha. A gente dá aula, enfim, e a Mara também está aí para falar isso. Eu acho que hoje em dia elas estão querendo fazer da cozinha um local de trabalho, mandando e sabendo mandar. Eu tenho uma assistente que tem 24 anos, a Carolina. Ela começou no Carlota com 19, quando entrou ninguém respeitava ela na cozinha porque era um bando de marmanjos. Hoje em dia, seis anos depois, todo mundo obedece a Carolina e ela é uma mulher vencedora dentro da cozinha. Então, acho que isso é uma questão de posicionamento.

 

Paulo Markun: Agora, desculpe interromper, só para prosseguir o debate, a impressão que eu tenho é que um pouco disso tem a ver com a condição de trabalho nas cozinhas. Quem conhece cozinha industrial, e eu conheço bastante bem, sabe que é o seguinte: aquilo ali é a sucursal do inferno, não é essa coisa bacana e charmosa.

 

Carla Pernambucano: Mas nossas cozinhas não são industriais, são artesanais.

 

Paulo Markun: Claro, isso que eu estou dizendo, justamente, se você pega um restaurante que atende, sei lá, faz 200 refeições por dia, naquela pauleira que é, com um cardápio com 45 pratos e que tem que sair um, sei lá, filé a não sei o que, depois sai um macarrão de não sei o que...

 

Silvio Lancellotti: [interrompendo] Mas as cozinhas hoje já não são assim.

 

Paulo Markun: Antigamente era um inferno.

 

Silvio Lancellotti: Hoje você consegue projetar sua cozinha, selecionar seus equipamentos, estabelecer as ilhas de acordo com a funcionalidade sem nenhum problema. Mas eu queria voltar para Carlota, porque ela é pioneira. Eu me lembro que escutei o seu nome pela primeira vez, você ainda consultora de uma antiga casa de grelhados na avenida Santo Amaro [em São Paulo].

 

Carla Pernambucano: É, logo que eu cheguei de Nova Iorque.

 

Silvio Lancellotti: Logo que você chegou de Nova Iorque, lá cuidava da casa os Barros Posi, grande profissional que tinha trabalhado por séculos no Cocardi, no Maksoud Plaza [hotel cinco estrelas de São Paulo]. A Carla foi abrindo o caminho de uma forma muito corajosa e muito ousada, até conseguir ter seu próprio restaurante. Porque as mulheres que se ligavam à gastronomia, então, já nos anos de 1950 e 1960, começo dos [anos de] 1970 e até por aí, ou eram mulheres de donos ou eram filhas de donos. Ou filhas, como a Mara, que vem da tradição da mamãe e da vovó. Mas era muito difícil uma mulher pioneiramente ocupar este espaço como ela fez, isso é um cumprimento.

 

Carla Pernambucano: Muito obrigada.

 

Claude Troisgros: Temos dois lados aí: tem um lado familiar, onde a mulher trata hoje em dia a culinária como uma coisa de moda, quer dizer, o homem quer cozinhar para os amigos, quer se mostrar. Mas eu continuo achando que a mulher em casa está aí presente, é muito forte. Inclusive, entre nós, Carla, a mulher cozinha muito melhor que o homem, tem mais sensibilidade em casa, aquela comida caseira, aquela comida verdadeira. Profissionalmente falando, independente do momento, quer dizer, se a gente pega séculos atrás, os grandes chefs eram homens, depois, passou o momento de mulher, onde tinha na França, principalmente, na Europa, tinha a [...], aquela comida mais feminina. Aí chegou aquela época da nouvelle cousine, com meu pai, com aqueles chefs que mudaram, inclusive, a trajetória da culinária mundial, onde realmente aí virou uma coisa meio machista que era só homem aqui na frente daquela profissão. Hoje em dia, já está voltando uma culinária mais feminina, as mulheres estão reaparecendo no mercado profissional. Aqui no Brasil ou tem a Carla, que foi uma das pioneiras, eu conheci a Carla em Nova Iorque, começando inclusive, fazia curso ainda no Course French Culinary Institute, e eu tinha o City, o restaurante em Nova Iorque, tem a Flávia, que é um grande sucesso nacional, tem a Roberta Subar na Bahia, temos muitas mulheres trabalhando. Quer dizer, tudo depende de onde a gente se posiciona, se é familiarmente falando ou profissionalmente falando. Mas a gente tem uma mistura boa, né.

 

Paulo Markun: Manoel, e a área do drinque, é exclusivamente machista, masculina? Embora eu conheça pelo menos uma sommelier, uma mulher.

 

Manoel Beato: Sim, tem mais, mas tem mais.

 

Paulo Markun: Tem mais.

 

Manoel Beato: É, eu acho que assim como eu vejo esse fenômeno dos homens, cada vez mais confrarias de homens cozinhando, tem mais confrarias de homens também bebendo vinho. O vinho ainda é dominado aí, cada vez tem mais mulheres bebendo, mas dominando ainda... Mas tem aí, várias questões. A questão do homem gostar mais de bebida já é secular por várias razões,  eu acho que, sobretudo, mais uma vez é um lado social. Eu acho que também tem uma questão de poder, de mostrar poder, poder comprar mais vinho, você ter a melhor adega. Tem a questão do homem, os grandes empresários quererem mostrar mais poder com o vinho. Nem sempre é o prazer que eles têm, a volúpia por se tomar, mas às vezes tem outras questões que envolvem isso, mas eu acho que tem mudado muito, esse conceito tem caído e cada vez mais tem mulheres bebendo.

 

Claude Troisgros: Desculpe, sempre ouvi falar que mulher degusta melhor, não é? [risos] Degusta melhor o vinho.

 

Manoel Beato: A propósito, a gente estava falando, para voltar à história da cozinha também, a cozinha e do vinho juntos. A mulher tem um cuidado maior com aromas, por exemplo, gosta de perfume, de ervas, ela quem escolhe as ervas. Hoje, ainda que esteja mudando, a mulher tem muito mais esse interesse, não sei se existe geneticamente uma diferença, mas existe, sim, esse treinamento. Aprender sabor, paladar, olfato, é treinamento, acho que é isso. Mas só para lembrar uma coisa, a gente está falando muito de Europa e Brasil, principalmente porque têm franceses aqui, ou descendentes, né, dos europeus, mas a gente... Eu me lembro, eu já fiz macrobiótica, por algum tempo eu fui macrobiótico [palavra grega que significa macro (grande) bio (vida), além de uma dieta é um estilo de vida baseado na teoria do yin (negativo) e yang (positivo). As pessoas adeptas à macrobiótica consomem alimentos considerados mais saudáveis e equilibradas, como arroz integral e leguminosas], ou seja, uma culinária totalmente diferente do que a gente faz.

 

Paulo Markun: E bebia vinho?

 

Manoel Beato: Não, não, não. Isso eu larguei, foi uma loucura minha.

 

Paulo Markun: Ah, bom [risos]. Porque iria ser uma mix interessante.

 

Manoel Beato: Isso foi uma loucura minha. Apesar de ser possível se tomar vinho, é possível. Hoje em dia tem vinhos orgânicos, vinhos biodinâmicos, tem toda uma nova onda aí que pode fazer com que o macrobiótico beba vinhos mais puros. Mas é engraçado, só a mulher podia cozinhar, era uma coisa feminista, não machista, só mulher porque a mulher é geradora. Agora, essa conversa é muito longa, só a mulher cozinhava nos restaurantes. Vocês podem ir aqui no restaurante do Kikuchi [Tomio Kikuchi, introdutor da macrobiótica no Brasil. Dono do restaurante Satori], então só mulher cozinha, então eu acho que o Oriente tem coisas diferentes.

 

Paulo Markun: Tem coisas diferentes. Só para fechar a rodada, eu queria saber o seguinte: qual é a diferença, ou se alguém acha que existe alguma diferença, da mão da mulher na cozinha para a mão do homem?

 

[...]:  É mais bonita [risos]

 

Jun Sakamoto: Não tem. Esta coisa da temperatura não dá para saber como é que surgiu isso, mas não é uma verdade, principalmente no caso do sushi. O sushi, o arroz, ele tem que ser morno, ele não pode ser frio, e o peixe gelado por uma questão de conservação, porque antigamente não tinha geladeira. Então, daí também o advento do wasabi [tempero em pasta utilizado na gastronomia japonesa], do uso do nabo bastante na comida de peixes crus, que são produtos que ajudam a combater qualquer problema que a pessoa venha a ter com peixe que já tenha passado do ponto.

 

Paulo Markun: Daí que vem a presença tanto da raiz forte quanto do nabo?

 

Jun Sakamoto: Isso. Se a mão da mulher é quente, ela tem uma vantagem porque ela está fazendo um bolinho de arroz, o peixe fica muito menos tempo na mão da gente do que o bolinho de arroz. Bolinho de arroz você pega, manuseia até deixar na quantidade correta, na textura correta, na pressão correta e no formato correto para depois você fazer o sushi. Este passo aqui na mão [faz o gesto de preparação do sushi] é o mais rápido. Então, quer dizer, ela tem uma mão quente, ela tem uma vantagem. Agora, esse preconceito surgiu dentro um país que é pequeno, onde todo mundo tem suas funções extremamente bem estabelecidas, porque senão aquilo vira um caos: terremoto de um lado, vulcão de outro, maremoto, então cada um faz o que tem que fazer para sobreviver, a população ali. Então, essa é uma profissão estritamente masculina. Hoje, com a globalização, com a invasão da cultura ocidental, você tem um trabalho dos dois lados, você tem mulher entrando para trabalhar com sushi, mas ainda não é aceita como uma grande sushi woman, que lá no Japão a gente fala [...]. Então, ela não chega a esse status, pode trabalhar num restaurantezinho simples, no bairro que a pessoa vai, assim, para encher a barriga na hora do almoço, mas não está preocupado com a arte do sushi. Então, esse status ainda eu acho que vai levar muito tempo num país que tem tradições, ritmos muito fortes.

 

Manoel Beato: Queria fazer uma pergunta para você ou pode se estender aos outros chefs. Acho que eles podem responder isso que você perguntou. Eu trabalhei num restaurante em que o dono do restaurante colocava alguns chefs de cozinha com mãos maiores, aquele maozão de pedreiro, para trabalhar com a carne, e os que tinham mãos mais delicadas para trabalhar com peixe. Ou seja, a mulher tem, em geral, a mão mais delicada, então eu pergunto se existe diferença de mão, mão mesmo?

 

Jun Sakamoto: Não, é aquilo que a gente falou, é treino.

 

Manoel Beato: Ou da pessoa, enfim, a delicadeza.

 

[...]:  Se fosse o tamanho da mão eu estava perdido [risos].

 

Claude Troisgros: Tem a ver com a parte pesada, eu acho que tem a ver... o boi antigamente, quer dizer,  a carne vinha em peças inteiras.

 

Emmanuel Bassoleill: Até para poder carregar, levantar isso. A mesma coisa com cozinha, a mulher dentro da cozinha, porque é um lugar mais quente por causa dos fogões, ou trabalhar mais forçado, tem isso.

 

Claude Troisgros: O meu pai tem umas mãos assim [fazendo um gesto que indica que são grandes], ele é um açougueiro, quer dizer, ele cortava. A imagem dele é cortar a costela de boi. Então, uma mão que você vê que é uma mão que segura uma faca, que segura um martelo, que segura alguma coisa pesada, não é? Então, acho que é mais por aí a diferença.

 

Alex Atala: Eu acho que se houver diferença entre homem e mulher, talvez seja no acabamento, no detalhe. Assim, eu vejo as meninas muito mais atenciosas ao bom acabamento, ao bom acondicionamento. Se eu der uma alface para um garoto lavar, ele entorta as folhas, enfia de qualquer jeito numa sacola e enfia na geladeira. Uma menina não, lava uma por uma, seca uma por uma, põe um papelzinho molhado embaixo, tem uma feminilidade que às vezes você vê e que é importante na cozinha.

 

Paulo Markun: Bom, eu queria retomar o programa por uma questão colocada por Rosa Moraes, coordenadora do Centro de Gastronomia Faculdade Anhembi Morumbi, aqui de São Paulo.

 

[Rosa Moraes em vídeo]: A tendência, hoje em dia, de uma gastronomia mais elaborada, é a valorização das culinárias regionais. O Brasil tem sua identidade lá fora bem definida quanto à música, quanto à moda, hoje em dia, quanto à beleza, muitas vezes das mulheres, mas na verdade, eu queria saber qual é a identidade da cozinha brasileira? Quem somos nós? Qual é a nossa identidade culinária?

 

Paulo Markun: Quem se habilita, qual é a nossa identidade de culinária? É uma boa pergunta.

 

Claude Troisgros: Tem várias identidades, quer dizer, depende das regiões onde a gente vai, né.

 

Charlô Whately: Aqui em São Paulo é uma mistura, a comida de todo mundo que chegou, japonês, italiano, alemão, que fez uma comida paulista que é diferente do que se... O que as pessoas acham que é comida brasileira, em geral, é baiana, quando você vai fora assim [para o exterior].

 

Claude Troisgros: É a mais...

 

Charlô Whately: É a mais divulgada.

 

Claude Troisgros: É a mais divulgada ou a mais internacional, a gente poderia dizer assim.

 

Charlô Whately: Mas não é a que mais se come, né?

 

Claude Troisgros: Não, não, mas inclusive ela não é totalmente brasileira porque ela vem da África, é africana. Tem o norte que eu acho exclusiva, a gente tem um expert aqui que é o Alex. Mas principalmente do Pará que é uma culinária, que é uma mistura indígena, holandesa, francesa, tem uma mistura de um pouquinho de tudo. Para mim representa mais a culinária brasileira.

 

Paulo Markun: A cara do Brasil?

 

Claude Troisgros: É, ela tem ingredientes muito exóticos. Tem um especialista aí, né.

 

Alex Atala: Eu acho que o Brasil ainda é um ponto de interrogação. Nós temos cozinhas regionais com grande poder, pouco difundidas dentro do Brasil. Quando a gente vê de fora do Brasil uma moqueca, uma feijoada...

 

Paulo Markun: Mas não se fala no pequi goiano?

 

Alex Atala: Não, não, não. Sem expressão ainda, na verdade o que eu vejo é o seguinte: é uma coisa que eu sempre falo em aula, se você pegar... Talvez uma das palavras mais conhecidas do mundo seja Coca-Cola. O mundo inteiro tem, na sua memória degustativa, o sabor de uma Coca-Cola. Seguido, talvez, de Amazônia, todo mundo, o mundo inteiro tem uma imagem mental do que é Amazônia, mas não conhecem esse sabor, [é] um universo a ser explorado. Então, a minha opinião é que, para o Brasil e para fora do Brasil, fora algumas representações folclóricas da comida e da cultura, nós somos um grande ponto de interrogação com potencial.

 

Silvio Lancellotti: Vale lembrar também que toda a Europa, se você retirar a Rússia, você põe toda a Europa dentro do Brasil e sobra espaço. Imagina, por exemplo, um estado como o Ceará, que não é dos mais vastos de extensão geográfica. No Ceará você têm três gastronomias absolutamente independentes e separadas: você tem a do litoral, você tem a do interior, que não tem nada a ver com a do sertão lá em cima, e dificilmente você vai encontrar uma interpenetração entre estas três cozinhas no Ceará. O que dizer do país inteiro? Então, eu acho que seria melhor a gente se conformar com essa disparidade, entender e lutar pela valorização das regionais, espaço por espaço, porque cada uma delas tem as suas maravilhas. Quantas frutas...

 

Emmanuel Bassoleill: [interrompendo] Cada região do  Brasil é uma país da Europa, entendeu? Acabei pegando a palavra, quer dizer, a comida italiana e francesa é a mesma que a da Suécia? Não. Cada uma tem a sua particularidade. Aqui no Brasil é difícil, vamos pensar em uma coisa... Que seja o centro europeu, qual é a receita que o representa? Impossível, não sei se tem uma.

 

Claude Troisgros: A mineira eu acho que é a mais aproximada.

 

Emmanuel Bassoleill: A mineira ela é mais européia por causa da tradição do queijo, dos legumes, do cozimento de cada legume, dos queijos, tem uma coisa assim que tem as frutas. Para mim, quando se fala a mais, não profissional, a que é mais variada é a comida mineira, que eu acho mais parecida com a comida européia. Mas para poder voltar na pergunta, não sei, eu não sei responder qual seria o prato que mais representa a identidade.

 

Jun Sakamoto: O que acontece é que quando uma comida ou um prato começa a ficar internacionalmente conhecido, normalmente isso está associado à alta gastronomia. Porque quando vem um estrangeiro, a gente leva num grande restaurante, aquele grande restaurante prepara uma comida daquele país, ele vai voltar para a terra dele e vai falar desse prato. Então, a divulgação acaba acontecendo dessa maneira. No Brasil, que é um país em desenvolvimento, nós estamos engatinhando ainda na alta gastronomia brasileira. Eu acho que a pessoa que mais representa a alta gastronomia brasileira é o Alex, pessoa que vai a fundo, pesquisar, ver isso, ver aquilo, e constrói um prato que é brasileiro. Só que, até este prato ser um clássico, vai levar um certo tempo, porque não é feito ontem que hoje ele já se torna um clássico, ele leva um tempo, reconhecimento de um grupo grande de pessoas. Eu acho que a gente está caminhando para isso. O país é muito freqüentado, nós viajamos muito, levamos muito, o próprio Alex vai para a França, vai para a Espanha dar aula.

 

Paulo Markun: Talvez o único produto, que não é bem gastronomia, mas que é, digamos assim, a marca brasileira, é a caipirinha, é um drinque que conquistou o mercado, quer dizer, você conversa com estrangeiro é que o ele lembra.

 

Silvio Lancellotti: Já aceito pela Internacional Bartenders Association [Associação Internacional dos Bartenders, profissionais responsáveis por elaborar drinques] como um dos...

 

Paulo Markun: [interrompendo] Como um dos clássicos?

 

Silvio Lancellotti: Sim, como um dos clássicos.

 

[...]:  Você vai na Europa, qualquer boteco tem caipirinha.

 

Claude Troisgros: [em] Nova Iorque, agora, tem umas cachaças que a gente nem tem no Brasilfabricadas na Europa, quer dizer, ela sai daqui, vai...

 

[...]:  É destilada lá.

 

Claude Troisgros: É destilada lá, fica em tonéis de carvalho lá, dois, três, quatro anos vai para os Estados Unidos falando que é cachaça.

 

Silvio Lancellotti: A cachaça já passou o rum como o destilado mais vendido no mundo inteiro.

 

Paulo Markun: E num restaurante classe A no Brasil, alguém pede cachaça?

 

Manoel Beato: Cada vez mais. Eu sugiro também, mais brasileiro ainda do que caipirinha é o caju, caju com uma boa cachaça é uma coisa extraordinária e bem nossa, acho que é bem mais brasileira ainda. Você pode até dizer: “Pô, mas você está saindo fora da tradição, da caipirinha. Puxa, mais é uma coisa que tem um... os dois são muito perfumados, a intensidade do perfume do caju com a intensidade da cachaça é uma coisa, um intensifica o outro, é explosivo. Só queria fazer um comentário em relação à identidade da comida. Infelizmente, eu acho que não existe, não se dá muito valor a aperfeiçoar o que a gente já tem. O biscoito de polvilho, quer coisa mais trivial? Então, para encontrar um biscoito de polvilho tal, eu sei que nem Belo Horizonte é fácil. Porque eu peço para trazerem para mim o biscoito pintadinho e crocante tal, porque você não encontra, é muito difícil encontrar. Acho que existe um desleixo no Brasil que é uma questão cultural, não é só nesta área, é na área de educação e tudo mais. Então, em relação a essas coisas, até das mais triviais, né.

 

Paulo Markun: Quer dizer, falta valorizar o bom, digamos, o bom sagu.

 

Manoel Beato: Eu me lembro assim, que quando a grande indústria começou a fazer o sorvete, nos anos de 1970 e tal, divulgar isso, o iogurte, a gente preferia o iogurte das grandes indústria do que o iogurte caseiro. Enquanto que você vê, na França se fala muito o termo “a compota da vovó”, todo mundo prefere a compota da vovó, aqui é o contrário, o inverso. É uma coisa maluca, ao invés de se valorizar isso.

 

Jun Sakamoto: Isso é fruto de um país em desenvolvimento. Lá no Japão, se você vai comprar um brinquedo que é todo robotizado, hiper eletrônico, voa sozinho, fala sozinho, ele é mais barato do que um caminhãozinho feito de madeira que é talhado à mão. Então, os países acabam valorizando porque a mão-de-obra começa a ficar uma coisa muito mais cara também do que coisas industrializadas.

 

Manoel Beato: Eu concordo, mas acho que a indústria poderia fazer melhor, é lógico, não dá para fugir disso. A indústria poderia fazer melhor e muita coisa ainda poderia ser feita em casa e com custo barato, principalmente comida, comida você consegue. Então, acho que a gente precisa abrir o olho em relação a isso. É a crítica, é quem cozinha e é o consumidor que tem que ter este espírito crítico.

 

Paulo Markun: Eu queria colocar outra questão que é a das tendências e dos modismos, porque neste campo da gastronomia, como na moda também, em certos momentos aparecem ondas que parecem ser a definitiva. É sobre isso que há uma pergunta da Bel Coelho.

 

[Bel Coelho, em vídeo]: Vamos trazer para esta roda de amigos e colegas tão queridos que eu admiro muito, a questão dessa cozinha espanhola que tem, enfim, causado muita polêmica que é a cozinha desconstrutivista e molecular que vem sendo encabeçada pelo chef Ferran Adrià [culinarista espanhol que se tornou um expoente da chamada gastronomia molecular, experimentando novas tecnologias, texturas e sabores. É considerado um dos melhores chefs do mundo]. Queria saber de vocês o que vocês pensam da influência que este movimento tem causado nos chefs e cozinheiros do mundo inteiro?

 

Paulo Markun: Sílvio Lancellotti.

 

Silvio Lancellotti: Eu sou curto e grosso, no sentido da palavra, com relação a esse tipo de cozinha, que é meramente sensorial para mim. Tive a oportunidade de experimentá-la uma vez e, ao final da suposta refeição, eu corri atrás de alguém que me vendesse um hambúrguer [risos].

 

Paulo Markun: Além da provocação dele, alguém?

 

Alex Atala: Eu vou ter que responder [risos]. Eu acho o seguinte: a primeira coisa, acho que tem uma informação errada da Bel, a cozinha molecular hoje é liderada, é concebida por um químico francês que chama Evertis.

 

Silvio Lancellotti: Excelente autor de um livro chamado O alquimista na cozinha.

 

Alex Atala: De vários livros. Ele... muito do que o Ferran fala hoje, está 100% inspirado numa referência francesa e incontestável que é senhor Evertis. Fez grandes aportes para entender passos que nós fazíamos empiricamente, ele trouxe a elucidação científica, isso é uma grande ferramenta para um chef. A desconstrução é um décimo da cozinha espanhola, mas tratando de cozinha espanhola, que eu acho que era o teor da Bel Coelho, eu acho que a gente não pode falar que a cozinha brasileira hoje se encerre em mim ou no Emmanuel, ou no Jun, ou no Charlô, a graça está na diversidade. A cozinha espanhola hoje tem efetivamente isso, desde chefs trabalhando em bases clássicas e ortodoxas, somente privilegiando os seus terroir [palavra francesa que significa a relação entre solo e um micro-clima particular e que expressa uma qualidade, tipicidade e identidade, especialmente de vinhos, produzidos em determinada região], ok? Então, eu vou dar um exemplo, você vai ao país basco [região localizada no extremo norte da Espanha e no extremo sudoeste da França], o país basco é uma cultura, não existe um território determinado, entre França e Espanha. É fácil você identificar que você está no país basco, às vezes comendo do lado francês e, às vezes ao lado espanhol. Você não consegue lembrar onde tem... Senhor Martin Beresategui, que é um chef de três estrelas, faz uma cozinha basca que está dentro da geografia espanhola que poderia estar muito bem dentro da francesa. Então, acho que, como toda grande onda, existe uma certa confusão. Eu acho que o tempo vai se ocupar em dar uma peneirada em coisas consistentes e em coisas não consistentes.

 

Paulo Markun: Agora, em toda onda existe um pouco isso?

 

Alex Atala: É natural.

 

Paulo Markun: Eu me lembro, surgiu no Brasil o vinagre, o aceto balsâmico [tipo de vinagre de origem italiana], quer dizer, o brasileiro descobriu o aceto balsâmico.

 

Carla Pernambucano: No Brasil a importação foi autorizada.

 

Paulo Markun: Existia lá fora, era utilizado séculos, mas de repente, da noite para o dia, apareceu. O tomate seco, creme de leite.

 

Carla Pernambucano: Qualquer movimento desperta curiosidade, eu acho. Acho que esse movimento, eu concordo com o Alex, eu acho que, lógico que tem suas virtudes e tem seus defeitos também. Acho que você pega uma culinária espanhola e você vai ter toda uma diversidade, mas o que fez esse movimento? Esse movimento fez com que as pessoas voltassem a estudar, as pessoas voltassem a se preocupar em ver a cozinha de uma outra maneira, não como foi no caso do Paul Bocuse [chef francês] e do pai do Claude, quando eles também foram ao velho cousine, foram ao Japão, voltaram e fizeram outra cozinha. O que trouxe a nouvelle cousine? Para gente, trouxe uma série de montagens de pratos, o visual total.

 

Emmanuel Bassoleill: Na cozinha espanhola está acontecendo exatamente, aqui, hoje, nestes anos, o que aconteceu há 20 anos atrás com a nouvelle cousine aqui no Brasil. Eu me lembro, quando eu cheguei no Brasil, eu comecei a trabalhar com Claude, e a pessoas falavam: “porção pequenininha, cara”. As pessoas não pensavam por quê? Porque a nouvelle cousine, infelizmente, não tinha tantos profissionais naquela época. Eu acho que ela foi mal interpretada pelas pessoas, todo mundo queria imitar o Claude, queria imitar essas pessoas que traziam essas idéias novas, mas não tinha fundamento. O Alex está fazendo com as coisas da Espanha, mas entende o produto brasileiro, ele conhece melhor o brasileiro, ele conhece as técnicas da culinária espanhola, ele coloca isso aqui em prática. Há 20 anos atrás não tinha essas pessoas. Me falam: “Emmanuel, não faça nouvelle cousine. Um mestre de cozinha, eu me lembro até hoje, ele me convidou para fazer um novo cardápio dele, que era o novo prato, ele me fez um robalo. Ele me falou que queria grelhado, com molho de kiwi que tinha fervido e, ao invés de verde, ele ficou escuro, ele tinha colocado um risoto com morango dentro, mas para ele era uma coisa maravilhosa. Pode ser um arroz branco com o vermelhinho do morango, o molho verde do kiwi, só que o kiwi passou do ponto, ele não tinha essa técnica do molho de kiwi, você tem que bater, não pode ferver, senão ele vai escurecer, enfim. Muitas pessoas achavam, naquela época, que eles faziam nouvelle cousine, imitavam algumas receitas que eles pegavam e acabou ficando uma coisa muito difícil para nós. Tivemos grandes dificuldades para fazer isso aqui e mostrar o trabalho. É isto que está acontecendo com a culinária espanhola. Eu não gostaria, e justamente não vão acontecer tantas dificuldades, porque temos profissionais que estão executando essa culinária. Naquela época era muito mais difícil de encontrar pessoas que faziam ou que poderiam repetir uma receita francesa ou européia.

 

Claude Troisgros: O problema é copiar o mal-feito. Tem chefe hoje em dia, como o Ferran Adriá, que são grandes técnicos. Ele, inclusive, reside no mercado culinário, porque são pessoas que fazem avançar a culinária. O problema são as pessoas que copiam isso, e copiam mal, porque não têm essa base, essa fundação forte, para poder fazer uma culinária avançada. Me lembro uma palavra de meu pai que falava: “Chef, você é uma pessoa muito criativa, mas sua comida é uma...” [risos].

 

Paulo Markun: Eu coloco a questão, para os chefs aqui presentes, sobre os estudantes que estão saindo dos cursos de gastronomia. Vamos ver.

 

[Marcos Eituts, en vídeo]: O interesse sobre nossos estagiários, como eles vêm se comportando e como está sendo esta evolução? Como a gastronomia [o curso] ela tem um cinco anos, seis anos no Brasil, na parte de universidade, na parte de cursos. Eu queria saber como eles estão se saindo nessa parte de estágio mesmo, pois eles têm saído... Eu tenho sentido uma falta de humildade dos nossos estagiários, referente ao mercado de trabalho mesmo. Porque qualquer aluno que sai de uma faculdade de medicina, ele tem que passar por um PS [Pronto Socorro]. Eu acho que nossos estagiários, eles acabam uma faculdade, eles têm que encarar uma pia por um tempo porque é um trabalho a longo prazo.

 

Paulo Markun: Como é que estão os estagiários aí? Claude.

 

Claude Troisgros: Os estagiários estão muito bem na fita [risos].

 

Paulo Markun: São muito criativos? Não faça isso.

 

Claude Troisgros: Não, acho que evolução da gastronomia no Brasil está extraordinária. Quando eu cheguei,25 anos atrás, não tinha nada disso, quer dizer, hoje em dia, de seis anos para cá, como ele está falando, escolas abrindo, quer dizer, uma formação profissional muito melhor. Isso, claro, que é questão de tempo, agora. A gente precisa primeiro de professor. Um: tem de treinar o professor para o professor treinar o aluno, é uma questão de tempo. Da nossa cozinha, tem uma coisa que eu falo sempre: uma escola de culinária quer seja no Brasil, na França, nos Estados Unidos ou que for, no mundo, ela forma gente para entrar no mercado de trabalho, quer dizer, ela forma aprendizes para nossa profissão que é a culinária. Tem alguma coisa errada que lá eles falam, quer dizer, esse menino que sai da escola, sai da escola e fala: “Já sou um chef. Eles não formam o aprendiz, eles formam um chef de cozinha. Isto está totalmente errado, porque a pessoa entra no mercado de trabalho achando: “Já cheguei a um nível de sabedoria suficiente para poder dirigir uma cozinha. Eu diria que é impossível, isso demora anos, pelo menos, 15 a 20 anos para chegar a esse ponto. Então, eu acho que isso vem da escola mesmo, ela tem de ensinar a esses meninos que eles vão entrar no mercado de trabalho, vão entrar de uma maneira simples e que vai demorar muitos anos para se formar.

           

Charlô Whately: Acontece muito do menino entrar, e o restaurante ter um cozinheiro que não fez gastronomia, mas trabalha há 20 anos, e o moleque acha que sabe mais que ele.

 

Jun Sakamoto: O problema está no mercado mesmo. Eu acho que isso é uma questão de tempo, porque lá na França você vai para um grande restaurante, você não vê um...

 

Paulo Markun: [interrompendo] Um garoto?

 

Jun Sakamoto: Não, o que a gente chama, sei lá, um peão, que veio de algum lugar, é uma mão-de-obra sem um estudo preparado. Lá todo mundo tem uma hierarquia, aqui a gente ainda não. O menino estudou numa escola particular boa, tem seu carro próprio, tem uma boa condição de vida, freqüenta as melhores baladas e vai trabalhar no restaurante. Ele chega lá, ele vai ter que se submeter àquele piauiense, nordestino que chegou de lá, mal fala o português direito, mas que sabe tudo daquela cozinha porque trabalha há 20 anos naquela cozinha. Então, esse conflito ainda vai existir até o tempo que a gente vai trocando toda a hierarquia do restaurante por pessoas que vieram de formação universitária.

 

Carla Pernambucano: É uma distorção também que acontece, que eu acho, eu não sei, eu adoro ensinar e recebo muitos... a Univale, de Itajaí, manda muitos alunos para fazerem [estágio]... Agora eu vou receber uma estagiária em janeiro e uma em fevereiro, enfim, a gente está sempre recebendo estagiários mensalmente. Mas tem uma distorção no mercado, que o Claude está falando, que o estagiário, ele não se vê como um futuro funcionário daquele restaurante, se vê como dono de um outro restaurante competidor daquele. Então, o que eu sinto hoje na cozinha, e quando entra um estagiário, a gente agora tem uma semana de dureza para ver se o estagiário agüenta, se ele realmente quer trabalhar na cozinha. Porque se você deixar solto, né, se você der um pouco de moleza, essa pessoa vai achar que é assim a vida na cozinha, e não é. Então, tem uma distorção, tem uma distorção do aprendiz, que ele acha que ele pode imediatamente sair de uma escola e virar um chef ou o dono de um negócio. Demora muitos anos para você aprender a gerir um negócio.

 

Claude Troisgros: Passar por todos os pontos.

 

Jun Sakamoto: Dono de negócio ainda é pior né, porque aí é administração pura. Não tem nada a ver com saber pegar na caçarola.

 

Carla Pernambucano: Mas a idéia, a distorção é esta. A distorção é que a pessoa sai da faculdade achando que ela vai abrir um restaurante e aí ela sai de lá e fala: “Ah, eu trabalhei com o Alex. Sabe? Aí ela vai para o jornal e fala: “Eu sou ex-Alex Atala”, ou “Eu sou ex-Jun Sakamoto”, ou  “Sou ex-Claude”, enfim, esta distorção que eu acho que está acontecendo. Eu acho saudável que a gente tenha escolas e que a gente faça essa mistura dos autodidatas com as pessoas formadas, que eu acho que isso que faz uma boa cozinha hoje. A gente consegue realizar um trabalho com a experiência de quem é autoditada, mas tem uma distorção, tem uma...

 

Claude Troisgros: Não sei se existe, desculpa, não sei se existe no Brasil, mas  se você pega uma escola lá fora, ela ensina, obrigatoriamente, se você tem dois anos de escola, você tem no mínimo um ano de estágio, formação profissional, não sei se tem aqui.

 

Paulo Markun: Acho que não.

 

Claude Troisgros: Eu acho que é importante.

 

Emmanuel Bassoleill: Um estágio tem de três a quatro meses, é obrigatório.

 

Carla Pernambucano: Um mês.

 

Alex Atala: 400 horas.

 

Carla Pernambucano: Um mês, 600 horas no máximo.

 

[...]: Depende da escola.

 

Alex Atala: O que eu acho, o que eu queria falar é o seguinte: eu vejo exatamente isso que a Carla está falando, convivo com esse problema cotidianamente. No D.O.M a gente recebe de sete a 10 estagiários por mês, todos saem falando: “Passei pela cozinha do D.O.M, passei pela cozinha do D.O.M. Agora, se tem quem minta, tem quem acredite, né. Tem o outro lado também. Existe uma distorção, sim, do garoto que está entrando, mas existe também o cara que vai na porta de cada um dos restaurantes da gente tentar pegar um cozinheiro, tentar pegar um estagiário achando que está levando junto um troféu.

 

Silvio Lancellotti: Eu passei por uma experiência desgastante e fascinante nestes últimos meses, montar uma equipe para um lugar que funciona das 11 da manhã até às quatro da madrugada, que faz desde batatinha frita, até salada de fois gras com vegetais crocantes e bisque de ostras etc, faz pizzas e faz hambúrguer, um cardápio maluco, você falou em 45 pratos, são mais de 170. Tinha um cara, um tal recém-formado, estagiário, ele tinha trabalhado com o Claude, com o Charlô, com o Emmanuel, com o Jun, com o Alex, com ela [apontando para Carla] e com mais uns 12 em oito meses. Exatamente o que você falou, eu não entrei nessa, eu botei o cara com a barriga no fogão para ver se sabia acender. Aí, depois eu entreguei uma faca para ver se sabia cortar, não precisa ser veloz, basta não se cortar, não se ferir, e aí chegou um, um desses, me parecia até um pouquinho mais consistente que os outros e, no dia em que nós fomos “queimar a cozinha” [no sentido de inaugurar], ele virou e disse: “Esta cozinha está toda errada”. O projeto da cozinha era do Bratke, Carlos Bratke [arquiteto], meu, com mais todo o pessoal da empresa especializada. Pô, uma cozinha que tem mais ou menos 400 metros quadrados, cozinha de hotel, com todas as ilhas devidamente separadinhas. O cara virou e disse: “Não vai dar”. Eu fui obrigado a chamar o cara e dizer: “quem não vai dar é você. Aí ele falou: “Eu acho.... Eu falei: "olha, aqui não tem o verbo achar, aqui ninguém acha nada. Na dúvida, você acha o Sílvio Lancellotti que ele resolve. Só que eu acho que você não vai dar certo, isso significa, como eu acho, é meu direito, tchau. Infelizmente é assim. O cara chega com faixa de campeão sem ter disputado o campeonato.

 

Manoel Beato: Eu queria fazer um pouco o advogado do diabo agora. Porque é o seguinte, eu concordo com vocês que falta, a maior parte das vezes, falta caráter, falta boa vontade, paciência, perseverança do estagiário. Mas a pergunta do rapaz, do estagiário, também [é] um pouco defendendo isso, percebendo isso, mas me faz pensar algumas outras coisas: eu vejo, muitas vezes, a falta também de compreensão de quem está dando o estágio.

 

Paulo Markun: Contratando.

 

Manoel Beato: A história do arqueiro zen né, que é o mestre se dedicando ao discípulo e o discípulo se dedicando ao mestre, essa troca. Não necessariamente é o mestre ou o restaurante, não precisa ser exatamente o chef de cozinha ou o dono do restaurante, mas o restaurante dando o suporte. Às vezes, colocam, tem 15 dias de estágio, e o menino vai para o fundo e ele vira alguém que fica limpando a cozinha no fundo, sequer vê o fogão. Ele passa só fazendo uma atividade, meio que numa linha de montagem. O que adiantou ele estar no restaurante da Carla? Eu não estou dizendo que o seu é assim, mas enfim, o que ele aproveitou aí? Aí só leva o nome, né. Assim, eu já vi, escutando agora de um menino que está começando, foi num dos mais badalados resorts do país, aí é um outro problema, né, de gente que faz ainda malfeito, que falava: “Você não tem que se preocupar com esses detalhes, a  coisa é toda assim, a gente tem que fazer um pouco 'nas coxas'. Ele chamava o molho ao sugo de molho “ao sujo. Então, assim, ele está aprendendo, é difícil, as pessoas entram desanimadas. Em relação à sala [referindo-se ao salão do restaurante], eu também pego estagiário, às vezes, tento ensinar, mas assim, a gente tem que ter o prazer também, como o mestre zen do arco e flecha, de tentar passar, para que aqueles que, obviamente, querem se dedicar e estão interessados, que não são esses carreiristas.

 

Silvio Lancellotti: A humildade tem que aceitar a sua liderança natural, senão vira, como aquele...

 

Carla Pernambucano: [interrompendo] Acho que você não, não estou, não me... Eu só quis concordar com o Claude, não acho que sejam todos carreiristas. Eu sou uma pessoa entusiasmada com o que eu faço, super entusiasmada. Sou entusiasmada e me dedico, tanto que a gente pega um estagiário por mês, em cada turno, um para dia, um para o jantar e um para o almoço, e trabalha com eles em todas as áreas do restaurante, mas digo, eles começam  numa dureza.

 

Manoel Beato: Numa sabatina.

 

Carla Pernambucano: Estagiando.

 

Manoel Beato: Tem que também ter isso.

 

Carla Pernambucano: Porque eles não sabem.

 

Emmanuel Bassoleill: Poderia falar que tudo isso, somos um pouquinho responsáveis, porque há 20 anos atrás, a gente, a profissão do chef de cozinha era pouco conhecida como a gente falou, depois a gente cozinhava, a gente reclamava que não tinha escolas de cozinha, agora estão chegando no mercado. Agora estamos falando que nós precisamos do estagiários, de aprendizes, e os aprendizes estão no mercado, mas não tem chefs preparados para formar o aprendiz, primeiro. É fácil a gente falar... Às vezes, eu vejo que os estagiários, a própria escola, às vezes, orienta mal, mas não é só a escola, às vezes é o chef que recebe, a empresa que está recebendo. Eu vejo no hotel que eu trabalho, o estágio não tem que ser [de] 30 dias, tem que ser [de] 90 dias. Porque você não pode julgar uma pessoa, também não pode julgar uma empresa em 30 dias. A pessoa em 30 dias, vai chegar e falar: “Onde é que estou, o que é que eu faço?” Ou faz a entrevista, a pior entrevista. Eu coloco o menino e falo, faço questão de entrevistar todos eles. Enfim, pego quatro a seis, seis por trimestre. Porque para colocar a pessoa no lugar, se realmente ele passa por essa entrevista, que ele aceita, depois de tudo o que eu falo para ele, e aceita todas as condições e ele vem, ele já está blindado, vamos dizer. Estou falando isto aqui justamente para ajudá-lo, mas acho que a primeira coisa... eu fico do lado ou, senão, tem um chef, pessoas que acompanham, ele é treinado, para não dizer que ele está aqui só para poder lavar, ele tem todas as condições. Mesmo assim, temos bons alunos, bons estagiários e mesmo assim nós temos... mas é muito mais fácil para eu poder ajudá-los. Eu não estou aqui para julgar. Quando a gente contrata, a gente está querendo ajudar a formar esse jovem e, às vezes, só para finalizar, somos um pouquinho responsáveis, às vezes, nós também, os chefs, as empresas, na maneira que recebem o aprendiz, esse estagiário.

 

Paulo Markun: Bom eu acho, eu queria, continuar esta conversa, mas infelizmente nosso tempo acabou. Eu queria constatar o seguinte, quer dizer, como tudo no Brasil a culinária, a gastronomia, este mundo fantástico que vem se desenvolvendo, está em desenvolvimento. É um processo. Nós estamos aprendendo, eu acho que o público está aprendendo, está se aproximando dessa realidade, né, o mercado está se aprimorando, demora tempo. Acho que, de alguma forma, a gente conseguiu abordar aqui essas questões, nesta semana que antecede as festas de fim de ano. Eu queria desejar a todo mundo que está em casa um ótimo Natal, um excelente Ano Novo, agradecer a presença dos nossos participantes e a você que está em casa. Na segunda-feira que vem, já depois do Natal, estaremos aqui com mais um Roda Viva, uma ótima semana, bom Natal e até lá.

 

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