;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Hélio Costa

5/12/2005

Antecedendo os primeiros testes e investimentos da TV digital brasileira, o ministro fala da escolha do padrão a ser utilizado e do futuro da telefonia

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

 Paulo Markun: Boa noite! Ano novo, televisão nova: 2006 é o ano da TV digital no Brasil. Para o telespectador, pode ser a chegada do alto padrão de som e imagem no televisor doméstico e da interação entre TV, internet e telefonia. Para técnicos, pesquisadores e indústrias, é a partida para a maior revolução tecnológica do setor e também para a maior guerra comercial entre interessados em vender tecnologias e produtos. Para discutir a principal mudança que a televisão vai ter desde a chegada da TV em cores, o Roda Viva entrevista esta noite o ministro das Comunicações Hélio Costa, que anunciou para o começo de janeiro a definição do padrão de TV digital que o Brasil deverá adotar.

[Comentarista]: Duas vezes deputado federal e atualmente senador por Minas Gerais, Hélio Costa foi para o Ministério das Comunicações em julho deste ano, na reforma ministerial que aumentou a participação do PMDB no governo Lula, em plena crise política do mensalão. Levou para o novo cargo a experiência de radialista e a afinidade com televisão: durante muitos anos Hélio Costa foi repórter de TV. Assumiu, com o novo cargo, o complicado conjunto de problemas que hoje envolve a área de telecomunicações: briga em torno da cobrança da tarifa de assinatura básica na telefonia fixa, denúncias de mau serviço e abuso nas contas de celulares, além de polêmica regulação do setor de comunicação, envolvido em disputas e conflitos de interesses entre emissoras de TV e empresas de telefonia. Mas foi a TV digital que passou a ocupar a atenção cada vez maior do Ministério nos últimos tempos. A TV digital em questão refere-se à TV aberta e não à TV por assinatura, que já é digital e por isso tem melhor qualidade. No Brasil, os debates da TV aberta de como será o futuro na televisão existem há dez anos e chegou o momento de escolher que padrão adotar: americano, europeu, japonês ou uma solução nacionalizada. Os três padrões estrangeiros usam tecnologias conhecidas e bem difundidas. As diferenças decorrem do fato de cada um dos sistemas atender à realidade de seu país de origem. O padrão americano [ATSC], por exemplo, prioriza alta definição de imagem e som. É que a maior parte da população americana, ao contrário do Brasil, recebe o sinal pelo cabo; mas, onde ele não chega, a recepção depende de antena externa. Já o padrão europeu [DVB] privilegia mais a multi-programação do que a alta definição. Cada emissora pode transmitir mais canais diferentes ao mesmo tempo e a recepção é baseada em antenas internas. O padrão japonês [ISDB, que o Brasil deverá adotar até 2016] é derivado do padrão europeu, mas investe mais na robustez do sinal para atender melhor à recepção móvel em veículos e aparelhos celulares. Escolher entre os três não é apenas uma questão tecnológica, a realidade brasileira precisa ser levada em conta. Aspectos econômicos e políticos têm muito peso, e o Brasil quer saber das contrapartidas. Os japoneses já se comprometeram a não cobrar royalties pela informática embarcada no sistema, os europeus acenam com financiamentos, e americanos devem chegar esta semana com suas ofertas numa corrida que cresce à medida em que se aproxima a tomada de decisão. 2006 é o ano da digitalização das comunicações brasileiras: televisão, Internet e telefonia vão interagir cada vez mais, confundindo seus próprios territórios. A TV de alta definição baseada no padrão que o Brasil escolher deve estrear transmitindo jogos da Copa do Mundo. Quem quiser ver em digital e receber serviços e canais extras das emissoras vai precisar de um televisor compatível, ou então de um pequeno aparelho para converter o sistema para o televisor comum, nesse caso sem a mesma qualidade do padrão digital. Quem não fizer a opção, pode continuar com a TV que tem, recebendo os mesmos canais que recebe hoje. As emissoras vão fazer suas transmissões nos dois sistemas. O analógico ainda continuará no ar provavelmente por dez anos, que é o tempo estimado para essa transição no Brasil. 

Paulo Markun: Para entrevistar o ministro das Comunicações Hélio Costa, nós convidamos Elvira Lobato, repórter especial do jornal Folha de S. Paulo; Wilson Moherdaui, diretor da Plano Editorial e da revista Telecom e da Telecom Urgente; Ethevaldo Siqueira, colunista do jornal O Estado de S. Paulo; Sônia Soares, editora de economia do jornal O Globo; Renata de Freitas, repórter de tecnologia da agência Reuters; Gabriel Priolli, administrador e diretor do Canal Universitário, jornalista e presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária; Samuel Possebon, editor das revistas Tela Viva e Teletime; e Mônica Teixeira, editora especial de tecnologia e ciência da TV Cultura. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa. [Programa ao vivo, que permitiu a participação dos telespectadores por telefone, fax e internet] Boa noite, ministro.

Hélio Costa: Boa noite, Paulo. Boa noite aos convidados.

Paulo Markun: Obrigado. Quando o Brasil adotou a televisão colorida, a cores, nós fizemos uma espécie de jabuticaba, quer dizer, inventamos o sistema PAL-M, que é único no planeta, que não conversa com os outros, e isso foi muito criticado. Nós não estamos correndo o risco hoje de fazer o contrário, de adotar uma fruta estrangeira e deixar as características brasileiras ao lado, à margem?

Hélio Costa: Na verdade, o Brasil não foi o único a adotar o PAL-M, porque o Laos também adotou [risos]. Você não me pergunte o porquê, porque eu não sei explicar. Possivelmente alguém passou por lá e disse que era uma maravilha, e venderam a história como venderam para nós. Nós não corremos o mesmo risco, até porque a preocupação do Ministério das Comunicações, não só na minha gestão mas também na gestão do ministro Miro Teixeira, e depois com o Eunício Oliveira [ministro de janeiro de 2004 a julho de 2005], foi estabelecer claramente que o Brasil não estava e não está produzindo um padrão brasileiro de TV digital. Pode até, eventualmente, lá na frente, ter um padrão brasileiro. Neste momento, nós estamos colocando, montando as ferramentas, os instrumentos de uma televisão digital num sistema brasileiro de TV digital, criado por uma lei do presidente, por um decreto do presidente, 49/01, e isso é que tem trazido, na realidade, uma verdadeira revolução no setor acadêmico, industrial, empresarial... Porque, realmente, a TV digital é uma grande revolução. Nós temos que andar rápido para não ficarmos atrasados no processo. Nós já perdemos um tempo enorme, diga-se de passagem, e eu acho que o ano de 2006, conforme você disse, é o ano da TV digital. Nós começamos com uma experiência em junho, durante a Copa do Mundo. Esperamos fazer aqui em São Paulo, possivelmente em outras praças como Rio de Janeiro, Brasília, possivelmente em Belo Horizonte e outras capitais. Mas, em princípio, a proposta é São Paulo, onde nós vamos ter a primeira experiência.

Paulo Markun: Mas justamente a decisão tomada agora, que o senhor disse que será em janeiro, não é norteadora, não é definitiva e decide, delimita que caminhos nós vamos adotar?

Hélio Costa: Sem dúvida. Nós esperamos para o dia dez agora, de dezembro, os relatórios dos que participaram dos consórcios. São vinte consórcios que foram constituídos, através de três cartas-convite, que foram feitas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, e que têm, evidentemente, a coordenação do Ministério das Comunicações e do Ministério da Ciência e Tecnologia. Essas três cartas-convite foram atendidas por cerca de oitenta instituições, empresas, grupos de pesquisa, universidades, institutos, e que estão participando com 1500 técnicos há pelo menos dez meses na elaboração do sistema brasileiro de TV digital. Então, nós estamos aguardando. Quando esses relatórios forem entregues para a coordenação do CPqD [Fundação CPqD - Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações], [para] apresentar ao presidente da República, através do Ministério das Comunicações, uma proposta... Ela vem baseada, evidentemente, nas posições que levam em consideração não apenas os aspectos técnicos da TV digital, mas também o modelo de negócio e a política industrial.

Wilson Moherdaui
: Ministro, esses mesmos técnicos garantem que a TV digital não entra em operação, a transmissão digital não entra em operação comercial antes de dezembro. O senhor insiste em prometer que vai fazer essa experiência na Copa do Mundo aqui em São Paulo? 

Hélio Costa
: Nós não estamos prometendo uma TV digital comercial em junho, nós estamos propondo uma experiência que será feita através de um canal que está, na realidade, sendo administrado pelo instituto Mackenzie em São Paulo. Esse canal foi estabelecido pela Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] para que se fizesse essa pesquisa. Nós esperamos até ter outros canais para podermos incorporar a essa primeira experiência. Eu até acho que, possivelmente em dezembro, nós ainda não temos a TV digital comercial. Nós vamos ter, em junho, uma primeira experiência. Já temos, evidentemente, há vários meses, sinais iniciais da TV digital na praça de São Paulo, nós já podemos ver evidentemente a TV digital não só nos aparelhos fixos, como nos aparelhos móveis portáteis. Mas não espero ter a TV comercial. Aliás, eu nunca prometi ter TV comercial digital a partir do ano que vem. Eu disse que nós vamos fazer a primeira apresentação como experiência em junho do ano que vem.

Mônica Teixeira: Ministro, o senhor, quando assumiu em julho e falou, fez uma reunião com esses pesquisadores no CPqD, justamente em Campinas, o senhor disse que havia um problema de dinheiro, que estavam previstos inicialmente oitenta milhões, que depois esse valor caiu para 65 milhões, para essa fase de pesquisa, e que até aquele momento, em julho, a liberação havia sido de 38 milhões. Como está a situação orçamentária, vamos dizer, de dinheiro, agora no projeto?

Hélio Costa: Na verdade, eu estava errado naquele momento...

Mônica Teixeira: Ah, é? [Risos]

Hélio Costa
: Eu disse que nós tínhamos liberado 85 milhões, e tínhamos liberado 14 milhões apenas. Nós tínhamos uma proposta de liberação de 35 milhões.

Mônica Teixeira: Ah, está bom!

Hélio Costa: Quando eu cheguei no Ministério, eu recebi o Ministério com 14 milhões liberados. Imediatamente, nós conseguimos liberar mais 12 milhões. Nós temos agora, para a próxima semana, dois milhões programados para liberação; na primeira semana de janeiro, mais seis milhões. O importante é dizer que nós vamos chegar até fevereiro do ano que vem com aproximadamente 55, 60 milhões liberados, não apenas prometidos. Isso aí equivale a dizer que 80% do programa foi financiado durante a gestão...

Mônica Teixeira
: Desses, então, 65 milhões, que eram o valor - o valor inicial era oitenta, caiu para 65 - só vai ter cinqüenta e...

Hélio Costa
: É porque não termina aí o projeto. Aliás, é importante dizer isto: o projeto da TV digital não termina com a definição dos sistemas de modulação, de compressão de vídeo e áudio, com os instrumentos que nós vamos fazer para fazer a interatividade. Não termina aí a TV digital, nós continuamos a pesquisa. Nós entendemos que é fundamental a continuidade do programa de TV digital, porque o sucesso foi tão grande, o talento brasileiro foi tão extraordinário na formação - na formatação, perdão - dessas ferramentas de informática, e até mesmo na indicação dos instrumentos de eletrônica que serão usados na composição da TV digital, que nós não queremos perder esta oportunidade. Até porque desenvolvemos aqui algumas ferramentas que serão utilizadas na TV possivelmente fora do Brasil, na TV digital na Europa, possivelmente no Japão... Nós já temos indicações, por exemplo, de que a adaptação que nós fizemos do MPeg2 com o modelo MP4, é bem melhor do que aquele que se usa na própria Europa, no sistema europeu, DVB. Nós temos a certeza de que o nosso modelo vai ser melhor neste sentido.  Então, da mesma forma, nós estamos aprimorando o sistema de modulação, que pode ser o modelo japonês, pode ser o modelo europeu... Na verdade, os dois têm praticamente a mesma base e, partindo dessa base, nós estamos fazendo um aprimoramento que quer dizer o seguinte: o Brasil tem uma realidade diferente da Europa, realidade diferente do Japão ou dos Estados Unidos. Nós ainda temos, na verdade, uma TV aberta no Brasil que funciona no interior, especificamente, com 80% de todos os aparelhos existentes no país, com recepção interna, com aquela anteninha que a gente ainda costuma colocar aquela palha de aço para pegar melhor um pouquinho [risos], ou então com antena externa no telhado da casa. Ao contrário do que acontece no Europa, Estados Unidos e Japão, onde a recepção é 90% ou mais por cabo ou satélite. Nós estamos fazendo TV digital aberta, para TV aberta. Gratuita, essa é a palavra-chave.

Mônica Teixeira: Então não faltou dinheiro? 

Hélio Costa: Não, não faltou, não falta e não vai faltar. 

Gabriel Priolli: Ministro, o debate tecnológico, ou estudo tecnológico, de fato, é indiscutível que conseguiu ou vem conseguindo grandes avanços. Mas o senhor considera que os usos possíveis da TV digital estão suficientemente debatidos pela sociedade brasileira, de modo a orientar uma posição do governo, como Markun mostrou no começo do programa nesta reportagem? A TV digital pode servir para várias coisas, ela tem várias funcionalidades possíveis, e as opções por essa funcionalidade são opções basicamente políticas. Esse debate está sendo pouco travado no entendimento de diversos setores, muitos dos quais representados no próprio comitê consultivo da televisão digital. Como o senhor vê essa questão?  O senhor considera que o este debate está suficientemente travado? Não corremos o risco  de ter uma definição num determinado padrão tecnológico que condicione o uso ou determinados usos e impeça outros usos? Por exemplo, como o que o Markun citou, a possibilidade de ter acesso à Internet pela televisão, que é uma funcionalidade dada pela tecnologia, complexa, sem dúvida, de se implantar, cara, uma série de problemas desenvolvidos... Mas é possibilidade que a tecnologia dá. Agora, a opção que nós teremos viabilizará isso que o Markun coloca, e outras funcionalidades?

Hélio Costa
: Olha, veja só: nós, lamentavelmente, começamos os estudos da TV digital há 12 anos. E quando eu vejo essa declaração, Priolli, de que nós não discutimos ainda o modelo de negócio, a parte técnica da TV digital, eu falei: o que nós fizemos nos últimos 12 anos?  Porque, na realidade, a idéia da TV digital surge em 1994, por aí. Só a partir do momento em que o presidente de República assina um decreto 49/01, é que na verdade ela começa a existir. Ainda assim, a sociedade civil, que deveria estar debatendo a TV digital em todos os setores, mas não só provocada pelo governo, não só no comitê consultivo, em todos os setores: nas universidades, nos institutos de pesquisa, em todas as associações, até comunitárias... A questão da TV digital é tão importante do ponto de vista de intenção, o serviço público que ela pode trazer e pode prestar, que ela deveria estar sendo discutida amplamente há muito tempo. Agora, quando nós entramos no Ministério das Comunicações, em fim de julho, e eu chamei, por exemplo, as emissoras de TV a participarem do debate no comitê consultivo, acredite ou não, é porque elas estavam fora do processo de discussão da TV digital.

Gabriel Priolli: Eu não entendo como, ministro, se elas estão representadas pela Abert [Associação Brasileira de Rádio e Televisão] e pela Abra [Associação Brasileira de Radiodifusores] no Comitê Consultivo. Como poderiam estar fora do debate?

Hélio Costa: Estão representadas por uma associação, mas cada uma delas representa, evidentemente, um fator importantíssimo na indústria, ela representa um mercado de trabalho, ela representa uma proposta, uma idéia, de que maneira o SBT gostaria de ter a TV digital, como a [Rede] Globo gostaria de ver, como a Rede TV gostaria de ter... É importante se ter a participação de cada uma delas...

Gabriel Priolli: Sem dúvida.

Hélio Costa: Eu entendo que é perfeitamente válida a participação da Abert no Conselho, mas na Abert naquele momento, diga-se de passagem, sequer representava a TV Bandeirantes, que não estava pertencendo à Abert; não representava a TV Record, que não participava de Abert; e hoje não, todas as redes estão participando de discussão dentro do conselho consultivo. E inclusive aqueles que reclamam que não participaram, como é caso específico de alguns setores da indústria, não participaram porque não quiseram, porque o conselho se reúne todas as segundas-feiras, depois que eu assumi o Ministério, se reúne no gabinete do Ministério, na sala de reuniões do ministro. E evidentemente todos aqueles setores que quiserem participar, no mínimo como convidados, estão sempre prontos para chegar... [Markun interrompe e torna o final da frase incompreensível]

Paulo Markun: Só para aclarar, eu imagino que a resposta do senhor quer dizer que o senhor acha que o debate foi travado, e se não foi travado mais não foi por responsabilidade do governo e, portanto, estamos no momento da decisão.

Hélio Costa
: Até porque não cabe ao governo dizer o que vai ser feito com a TV digital. O governo entregou, sob a orientação do CPqD, para os cientistas, para os técnicos, institutos de pesquisa e universidades e representantes de indústria, essa decisão. O governo está apenas orientando, dando caminhos para dizer: “Olha, tem algumas coisas [de] que o governo não abre mão. O governo não abre mão de, na interatividade, você ter uma participação efetiva de um sistema em que você pode desenvolver ensino a distância, ou que você faça TV Escola, ou você dê informações úteis, ou que você abra um espaço para a comunidade”. Essa é a preocupação do governo. Agora, todas estas questões foram debatidas no conselho consultivo, eu participei de pelo menos quatro dessas reuniões já como ministro... [sendo interrompido].

Gabriel Priolli
: Talvez no comitê de desenvolvimento, ou no grupo gestor. Porque no Comitê Consultivo, do qual eu participo, na última reunião, dos quatro membros tínhamos apenas sete. Está sofrendo um processo contínuo de esvaziamento dada sua profunda irrelevância, porque as discussões relevantes não estão sendo travadas lá, ministro, e essa é a natureza da queixa fundamental em relação ao processo...

Hélio Costa
: [Sobrepondo a fala de Priolli] Mas, Priolli, a responsabilidade é dos membros, não é do Ministério. Não é o ministro que decide o que vocês vão discutir. O Conselho Consultivo [é] para o Ministério, não é o ministro que dá conselho não, vocês é que têm que aconselhar o ministro. Então, evidentemente, se não estão indo, primeiro: irresponsabilidade. Irresponsabilidade de cada um daqueles que deveriam comparecer às reuniões do Conselho Consultivo e não foram.

Gabriel Priolli
: Talvez porque dos sessenta milhões destinados às pesquisas não tenha sobrado nenhum dinheirinho para mandar condições para as associações, [para] as pessoas poderem participar, porque diferente de outros conselhos do governo, nesse caso não há nenhum auxílio, nenhuma ajuda para que o comitê consultivo se reúna.

Hélio Costa
: Olha, Conselho Consultivo é um conselho temporário. Evidente que não estamos tratando especificamente de posições governamentais. Agora, eu sou ministro há apenas três meses e meio, se eu tivesse recebido esta sugestão, possivelmente até teria encontrado caminhos para poder atender a esta reivindicação.

Samuel Possebon
: Ministro, eu queria entender uma colocação que o senhor fez que me parece muito relevante e nova, no sentido de que o governo não vai dizer o que vai ser feito com a TV digital, deixando de certa forma solto para que os próprios players desse mercado, os próprios radiofusores, decidam o que fazer.

[...]: O conselho, não é? Quem vai definir é o conselho, é isso?

Samuel Possebon
: Meu entendimento foi...

Hélio Costa
: Veja só, você tem uma orientação técnica do CPqD, você tem uma orientação geral do conselho consultivo, você ainda tem um conselho gestor. Você tem todas essas participações, mas o CPqD que recebe os relatórios que estão sendo, neste momento, ultimados e estão sendo enviados até o dia dez de dezembro para a direção do CPqD. O CPqD se reúne, vê todos os relatórios, faz o seu relatório e encaminha ao ministro. E o ministro evidentemente, submete ao conselho.

Samuel Possebon: Perfeito, mas eu entendo que, em algum momento, o governo vai ter que dizer: “Bom, temos aqui a TV digital, a tecnologia vai ser X, Y ou Z. Com essa TV digital, vai ser possível você fazer mobilidade; vai ser possível você abrir espaço para novos players; vai ser possível dar voz àqueles excluídos; fortalecer empresas de radiofusão com relação à concorrência e com celulares”. Enfim, o governo vai ter que dar a linha política do que é a TV digital. Minha pergunta, objetiva: essa linha política vem em fevereiro? Quer dizer, o governo já vai dizer o modelo de exploração da TV digital em fevereiro? 

Hélio Costa: Vai, vai decidir até fevereiro. Vai decidir porque nós não podemos esperar mais. Na verdade, o mundo inteiro já está disparado com a TV digital. Para se ter uma idéia, nós temos Europa toda já sendo digitalizada, Portugal está na frente do Brasil, neste momento, com a TV digital. Nós não temos mais como esperar, porque se nós não tomarmos essas decisões, nós não temos sequer como posicionar a indústria brasileira para que ela possa se preparar para atender às necessidades do mercado. Nós não temos como atender a necessidade das próprias emissoras de televisão, que teriam pelo menos oito meses para poder fazer toda a composição das ferramentas de informática e os instrumentos digitais [de] que vão precisar para poder fazer a TV digital. Nós entendemos que não podemos mais esperar. Quer dizer, o que ela traz é tão importante... Quando o Priolli falou: “Você pode citar evidentemente a participação da TV na utilização da internet?” Sim, é possível. Nós entendemos que, neste caso específico, a TV digital, lá na frente, vai ser a TV digital, mas ela vai ser também a internet, ela vai ser o telefone, ela vai ser a interatividade, ela vai cobrir todos esses aspectos. Eu acho que é importante que se tome a decisão, porque se nós não tomarmos a decisão vai acontecer o seguinte: nós vamos ficar sem uma orientação definitiva, nós não vamos ter um procedimento definitivo, e por essa razão não vamos ter a TV digital. Eu acho que nós já estamos chegando num ponto em que as tecnologias estão chegando, estão invadindo o mercado, estão lá totalmente sem controle. E acho que não tem marco regulatório para diversos setores da tecnologia digital e, enquanto nós não tivermos a televisão digital, nós não estaremos atendendo ao objetivo público que o governo quer. E o que o governo quer? O governo quer a TV aberta, a TV que na realidade é dirigida a toda a população, a todos aqueles, ricos e pobres, para que todos eles tenham acesso a essa extraordinária ferramenta.

Paulo Markun
: Elvira.

Elvira Lobato
: É o seguinte: eu notei que duas expressões o que senhor usou para se referir ao sistema brasileiro de televisão digital, que foi desenvolvido pelas universidades, o senhor citou: “sucesso tão grande, talento extraordinário”. A gente pode deduzir por aí que o governo deve acabar aprovando esse sistema que foi até apresentado hoje, aqui em São Paulo pela SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência]? 

Hélio Costa: Sem dúvida, nós estamos caminhando para isso. O que nós queremos, evidentemente, aproveitando os padrões existentes, atualizando esses padrões para a realidade brasileira... Quer dizer, o que nós estamos fazendo com sistema de modulação, conforme eu disse, pode ser usado sistema japonês, pode ser usado o sistema europeu, dificilmente o padrão americano se encaixa nisso, porque ele não contempla a portabilidade e a mobilidade da forma que o europeu e o japonês contemplam. Mas eu vejo que nós estamos caminhando para ter um sistema brasileiro com ferramentas brasileiras adequadas a padrões internacionais.

Paulo Markun
: Ministro, antes que a gente passe de assunto, e acho que essa declaração é uma boa declaração, nada como ter alguém que já foi desse outro lado do balcão [rindo, referindo-se ao fato de Hélio Costa ter sido jornalista], eu vou fazer um rápido intervalo, lembrando que entrevista desta noite poderá ser encomendada em DVD. Não ainda digitalmente, pela Internet, mas isso acontecerá a partir de amanhã. [...] O programa desta noite é acompanhado na platéia por Celso Diedemonte de Lima, assessor da presidência da FMU; Fernanda Padilha, estudante de relações públicas da Faculdade Cásper Líbero; e pelo professor Carlos Eduardo da Silva Dantas, pesquisador do Laboratório de TV digital do Mackenzie. Nós voltamos já já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com a entrevista do ministro das Comunicações, Hélio Costa, que anuncia na primeira semana de janeiro um modelo de TV digital que será adotado pelo Brasil. A pergunta agora é de Roberto Benetton, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações.

Roberto Beneton [VT]: Boa noite, senhor ministro. Levando em conta que esse processo de transição da televisão analógica para a digital envolve uma série de outros parâmetros, outros fatores, como aspectos regulatórios, o modelo de serviços, além do sistema, como o senhor vê, após a escolha que vai ser dada no início do ano que vem, após a escolha do sistema brasileiro, como o senhor vê essa seqüência de ações, o plano de implantação, o plano de desenvolvimento das tecnologias desenvolvidas no Brasil...? Como o senhor enxerga as diretrizes do governo nessa direção? 

Hélio Costa: Olha, o Benetton tem sido uma peça fundamental em todo o processo da decisão que está, neste momento, nas mãos dos participantes dos consórcios. Mas ele, como coordenador do CPqD, tem tido uma participação, uma vivência muito maior do que a grande parte dos outros players nessa decisão. O que eu vejo é que a seqüência vai obedecer, evidentemente, as dificuldades do mercado. Nós, fazendo a primeira experiência em junho, comprovando que o nosso sistema brasileiro de TV digital, com robustecimento da modulação, com o nosso middleware funcionando direitinho... Nós, tendo, evidentemente, o nosso compressor de áudio adaptado; até, se possível, com nosso Mpeg4, que está sendo desenvolvido também no Brasil, a partir daí que nós vamos, evidentemente, saber quando é que nós vamos partir para uma segunda etapa. Nós já estamos num procedimento adiantado. Para isso, já convocando a indústria, o pólo industrial de Manaus, as empresas no Brasil inteiro, que estão participando dessa grande euforia da TV digital. Para que nós não percamos também do lado industrial, na política industrial, o tempo que já perdemos na elaboração do próprio sistema. Então, elas já sabem que nós, decidindo o padrão, decidindo o modelo, elas já têm como começar a atuar, para preparar os aparelhos que deverão ser colocados no mercado. Até porque - vale uma explicação muito importante aqui - as pessoas não estão sabendo definir, neste momento, por causa da informação de que a primeira experiência é com a Copa do Mundo, que televisor comprar. Nós só produzimos, no Brasil, até agora, televisores de 720 linhas. O padrão brasileiro é 450 linhas, que não é próprio para receber uma imagem de alta definição. O aparelho que pode receber é 720 para cima, o ideal é 1080 linhas. E nós sequer produzimos aparelhos de 1080 linhas. Então, essas decisões, elas vêem em seguida, Benetton. Logo após decidirmos o padrão, o governo vai orientar o conselho, vai dizer: “Olha, agora, decidido o padrão, o que nós vamos fazer? Como é que começamos a implantação?”. Eu sei que a tendência é começar pelas grandes capitais, São Paulo, Rio de Janeiro.

Mônica Teixeira: Ministro...

Ethevaldo Siqueira: Vamos voltar à parte tecnológica ministro, que acho que é importante.

Hélio Costa
: Pois não.

Ethevaldo Siqueira: Eu sempre fui um cético com relação aos modelos brasileiros de reserva de mercado, de PAL-M... não que o PAL-M não fosse bom, o problema era incompatibilidade. Nós estamos vendo, e o senhor, por exemplo, é testemunha disso... inclusive sua primeira declaração de visão foi, para mim, surpreendentemente positiva, em relação ao sistema brasileiro que está sendo desenvolvido e que demonstra, em primeiro lugar, que existe uma competência técnico-científica brasileira que está sendo provada. Ninguém faz uma televisão digital funcionar com a combinação desses padrões se não tiver competência. Ou ela funciona ou não funciona. Nós já temos... Acompanhando isso de perto, na USP e nas demais universidades, nós já temos visto, realmente, esse resultado extraordinário. O que é importante ressaltar é que não haverá nenhuma incompatibilidade, realmente, entre o sistema brasileiro que combina padrões abertos e fechados, internacionais, para os quais nós podemos pagar royalties, adaptá-los, nacionaliza-los, sem reinventar a roda, e complementar com todos os softwares brasileiros. Isso é uma posição que, diante principalmente da campanha mais feroz dos lobbies dos três grupos, por exemplo, que era... A primeira frase que nós sempre ouvimos era que o Brasil não tinha competência para resolver isso, como se nós fôssemos partir tudo da estaca zero e tivéssemos que recriar tudo [close em Costa sorrindo e balançando a cabeça em sinal afirmativo]. E aí é uma questão de projeto, de combinação. O Brasil vai criar uma grande parte, que é a sua contribuição, para adaptar todos os softwares ao conteúdo, ao middleware, que é essa ponte que se faz geralmente nas tecnologias aos conteúdos... E essa idéia, realmente, de que a segunda etapa... Essa primeira etapa é seguramente vitoriosa. Eu sei que o senhor vai ver, provavelmente ainda esta semana, a demonstração real de tudo isso que a gente, por ser mais bisbilhoteiros e mais abelhudos, já fomos ver e conversar com especialistas que têm um grande nome. Eu pergunto: o senhor tem total isenção e independência, e o governo brasileiro, a partir dos resultados que vão ser demonstrados, em apostar num sistema com essas características, que tenha um sistema de modulação extremamente robusto e avançado, que não é exclusivo do Japão, não! O Japão adotou, mas é conquista tecnológica internacional, brasileira também no momento que nós fazemos. O senhor é capaz realmente de endossar tudo isso sem nenhum tipo de receio, de pressão internacional, ou nacional?

Hélio Costa
: Não tenho a menor dúvida, Ethevaldo, até porque existem algumas coisas que têm que ficar bem claras. O sistema americano não é americano, ele foi desenvolvido pela Zenith, comprado pela LG e virou sistema coreano. Então, veja só: o sistema americano é coreano. O sistema japonês, conforme você disse e lembrou, é baseado no sistema europeu. Então, há uma convergência entre o sistema europeu e o sistema japonês. Muitas dessas ferramentas, as principais ferramentas desses sistemas, são ferramentas de domínio público internacional, da UIT, quer dizer, nós sabemos disso, grande parte dessas ferramentas. O que nós vamos fazer é, ao contrário do que foi feito na Europa, notadamente na Europa, onde se assumiu um modelo, que é o modelo europeu - e, diga-se de passagem, alguns lugares tiveram até a grande decepção de ter de voltar atrás, como aconteceu na Inglaterra, como aconteceu na Espanha, onde tentaram fazer um modelo fechado de TV digital e tiveram que dizer: “Erramos e vamos voltar ao sistema aberto” - nós estamos compondo um sistema brasileiro de TV digital que é a utilização de ferramentas dos três sistemas. Nós temos a certeza de que, compondo com estas ferramentas um sistema brasileiro, nós estamos atendendo às normas internacionais da UIT. Nós podemos até oferecer os nossos produtos com robustecimento que temos, com a melhoria que fizemos na compressão de áudio e vídeo, e até com os middlewares, até com os programas de interatividade que na Universidade da Paraíba estão sendo feitos, que são absolutamente perfeitos para o Brasil. Nós temos condições de vender ferramentas de TV digital para Europa e para os Estados Unidos até. Diga-se de passagem, a nossa caixinha de interatividade já é fabricada no Brasil e vendida nos Estados Unidos. Essas coisas é que nos dão a garantia... [sendo interrompido]

Ethevaldo Siqueira
: Santa Rita do Sapucaí [cidade do sudoeste de Minas Gerais conhecida como “O vale da eletrônica” por sediar importantes empresas do ramo da eletrônica e das telecomunicações, como o Inatel - Instituto Nacional de Telecomunicações -, onde se desenvolveram as principais pesquisas do país sobre a TV digital], isso que o senhor está falando?

Hélio Costa
: Santa Rita do Sapucaí, minha Santa Rita, do meu estado de Minas Gerais, com muita honra! [Risos]

Renata de Freitas: Ministro...

Hélio Costa
: Quer dizer, nós estamos na verdade já a um passo à frente de praticamente todos os países na América do Sul.

Renata de Freitas
: O senhor me dá aí um gancho para falar sobre a questão da indústria. A gente viu há alguns anos, aqui no mercado de telecomunicações, uma decisão em torno de um padrão de telefonia móvel que é o GSM, que trouxe para o Brasil alguns investimentos em novas fábricas, de alguns fabricantes que só poderiam produzir nessa tecnologia, e isso trouxe aparelhos mais baratos, porque tem uma grande escala de produção desses aparelhos celulares. E transformou também o Brasil em plataforma exportadora de celulares, e isso é principal produto da balança de eletroeletrônico hoje. A minha pergunta é: se a gente escolhe um padrão como esse, que tem tantas vertentes abrasileiradas ou tropicalizadas, a gente excluiu a possibilidade do Brasil vir eventualmente a se transformar num exportador de aparelhos de televisão? Porque até hoje não é! A gente é um mercado que atende, uma indústria de eletrônica que atende o próprio mercado brasileiro, que é imenso, não tenho dúvida. Existe essa possibilidade, a orientação do governo vai no sentido de transformar o Brasil numa plataforma exportadora de aparelho de televisão nesta nova era digital ou não?

Hélio Costa: O Brasil tem condições de exportar televisores, tem condições de exportar as caixinhas de interatividade, tem condição de exportar as ferramentas que vão compor essa pirâmide da TV digital.

Renata de Freitas
: Mas isso faz parte da política que o governo está delineando?

Hélio Costa
: Ah, faz parte! Essa é a política industrial do governo. Da mesma forma que você citou, hoje nós vendemos quatro milhões de aparelhos celulares para o mundo inteiro, nós podemos também vender aparelhos de televisão, além da Argentina, porque o nosso principal comprador de aparelhos de televisão é Argentina. Mas nós podemos vender para todos os outros países de América do Sul. Neste momento, por exemplo, nós temos dois funcionários técnicos do Ministério das Comunicações em permanente contato com técnicos argentinos. Chegaram da Argentina no domingo passado, elaborando um programa conjunto com a Argentina para que nós possamos decidir na frente que ferramentas vamos comprar e, certamente, se tivermos que pagar algum royalty, vamos pagar juntos, com a Argentina e, portanto, menor.

Renata de Freitas
: Qual o mercado potencial para essa indústria? Já foi feito esse levantamento?

Hélio Costa
: Olha, eu não tenho os dados específicos para dizer: “olha, nós temos uma indústria dentro da TV digital de proporções”. Eu só sei que o investimento dos próximos dez anos é de um bilhão de dólares, três bilhões de reais.

[Falam simultaneamente]


Mônica Teixeira
: Investimento de quem, ministro?

Hélio Costa: Investimento, principalmente... principalmente das empresas de comunicação existentes... [sendo interrompido]

[...]
: Um bilhão de dólares por ano, ministro?

Hélio Costa
: Por ano, por ano! Durante dez anos.

Mônica Teixeira: Empresas de comunicação, as emissoras?

Hélio Costa
: As emissoras. E evidentemente as empresa de telecomunicações também, que terão que investir no setor porque, afinal de contas, elas vão ser um player importante dentro do sistema da TV digital.

Mônica Teixeira
: Então, no mínimo são dez bilhões por dez anos que é este tempo o que o senhor...

[...]
: Ou  mais!

Hélio Costa: Ou mais! É uma previsão. Nós não temos números definitivos, mas nós sabemos que, evidentemente, por ano, nós temos que investir... Principalmente agora, nesta primeira fase, nós vamos ter um investimento muito grande. Cada uma das emissoras deve investir na primeiríssima fase um mínimo de vinte milhões de reais e, possivelmente chega a sessenta, setenta milhões de reais... [sendo interrompido]

Mônica Teixeira
: Quer dizer que cada uma dessas decisões que vão ser tomadas a partir das definições aí de janeiro, cada uma delas vale muito dinheiro?

Hélio Costa: Não tenha dúvida, não tenha dúvida.

Mônica Teixeira: Então, o senhor deve estar...

[Falam simultaneamente]


Hélio Costa: A indústria brasileira tem que estar rigorosamente preparada para participar de uma verdadeira revolução industrial.

Gabriel Priolli: Eu quero lhe perguntar, ministro, a propósito disso... que o setor de radiodifusão vai ter que investir, não resta a menor dúvida. Qual é o espaço que o senhor vê e capacidade de investimento inclusive do setor público? Eu represento uma associação de televisão universitária que está no campo público da televisão, como a ABPeq, que representa a TV Cultura, as emissoras legislativas, as comunitárias, todo este campo público da televisão que hoje representa cerca de 140 emissoras geradoras de conteúdo, e mais ou menos duas mil redes transmissoras e repetidoras em todo o país. Quer dizer, um segmento já importante no país. Na sua visão, como esse segmento vai se incorporar ao esforço da TV digital? De que forma poderá ser financiada a sua migração para o digital? Como o governo vem pensando essa questão?

Wilson Moherdaui: Pegando carona nisso que o Gabriel está perguntando, eu queria saber o seguinte: esses três grupos de pressão - de lobby, seja o que for - europeu, americano e japonês, ofereceram o quê de contrapartida para adoção? É claro que há interesses econômicos, não só uma questão de disseminação de tecnologia. O que esses grupos de pressão ofereceram como contrapartida? E aí pode ser, de repente, financiamento à pesquisa, financiamento à incorporação desse contingente de emissoras ao processo de TV digital... Alguém ofereceu alguma coisa assim? Parece que europeus ofereceram incentivo à pesquisa...

Hélio Costa: Em primeiro lugar, eu queria fazer uma sugestão: o Priolli tem que preparar um projeto junto com seus técnicos - competentíssimos técnicos da nossa TV Cultura -, para que a gente possa, enquanto o Hélio Costa, que é jornalista, está no Ministério das Comunicações, nós fazermos uma reformulação do conceito de TV Cultura, TV educativa, TV comercial. Não existe isso, nós temos que fazer isso! Porque, na realidade, a TV educativa está desvirtuada no Brasil, ela perdeu totalmente o sentido de TV educativa. Nós tentamos e vamos corrigir isso, pelo menos durante o tempo que eu estiver no Ministério das Comunicações. Feito isso, você tem condições de criar estruturas de apoio para o sistema Cultura poder ser financiado para implantação da TV digital. Em primeiro lugar, vocês já estão fazendo uma coisa aqui na TV Cultura que precisa ser regulamentada, que o ministro se propõe a regulamentar [apontando a si próprio], diga-se de passagem, que é a utilização do espaço de TV Cultura como uma TV comercial.

Ethevaldo Siqueira
: O senhor disse desvirtuada, ministro? A idéia de TV educativa? A TV Cultura não se desvirtuou! Ela é uma TV pública, de alto nível cultural... [sendo interrompido]

Hélio Costa: Eu me referi à Educativa, não à Cultura.

Ethevaldo Siqueira
: Certo, certo.

Hélio Costa: A TV Educativa é que está desvirtuada, a TV Cultura não. A TV Cultura precisa, na verdade, de um instrumento legal para poder te autorizar a fazer o que já está sendo feito, que é você comercializar o seu tempo disponível.

Paulo Markun
: Mas o universo é bem maior; não é, ministro? O senhor tem a TV Cultura, o senhor tem as TVs universitárias, tem as rádios comunitárias... Quer dizer, tem todo... É uma espécie de grande exército de brancaleone.

Hélio Costa: Exatamente.

[...]: Heterogêneo.

Paulo Markun: Heterogêneo, que numa revolução como essa corre o risco de ser posto para fora do processo.

Hélio Costa: Pois é, mas aí é que... [sendo interrompido]

Paulo Markun
: A pergunta é: que posição o governo tem em relação a isso?

Hélio Costa: Eu vou chegar, então, na resposta para o Wilson - que complementa a indagação do Priolli – que, na verdade, cada um dos três propostos sistemas ou padrões, ofereceu alguma coisa. Eu disse inicialmente que os japoneses ofereceram o não pagamento de royaties pelas ferramentas que compunham o padrão japonês. Os europeus ofereceram cinco milhões de dólares, que eu considero irrisório, e disseram que tem uma linha de crédito em Euros e que não sei a quanto pode chegar.

[...]: Para as emissoras?

Hélio Costa: Para as emissoras. E os americanos anunciaram cerca de 170 milhões de dólares que poderiam também ser utilizados.  Acho que isso tudo se resolve principalmente com relação ao sistemas de TV Cultura dentro do BNDES. Eu fiz essa proposta como presidente da Fundação de Comunicação, que é a comissão no Senado Federal e, lamentavelmente, não foi entendido nem pela classe, porque ficou todo mundo achando que eu estava preparando o ambiente para que alguma empresa pudesse fazer um empréstimo ao governo quando na verdade essa empresa já tinha até negociado...

[...]: Qual classe? A dos parlamentares ou a dos... 

Hélio Costa
: Não! Eu não fui entendido sequer pelos dirigentes das empresas de comunicação. Quando eu disse: “olha, o BNDES tem trinta bilhões de reais para investir. Todos os anos deixa de investir esses trinta bilhões, procura projetos inteligentes, importantes - socialmente importantes – e, lamentavelmente, não tem, deixa de investir um dinheiro que deveria estar circulando”. Eu acho que esse é um caminho. Nós não precisamos... E, honestamente, aqui eu não preciso ser brasilianista e nem ufanista, mas nós temos recursos e instrumentos dentro do governo para atender as necessidades daquelas redes de TV [como a] Cultura que realmente fazem o produto como vocês fazem aqui na TV Cultura, e como se faz no Rio de Janeiro, na TV Cultura [equivoca-se, a referência é à TV Educativa, a TVE].

Gabriel Priolli
: A preocupação nossa, ministro, é a questão da interatividade. Aliás, seria interessante talvez a gente aprofundar um pouco melhor no interesse do telespectador sobre as funcionalidades, as formas do que pode vir a ser a TV digital para as pessoas entenderem efetivamente o que vai acontecer. A interatividade, nós entendemos como uma possibilidade efetivamente de diálogo entre o telespectador e a emissora. Quer dizer, é um nível de interatividade que para nós, que fazemos televisão educativa, é muito importante e podemos fazer educação a distância usando apenas a plataforma da televisão sem necessidade de usar um computador. E isso é uma grande vantagem no país que tem 98% de penetração na televisão e apenas 10% de penetração na Internet. Então, como o senhor vê a questão especificamente dessa funcionalidade da televisão digital? Porque, para as pessoas... o leigo talvez não entenda que, se nós fizermos uma opção basicamente pela alta definição, a capacidade do espectro eletromagnético de transmitir os sinais provavelmente ocupará a maior parte ou senão a esmagadora maioria da disponibilidade de banda para se fazer televisão digital. E isso eliminaria - se não eliminaria, pelo menos reduziria muito - a possibilidade de outras funcionalidades, como essa... [sendo interrompido]

Hélio Costa
: Você acabou de descrever o sistema europeu.

Gabriel Priolli: Não, não...

Hélio Costa: Você descreveu o sistema europeu. Eu faço alta definição e não tem como fazer mais nada, diga-se de passagem.

Gabriel Priolli
: É, a questão é o seguinte: como o senhor vê, a compatibilização das duas funcionalidades. Por exemplo: alta definição, que interessa a todo mundo, todo mundo quer uma televisão de melhor imagem, de melhor som... Claro, interessa. Agora, interessa ao setor público, por exemplo, que nós possamos ter ferramentas como essa da interatividade, para poder atender ao nosso telespectador de forma mais intensa e muito mais aprofundada do que a gente faz hoje, mas sem... [sendo interrompido]

Hélio Costa
: A barreira de interatividade, Priolli, não é necessariamente a TV digital que está preparada com instrumentos para fazer a interatividade. É que, para a interatividade, em qualquer dos três sistemas no momento, você precisa da rede fixa de telefonia. E, lamentavelmente, nós ainda não temos uma cobertura nacional capaz de atender às necessidades. Nós temos quarenta milhões de telefones fixos no país, dos quais 27 milhões estão em residências. Então, evidentemente que nós vamos precisar aumentar consideravelmente o número de telefones fixos para que nós possamos, na verdade, lá na frente usarmos esses instrumentos. O que nós pretendemos é, lá na frente... [sendo interrompido]

Ethevaldo Siqueira: O senhor pretende propor uma solução nesse ponto que é criar uma cobertura nacional de WiMax, que é uma rede de banda larga, alta velocidade e com custos muito menores do que um sistema telefônico.

Hélio Costa
: Sim. Na verdade, o que nós vamos fazer é usar o controle remoto de TV digital para poder fazer todo esse trabalho de interatividade que você disse. É tão importante e vai ser, principalmente para a TV Cultura, porque você vai conduzir pesquisas nacionais, você vai poder fazer discussões a nível técnico, com a participação do telespectador usando o seu controle remoto em casa. Mas para isso nós vamos precisar da telefonia fixa. Quando o Ethevaldo se refere ao fato de que nós temos um sistema de banda larga sem fio, que é o WiMax, quer dizer... estamos dando os primeiros passos no Brasil. Nós estamos, na realidade até final de dezembro, no máximo primeira semana de janeiro, [próximos] de fazermos a primeira experiência de longo alcance em Belo Horizonte. Diga-se de passagem, amanhã pela manhã às nove horas da manhã nós vamos assinar um convênio entre o Ministério das Comunicações, a Intel, a TVA, a Prefeitura de Belo Horizonte para nós iluminarmos noventa graus no ângulo da cidade de Belo Horizonte, que vai pegar pelo menos um terço da Belo Horizonte com internet banda larga sem fio.

Ethevaldo Siqueira: Aquilo que o Gabriel disse que, quando se privilegia a alta definição se abre [mão de] outras coisas, o sistema brasileiro pode manter quatro níveis de definição, desde a mais baixa possível, que é o low definition, que vai para celular, a standard definition, que é a normal, a advanced que é [a] melhorada dos DVD, e alta definição, com 1080 linhas para cima. É possível, no sistema brasileiro, você ter essas quatro usando os canais disponíveis em seis megahertz, quer dizer...

Gabriel Priolli: Isso que seria aconselhável, no nosso ponto de vista, que a gente pudesse, [nesse] sistema, consagrar essa possibilidade...

Hélio Costa
: O segredo está em poder fazer tudo isso num único canal.

Gabriel Priolli: Exatamente.

Samuel Possebon: O senhor mencionou agora há pouco que empresas de telecomunicações vão ter um papel muito importante na TV digital...

Hélio Costa: Exatamente.

Samuel Possebon: Pela sua resposta anterior eu creio que este papel importante seja só prover a interatividade para a televisão aberta. Como o senhor vê a possibilidade de num cenário com a TV digital você abrir o mercado para que novos radiodifusores surjam, respeitadas as regras da Constituição, então você poderia ter por exemplo uma empresa de telefonia pleiteando um canal de TV digital e passa a ser um radiodifusor, como é hoje a TV Cultura, a Globo, SBT e enfim...O senhor vê que papel para as empresas de telecomunicação? 

Elvira Lobato: Só para completar a dele aqui, o senhor também é acusado de ser defensor dos radiodifusores nesse conflitos de interesses...

Hélio Costa
: Não, sou homenageado.

Elvira Lobato
: Há os que se identificam com a Rede Globo, que o senhor trabalha.

Hélio Costa: Trabalhei.

Elvira Lobato
: Trabalhou, evidentemente, há muito tempo.

Hélio Costa
: Com muita honra.

Wilson Moherdaui
: Já que é assim, vou pegar carona, porque TV digital...

Hélio Costa
: Vocês falaram que isso aí, que iam bater só do umbigo para cima!  Estão começando a descer.

Wilson Moherdaui: Acho que a questão da TV digital permite também a mobilidade, o que envolve operadoras de telecomunicações. E as operadoras não estão sendo alijadas do processo de discussão?

Hélio Costa: Não estão não, vão ter a hora delas de chegar, evidentemente. O mais importante de tudo isso é que temos que definir, e eu espero que no começo do ano que vem, possamos estar caminhando para uma feitura da nova lei geral de comunicação social. Sem isso, sem isso nós não temos nenhuma legislação capaz de entender o que é radiodifusão neste processo da TV digital e o que é telecomunicações. Ou então vai haver sempre a invasão de um setor novo. Agora, para o que vocês têm que ver, temos que primeiro partir do princípio de que o que nós temos no Brasil como radiodifusão ou teledifusão - sempre acrescento “teledifusão”, porque é rádio e televisão - isso está estabelecido em lei, quer dizer, é diferente de telecomunicações.

Samuel Possebon: Mas a lei não impede que se abra espaços para que outros...

Hélio Costa: Desde que as empresas sejam de capital 70% nacional, desde que ela preserve o conteúdo nacional, tudo isso tem que ser analisado em lei. Quer dizer, no momento não existem essas leis, no momento nós não temos isso.

Ethevaldo Siqueira: Nisso, ministro... uma lei de 1972 para radiodifusão, e uma LGT [Lei Geral de Telecomunicações] de 1997.

Hélio Costa: Mas são duas coisas diferentes, Ethevaldo.

Ethevaldo Siqueira: Elas têm que estar debaixo do mesmo guarda-chuva no mundo inteiro.

Hélio Costa
: Muito bem, na lei geral de comunicação social é bem provável que esteja.

Ethevaldo Siqueira
: Mas num ano eleitoral? 

Hélio Costa
: Pois é, ano que vem não vai acontecer...

[Falam simultaneamente]


Hélio Costa
: Você pode ter as bases de uma lei geral de comunicação social, e através de medida provisória você implantar um sistema até o ano que vem.

Samuel Possebon: Minha pergunta é mais simples ministro, não estou falando da questão da Telefônica entrar no setor de radiodifusão. Hoje, o Ministério pode a qualquer momento, desde que haja espaço no espectro, abrir licitação para novos radiodifusores. E não se abre porque não há espaço nas principais cidades. E com a TV digital, vai abrir em tese muito espaço, e o governo poderia decidir: "Agora vamos dar espaços para que outras empresas concorram no mercado de televisão". E, respeitadas as regras constitucionais, capital estrangeiro, produção de conteúdo no Brasil, enfim, tudo isso que está previsto na Constituição, poderia se abrir. E isso não envolve lei de comunicação social, não envolve nada, é regra básica.

Paulo Markun: Envolve a concorrência e disputa de mercado...

Samuel Possebon
: Envolve abrir uma licitação...

Hélio Costa: Para os novos players para a TV digital, sim. Eu entendi que vocês estão falando especificamente para telecomunicações entrar no mercado de radiodifusão.

Samuel Possebon
: Mas eles podem querer ser um player da TV digital...

Hélio Costa: Eles podem, evidentemente, participando da concorrência como qualquer outra empresa.

Samuel Possebon
: E na mesma condição que a radiodifusão tem hoje, não é? Mesmo princípio, capital estrangeiro...?

Hélio Costa
: Claro, sem dúvida nenhuma.

Paulo Markun: Ministro, os seus planos assim, tão ambiciosos... Isso quer dizer que o senhor não vai sair candidato a nenhum cargo ano que vem? 

Hélio Costa: Não sei, posso até decidir.

Paulo Markun
: Até abril o senhor tem tempo.

Hélio Costa: Até abril eu tenho tempo.

Gabriel Priolli: Ministro, voltando à questão da radiodifusão em telecomunicações, o senhor não acha que é completamente bizantina essa discussão a essa altura da história, de você ter telecomunicações, radiodifusão em campos opostos, quando tudo converge? Nós temos uma mudança constitucional feita há algum tempo atrás que consagrou essa mudança, feita por interesses políticos. Na verdade, mas isso não é bizantinismo extremo e vai contra o futuro? 

Hélio Costa: Veja só, o que aconteceu com a telefonia celular no Brasil?   Começamos com DTMA, passamos para CDMA, depois GSM e fomos subindo, mais rigorosamente o que você faz, basicamente, e representa 80% do faturamento das teles, é voz, transmissão de voz. 

Gabriel Priolli: Concordo.

Hélio Costa
: Exatamente. Por mais que você coloque... posso por retratinho, clipe, o que for, basicamente o telefone continua rigorosamente o mesmo. A idéia dele é transmitir e receber voz, não é? Por que tem que ser diferente do setor de radiodifusão? O rádio, a televisão continuam os mesmos, e estão se adaptando a uma nova tecnologia.  Eu não vejo razão para essa diferenciação que se faz: “Ah, porque a lei é antiga, porque o rádio e a televisão estão sendo conduzidas por lei de 1962". Essas coisas todas. Olha, são duas coisas distintas até que alguém faça uma lei diferente. É bem provável que a lei geral de comunicação de massa ano que vem, congregue todas estas situações na telecomunicações e da radiodifusão e teledifusão. Agora, enquanto isso não existe, eu sou um legalista, sou um senador da República, hoje ministro, eu não posso advogar que você passe por cima da lei. Existe uma lei, que começa inclusive na Constituição Federal, artigo 222: você não pode ser estrangeiro, se tiver nacionalidade estrangeira não pode ser dono de mais de 30% das nossas empresas de telecomunicações etc. Muito embora lá fora não façam a mesma coisa. Porque nós permitimos [deveríamos permitir] que uma empresa estrangeira chegue aqui e compre uma companhia inteira? E se formos lá na Espanha e Itália, não compramos mais do que 20%? Então, somos muito liberais, e lá são muito conservadores.

Paulo Markun: Ministro, vamos fazer mais um rápido intervalo. [...] E, na platéia, o programa desta noite é acompanhado pelo professor Guma Bedix, coordenador do laboratório de TV digital do Mackenzie; Patrícia Helena Morais, repórter do Grupo Jovem Pan; pelo professor doutor Marcelo, da Poli, da USP; e pelo doutor Martins de Almeida Sampaio, advogado e presidente do Canal Comunitário do Estado de São Paulo. A gente volta já já.

[intervalo]

Paulo Markun: Voltamos com o Roda Viva, esta noite entrevistando Hélio Costa, ministro das Comunicações. E retomamos o programa com perguntas vindas de Belo Horizonte, graças à nossa parceira Rede Minas. Vamos lá.

Orion Teixeira [VT]: Boa noite, ministro. Gostaria de saber do senhor o futuro do projeto da telefonia social, que atende à renovação da concessão da telefonia fixa.

Ênio Nogueira [VT]: Os contratos de prestação de serviços da telefonia fixa estão para ser renovados pelo governo. Eu pergunto ao ministro: essa não é uma oportunidade de acabar com a famigerada assinatura básica que penaliza sobretudo o consumidor de baixa renda?

Paulo Markun: Aliás, ministro, só para registrar, a mesma questão da assinatura básica, que foi uma das brigas que o senhor comprou, é questão levantada por Rogério Marques, de Sorocaba, que trabalha como metalúrgico e pergunta se só no Brasil que existe isso; e do professor Emilson Costa, de Volta Redonda; Irineu, de Barueri; e de Thiago Martins, de Votorantin.

Hélio Costa
: Olha, na realidade, em 1997, quando foi feita a privatização das empresas de telefonia, estabeleceu-se que a assinatura básica seria um instrumento de garantia do retorno dos investimentos. E isso ficou praticamente definitivo. Nós já tivemos o retorno dos investimentos, nós sabemos que as empresas são todas superavitárias, evidentemente, mas elas se agarram muito no fato de que, hoje, pelo menos 30% do seu faturamento anual está calcado em cima da assinatura básica, que, diga-se de passagem, tem números que pouca gente desconhece. As três empresas de telefonia fixa, Telefônica, Telemar e Brasil Telecom, têm um faturamento mensal de um bilhão e seiscentos milhões de reais só com assinatura básica. 

Paulo Markun: Faturamento compulsório, não tem conversa?

Hélio Costa: Compulsório, não precisa fazer mais nada porque já têm um bilhão e seiscentos milhões de reais. Existem trinta projetos de lei na Câmara dos Deputados, existe uma Comissão Parlamentar de Inquérito para ser instaurada para apurar a relação da Anatel com relação às companhias de telefonia, existem dez processos no Senado aguardando discussão na Comissão de Comunicações , que é Comissão de Educação [No Senado Federall, existe uma Subcomissão de Cinema, Teatro, Música e Comunicação Social abaixo da Comissão de Educação, Cultura e Esporte], para ser levada ao plenário, pedindo a abolição pura e simples da assinatura básica. O que acontece é que nós entendemos que, como a Lei Geral de Comunicações é muito clara no que diz respeito ao impacto econômico e financeiro que pode ser causado por ações específicas do governo, se nós advogarmos a abolição pura e simples da assinatura básica hoje, as empresas podem entrar na Justiça amanhã e jogar, evidentemente, essa conta em cima do governo. Agora, no processo da discussão do telefone social, que é o foco da pergunta que me faz Orion Teixeira, meu colega jornalista de Belo Horizonte, nós entendemos que a proposta da Anatel... Ou seja, para o Aice que é o Acesso Individual para o Cliente Especial [plano em que o consumidor paga uma tarifa mínima mas não possui franquia.. É pré-pago], onde se propôs um telefone popular. Ele chegou a causar espanto para mim, porque da forma como ele foi apresentado, esse sim poderia trazer um desequilíbrio econômico e financeiro que, depois nós fomos apurar junto às empresas, poderiam representar 15 bilhões de reais de prejuízo para as empresas em cinco anos. Não é que o ministro esteja defendendo as empresas de telefonia fixa, eu estou defendendo o governo, porque se isso acontecer, quem vai pagar a conta é o governo. Não é, na realidade, outro senão o governo federal que tem que pagar a conta.

Ethevaldo Siqueira
: Mas nesse ponto há uma questão conceitual que eu acho importante. O senhor pode acusar a assinatura básica de ser alta ou baixa, o conceito é que, em telefonia, 95% dos países do mundo adotam a remuneração do serviços em duas partes: uma parte fixa e uma parte variável. A parte fixa remunera o investimento e os custos básicos. Como o senhor paga uma bandeirada de táxi, é o valor mínimo, não é cinquenta metros ou cem metros. O que nós temos que ver é que, na realidade, existe uma lei, existe um contrato de concessão, e nós estamos renovando esse contrato de concessão. A hora e o fórum correto é discutir um novo contrato de concessão, se vamos incorporar realmente numa única tarifa, com outros critérios, porque me parece que essa é uma questão muito pequena para tomar o tempo que tem tomado de um ministro e que não vai levar a situação nenhuma.

Hélio Costa: Olha, Ethevaldo...

Ethevaldo Siqueira: O senhor tem quatro bilhões de fundos parados...

Hélio Costa
: Vou colocar para você a razão pela qual...

Ethevaldo Siqueira: ... a Lei Geral de Comunicações...

Hélio Costa: ... pela qual eu tenho, inclusive com o critério de assumir que estou sim gastando muito tempo com a assinatura básica, pelo simples fato de que, lamentavelmente, as pessoas de baixa renda ainda não têm acesso ao telefone...

Ethevaldo Siqueira: Mas têm o celular.

Hélio Costa: Têm o celular para gastar quatro reais por mês, você sabe disso! Celular pré-pago é o chamado "pai de santo", rapaz, só recebe, não pode fazer ligação.

Ethevaldo Siqueira
: Foi a maior inclusão que nós tivemos neste país.

Hélio Costa: São quatro reais por mês a média de gasto com telefone pré-pago, Markun [virando-se para Markun]. Como é que eu vou usar pré-pago como solução?

Ethevaldo Siqueira: Eles fazem a cobrar, ministro, o senhor sabe disso.

Hélio Costa: E eu acabei de dizer aqui para o Priolli que nós precisamos da telefonia fixa até para fazer a interatividade da TV digital.

Ethevaldo Siqueira: Perfeito, é necessário, eu concordo, ministro.

Hélio Costa: Agora, o que eu estou querendo propor é o seguinte: não me faça comparações de que o resto do mundo cobra, todo mundo cobra, 90% dos países cobram assinatura básica. Porque o salário mínimo nos Estados Unidos, comparado, em reais, é de quatro mil e duzentos reais e, no entanto, a assinatura básica de um telefone, em algumas regiões dos Estados Unidos, é de trinta reais. Agora, para nós, que temos um salário mínimo de trezentos reais, você cobra quarenta reais por uma assinatura básica? Isso está errado.

[Falam simultaneamente]


Ehtevaldo Siqueira
: Mas foi a aplicação de um contrato de concessão que levou a isso.

Hélio Costa
: Em 1997, quando foi feita a privatização, você sabe que o preço da assinatura básica era o equivalente a um dólar, que seria hoje dois reais e cinqüenta centavos.

Ehtevaldo Siqueira: No tempo da Telebrás chegou a 61 centavos. Este país é um absurdo, passa de 61 centavos para quarenta reais.

Paulo Markun
: Mas não volta para 61... [risos]

[Falam simultaneamente]


Hélio Costa
: A Lei Geral de Telecomunicações não diz em nenhum lugar, Samuel, em nenhum lugar ela especifica o que é a assinatura básica. A assinatura básica só é citada na cesta dos cinco produtos que compõem o índice para se fazer o preço do telefone. Em nenhum outro lugar! Ela é citada ali, quer dizer, ela não existe como parte da Lei Geral de Telecomunicações. Agora, nos novos contratos, o que se propõe é o que eu disse, o Aice [Acesso Individual Classe Especial], que é esse telefone onde acaba-se com a modulação horário, ou seja, no domingo eu não posso mais ficar na internet, eu vou pagar por minuto de segunda a domingo, levantei o telefone e já começo a pagar o minuto. Isso, na realidade, vai ser um desastre, porque as pessoas precisam da franquia. A média da utilização do telefone público em casa, esse telefone residencial, é quarenta a cinqüenta minutos por mês. Nós vamos dar uma franquia de 120 minutos, é muito mais importante do que botar um minuto de 36 centavos.

Ethevaldo Siqueira
: O senhor está participando dos novos contratos, o senhor está participando da discussão deles? 

Hélio Costa
: Claro, sem dúvida.

Ethevaldo Siqueira: Não é o fórum e o momento e o local adequado? 

Hélio Costa
: Isso já está discutido! Você sabe, Ethevaldo, que esses novos contratos foram discutidos há três anos, estão impostos desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Não temos mais nada a fazer.

Ethevaldo Siqueira: Os novos contratos?

Hélio Costa: Mais nada a fazer, está tudo pronto. A única coisa que estamos acertando é o índice IST [Índice Setorial de Telecomunicações], que está sendo acertado; é o Aice, que está sendo acertado, conversão para minuto...

Ethevaldo Siqueira: É o índice que determina o valor final, ministro.

Hélio Costa: Pois é, mas esses contratos já estão acertados,  nós estamos apenas praticamente no momento da assinatura. Não tem mais nada a discutir, a Anatel já discutiu tudo isso! Lamentavelmente, essa é a situação.

[Falam simultaneamente]


Renata de Freitas: Ministro, o que é possível fazer é liberar um pouco daquela receita, daquele recolhimento que é feito todo ano ou todo mês pelas operadoras que é o Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações]. Que é o fundo que foi criado para universalização dos serviços de comunicação, que poderia expandir a base de telefonia fixa neste país e, eventualmente, até financiar a assinatura básica para as classes mais baixas, ou com menor poder aquisitivo.

Hélio Costa
: Pois é! Desde que foi criado, no ano 2000, nunca se conseguiu gastar um real do Fust.

Renata de Freitas: Pois é, mas no ano que vem, um ano eleitoral... [sendo interrompida]

Hélio Costa: No governo Fernando Henrique não se conseguiu, nos primeiros dois anos e meio, três anos do governo Lula não se conseguiu.

Mônica Teixeira: E qual é o imbróglio [confusão]?

Hélio Costa: Eu fui ao presidente da República há cerca de um mês e meio atrás, cheguei a anunciar isso na imprensa, o presidente se comprometeu a, a partir do ano que vem, não mais contingenciar os recursos do Fust. Eu fui, posteriormente, há duas semanas, à Comissão de Comunicações da Câmara dos Deputados. Acertei com o deputado Jader Barbalho uma emenda de 650 milhões de reais, que é uma emenda de comissão e, portanto, não será alterada na Comissão de Orçamento, para que o Fust tenha, a partir de primeiro de janeiro do ano que vem, 650 milhões de reais para fazer isso que você está propondo, fazer a telefonia chegar no interior, onde nós temos nove mil residências - nove milhões, perdão - de residências no interior com apenas 900 mil telefones públicos.

Renata de Freitas
: É aquele projeto da área agrícola, área rural, que senhor mencionou outro dia? 

Hélio Costa: Mas não só isso! Nós queremos fazer a inclusão digital, evidentemente, usando os recursos do Fust.

Ethevaldo Siqueira
: Só que os quatro bilhões já arrecadados, ministro, nunca mais o senhor vai ver! Nem o Brasil, o senhor sabe disso! [Costa ri]

Hélio Costa: Eu vi a sua coluna sobre isso mas, lamentavelmente, eu não posso concordar com você. Até felizmente não posso concordar com você [rindo].

Ethevaldo Siqueira
: Mas publicamente...

[Falam simultaneamente]

Ethevaldo Siqueira
: ...daqui a dois anos o senhor vai me dizer o que aconteceu com isso.

[...]
: MInistro, isso é uma promessa de campanha?

Ethevaldo Siqueira
: Olha, o Fust... na realidade, o Palocci [Antonio Palocci Filho. Foi ministro da Fazenda no governo Lula até 2006] só usou para pagar os bancos e juros...

Hélio Costa
: Não existe isso, Ethevaldo. Eu consultei todos os técnicos do Ministério da Fazenda, falei com o próprio ministro Palocci, os recursos do Fust podem ter sido usados como caução para o superávit primário, mas eles não foram usados. O guardião do Fust é o Tesouro Nacional, o guardião é o Tesouro.

Ethevaldo Siqueira
: O Plano Nacional de Telecomunicações, no passado, foi a mesma história, ministro! Esse é um filme que a gente já viu! O senhor pensa que CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, tributo federal cobrado de 1997 a 2007] não foi uma história...? [sendo interrompido]

Renata de Freitas
: Pois é, ministro, o Fust virou... [ao fundo]

Hélio Costa: Isso vocês vão discutir com o Fernando Henrique, com o pessoal... Eu não tenho nada a ver com isso.

[Falam simultaneamente]

Paulo Markun:
Sônia Soares.

Sônia Soares: Era exatamente isso que eu ia perguntar: o Fust vai se transformar numa nova CPMF? Quer dizer, foi criado para um fim e vai ser usado para outro, e não há nada que se possa ser feito contra isso?

Hélio Costa: Não, há tudo o que se possa fazer e nós vamos fazer a partir do ano que vem. Nós temos um relatório do Tribunal de Contas da União [TCU] indicando os caminhos que nós temos que seguir. Na realidade, quando no finalzinho do governo Fernando Henrique, entre a administração do Pimenta da Veiga [ministro das Comunicações no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, de 1999 a 2002], e depois com Juarez Quadros [ministro das Comunicações de abril a dezembro de 2002], tentou-se se fazer uma utilização do Fust, não se conseguiu. Nós perdemos a oportunidade de atender a seis milhões de jovens pelo Brasil inteiro, e nós fomos procurar saber a razão pela qual os recursos não puderam ser usados. Fizemos o contrário...

[Falam simultaneamente]

Hélio Costa
: E aí fomos ao TCU e pedimos ao TCU que nos informasse como proceder. Da mesma forma, eu fui ao presidente agora interino da Anatel, Primo Aguiar, pedimos ele que indicasse um grupo de técnicos da Anatel para trabalhar junto com os técnicos do Ministério das Comunicações para que nós fizéssemos quase que um, como Ágata Christie [escritora de romances de mistério] quando fazia os contos dela, pega do fim para o começo. Então, nós somos ao TCU, e aí: o que eu faço? Ele autoriza eu vou montando projetos para que nós possamos chegar ao fim com autorização do Tribunal.

Paulo Markun: A propósito disso, ministro, tem uma pergunta da jornalista Lia Ribeiro Dias. Vamos ver.

Lia Ribeiro Dias [VT]: Ministro, a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados aprovou uma emenda ao orçamento de 2006 de uso de 650 milhões de recursos do Fust, iniciativa esta que inclusive foi demandada pelo Ministério das Comunicações. Gostaria de saber como o senhor pretende utilizar esses recursos, se eles serão destinados só para telefonia ou se o senhor entende que é possível usá-los, pela lei atual, em projetos de inclusão digital como conexão das escolas, bibliotecas e postos de saúde.

Hélio Costa
: Olha, a lei do Fust é um programa muito claro. Ela, no artigo quinto, indica 13 pontos onde você pode usar os recursos do Fust, você não fica preso exclusivamente à telefonia.  Evidente que o mais fácil, o mais claro para nós, [é] começamos com telefonia, porque sabemos da importância da telefonia, principalmente na região Norte e Nordeste do país, onde apenas 27% das residências têm telefones, e por quê? Porque a oferta é que conta como universalização. Quer dizer, eu chego no Nordeste e digo assim: telefone está disponível, quem quer?. Ninguém pode pagar quarenta reais, mas eu cumpri com a lei, estou cumprindo rigorosamente a lei. Ofereci, ninguém comprou porque não pôde. É como se eu chegasse aqui e falasse: “Olha, estou universalizando a Mercedes, cada um tem direito a comprar uma Mercedes. Quem puder comprar, compra, quem não puder, lamentavelmente está feita a minha universalização da Mercedes". Foi isso o que fizeram. Nós vamos usar, sim, os recursos.

Paulo Markun: Ministro, vamos para um rápido intervalo do programa desta noite, que está sendo acompanhado por José Jairo Santos Martins, vice-presidente de telecomunicações da Sucesu [Associação de Usuários de Informática e Telecomunicações] São Paulo; professora Rose Reis, coordenadora do curso de publicidade da [...] Cidade Universitária; pelo professor doutor João Antônio, da Poli USP; Sergio Gomes, jornalista, diretor do escritório paulista da associação mundial de rádios comunitárias [Amarc]. A gente volta já, já. 

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta esta noite com o Roda Viva entrevistando o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Ministro, o senhor pegou o bonde do governo aí no Ministério num momento difícil, né? No meio da crise danada, quando o Governo Lula decidiu abrir espaço para o PMDB. Como o senhor está enxergando o cenário do ano que vem, e o que o senhor pretende fazer? O senhor continua no Ministério, sai candidato? Imagino que as duas alternativas sejam boas para o governo. Se fizer um... se o ministro fizer um bom serviço está bom, sair candidato e se eleger está bom também. Qual das duas é sua preferida? 

Hélio Costa: Em princípio me sinto muito entusiasmado com todo o projeto do Ministério das Comunicações, não só com projetos de inclusão digital. E, diga-se de passagem, o presidente da República assinou decreto, que é o 5531, de três ou quatro semanas atrás, passando para o Ministério das Comunicações toda a coordenação dos projetos de inclusão digital de todos os Ministérios. Eu tenho certeza de que nós vamos usar o sistema WiMax, Wi-Fi, nós vamos fazer interligação de pelo menos todos os municípios com menos de cinqüenta mil habitantes, para que eles tenham ligação com internet, no mínimo. O suficiente para atender o serviço público. Nós temos um enorme trabalho pela frente com a Lei Geral de Comunicação Social, nós temos de fazer essa lei. Até porque, se não fizermos, nós vamos ficar esbarrando nessas situações citadas aqui, inclusive durante esta nossa entrevista.

Paulo Markun: Mas...

Hélio Costa: O que acontece com 3G, o que acontece com 4G... Nós estamos entrando na telefonia digital de quarta geração e não temos ainda um marco regulatório nem da terceira. Isso tudo isso me deixa muito entusiasmado...

Paulo Markun: Vamos entrar para o “mas”. Mas... e agora? [Risos]

Hélio Costa
: Eu vejo a posição do presidente como candidato, candidatíssimo para ano que vem. Até porque nós todos, seus assessores, seus ministros, os seus amigos, que acreditamos no trabalho do presidente, que investe, como ele investiu, vinte milhões de reais no social deste país, quem fez com que... outro dia citaram aqui e eu vi inúmeras pessoas dizerem: “Houve mesmo aqui e ali". Mas, na realidade, um saco que custava 20 reais e agora custa 12, o arroz todo mundo sabe que saiu 50%, essas coisas todas que me deixam seguro de que o presidente tem uma campanha bonita pela frente. Precisa ser reeleito e vai ser reeleito, porque a economia vai bem, ela está estruturada, ela está rigorosamente na rota certa, no caminho certo. E, embaixo da pirâmide, tem uma pessoa firme lá no interior que acredita no trabalho social que o presidente está fazendo. São 9 bilhões de reais colocados na agricultura familiar, são bilhões de reais para atender as pessoas carentes neste país inteiro que lamentavelmente precisa da ação... Se lá na frente for importante para a eleição do presidente da República uma candidatura, do ministro Hélio Costa em Minas Gerais, eu posso até considerar essa possibilidade. Nesse momento, eu estou atendendo à própria sugestão do presidente da República, ao fazer o convite para que assumisse o Ministério das Comunicações, de não ser candidato. Portanto, evidentemente, só dependo do presidente. Ou seja, cavalo passar arriado...

Wilson Moherdaui: Aceita uma aposta comigo? [Risos]

Hélio Costa: Como?

Wilson Moherdaui: Uma aposta pública. Aposto que o senhor vai ser candidato a governo de Minas Gerais, aceita uma aposta pública comigo?  A gente não pode valer dinheiro, seria ilegal, uma aposta moral.

[...]: Ministro, seria o caso... [ao fundo]

Hélio Costa: Sensibilizado com a sua proposta, eu até gostaria de apostar, não vou apostar muito porque eu posso perder.

Mônica Teixeira
: Se o governador Aécio Neves sair para reeleição, e possivelmente sairá, aparentemente, é melhor ou é pior para o senhor, como isso pesa na sua decisão? 

Hélio Costa: Olha, eu entendo que, primeiro, eu sou amigo do governador Aécio Neves, tenho um ótimo relacionamento com ele, tem muito futuro...

Paulo Markun
: É mineiro!

Hélio Costa: Eventualmente pode ser um grande candidato do poder público. Nós todos torcemos para isso. Nós mineiros, principalmente, sabemos valorizar nossas figuras públicas, e no caso...

Paulo Markun: Muitos paulistas, não é? Um depois do outro.

Hélio Costa
: Acho até que ele teria muito melhores condições se fosse candidato à Presidência. Até agora... não creio que ele saia candidato agora.

Mônica Teixeira: O senhor não respondeu. É melhor ou pior para o senhor?

Paulo Markun: Respondeu "a la mineiro" [risos].

Hélio Costa: Eu continuo onde sempre estive e de lá não arredo um passo.

Wilson Moherdaui: O Ministério das Comunicações tem sido, ao longo dos últimos anos, uma moeda de troca nas barganhas políticas, no jogo das barganhas políticas. E a gente sabe até que foi cogitado pelo presidente da República dar o Ministério das Comunicações ao PP [Partido Progressista] do notório Severino Cavalcanti [ex-presidente da Câmara dos Deputados. Renunciou ao mandato de deputado após acusações de corrupção]. Foi assim, vários ministros passaram pelo cargo, alguns que não tinham nenhuma afinidade com o setor de telecomunicações. Felizmente não é o seu caso, o senhor tem uma trajetória de uma boa afinidade com o setor. Mas começou a se transferir agora, um jogo perigoso começou ser feito, com a Anatel. Um órgão, o órgão regulador do setor que tem que ter independência...

Hélio Costa
: Essencialmente técnico.

Wilson Moherdaui: Essencialmente técnico. E o cargo de presidente da Anatel entrou nesse jogo perigoso das barganhas políticas. O senhor chegou a afirmar, e nós publicamos no Telecom Urgente, que o nome cogitado pelo seu partido PMDB, Paulo Lustosa, só seria presidente sobre o seu cadáver.

Hélio Costa: Um erro de tradução aí, mas tudo... [sendo interrompido]

Wilson Moherdaui: O senhor falou que praticamente...

Hélio Costa: Passa por mim, não necessariamente passa por cima de mim.

Wilson Moherdaui: Sobre o meu cadáver [risos]. Mas tudo bem, ou seja, o senhor não concordava com uma indicação do partido do PMDB. E, no entanto, o senhor encaminhou, teve que voltar atrás e encaminhou o nome de Paulo Lustosa para ser presidente da Anatel. O senhor não acha muito perigoso isso e um comprometimento muito sério do regime democrático? Um órgão regulador, eminentemente técnico, tem que ser independente do governo. Entrar no jogo das barganhas e ter o presidente indicado por partido político para atender a necessidade de composição política?

Hélio Costa
: Olha, em primeiro lugar eu devo dizer que eu fiz inicialmente uma indicação, que foi uma indicação técnica, de um funcionário de carreira com 28 anos de trabalho no Ministério das Comunicações, e num cargo importantíssimo dentro da própria Anatel.

Wilson Moherdaui
: Bedran?

Hélio Costa
: Que é o funcionário Antonio Bedran [procurador-geral da Anatel]. Posteriormente, eu recebi um apelo da direção do meu partido para encaminhar o nome do Paulo Lustosa, que hoje é presidente da Funasa [Lustosa foi indicado secretário-executivo do Ministério das Comunicações em 2004, tendo deixado o cargo no ano seguinte para presidir a Funasa - Fundação Nacional de Saúde - do Ministério da Saúde]. Bom, eu encaminhei o nome do Paulo Lustosa, o presidente já tem com ele, através de ofício enviado à Casa Civil, o nome do Antonio. Agora, é uma decisão do presidente da República, não é mais uma decisão do Ministério das Comunicações. Até porque o Ministério indica ao presidente, ele não faz o presidente dar... Ele indica ao presidente e o presidente manda ao Senado, à Comissão de Infra-Estrutura e, evidentemente, aprova o nome do indicado do presidente da República ou recusa. Essa é a situação. Agora, eu devo lembrar que a Anatel teve um determinado momento, um período em que ela assumiu praticamente as funções do Ministério das Comunicações, em virtude do desmantelamento do Ministério no ano de 2002, que foi o último ano do presidente Fernando Henrique. Nós perdemos todas as superintendências estaduais onde estavam todos os processos que corriam e correm no Ministério das Comunicações, razão pela qual nós recebemos o Ministério com quarenta mil projetos parados, que precisam de ter uma decisão. Isso passa sim pela Anatel, porque grande parte desses processos está na exigência de abertura de habilitação para rádios comunitárias, para rádios comerciais, e tudo isso passa pelo... Por outro lado, a Anatel tem a partir do ano que vem decisões importantíssimas a tomar com respeito às freqüências que estão sendo decididas para telefonia celular, novas freqüências para MMDS [Em inglês, Multipoint Multichannel Distribution System. Sistema de distribuição de sinal por microondas] [...] que é o que será utilizado, e já está sendo utilizado, diga-se de passagem, com sucesso pela TVA para fazer banda larga aqui em São Paulo e em outras cidades. Então, eu entendi que a Anatel precisava de um presidente técnico, e fiz a minha... A indicação do PMDB, ela é feita pelo Ministério, evidentemente, e respeito a posição do meu partido.  Agora, não coloque nas costas do ministro a decisão, eu já disse para o presidente que passo para ele, evidentemente, a decisão.

Paulo Markun: Ministro, eu queria agradecer a sua entrevista, agradecer aos entrevistadores que participaram com a gente, e a você que está em casa acompanhando o Roda Viva. E quero convidar todos para estar aqui na próxima sexta-feira às dez e meia da noite, quando nosso entrevistado será Geraldo Alckmin. Ótima semana e até lá.

Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco