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Memória Roda Viva

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João Santana

6/5/1991

Presidente da Comissão Especial de Fiscalização e Controle, Santana defende o governo Collor e propõe ações para mudar o país

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Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. Este programa também é transmitido, ao vivo, pelas TV’s educativas de Porto Alegre, Ceará, Piauí, TV Cultura de Curitiba e retransmitido pela TV Educativa de Salvador. O convidado do Roda Viva desta noite é o secretário de Administração do governo federal, João Santana, atualmente presidente da Comissão Especial de Fiscalização e Controle que atua nas denúncias de fraude na Previdência. Para entrevistar João Santana, esta noite no Roda Viva, nós convidamos a jornalista Mônica Teixeira; Luciano Martins, editor de Opinião e colunista do jornal o Estado de S. Paulo; Dácio Nitrini, diretor de operações jornalísticas do SBT, Ottoni Fernandes, jornalista da Gazeta Mercantil; Luiz Weiz, editor da revista Superinteressante da Editora Abril; Carlos Conde, diretor do jornal Correio Brasiliense em São Paulo; Carlos Eduardo Lins da Silva, jornalista da Folha de S. Paulo. Você que está em casa assistindo o programa, e quiser fazer perguntas por telefone, pode chamar (11) 252-6525, a Shizuka, a Cristina e a Márcia estarão anotando as suas perguntas. Boa noite secretário.

João Santana: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Numa entrevista recente aos jornais o senhor disse que o sistema da Previdência está furado – que está furado todo mundo parece que já sabe em função dessas denúncias de fraude – inclusive causou certa perplexidade. Como as pessoas conseguiam receber, sem que ninguém achasse estranho, oito milhões, quinze milhões, doze milhões num mês? Em que pé está hoje a apuração dessas denúncias de fraude na Previdência? O quê o contribuinte, que está em casa, que pagou esse rolo todo, pode saber hoje, em função do que o governo federal está fazendo?

João Santana: Bom, em primeiro lugar, eu acho importante, como você mesmo disse, que os erros da Previdência, do sistema, as fraudes, má versação do dinheiro público, e tudo o que nós hoje estamos analisando com mais profundidade, são questões que vêm ocorrendo no Brasil há pelo menos 20 anos. E, ocorre no Brasil há 20 anos porque é um sistema previdenciário, de organização da Previdência totalmente - como eu disse nessa entrevista - furado, e que possibilita, deixa várias portas abertas para que pessoas pratiquem fraudes e acabem levando dinheiro público para os seus bolsos particulares. Eu acho que a diferença fundamental que existe hoje é que, pela primeira vez, a partir de denúncias de uma suposta lista de marajás e de outros escândalos na Previdência, este governo, o presidente Fernando Collor, tomou a si a tarefa de tentar de uma vez por todas resolver o problema da Previdência. Nomeou a comissão, a qual a gente preside, e determinou que nós tomássemos várias medidas. Primeiro, que a gente verificasse e desse todas as condições para que as fraudes fossem apuradas corretamente, que a polícia federal tivesse as condições de abrir os inquéritos e colocar as pessoas à disposição da Justiça. Em segundo, eu acho que tão importante quanto apurar as fraudes, é que efetivamente nós possamos construir uma nova Previdência, que nós possamos reorganizá-la e fechar as portas abertas para a fraude. Num rápido balanço, nos 30 dias da comissão, eu posso dizer que hoje nós já temos mais de 30 pessoas – nesses 30 dias – mais de 30 pessoas presas, à disposição da Justiça; mais de 50 mandados de prisão preventivas ou provisórias requeridas nas várias Justiças do Brasil; mais de 680 inquéritos policiais abertos; mais uma outra dezena de inquéritos administrativos. Tomamos algumas medidas emergenciais no sentido de organização da Previdência, que foram amplamente noticiadas pelo jornal e que já nos deu fruto de que nesses trinta dias da Previdência, por um lado, a arrecadação previdenciária aumentou bastante – em alguns estados excedendo a 40% relativo aos 30 dias anterior. E também, conseguimos decrescer muito o número de benefícios pagos pela Previdência.

Jorge Escosteguy: O senhor falou em pessoas presas, essas pessoas usam colarinho-branco ou é chamada "raia miúda" [expressão que significa grupo de pessoas pouco importantes, sem poder, "peixe pequeno"] que está presa? 

João Santana: Bom eu acho que primeiro, eu não sei qualificar direito que tipo de vestimenta elas usam, mas efetivamente...

Jorge Escosteguy: São os "grandes peixes", ou seja, os "cabeças"?

João Santana: Acho que são pessoas importantes. No Rio de Janeiro nós prendemos uma quadrilha cujo chefe era um coronel da PM. Ainda na semana passada nós prendemos quatro advogados que tinham grandes escritórios – só para você ter uma idéia – esta quadrilha do coronel que foi presa em Niterói, a avaliação preliminar da polícia federal de quanto eles retiravam da Previdência era de cinco milhões cruzeiros dia. Agora, efetivamente, além dessas pessoas, quer dizer, fraudes, você tem que ser radical nessa linha e nessa ação.  Então, nós temos prendido não só grandes fraudadores como também pequenos fraudadores.

Jorge Escosteguy: O Luiz Weiz tem uma pergunta. Antes disso, só comunicar que o secretário respondeu agora também as perguntas dos telespectadores Paulo César aqui de São Paulo e Sérgio Fernandes.

Luiz Weis: Secretário, o senhor disse que mais importante que essa operação policial é criar os fundamentos de uma nova Previdência. 

João Santana: Eu disse que tão importante quanto, não mais importante. Tão importante quanto você combater as fraudes e prender as pessoas – porque isso a sociedade exige isso, e isso é responsabilidade da Justiça, do governo, da polícia – você tem que prender as pessoas que cometem faltas. É construir administrativamente uma nova Previdência, que fecha todas as portas abertas para as fraudes.

Luiz Weis: Mas não se trata apenas de mudar o segredo do cofre, me parece né? Mas sim formular uma nova política de seguridade para o país. Como é que é possível formular essa nova política de seguridade, visto que os números relativos à operação da Previdência constituem um gigantesco "buraco negro"? Cada vez que se cava, vê-se que ele é mais fundo, não sei. Tenho certeza que ninguém sabe quanto é que a Previdência efetivamente arrecada, quanto distribui, por que tipos de benefícios. Ou seja, como é que é possível montar os parâmetros de uma política de seguridade, que o senhor chama de nova Previdência, às cegas, com olhos vendados?

João Santana: Não, isso não é às cegas. Quer dizer, nós temos que considerar que a Previdência, ela possuiu toda essa desorganização e essa falta de números confiáveis de cadastros, porque o Brasil – eu acho basicamente – optou por uma definição de Previdência não muito clara. Acho que o Brasil infelizmente, ele inova, em relação ao resto do mundo em uma série de aspectos, e aposta que pode "reinventar a roda" a cada momento. A criatividade nacional, às vezes, supera muito as expectativas, nós acreditamos que você pudesse construir uma Previdência a partir do benefício e não a partir de uma definição concreta entre o que é seguro e seguridade, fazendo que uma enorme confusão fosse criada. Quer dizer, para você ter uma idéia, a Previdência - porque ela foi construída a partir do benefício e não de uma divisão correta entre o que é seguro e seguridade – é que você consegue ter um cadastro da Previdência de benefícios e não de segurados. Isso desorganiza as informações da Previdência, ela não sabe corretamente quanto paga, porque a partir do momento que eu tenho um cadastro de benefícios, que é um número simplesmente, e o beneficiário é quase um acessório desse número, eu possibilito, por exemplo, que uma pessoa receba mais do que um benefício e possibilito a fraude. Então, necessário se faz que a sociedade enfrente uma discussão mais profunda de decidir, finalmente, que tipo de Previdência ela quer. E que ela separe, de maneira definitiva, o quê é seguro e o quê é seguridade. E, me adiantando, eu poderia dizer rapidamente que a seguridade é um contrato de adesão que toda a sociedade tem com o Estado, pelo qual o Estado tem o direito de arrecadar um conjunto de recursos através de contribuições e impostos, taxas, e administra. Esses recursos que formam um fundo. Nos Estados mais democráticos, a administração desse fundo, ela é co-partida com os trabalhadores e com os empresários. Acho que o Brasil deve, necessariamente, partir para isso, e o Estado tem a responsabilidade de, a partir do momento em que um cidadão deixa de ter a capacidade de vender sua força de trabalho – seja por idade, por uma incapacidade física, momentânea ou permanente – retribuir condições de vida a esse cidadão. A diferença entre seguro e seguridade se dá na faixa de renda, não é? Você tem que definir. A sociedade tem que definir o quanto ela é rica para, até que ponto de renda ela garanta e satisfaça as necessidades de vida do cidadão, não é? Quer dizer, a partir daí você começa a entrar na faixa do seguro, porque se o indivíduo – digamos que a sociedade defina que a faixa de seguridade é até 5 salários mínimos, e 5 salários mínimos porque 90% dos trabalhadores brasileiros ganham até 5 salários mínimos – mas digamos que há uma pessoa que ganhe 15, 20, 25, 30, 50 ou 60 salários mínimos que é comum no Brasil. Aí, o indivíduo, ele diz o seguinte: se eu for para essa seguridade vou diminuir muito minha renda, eu quero assegurar minha renda, quero assegurar os benefícios o salário que eu tenho. Aí ele tem que procurar outro tipo de segurança, que é um seguro.

Luiz Weis: Muita gente tentou fazer isso em anos recentes no Brasil, um certo de número de pessoas, em vez de muita gente, e todos "deram com os burros n’ água" [expressão que significa: sair-se mal, fracassar]. Foram, um belo dia, ver a quantas andava o dinheiro que eles pagavam, esse dinheiro tinha virado vapor, e não eram aplicações feitas em estabelecimentos "de esquina", não era "banca" de jogo do bicho. Eram grandes instituições bancárias.

João Santana: Talvez, até se fosse a tal banca do jogo do bicho, talvez eles recebessem.

Luiz Weis: É, teria mais valor.

João Santana: O problema é que nós não podemos confundir o desastre, a incapacidade de um segmento da economia brasileira de promover determinada ação de seguridade, de seguro, com o furo no projeto como um todo. Se no Brasil isso não deu certo, a maior instituição de Previdência privada nos Estados Unidos tem alguns trilhões de dólares no seu capital, e paga todo mundo direitinho, inclusive é dona de grande parte de dívida externa brasileira.

Mônica Teixeira: Mas então, secretário, deixa eu perguntar uma coisa que tem a ver com isso, deixa eu perguntar o seguinte: o senhor está dizendo que fazer seguro social nos Estados Unidos, por exemplo é um excelente negócio. Porque a Previdência brasileira não faz esse negócio, em vez de passar para os particulares, por salários como o senhor propõe, maiores que cinco salários mínimos.

João Santana: Primeiro eu não propus, eu não propus passar para particulares, não é? Eu digo que você tem que definir a faixa do que é seguro e seguridade, e você deve dar a opção para o cidadão – quando ele vai para uma faixa de seguro – de optar se ele quer fazer o seu seguro com uma instituição privada ou se quer fazer com próprio governo. Este governo não propõe isso. Por isso eu disse que a Previdência é imprivatizável, este governo não propõe de maneira alguma que o Estado saia desse mercado de seguro, não é? O cidadão, se ele gosta de Estado, se ele gosta do governo, se ele acha que isso é uma segurança maior, ele compra uma apólice de seguro do Estado brasileiro. Se ele não gosta se diz: “eu sou um “privatista”, eu detesto o Estado, eu gosto mais do meu banco, eu confio mais na instituição financeira, eu vou procurar a instituição financeira”. Agora, a Previdência não faz isso hoje com a estrutura que ela tem, porque ela confunde as duas coisas. Então, nós conseguimos, na Previdência social brasileira hoje, uma máquina de concentração de renda, e não de distribuição de renda. A Previdência, cuja sua, o seu fundamento primeiro, é ser distribuidora de renda, porque ela tira da sociedade através de impostos um conjunto de recursos que ela redistribui depois para aquele que não tem condições de subsistir, de consumir, certo?  No Brasil ela é concentradora de renda.

Jorge Escosteguy: Secretário, só um minutinho, antes de passar o Luciano, que tem uma pergunta, queria informar que já chegou mais um dos nossos jornalistas convidados, é o José Paulo de Andrade, diretor de jornalismo da rádio e comentarista da TV Bandeirantes. Luciano, por favor.

Luciano Martins: O senhor acabou de passar, de fornecer um atestado de probidade à contravenção. Talvez o jogo do bicho fosse até mais probo. Isso é uma coisa que se repete, parece que alguns representantes do governo fazem de conta que o que acontece com a máquina do governo não é com eles. Isso me lembra...

Dácio Nitrini: Hoje, inclusive parece que há uma proposta de legalização do jogo [de bicho] no Brasil.

Luciano Martins: Exato. Isso me lembra que há quem diga...

Dácio Nitrini: Proposta do governo...

Luciano Martins: ...Que, como pano de fundo nessa discussão sobre as fraudes, existe um projeto do governo de privatização da Previdência. Isso coincide com as declarações, porque senão o Estado é que é ímprobo.

João Santana: Veja, eu acabei de desmentir essa afirmativa. Quer dizer, o governo tem um projeto de privatização da Previdência porque nós sabemos que a Previdência, como eu disse lá, é imprivatizável, por quê? Porque a Previdência é distribuidora de renda, e eu não conheço país no mundo onde o capital privado possa distribuir renda. Capital privado produz riqueza, cria riqueza nova, ele democratiza sua administração, é... Faz mais pessoas participarem. Agora, política de rendas, tirar rendas de um setor para outro setor, quem faz é o Estado. E faz com a política correta de tributação, recolhendo impostos e pagando saúde, previdência, ou subsídio alimentação, conforme o caso. Então, você abdicar desse instrumento de distribuição de renda, o Estado abdicar disso é dar um tiro na cabeça, é dizer que ele é contra sua própria existência. E, ao contrário do que muitos afirmam, este governo não tem como premissa básica e nem como norte ideológico a necessidade de acabar com Estado. Ao contrário, nós temos que reformar e fortalecer o Estado brasileiro dentro das linhas corretas, não é? Então, não se trata disso, não é? Agora, quando nós afirmamos, fizemos essa constatação do jogo do bicho – não é que com isso a gente também tem uma posição de legalizar o jogo do bicho ou uma posição, a priori, de legalizar o jogo no Brasil – muito embora nós também não vamos ser contra a questão da legalização do jogo, simplesmente por motivos morais, não é? Acho que tem que ser discutido.

Dácio Nitrini: O senhor acha que seria uma fonte para Previdência a legalização dos cassinos no Brasil? 

João Santana: Acho que para a Previdência em si, eu acho que não seria necessariamente uma fonte da Previdência. O que se discute é que a legalização dos cassinos do Brasil, em algumas regiões mais pobres do Brasil, usando-se o parâmetro do que ocorreu nos Estados Unidos, com Las Vegas, por exemplo, e outras cidades, poderia dar um incremento a mais na economia daquela região, gerar mais empregos, ter mais recursos. Eu não tenho dados suficientes para afirmar que isso ocorre.

Dácio Nitrini: A questão...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Luciano Martins: Não seria mais eficiente se o Estado cumprisse suas obrigações e pagasse o que deve à Previdência, ou se o Estado cumprindo sua obrigação cobrasse...?

João Santana: Sim, mais eficiente também, se todos os cidadãos se comportassem, sempre, como se o céu tivesse aberto e descessem como arcanjos a uma sociedade.

Luiz Weis: Sim, mas como isso não ocorre, a função do Estado é justamente isso, converter o defeito privado em virtude pública.

João Santana: É uma das funções do Estado, e não é apenas esta. Porque aí, se nós ficarmos apenas com a visão calvinista do Estado, nós podemos chegar a essa percepção. [Refere-se ao pensador João Calvino (1509-1564) que deu origem ao calvinismo e ao protestantismo, a partir do século XVI, cujo um dos preceitos é a predestinação, isto é, o indivíduo nada pode fazer para mudar o seu destino e deve ter uma vida puritana e enriquecer através do trabalho. Posteriormente Max Weber afirmou que tal religião favoreceu o desenvolvimento do capitalismo no livro A ética protestante e o espírito capitalista]

Luiz Weis: Não é visão calvinista. Simplesmente o Estado tem que cobrar, até para saber se o déficit da Previdência desapareceria com a justa arrecadação.

João Santana: Veja...

Luiz Weis: Ou se... Perdão, porque isso amarra no que o senhor disse antes em relação à concepção assistencialista da Previdência de não haver distinção entre seguro e seguridade. Quer dizer, o tamanho do rombo ele é estrutural devido à concepção – a seu ver imperfeita – do que seja Previdência. Ou não há esse rombo, não haveria esse rombo se quem tivesse que pagar, pagasse e, se não quisesse pagar, haveria quem o coagisse a pagar.

João Santana: Não, ele é estrutural. Porque, como eu disse, você pegou uma Previdência onde você, sistematicamente aumenta o número de benefícios. Não é o número de benesses que esse sistema tem que retribuir ao cidadão. Não aumenta a contribuição previdenciária que ele tem que fazer. E, felizmente, isso é um dado positivo da sociedade. A sociedade aumenta a idade média de existência do cidadão, o número de pessoas. Então, a conta é de aritmética atuarial, de matemática atuarial. Você, se aumenta cada vez mais o beneficio - e, nesse sentido, o legislativo brasileiro foi pródigo em aumentar os benefícios da Previdência - e  você continua com um conjunto, cada vez maior de trabalhadores, mas com contribuições menores, você um dia vai chegar numa conta onde não vai dar – a receita e a despesa não vão bater. Eu acho que essa questão é uma questão estrutural. Agora, evidentemente que você deve também a uma série de falhas administrativas na Previdência, no INSS [Instituto Nacional da Previdência Social], na Dataprev [Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social]. A falha de informatização, a falha nos seus postos de assistência, uma série de outras questões que faz também com que esse dinheiro ainda acabe escorrendo, ainda um pouco mais, por debaixo da porta, e você perde o controle disso.

Jorge Escosteguy: Carlos Eduardo Lins da Silva, por favor.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Por falar em arcanjos, o governo Collor não tem sido muito bem-sucedido na privatização das companhias estatais. Mas parece que a privatização da mordomia é um sucesso, é... O governo, com a sua atual pirotecnia, conseguiu vender mansões e acabar com supostas mordomias estatais. No entanto, como quase todo mundo sabe, os ministros e os funcionários graduados do governo continuam usufruindo de mordomias, e agora cedidas por empresários particulares. Eu queria saber do senhor se o governo já tem alguma...

João Santana: Como por exemplo? 

Carlos Eduardo Lins da Silva: Por exemplo ministros e funcionários que têm carros, que são cedidos por empresários...

João Santana: Quais ministros?

Carlos Eduardo Lins da Silva: É, por exemplo, o porta-voz da presidência da República que consegue gastar mais com seu cartão de crédito do que com seu salário, e assim por diante, ou ministros que passam feriados, como reveillon, em casas de empresários, e assim por diante.

João Santana: Por exemplo? 

Carlos Eduardo Lins da Silva: Por exemplo a ministra Zélia [Zélia Cardoso de Mello (1953-), ministra da Economia, ficou no cargo entre março de 1991 a maio de 1991, foi responsável pelo plano econômico chamado Plano Collor ] ...

João Santana: Que alugou a casa, né...

Carlos Eduardo Lins da Silva: De qualquer forma...

João Santana: Dividiu com 20 poucos amigos, inclusive, parece que  ficou mal instalada porque a casa não é tão grande assim.

Carlos Eduardo Lins da Silva: É possível, gostaria de saber se o governo tem alguma forma de calcular o custo para a nação dessas mordomias privadas ou se...

João Santana: Você está afirmando que existe...

Carlos Eduardo Lins da Silva: Só encerrando...

João Santana: Você está afirmando mordomias privadas.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Só encerrando a pergunta...

João Santana: Esse tipo de consideração – que é uma consideração complicada de se fazer – porque é importante que vá lá e diga: olha, fulano de tal cometeu tal falta. E aí, o governo abre inquérito, uma sindicância e toma providência.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Não estou dizendo que há falta de nenhuma...

João Santana: Não, o senhor está acusando que as mordomias privadas são crimes. Se o senhor não está dizendo que é falta – eu digo que é falta, porque o Estatuto do Servidor Público e a própria Constituição impede que uma pessoa receba, que um funcionário público de qualquer escalão - muito mais se for de um escalão superior - receba qualquer provento particular de empresas privadas em qualquer nome. A menos, evidente, que ele seja dono dessa empresa e tenha uma renda definida legalmente. Então, se o senhor está dizendo que está existindo isso, isso pode até, inclusive, ter repercussões na esfera penal. Nós temos que saber...

Carlos Eduardo Lins da Silva: O senhor nega que exista?

João Santana: Eu não conheço, eu não soube.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Se houver, se houver o governo pune?

João Santana: Sem dúvidas. Com a máxima precisão e presteza. Então, nós precisamos do nome, dos dados, onde ocorreu e vamos efetivamente tomar as medidas necessárias...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas casos, por exemplo, como o do porta-voz da presidência, que ficou comprovado que gastava mais que seu cartão de crédito.

João Santana: Ele demonstrou que tinha outras rendas, né? Isso ficou perfeitamente demonstrado, que tinha outras rendas.

Mônica Teixeira: Me parece, me parece...

Dácio Nitrini: Com a questão da punição, uma pesquisa que o Datafolha divulgou hoje – uma pesquisa ampla sobre o governo Collor – tem um dado específico relativo à Previdência que, na opinião de 70% das pessoas ouvidas pela pesquisa, o presidente vai encontrar os responsáveis pela fraude na Previdência. Mas 50% dos ouvidos acham que os fraudadores não serão punidos. Se essa imagem não fica muito ligada a um fato, por exemplo, do ministro do Trabalho vir a público dizer que ele tem dois salários – um como ministro e outro como funcionário da Eletropaulo.

Jorge Escosteguy: Só para completar secretário. Desculpe, nós temos aqui um grupo de alunos do Centro Acadêmico Onze de Agosto, o Marco Aurélio Martoreli, ele pergunta se vai se repetir – nessa operação de moralização – o hábito brasileiro de não se levar a devassa até o final, quando começa a incomodar os mais poderosos? Essa questão da descrença. Essa questão da descrença a que se referiu o Dácio.

João Santana: O ano de 1979 e 1978 também... Primeiro é o seguinte... Que dizer, no caso do ministro Magri [(1940-) ministro do Trabalho e Previdência Social no governo Fernando Collor, foi acusado de omissão na apuração de denúncias de fraudes na Previdência Social. Cunhou a frase "sou imexível" para afirmar que não sairia do governo] na questão dos 2 salários, o presidente determinou ao ministro que efetivamente fizesse a opção por um deles. Se fizer a opção pela Eletropaulo, ele devolverá aos cofres federais o que ele recebeu a mais, nesses 12 meses de governo, e se ele fizer a opção pelo salário de ministro, do governo federal, ele devolva a Eletropaulo o que recebeu a mais.

Luiz Weis: Até onde o senhor sabe o presidente não sugeriu ao ministro Magri que optasse também entre continuar na Eletropaulo ou continuar no Ministério?

João Santana: Não, eu não sei disso, não é. Eu acredito que não.

Jorge Escosteguy: O Ottoni, por favor, tem uma pergunta.

Ottoni Fernandes: Secretário. Em 1989, eu trabalhava em Brasília e conversava com um técnico do IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, extinto né? E ele era encarregado do sensoriamento remoto –  analisar as fotografias de satélite para localizar queimadas. Ele dizia que o salário que ele ganhava representaria hoje cerca de cem mil cruzeiros, em valores atuais, isso porque ele tinha doutorado. E ele reclamava disso, falava o seguinte: “que no governo estava havendo uma seleção negativa, quem fica no governo é quem tem duplo emprego ou é corrupto e os bons estão sendo expelidos”. O senhor está numa dupla função – presidente da comissão que interveio na Previdência e é secretário de Administração. Queria ligar essas duas questões. É possível resolver o problema da Previdência, como tem sido feito, com medidas administrativas, centralizar recolhimento de contas, uma série de medidas de informatização, quando existe uma situação do funcionalismo que ele não se sente comprometido com o conjunto dessas mudanças? Ele, num efetivo fiscal, não sente que tem uma responsabilidade social. Então, para ter um controle além do controle legal, do controle da informática, para não permitir que se pague um benefício seis vezes o prêmio de uma sena [tipo de loteria], e ninguém se manifeste, o governo precisa usar uma investigação criminal para detectar essa falha. Isso daí, não vai precisar haver uma reformulação também da situação do funcionalismo público para resolver o problema?

Jorge Escosteguy: Secretário, desculpe, só complementando a pergunta do Ottoni...

João Santana: Não consigo responder nenhuma pergunta.

Jorge Escosteguy: Venância Prado – sim, mas é o mesmo assunto – Venância Prado, da Comissão de Funcionários em Disponibilidade da Previdência Social, de São Paulo. Ela disse que há enxugamento da máquina administrativa sabendo-se que há milhares de servidores em disponibilidade recebendo seus proventos normalmente, há nove meses, sem resposta do governo federal, enquanto os que ficaram ativos estão fazendo horas extras, pois há acúmulo de serviços.

João Santana: Não há essa realidade que ela informa. É uma realidade do ponto de vista pessoal – e eu dou uma boa notícia a ela – que o procurador geral da República já encaminhou ao Supremo Tribunal Federal as alegações para que o Supremo possa julgar a questão do disponível. Porque hoje o disponível ganhou uma liminar na Justiça que mande que se pague integralmente o seu salário. E o governo sustenta, com base na doutrina jurisprudência, que o salário do disponível deve ser pago de forma proporcional ao seu tempo de serviço. Essa questão está no Supremo – o procurador já encaminhou a sua posição sobre essa questão – inclusive encaminhou a favor da posição do governo, dizendo que o disponível efetivamente tem que receber proporcionalmente. Então, uma boa notícia a essa funcionária, chefe da Comissão de Disponibilidade, que brevemente o Supremo julgará essa questão, e nós teremos definida essa situação. E, olha Ottoni, eu acho que as duas questões efetivamente se casam. Quer dizer, quando a gente vê a questão da Previdência – a má versação dos recursos, a falta de processos e de procedimentos – na realidade, nós estamos nos debruçando sobre um Estado falido. Quer dizer, o Estado brasileiro, o ritmo de degradação do Estado brasileiro é muito grande. E, particularmente, numa aceleração aritmética nos últimos cinco anos. Eu me lembro em 1986, quando eu trabalhei no Ministério da Fazenda, eu trabalhei num pequeno projeto que era um desdobramento do Plano Cruzado, uma reforma administrativa que não chegou a ser encaminhada, porque o presidente não quis tocar naquele assunto. Mas nós fizemos vários levantamentos naquela época, sobre o Estado, e já tinha um alto grau de degradação. Voltando ao governo agora, o aprofundamento dessa degradação é quase que assustadora. Porque, na realidade, o governo com o objetivo de conter despesas, de combater o déficit público, ele simplesmente foi destruindo a administração, principalmente a administração direta brasileira. Quer dizer, foi indo a estatal, foi se perdendo uma série de condições, estatais, fundações, autarquias especiais e foi destruindo a questão da administração direta brasileira. E isso é muito ruim, porque a administração direta tem poder de polícia; é quem pode fiscalizar; é a que pode coibir; é quem pode normatizar a estatal. Embora possa ter um ótimo salário, ela não tem nenhuma dessas responsabilidades institucionais legais. Além do farto inchamento que ficou lá na Constituição de 1988. Porque se nós pegarmos até antes de 1988, nós tínhamos, na administração pública brasileira, cerca de 150 mil servidores que tinham entrado por concurso público, estavam numa carreira definida, tinha toda uma regra, Lei 1711 - que tinha vários aspectos antigos que deviam ser mudados, mas estavam relativamente bem organizados. A Constituição nova, pelo artigo 19 das disposições transitórias, deu estabilidade a quem tinha mais de cinco anos no serviço público, colocando quase 650 mil pessoas dentro do Estado que não tinham concurso público. Pessoas que não estavam estruturadas numa carreira, que em geral eram de fundações e autarquias, que não tinham compromisso com a administração direta definida, porque é administração descentralizada, particularmente no caso das fundações. Hoje, inclusive, nem poder de polícia elas podem ter, porque isso não lhes é delegado. Então, você tem um Estado com esse conjunto de complicações. Isso fez com que, vários funcionários de carreira – talvez fosse esse o caso do seu amigo – fossem cada vez mais perdendo o compromisso com o Estado, perdendo o próprio compromisso com a função pública. Agora, você dignifica a função pública, você melhora essa questão, inclusive a questão salarial dos funcionários, se você tiver menos gente no Estado brasileiro, e que possam, inclusive, ganhar mais, porque por outro lado...

[  ]: Então precisa acabar a estabilidade.

João Santana: Ah! Sem dúvida. E eu, aí, eu não diria que precisa acabar a estabilidade, precisa acabar a estabilidade da forma como ela foi definida na Constituição, que ela virou tábula rasa [em latim: vazio absoluto, em linguagem literária significa que nada foi dito, nada foi escrito e onde se pode imprimir qualquer conceito], não é? Quer dizer, confundiu-se garantia de emprego, garantias necessárias que efetivamente o servidor público – pela sua função específica de trabalhar com o Estado, ele tem que ter garantias diferenciadas do servidor celetista [regido pela CLT] normal – se confundiu garantias de emprego, garantias de exercício profissional dentro do Estado com estabilidade. Então, você hoje tem praticamente a estabilidade que antigamente só os juízes de direito, os fiscais, os promotores públicos, os delegados de polícia tinham. Hoje você tem todo um Estado, todo mundo que está no Estado tem esta estabilidade, e uma estabilidade onde as pessoas não estão organizadas. Agora, outra questão, para terminar esse raciocínio, é que o Estado foi ficando velho e perdendo também a sua capacidade de se auto reformar nos seus processos e procedimentos. Então, hoje, se fala muito, eu vejo, muito na questão da Previdência, que basta informatizar a Previdência. Informatizar o quê? Quer dizer, a tecnologia disponível que você tem para a administração, ela é aplicada se você definir o que você quer dela. Então, você tem que definir rotinas, processos, procedimentos, não é? Fiscalizações, controles dentro do Estado, aí você vai buscar ferramental tecnológico que está a sua disposição e aplicar. Então, o que acontece hoje, é o exemplo da Dataprev que eu citei. Quer dizer, a Dataprev, ela não é nem de longe uma empresa de processamento de dados ou uma empresa inteligente. Ela tem um conjunto de computadores, computadores de grande porte, mas que não tem sistemas que sejam sistemas confiáveis, é aquilo que eu disse. Quer dizer, no final, esses computadores são somente grandes máquinas de escrever.

Luiz Weis: Secretário....

Jorge Escosteguy: O Carlos Conde... Só um minutinho, por favor Weis, a resposta do secretário, atende também a pergunta do Antônio Pereira, aqui de São Bernardo. Só para completar a roda, o Carlos Conde, depois o José Paulo e voltamos a você. Por favor, Conde.

Carlos Conde: Secretário, o senhor em algum momento assessorou o PT na Assembléia Legislativa de São Paulo, depois o senhor foi assessor do governo Franco Montoro [(1916-1999) advogado, foi governador do estado de São Paulo pelo PMBD entre 1988 e 1988. Assumiu o governo do estado em um contexto de redemocratização política. Defendeu a campanha “Diretas já” em 1984. Era considerado um governador progressista] do PMDB, o senhor em seguida se filiou ao PSDB, e agora é assessor do governo Collor. Eu lhe perguntaria, com muito respeito, eu gostaria de entender a evolução do seu pensamento político.

João Santana: Olha, para mim foi muito claro, limpo e transparente. Quer dizer, eu sempre defendi a modernização do Estado brasileiro, a necessidade de você reverter o quadro caótico de distribuição de renda no Brasil, onde você concentra renda. Eu, desde jovem até hoje – eu não digo que seja minha última morada – eu procurei buscar os melhores caminhos que naquele momento apontavam para mim e eu achava mais correto. Eu, no primeiro momento, achei que quando veio a proposta do PT – que inclusive teve aquela reunião histórica na qual eu participei, e nós, inclusive redigimos um texto ali e até fizemos uma tendência dentro do PT, chamava-se “PT para valer”, alguma coisa nesse sentido. Nós acreditamos que o partido dos trabalhadores pudesse ser efetivamente um instrumento para os trabalhadores, de ação política para os trabalhadores. Aí veio o pacote, você fez o voto vinculado, e aí nós acreditamos que, um conjunto de outros amigos, que ali o momento era fazer Montoro ganhar as eleições, porque antes do pacote, acreditávamos que o PT pudesse fazer uma fusão, não fusão, uma coalizão eleitoral. Isso não foi proibido em 1982 e aí consideramos que seria “advercionismo” nosso ficar no PT se o Montoro, que efetivamente representava naquela época numa vitória democrática, ganhasse. Trabalhamos com o governador Montoro, isso muito nos orgulhou. Fomos depois, a convite do ministro [Dílson] Funaro [(1933-1988) ministro da Fazenda do governo do presidente José Sarney. Responsável pelo Plano Cruzado] a quem eu sempre rendo minhas homenagens, é muito meu amigo e aprendi muito com ele, para o Ministério da Fazenda. Saímos juntos com o ex-ministro e aí o ex-ministro recebeu o convite do senador Mário Covas [(1930-2001), engenheiro, como senador participou da Constituinte a partir de 1986. Governador de São Paulo por duas vezes, 1994 e 1998] para fundar PSDB, e nós fomos com o ministro, depois que o ministro faleceu, nós pedimos nosso desligamento do PSDB, e aí, mais recentemente, veio a proposta do presidente Fernando Collor que eu considerei e considero ainda a proposta mais avançada de modernização do país, a qual a gente se filiou, aposta nela e dá nossa contribuição.

Jorge Escosteguy: José Paulo de Andrade tem uma pergunta, por favor.

José Paulo de Andrade: Bom, vou aproveitar então as duas últimas respostas do secretário João Santana, a primeira quanto à redução do quadro de funcionalismo.

Jorge Escosteguy: Mas vai fazer uma pergunta só, por favor.

José Paulo de Andrade: Sim, mas usando as duas respostas.

Jorge Escosteguy: Não pode acumular perguntas.

José Paulo de Andrade: E a segunda quanto ao passado político do secretário João Santana. Minha pergunta é o seguinte: o senhor está por trás dessa redução do efetivo das forças armadas? Parece que o senhor tem sido visto como o mentor dessa questão de redução de 200 para 80 mil homens, nos quadros das forças armadas. E em segundo lugar, seria uma sub pergunta, esse passado de petista o condena perante as forças armadas?

João Santana: Não...

Jorge Escosteguy: Secretário, desculpa, só uma mais carona aqui porque o telespectador Luis Everardo, aqui de São Paulo, do Brooklin, pergunta se há realmente um programa de  reestruturação das forças armadas a nível de pessoal, como falou o Zé Paulo? 

João Santana: Primeiro eu acho que esse meu passado petista não me condena e não me arrependo em nenhum momento de ter participado...

José Paulo de Andrade: As forças armadas?...

João Santana: Não, mas por isso, eu acho que não compete ás forças armadas, né? Quer dizer, a nossa experiência de trabalho com as forças armadas – isso eu aprendi desde 1986 quando eu trabalhei no Ministério da Fazenda – é que elas são as mais disciplinadas no sentido do dinheiro público, dos cofres públicos. Em termos reais, e até mesmo em alguns casos, em termos nominais, o salário das forças armadas foi bastante reduzido nesses 25 anos [de governo militar]. E eu também gostaria de colocar um depoimento. Sempre me impressionei – em 1986, por exemplo – em relação ao orçamento dos projetos das forças armadas, que eram os únicos que cumpriam os prazos e recursos previstos, e quando sobravam devolviam aos cofres públicos. Quer dizer, o civil, normalmente, não faz isso. E finalizando, eu não tenho nenhum projeto de... não estou em nenhum projeto e não tenho nenhum projeto pessoal de redução do efetivo, de modernização, de discussão do papel das forças armadas brasileiras. Acho efetivamente que todas as instituições, como também são as forças armadas brasileiras, elas devem repensar o seu papel institucional a partir de um novo Brasil, de um novo Estado, mas eu particularmente...

José Paulo de Andrade: Mas, isso circula, por exemplo, na Secretaria de Assuntos Estratégicos? 

João Santana: Olha, não sei.

José Paulo de Andrade: O senhor não tem conhecimento.

João Santana: Eu desconheço, efetivamente.

José Paulo de Andrade: Não, porque o senhor foi ofendido, pelo deputado Jair Bolsonaro [(1955-) deputado federal], que é militar outro dia, até com uma expressão que nem repetiria aqui...

João Santana: Não, por favor, pode repetir.

José Paulo de Andrade: Não, ele disse que o senhor...

[Todos falam ao mesmo tempo]

José Paulo de Andrade: O senhor usaria “batom roxo no fim do dia”? Pretende fazer alguma coisa contra o deputado Jair Bolsonaro?

João Santana: Não, eu acho que as pessoas... Quer dizer, principalmente quando você... Primeiro eu coloco sempre a minha tarefa...

José Paulo de Andrade: É gratuita essa ofensa.

João Santana: É, mas eu coloco sempre minha tarefa na frente da minha biografia. Eu acho que estou tentando conduzi-la da melhor maneira possível. E, infelizmente, as pessoas quando querem aparecer, querem um espaço a mais na mídia, encontram uma certa facilidade se agridem gratuitamente alguém que tenha um grande espaço na mídia, inclusive com uma  caricatura, uma cena. Eu – diferentemente do deputado que você mencionou – eu considero que eu tive uma boa educação e bons princípios em casa. Então, eu procuro não ofender as pessoas gratuitamente. Então, não vou buscar satisfações do deputado, porque se ele efetivamente disse isso, isso nem merece meu esforço.

Luiz Weis: Secretário.

Jorge Escosteguy: Luiz Weis, por favor.

Luiz Weis: O senhor fala em modernização do Estado, o senhor e mais todo mundo, a tal ponto que corre um sério risco de se tornar uma “casca sem recheio”. Mais de um cientista político têm observado que não se pode, por exemplo, fazer uma reforma administrativa que queira ir além do varejo, quando não tem por trás um conceito de Estado nítido que se quer implantar, que corresponda ao momento atual. Há uma ambigüidade a esse respeito. E pode se entender, até por algumas das coisas que o senhor disse, que o modelo de Estado brasileiro, ele apenas se perverteu, ele degenerou, mas ele não estaria em questão. Ou pode se entender, que independentemente da sua degenerescência, ele está obsoleto pelas mudanças que ocorreram na economia e na sociedade. A impressão que se tem, em suma, é que o governo Collor não tem nítido que Estado ele pretende ajudar a construir para a sociedade brasileira, quem sabe o senhor me contradiga.

João Santana: Eu vou tentar contradizer. Em primeiro lugar, eu acho que a questão do Estado anterior não é simplesmente questão de degenerescência. Eu acho que nós temos que pensar e nos perguntar: para que foi construído? Com que objetivos foi construído o Estado anterior? Ele foi construído para atingir uma série de objetivos, basicamente no sentido de você fazer uma política de terminar o ciclo da substituição de importações; fazer uma economia, dar uma infra-estrutura maior ao parque industrial. Só então, quiçá, você pode abrir essa economia e ter um país economicamente mais participativo do mundo, e que inclusive você, nesse período, pudesse fazer aí uma redistribuição de renda mais efetiva e modernizar. O projeto de Estado anterior, no seu fundamento, ele é um projeto modernizante. Eu costumo dizer que presidente Geisel [(1908-1996) foi um dos últimos presidentes militares no Brasil (1974 e 1979) cujo lema, no governo era implantar um processo de redemocratização “lenta, gradual e segura”, numa época marcada pelo fim do “milagre econômico” e grande insatisfação popular em relação ao regime militar] é de uma etapa superior do tenentismo. Quer dizer, ele efetivamente, coroa o pensamento de uma linha, pelo menos dos tenentes – não a linha de Luís Carlos Prestes [(1898-1990) do Partido Comunista Brasileiro, líder da Coluna Prestes que, composta por sargentos, tenentes e cabos, entre os anos 1925-1927, deslocou-se pelo interior do Brasil, Paraguai e Bolívia pregando reformas políticas e sociais e combatendo o governo] – a outra linha, dos outros tenentes. E, chega ao final de uma concepção de uma série de objetivos a que o Estado se propunha. Então, primeiro eu digo, o Estado não acabou porque ele era ruim. O Estado anterior, ele entrou em degenerescência, porque ele cumpriu seus objetivos, não é? Ele efetivamente fez uma política maciça de substituição de importações, ele deu uma infra-estrutura extremamente positiva ao Brasil, à indústria, etc e etc.  Então, efetivamente, eu posso fazer críticas políticas ou críticas morais. Ele fez isso, mas concentrou a renda, criou mais miseráveis, fez um inchaço na cidade, não fez uma política agrária conveniente. Mas o fato é que, sem qualquer prejuízo moral, prejuízo ético, ou prejuízo ideológico, eu tenho que aceitar que aquele Estado se degradou porque cumpriu seus objetivos. Com instrumento do Estado antigo você não constrói um novo, não é? E aí nós temos duas tarefas: primeiro é administrar o estoque do passado que aquele Estado deixou. O governo tem esta tarefa, de administrar esse estoque do passado que esse Estado antigo deixou, e tentar fazer com que esse estoque não aumente mais. O segundo é construir o Estado que se quer. E, qual é o Estado que o presidente Fernando Collor defende, o governo defende, desde a campanha? Quer dizer, é um Estado menor, cuja funções básicas “sejam” funções de coordenação, não é competir ,sempre que possível, intervir somente quando indispensável. Certo, que você tenha uma...

Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas tem sido assim, secretário? 

João Santana: Perdão?

Carlos Eduardo Lins da Silva: Tem sido assim no governo Collor?

João Santana: Tem se procurado fazer assim.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas tem sido assim, efetivamente?

João Santana: Eu acredito que numa série de áreas tem sido assim. Em outras áreas, em outras áreas, aí é que está... Quer dizer, você tem que ter o grau de realidade da sociedade para complementar essas medidas. Nenhum governo liberou tanto a economia, deu tanta liberdade econômica, como logo após o Plano Collor I, e um pouco depois do Plano Collor II. Nenhum governo fez isso, deu liberdade de preços, abriu mercado e etc. Infelizmente nós achávamos que os agentes econômicos, as condições dos agentes econômicos brasileiros fossem um pouco mais maduras para dar substância àquele tipo de crescimento. Infelizmente, nós verificamos – nós e a sociedade verificou – que, do ponto de vista dos agentes econômicos brasileiros, não se mostrava nenhuma capacidade de preparo para operar esse tipo de economia aberta. Mas esse é um objetivo que continuamos a perseguir. Quer dizer, nós fizemos uma legislação de privatização que é uma legislação extremamente democrática. E, por isso, ela acabe até demorando mais do que o necessário para que se faça a privatização, porque ela exige uma série de riscos, de passos, que o Congresso Nacional aprove, que você tenha licitações abertas, que você traga companhias e avaliações, mas continuamos a perseguir e esperamos...

Luiz Weis: Essa avaliação que o senhor faz da imaturidade dos agentes econômicos, vale dizer das elites econômicas. No fundo, ele está embutido, no mesmo conceito de Estado que o senhor considera obsoleto.

João Santana: Deixa eu dizer, eu não digo que essa elite econômica seja imatura não, certo?  Eu acho que essa elite econômica...

Jorge Escosteguy: Ela é irresponsável secretário? 

João Santana: ...eu acho que ela é bastante responsável. Porque no Brasil a elite, e vou generalizar, não é elite econômica. Quer dizer, é elite intelectual, elite política, elite econômica, elite eclesiástica, enfim. Quer dizer, aqueles três ou quatro por cento que efetivamente contam na sociedade brasileira.

José Paulo de Andrade: Jornalistas também? 

João Santana: Também, também.

José Paulo de Andrade: Jornalistas também? 

João Santana: Também, também.

José Paulo de Andrade: O senhor apontaria nomes?

João Santana: Não eu diria para você o seguinte, eu diria para você o seguinte...

José Paulo de Andrade: O senhor pediu para nós apontarmos.

João Santana: Em geral, do ponto de vista das instituições, estou falando das instituições, certo? Não estou falando pessoalmente.

[Todos falam ao mesmo tempo]

João Santana: Não, mas deixa eu falar. Eu acho que nenhum de nós ou poucos de nós se preocupa em construir um país para nossos netos, não é?  Eu acho que ninguém se preocupou em construir um Estado que efetivamente pudesse durar mais do que um, dois, três, quatro, cinco governos. Nós acabamos de ver em 1988 uma Constituição que é um conjunto de abaixo-assinados – uma Constituição que retrata posições corporativistas, de pedaços da sociedade.

Luiz Weiz: Ou como dizia o ex-presidente Sarney [(1930) presidente da República entre 1985 e 1989]: “que torna o Brasil ingovernável” é isso que o senhor diz? 

José Paulo de Andrade: Como é que o governo vai sensibilizar essa sociedade que fez tantos abaixo-assinados, que montou essa Constituição? Quatro anos são suficientes secretário? 

João Santana: Não. Eu acho que o trabalho de modernizar a sociedade, mudar uma série de culturas, é um trabalho, talvez aí, para mais de uma geração. Não se forja o caráter de uma geração, de uma sociedade em quatro anos, não vamos nos iludir com isso...

José Paulo de Andrade: Mas o governo se iludiu, não é?

João Santana: Não, de maneira alguma.

José Paulo de Andrade: Se iludiu.

João Santana: Não de maneira alguma. Agora, quatro anos pode ser fundamental e acelerar extremamente esse processo de maturidade, certo?  E eu vou pregar, eu vou falar uma coisa aqui e eu não estou pregando guerra civil, pelo amor de Deus, mas a Guerra de Secessão [como é conhecida a guerra civil ocorrida nos Estados Unidos, entre 1861 e 1865, entre os estados do norte e os do sul, motivados pela abolição da escravatura, após a eleição do antiescravagista Abraham Lincoln] americana, que durou um pouco mais de 4 anos, foi fundamental para forjar o caráter de toda uma sociedade que vem sendo dirigente no mundo há muitas décadas, inclusive dando lições de democracia.

José Paulo de Andrade: Só assim para mudar a mentalidade? 

João Santana: Em alguns casos só. No ponto de vista da história...

José Paulo de Andrade: No nosso caso brasileiro.

João Santana: Eu acho que não, eu torço para que não. Porque se eu acreditar, certo? Se eu acreditar em rompimentos traumáticos, aí no ponto de vista pessoal tenho que tomar outra atitude. Quer dizer, eu sou otimista, não é? Eu acho que o povo brasileiro é extremamente generoso, extremamente cordato, não é? Extremamente operoso e criativo. Eu acho – sempre espero que a elite – e eu me incluo dentro da elite, porque eu sou filho de elite, estudei em escola de elite, certo? Tive salários de elite, tenho patrimônio de elite. Quer dizer, eu acho que é possível um dia a elite acordar e perceber que ela pode deixar alguma coisa melhor para seus netos. Vou lhe dar um exemplo, quer dizer, uma coisa que me impressiona no caso de uma universidade brasileira, um belo dia um sapateiro inglês que mudou para América depois que ele ficou rico, ele fez uma fundação e essa fundação se transformou na maior universidade do mundo. E perguntaram para ele por que é que ele o tinha feito? Porque eu quero dar uma escola para meus netos estudarem. O sapateiro chamava-se John Harvard, certo, não é? Agora, a universidade,a  USP, na qual eu estudei, eu não devolvi à USP nada do que eu obtive dela. Quer dizer, esse sentimento, é um sentimento equivocado nosso...

José Paulo de Andrade: Isso justifica o ensino pago nas universidades públicas?

João Santana: É outra questão, é você dizer o seguinte: agora todo o ensino é pago. Mas, efetivamente, quem tem condições de dar à universidade alguma coisa a mais que o outro, ele deve dar, deve ser pedido a esse indivíduo. Hoje, com essa relação que temos na universidade, o que acontece? O pobre estuda na escola, começa na escola pública e quando termina [a escola pública] ele termina na escola privada, à noite. E o filho da classe média, o rico, começa na escola privada, e termina na escola pública de manhã. 

Jorge Escosteguy: Secretário, no bloco anterior o senhor falava sobre o governo do presidente Collor – que talvez, nunca houve um governo que tenha dado tanta liberdade à sociedade, um governo que quer um Estado menor, sem intervir em uma série de coisas. Aí fico pensando um pouco no telespectador em casa que pode até estar pensando: pode ser até que hoje seja assim. Mas que liberdade é essa quando um governo começa tomando o dinheiro de todo mundo? Ou seja, com uma medida de intervenção dura, tomando a poupança da maioria dos brasileiros? E aí vêm tabela de preços, tabela de salários, congela salários, congela preços. Quer dizer, como o senhor explica essa liberdade, com esse grau tão grande de intervenção do Estado? 

João Santana: Primeiro que eu acho que é uma discussão que tem...

Jorge Escosteguy: Aliás, desculpe, é só para complementar, perdão, porque eu peguei, inclusive em função da pergunta feita pela Márcia Murako, que é do Centro Acadêmico Onze de Agosto, do pessoal que está aqui assistindo o programa. Ela, a respeito, inclusive, da intervenção do Estado e do confisco dos cruzados, ela disse: em nome da tão falada modernização, é válido se passar por cima da própria Constituição dentro da lógica de que os fins justificam os meios? Ela pergunta qual sua posição enquanto bacharel em direito com o flagrante desrespeito do atual governo, do qual o senhor faz parte, pela ordem jurídica constitucional? 

João Santana: Isso aí, vamos ver né, vamos esperar que a Suprema Corte decida, neste país. Quando há conflitos o governo considera, e eu considero, em relação a isso, que ele agiu plenamente dentro da Constituição, fez a medida provisória que foi aprovada pelo Congresso Nacional, Senado e Câmara que aprovou a medida de retenção dos cruzados, cruzados que ficaram bloqueados.

Jorge Escosteguy: Às vezes, o Congresso aprova medidas inconstitucionais, aliás, discutimos isso aqui semana passada com Fábio Konder Comparato [(1936-) advogado, escritor e jornalista, foi um dos advogados de acusação no processo de impeachment do presidente Fernando Collor]

João Santana: Bem, ee sei. Eu ia terminar, você me atropelou. Quer dizer, quando há um conflito dessa ordem, o Judiciário entra para arbitrar o conflito, não é? Então, quer dizer, nós temos que aguardar. Mesmo a questão da disponibilidade, que eu respondi, há um conflito. O sindicato dos servidores públicos federais considera que o pagamento proporcional é inconstitucional. O governo considera que o pagamento proporcional é constitucional. A mesma questão em relação aos cruzados. Quer dizer, nós temos aí, com a Suprema Corte, ela vai mediar esse conflito de constitucionalidade. Então, antes de dizer se é inconstitucional ou constitucional, vamos esperar a Suprema Corte decidir. A minha posição pessoal...

Jorge Escosteguy: O senhor tinha cruzados retidos?

João Santana: Tinha.

Jorge Escosteguy: Muitos, não?

João Santana: Não, não tinha muitos. Eu sou um "gastão"!

Jorge Escosteguy: O professor quando esteve aqui, disse que tinha muito dinheiro retido.

João Santana: O Konder, pela sua própria origem, ele é, digamos assim, uma pessoa controlada, seguro. Eu sou um “gastão”, sempre! 

Jorge Escosteguy: Mas o senhor tem ali seu dinheirinho, guardado na poupança, na  conta corrente e tal. Aí no dia seguinte, acorda, o governo levou embora.

João Santana: Olha, eu acho o seguinte: se for para um projeto, para você restabelecer uma série de instituições, no caso, por exemplo, nós precisávamos de uma autoridade monetária no país, nós precisávamos reconstruir uma autoridade monetária no país, como precisamos agora preservá-la...

Jorge Escosteguy: Mas com o nosso dinheiro?

João Santana: O Estado, evidente. Porque uma autoridade monetária é uma autoridade sobre seu dinheiro, sobre o dinheiro, sobre o conjunto da população.

[  ]: Mas era para acabar com a inflação, secretário, e parece que não acabou ainda né?

João Santana: Nós tivemos, nós tivemos...

Jorge Escosteguy:  Só um pouquinho, só um pouquinho. Uma coisa por vez.

João Santana: Uma coisa por vez.

Jorge Escosteguy: A questão da intervenção do Estado, e em seguida a inflação. Para o Weis, depois, primeiro nós temos aqui...

João Santana: Então, eu acho que, primeiro, nós temos que entender isso aí. Quer dizer, muitas vezes, a sociedade, inclusive, tem que fazer esforços no sentido, inclusive, de centralizar, para poder depois sentar e reconstruir algumas das suas instituições. Não vamos esquecer que a Alemanha é um país que é, hoje, porque um belo dia chegou um velhinho lá e falou o seguinte: agora todo alemão tem só 50 marcos.

Luis Weis: Pelo amor de Deus, e a Segunda Guerra Mundial ...

João Santana: Mas nós... Sim, nós temos um problema também de guerra, também semelhante, uma economia que tinha se destruído por uma série de fatores, que ainda...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Luis Weis: Nem como metáfora se pode comparar o que ocorreu na Alemanha de 1939 a 1945, com, sejam quais foram os desmandos que tenham se passado na economia brasileira.

João Santana: Talvez, talvez porque a gente, a gente não queira fazer esse tipo de comparação, não queira dramatizar a situação do Estado brasileiro no ponto que mereça que a gente não consiga buscar soluções, Weis. Aí nós temos uma divergência.

[  ]: Seus exemplos são meio trágicos, não secretário?

João Santana: Sim, mas são trágicos...

[Todos falam ao mesmo tempo]   

João Santana: E estão morrendo, estão morrendo, certo? Quer dizer, todo dia nós vemos as denúnciad das crianças que morrem, de extermínio de crianças, de brasileiros que passam fome. Quando eu vejo a fotografia pela televisão do caso de cólera em Tabatinga, e eu olho o Estado que está, do ponto de vista de saneamento básico, aquela região, eu falo assim: “olha, cólera aí pode ser até uma coisa de elite né? Porque pode ter tudo lá no Brasil, morre-se mais gente de gripe, de fome do que de cólera ou do que de dengue”. Certo? 

[  ]: Isso é absurdo, tem Estado...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Jorge Escosteguy: Por favor, eu gostaria que o secretário respondesse. Há pessoas aqui para fazer as perguntas.

João Santana: Eu posso contradizê-lo, como você me pediu no início, sobre a questão do Estado. Quando eu digo um Estado menor, quero dizer um Estado menos intervencionista, um Estado menos empresário, um Estado menos dono de empresas. Eu quero um Estado-maior nas suas funções básicas, por isso que eu digo que não há nenhum neoliberal no governo Collor, no sentido de achar que o Estado é desnecessário. Ele é necessário, ele precisa retomar as suas condições de coordenador, as suas condições de normatizador e sua condição de execução de políticas sociais que só o Estado pode fazer. Principalmente, o Estado deve se responsabilizar pela questão do saneamento, segurança, habitação, transporte, uma série de outras questões. Agora, se você me permite responder sua pergunta.

Jorge Escosteguy: Por favor, o secretário responderá. Temos aqui a Mônica e o Ottoni.

João Santana: Agora, nós temos que colocar na cabeça de uma vez por todas – talvez isso tenha sido um vício do passado – temos que colocar na cabeça que o Estado brasileiro tem recursos financeiros finitos, são finitos esses recursos. O tesouro nacional não é "uma vaca que pasta no céu e é ordenhada na Terra", tem começo, meio e fim, principalmente depois, quando nós tivemos, enfrentamos uma crise internacional em 1982, e nós deixamos inclusive de ter financiamento externo, quando a nossa poupança interna também decaiu barbaramente. E uma série de outros problemas, que a estrutura anterior montada ocasionou. Então, esses recursos são finitos, certo? Nós temos que fazer opções sobre esses recursos, e isso que tem que se procurar fazer, é isso que um Estado moderno...

Luiz Weis: Mas isso é uma lei universal, todo o Estado tem que fazer isso.

[Todos falam ao mesmo tempo]

Jorge Escosteguy: Por favor, eu faço um apelo aos senhores, porque há outros companheiros querendo fazer perguntas e nós não podemos polarizar. O secretário, responde, por favor, a Mônica tem uma pergunta e o Ottoni.

João Santana: Todo o Estado tem que fazer isso. Mas por exemplo, do ponto de vista de países que ainda tenham aposentadoria por contribuição, só o Brasil e mais três no mundo ainda aceitam essa aposentadoria, esse tipo de aposentadoria. O conjunto restante das outras nações modernas já aceitou o fato de que a aposentadoria, a seguridade, deve ser feita do ponto de vista da idade. 

José Paulo de Andrade: Outros mecanismos, seguro desemprego.

João Santana: Que aqui tem, efetivamente, que você deve melhorar.

José Paulo de Andrade: Ah! Mas não funciona.

João Santana: Você tem que definir, não funciona porque você tem que fazer tudo ao mesmo tempo. Esta questão, João Paulo, a sociedade tem que definir, tem que aceitar o quanto ela é rica para fazer as opções. Na Constituição estava ótimo, se nossas posições transitórias tivessem decretado que a renda per capita era de seis mil dólares, não é. Então, esta questão, nós temos que aceitar, nós temos um Estado com uma multidão enorme de miseráveis e temos que correr para tentar acudi-los. A França, recentemente a França, que foi um país que sofreu guerras, etc e tal, e que tem aposentadoria por tempo de serviço, recentemente, o presidente Mitterrand [(1916-1996) presidente socialista que ficou 14 anos na presidência da França] mandou uma mensagem que foi aprovada pelo Assembléia Nacional que reduziu o tempo de 65 para 60 anos, por quê? Porque a sociedade se considerou rica o suficiente para dar mais cedo a seus cidadãos o conforto da aposentadoria. Ademais também porque cresceu, mais jovens ingressam no mercado de trabalho, e esses jovens também pressionavam por novos postos de trabalho que eram ocupados por pessoas que ainda não tinha tempo para se aposentar. Quer dizer, essa questão é uma questão mutável na sociedade. Agora, a sociedade deve ter o equilíbrio para, quando ela fizer essa transformação, essa mudança, saber o quanto de recurso ela possuiu para isso, são opções que devem ser feitas.

Jorge Escosteguy: Secretário, por favor, a Mônica Teixeira tem pergunta para o senhor, depois o Ottoni.

Mônica Teixeira: Secretário eu estou ouvindo aqui com atenção o que o senhor está dizendo, e  o que os outros jornalistas estão perguntando né. E eu fico um pouco confusa, com duas realidades que me parecem bastante diversas. Entre o que o senhor coloca como pensamento do governo, como os senhores se colocam, como a elite pensante, a elite que vai salvar o Brasil, desse Estado monstruoso, dessa Constituição maléfica e mal planejada. Enfim, que vão fazer do Brasil um grande país, tá. Então, o senhor se coloca o senhor como membro dessa elite e descarta o restante dessa elite, inclusive como irresponsável, eventualmente.  E ao mesmo tempo, a gente vê no noticiário...

João Santana: Mônica, deixa eu só...

Mônica Teixeira: Não, eu não terminei a pergunta, desculpe...

João Santana: Não, deixa eu fazer...não mas eu tenho que fazer um reparo.

Mônica Teixeira: Tá.

João Santana: Certo. Primeiro que eu não sou arrogante ao ponto de me incluir na elite que vai salvar o país. Eu posso dizer para você que eu tive um sonho – que eu tenho um sonho – eu acho que é possível trabalhar para salvar o país que eu vivo e deixar uma coisa um pouco melhor para os meus filhos e para os meus netos.

Mônica Teixeira: Pessoalmente eu também tenho esse sonho.

João Santana: E segundo, ótimo, já somos dois, certo e talvez seguramente a gente pode ser um número bem maior, e conseguir realizar esse sonho. E a outra questão, eu acho que a elite tem sido, na sua maioria e em grande parte, responsável. Mas eu também disse aqui que eu sou otimista, e eu acho possível essa elite despertar e trabalhar no sentido de construir um Estado melhor. Se ela já está satisfeita, é mais para seus filhos e netos.

Mônica Teixeira: Mas de qualquer forma... Quer dizer, o senhor fala em nome dessa juventude, vamos dizer assim, que chegou ao governo agora. E se coloca – posso retirar o salvar o país – mas se coloca como quem tem a verdade para salvar o país, tá, para conduzir o país para um caminho melhor. Ao mesmo tempo, a gente vê, nestes três meses e meio de governo Collor, né, a gente vê no noticiário, que cada vez mais aprofunda a questão da mordomia privada, a questão do congraçamento dessa elite, dessa equipe econômica com os poderosos que ela disse que quer combater, um presidente da República que coloca, para terminar, a fraude da Previdência, esse senhor Volnei [D’Avilla, ex-diretor do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), acusado de ter aceitado o suborno no valor de 30 mil dólares para liberar recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para a realização de obras no Acre] que está sendo ridicularizado pelo Congresso, pela imprensa, pelos seus próprios colegas. Então, eu queria que senhor me...

João Santana: Me explicasse? 

Mônica Teixeira: Tentasse me explicar. Quer dizer o que acontece? O senhor mesmo, secretário...

João Santana: Essa pergunta ficou muito grande.

Mônica Teixeira: O senhor mesmo, no começo do governo,  foi noticiado que o senhor, o senhor usava um carro em Brasília que era pago pela super empresa antiga que o senhor trabalhava, eu queria que o senhor explicasse.

João Santana: Primeiro essa questão do carro, inclusive eu já expliquei neste programa, é outra irresponsabilidade, não é? Porque fizeram uma acusação. E aí eu quero fazer elogios a dois órgãos de imprensa que agiram corretamente, dentro da ética, o Jornal do Brasil e a revista Veja. O Jornal do Brasil foi o primeiro que teve a notícia, que alguém disse que eu usava um carro que era pago pela empresa que eu trabalhei, da qual eu tenho muito orgulho, que é a Gazeta Mercantil, ele teve esta notícia, o jornalista pediu uma audiência para mim e me perguntou, “secretário, o senhor usa um carro que é pago pela Gazeta Mercantil?” Eu falo “não”. “Não? Quem paga?” Aí eu mostrei para ele meu contrato, os cheques, e dois meses que eu paguei com carro, em meu nome, banco, etc e tal, agiu corretamente. A Veja fez o mesmo. A revista que ateou a denúncia, e um jornal que acompanhou essa denúncia nunca me perguntou, nunca me procurou, certo? Foi uma coisa engraçada, que até a jornalista, ela... Naquela época ainda não tinha assessoria de imprensa – eu praticamente fazia minha própria assessoria – a secretária um dia entrou na minha sala apavorada e disse: “olha tem uma jornalista aí e disse que se o senhor não falar com ela, ela vai publicar um escândalo sobre o senhor”. E eu respondi que se ela tem um escândalo ela tem obrigação de publicar. Então, quero deixar muito claro isso, essa leviandade é que não pode... Quer dizer, a pessoa acusa, diz: “o secretário tinha um carro e etc.” mais do que a mim – que sinto pessoalmente – acusam uma empresa que tem quantos anos? 70 de existência? Quer dizer, não é brincadeira, acusam a instituição sem pensar duas vezes.

Mônica Teixeira: Tudo bem, o senhor já fez o esclarecimento. Agora eu queria que o senhor respondesse a pergunta.

João Santana: Eu fiquei tão emocionado, qual era mesmo a questão que você falou? 

Mônica Teixeira: A questão é essa confusão. Quer dizer, entre um governo que só fala em mudar a Constituição né, toda hora vocês falam em mudar a Constituição. E tem todo esse noticiário, e diz que vai salvar o país e aí o senhor se preocupa? Só completando, o senhor disse que se preocupa com todas as pessoas que morrem de fome no Brasil. E a recessão que vocês estão impondo ao país está matando muita gente de fome, gente que não vai poder esperar para a inflação acabar para voltar a comer.

João Santana: Primeiro é o seguinte. Quer dizer, eu gostaria de deixar outra questão, o tamanho da recessão, ela é dada muito mais pela própria economia, pelos agentes econômicos do que pelo Estado. Porque se nós acharmos, se nós crermos que o Estado continue indo e vindo salvar a economia, certo? E investir e colocar dinheiro, e fazer injeções financeiras dentro da economia para criar uma falsa realidade de emprego, de indexação e etc e tal. Depois, nós sabemos que o fruto dessa perversão é muito maior que recessão. Muito embora eu não advogue a recessão, eu acho possível você encontrar um meio termo onde você tenha muitas vezes que fazer desaquecimentos, mas fazer combate à inflação com crescimento no país. É uma aposta e vamos ver se a gente consegue. Agora, outra questão é que – o mesmo, já perguntei ao seu colega – quer dizer, é importante que se dêem os casos concretos.

Mônica Teixeira: Então, em relação ao caso concreto, eu ia até colocar na pergunta que eu não aceitaria isso como resposta, sabe por quê?

João Santana: Por quê?

Mônica Teixeira: Porque o Fernando Collor de Mello quando...

João Santana: Presidente Fernando Collor de Mello.

Mônica Teixeira: Não, presidente Fernando Collor de Mello, me desculpe. Quando ele era candidato, ele foi ao Ministério da Justiça levando um dossiê contra o governo Sarney onde só existiam recortes de jornal. Onde não havia absolutamente nenhuma novidade. E o então candidato Fernando Collor de Mello, apresentou isso como um grande, uma grande prova, um grande dossiê contra o governo Sarney, provando que governo Sarney era corrupto, que o governo Sarney...

[  ]: Aliás todos esperamos as punições da corrupção do governo Sarney.

Ottoni Fernades: Aliás eu queria pegar carona nessa pergunta, eu estava na fila, é o seguinte, pegando esse caso que Mônica lembra, que o presidente, então candidato Fernando Collor, levou um dossiê sobre a corrupção mas não apresentou fatos concretos a não ser recortes de jornal, queria pegar um caso concreto. O deputado Luís Andrade Ponte – presidente da Câmara Brasileira da Indústria e Construção – há quinze dias, fez uma denúncia que haveria corrupção dentro do governo, especificamente né, em órgãos públicos encarregados de fazer licitação para obras públicas né? E que haveria cobrança de comissão. E o governo está processando o deputado, exigindo que ele apresente as provas. Não há uma contradição entre a atitude do, então candidato, e esta atitude agora do presidente da República? 

João Santana: De maneira alguma. Quer dizer, primeiro esse dossiê, nunca tive acesso a esse dossiê que você disse que o presidente Feranando Collor entregou que eram apenas recortes de jornal. Mas até eu vou procurar pegar esses documentos e talvez eu consiga, infelizmente não hoje, te dar uma resposta mais adequada, certo? Agora, eu vou continuar insistindo que nós precisamos de fatos, de dados. Todos os fatos, os dados que foram levados para esse governo ,até hoje, de desvio, de corrupções, foram pelo menos aberto inquéritos, sindicâncias e muitos deles já chegaram ao seu término e as pessoas foram punidas.

Mônica Teixeira: Então, vamos ao fato que aparentemente...,

Jorge Escosteguy: Desculpe Mônica, só ele responder a questão do Ottoni.

Ottoni Fernades: Nesse caso do deputado Ponte..

João Santana: No caso do deputado Ponte...

Ottoni Fernades: Ele está sendo processado.

João Santana: Exatamente. Quer dizer, não tem uma contradição, porque na realidade, a interpelação que o governo faz... Não faz no sentido de tentar punir o deputado por uma questão que ele falou, e que, inclusive não trouxe nenhuma prova. Mas o sentido da interpelação do governo é de ver se o deputado, estimular o deputado a colocar as coisas que ele efetivamente conhece, não é. Os dados que ele efetivamente tem para que a gente tome providência. Porque da forma como o deputado colocou – ele não colocou um governo sobre suspeição – ele colocou um milhão de pessoas, um milhão de pais de família sobre suspeição. Porque ele falou: “em geral funcionários públicos da administração direta e indireta pegam comissão.” Certo?  Quer dizer, ele colocou de uma forma, digamos, no mínimo, usando um termo apropriado, no mínimo leviana, não é? Ele tem que dar. Então, a interpelação do governo é no sentido de fazer, de estimular esse e outros deputados. E lhe digo uma questão, na mesma época, com menos notoriedade, do deputado Nilton Baiano, que colocou para o presidente, colocou na Câmara dos Deputados a questão do pagamento indevido, ou suspeito, de vários bilhões de cruzeiros numa ação de acidente de trabalho na Previdência Social. Imediatamente nós abrimos sindicância, cancelamos o restante dos pagamentos, avocamos o processo para Brasília, e estamos analisando. E, se chegar à conclusão de que aquele pagamento foi indevido, nós vamos buscar o resultado desse pagamento e punir os responsáveis por isso. Então, nós queremos que o deputado apresente nomes, apresente fatos. Eu li domingo, por acaso, no Jornal do Brasil, uma extensa matéria, uma entrevista que o deputado fala, e que ele faz várias sugestões, sobre como impedir – como ele próprio fala – “molhação” de mão nas obras públicas do governo. Ele deve conhecer bem, porque é presidente do sindicato da construção civil, é dono de uma empreiteira, e eu não estou dizendo que ele faça isso...

Jorge Escosteguy: Opa, o senhor está dizendo que as empreiteiras, que o sindicato da construção civil está acostumado a "molhar a mão e soltar bolas"? 

João Santana: Não, não estou dizendo isso. Eu estou dizendo que o deputado deve conhecer bem, porque sempre está trabalhando, disputando licitações, disputando obras, seja no governo federal, no governo estadual, tem amigos que trabalham nesse mercado e ele deve ter um conhecimento profundo. Ele mesmo diz, nessa entrevista, que ele conhece pelo menos quinze tipos diferentes de opções de você fraudar um edital de licitação. Bom, mas eu acho engraçado que, a certa altura, ele propõe uma questão, primeiro que o sindicato da construção civil participe da elaboração dos editais e do que ele chama da limpeza dos editais. Ele propõe a privatização do Estado, aí numa ação que este governo não aceita em hipótese alguma, quer dizer, dar um pedaço do Estado a um segmento específico da economia, quer dizer que nós não podemos, ele propõe claramente, taxativamente a privatização do Estado, dar um pedaço do Estado, deixar a licitação, que o próprio sindicato faça essa licitação. Ele propõe, de outra sorte, que qualquer pessoa possa questionar os atos de licitação. Hoje já é assim – o Decreto Lei 2300 – qualquer cidadão, tendo interesse ou não na licitação, ele pode questionar o edital de licitação e pedir a sua impugnação. Inclusive é comum esse tipo de ação e rigor nessa questão. Ele também disse que não podia mais haver a questão do financiamento "casado" de obras. Isso já não ocorre, certo?  A ministra Zélia determinou isso logo no começo do governo ainda no Plano Collor 1, certo? Inclusive ocasionou uma série de atritos com setores, com empresas do setor de construção. Nesse sentido, já é uma determinação do governo. Então, quer dizer, o importante é que as pessoas especifiquem, as pessoas coloquem...

Mônica Teixeira: Então, eu me lembrei de um fato concreto, desculpe interrompê-lo, mas eu me lembrei. Nos jornais da última semana, começando pelo jornal O Globo, acho que de sexta-feira passada, a ministra Zélia teria acusado o secretário Egberto Batista [secretário do Desenvolvimento Regional no governo Collor] de ter feito um edital beneficiando um irmão dele [Gilberto Miranda].  Isso é um caso concreto ou não? 

João Santana: Isso é caso que foi noticiado pelos jornais e que, efetivamente, o secretário Egberto não fez isso para beneficiar nenhum irmão, está certo? Quer dizer, a forma como foi colocado na imprensa, acho que é uma forma infeliz como foi tratada a questão na imprensa. O que nós observamos, no ponto de vista do governo, é que você efetivamente tinha uma portaria que foi editada pelo secretário que contrariava normas da economia. Veja bem, a portaria não é ilegal, tecnicamente é perfeitamente legal, não há nenhum questionamento jurídico a fazer sobre a portaria, mas efetivamente questionava normas que o Ministério da Economia vinha adotando para liberação de guias dentro da Suframa [Superintendência da Zona Franca de Manaus], e a portaria foi revogada.

Mônica Teixeira: Quer dizer que todas as coisas que os jornais dizem, secretário, são mentirosas, ou maliciosas, ou tem, ou tem uma segunda intenção ou não são verdadeiras? 

João Santana: Não de maneira alguma, certo. O governo fala coisas bastante corretas. Eu vou te dar um exemplo. O governo não, a imprensa, o governo também fala. 

Carlos Eduardo Lins da Silva: O governo só fala coisas corretas né? 

João Santana: Não, e tem a humildade para reconhecer os erros quando comete, diferentemente de alguns órgãos de imprensa.

[ ]: Quando vão vir as punições do governo Sarney, secretário?

João Santana: Assim que a gente apurar. Muita gente já foi afastada, muitos inquéritos estão abertos. Agora, nossa obrigação era abrir os inquéritos e entregar à Justiça e nós fizemos, certo?  Agora, diferentemente, muitas vezes, do que as pessoas esperam, nós procuramos respeitar a democracia, um regime aberto e as leis que estão aí. Esta questão é importante. Agora eu quero lhe dizer um fato, por exemplo, a imprensa noticiou a questão do café, que haveria aproveitamento, foi aberta uma sindicância, a primeira parte da sindicância já foi colocada pela ministra Zélia onde ela disse, efetivamente, que houve uma abertura, vazaram informações que podem ter beneficiado.... E, agora, essa sindicância prosseguirá e nós todos esperamos, é uma obrigação do Ministério da Economia.

Mônica Teixeira: Vamos esperar! 

João Santana: Nós temos que esperar, não é?  E conseguiremos. Você terá uma boa espera.

Carlos Conde: Secretário, gostaria de convidá-lo a falar com bastante franqueza a respeito da sua relação funcional com o ministro Magri. Ao indicar o senhor para enfrentar todo esse escândalo da Previdência, claramente o presidente Fernando Collor fez uma intervenção branca no Ministério do Trabalho e Previdência Social. Então, eu gostaria de saber como o senhor convive com esse constrangimento, com esse suposto constrangimento. Eu até ilustraria aqui sua resposta ao Jornal da Tarde, numa entrevista no ano passado, no dia 27 de abril, que, até pela sua resposta, parece que o senhor não considerava o ministro Magri muito "imexível." A pergunta foi: “O Magri se mexe bem?” O senhor respondeu “o Ministro Magri se mexe bem, a equipe que ele está montando é de primeira ordem, as pessoas que ele tem trazido para o governo são de primeira ordem”.

Jorge Escosteguy: Desculpe secretário, só aproveitando mais uma carona, o telespectador Ademar Fernandes aqui de São Paulo, também pergunta, ou gostaria de saber, porque o senhor não ocupa logo o lugar do ministro Magri?

João Santana: Não, primeiro porque não sou candidato à ministro e não tenho nenhuma pretensão de ocupar o Ministério do Trabalho e Previdência Social ou qualquer outro ministério do governo Collor. É evidente que, antes que vocês façam a pergunta, direi que eu, com 33 anos, se pudesse ser, num breve período de tempo, já colocar na biografia: ex-ministro de Estado, efetivamente seria muito bom, mas eu procuro ter um pouco de noção das necessidades que o governo tem. E, acredito que o secretário João Santana já contribuiu com o presidente Collor, com o projeto do presidente. As minhas relações com o ministro Magri são as melhores possíveis, e não há nenhum constrangimento da nossa parte. Quer dizer, nós devemos entender claramente a existência da Comissão Especial de Fiscalização da Previdência, a qual eu presido, e que inclusive, dentre outras pessoas, participam o presidente do INSS, doutor José Arnaldo Rossi, que foi uma escolha pessoal do ministro Magri, que tem dado uma colaboração bastante grande a essa comissão. O presidente determinou essa comissão, e nós ocupamos essa comissão com o objetivo de acelerar o máximo possível a implementação de uma série de reformas administrativas necessárias à Previdência, que inclusive era fundamental a conjugação de vários órgãos para que essas reformas sejam implementadas. No caso das fraudes, por exemplo, era fundamental que nós nos aproximássemos da Polícia Federal da Dataprev e do INSS, que pudéssemos dar recursos e condições materiais e financeiras melhores à Polícia Federal para que ela agisse contra as fraudes, coisa que estamos fazendo. Inclusive montamos um convênio que já foi assinado entre Previdência e Polícia Federal. E, no caso do cadastro nacional dos trabalhadores – antiga reivindicação da estrutura – no cadastro participa Previdência com Dataprev, INSS, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, e Secretaria de Administração. As propostas e projetos que estamos implementando hoje, de maneira emergencial na Previdência Social, grande parte deles já haviam sendo trabalhadas e estudadas pela equipe do ministro Magri e pelo próprio ministro.

[Todos falam ao mesmo tempo]

José Paulo de Andrade: Fale um pouco do fiscal Volnei D'Ávila, secretário João Santana. O senhor vai defendê-lo? Porque aqui foi dito que ele está sendo ridicularizado, ele está sendo...

João Santana: Eu acho que o fiscal Volnei D'Ávila... Quer dizer, até alguém disse que a imprensa o ridicularizou... Quer dizer, na mídia saiu etc.

Mônica Teixeira: Foi a CPI...

João Santana: Da mesma maneira como aquele relatório inicial que ele fez. Também foi dada uma dimensão, do ponto de vista de mídia, muito mais exagerada do que a necessária.

Mônica Teixeira: Mas quem deu essa dimensão, o senhor me desculpe, mas foi o presidente Collor de Mello que o nomeou diretor de arrecadação.

João Santana: Antes dele nomear, a dimensão do relatório foi antes. Mas ele, o presidente Fernando Collor de Mello, ele é capaz de... Ele é proprietário, é sócio proprietário de vários jornais de televisão do Brasil. Então, ele realmente define e diz qual o tamanho de cada mídia. Então, o doutor Volnei, ele fez um relatório, ele acusa uma série de questões dentro da Previdência. Se mostrou conhecedor profundo da Previdência, é um fiscal que tem 31 anos de Previdência, chefiou uma série de comissões. O governo está dando ao doutor Volnei todas às oportunidades para que ele prove e contribua, no sentido de construir uma nova Previdência, pegar os fraudadores e culpados, certo. Nomeou diretor da arrecadação e fiscalização do INSS, está na Comissão, e nós esperamos esse padrão e esse procedimento do doutor Volnei. Agora se nós considerarmos que não tem sido adequada a ação do doutor Volnei e ele não tem sido efetivo na colaboração que nós esperamos, efetivamente levamos, levaremos ao presidente essa consideração e tenho certeza que o presidente tomará as medidas cabíveis.

Dácio Nitrini: Bom, mas partindo de um fiscal, eu vou para a associação nacional dos fiscais. A associação nacional dos fiscais divulgou que o próprio governo, o próprio tesouro nacional tem uma dívida – se fala muito da fraude e muito pouco da dívida – uma dívida de 833 bilhões de cruzeiros com a Previdência. É correto? A associação de fiscais está errada?

João Santana: Está errada, não é correta.

Dácio Nitrini: Por quê?

João Santana:  Eu acho...

Jorge Escosteguy: O maior devedor da Previdência não é a rede ferroviária federal, pergunta o...

João Santana: Dentro da lista, dentro da lista, um dos maiores credores, ou maior, primeiro nome da lista que foi entregue é a rede ferroviária federal que questiona na Justiça. Porque também a empresa estatal tem o mesmo direito da empresa privada de questionar na Justiça a natureza daquela dívida. Então, ela está numerada como devedora, mas ela está questionando na Justiça. Já neste governo a rede ferroviária federal abateu a sua dívida com a Previdência em 23 milhões de dólares, certo? Então, a dívida da rede ferroviária federal com a Previdência é coisa de 20 anos ou mais. E você não vai fazer – pagar 20 anos de dívida para a Previdência com juros e correções monetários - em treze meses. Mas, de qualquer sorte, a rede pagou, nesses 6 meses, nesse último semestre de 1990, ao governo do presidente Fernando Collor, 23 milhões à Previdência, coisa que ela nunca fez na sua vida. Mas lhe respondendo, eu acho que há uma grande confusão sobre a questão do dinheiro da Previdência Social. E, dinheiro do orçamento da seguridade social, certo? Quer dizer, a Constituição elenca um orçamento de seguridade social, e as pessoas têm que aprender que, pela sistemática, não foi esse governo que fez, foi a Constituição, o Congresso Nacional. Pelo que está definido na lei, nem todo o dinheiro da seguridade social é da Previdência Social. A seguridade social, pelo próprio orçamento, ela financia presídios, ela financia saneamento, ela financia obras sociais, ela faz repasses para uma série de instituições, ela paga os funcionários da Previdência Social, uma série de questões. Então, essa  conta é uma conta complicada de se fazer. Certo? Porque o que a associação desconhece, que normalmente as pessoas desconhecem quando vão fazer essa discussão, é que são "dois bolsos da mesma calça". Então, mesmo orçamento. Quer dizer, agora, o dinheiro da, da seguridade não é o dinheiro da Previdência e muito menos é o dinheiro do Ministério do Trabalho e Previdência Social.

Dácio Nitrini: Sim, mas o Tesouro deve ou não deve.

João Santana: Eu acho que é necessário fazer um encontro de contas entre Tesouro e Previdência. 

José Paulo de Andrade: Sobra para o aposentado, secretário João Santana, o aposentado está reclamando e tem sido muito maltratado, o aposentado.

João Santana: Concordo.

José Paulo de Andrade: Extremamente maltratado. Tem que fazer fila para fazer um cadastramento.

João Santana: Mas ninguém mandou fazer cadastramento. O cadastramento não foi neste governo.

José Paulo de Andrade: Sim, foi no governo anterior.

João Santana: E que fez um cadastramento que não foi utilizado... Cadastramento que está dentro de uma sala e não foi utilizado...Ou parcialmente utilizado.

[  ]: Por quê?

João Santana: Porque aí, a questão de vender a mística ou o mito, você vai fazer um cadastramento para quê? Você corre o risco, se você fizer cadastramento sem dizer que nova administração de Previdência você quer, que novas rotinas, processos e procedimentos, você pode fazer cadastramento da irregularidade que, em grande parte, foi o que imobilizou um monte de gente. Gastou um dinheirão nesse cadastramento e não o utilizou convenientemente para a Previdência. Você precisa definir essa organização para depois fazer cadastramento. É a mesma coisa da informática. Quer dizer, você tem que definir a rotina, o processo, o procedimento que você quiser. Aí você vai buscar a tecnologia disponível para facilitar seu trabalho. Sobre a questão dos aposentados, João Paulo, quer dizer, primeiro o seguinte...

José Paulo de Andrade: Agora tem o problema do informe dos rendimentos, é a última maldade que se faz contra os aposentados. Eles têm que ir ao posto do INSS e lá receber informações que daí a 20, 25 dias tem que passar lá, só que daí já terminou o prazo.

João Santana: Eu acho que é pior. E o desafio que nós temos hoje, quer dizer, o primeiro é o seguinte, esses gastos, esses custos do orçamento de seguridade que são gastos com outras questões – que teoricamente estão na Previdência – todos eles aprovados pelo Congresso Nacional, e dirigidos muitas vezes pelo Congresso Nacional. Quer dizer, vamos com calma. Eu acho que o governo não é inocente de tudo, ele tem culpas, também, tem erros. Mas ele não pode ser culpado de tudo. Quer dizer, nós temos que entender. A segunda observação que eu quero lhe dizer, o erro básico da Previdência Social – e ela fica mais grave ainda na sua desorganização – é sua mistura entre seguridade e seguro. Porque é a velha questão do velho Estado brasileiro, certo? Você tem que provar que você tem o direito. O Estado é incapaz de provar, de antecipar seu direito no sentido de pagamento dos aposentados. E é uma questão que nós vamos mudar, e estamos tomando essas medidas para que mudemos o mais rápido possível. A Previdência é a péssima patroa, é aquele que acha que atrasar salário, não pagar FGTS, não recolher impostos é bom negócio para ela. Então, a Previdência, se ela tem toda uma máquina organizada para questionar o seu direito em juízo, com isso ela gasta enorme fortuna, se ela tivesse uma máquina organizada para pagar seu direito no ato gerador do seu direito, ela estaria economizando muito mais recurso. Isso tem que reverter. Uma das medidas é o cadastro nacional dos trabalhadores, porque a hora que nós tivermos o cadastro nacional dos trabalhadores, tivermos um número único para seguridade... Outra questão que eu fui acusado levianamente, certo? "O secretário está propondo um número único para o cidadão". Eu não estou propondo um número único para o cidadão, o cidadão que continue com seu número de RG, CIC, CPF, etc. Eu estou propondo um número único para a seguridade. Questão que, aliás, é unânime e consenso para todos os trabalhadores. Precisa ter, é o mesmo para FGTS, para carteira de trabalho, para o PIS Pasep e para seu registro na Previdência, que é o cadastro nacional dos trabalhadores.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Secretário qual foi o erro grave do governo Collor até agora. O senhor disse que o governo é humilde e reconhece seus erros, na sua avaliação qual foi o erro mais grave nesses treze meses e meio, catorze meses? 

João Santana: Eu acho que...

Jorge Escosteguy: Secretário, desculpe. Neli Bortoleto de São Caetano, ele também pergunta mais ou menos isso, perguntou se o senhor apóia em tudo o governo Collor?

João Santana: Eu apoio em tudo o governo Collor porque eu participo do governo Collor, não é? Eu tenho confiança no presidente Fernando Collor, aposto no projeto do presidente Fernando Collor, considero o projeto mais elaborado de mudança de Estado que existe dentro da sociedade hoje. Ninguém apresentou um projeto melhor acabado como o projeto que apresentamos. Aliás, desde a época da eleição, da campanha eleitoral... Então quero dizer isso: concordo com o presidente. Eu tenho muito orgulho de participar do governo do presidente Fernando Collor, de estar na luta, de tentar mudar o Estado e de participar seguramente de uma quadra que será muito importante na história do Brasil. Eu me sinto um agente participando modestamente dentro desse quadro da história. Eu acho, eu considero que o principal erro que nós cometemos no governo – e aí, particularmente a equipe econômica, e eu me incluo – embora não esteja no Ministério da Economia, mas faço parte, tenho o mesmo perfil, convivi, vim para o governo em grande parte por causa de ministra Zélia e dos outros companheiros que estão no Ministério da Economia. O principal equívoco que nós cometemos no governo foi que nós superestimamos a questão da eleição direta, nós acreditamos que bastava você ter uma eleição direita, o  respaldo de 50 milhões de votos, para que você revertesse uma série de questões políticas no Brasil. Nós desconsideramos que há segmentos na sociedade, segmentos que formam a opinião pública, segmentos que têm posições, poderes, forças em determinadas partes da sociedade, como o Congresso Nacional, partido político, certo? Que poderiam impedir uma ação mais vigorosa do Estado. Eu acho que, basicamente nós cometemos um erro político. Eu acho que nós superestimamos a nossa capacidade de mudança rápida e subestimamos alguns setores da sociedade, capacidade de... A capacidade de...

Jorge Escosteguy: O senhor acha que o governo achou que podia fazer tudo sozinho, secretário?

Luiz Weis:  Ou seja, que o fato eleitoral, bastava para só dispensar o fato político.

João Santana: Eu considero – não que o governo fosse fazer tudo sozinho porque nunca consideramos isso – mas nós achamos, eu acho que não é só o governo que achou, a sociedade toda achou, desde as Diretas, certo? Nós sempre achamos, todos nós, e por isso marchamos para as Diretas, panelaço etc e tal, que se você cumprisse o calendário da democratização brasileira, ele terminava com a eleição da Presidência. Quer dizer: fim da censura, a anistia, depois a constituinte, eleição, eleições diretas a todos os níveis, eleições de presidente, quer dizer, nós acreditávamos que cumprindo isso, com o fato eleitoral, você pudesse rapidamente reverter todo um fato político de anos de cultura e de interesses sedimentados dentro da sociedade brasileira.

[Todos falam ao mesmo tempo]

Jorge Escosteguy: Um minutinho por favor, por favor.

José Paulo de Andrade: A classe média, secretário, foi um erro ou não, a classe média foi grandemente sacrificada  e continua sendo sacrificada? 

João Santana: Não, eu não acho que a classe média foi...

José Paulo de Andrade: Claro, quem é que tem dinheiro preso hoje lá, secretário? Pessoa física. Só a classe média porque os ricos tiraram.

João Santana: É que normalmente os ricos não são pessoas físicas, são pessoas jurídicas, né. Mesmo seu patrimônio, que é um erro. Aliás, existe hoje no Brasil, é aquela velha história, a empresa, a empresa...

[Todos falam ao mesmo tempo]

José Paulo de Andrade: Os poderosos tiraram. Agora a classe média que tinha três milhões, quatro milhões, cinco, seis... Eles estão com dinheiro preso lá. Esta classe média, o senhor subestimou a capacidade de multiplicação de opinião dela? 

João Santana: Não, porque eu acho que não é a classe média que derrotou, não é classe média, não, aí senhor me desculpe, aí é superestimar a presença, o papel da classe média brasileira na cena política, certo?

José Paulo de Andrade: Mas tem como multiplicador de opinião..

João Santana: Como multiplicador, mas aí, enquanto classe, até sociologicamente, ela é discutível se existe, não é? Enquanto classe até ela é discutível, ela defende momentaneamente o seu interesse. Num determinado momento, a classe média brasileira já defendeu interesses de um setor da burguesia nacional e internacional, em 1964 fez a Marcha com Deus para a Família e para a Propriedade [Marcha da Família com Deus pela Liberdade] . Num outro momento...

José Paulo de Andrade: Fator de equilíbrio.

João Santana: Não, não é fator de equilíbrio não. Num outro momento ela foi às praças, fez os comícios das Diretas, pôs um milhão de pessoa e corremos e caminhamos juntos com a classe média pela anistia e pela redemocratização. Certo?

Dácio Nitrini: Se não é a classe média, secretário, então quem é? 

João Santana: Eu acho que são as elites, certo?

[Todos falam ao mesmo tempo]

Dácio Nitrini: Deixa eu fazer uma pergunta bem objetiva. É um complô armado pelo empresário Antônio Ermírio [(1928-) empresário e industrial paulistano, dono do Grupo Votorantim e que tem projeção na política]? 

João Santana: Não, de maneira nenhuma...

Dácio Nitrini: E não é a classe média, secretário, então quem é? 

João Santana: Eu acho que aceitar que o empresário Antônio Ermírio tenha capacidade para armar um controle, um complô nacional é dar uma dimensão ao doutor Antônio Ermírio que, no campo político, ele felizmente não tem. Ele tem uma dimensão no campo econômico, como empresário, como homem que eu respeito, conheço e tenho o maior respeito pela ação do Antônio Ermírio, até como agente comunitário, presidindo a Beneficência Portuguesa [hospital da cidade de São Paulo, financiado em parte pela família de Antonio Ermírio de Moraes], e outras ações. Agora, dar uma dimensão nacional no campo político ao doutor Antônio Ermírio, dele ser quer capaz de fazer um complô, certo, para desestabilizar um governo ou o próprio Estado...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Jorge Escosteguy: Secretário, por favor, o nosso tempo já está se esgotando eu gostaria de fazer uma última pergunta e, se o senhor pudesse ser breve... A pergunta é feita pelo Alexandre Chade, estudante de direito e administração. Um dos estudantes que estão aqui assistindo o Roda Viva. Ele lembra uma manchete do jornal O Estado de S. Paulo – edição de ontem – na qual o diretor geral do FMI [Fundo Monetário Internacional] Michel Camdessus resume os problemas nacionais na má administração a que tem sido submetido o Brasil. Vai ainda mais longe, afirmando categoricamente que, com três anos bem administrados e recorrendo à privatização, o país seria totalmente reestruturado. Então, o Alexandre pergunta ao senhor o que falta ao governo, se competência ou interesse em fazer uma boa administração e promover esse desenvolvimento?

João Santana: Primeiro, o presidente, corretamente, repudiou a opinião do Michel Camdessus. Aliás, uma ação que o FMI vem fazendo há muitos anos, da qual o doutor Michel Camdessus participa muito, o FMI sempre está preocupado com os culpados da crise pelo lado do terceiro mundo dos pobres. Mas ele não se preocupa em ver a culpa do lado da crise internacional dos ricos, porque o Brasil é tão sócio do FMI, e doutor Michel deveria voltar e ler os estatutos do Fundo, que ele precisa, já que ele quer ser o diretor-presidente, e deve saber que os Estados Unidos é tão sócio quanto Brasil, quanto a Malásia ou quanto à Índia, ou quanto a Itália ou quanto a Inglaterra. Então, é necessário que os organismos internacionais tenham um pouco mais de transparência e democracia, que eles pensem nas responsabilidades de ambos os lados. Então, em primeiro lugar é repudiar a ação do doutor Michel Camdessus fazendo uma ingerência num país que é o nosso. Em segundo lugar, eu creio que, se eu aceito que o Estado brasileiro é o Estado com grande degradação, ele perdeu sua capacidade, porque ele já cumpriu o papel a que ele se propunha. Nós temos que construir um Estado... Inexoravelmente, eu devo aceitar que grande parte dos erros que o Estado tem são erros administrativos. Agora, eu devo dizer também que não é uma questão de ser difícil ou impossível você mudar a administração deste país, é extremamente trabalhosa, e leva tempo, mais tempo do que a gente gostaria que levasse. Eu diria a você – e isso todo mundo sabe – um cadastro nacional de trabalhadores é a pedra de toque hoje da nova Previdência. Quer dizer, todos os técnicos, todas as pessoas que trabalham com essa questão sabe que você não constrói um cadastro nacional dos trabalhadores em menos de três anos.

Jorge Escosteguy: Está bom. Nós agradecemos, então a presença, hoje, no Roda Viva, do senhor João Santana, secretário de Administração do governo federal e presidente da Comissão Especial de Fiscalização e Controle que apura as denúncias de fraude na Previdência. Agradecemos também a presença dos companheiros jornalistas e aos telespectadores que fizeram perguntas. Lembramos que as perguntas que não puderam ser feitas ao vivo ao secretário serão entregues a ele, após o programa. O Roda Viva fica por aqui e volta na próxima segunda-feira às nove horas da noite. Até lá e uma boa noite a todos.

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