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Memória Roda Viva

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Mario Sergio Conti

20/12/1999

O jornalista e ex-diretor da Veja fala sobre seu livro Notícias do Planalto, obra que relata as relações da imprensa com Fernando Collor no período que vai de sua ascensão até o afastamento

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 Paulo Markun: Boa noite. Ele provocou a mais recente polêmica entre jornalistas brasileiros. Autor de um livro sobre as relações entre a imprensa e o poder no governo Collor, desvendou os bastidores da mídia e revelou características de alguns dos seus personagens principais entre patrões e empregados. O Roda Viva entrevista esta noite o jornalista Mario Sergio Conti, autor do livro Notícias do Planalto, a imprensa e Fernando Collor. Mario Sergio, 45 anos, foi diretor de redação da revista Veja entre 1991 e 1997, quando deixou o cargo e começou a escrever este livro. Durante quase dois anos pesquisou um vasto material e entrevistou mais uma centena de jornalistas e personalidades que viveram de perto o governo Fernando Collor.

[Comentarista]: Notícias do Planalto recria, logo na apresentação, o cenário político que motivou o livro. No final de 1989, o Brasil teve sua primeira eleição presidencial pelo voto direto em quase três décadas. Três anos depois, pela primeira vez na história brasileira, um presidente era afastado do poder de maneira democrática, sem quarteladas ou remendos na Constituição.  Mario Sergio lembra que, nesse período, o Brasil viveu grandes manifestações populares e também a maior intervenção na propriedade privada já vista no país, com o confisco de contas correntes e da poupança. Foram anos de recessão e revolta, de corrupção institucional e mobilização da sociedade. E foi, também, ano que a imprensa teve uma participação significativa na vida política. Fernando Collor tornou-se conhecido do eleitorado através de uma estratégia de aparição em jornais, revistas e emissoras de televisão, e foram estes mesmos órgãos de imprensa que mais tarde produziram uma série de reportagens sobre o amplo esquema de corrupção que envolveu o presidente da República e seus assessores. Foi o estopim do movimento que acabaria tirando Collor da presidência. Mario Sergio Conti se baseia nas reportagens desse período, e em 141 entrevistas que fez para contar como repórteres, fotográficos, editores e donos de meio de comunicação trataram o Palácio do Planalto, e como por ele foram tratados. O livro traz os bastidores dessa relação da imprensa com Fernando Collor e seus aliados, e busca mostrar como agem os jornalistas, que laços eles criam com o poder político e como funcionam as redações da grande imprensa. Redações que, no dizer do próprio autor, são corporações que investigam todos os meandros da vida nacional, e tão pouco revelam de si mesmas.

Paulo Markun: Para entrevistar o jornalista Mario Sergio Conti, nós convidamos o jornalista e escritor Fernando Morais; o jornalista e escritor Emiliano José, professor da Universidade da Bahia e colaborador dos jornais A Tribuna e A Tarde, de Salvador. Ele escreveu o livro Imprensa e poder - ligações perigosas. Convidamos ainda Dirceu Brizola, diretor da revista Brasil Now, Ricardo Noblat, diretor de redação do jornal Correio Brasiliense; Moacir Japiassu, editor da revista Jornal dos Jornais; Luis Weis, articulista do jornal O Estado de S. Paulo, e Mino Pedrosa, editor especial da sucursal da revista Isto É em Brasília. Ao contrário do que acontece normalmente, o Roda Viva de hoje não está sendo transmitido em rede nacional pela Embratel.  Desde o dia 17 de dezembro, sexta-feira passada, numa decisão arbitrária e ilegal, a Empresa Brasileira de Telecomunicações bloqueou sinal da TV Cultura com intuito de prejudicar a rede pública de televisão. O motivo, uma dívida de 07 milhões e 286 mil reais, dos quais 03 milhões já haviam sido pagos com a ajuda do governo de São Paulo. A Fundação Padre Anchieta que mantém a TV Cultura reconhece o restante da dívida, pagou a primeira parcela no último dia quinze e vai pagar a última dia 24, sexta-feira agora. A Fundação terá recursos para quitar integralmente o restante no orçamento do ano que vem. A Embratel recusou várias propostas de entendimento, desconsiderou o caráter público da TV Cultura e valendo-se do fato de não ter ainda concorrente no Brasil tentou impedir que os brasileiros acompanhem a nossa programação. Mas, graças ao apoio de todas as geradoras de TV pública do país e de uma transmissão digital o bloqueio não funcionou. A Fundação Padre Anchieta repudia a violência da Embratel e está tomando providências jurídicas cabíveis para desbloquear suas transmissões para todo o território nacional. Para você participar do programa você pode fazer suas perguntas usando o telefone, o código da operadora não vou citar aqui, você escolha a da sua melhor conveniência, o número é (11) 252-6525, ou também pelo fax (11) 3874-3454, e o endereço do programa na Internet, é rodaviva@tvcultura.com.br. Mario Sergio, boa noite.

Mario Sergio Conti: Boa noite.

Paulo Markun: Duas perguntas em uma: primeiro, você esperava causar esse reboliço todo? E segundo, você acha que no final das contas - eu sei que talvez esse seja o ponto central do debate - a imprensa saiu-se bem ou saiu-se mal em relação ao governo Collor?

Mario Sergio Conti: Olha, a reação Markun, eu esperava que houvesse algum tipo de reação. Esperava que houvesse interesse do público em geral, do leitor qualificado, da grande imprensa em saber como ela funciona. Até certo ponto me surpreendeu pelo volume, o livro vendeu 50 mil exemplares até agora, a editora acha que vende 70 mil até o final do ano. O que para mim é motivo de alegria, e acho que para outros os jornalistas aqui também é motivo de alegria. Enfim, há uma curiosidade do público, há uma curiosidade dos brasileiros em saber como funciona a grande imprensa e como ela se relaciona com o poder político. Eu achava que havia este interesse, não neste grau.  Como a imprensa saiu no governo Collor?  É um balanço que eu acho que tem que ser – tem uma série de complexidades né – eu acho que a cobertura, no geral, ela foi ruim na campanha eleitoral. Produto da inexperiência, nenhum de nós aqui na nossa geração, acho que aqui neste plenário também, cobriu a campanha de 1961 do Jânio Quadros, de 1960 do Jânio Quadros. Nós éramos inexperientes, a última eleição livre, de 1960, não havia televisão, era uma campanha coberta na base do rádio, na base do jornal, os repórteres acompanhavam. E, havia também o jejum democrático, nós não, a vida democrática recém havia surgido né, a participação política aberta. Era uma coisa de menos de dez anos. Então, por causa disso, da inexperiência, da falta de participação democrática, da tradição da imprensa do Brasil, que sempre foi engajada pelo lado patronal, apoiando este ou aquele candidato, eu acho que foi uma cobertura falha. Mas acho que houve uma recuperação, foram repórteres, foram fotográficos. Enfim, aqueles que estão na linha de frente da profissão fizeram matéria decisiva durante todo o governo Collor para denunciar aquele governo, que era um governo muito diferente daquilo que ele projetava, da imagem que ele projetava. E com isso foi possível os brasileiros saberem o que acontecia, de fato, no governo. Então, o balanço, que é difícil você falar: “foi ruim, foi bom”, ele começou mal e acabou bem, começou de uma maneira fraca, de uma cobertura superficial, de uma cobertura engajada, dos órgãos de imprensa, a maioria deles editorialmente apoiando o Collor, alguns deles noticiosamente manipulando o noticiário para apoiar o Collor. E depois não, foi se vendo que o governo não era a maravilha que ele alardeava, e que isso foi obra da imprensa também, dessa mesma imprensa.  Então, acho que são dois lados. Acho que a imprensa melhorou a partir de então o produto dessa atitude, dessa atividade que ela teve naquele período.

Luis Weis: Mario, merecidamente a grande imprensa deu grande destaque ao seu livro e, de modo geral, o tratamento que seu livro mereceu da imprensa foi favorável. Mas há uma gritante exceção a isso. E, eu me refiro ao editorial, que é inédito, que a Gazeta Mercantil publicou na primeira página no dia 30 pelo fato do atual diretor de redação desse jornal ter sido citado no seu livro como envolvido num alegado episódio de corrupção. O editorial disse que o livro contém acusações levianas, afirmações mal intencionadas e insinuações veladas, e que se o autor – isto é, você – tivesse aplicado às normas que este jornal, no caso a Gazeta Mercantil, aplica há todos os dias para informar os seus leitores, pouco sobraria dele – isto é, do livro. Eu gostaria de ver sua reação a isso.

Mario Sergio Conti: Olha, a minha reação, eu fiquei surpreso com este editorial, Weiz, porque eu acho que ele é injusto comigo. Não cita nenhum fato este editorial, nenhum ponto preciso: “este fato, aquele fato está errado, esta interpretação está errada”.

Luis Weis: Não, refere-se sim ao episódio envolvendo o diretor...

Mario Sergio Conti:Este episódio...

Fernando Morais: Mario Alberto? Está se referindo ao Mario Alberto de Almeida [jornalista. Segundo o livro, Almeida teria oferecido US$ 250 mil para Nunes publicar matérias elogiosas sobre alguns políticos. A primeira seria sobre o então ministro da Agricultura, Íris Rezende, que estava disputando a candidatura do PMDB à Presidência da República]?

Luis Weis: Sim.

Mario Sergio Conti: Eu relato este episódio, como foi o encontro do Mario Alberto com Augusto Nunes [Jornalista. Na época era diretor do jornal Estado de S. Paulo que se recusou a publicar tais matérias], e ponho a versão do Mario Alberto no fim, que ele nega. E eu tiro nenhuma conclusão e não faço nenhuma insinuação. É uma coisa tão, uma situação tão contraditória e tão grave que eu abro esta exceção no livro para colocar a versão de um e de outro. E não concluo, não insinuo, e não ataco e não incrimino. E não faço isso com o profissional Mario Alberto de Almeida e muito menos com a Gazeta Mercantil. A Gazeta Mercantil não está nos órgãos de imprensa que eu analiso ou que fui pesquisar neste período. Então, acho que a reação, a minha reação é de surpresa frente a este editorial.

Luis Weis: Um jornalista que está acostumado a receber cartas de eleitores escreveu alguma carta a Gazeta Mercantil protestando ou manifestando a sua estranheza por este editorial?

Mario Sergio Conti: Não, não me ocorreu porque é o seguinte, eu fiz um livro volumoso, 700 páginas, o que eu tinha a dizer, grosso modo, está lá. E eu acho que é direito deles também uma posição deles num editorial. Agora, que me surpreende, surpreende.

[Todos falam ao mesmo tempo]

Paulo Markun: Vamos por partes...

Fernando Morais: O Luiz Weis já disse que tem uma ordem de inscrição, e eu sou disciplinado.  E primeiro, eu queria dizer que eu gosto muito do seu livro, ótimo, um belo trabalho...

Mario Sergio Conti: Obrigado.

Fernando Morais: É boa a lição de como fazer jornalismo, mas tem restrições.  Algumas restrições eu vou colocar, e outras eu ouvi de colegas. Desde o dia que o livro saiu – eu estou morando fora do Brasil – mas estou me comunicando com as pessoas por Internet. Uma delas diz um pouco sobre a questão que o Weis levantou – que me parece ser essencialmente o ponto mais polêmico do livro – a acusação a Mario Alberto Almeida, de ter tentado subornar jornalistas...

Mario Sergio Conti: Uma acusação que eu não faço.

Fernando Morais: Sim, não é você que faz – você reproduz uma diálogo pelo Mario Augusto –diálogo que é uma acusação. Só para o telespectador...

Ricardo Noblat: Ele vai para o caminho mais fácil.

Fernando Morais: Só para o telespectador saber do que estamos falando, senão vira um negócio de centro espírita aqui. A impressão que fica, a impressão que ficou entre vários dos nossos colegas com quem eu conversei, e que, em alguma medida, ficou em mim também, e diz respeito ao que o Weiz colocava, é o seguinte; neste livro tem um vilão, foi o Mario Alberto de Almeida. Tem o Guzzo [Há um trecho no livro em que o autor dá a entender que a revista Veja publicou, mediante pagamento, duas reportagens favoráveis a Iris Rezende quando este era candidato ao governo de Goiás, em 1990 e pré-candidato do PMDB à Presidência] diretor da Veja que olha, não se pode afirmar nada, mas ofereceram dinheiro para sair tal coisa numa revista – não sei se sabe se ele recebeu – mas na revista saiu a frase pedida. O Mario Alberto é vilão, o Guzzo não se sabe, o Armando Nogueira [Responsável pela área de jornalismo da Rede Globo] é meio vagabundo, meio vadio. O resto é uma quantidade, uma sucessão de heróis, de grandes heróis da imprensa, alguns heróis anônimos, repórteres, que eu acho muito bonito isso, você desenterrar repórter que em geral fica obscurecido na redação, e alguns heróis absolutamente conhecidos do grande público, como os nossos padrões, doutor Roberto Marinho...  Queria saber o que seguinte, se você concorda com esta versão que você elege, dois ou três, ou você utiliza fatos para eleger dois ou três vilões e o resto é um panteão de heróis.  Você concorda com isso?

Mario Sergio Conti: Não concordo.

Fernando Morais: Você concorda que as pessoas possam ter esta impressão do seu livro?

Mario Sergio Conti: Olha, se tiveram é uma visão distorcida, não foi esta minha intenção. Eu acho difícil a gente lidar com vilões e com heróis. No meu livro eu não tento eleger heróis e nem vilões. Eu tento mostrar a realidade da imprensa, a realidade do dia-a-dia das redações e tento contar como foram construídos os órgãos de imprensa – esses impérios de comunicação. É impossível você contar a história da Globo sem contar quem é Roberto Marinho. Agora, eu conto a história de Roberto Marinho, mas conto a história de Boni [(1935) diretor da Central Globo Produções desde 1967], conto a história de Walter Clark [(1936-1997). Juntamente com Boni era um dos diretores da Rede Globo. Foi responsável por organizar a grade da emissora, que é, praticamente a mesmas desde 1970] em larga medida, de Armando Nogueira, conto a história dos profissionais que fizeram aquela emissora de televisão.  Neste sentido, todos têm uma história rica, às vezes fazem coisas calhordas, e às vezes fazem coisas muito dignas, isso em todos os órgãos de imprensa. Você vê lá patrões que constroem gráficas com permuta, você vê patrões construindo emissoras de televisão com acordo com empresas estrangeiras, que depois rompem. Mas, ao mesmo tempo, você vê patrões que começam na atividade com 60 anos, que começam depois de quebrarem várias vezes, que começam hipotecando a casa. O caso, doutor Roberto Marinho hipotecou a casa deles com 65 anos para construir a Rede Globo, o mesmo Roberto Marinho que vai fazer coisas não muito católicas depois. Então, acho que ninguém é santo, herói, vilão, não é esta minha intenção, mas mostrar a vida como são os profissionais da imprensa. O caso específico desses dois profissionais, de maneira nenhuma eu concordo que eu tentei elegê-los como vilões, não, de jeito nenhum.

Fernando Morais: Três; Mario Alberto, Guzzo e Armando Nogueira.

Mario Sergio Conti: Nenhum deles.

Ricardo Noblat: Nem o Fernando Sandoval?

Mario Sergio Conti: Nem Fernando Sandoval, o caso Fernando Sandoval era um caso que já saído na imprensa, e ali é um caso que me limito muito, quase não há apuração. Além do que, já tinha publicado na Veja na época da tentativa de suborno. E que não foi desmentido e nunca houve nada. Houve aquilo mesmo, e eu reproduzo aquilo. Eu tento mostrar que esta imprensa brasileira, ela vem num processo de formação difícil, dos anos 1940 era de determinada maneira – e você Fernando que tem um livro fundamental sobre aquele período, doutor Chateaubriand [Chatô, o rei do Brasil], e como é que isso vem mudando. Eu pego, de certa maneira – depois de você um pouco – pego a partir dos anos 1950, 1960, e venho contando como estavam os órgão de comunicação do período Collor. Sem eleger vilões, sem eleger heróis, todos têm lá sua opinião, suas atividade e vou contando como que são. E não ataco.  Se você quiser uma comparação, pode ser abusiva, eu tentei fazer aquilo que o Antônio Cândido [(1918) poeta. Professor emérito das principais universidades do país. Especialista em literatura e história. Um dos seus principais livros é Literatura e sociedade] diz no prefácio da Formação da Literatura Brasileira. Eu sou simpático a este assunto, eu sou simpático a este objetivo, porque é meu metiê, é minha profissão, e eu gosto disso. Isso é um motivo. Segundo motivo, porque é importante para este país ter uma imprensa livre - imprensa democrática com competição entre os órgãos de imprensa. E, é importante também que a imprensa saiba como ela trabalha, que os leitores saibam como ela trabalha. Então, no geral, eu sou simpático sim a estes personagens, a todos eles, dos patrões aos fotográficos, Mino Pedrosa aqui presente. Então, eu tento mostrar compreensivamente este pessoal, sem tentar atacá-los, insinuar, acusá-los ou incriminar. Eu tento relatar da maneira mais serena possível como a gente age, como a gente trabalha.

Ricardo Noblat: Eu queria retomar...

Dirceu Brizola: Com relação à história dos grandes órgãos de imprensa, por exemplo, a Folha de S. Paulo, quando se fala que ela foi adquirida pelo Caldeira e do Nabantino Ramos, como é o Nabantino Ramos...? Você não se interessou por saber como o Nabantino adquiriu a Folha, em que circunstâncias ele se tornou proprietário da Folha? Porque é uma coisa que eu gostaria de ver esclarecida, porque tem a história que a Folha pertencia ao Matarazzo e que o Nabantino Ramos era um testa de ferro que se apropriou. E eu senti falta disso, desse aprofundamento.

Mario Sergio Conti: A dúvida que você tem...

Dirceu Brizola: Não, só neste ponto...

Mario Sergio Conti: ..Foi precedente, mas o critério que eu escolhi, Dirceu, foi o seguinte; das famílias proprietárias a partir do caso Collor, então se a família Marinho era dona da Rede Globo e do Globo, eu vou contar história da família Marinho. O nascimento do Brito [proprietário e dirigente do Jornal do Brasil, fundado em 1891] é mais antigo, tem cem anos, tem a condessa Pereira Carneiro [esposa (segundo casamento) do proprietário do Jornal do Brasil, conde Ernesto Pereira Carneiro. Brito casou-se com sua filha nos anos 1940], e aí eu conto um pouco história da condessa. No caso da Folha, eu resolvi começar com o Frias, anos 1960, 1962 quando ele compra a Folha com o Caldeira. É uma história rica também dali para trás, tem vários proprietários, tem o Olival Oliveira que tem uma história fantástica, o jornal foi da revolução de 30... Mas eu optei por traçar o perfil das empresas a partir das famílias. Então, ficou de fora esta parte realmente, e é muito interessante.

Ricardo Noblat: Eu queria retomar, me permite. Desculpe voltar um pouco atrás nessa questão que o Fernando Morais levantou do caso Mario Alberto ainda. Você até lembrou bem que você registra basicamente, quer dizer, duas histórias ou duas versões... Uma versão que – como você admite lhe foi contada pelo Augusto – e a versão de que o Mario foi lá e tentou, de uma certa forma, ganhar o Augusto para uma postura de ajudar o Irís Resende. Ele insinuou, sugeriu que poderia ter dinheiro nisso, e melhorar de vida. Quer dizer, era uma proposta ali de suborno, talvez – eu digo – não explícita, mas pelo menos esboçada, insinuada. Em seguida você registra o Mario Alberto que “não aconteceu nada disso, até visitei, mas não fiz isso”.  Ou seja, você transfere para nós leitores uma dúvida tremenda e muito grave em relação à honestidade ou não de um profissional que hoje está aí dirigindo a Gazeta Mercantil como poderia estar em qualquer outro lugar. Quer dizer, não teria sido mais correto checar por várias outras fontes, e se chegar a estabelecer a verdade: “houve de fato, Mario Alberto naquele momento estava a serviço do esquema do mal em termos de corromper jornalistas para que eles ajudassem à candidatura de Íris Rezende ou as aspirações do íris Rezende”, ou então “não teve isso, sobre isso eu não vou embarcar numa versão que eu não tenho comprovação dela”.  Eu não sei se dirigindo a Veja como você dirigiu, ao longo desses anos todos ou outra redação, ou você simplesmente encamparia uma versão e outra.  E no que você transfere essa dúvida, quem fica mal é a pessoa atingida por aquela versão.

Luis Weis: E eu tenho uma dúvida adicional nesta linha que é o seguinte. Você diz, as folhas tantas, que o Mario Alberto passou uma semana sem perceber que a tecla “A” da máquina de escrever dele estava quebrada. Gostaria de entender, minha dúvida, qual é a pertinência disso, qual é a relevância disso, desse episódio, provavelmente verdadeiro, para tudo isso que está sendo discutido aqui, envolvendo uma pessoa que é acusada de subornar? Isso tem algum nexo, a mim me escapou, por que está isso aí?

Mario Sergio Conti: Tem um nexo está aí, depois eu respondo o... Eu tentei traçar o perfil do Mario Alberto, que é um sujeito formado em ciências exatas. Foi ligado ao Partido Comunista, que trabalhava dessa determinada maneira na redação de Veja, que gostava de correr, que era mais de discutir e orientar uma matéria do que propriamente escrever. É um perfil. Assim como perfil de todos os outros.

Luis Weis: Este perfil que você fez tem a ver com o que a pessoas deixaram de fazer ou fizeram na era Collor?

Mario Sergio Conti: Eu acho interessante ter o perfil das pessoas, como era Roberto Marinho? Como foi o namoro dele com Lily de Carvalho, eu acho isso interessante.

Luis Weis: Não. Estou perguntando se isso é pertinente ao objeto do seu livro, a imprensa e o poder?

Mario Sergio Conti: É pertinente, porque são pessoas de carne e osso, acho que não são abstrações, são figuras humanas que eu tentei de alguma medida contar como elas são. De uma maneira isenta também, não é ataque, “fulano é feio ou fulano é sujo”, não, é contar como as pessoas são. No caso, Noblat, é uma pergunta importante que você faz. Eu tentei fazer esta apuração até o fim... Eu soube da história, por exemplo, eu fui ler a coleção de todos os quatro jornais, O Globo, JB, Estadão e Folha, e as revistas Isto É e Veja, de 1989 a 1992, todas as matérias sobre Iriz Rezende, todas. Eu li todas procurando o que tinha. Há muitas matérias favoráveis, nenhuma, exceto àquelas duas que eu cito no livro, usa aquela expressão. Aparecia duas vezes, eu achei relevante. A questão do diálogo entre Mario Alberto e Augusto Nunes, eu entrevistei pessoas que falaram com eles logo depois do diálogo, eu tentei cercar das maneiras que eram possíveis a meu ver.  Não consegui, a pergunta que você faz: “o que houve ali?” Eu não consegui concluir. Mas eu acho relevante passar isso para o leitor.  Acho relevante, sem insinuar, sem...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Paulo Markun: Só quero deixar claro o seguinte, jornalista é muito bom para fazer perguntas, e eu estou tentando organizar aqui, e há pessoas que estão impacientes porque não conseguiram fazer perguntas, mas eu lembro o seguinte, se nós não dividirmos e não deixar todos fazerem as perguntas...

Ricardo Noblat: Por que você está olhando para mim?

Paulo Markun: Não, não só para você, para o Joaquim, Emiliano... Porque estou vendo para onde estamos caminhando.

[  ]: Da última vez foi comigo, não liga não.[Risos]

Paulo Markun: Pela ordem de inscrição.

[Todos falam ao mesmo tempo]

Moacir Japiassu: Não, não. Eu queria deixar registrado o seguinte... Eu queria fazer pergunta, porque parece que eu fui o único aqui que leu o livro...

[  ]: Não, não...Eu já...

Moacir Japiassu: O que vocês estão falando já estão tratando nos jornais há vinte dias.

Paulo Markun: Calma.

Moacir Japiassu: Eu li o livro e estou aqui prejudicado.

Paulo Markun: O programa tem um hora e meia. [risos]

Emiliano José: Queria dizer, e eu vim de longe e quero falar também. Eu li com muita atenção, ao contrário do que o Japiassu está dizendo, li com muita atenção o livro do Mario Sergio, e li mais de uma vez, fui atrás com muito cuidado. Porque também – como todos nós aqui – é um assunto que me interessa profundamente. Já escrevi um livro a respeito, não exatamente nestes termos, e me interessa muito. Olhei muito o livro, examinei. E isso poderá ser olhado com o volume de riscos que tem pelo meio. E, procurando isso que o Markun dizia aqui no começo, se ele conseguia desvendar os bastidores da mídia.  E eu digo que a minha análise é que não, ele não consegue. Ele é um livro que tem um ponto de partida muito claro, eu não estou discutindo o caso de Mario Alberto, não queria muito discutir isso... Ele tem um ponto de partida, uma diretriz clara – que é um ponto de partida extremamente favorável aos monopólios da mídia brasileira. Eu esperava encontrar aqui – por ser exatamente o Mario Sergio uma figura extremamente importante da Veja, não só de 1991 e 1997, como anteriormente quando era redator chefe – esperava encontrar revelada aquilo que eu conheço da Globo da imprensa escrita – que é a Veja. Não vi, não vi a Veja revelada aqui, não vi a Veja revelada da fase de construção do Collor, não vi a Veja revelada dessa fase anterior que você era redator chefe. E, não vi revelada uma Veja que faz uma matéria como esta que chega a ser uma matéria escandalosa, pelo que ela tem de preconceituosa, e de partidária.  Esta é uma matéria tipicamente partidária.

Paulo Markun: Só aponta para aquela câmara ali, porque senão ninguém vai ver nada... [mostra a revista Veja com a seguinte capa “Lula e o capitalismo: as mudanças que o PT prometem divide o Brasil”]

Emiliano José: É uma matéria que recupera tudo o que se pensava sobre a Guerra Fria, transpõe para o Brasil, nas legendas, nas fotos, no textos... É uma matéria propagandista, não é uma matéria jornalística.  Claro...

Paulo Markun: De quando é?

Emiliano José: É de 29 de novembro de 1989.  Eu esperava ver também, à medida que foi tocado aqui, a Rede Globo dissecada... A Rede Globo é tratada com imenso carinho, o Roberto Marinho com um perfil... Um homem maravilhoso. E eu não vi sequer – aqui na indicação bibliográfica este livro – a história secreta da Rede Globo. A Rede Globo continua secreta neste livro, ficou mais a superfície do Roberto Marinho, dos seus amores, do que a realidade da Rede Globo. Não se analisa a Veja quando ela entra de cabeça na construção do fenômeno Collor. Ela participa decididamente por mais – e eu tenho as matérias todas aqui, não vou repetir. Eu disseco no meu livro inclusive o texto. Este texto “Lula e o capitalismo”, eu vou dissecando o quanto tem de grave naquele texto de elemento propagandístico mesmo. Havia uma decisão da Veja, decisão de cima que envolvia a direção da Veja e envolvia os diretores que concordavam com a aquela política: “vamos construir o Collor, nós sabemos quem é Collor”, “nós vamos apoiar este cidadão porque tem Lula e tem Brizola”.

Mario Sergio Conti: Eu não vi isso!

Moacir Japiassu: E a pergunta, qual é?

Emiliano José: Estou dizendo que eu li o livro.

Paulo Markun: Seria bom você formulasse...

Emiliano José: Eu vou fazer minha pergunta a você.

Moacir Japiassu: Então...

Emiliano José: Eu vou fazer a pergunta, deixa eu completar, por favor.

Paulo Markun: Por favor.

Emiliano José: Deixa eu completar? E eu aceitaria se você perguntar, mas eu quero completar.

Moacir Japiassu: Pois não.

Emiliano José: Muito bem, então eu não vi isso no livro, infelizmente o livro é isso. O que disse o Fernando Morais, e é um homem essencialmente favorável à linha dos patrões, decidiram. E salva, ele encontra alguns maus elementos e o resto dos editores são boas pessoas. O que eu queria saber é o seguinte, por que não foi analisada esta primeira fase da preparação do Collor? Por que o seu livro não analisa a intervenção da Veja, especificamente, na construção do Fernando Collor? Por que não analisa – e você estava lá, conhecia profundamente isso – e não analisa esta óbvia partidarização da revista no Fernando Collor. Sabia perfeitamente quem era Collor, não havia quem não soubesse...

Mario Sergio Conti: E o senhor escreveu isso?

Emiliano José: Eu escrevi.

Mario Sergio Conti:  Por que não teve repercussão então?

Emiliano José: Provavelmente porque eu não bajulava tanto os patrões!

Mario Sergio Conti: Ah, tá certo.

Emiliano José: Exatamente. Então, o que eu estou querendo saber é o seguinte. Porque eu não bajulo mesmo. Estou querendo saber por que não se analisou? Por que não se analisou esta, só de uma, a primeira pergunta, depois eu faria as outras na seqüência...

Moacir Japiassu: Não faça uma coisa dessa.

Emiliano José: Por que não se analisou esta partidarização da Veja?  Por que não se analisou? Na construção do Collor...

Mario Sergio Conti: Esta partidarização da Veja foi analisada, a primeira entrevista nacional que o Collor deu foi para páginas amarelas da Veja, e está devidamente analisada no livro, a primeira capa que o Collor teve está: “Caçador de marajás”, e está devidamente analisada no livro. A participação da Veja na campanha eleitoral também está analisada quando se diz – e tem uma matéria da Folha de S. Paulo que eu transcrevo o título: “Victor Civita coloriu!” Então, que a Veja apoiava o Collor? Está dito no livro, o senhor quer que fique: “a Veja apoiava o Collor, a Veja apoiar o Collor, a Veja apoiava o Collor”? [Fala cantando]

Emiliano José: Não, não quero.

Mario Sergio Conti: Eu digo o seguinte, eu quis mostrar como funciona a imprensa...

Emiliano José: Quero encontrar as razões pelo qual a Veja apoiava o Collor...

Mario Sergio Conti: O senhor vem com a cartilha do senhor, eu li o livro do senhor, o livro do senhor tem cem páginas de livro e o senhor entrevistou cinco pessoas, três da Isto É, o Clóvis Rossi e um professor...

Emiliano José: Não era um livro de entrevistas.

Mario Sergio Conti: E por que metade do livro é transcrição de entrevistas?

Emiliano José: Era análise das revistas.

Mario Sergio Conti: Não, professor, metade do seu livro era transcrição de cinco entrevistas...

Emiliano José: Era análise das revistas.

Mario Sergio Conti: Uma análise malfeita, ideológica sem conhecer a realidade...

Emiliano José: Como ideológico é o seu livro...

Mario Sergio Conti: Eu tentei mostrar o que há nesta realidade, o que á nesta coisa, coisa que o senhor desconhece...

Emiliano José: Como ideológico é o seu livro...

Mario Sergio Conti: Coisa que o senhor desconhece, o senhor desconhece quem é Roberto Marinho, o senhor desconhece...

Emiliano José: Eu desconheço quem é Roberto Marinho? Por que este livro nem está citado no seu? 

Mario Sergio Conti: Porque eu não acho relevante, porque eu acho que o meu material que eu colhi é melhor, é isso.  Agora, o senhor não pode acusar sem o senhor saber os fatos.

Emiliano José: Eu sei os fatos.

Mario Sergio Conti: O senhor não sabe os fatos...

Emiliano José: Sei.

Mario Sergio Conti: O senhor não sabe, porque o senhor não entrevistou as pessoas...

Emiliano José: Eu não sei quem é Roberto Marinho não? 

Mario Sergio Conti: Não.

Emiliano José: Não?

Mario Sergio Conti: Não tem nem uma informação do Roberto Marinho que tem no meu livro...

Emiliano José: Tem vários livros sobre Roberto Marinho, não é este apenas, estou lembrando apenas um.

Mario Sergio Conti: Professor, entenda o seguinte, o meu livro não é o que senhor quer que seja. O meu livro é uma pesquisa exaustiva, de boa-fé. E, repito, feita com simpatia sobre o trabalho da imprensa, que eu acho importante a imprensa como elemento de formação nacional.  Óbvio, eu não abdico do espírito crítico, há várias passagens ali que a Globo se responsabiliza na edição do debate, eu conto como isso é feito, o último debate entre Collor e Lula, eu conto em detalhes como Alceni Guerra [Ex- ministro da saúde no governo Collor. Recebeu bastante matérias de denúncias de superfaturamento de compras de bicicletas pela Rede Globo a pedidos do próprio Roberto Marinho. Isso porque o ex- ministro possuia relações políticas amistosas com leonel Brizola - crítico da Globo]  foi massacrado pela Rede Globo.

Emiliano José: O que foi muito contestado, também a coisa do debate...

Mario Sergio Conti: Eu conto como o Roberto Marinho fica apoiando o Collor até véspera do pedido de impeachment. Então, não há o que esconder, eu conto isso, eu conto como foi produzido isso. O senhor queria que eu ficasse falando: “A Globo é ruim, a Globo é ruim, a Veja é ruim”.

Emiliano José: Não quero nada, quero nada, estou analisando seu livro...

Mario Sergio Conti: Lamento se eu desapontei o senhor. Agora, o meu livro tem 141 entrevistas e 700 páginas, o seu livro tem cinco entrevistas; três da Isto É, um professor seu colega e o Flávio Rocha da Folha. Não tem ninguém do Jornal do Brasil, ninguém do Estado de S.Paulo, ninguém da Rede Globo. Metade do seu livro são cinco entrevistas...

Emiliano José: Não estou contrapondo o seu livro ao seu...

Mario Sergio Conti: O senhor elogiou o seu livro e criticou o meu, eu estou contando aos telespectadores o que é o livro dele.

Emiliano José: Não estou contraponto, de jeito nenhum.

Paulo Markun: Muito bem, passo palavra ao Moacir Japiassu, que está injuriado.

Moacir Japiassu: Muito obrigado. Mas eu, antes até da pergunta, que vai ser uma pergunta eminentemente técnica né? Eu queria deixar aqui também claro que depois da intervenção do professor Emiliano, a gente até entende a utilidade da lei da mordaça, está aqui que estão querendo passar em Brasília. [risos]

Moacir Japiassu: O caso é o seguinte, é que o seu livro, Mario Sergio, é um livro muito bem escrito e muito bem editado. Agora, aqui tem um recorte da Isto É, desse dossiê que me deram aqui, que diz aqui: “aula de reportagem, notícias do planalto, fazem relato enxuto da era Collor”, eu comecei a rir quando li “enxuto” com 720 páginas, é dose! Mas enfim, aula de reportagem, o Fernando Morais também disse que seu livro também é uma aula de reportagem. E eu lhe peço vênia... para discordar, pelo seguinte. Eu acho até, viu professor, não fique chateado comigo não.

Emiliano José: Não, não...Eu acho que lei da mordaça poderia se aplicar a você também.

Moacir Japiassu: Sim, também.

[ ]: O tempo urge, gente, vamos lá.

Moacir Japiassu: É o seguinte, é que você, no seu livro utiliza alguns recursos, podem ser até de estilo, mas que contrariam fundamentalmente o jornalismo como nós o entendemos. Por exemplo, você bota de repente assim: “fulano pensou isso”, e você bota o pensamento, revela o pensamento do entrevistado. O que é uma heresia jornalística. E aqui e ali, você recupera, entre aspas, no tempo, diálogos aos quais você não teve acesso, inclusive diálogos ao telefone, diálogos secretos né. E isso está ali. Então, fica ao leitor, porque eu não li duas vezes que é impossível ler duas vezes como leu o Emiliano, mas na primeira vez que li tomei nota de tudo direitinho, e fica a sensação de que você escreveu aquilo o que Fernando está vivendo no cotidiano francês que é o roman à clef [tipo de romance com pistas e indicações para a relação dos personagens fictícios com personagens do mundo real]. Quer dizer, você tem uma ficção com personagens reais. É essa impressão que fica no leitor. À primeira vista, a gente não sabe quando é que termina a ficção e começa a realidade ou vice-versa.  Você não acha que isso é muito ruim para aquilo que você fez?

Mario Sergio Conti: Não tem ficção ali, livro ou romance, não tem ficção nenhuma, nada é inventado, tudo é apurado. Um exemplo, pensou, eu não coloco entre aspas, porque é difícil você transcrever um pensamento porque é uma coisa às vezes agramatical, mas se eu coloco que alguém pensou é porque alguém pensou e me disse que pensou... Entendeu?  Se está lá: fulano pensou, é porque eu perguntei “o que você pensou na hora?” Fulano diz: “eu pensei tal coisa”, não coloco entre aspas, mas dou conteúdo ao pensamento dele naquele momento.  Diálogo, aos quais não tive acesso, como é que isso é feito? Fernando fez isso no livro dele também. Você vai, entrevista a pessoa, como foi o diálogo? Entrevista outro também, como foi o diálogo?  Você cruza – se não bate, você de volta para pessoa, “não tem tal mudança?”. Realmente tem. O outro não concorda, e aí você vai montando isso para remontar este diálogo.

Moacir Japiassu: Mas há um... O que revela a leitura é mais uma preocupação literária, que você estava procurando estilo.

Mario Sergio Conti: Não, não. Eu estava procurando mostrar o que as pessoas conversavam, que eu acho que é uma coisa interessante – como é um diálogo de um presidente, entre um repórter e um diretor de redação – e tentei transcrever mesmo. Muitos eu não consegui, porque as versões eram por demais contraditórias, eu deixei fora do livro. Era impossível chegar a uma conclusão, mas os que estão lá transcritos realmente ocorreram. E olha, não só com participantes, mas com pessoas que estavam próximas a quem os diálogos foram relatados. Não tem ficção aí, é uma coisa realmente que foi apurada. Eu fui tentar reconstruir aquilo no seu detalhe. Para realmente não fazer uma tese, não fazer uma coisa abstrata, mostrar como as pessoas são, como elas você conversavam, como elas agem, como elas reagem. Por exemplo, só para terminar, tem lá um diálogo entre a primeira vez em que Arnon de Mello [(1911-1983) empresário. Foi senador da República e ex-governador de Alagoas. Pai de Fernando Collor] dança com Leda Collor nos anos 1930, surgiu a dúvida: “como você transcreveu aqueles diálogos dos anos 1930?” Bom, aquilo era história da família que eles contaram para todos os filhos, para sobrinhos, e eu entrevistei filhos, entrevistei sobrinhos, e muitos relataram aquele diálogo tal como ele está lá. Então acho que é um diálogo verdadeiro.

Moacir Japiassu: Porque este negócio da ficção e a realidade – só um instantinho – eu acho importante, porque quando se põe na mesa de discussão a história de Mario Alberto, Sandoval, mas isso é verdade ou é mentira?  Cadê as provas disso aí?  E começa a proceder...

Mario Sergio Conti: Não tem ficção, Moacir, não tem. É uma coisa que todo diálogo foi pesquisado, foi indagado. Foram entrevistadas várias pessoas para que se construa um diálogo.  Eu te digo, inúmeros diálogos ficaram fora do livro porque eu não consegui demonstrar, paciência!

Mino Pedrosa: A Isto É coloca “enxuto”, porque você deixou de colocar algumas coisas, por exemplo, a morte do Paulo César Farias [PC Farias]. Parece que a Veja fez um acordo com família Farias, e em troca teve a Cláudia Dantas [pivô da possível briga que causou a morte de PC Farias e sua namorada Suzanna Marcolino], a namorada do PC... Como foi o bastidor?

Mario Sergio Conti: Eu – só para esclarecer – o meu livro ele começa com Collor tomando posse como governador de Alagoas e termina com ele saindo do Palácio do Planalto. Eu senti necessidade de fazer um epílogo rápido, suMario contando o que aconteceu com Collor, com Pedro [Collor (1952-1994) irmão de Fernando Collor. Fez as primeiras denúncias contra seu irmão que foram decisivas no processo de impeachment] e com Paulo César Farias. E aí eu remonto rapidamente o que foi a morte dele, o que aconteceu. Então, realmente, não aprofundei a questão. Achei que não estava no escopo do livro, mas eu dou em rápidas pinceladas no que aconteceu. Lá, naquela época eu era diretor da Veja. Nós fomos – os repórteres foram para Alagoas, descobriram a existência da Cláudia Dantas. Eu pedi para um dos irmãos do Paulo César, o Luiz Romero: “deixa esta só para nós, conta só para nós”, ele concordou e saiu com informação exclusiva.

Mino Pedrosa: Mas a história parece que tinha um dossiê que foi oferecido para Veja.

Mario Sergio Conti: Não, não tinha dossiê não. Nós descobrimos que tinha a Cláudia Dantas, que o Paulo César Farias estava namorando, querendo namorar Cláudia Dantas, e naquela noite ia dar o fora na Suzana Marcolina. Esta exclusividade que a gente conseguiu manter, até sábado...

[  ]: Mas descobriram e foi colocado pelo...

Mario Sergio Conti: Não, nós descobrirmos.

Luis Weis: Mario, o aspecto mais escandaloso do seu livro diz respeito às tentativas – alegadas tentativas de corrupção com dinheiro. Mas a principal corrupção que permeia todo seu livro é corrupção de jornalista como uma moeda hoje que tem muito mais valor, desde que a imprensa se modernizou que não é dinheiro, mas é informação. Você usa, inclusive as folhas tantas a expressão pacto. E, eu acho que esta é uma questão que coloca em todos nós dilemas éticos da maior gravidade, porque jornalistas que se propõem independentes às vezes não o são. Porque criam vínculos de legitimidade duvidosa com as suas fontes. Antigamente, como sabem, o Fernando Morais escreveu sobre Chateau, o jornalista chegava para Chateaubriand e dizia: “doutor Chateau, estou ganhando uma miséria, preciso de aumento de salário”. Ele falou: “Meu filho, você não precisa não, você não tem carteirinha de jornalista? “Tenho”. – “Então, vai batalhar”.  Então, era uma gazua. Já no regime militar isso mudou com a modernização da indústria de comunicação e a gazua passou a ser outra. E eu te dou uma informação privilegiada e você...

Mario Sergio Conti: E você me dá também.

Luis Weis: Ou, “não me trata mal”, o que também é um negócio. Da mesma maneira como publicidade costumava ser – costumava ou costuma ser distribuída mais generosamente às empresas mais dóceis – o mesmo se passa com jornalistas.  Isso atravessa todo o seu livro, e para mim, e penso que para muitos de nós, há de ser a questão central do jornalismo político. Não é só no Brasil. Aliás, você faz referência a isso, mas aqui assumiu uma coisa muito grande. E eu gostaria que você comentasse como é que gente se defende? Como nos defender, às vezes, da nossa própria tentação de conquistar dinheiro, prestígio e poder, não batendo carteira, mas tratando bem certas pessoas que são os donos da informação?

Emiliano José: Me dá um gancho?

Luis Weis: Claro.

Fernando Morais: Isso que o Weiz está dizendo em alguns momentos me deu impressão que alguns outros leitores qualificados, colegas seus, colegas nossos, de que você acaba sendo um pouco leniente com uma certa promiscuidade entre jornalistas. E eu não estou falando de “foca”, de iniciante, eu to falando de jornalista de coturno grosso.

Luis Weis: Ah, sim, estamos falando de...

Fernando Morais: Que há uma certa promiscuidade entre a fonte e jornalista, ou seja, jornalista que ajuda a fonte a montar um projeto de não sei quê, e a fonte que pauta o jornalista.  Diz: “olha, semana que vem vou dar uma boa capa”.  E a impressão que causa é que você deu isso como uma coisa absolutamente corriqueira na nossa profissão hoje em dia. E, não faz juízo de valor! Em nenhum momento você revela uma certa indignação ou um desconforto com esta promiscuidade.

Luis Weis: Justiça se faça, Fernando, ele próprio se põe num episódio desses com Cláudio Humberto, porta-voz do então Presidente Collor. Quando ele deixa de dar a informação sobre gastos excessivos com cartão de crédito do, então, secretário de imprensa, por um cálculo: “Eu não dou isso, eu ganho pontos e amanhã ele me dará uma coisa exclusiva”.

Paulo Markun: Mario Sergio Conti, por favor.

Mario Sergio Conti: Eu acho que esta questão, realmente é, atravessa o livro todo. E eu acho que atravessa a nossa profissão, a nossa carreira profissional de todos nós aqui. Como é que a gente lida com esta questão? Eu acho que há limites, eu acho que um objetivo básico é servir o leitor, servir o telespectador, dar informações exclusivas, ou informações completas ou informações que não estão públicas a este leitor. O objetivo é este. A partir daí você tem que ter alguns critérios, dinheiro, poder, eu estou fora, não tenho isso para mim, não dar uma notícia em troca de dinheiro ou em troca de poder!  Eu acho que notícia se basta em si mesmo.  Vamos tomar um exemplo que você dá aí para o meu acordo com Cláudio Humberto. A notícia tinha saído na Folha, portanto ela já tinha sido – já tinha um grau de publicidade. Os leitores da Folha já conheciam. Se os leitores da Folha não o tivessem, muito provavelmente – também não estou querendo dizer que seria herói – mas muito provavelmente a Veja daria, por ser uma informação exclusiva. Mas como já tinha dado, já estava circulando. Então, eu achei melhor privar os leitores da Veja de uma notícia importante naquela semana, tentando mais para frente ter outras notícias importantes para os leitores da Veja. Então, o objetivo era sempre, é este.

Luis Weis: Mas todos nós, Mario, nós somos apenas humanos. Nós queremos dinheiro sim, nós queremos ganhar bem, nós queremos ter prestígio profissional, queremos ser respeitados, e queremos ter poder na nossa profissão. Quando eu falei em dinheiro, eu falo em dinheiro nesse sentido. Então, não somos monges a serviço da causa, do leitor, do telespectador. Ou seja, os interesses nossos e os deles, eventualmente até coincidem. Mas eu não creio pessoalmente que nós concordamos de manhã como vamos servir melhor hoje? Ou como “fazer melhor o meu trabalho e me promover da melhor maneira possível?” E aí queria te ouvir exatamente, a complementação da pergunta que o Fernando fez. Se não há uma leniência, se você não identifica uma leniência no tratamento que você dá a este tema que nós todos reconhecemos que é tema capital?

Mario Sergio Conti: Como a opção que eu tomei no livro foi de não julgar, foi de não parar a cada caso e falar: “isso está certo ou isso está errado”. Eu não me considero tribunal de área, eu acho que aí, o propósito do livro é contar como isso aconteceu em alguns casos...

Paulo Markun: Qual é o seu ponto de vista?

Mario Sergio Conti: Para alguns, para as pessoas...

Paulo Markun: Fora do livro, como você julga este tipo de coisa?

Mario Sergio Conti: Como eu julgo? Eu acho que não se deve tomar isso como norma absoluta com todas as fontes: “Não, você me dá uma informação” porque senão, vira um mercado persa.  Para algumas fontes que você tem testada, que te contam coisas, que te falam, você, obviamente, tem uma relação especial com ela. No limite, você pode até falar: “não, essa aqui já saiu em muito lugar, eu vou dar de maneira atenuada”.

Luis Weis: Sim, mas amanhã você descobre que esta fonte matou a mãe sem motivo justo.

[  ]: Aí ele comunica, comunica que matou a mãe! [risos]

Mario Sergio Conti: Você dá a matéria.

Emiliano José: Quer dizer, você é tentado...

Mario Sergio Conti: Entendo, entendo... Em alguns momentos eu já fiz isso, fontes muito próximas minha eu tive que romper. Porque a coisa era tão escabrosa, porque perde a fonte, paciência.

Ricardo Noblat: Mario, eu também acho que Mario publicaria a morte da mãe pela fonte que você falou... [risos] Agora, eu quero saber o seguinte, esta coisa dessa relação que eu digo que se estabelece realmente muitas vezes entre jornalistas e as fontes; a fonte é boa, te dá uma coisa boa, você ali pensa duas ou três vezes antes de colocar a fonte em má situação – a não ser que ele mate a mãe ou chegue perto disso. Isso não fez talvez, isso não distorceu um pouco, não te fez ser... Quando eu digo excessivamente generoso com doutor Roberto Marinho no livro, estou me referindo ao seguinte, principalmente, eu estou falando isso pensando no episódio do debate na Globo. Eu acho absolutamente irrelevante se o Dr. Roberto Marinho viu ou não viu a versão que foi divulgada no Jornal Nacional do debate de Lula e de Collor que tinha aparecido - eu só estou contextualizando para poder o telespectador entender... Tinha aparecido [o debate] no jornal Hoje de uma forma naquele dia. Foi logo após o segundo debate. E à noite, apareceu reeditado esse debate no Jornal Nacional. Quer dizer, quando doutor Roberto Marinho chama ali e diz: “Eu não gostei dessa edição de hoje, vamos fazer uma edição para mostrar que o Collor ganhou”, é irrelevante que ele tenha visto ou não tenha visto a fita, é até irrelevante quem fez. A sensação que me dá pela leitura do livro – também, não sei se é a mesma do Fernando – mas é certamente de alguns outros jornalistas também qualificados, é que talvez, pela proximidade muito grande que você tinha com doutor Roberto, de ir, passar final de semana com ele, na casa de Angra e tudo, você foi, talvez, excessivamente generoso no relato das coisas da Globo.

Mario Sergio Conti: Aí acho que não, eu acho que não...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Paulo Markun: Deixa ele responder...

Moacir Japiassu: Só um minuto... Esta foi a revelação mais bombástica do livro dele, a mais espetacular revelação, foi esta amizade tão estreita com Dr. Roberto...

Ricardo Noblat: Sim, mas também, qual é o problema, não vejo problema de ter amizade com o doutor Roberto, só estou perguntando se isso...

Mario Sergio Conti: Voltando, Noblat, talvez. Agora, eu acho que os fatos centrais estão lá colocados. O debate está colocado no livro: “doutor Roberto deu uma ordem: vamos reeditar esse debate mostrar que Collor ganhou”, isso não destoa, está lá o negócio do “Alcenir, “vamos fazer isso para prejudicar o Brizola”, está lá isso. “Que doutor Roberto ficou até o último momento apoiando o Collor”. Está dito isso lá. Sabe? Está dito de uma maneira que não é como o professor aqui quer: “vejam satanás, vamos que coisa! Olha o cheiro de enxofre!”

Emiliano José: Esta é sua opinião, não é assim que eu quero.

Mario Sergio Conti: Mas está dito isso lá.

Emiliano José: É uma caricatura boa sua...

Mario Sergio Conti: Eu não escondo isso. Então, você diz: amizade pode comprometer?  Pode, eu tentei, conscientemente, fazer com que isso não comprometesse.

Fernando Morais: Ainda que o Japiassu volte a me acusar de me preocupar com questões pequenas do livro, eu vou voltar à questão das acusações. Porque eu fico apavorado com o negócio, se você tem filhos?

Mario Sergio Conti: Tenho.

Fernando Morais: Você já imaginou sua filha ou seu filho chegar à escola, o coleguinha dizendo o seguinte: “O meu pai leu o livro dizendo que seu pai mete a mão, que seu pai recebe troco”. Você imagino que é isso! Eu queria te perguntar uma coisa, você trabalhou quanto tempo com Guzzo?

Mario Sergio Conti: Quinze anos.

Fernando Morais: Quinze anos. Eu trabalhei dois anos, dois anos e tanto, ou três anos com ele, talvez seja pouco tempo para fazer um julgamento até superficial. Porque dá impressão de ser um sujeito da maior integridade. Há dois momentos do livro que você deixa isso em dúvida; primeiro quando você diz que, na sucessão do Geisel [(1908-1996) Foi um dos últimos presidentes militares no Brasil (1974 e 1979). O lema do seu governo era implantar um processo de redemocratização “lenta, gradual e segura”. Foi ainda marcado pelo fim do “milagre econômico” e grande insatisfação popular em relação ao regime militar], que seria sucedido pelo Figueiredo [(1918-1999) foi o último presidente do regime militar (1979-1985). Seu governo se caracteriza pela implantação da lei de anistia], o Guzzo apoiava João Figueiredo candidato oficial da ditadura. Olha, eu trabalhei lá dentro nessa época, exatamente nesta época, Luis Weiz trabalhava lá também. Nunca, e nós trabalhávamos na política, os dois éramos sub-editores de Brasil, e em nenhum momento isso - se é que é verdade, que o Guzzo apoiava o candidato da ditadura – em nenhum momento isso chegou...Para... Nenhum de nós. É claro...

Luis Weis: Lamento discordar de você, Fernando Morais. Aí é preciso acrescentar claramente a posição da Veja, não tanto em apoiar o general Figueiredo, mas derrotar a resistência, derrubar a candidatura.

Fernando Morais: Um momento, um momento, aqui não está dito...

Luis Weis: ...Quem afirmava que o PMDB iria lançar o candidato, foram alterados na redação da revista Veja. Isto é fato.

Fernando Morais: Aqui não está dito que a revista Veja, aqui não está dito. A revista Veja é instituição. Está dito que o Guzzo apoiava o João Figueiredo – candidato oficial da ditadura.  Primeira questão. Segunda questão, quando você diz que alguém, Mario Alberto, em nome do Íris Rezende estava oferecendo não sei quantas centenas de dólares para quem publicasse a matéria cuja palavra-chave, cujo código, cuja senha era: “O ministro das boas notícias”, e que você vai apurar que do mesmo jeito que o Augusto se recusou a aceitar este dinheiro no Estadão, que isso foi publicado na Veja durante a gestão do Guzzo. Você conheceu Guzzo durante quinze anos, conviveu com ele durante quinze anos. Você acha que do jeito que as coisas estão postas, o leitor fica com a mesma impressão que você te teve ao final de quinze anos de convivência com ele?

Mario Sergio Conti: Na medida que é feita nenhuma acusação ao Guzzo...

Fernando Morais: Mario Sergio, eu não preciso fazer acusação a você...

Mario Sergio Conti: Certo.

Fernando Morais: Eu não preciso fazer acusação formal a você, até porque se você fizesse acusação sem provas, ele te metia na cadeia. Não estou dizendo isso, estou querendo saber o seguinte, a impressão que sobra para o leitor, que fica para o leitor a respeito do caráter do Guzzo – até dou um crédito, se Weis depois puder explicitar melhor esta opção do Guzzo a favor do Figueiredo – mas eu queria saber o seguinte: a impressão que você permite que o leitor fique com ela, a respeito do caráter do Guzzo, com as informações que o livro contém, é a mesma impressão que você tem depois de quinze anos de convívio com ele?

Mario Sergio Conti: Sim, sim. Eu não o acuso, eu não o incrimino. E, é relevante, Fernando, colocar que saiu em duas versões da Veja. E, eu não especulo porque ela saiu, meu livro não é de especulação.

Fernando Morais: Mas precisa Mario?

Mario Sergio Conti: Precisa, você trabalhou em revista, você sabe que aquilo pode ter sido por acaso, pode ser coincidência; na primeira foi dito de determinada maneira e um ano depois um repórter preguiçoso copia o mesmo lide. Isso existe, eu não faço ilações, eu não faço...

Paulo Markun: Mas você não ouviu o Guzzo?

Mario Sergio Conti: Ouvi.

Paulo Markun: Ouviu o Guzzo.

Dirceu Brizola: Mas Mario Sergio, e no ocorreu numa época.

Paulo Markun: Deixa só o Dirceu aqui, pela ordem, depois você.

Dirceu Brizola: Obrigado... Sobre a Veja, ouvi boatos de que ela também estaria trabalhando em uma capa sobre o PC Farias, na mesma ocasião em que a Isto É publicou capa: “este homem atrapalha o governo”. E que esta capa acabou não sendo publicada e etc.. Você apurou esta história? Isso foi coisa que se falou à boca pequena.

Mario Sergio Conti: Não, não tinha capa apurada, tinha idéia de fazer o perfil...

Dirceu Brizola: Você trabalhava lá né?

Mario Sergio Conti: Trabalhava, trabalhava.

Dirceu Brizola: Quer dizer, isso não é verídico?

Mario Sergio Conti: Não, não. Fazer capa para PC naquela época não tinha esta idéia não.

Ricardo Noblat: Me permita uma coisa? Pegando uma carona ali no Fernando Morais. Veja, você colocou aí uma coisa que não tinha me ocorrido – neste episódio do Guzzo, relatado no livro. Não há nenhuma – eu não estou dizendo qual era sua intenção, nem de longe – mas, quem leu o livro fica com a impressão que o Guzzo levou grana nesta história.

Mario Sergio Conti: Meu texto não autoriza essa impressão.

Fernando Morais: Autoriza, autoriza sim.

Ricardo Noblat: Mas pelo amor de Deus, não estou dizendo que você fez...

Fernando Morais: Autoriza sim, se alguém está oferecendo 600 mil dólares para sair uma frase e sai a frase...

Ricardo Noblat: Mas você coloca...

Fernando Morais: E amizade, pode não...

Ricardo Noblat: Só um minutinho...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Ricardo Noblat: Só um minutinho, estou com a palavra...

Fernando Morais: Claro.

Ricardo Noblat: Pode alguém ter ouvido aquela frase, ter posto na memória como você alegou aí, pode um outro repórter preguiçoso lá na redação, no Correio acontece com muita freqüência, vai lá e pega no Outlook, enfim, arquivo eletrônico, resgata e publica.  Mas só que na forma como se conta esta história, sem nenhum adjetivo, sem nenhuma palavra sobrando, uma pessoa que lê –e não é só nós jornalistas que somos deformados e maldosos de princípio – a pessoa tem a impressão: “E opa, vem cá, teve grana nesta história”.  E isso é sério, na medida em que, se você não tem a convicção de que teve grana, se você tivesse – você escreveria naturalmente – você dá curso a uma história que deixa a honestidade, ou imagem de outro cidadão sob suspeita.

Mario Sergio Conti: Eu não deixo, eu tentei não deixar. Por isso que eu escrevi sem nenhum adjetivo.

Ricardo Noblat: Mario, deixa, Mario. Todo mundo leu isso, Mario.

Fernando Morais: Sabe qual a impressão que fica?  Que no fundo, você fez com Guzzo o que provavelmente ele fez milhares de vezes quando diretor da Veja, com milhares de pessoas anônimas sem as tribunas que ele poderia ter para se defender, que é isso. A Veja provavelmente terá feito coisa desse tipo, terá tipo comportamento como este que você está tendo com o Guzzo, que é o seguinte; não é acusação formal – mas estou dizendo, que desse lado tinha um cara oferecendo 600 mil dólares para quem desse a matéria com essa frase, e do lado de cá estou mostrando que este sujeito aqui publicou não uma, mas duas vezes a frase na revista. Estou dizendo o quê? Que este ofereceu...

[  ]: Era 250 mil dólares...

Fernando Morais: 250...

[Todos falam ao mesmo tempo]

Dirceu Brizola: Aliás, por falar em dinheiro...

Paulo Markun: Só um pouquinho...

Dirceu Brizola: Eu fiz uma conta aqui, você disse que vai vender 70 mil exemplares, eu ia fazer esta pergunta desde o começo, são 02 milhões e pouco para... Quer dizer, no total mais ou menos o preço do livro...

[  ]:Está rico, está rico!

Dirceu Brizola: Quanto você acha que vai ganhar?

 [  ]: Já fez as contas. Não faz idéia?

[Mario Sergio Conti balança a cabeça negativamente]

Dirceu Brizola: Como não faz idéia?

Mario Sergio Conti: Eu tive um adiantamento para me manter durante esses dois anos.

 [  ]: Está rico, desembolsou 200 mil dólares.

Paulo Markun: Tomara que venda não 70 mil, mas 700 mil porque o Brasil precisa vender mais livro. Vamos começar aqui por alguns dos telespectadores, e três telespectadores abordam praticamente o mesmo ponto. E Eliseu Rosendo Nunes, advogado de São Paulo diz o seguinte: que você disse no começo do programa que acredita que a imprensa aprendeu com erros e melhorou depois do Fernando Collor. Pergunta ele: a imprensa não agiu quase da mesma forma por ocasião das duas ultimas eleições presidenciais ao promover Fernando Henrique em detrimento de Lula e dos demais candidatos? Não é apenas quanto ao teor o das reportagens, mas espaço desigual dos candidatos na imprensa, fato demonstrado em levantamento pela Folha de S. Paulo, em que a imprensa mudou? Eu vou fazer as perguntas que são da mesma direção. Ciro Marci, de São Bernardo do Campo: como o entrevistado vê a postura da imprensa atual com Antônio Carlos Magalhães [(1927-2007) governador da Bahia em três mandatos. Político influente, presidente do PFL] e sua metralhadora sem direção, e com o candidato a presidente Ciro Gomes [Foi deputado estadual, prefeito de Fortaleza e governador do Ceará de 1991 a 1994. Foi ainda ministro da Fazendo no governo Itamar Franco], quando defende a baixaria como instrumento político num debate político. A imprensa atual não estaria cometendo os mesmos equívocos daqueles que cometeu no tempo de Fernando Collor? E o Marcelo Tabunas do Rio de Janeiro, pergunta como você vê a atuação da imprensa hoje no governo Fernando Henrique Cardoso?

Mario Sergio Conti: Olha, acho no que no geral, a imprensa melhorou, ela apreendeu com apuração do caso Collor. Eu lembro que, logo em seguida teve a comissão de orçamento, que foi uma coisa que levou à cassação de vários deputados e basicamente foi levantada pela imprensa. Então, isso é um movimento de melhoria da imprensa. Nas campanhas presidências, eu acho que foi coberto as duas, de 1994 e a de 1998, foram cobertas com maior isenção.  Agora, isso não muda de um dia para outro, ainda existem os patrões, existem diretores de redação que querem partidarizar...

Paulo Markun: Você acha que a imprensa trata o Lula e o Fernando Henrique Cardoso da mesma maneira?

Mario Sergio Conti: Não, lógico que, não mas um é presidente e outro...

Paulo Markun: Não, enquanto candidato, evidentemente?

Mario Sergio Conti: Enquanto candidato também acho difícil, porque houve desbalanceamento. Mas muito menos em relação ao Collor, muito menos. Eu acho que foi feito um esforço legítimo para saber se o Fernando Henrique – a Isto É, e o Mino Pedrosa está aqui, que foram lá, viram a fazenda dele, a sociedade com Sergio Motta [(1940-1998) ministro das telecomunicações no governo Fernando Henrique. Fundador do PSDB era um grande aliado do, então presidente, Fernando Henrique]. E depois, a emenda da reeleição foi fartamente coberta, o balcão, a troca de favores, troca de verbas para passar a emenda da reeleição. Eu acho que tudo isso surgiu – em alguns órgãos de imprensa mais e outros menos. Eu acho que a imprensa melhorou, não acho que seja perfeita, não acho que seja ideal ainda, mas acho que há um esforço para melhorá-lo em todos estes episódios. Hoje, uma pergunta, como a imprensa trata Fernando Henrique Cardoso? Eu acho que trata com mais ceticismo. Há uma evidente simpatia dos empresários de comunicação, assim como o empresariado, em geral, com relação ao projeto do Fernando Henrique, este apoio editorial você encontra muito isso. Mas há repórteres que estão lá buscando o que está acontecendo nos bastidores do Fernando Henrique. E há colunistas, inúmeros colunistas que, diariamente ou semanalmente, fazem crítica ao governo. Então, acho que isso dá um certo balanço na cobertura do governo Fernando Henrique.  Acho que há uma cobertura, no geral, correta, nenhum episódio foi escondido, aquelas coisas todas, foi tudo coberto.

Paulo Markun: Para finalizar ainda esta questão, você acredita que se, na hipótese do Lula ser hoje o presidente da República, o tratamento que a imprensa daria ao hipotético governo Lula, no ponto de vista, vamos dizer, empenho na cobertura dos escândalos, ou de denúncias dos desvios ou das decisões teoricamente incorretas, seria igual ao do Fernando Henrique?

Mario Sergio Conti: Uma especulação. Eu acho...

Paulo Markun: Quer dizer, você não enxerga que a imprensa age em relação a um governo, dependendo da ideologia desse governo, ou se este governo é a favor. Vamos dizer assim, do capitalismo, do neoliberalismo?

Mario Sergio Conti: Óbvio que age, a gente sempre usa o exemplo do New York Times: “Não, New York Times cobre os candidatos de maneira equânime e dá apoio editorial no fim a determinado candidato”.  Agora, isso para fazer no Brasil não se dá num vácuo social. Nos Estados Unidos não tem um partido de esquerda, tem um partido republicano e um partido democrata.  São partidos dos estados. No Brasil existe um dos maiores partidos da esquerda, que é o PT, isso distorce o noticiário, isso faz com que as empresas se posicionem de determinada maneira. Então, isso é um elemento sim, um jogo, é o apoio ao capitalismo. No congresso do PT, é comum que o partido ainda defenda o programa socialista. E isso obviamente vai influir na cobertura. O que eu acho que tem que se tentar –os profissionais de imprensa  - é cobrir isso de uma maneira isenta, sem satanizar, sem partir para destruição.

Paulo Markun: Moacir.

Moacir Japiassu: Mario Sergio, muitos jornalistas mais apressados, que conseguiram ler 720 páginas em dois dias, algumas horas, escreveram dizendo que você fez um livro sem adjetivos. E eu então me dei o trabalho de dar uma olhada para ver se era verdade. E deixei aqui até a página 206, temos quase 500 pela frente. Olha aqui, página 21: “o hino da rádio difusora de Alagoas, de autoria de Silvestre Telles tem uma estrofe mimosa”, olha que adjetivo bonito, “as decisões de editor de Veja eram difíceis e extenuantes”, “a resposta de Collor foi engraçada”, “Raiumundo Pereira é inteligente e inventivo”, “Leda Collor era sisuda”, “Leopoldo era recalcitrante”, “a votação de Leda foi vexaminosa, e tinha espesso sotaque gaúcho”. “Sebastião Nery tinha uma desconcertante seqüência de tiques nervosos”, “o CNI sofria de notório cretinismo”, “Dona Ruth Marinho, ex do doutor Roberto, era uma senhora fechada de opiniões inamovíveis”, “dona Lilly era esbelta, graciosa” Esta, ave santo!  O que é exuberante, deslumbrante.  “A história de Lula era fabulosa”. “A arrancada de Collor foi fenomenal”.  “Antonio Drummond e Toninho da Rede Globo era um analista sutil da cena política”; “comportamento de Collor era eufórico”; “o senhor Octávio Frias, o pai, tinha na memória uma cena de...”; “Em Salvador o solo estava alucinante...”

Paulo Markun: Deixe claro seu ponto...Sua pergunta.

Moacir Japiassu: Só a última aqui, a última.

Paulo Markun: Qual a pergunta, Japiassu?

Moacir Japiassu: “O sol estava alucinante e a multidão tremia como adolescente histérica diante de um ídolo pop...” E vai por aí afora. Eu queria saber o seguinte, com tanto adjetivo, como você autoriza o que se escreveu a respeito desse assunto, você não se tente mal vendo um bando de cretinos escrevendo sobre seu livro?

Mario Sergio Conti: Não, eu acho que assim, o que houve...

Moacir Japiassu: É um democrata!

Mario Sergio Conti: Não, é um metonímia, se me permite o uso dessa palavra.  Eles quiserem usar. O livro não emite opiniões, e usaram adjetivos em vez de opiniões, é isso. Óbvio que o livro tem adjetivos.

Paulo Markun: Fernando pediu, pela ordem.

Fernando Morais: Em questão de estilo de linguagem, você poderia, poder-se-ia dizer que o estilo que você adota no livro é um estilo, mesmo estilo que você, porque na Veja tem isso né? O diretor da redação pauta muito o padrão do texto. Esse livro é um texto padrão de texto que você acha que a Veja deveria ter ou não?

Mario Sergio Conti: Não, não, são bichos diferentes, livro e revista, é diferente.

Moacir Japiassu: Mas os adjetivos estão lá.

Fernando Morais: A linguagem da Veja, inclusive no meu tempo, era muito mais rocambolesca, muito mais picante.

[ ]: Muito mais...

Mario Sergio Conti: Porque em uma matéria você tenta situar, você tem pouco espaço para se fazer entender. E num livro não, você se permite deixar fluir para chegar a uma conclusão...

Paulo Markun: Luis Weis.

Luis Weis: Mario, queria pensar um pouquinho no leitor. No século passado tinha uma frase que ficou famosa: “ah se o povo soubesse como se faz as leis e as salsichas!” Como se o povo perderia o respeito pelas leis ou o apetite pela salsicha. Depois que você contou para o povo mais ou menos como é que se faz a notícia – o que o povo – o leitor deve fazer? Chamar o delegado do consumidor mais próximo, pedir impeachment na imprensa?  Quer dizer, que tipo de reação você acha legítima que ele tenha?  Quer dizer, abre uma lareira se fosse inferno? Como é?

Mario Sergio Conti: Nem tanto, nem tanto.

Luis Weis: Como é?

Mario Sergio Conti: Olha, a tentativa de contar como é que se faz a imprensa é porque o leitor, ao saber ele vai estar podendo julgar melhor o material que ele recebe, impresso ou visto na televisão... Então, acho que leitor, ele tem que ver com “pé atrás”, saber que aquilo pode ter uma história por trás. E por outro lado, Weis, também leva – eu acho – a minha intenção também foi um pouco esta, a imprensa melhorar. A imprensa aprimorar seus padrões técnicos de apuração.  Então, acho que leitor não precisa queimar, cancelar a assinatura...

Fernando Morais: Metáfora.

Mario Sergio Conti: Ele deve ser ele pouco mais de ceticismo, se ele for o que o livro conta, ele pode ler com mais ceticismo, e quando ver alguma coisa escalafobética: “Ah, ai tem coisa, por que não deram tal matéria? Por que estão dando tanto destaque a este assunto?”... Isso é uma contribuição, que no fim melhora a nossa habilidade.

Luis Weis: Um leitor brasileiro de uma cidade como São Paulo ou Rio, você acha que ele, supondo que ele pudesse, ele deveria ler mais um jornal, ou um jornal e uma revista por semana lhe dariam segurança para saber o que se passa para ficarmos no território, no mundo da política?

Mario Sergio Conti: Eu acho que um jornal já basta, nós lemos quatro, cinco jornais por dia...

Luis Weis: Sim, nosso profissional.

Mario Sergio Conti: Mas um jornal – numa cidade como São Paulo – se ele escolheu um dos grandes como Folha, Estado, eu acho que ele está bem servido. Se ele perder uma notícia hoje, o outro concorrente vai ser obrigado a dar também a notícia, acho que no fim a verdade acaba vindo à tona.

Luis Weis: E a mão invisível no mercado, acerta?

Mario Sergio Conti: Eu acho que ali é uma coisa até mais... Não, eu acho que verdade acaba vindo à tona, não dá para esconder.

Paulo Markun: Emiliano...

Emiliano José: Também ao longo do seu livro, outra coisa que fica evidente é aquilo que você, não é que você chama exatamente, mas que você tenta demonstrar uma autonomia do jornalista. E isso não só está presente no seu livro, a possibilidade de jornalistas, quase que se autonomizarem em relação aos patrões, aos donos, isso aparece nas entrevistas posteriores e aparece ao longo do seu livro. O próprio debate sobre o debate Lula e Collor evidencia um pouco isso, seu esforço se demonstrar que houve uma relativa autonomia do jornalista ou uma autonomia mesmo dos jornalistas, depois numa entrevista à Folha você disse que quem construiu Collor foram os jornalistas, não foram os grandes conglomerados da mídia e tal.  Eu queria saber como é que você analisa isso, esta questão, qual o grau efetivo de autonomia de um redator chefe, de um diretor de redação, mais do que tudo? Qual é o grau de autonomia dele? É isso mesmo que você tentou?

Mario Sergio Conti: Muito grande, acho que um órgão de imprensa é produto do seu patrão, do seu diretor, dos seus repórteres, dos seus editores e da relação que ele mantém com o público. Se um jornal não dá, se sistematicamente oculta a notícia, é óbvio que ele vai perder credibilidade.  E isso nenhum patrão está interessado...

Emiliano José: O que você acha que é determinante nesta relação?

Mario Sergio Conti: Aí é um processo, uma relação complexa que tem que se analisada caso a caso.  A casa da autonomia, por exemplo, uma entrevista marcante, uma reportagem marcante de toda apuração do caso Collor, a descoberta do motorista Eriberto França [importante testemunha que ajudou a provar que PC depositava grandes somas de dinheiro na conta de Collor]. Quem trabalhou autonomamente ali foi a sucursal de Brasília, três rapazes, Mino Pedrosa, Augusto Fonseca e João Santana Filho, chefe da sucursal. O diretor de redação, Mino Carta, estava indo numa linha completamente diferente que era acusar Pedro Collor, que era igualar Pedro Collor a PC Farias, foi dado uma matéria que era: PC/Collor, e numa decisão autônoma da...

Emiliano José: Senhor Mino autorizou completamente aquela investigação.

Mario Sergio Conti: Uma decisão autônoma da sucursal de Brasília: “vamos investigar a própria cozinha do Collor”. Era a forma que eles encontraram.

Emiliano José: Isso, João Santana.

Mario Sergio Conti: João Santana, Mino Pedrosa aqui presente, e que foram atrás do Eriberto e descobriram aquilo e que colocaram na revista.

Emiliano José:Dizendo a Mino que iam fazer isso, claramente.

Mario Sergio Conti: Dizendo não, eles apurando aquilo...

Emiliano José: Eu entrevistei.

Mario Sergio Conti: O Mino chegou lá para entrevistar o Collor naquele dia e não sabia o que estava se passando, ficou até as duas da manhã...

Emiliano José: Ele disse: “foi até a copa cozinha agora”. Ele disse.

Mario Sergio Conti: Isso que foi feito por autonomia contra uma orientação que vinha mantida na Isto É, foram três rapazes da sucursal de Brasília. Então, autonomia não se dá apenas ao diretor de redação, editor. Um repórter, e isso você está aqui... Como colocou o Noblat... Chega lá com um baita material, mesmo que seja contra uma fonte que o Noblat está interessado em manter, publique-se. Não tem, não existe isso.  Agora, não existe – e isso eu insisto - não uma grande conspiração dos patrões, para não sei o quê, manter, e isso olha, caso a caso um órgão pressiona o outro, o público pressiona o órgão, isso vai num sistema...

Emiliano José: Mas há uma linha de material básico, um sistema.

Mario Sergio Conti: Um sistema, e que no fim...

Ricardo Noblat: Mario, me esclareça só um ponto. Foi uma pessoa que me pediu para perguntar, não me lembro mais, um colega da redação. A Folha de S. Paulo – antes da Veja publicar a entrevista de Pedro Collor - a Folha chegou a ter uma entrevista mais ou menos parecida com aquela da Veja e não publicou, a Veja publicou...

Mario Sergio Conti: Tinha alguns elementos, mas não era uma coisa, com impacto e com profundidade que Pedro Collor...

Paulo Markun: Mino Pedrosa, e depois...

Mino Pedrosa: No caso do Eriberto não houve uma linha para isso chegar à cozinha não, você vai ver que Eriberto caiu com Collor, ninguém traça uma linha e tem a sorte, acho que de encontrar Eriberto. Outra questão é o seguinte...

Paulo Markun: Só queria que você esclarecesse, porque uma das reclamações dos telespectadores, e que faz sentido, é muitas vezes como nós estamos falando entre nós mesmos, nós falamos: “Eriberto, linha, Collor”, e queria que você situasse um pouco mais...

Mino Pedrosa: Motorista.

Paulo Markun: Cuja descoberta foi fundamental para identificar...

Mino Pedrosa: Nada como um bom editor.

Mario Sergio Conti:  Feita pelo Mino Pedrosa.

Paulo Markun: Quer dizer o quê?

Mino Pedrosa: Está contando.

Paulo Markun: Eu sei, mas tem gente que não leu o livro.

Mino Pedrosa: Uma pessoa me procurou para dizer que tinha uma ligação do PC com Collor.  E seria o Eriberto que era motorista que usava um carro de uma locadora. Quer dizer, veio para mim...

Paulo Markun: Daí você foi localizá-lo?

Mino Pedrosa: Isso, a partir disso aí fui atrás. Não houve uma reunião para dizer: “vamos a partir de agora procurar na cozinha”, não foi isso.

Mario Sergio Conti: Foi uma conversa na redação né? E houve até um empenho seu – não seja modesto Mino – de ir atrás, de passar noites ali...

Mino Pedrosa: Mas não houve esta conversa de: “vamos”.  Isso não houve.

Mario Sergio Conti: Ouvi falar que houve...

Mino Pedrosa: Outra questão é o seguinte, você fala muito pouco dos patrões, fala pouco né? Você foi convidado para montar uma revista da editora Globo agora?

Mario Sergio Conti: Não. Continuo funcionário da ditora Abril. Estou trabalhando lá regularmente.

Dirceu Brizola: Quando surgiu candidatura do Collor, eu tive a oportunidade de entrevistar Fernando Collor no programa Crítica e Autocrítica. Foi uma entrevista muito dura, porque o pessoal dele achou que estava sendo muito maltratado, porque fazia, enfim, não se conformava com maneira como estava se apresentando etc e tal. Mas, um momento particularmente difícil foi quando, foi a respeito do acordo dele com os usineiros de Alagoas. Porque ele inventou uma maneira do governo devolver o ICMS para os usineiros que, como se sabe o ICMS não é pago pelo usineiro, é pago pelo povo, e eu disse isso a ele: “Você deveria ter devolvido ao povo que pagou os ICMS e não aos usineiros”.  E eu sabia na ocasião – não tinha provas – mas sabia que parte do dinheiro disso havia ficado – que esta idéia tinha sido do PC Farias – e que uma parte desse dinheiro devolvido aos usineiros, na verdade, não havia sido devolvido. Eu sei não sei se você não apurou isso, eu sei que esta história ela nunca veio, porque isso para mim está na raiz de compreender desde o início o papel do PC Farias.

Mario Sergio Conti: Foi o PC que fez o acordo com os usineiros, foi ele...

Dirceu Brizola: Sim, mas o dinheiro, a quantia? Como é que foi isso, e tal? Não está, não se encontra.

Mario Sergio Conti: Isso eu não consegui apurar. Quanto ficou desse dinheiro eu não sei, que ele ficou com uma parte com PC Farias ficou, não sei quanto, mas que foi lá e...

Dirceu Brizola: Que fez uma grande diferença nesta altura Fernando Collor tinha dinheiro em caixa, ao contrário de todos os outros candidatos que precisavam sair à caça...

Luis Weis: Quando PC contou – está no livro – que ele ofereceu, que ele deu 180 mil dólares a um editor de jornal, de uma publicação, você não perguntou de bate pronto para ele, reflexivamente, quem foi? 

Mario Sergio Conti: Várias vezes, fiquei repetindo, “PC me conta, me conta, me conta”.

Luis Weis: E no livro dá impressão que você guardou, “vou perguntar em outra ocasião” e ele morreu.

Mario Sergio Conti: Tentei, mas ele falou: “Não, em uma outra hora te conto”, e ficou nessa.

Moacir Japiassu: Publicar nisso foi chato à beça hein, porque 180 mil a um diretor de redação? É chato.

 Mario Sergio Conti: O que você faz, não pública esta informação? 

Moacir Japiassu: Estou tirando a base pelo seguinte, um dia eu disse, cai na besteira de mandar uma carta para Folha S. Paulo e dizer que um corretor de imóvel de Guaratinguetá tinha me passado a perna, e me levaram para a Justiça, eu tive que dizer: “Não, não foi bem isso”.

Luis Weis: Então, a associação nacional dos jornais deveria levar o Mario Sergio para a Justiça?

Paulo Markun: Ou os editores né! Fernando Morais. [risos]

Luis Weis: Ou dos corretores de imóveis! [risos]

Fernando Morais: Há uma certa altura do seu livro, onde você começa a falar do romance entre a ministra Zélia Cardoso de Mello e o ministro Bernardo Cabral [(1933) ministro da Justiça no governo Fernando Collor], dá impressão que você vai elucidar uma história que circulou por todas as redações naquela época, e que justificaria a separação deles. A razão pela qual eles não se casaram. Teve dinheiro envolvido, negócio do apartamento em Paris. Você chegou a caminhar nesta, neste cerneiro aí?

Mario Sergio Conti: Fui atrás feito um louco, como não consegui concluir, lamentavelmente ficou de fora, aí não posso insinuar, o que não pode ser falado deve ser calado. Então, essa história não entra...

Fernando Morais: Sei, você não conseguiu apurar que isso fosse verdadeiro?

Mario Sergio Conti: Não.

Luis Weis: Mario, você disse aqui várias vezes no programa que você não emite juízo de valor no seu livro. Eu queria saber se você estivesse que trabalhar com algum dos personagens jornalistas que você cita e sobre os quais você emite juízo de valor, embora os leitores possam pensar diferente, você se sentiria desconfortável de freqüentar mesma redação que eles? E quem? 

Mario Sergio Conti: Olha, eu prefiro trabalhar com pessoas que eu já conheci e já trabalhei, aí é uma coisa...

Luis Weis: Zé Roberto [(1945-2007) jornalista investigativo de bastante prestígio] é uma pessoa que você já conheceu, é uma pessoa com quem você já trabalhou. Se sentaria confortável em voltar a trabalhar com ele? 

Mario Sergio Conti: Não, até em função desse livro, não, ele pode estar, deve estar...

Luis Weis: Ele não, você.

Mario Sergio Conti: Não, não.  já trabalhei com ele não voltaria não.

Ricardo Noblat: Mario, me diz uma coisa, a Veja, inclusive, teve uma entrevista com Collor, mesmo antes disso, quando começou a mergulhar mais na questão de lama que cercava ali o Palácio do Planalto, e já estou falando da fase do Collor presidente, eleito e etc. e tal. Mas a Veja publicou uma série de matéria que culmina com a entrevista do Pedro Collor. Culmina no sentido que talvez tenha sido o momento mais forte, continua com publicação de uma série de matérias, e comemora, de uma certa maneira – como toda imprensa – comemorou a queda do Collor.  Tem até um episódio, que eu não sei se é verdade, na redação se bebeu até champagne.

Mario Sergio Conti: É verdade, é verdade.

Ricardo Noblat: Mas eu te pergunto, como é que vocês conseguiram operar depois – e não estou absolutamente levantando nenhuma, fazendo a pergunta sem nenhuma outra intenção a não ser de esclarecer e tentar talvez mostrar um pouco para o leitor, telespectador, como a gente consegue operar estas situações – tendo batido tanto no Collor, tendo batido tanto no PC, enfim todo aquele esquema... Como vocês conseguem... O acesso que vocês conseguiram, no caso da Veja, ao próprio PC, ao Collor, e principalmente ao PC ao longo daquele tempo todo, como é? Ele era uma pessoa que não se importava tanto com o que ele apanhasse, desde que ele tivesse algum tipo de relação com a imprensa?  

Mario Sergio Conti: É boa pergunta, porque, primeiro, somos diferentes, nós brasileiros somos diferentes dos americanos. O caso Watergate, desde que o Nixon [(1913-1994) presidente dos Estados Unidos entre 1969 e 1974.  Sua gestão é marcada por colocar fim na Guerra Vietnã e melhorar as relações com a União Soviética e com a China. Renunciou em agosto de 1974, em virtude do escândalo Watergate] saiu da presidência nunca mais falou com a dona do Washington Post. E no Brasil não. Talvez, produto da relação não muito ortodoxa entre as fontes e o jornalista, sempre se procura reatar, e nos casos se reata, e se reatou. Paulo César Farias , no caso específico dele, olha, ele uma vez encontrou comigo, eu encontrei com ele, pedi para falar com ele, ele estava preso em Brasília, aí ele falou: “Mario, você sabe muito bem que a Veja acabou com a minha vida né, e foi você”. Eu falei: “Paulo não foi bem assim, também você fez o que fez”.  E ele falou: “Tudo bem, eu te respeito porque você sempre me procurou, e seus repórteres sempre me procuraram, mesmo quando você estava me dando paulada você sempre me procurava, e isso eu respeito”. Eu não sei também o quanto ele estava sendo sincero nesta coisa, mas é melhor ele ter acesso a uma revista como a Veja do que não ter. Mesmo depois de toda a desgraça, eu acho que é uma característica, vamos dizer assim, nacional, da imprensa nacional. A gente briga com fontes, mas depois de dez anos, “de boa”. Neste livro eu tinha brigado com muita gente. Depois aceitaram – e ainda bem – me receberam. É coisa que acontece. Eu não sei se é bom ou ruim, mas acontece.

Paulo Markun: Mario, nosso tempo está acabando, mas eu queria fechar o programa com uma pergunta de uma telespectadora, Kátia Sandrin de Votuporanga, que pergunta o seguinte – acho que dá para dar um arremate rápido aqui - se você acha que a notícia, principalmente a notícia política é um produto à venda?

Mario Sergio Conti: Não, não acho. Não é uma mercadoria. É um valor, é uma questão de acesso do cidadão ao que acontece no país dele.  Eu acho que pode parecer, soar isso romântico ou ingênuo, mas é para isso que a gente trabalha, sabe?  Os políticos – óbvio – eles tentam aparecer bem no noticiário, e a nossa função é mostrar realidade. Então, acho que qualquer jornalista não faz por menos que isso, sabe?  Por mais que a gente se esfole, dê cotovelada no concorrente, tente manter uma relação que garanta notícias exclusivas para gente, a gente sempre tenta contar o que está acontecendo, não é uma mercadoria da televisão.

Paulo Markun: Com o sucesso desse livro, você vai continuar jornalista ou você troca a carteirinha para a União Brasileira de Escritores?

Mario Sergio Conti: Como fez Fernando Morais.

Fernando Morais: Jamais, continuo gravando aí.

Mario Sergio Conti: Não, eu quero voltar. Eu quero voltar para o jornalismo, eu quero – ou fazer uma revista, ou ser repórter - enfim, eu quero voltar, dar um tempo né? Fazer livro é bom, mas dá muito trabalho. É muito isolado, então, eu quero voltar para a imprensa diária, semanal.

Fernando Morais: Livro é bom, mas dura muito né. [risos]

Paulo Markun: Mario Sergio, muito obrigado pela sua entrevista. Obrigado aos nossos entrevistadores que estão em casa eu lembro que todas as perguntas que não foram formuladas, as queixas e reclamações serão encaminhadas a quem de direito. Boa noite, uma boa semana, e até a próxima segunda-feira, sempre às dez e meia da noite.  Até lá.

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