;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Ricardo Berzoini

13/2/2006

Abalado por denúncias de corrupção, o presidente do PT fala do governo Lula, da reconstrução do partido e da estratégia para as eleições

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

[Comentarista]: Ricardo Berzoini foi um dos nomes a que o presidente Lula recorreu no auge da crise do “mensalão” [esquema de transferência de dinheiro a partidos aliados do governo. Suposto valor pago mensalmente a deputados da base para votarem a favor de projetos do governo Lula] para conter os estragos no PT [Partido dos Trabalhadores]. Filiado ao partido desde 1980, presidiu o PT paulista em 1999 e em 2000. Elegeu-se duas vezes deputado federal por São Paulo, em 1998 e 2002. Em 2003, com Lula presidente, Berzoini deixou a Câmara Federal para assumir o Ministério da Previdência; no ano seguinte, foi para o Ministério do Trabalho. Em 2005, com o PT ardendo em meio às denúncias do mensalão, deixou o governo para voltar à cúpula do partido. Tarso Genro [ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça no governo Lula] tinha assumido a presidência no lugar de José Genoino [foi presidente do PT de 2002 a 2005. Renunciou ao cargo após ser envolvido em denúncias de corrupção] e coube a Berzoini ocupar a secretaria geral no lugar de Sílvio Pereira [um dos fundadores do PT. Foi secretário geral do partido] que, a exemplo de Genoino, também havia caído em meio às denúncias. Em outubro do ano passado, na mais disputada eleição interna do PT, Ricardo Berzoini foi eleito presidente nacional do partido, disputou e ganhou como representante do campo majoritário, grupo ligado ao presidente Lula e que há dez anos comanda o PT.

 

Paulo Markun: Bem, para entrevistar o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, nós convidamos Vera Rosa, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo; Marco Damiani, diretor executivo da revista Isto É; Alexandre Machado, editor de política da TV Cultura; Vera Magalhães, repórter do painel do jornal Folha de S.Paulo em Brasília; Helena Chagas, diretora da sucursal do jornal O Globo em Brasília; e David Friedlander, editor executivo da revista Época. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa. Deputado, como vai?

 

Ricardo Berzoini: Tudo bem.

 

Marco Damiani: Eu queria começar, seguir a conversa nossa aqui com o seguinte: o senhor, na semana passada, determinou ou declarou que ia processar o ex-presidente Fernando Henrique [presidente do Brasil de 1995 a 2002. Um dos fundadores do PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira] por suas declarações na revista Isto É e aqui ao Roda Viva. Este processo já se iniciou?

 

Ricardo Berzoini: Esse processo deve ser impetrado amanhã, é um processo que vai questionar justamente um crime contra a honra, uma vez que o ex-presidente, ele não ofendeu apenas a instituição PT ou a direção do partido, ele ofendeu o conceito ético de 840 mil filiados em todo o Brasil, pessoas que lutam no movimento sindical, no movimento social e que construíram justamente uma trajetória de ética e de combate à corrupção. Portanto, ele foi extremamente infeliz porque, tentando entrar no jogo político, na luta política, na disputa eleitoral, ele excedeu um direito que tem à manifestação e à crítica e atentou contra a honra de pessoas que estão lutando pelo Brasil melhor.

 

Vera Magalhães: Mas deputado, quando o senhor diz isso, o senhor acha que, por exemplo, que o presidente Lula quando falou que o Congresso Nacional tinham 300 picaretas [referindo-se a uma declaração de Lula que chamou os parlamentares do Congresso de picaretas. A situação tornou-se trecho da letra de uma das músicas do grupo brasileiro Paralamas do Sucesso], deveria ter sido processado também?

 

Ricardo Berzoini: Se alguém tivesse se sentido ofendido naquele momento deveria ter processado. Não há razão nenhuma para qualquer cidadão ou cidadã não buscar aquilo que está garantido no artigo quinto da Constituição, que é o direito à honra, portanto o processo é um direito, evidentemente a Justiça vai avaliar se o processo é cabível ou não.

 

Vera Magalhães: Mas, no campo da política, o senhor acha que os partidos e as instituições têm a mesma limitação do direito à honra, isso não faz parte da política, esse tipo de crítica?

 

Ricardo Berzoini: O direito à honra é pessoal, intransferível, portanto qualquer pessoa atingida por uma declaração tem direito de ir à Justiça buscar seu direito. Nesse caso especificamente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou o conceito da ética. Ele como sociólogo deveria saber que ética se refere a um conjunto de normas, procedimentos e regras de um grupo social. Quando ele fala que a ética do PT é roubar, ele está ofendendo pessoas honestas que estão lutando por um Brasil melhor e pela democracia do Brasil.

 

Helena Chagas: Ficou claro, deputado, que esse vai ser o discurso da oposição nesta eleição. Como é que o PT, com que discurso, com que roupa o PT vai se apresentar ao eleitor nesta eleição, não só para rebater este discurso, mas para explicar episódios. Por exemplo, como vocês vão tratar aquilo que se chama mensalão, que vocês dizem não que existe, mas todo o mundo diz que existe. Quer dizer, como é que o PT vai construir um discurso novo sem a bandeira da ética?

 

Ricardo Berzoini: Primeiro, o PT não pode abrir mão da bandeira da ética. O PT tem que ter coragem e franqueza para tratar dos problemas que ocorreram dentro do próprio partido, sem qualquer tipo de hesitação em relação a isso. Problemas ocorreram, foram identificados, não são aquilo que muitos setores da oposição e da própria mídia tentam caracterizar. Por exemplo, o “mensalão”, a denúncia original do deputado Roberto Jefferson [presidente nacional do PTB, Partido Trabalhista Brasileiro. Foi o parlamentar que denunciou o “mensalão”. Em setembro de 2005 teve seus direitos políticos cassados até 2013] não foi comprovada e não será porque não houve [o “mensalão”].

 

Helena Chagas: Mas houve depósitos irregulares.

 

Ricardo Berzoini: Houve trânsito de recursos de maneira irregular, chamado caixa dois eleitoral, financiamento irregular de campanha ou de dívidas eleitorais. Isso tem que ser tratado com franqueza, também a própria questão da corrupção na máquina pública. Porque a acusação foi, e continua sendo, de que havia um sistema de corrupção instalado dentro do governo federal. Para nós está muito claro que não que há um sistema, há na verdade um processo em que determinados focos foram identificados, a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] dos Correios ainda está concluindo o seu relatório, haverá muita polêmica sobre isso ainda, mas o fundamental é o PT não deixar o debate se concentrar nesta questão, porque a oposição quer levar o debate para este lado [sendo interrompido]. Só para completar, Alexandre. Do ponto de vista do balanço de governo, a oposição não tem que o falar, tanto na economia, quanto na área social, quanto na política externa. Então, eles  precisam levar para este lado para tentar indispor o eleitorado com a candidatura do PT, que nós pretendemos que seja do presidente Lula [Lula se reelegeu presidente da República no segundo turno das eleições de 2006].

 

Alexandre Machado: Mas, deputado, mesmo em meio a crise, o próprio presidente da República reconheceu, primeiro, que tinha sido traído, segundo que o PT, em função de tudo que o havia sido exposto, está um partido desmoralizado. Estas questões vão voltar. Não será esta dificuldade que o PT terá para criar esse discurso, ainda manter esse discurso da ética?

 

Ricardo Berzoini: Mas, Alexandre, aí que reside a força do PT. Qualquer partido que tivesse sofrido o que sofreu no ano passado teria sucumbido, porque foi um processo sem precedentes na história do Brasil, envolvendo um partido que tem base social. Foi exatamente essa base social, os militantes, os vereadores, sindicalistas, lutadores do movimento social, que no auge da crise conseguiram reunir forças para fazer a maior eleição do partido do PT, 314 mil filiados e filiadas, votando e escolhendo sua executiva, executivas municipais, estaduais e a presidência nacional do partido. Portanto, do ponto de vista político, a melhor resposta foi esta. Naquela semana, uma importante revista semanal tinha publicado a capa com a estrela partida [refefindo-se à revista Veja]. Quem colou os pedaços da estrela foi a militância, foi a base do partido. Além disso, a opinião pública que acompanha todo o processo tem juízo para saber que problemas acontecem, que esses problemas têm que ser tratados com tranqüilidade, com firmeza. O PT agiu no limite das suas possibilidades, porque também tem limites para isso, e conseguiu recompor a direção, estabeleceu um conjunto de procedimentos. Daqui para frente é reestruturar a estratégia do partido e enfrentar a conjuntura...

 

Alexandre Machado: O senhor acha que saída do José Dirceu [foi chefe da Casa Civil durante o governo Lula, mas foi acusado de ser um dos operadores do “mensalão”. Seu mandato de deputado federal foi cassado em dezembro de 2005], de José Genoíno, de Sílvio Pereira, de Delúbio Soares [ex-tesoureiro do PT e também foi acusado de ser um dos operadores do “mensalão”] foi o suficiente para depurar o partido dos problemas?

 

Helena Chagas: O partido não foi muito brando, deputado, na punição dos seus? Por exemplo, não conseguiu nem passar uma resolução para tirar a legenda de quem renunciasse. Na verdade, acho que só um deputado federal renunciou, mas ele vai se candidatar pelo partido agora.

 

Ricardo Berzoini: Num primeiro momento até fui favorável a que quem renunciasse não tivesse legenda. Depois, levando em consideração a história dessas pessoas, pessoas que não estão acusadas de corrupção, nenhum deles. Estão acusados de ter permitido ou participado de pagamentos de despesas eleitorais sem a contabilização, portanto, caixa dois eleitoral.

 

Helena Chagas: De despesas eleitorais ninguém provou, né?

 

Ricardo Berzoini: Existe, do ponto de vista da política brasileira, um senso comum de que o caixa dois foi, durante muito tempo, largamente utilizado na política. Não estou legitimando nem legalizando isso, mas esse senso comum sempre existiu e é voz corrente dentro do Congresso Nacional isso. Portanto, pegar pessoas como João Paulo Cunha [presidente da Câmara dos Deputados em 2003. Seu nome foi envolvido no escândalo do “mensalão” quando foi descoberto um saque em nome de sua mulher, Márcia Regina Cunha, nas contas do publicitário Marcos Valério, acusado de ser o operador do esquema], como o professor Luizinho [um dos fundadores do PT. Foi suspeito de ter recebido dinheiro do esquema “mensalão”], que vocês conhecem, vocês sabem qual é a atuação dessas pessoas, como eles sempre agiram na política. Cassar o direito de, numa eventual denúncia, se buscar reeleição... No final o povo julga, se ele não tiver moral para buscar reeleição não será reeleito.

 

Vera Rosa: O PT vai promover hoje à noite um jantar para comemorar os 26 anos do partido, em Brasília. A logomarca criada até para esse aniversário do PT é: PT 26 anos, a volta por cima. Eu queria saber como é possível dar a volta por cima se o PT até agora não investigou o que aconteceu dentro do partido, tem cinco deputados enfrentando o Conselho de Ética na Câmara. O senhor não acha que era o caso de fazer isso?

 

Ricardo Berzoini: A investigação, Vera, houve. Na verdade, o que nós fizemos foi identificar a partir das informações que eles prestaram ao partido e ao conselho de ética da Câmara. O que nós avaliamos é não que não faria sentido abrir uma comissão de ética interna quando essas pessoas já estavam respondendo ao conselho de ética do parlamento. Portanto, após a tramitação no conselho de ética e a definição e votação no plenário, nós poderemos, se entendermos que não foi suficiente a investigação e a conseqüência, adotar qualquer procedimento dentro do partido. Hoje, eu não tenho qualquer dúvida de que essas pessoas incorreram em erros que muitos já incorreram, foram flagrados cometendo esses erros, mas são pessoas honestas, dignas e que lutaram para construir o PT e a democracia no Brasil. Não são pessoas que devam ser demonizadas do ponto de vista da política. Temos que trabalhar com a perspectiva de viabilizar que a comunicação do partido com a sociedade seja franca nesse sentido. Ocorreram erros? Ocorreram, vamos tratar deles com dignidade, sem jogar para platéia apenas, sem satanizar quem não merece e sem também fingir que não houve nada. Houve um problema e está sendo tratado.

 

Vera RosAlexandre Machado: Até agora o único punido foi o Delúbio, será que ele é o culpado de tudo?

 

Ricardo Berzoini: Ele foi o principal responsável pela situação ao assumir um modelo de financiamento político incompatível com a história do PT. Nós temos a convicção disso, eu defendi, embora sendo amigo dele pessoalmente, defendi sua expulsão exatamente porque ele colocou em risco uma história partidária que não merecia passar por isso. Evidentemente, ele não é, na política brasileira, não só no PT, o único que possa ter feito ao longo de sua vida qualquer financiamento irregular. Por isso que estamos discutindo a reforma política como a melhor maneira de resolver essa questão. Por exemplo, a redução do custo de campanha, esse é um debate muito polêmico dentro do parlamento. Se conseguirmos reduzir o peso do poder econômico nas eleições, com certeza os partidos e os candidatos ficarão menos reféns de eventuais irregularidades e do próprio poder econômico.

 

Vera Rosa: Esse projeto que está lá na Câmara foi bastante reduzido, esse de gastos, o senhor acha que isso vai ajudar?

 

Ricardo Berzoini: Foi, acho insuficiente.

 

Vera Rosa: O senhor já chegou a dizer que, se não tivesse financiamento público de campanha, para esta eleição [2006] o caixa dois iria continuar.

 

Ricardo Berzoini: O risco é grande. Não havendo tempo, não haverá porque não há tempo para provar... O risco de haver caixa dois é grande, porque no calor da campanha candidatos podem se sentir tentados a aceitar contribuições não contabilizadas.

 

Alexandre Machado: Deputado, o senhor falou que as pessoas envolvidas não são corruptas e que eventualmente é errado. O ministro Thomaz Bastos [foi ministro da Justiça de 2003 a 2007], fora do contexto, desse contexto dessa situação específica, ele declarou que caixa dois é coisa de bandido. Como é que esta afirmativa que foi feita pelo ministro, que é ligada ao PT, será digerida durante esta campanha?

 

Ricardo Berzoini: O ministro Márcio, ele evidentemente fez uma afirmação contextualizada. Evidentemente o caixa dois que é utilizado para atividades ilícitas e que tem uma permanência no seu fluxo, ele é evidentemente uma atividade que está quase sempre vinculada ao crime. Agora, o caixas dois eleitoral, ele configura um crime eleitoral, configura uma ilegalidade eleitoral. Eu acho que o ministro exagerou ao generalizar. Evidentemente, se você pegar os deputados que estão hoje no Conselho de Ética, os do PT e alguns outros de outros partidos, o ministro Roberto Brant [político brasileiro que assumiu que usou caixa dois em sua candidatura. Mesmo assim, foi absolvido pela Câmara], com o qual eu tenho uma convivência muito boa, é do PFL [Partido da Frente Liberal. Tornou-se Democratas em 2007], e eu não acredito que ele seja bandido, eu acredito que ele cometeu uma ilegalidade no auge da campanha eleitoral.

 

David Friedlander: Deputado, o senhor disse que o Delúbio Soares é o principal responsável pelo que aconteceu com o PT e que o partido não  compactua com isso. Por que o partido então paga o advogado dele? Continua pagando?

 

Ricardo Berzoini: O partido pagou advogado até a data em que ele foi desligado das sua atividades. É bom lembrar que as organizações empresariais e sociedades, de maneira geral, costumam bancar advogados para as pessoas que são processadas em razão de fatos que cometeram no exercício da atividade. Só citar um exemplo, nós acabamos de condenar, nós não, a Justiça condenou a diretoria do Banco do Brasil do governo FHC a sete anos de prisão, toda a diretoria, pelo caso Encol [foi uma das maiores construtoras brasileiras. Entrou em decadência em 1997, depois de passar por uma crise de inadimplência. A empresa não pôde cumprir suas obrigações e deixou mais de 700 prédios inacabados em todo o Brasil] . E o Banco do Brasil banca a assessoria jurídica desses acusados porque eles cometeram aquelas ilegalidades no exercício da função. No caso do PT não, o PT determinou que só até o momento em que ele era, que havia o contrato, que era dirigente do partido, foi honrado o contrato. Não foi pago tudo ainda porque não havia recursos, mas foi honrada a responsabilidade em relação àquele período.

 

Vera Magalhães: Deputado, o senhor fala, usa termos como erros, como trânsito irregular de recursos, para se referir ao que aconteceu, mas o que as investigações mostram é um fluxo permanente, contínuo, de recursos para várias pessoas de proa do partido, um ex-presidente da Câmara, por uma empresa que tinha negócios com o governo, tinha o contrato da Câmara no período em que esses recursos foram disponibilizados, via direta entre o tesoureiro do partido e um publicitário muito influente [referindo-se a Marcos Valério], muito enfronhado nas relações do PT. Se isso acontecesse em qualquer outro partido, o PT usaria estes termos ou falaria em corrupção, roubalheira, maior escândalo político da história do país etc.

 

Ricardo Berzoini: É bom lembrar que o publicitário Marcos Valério, ele começou a operar, ao que tudo indica, no governo passado, em várias operações, inclusive o caso Visanet [empresa brasileira de meios eletrônicos de pagamentos], cuja a origem de adiantamentos sem origem começou 2001, no governo passado. Mas não queremos tratar isso aí de maneira maniqueísta, o problema existe. Agora, no caso que você citou, não houve um fluxo constante de recursos, houve um adiantamento para pesquisas eleitorais e que não tinha qualquer relação com corrupção.

 

Vera Magalhães: Fora do período eleitoral?

 

Ricardo Berzoini: Fora do período eleitoral, é verdade. Aí reside a ilegalidade cometida, aí está na verdade aquilo que deve ser julgado. A outra coisa é imaginar que houvesse corrupção, ou seja, houvesse qualquer tipo de vínculo entre a atividade e o tipo de pagamento que foi feito, que foi disponibilizado pelo tesoureiro do partido, não uma relação direta entre o ex-presidente da Câmara e o publicitário. Agora, toda esta discussão, Vera, se não tivermos a coragem de discutir o sistema de financiamento eleitoral do Brasil, o risco de prosseguir é muito grande. Por quê? Porque, por exemplo, a lei determina que só se possa fazer finanças de campanha a partir do começo da campanha. E todo o processo de planejamento anterior, de preparação, quem é que banca? E todos os níveis, desde vereador até presidente da República.

 

Vera Magalhães: O senhor não acha que, nesse sentido, o projeto que a Câmara aprovou de redução dos gastos de campanha...

 

[...]: É tímido.

 

Vera Magalhães: Não só isso, ele dificulta o caixa um, a pessoa não vai se sentir intimidada porque tem que ter suas contas expostas na internet, tem um limite, um teto para doar? Não vai naturalmente haver uma migração de recursos para o caixa dois por conta da inibição para se doar pelo caixa um?

 

Ricardo Berzoini: Esse é um dilema. No Brasil, a contribuição de empresas privadas foi regulamentada há pouco tempo e já gerou, pelo menos, três crises políticas, duas das quais terminaram em CPIs. Nós temos muita dificuldade de entender como que a democracia se financia. A população tem dificuldade de entender porque um empresário pode doar para um partido político, qual o interesse que tem nisso. Por isso muitos empresários, eu acredito, acabam ficando inibidos de doar formalmente, porque se doarem para determinado candidato, ele ganha a eleição e depois tem uma licitação e esse empresário, mesmo legalmente, corretamente, ganha, com certeza haverá, interpretação de que ele ganhou porque contribuiu. Então, há este tipo de situação. Há outros que não querem se expor para não formar fila na porta da sua empresa para pedir doações. Há outros também que têm outros objetivos, objetivos escusos. Então, o que é fundamental é entender o seguinte: sem financiamento público e uma regra muito rigorosa em relação à fiscalização, o risco de continuar a existir ilegalidade sempre haverá. E a cada dois ou três anos brotaram escândalos, que alguém que foi prejudicado em alguma coisa, denunciará para tentar se vingar ou para tentar reverter a sua situação.

 

Marco Damiani: Deputado, vamos ouvir a pergunta de Renato Janine Ribeiro, que é professor de filosofia da USP e diretor da Carpes, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do MEC [Ministério da Educação].

 

Renato Janine Ribeiro [em pergunta gravada]: Como o senhor avalia estes três anos do ponto de vista do que o PT aprendeu, do que ele fez de certo, do que ele ganhou, do que ele fez de errado, do que ele perdeu? Qual o balanço? O partido fez no governo um ganho no sentido de aprender melhor, como é a responsabilidade de governo, o partido também teve que extirpar, está tendo, terá que extirpar pessoas que dentro dele agiram errado? Qual o balanço do certo e do errado, do ganho e da perda que o senhor faz nestes três anos de governo do PT?

 

Ricardo Berzoini: Acho que esta é uma questão fundamental. Na verdade, o PT, ao assumir o  governo federal, ele fechou um ciclo da sua história, porque tinha como objetivo, como todo partido de esquerda que valoriza de maneira muito forte o poder central, tinha como objetivo chegar à situação de poder, coordenar um governo, que não que é só do PT, também tem outros partidos. O presidente Lula teve 53 milhões de votos, mas no Congresso Nacional, a bancada do PT, dos partidos mais tradicionalmente aliados, somaram pouco mais de 22% da Câmara, por exemplo, e o PT precisou trabalhar com a perspectiva de uma ampliação dessa base para gerir o governo e para gerir atividade parlamentar. O PT então conseguiu, a partir dessa vitória, estabelecer uma série de programas e execução bem sucedidos para o país. Nós temos hoje o programa de maior efetividade social que é o Bolsa Família [programa brasileiro de transferência de renda para a população carente com o objetivo de diminuir a pobreza no Brasil. Criado em 2004 pelo governo federal], atingindo mais de oito milhões de famílias este ano [em 2008, o Bolsa Família atendia mais de 11 milhões de famílias brasileiras], serão onze milhões até o final do ano, o controle das variáveis da economia, que foi fundamental para o país, a política externa que é reconhecida nacionalmente e internacionalmente, vários outros programas de sucesso e, ao mesmo tempo, a contradição de ter uma crise política da dimensão que ocorreu em 2005. Isso fez com que nós tivéssemos uma situação em que o PT ficasse, em 2005, até inibido de fazer um debate mais aprofundado sobre as conquistas do governo Lula e a maneira de discutir com a população a necessidade de mais quatro anos para viabilizar o aprofundamento dessas políticas para o Brasil, a solução de uma economia estável, pronta para crescer vigorosamente e com geração de empregos anualmente em nível recorde. Portanto, essa contradição foi apresentada para o PT, o PT viveu de maneira muito dramática, muito dolorosa essa contradição, e podemos fazer um balanço hoje, em 2006, de que conseguimos superar essa crise, não sem feridas, não sem arranhões, mas ao mesmo tempo com a certeza de que, no conjunto da obra, o governo Lula representa, de fato, um avanço político institucional. Representa um avanço econômico social, em termos de política internacional também e que pode com tranqüilidade e com dignidade, se nós tivermos muita franqueza com a opinião pública, pleitear um segundo mandato e lutar pela reeleição como um objetivo nacional e não com um objetivo meramente político eleitoral de um partido.

 

Paulo Markun: O grande jantar de hoje em Brasília, em comemoração aos 26 anos do PT, vendeu convites que variavam de 200 a cinco mil reais cada, uma forma de arrecadar fundos para o partido endividado.

 

[Comentarista]: Mineiro de Juiz de Fora, 46 anos de idade, 26 de PT, Ricardo Berzoini é um veterano na estrutura petista, tanto pela militância, quanto pela participação em quadros de comando. Agora na presidência nacional, começa a tarefa de reerguer o partido tendo pela frente um grande problema: a dívida do PT, reconhecida publicamente, que chega a 55 milhões de reais. E a busca de recursos para pagar os credores coincide com a busca de dinheiro para a campanha eleitoral deste ano. Todos os partidos temem que a crise política resulte na redução de doações e, mais uma vez, estará colocado o desafio da obtenção de dinheiro sem o uso de caixa dois.

 

Marco Damiani: Deputado, pergunta de Fábio Marcos de São Paulo, ele diz o seguinte: "Durante todas as acusações feitas ao PT durante o ano de 2005, o presidente Lula se manteve meio neutro. Isso não mostrou uma falta de apoio ao partido por parte do presidente?"

 

Ricardo Berzoini: Não. O presidente Lula tem uma responsabilidade de Estado. Durante um certo tempo, é bom a gente registrar, o nível de informação que nós conseguimos obter dos antigos dirigentes sobre a natureza da crise e o grau de profundidade das dificuldades que o PT enfrentou era muito precário. O próprio presidente, muitas vezes, se sentiu na necessidade de não fazer afirmações definitivas porque havia muitas dúvidas sobre o comportamento de algumas pessoas.

 

Paulo Markun: Não é difícil entender como é que o partido deixa acontecer isso? Porque o PT discute tudo, reúne para debater qualquer questão, isso é uma demonstração, todo mundo que conhece a história do partido sabe disso. No entanto, a história que se apresenta hoje é que quatro ou cinco dirigentes fizeram ali uma lambança por sua conta e risco.

 

Vera Magalhães: E mais, Markun, com a estrutura crescendo,, presidente? O aluguel de uma sala caríssima em Brasília, jatos, aviões, ninguém via isso?

 

Ricardo Berzoini: Sem dúvida houve uma mudança de comportamento que foi estranhada por muita gente. A mudança de comportamento em relação à forma de agir do partido. Mas evidentemente se julgava que havia condições para financiar isso e que essa forma, esse modelo de ação partidária seria discutido nos próprios fóruns...

 

Vera Magalhães: [interrompendo] Mas foi só o Delúbio?

 

Ricardo Berzoini: Só um momentinho. Eu fiquei afastado do partido por um período, da suas reuniões mais executivas, e quando eu voltei para a secretaria geral do partido, eu fiquei espantado porque vários membros da executivo tinham níveis de informação tão precários quanto eu tinha estando fora da direção executiva do partido. Portanto, eu acho que essa situação foi uma situação que nos preocupou a todos. Todos ficamos, por dois ou três meses, bastante impactados com o volume de informações que surgiam sem que houvesse conhecimento coletivo do partido. Portanto, o principal erro que foi cometido por essas pessoas, principalmente pelo tesoureiro, foi fazer uma série de compromissos e procedimentos sem qualquer conhecimento e sem a tramitação legal por dentro do partido.

 

Helena Chagas: Mas a culpa é só do Delúbio? É isso que às vezes fica difícil de entender.

 

Ricardo Berzoini: Não, a culpa política não.

 

Helena Chagas: A responsabilidade, o Delúbio fez tudo isso sozinho sem que ninguém mais soubesse?

 

Ricardo Berzoini: Estou me referindo àquilo que eu conheço a partir de dezenas de reuniões e analisando o que foi posto na CPI e no Conselho de Ética. Quem tomou decisões do ponto de vista financeiro foi exclusivamente o tesoureiro. Algumas das quais, inclusive, ele sequer documentou. Portanto, aí reside o grau de irresponsabilidade política que o levou a ser expulso do partido.

 

Helena Chagas: Assim, ninguém estranhava a desenvoltura desse Marcos Valério em Brasília, que ia para lá, ia para cá? Quer dizer...

 

Ricardo Berzoini: Helena, deixa só eu te dar uma dimensão de que isso não é uma coisa que seria incompreensível. Eu fui ministro por dois anos e meio, era do diretório nacional do partido, sem participar do executivo, e não conhecia esse cidadão, eu nunca o vi pessoalmente. Essa é uma situação...

 

Helena Chagas: [interrompendo] Ele ia ao Banco Central.

 

Ricardo Berzoini: Esta é uma situação em que você...

 

Alexandre Machado: [interrompendo] Mas esse desconhecimento todo, deputado, não é algo que, de certa forma, desqualifica este grupo como um grupo gestor de problemas complexos no Brasil, ou seja, a falta de capacidade...

 

Ricardo Berzoini: [interrompendo] Foram afastados do partido.

 

Alexandre Machado: Não, a falta de capacidade de percepção das pessoas que tinham responsabilidade, têm responsabilidade, sobre o partido, de perceber que toda essa mudança estava ocorrendo? Isso não é, de certa forma, algo constrangedor, no mínimo, como para pessoas que têm que ter responsabilidade sobre as coisas do país?

 

Ricardo Berzoini: Quem estava no governo... E é até bom que isso tenha acontecido dessa forma, porque quem estava no governo não estava participando desse tipo de situação.

 

Alexandre Machado: E não estava percebendo.

 

Ricardo Berzoini: Quem estava no partido tinha responsabilidade e foi afastado exatamente por isso. Afastamos de uma vez só o presidente, o secretário geral, o tesoureiro e o secretário de comunicação do partido, de uma única vez. Poucos partidos fariam isso e conseguiriam recompor a sua tarefa de direção, seus dirigentes, de maneira a superar a crise. Isso foi feito com eleição em pleno processo eleitoral do partido, reformulando chapas e, apesar de tudo isso, nós conseguimos mostrar que o partido tem base social e tem alma, que é a militância que o sustenta. O que é fundamental é observar. Vamos separar o que é partido e o que é governo. Eu sempre disse isso e avalio que uma das principais falhas que ocorreu foi uma certa confusão, uma certa zona cinzenta, no início do governo. Eu pessoalmente, como ministro, sempre refutei qualquer tipo de interferência direta do partido em relação à atividade administrativa do governo. Agora, evidentemente, no início do governo houve algum grau de difusão. Eu, como dirigente partidário, hoje não me reporto ao governo na forma de interferência direta, mas apenas apresentando as opiniões e demandas que o partido tem de forma democrática, transparente, sem qualquer tipo de interferência na ação administrativa.

 

Marco Damiani: Deputado, o partido cobra de seu filiados um percentual em relação a salários e também de funcionários públicos. Dizem, há quem acredite, que isso é um pouco na base dessa tramitação de recursos de maneira indireta entre público e privado. Eu quero lhe perguntar se o senhor acha que isso deve continuar, como se diz por aí, se o partido deve continuar cobrando o dízimo de seus militantes e, em especial, dos que estão na máquina pública. Dizem que isso também fez com que a máquina se inchasse de militantes do PT porque isso, é claro, acarreta mais recursos para o partido, isso não tem que acabar?

 

Ricardo Berzoini: Isso é um elemento que foi propagandeado à exaustão de maneira inverídica.

 

Marco Damiani: Mas tem essa tabela, deputado.

 

Ricardo Berzoini: Não, não. A contribuição existe, é estatutária, é legal, não há nenhuma ilegalidade nisso. Ela é feita para ter a contrapartida, em relação ao partido, das conquistas que o partido tem em processos eleitorais e assim por diante. Agora, do ponto de vista da propaganda, o que a oposição faz, e que setores da mídia reverberam, o PT...

 

Marco Damiani: [interrompendo] E que faz parte do jogo político, inclusive.

 

Ricardo Berzoini: Faz parte do jogo político, é democrático, mas evidentemente nós temos que reestabelecer a verdade. Qual é a verdade? O governo do presidente Lula nomeou menos cargos de confiança do que o governo anterior. Bem menos, menos de um terço, menos de um terço dos casos. Quando a oposição fala: Foram criadas 40 mil vagas para serem preenchidas por petista”, é mentira, essas vagas foram criadas para ser preenchidas por concurso público. Estamos reconstruindo aquilo que o governo anterior destruiu. Eu entrei na previdência no dia 6 de janeiro de 2003, consegui aprovação no primeiro concurso público depois de dezoito anos sem concurso público no INSS [Instituto Nacional de Seguro Social]. Já foram feitos três concursos públicos, preenchimento republicano, através de concurso. O preenchimento dos cargos de confiança do INSS, e outras áreas, é por seleção. A área de recursos humanos, por exemplo, do Banco do Brasil, está estabelecendo agora uma seleção democrática para cargos de confiança que não havia antes. Portanto, uma série de elementos que são de republicanização da política, da administração. Portanto, esse tipo de folclore que se forma em torno desse mecanismo de financiamento do partido, que é democrático em vários países do mundo existe, ele acaba muitas vezes distorcendo o debate. Porque o nosso debate é de reconstrução do Estado, não um Estado inchado, um Estado pesado, mas um Estado funcional que possa atender a população sem terceirizar. Porque também tem um discurso da política neoliberal que é muito falso, que é reduzir o número de funcionários públicos e aumentar a terceirização. Na terceirização não tem concurso público, aí reside a indicação política, o deputado que pede 10 vagas aqui e outro que pede... e assim por diante.

 

Marco Damiani: Aí é outro debate, mas aí também não tem a estabilidade para quem trabalha mal, né? Com concurso você coloca para dentro da máquina e nunca mais tira e aí fica esse inchaço.

 

Ricardo Berzoini: Não, o processo administrativo permite a demissão, é mais trabalhoso. Eu, pessoalmente, no Ministério da Previdência e do Trabalho, despachei pelo menos 150 processos de demissão, a maioria pela demissão que uma pessoa pode depois ir à Justiça e recorrer, mas boa parte não conseguem retornar ao serviço público.

 

Marco Damiani: Então, o mecanismo continua?

 

Ricardo Berzoini: O mecanismo de financiamento que o Partido dos Trabalhadores adotou é democrático, é aceito pela sua base. Toda vez que eu discuto isso em qualquer grupo social é aceito como um mecanismo objetivo, ou seja, ele está no estatuto, tem transparência. Você pode ir à contabilidade do partido e identificar quem contribuiu e com quanto. E, ao contrário do que se pensa, não há vínculo jurídico, ou seja, o partido não tem como obrigar, a não ser pela relação política, mas não tem como obrigar ninguém a contribuir. Tanto é que existe um número de pessoas que hoje não contribuem e que o partido se dirige a elas politicamente para convencer, mas não tem como vincular de uma maneira objetiva.

 

Helena Chagas: Como o PT vai pagar as despesas da campanha de 2006? O "Estado do PT" está endividado, inclusive este jantar hoje à noite se destina a pagar algumas dívidas, em tese não haverá caixa dois, que muita gente duvida, que o caixa dois acabe. O senhor acha que vai ser fácil obter doações para a campanha? A campanha continua caríssima porque os programas de televisão são os mesmos, vai ter que ter um marqueteiro que normalmente cobra muito. Como é que vocês vão financiar a campanha do presidente Lula à reeleição?

 

Ricardo Berzoini: Helena, primeiro nós precisamos lembrar que financiamento de campanha nunca foi fácil, não há facilidade nessa questão. Evidentemente, com a crise política, muitos dos potenciais doadores podem se assustar e não querer mais participar do financiamento. Eu acredito que esse problema vai atingir todos os partidos. Nós vamos ter que, necessariamente, fazer campanhas mais baratas, eu acho que isso é bom para a democracia. A própria regulamentação do custo de campanha da Câmara só está saindo por causa da crise política. Então, isso é bom por quê? Distribuição de brindes, distribuição de qualquer benefício, ainda que pareça não ser diretamente um benefício para o eleitor, a fixação de faixas em ruas, em bens públicos...

 

Helena Chagas: [interrompendo] Isso é muito pouco,? O grosso da despesa é a TV que continua...

 

Ricardo Berzoini: [interrompendo] Isso custa muito caro, isso tem um peso grande na campanha. A própria televisão, o leilão de marqueteiros que se fazia a cada ano, você pode ver que este ano não começou, não há definição dos principais partidos.

 

Helena Chagas: Vocês já escolheram o do PT?

 

Ricardo Berzoini: Não está escolhido e nem estará no curto prazo, por quê? Porque estamos trabalhando com uma outra realidade. Sabemos que isso aí é necessário neste momento. Para nós, que temos uma tradição de militância, de gente que vai às ruas discutir, nós achamos que isso é bom para o PT. Quem não tem militância, quem está acostumado só a pagar para fazer a mobilização, esses terão mais dificuldade.

 

Helena Chagas: Mas tem alguma providência para evitar o caixa dois?

 

Ricardo Berzoini: Mas o risco que existe com a regulamentação, ele não é praticamente tratado, é o risco de nós termos a compra de lideranças nas regiões do Brasil, exatamente por quê? Porque a proibição de propaganda, de marketing e tal, ela atinge um lado da campanha e tem um outro que é o mais cruel, que é a compra e venda de opinião, não no Congresso Nacional, que foi a acusação que ocorreu no escândalo do mensalão, mas a compra na base, onde muitas vezes se abusa da carência da população, é fazendo isso. Isso aí quem faz não é o PT não, isso aí quem faz, muitas vezes, são partidos que hoje estão criticando o PT.

 

David Friedlander: Falando do financiamento hoje. O partido está com uma dívida grande, 55 milhões, não é isso? E o partido foi bater na porta de empresários pedindo ajuda para pagar sua dívida. Eu queria saber: que empresas o partido procurou, ou que tipo de empresas, se são as que têm negócios com governo, ou que não tem nenhuma ligação com governo, se conseguiu alguma coisa e qual é o discurso?

 

Ricardo Berzoini: Primeiro, nós fizemos uma campanha voltada para pessoas físicas, pessoas físicas, na sua maioria, que são membros do partido ou simpatizantes do partido. Essa campanha resultou em algo em torno de dois milhões de reais, com uma série de jantares que estamos fazendo pelo Brasil agora, devemos arrecadar mais quatro ou cinco milhões de reais, não fizemos nenhum movimento dirigido a empresas neste momento.

 

David Friedlander: Mas faz parte.

 

Ricardo Berzoini: Mas, não quer dizer que não façamos, porque a legislação prevê e não há nenhuma ilegalidade nem imoralidade nisso, desde que seja feito de forma transparente. Será tudo apresentado à opinião pública com a contribuição e o nome da empresa. A imprensa, vigilante como é, poderá observar se houve qualquer tipo de benefício a essa empresa em qualquer âmbito da administração pública para poder identificar alguma conveniência. Nós não estamos trabalhando com esta perspectiva.

 

David Friedlander: Não foram procuradas [as empresas]?

 

Ricardo Berzoini: Como?

 

David Friedlander: Não houve procura ainda?

 

Ricardo Berzoini: Nós não estamos procurando empresas diretamente. Evidentemente, nosso diálogo é permanente com empresários. Se alguma empresa quiser contribuir, não terá nenhuma dificuldade do partido em aceitar porque isso está previsto na lei e não há nenhuma ilegalidade, imoralidade nisso.

 

Vera Magalhães: O Marcos Valério disse que vai processar o partido para que pague os empréstimo que ele ajudou a viabilizar. Como o senhor pretende lidar com esta situação?

 

Ricardo Berzoini: Olha, a Justiça brasileira, ela se rege através de leis. Qualquer tipo de acerto que não tenha sido efetivamente contratado e contabilizado, ele não existe, é uma irresponsabilidade por parte de quem faz. Portanto, não há razão nenhuma para o PT se preocupar com isso. Acreditamos que, se ele combinou alguma coisa com alguém, ele deveria ter tomado mais cuidado e contratado, é para isso que servem os contratos e a contabilidade das organização.

 

Vera Rosa: No PT há muita divergência sobre a conveniências da campanha do presidente Lula fazer novamente alianças com partidos como PP [Partido Progressista], PTB [Partido Trabalhista Brasileiro], PL [Partido Liberal], que foram citados no escândalo do mensalão. Em abril vai ter um encontro nacional do partido para discutir diretrizes do programa de governo e essa política de alianças. Qual é sua opinião, o senhor acha que o partido deve voltar às origens, fazer uma aliança mais restrita ou deve fazer, tentar pelo menos, fazer uma aliança mais ampla como quer o presidente Lula?

 

Ricardo Berzoini: Isso é um tema que no PT sempre foi polêmico, sempre teve muita discussão e muito calor nesse debate. Eu acredito que nós evoluímos, por exemplo, em 2002 quando decidimos fazer uma aliança com o PL, uma aliança que tinha, ninguém estava assumindo programa do outro, estava se constituindo um programa para a eleição de 2002, com a participação do PL na vice- presidência, através do então senador José Alencar, hoje vice-presidente, e estabelecendo um conjunto de compromissos políticos entre os partidos. Ou seja, este tipo de aliança, ela ajuda, num país como o Brasil que tem dezenas de partidos com representação no parlamento, ajuda a constituir a viabilidade eleitoral e governabilidade posterior.

 

Vera Rosa: Mas e agora, depois dessa crise toda?

 

Ricardo Berzoini: Essa generalização que eu refuto. O PTB é o partido do Walfrido dos Mares Guia, excelente ministro do Turismo [em 2003. Em 2007, ocupou o cargo de ministro das Relações Institucionais. Renunciou ao cargo por ser acusado de participar do chamado valerioduto tucano, esquema de financiamento ilegal de campanha que teria sido montado por Marcos Valério para financiar a candidatura do PSDB a governador em 2002] [sendo interrompido] Mas nós vamos tratar o senhor presidente de maneira preconceituosa ou de maneira política? Vamos tratar de maneira política. Agora, é óbvio, esta é uma decisão que o PT não pretende tomar antes de um conjunto de conversas com sua base e com os partidos potencialmente aliados. Partidos que estão no governo do presidente Lula, que estão na base do governo que viabilizaram a vitória do presidente Aldo Rebelo [presidente da Câmara dos Deputados de 2003 a 2005], que modificou a imagem e o padrão de funcionamento do parlamento, esses partidos não podem ser tratados genericamente, como querem alguns, como partidos que cometeram uma ilegalidade.

 

Vera Rosa: E o PMDB?

 

Paulo Markun: Aliás,  a propósito do PMDB, Danilo de Jesus, de São Paulo, pergunta, pede que o senhor diga como é que o senhor vê a opinião de analistas de que a reeleição do presidente Lula está nas mãos do PMDB?

 

Ricardo Berzoini: Eu acho que é um exagero, acho que o PMDB é um partido importante, um partido que nós temos relações políticas importantes em vários estados, não apenas o PT nacional, mas diretórios regionais do PT, temos um diálogo, temos um trabalho na base do Congresso Nacional, mas não é um partido também que possa avocar para si o fiel da balança da eleição.

 

Paulo Markun: Mas o PT gostaria de ter o PMDB ao seu lado?

 

Ricardo Berzoini: Eu acho que seria muito bom, não apenas eleitoralmente, mas do ponto de vista de governabilidade. Temos um acordo programático para 2007 a 2010, com bases muito claras em relação ao que se pretende fazer com o Brasil, com o apoio de um arco de aliança bastante grande, inclusive com o PMDB. Nós respeitamos o processo interno que eles estão tendo no momento com dois pré-candidatos, mas evidentemente com a certeza de que o diálogo não se esgota no mês de março, no mês de abril. Vamos continuar dialogando, tentar construir um caminho para uma aliança mais ampla.

 

[Comentarista]: Funcionário concursado do Banco do Brasil, Berzoini começou a carreira política no sindicato dos bancários de São Paulo, Osasco e região, do qual foi presidente. Mais tarde, presidiu também a Confederação Nacional dos Bancários. Conhecedor do ambiente trabalhista e sindical, Ricardo Berzoini recebeu algumas tarefas espinhosas do governo Lula. Foi indicado ministro da Previdência para conduzir a polêmica reforma previdenciária, depois foi para o Ministério do Trabalho para encaminhar a reforma sindical no momento em que o desemprego era apontado como maior problema do país. Quando as denúncias de corrupção se transformaram na maior questão do PT, Berzoini assumiu outro desafio, reerguer o partido abalado pelo escândalo do mensalão.

 

Marco Damiani: O senhor vai refletindo aqui um discurso bastante auto indulgente do PT. Como disse a colega Vera, o que em outros partido o PT sempre chamou de roubalheira, para os senhores é, quando acontece com o partido, é um simples desvio, alguma coisa que aconteceu fora do tom. Eu fico me perguntando o seguinte: quer dizer, o partido está agindo como um outro partido qualquer, mas continua querendo tratamento especial, quer dizer, continua querendo ser dono da bandeira da ética, ser dono de uma política de esquerda, repetindo a política econômica do partido anterior. Qual a garantia para o eleitor de que essas coisas vão mudar num provável, eventual, segundo mandato do presidente Lula? O que fica para nós de que um futuro presidente da Câmara, por exemplo, eleito pelo PT, não vai fazer com que a mulher dele saque 50 mil reais na boca do caixa e fique por isso mesmo, foi um desvio sem querer?

 

Ricardo Berzoini: Pegando um ponto da sua colocação, você falou assim: Repetindo a política econômica do governo anterior. Esse é um senso comum que é absolutamente já negado pelos  fatos. O Brasil saiu de uma situação de absoluta inviabilidade econômica em 2002 para uma situação em que nós temos hoje redução da dolarização da dívida interna, redução da relação dívida/PIB [Produto Interno Bruto], redução da dívida externa e uma situação de geração de cem mil empregos por ano, exatamente o contrário do que aconteceu no ano anterior. Portanto, é óbvio, política econômica tem fundamentos, e alguns fundamentos... [sendo interrompido] Deixa eu só complementar, alguns fundamentos, eles podem ser mais ou menos valorizados no processo de gestão da política econômica. Mas eu peguei esse ponto porque tem algumas generalizações que se faz, algumas verdades que se tenta repetir de maneira muito forte em relação ao nosso governo, que nós não aceitamos. Em relação à questão ética, o PT sabe que ocorreram problemas no ano passado, problemas graves. O PT não vai fugir desse debate, não vai fingir que não aconteceu nada, mas não vamos aceitar, por exemplo, que quem esteve nesta cadeira na semana passada [referência ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entrevistado na semana anterior], quem geriu um governo onde o presidente da República tratava ao telefone de formação de consórcio para privatização, como o famoso escândalo das fitas da Telebrás [durante o processo de privatização da Telebrás, o então ministro das Telecomunicações, Luiz Mendonça de Barros, teve conversas telefônicas gravadas ilegalmente. Vindas a público, as fitas mostraram interferência do ministro em favor de um dos consórcios concorrentes. Devido ao caso, o ministro deixou o cargo], quem participou do escândalo Marka e Fonte/Cidan [foram duas instituições beneficiadas pelo Banco Central, em 1999, com informações privilegiadas sobra desvalorização do real], quem no caso do Banco do Brasil, que eu citei agora há pouco, deu um prejuízo de 300 bilhões ao banco em função de irresponsabilidades, fraude da gestão, no caso Encol, possa agora se arvorar em dono da ética. O PT cometeu erros? Cometeu, petistas incorreram em decisões absolutamente ilegais? Sem dúvida, só citar o exemplo do que aconteceu em relação à questão do caso VisaNet, eu acho que é um caso preocupante, de fato. É uma situação inadmissível para um partido como o PT. Agora, a pessoa que cometeu tem que responder. Criminalizar um partido inteiro cuja história de combate à corrupção é reconhecida pela população, isso não aceitamos. Então, vamos ser francos, para ter viabilidade eleitoral em 2006 o PT não pode fingir que não aconteceu nada, mas também não pode aceitar que aqueles que fizeram dezenas de escândalos assumam o papel de acusar o PT. Vamos dialogar com a opinião pública. Erramos? Vamos corrigir os erros.

 

Alexandre Machado: Nós estamos falando de uma vida nova do partido, então como partido, reconstruir o seu discurso ético. Nós temos uma questão presente. A Helena, a Vera, o Markun, o Marcos, falaram sobre a reeleição do presidente Lula e o presidente Lula ainda não se decidiu em relação à sua candidatura. Todo mundo sabe que ele vai ser candidato e ele ainda não se decidiu, ele tem até junho. Isso certamente é um partido político que ele tem direito a utilizar, porque pode ocorrer algum fato político ao longo do tempo que o faça desistir, eventualmente, não é provável, mas pode acontecer. Agora, sabendo-se que 99,9% das chances do presidente seja se candidatar a reeleição, ele não deveria, em nome desse novo discurso ético, ser mais discreto nas suas ações, evitar esse “Bye Bye Brasil” [citação ao filme de mesmo nome em que um grupo de artistas percorre o Brasil] que ele tem feito pelo país inteiro para estar inaugurando, parecendo ser uma campanha eleitoral que mesmo que seja acobertado por uma possibilidade legal de se decidir mais tarde, demonstra pouco apresso às questões éticas que deveriam ser a marca do partido e do próprio presidente da República?

 

Ricardo Berzoini: Alexandre, o presidente Lula já disse mais de uma vez que, se depender dele, está aberta a discussão para o fim da reeleição. Não fomos nós que propusemos haver reeleição. Nem tão pouco nós que permitimos a permanência no cargo daquele governante que é candidato à reeleição. Esta é uma característica de quem é...

 

Alexandre Machado: Sim, mas é um direito que ele tem. Sim, mas não é isso.

 

Ricardo Berzoini: Do ponto de vista político, ele está fazendo aquilo que acha que deve fazer, ou seja, percorrer o Brasil, conversando com a população, apresentando resultados de seu governo. Evidentemente quem deve julgar se isso é uma ação eleitoreira, eleitoral ou não, vai ser a Justiça Eleitoral. O que o presidente está dizendo claramente, acho que ele está sendo muito sincero nisso, é que ele, como governante, ele tem o direito de decidir sobre sua candidatura num prazo... Mas eu acho...

[...]: [interrompendo] Mas o senhor, como gestor do partido, como presidente do partido, se sente incomodado diante desse partido que ele está tomando do que pode ser considerado um truque?

           

Ricardo Berzoini: Não. Até porque eu não acredito que seja truque, acredito que o presidente, de fato, está com esta margem de dúvida, que você mesmo reconheceu, que qualquer governante pode ter. Quero lembrar que aqui no estado de São Paulo um ex-governador esperou até a anti-véspera  praticamento do prazo para tomar a decisão, que foi o ex-governador Mário Covas [(1930 - 2001), governador do estado de São Paulo entre 1995 e 2001], nem por isso foi criticado. Nós não o criticamos por isso, criticamos por outras coisas.

 

Alexandre Machado: Justamente, não estou criticando.

 

Ricardo Berzoini: O que é fundamental, Alexandre, eu só quero complementar, é que o presidente  tem hoje uma situação específica que é de todo governante que é candidato à reeleição e tem dúvidas se essa decisão vai ser tomada...

 

Alexandre Machado: [interrompendo] Ele tem o direito de não se decidir e de utilizar este prazo que lhe é dado. Apenas como fato público de que ele deverá ser o candidato, eu indaguei se a conduta dele não deveria será um pouco mais discreta?

 

Ricardo Berzoini: Ele deverá, se for...

 

Alexandre Machado: [se for]?

 

Ricardo Berzoini: Ele tem uma margem de manobra, uma margem de decisão, que evidentemente é só dele. Tanto é que muitas pessoas do partido propuseram que o partido fizesse um movimento para pressioná-lo. Eu sou totalmente contra isso, porque eu acho que seria, primeiro, indelicado em relação ao presidente. Em segundo lugar, seria incorreto politicamente, porque ele tem esta margem que foi conferida para uma mudança da lei que na época nós não apoiamos... na época nós, inclusive, deixamos claro, e continuamos deixando claro, o ideal é ter um mandato um pouco maior sem reeleição.

 

Helena Chagas: Ele conseguirá enquadrar o PT, sobretudo no discurso das críticas da política econômica? O PT, a correlação de forças do PT mudou, o campo majoritário já não é tão majoritário. Há pouco tempo houve uma reunião do diretório em que saiu um documento criticando a meta do superávit. Como é que o senhor - porque me parece pelas suas palavras ali, o senhor está vestindo a camisa da política econômica do presidente Lula - como é que o senhor vai conseguir enquadrar seu partido para que ele não crie os problemas que ele sempre criou durante a campanha, pregando mudanças na política econômica, que seriam mal recebidas por setores da sociedade?

 

Ricardo Berzoini: O PT tem opinião própria sobre a política econômica. Nem acredito que a política econômica do governo Lula seja uma política econômica só do PT, ela é resultado de uma correlação de forças e de uma visão sobre como se conduz a economia na situação em que nós pegamos.

 

Helena Chagas: De mudanças?

 

Ricardo Berzoini: Como nós pegamos a economia numa situação de total descontrole, a inflação ameaçando explodir, o risco Brasil acima de 2 mil pontos, a situação de credibilidade, tanto interna como externa, da dívida muito enfraquecida, o governo fez um movimento de choque de credibilidade e que foi muito bem sucedido. É só verificar os dados hoje da economia que eu já citei aqui e não vou repetir.

 

Helena Chagas: Mas o PT sempre foi meio ranheta em relação a isso, reclamando.

 

Ricardo Berzoini: Mas do ponto de vista da opinião política do PT... Por exemplo, a resolução que aprovamos em dezembro, ela tem três parágrafos de elogios à política econômica...

 

Paulo Markun:  E tem dez de crítica.

 

Helena Chagas: Mas uma crítica que vale por todas.

 

Ricardo Berzoini: E um parágrafo que faz ressalvas em relação à política monetária, ou seja, não é em relação ao fato de ser necessário ter juros para combater a inflação, é de avaliar que poderia ter havido uma queda um pouco mais acentuada no final do ano passado. Em relação à execução orçamentária, isso debate um reflexo econômico da base do PT. Obviamente, num processo eleitoral, nós sabemos que essas críticas são extremamente secundárias em relação ao conjunto da obra, à realização. Eu falei, num debate na Câmara dos deputados, onde estava o presidente e ministro Palocci [ministro da Fazenda do governo Lula de 2003 a 2006], que ele justificava a participação dele no governo só pelo que fez em 2003 e 2004. O Brasil saiu do risco total... E é bom lembrar, o candidato então da situação dizia que, se o Lula ganhasse, o Brasil iria para a situação da Argentina do De La Rúa [Fernando de la Rua, presidente da Argentina de 1999 a 2001]. Foi exatamente o contrário, nós restabelecemos a credibilidade e hoje o Brasil tem bases sólidas para crescer de forma acelerada. Isso é uma conquista do presidente Lula.

 

Helena Chagas: Como é que o sujeito vai para campanha com o próprio partido querendo que ele mude, faça uma inflexão disso aí no segundo mandato, isso não gera uma confusão?

 

Ricardo Berzoini: Não é mudança na política econômica, significa apenas que o partido tem direito de discutir, de debater com o governo, evidentemente sabendo que o governo, a partir de um modelo presidencialista, onde o presidente da República conquista o mandato, ele tem o direito, tem apenas que convencer o Congresso Nacional para executar a política econômica. Portanto, o partido não pode ter a pretensão de enquadrar o governo. Isso daí nós debatemos em vários momentos, tanto o ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento e com o próprio presidente Lula, de que o partido pode emitir suas opiniões, evidentemente com uma inteligência política. Não pode querer fazer um debate que pareça incompreensível para a população no governo do PT.

 

Vera Magalhães: Aproveitando que estamos falando do papel do ministro Palocci e dessa eterna contradição que tem entre o que ele faz e o que o PT gostaria que ele fizesse, muito se fala que ele pode ter um papel de coordenação na campanha do presidente, já que a coordenação de 2002 foi abatida pela crise, Duda Mendonça [marqueteiro do PT em 2002, durante a campanha de Lula à presidência. Admitiu ter recebido pagamentos ilegais no exterior], José Dirceu, todos foram caindo aos poucos. Isso está sendo discutido, o ministro Palocci pode ser o coordenador da campanha. Se for coordenador é coordenador do cargo, coordenador fora do governo? Como está sendo tratado isso?

 

Ricardo Berzoini: Nós não discutimos isso ainda. Eu tenho certeza que essa discussão também não foi feita com o ministro Palocci. Certeza porque eu conversei com ele próprio a respeito disso. Não temos nenhuma restrição ao nome dele, mas não tem nenhuma definição sobre isso. Até o modelo de coordenação é diferente de 2002. Em 2002, o presidente Lula era um candidato da oposição, em 2006, se ele for candidato, ele será um candidato governando o país. Portanto, há uma natureza diferenciada que em qualquer reeleição se verifica. Não há nenhuma restrição, mas também não há ainda nenhum tipo de definição ainda sobre isso.

 

Vera Magalhães: O fato dele próprio estar sendo alvo de denúncias não o descredencia para esse papel, no momento em que a questão ética, por mais que o PT tente dizer que não, vai ser predominante na campanha?

 

Ricardo Berzoini: Com duas CPIs, o Ministério Público atuante, Polícia Federal atuando, imprensa atuando, não há nenhuma comprovação de ato de corrupção por parte do ministro, portanto, denúncias são parte da política, é uma coisa normal, agora, precisa ser comprovada, como aconteceu no caso da ação contra a diretoria do Banco do Brasil no caso Encol no governo passado. Por enquanto, o que há são só investigações, e o ministro Palocci tem ido sistematicamente ao Congresso Nacional prestar contas de fatos que ocorreram há 12 anos, portanto sequer se refere à sua gestão como ministro da Fazenda.

 

Paulo Markun: Deputado, o PT nasceu como um partido socialista, o socialismo estava incluído entre as propostas originais. Depois ele meio que deixou isso de lado, ficou uma coisa meio indefinida. O PT continua sendo socialista?

 

Ricardo Berzoini: O PT tem no seu programa o socialismo. Precisamos discutir também que essa história de socialismo... o que é o socialismo? Porque, muitas vezes, se fala de maneira genérica. Você pode pegar ao redor do mundo, nós temos partido socialistas com visões das mais diferenciadas sobre o processo de evolução política, econômica e social que pode chegar a um padrão que podemos reconhecer como socialismo. Com certeza aquele modelo da propriedade estatal dos meio de produção é uma questão que me parece bastante superada na maioria dos debates internacionais que participamos. O que é fundamental é que a visão de socialismo democrático que nós defendemos é um Estado que sirva ao interesse da população, interesse público, interesse da nação, que nós possamos ter mecanismos de garantia dos direitos fundamentais a partir da ação do Estado, em combinação com o setor privado, mas que o Estado seja o condutor desse processo, e que nós possamos ter uma economia de mercado. Eu acredito que uma economia de mercado hoje é algo plenamente compatível com uma visão socialista que não seja burocrática.

 

Paulo Markun: O senhor acha que o Brasil andou algum milímetro nessa direção no governo Lula?

 

Ricardo Berzoini: Sem dúvida. Se você pensar o que aconteceu do ponto de vista das políticas sociais do governo, que ainda em caráter incipiente - porque evidentemente são três anos de governo - avançaram no sentido de disponibilizar direitos fundamentais para pessoas que estavam totalmente alijadas de qualquer direito, por exemplo o Bolsa Família, todos nós sabemos que ele não é a solução estrutural para questão da má distribuição de renda no Brasil, mas é um ataque conjuntural e emergencial que é fundamental para permitir o passo seguinte que é agregar. Por exemplo, a vitória que tivemos agora na aprovação do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento de Educação Básica], para fortalecer o ensino fundamental que é um dos grandes desafios do Brasil para o próximo período, que é viabilizar, por exemplo, o acesso da população mais pobre ao ensino superior, que é garantir que a saúde pública tenha uma qualidade capaz de viabilizar de fato o direito fundamental à saúde, e assim por diante, acho que esse é o passo que demos, passo ainda pequeno diante de tudo que tem que ser feito.

 

Paulo Markun: Pergunta da professora Maria Hermínia Tavares, do departamento de Ciência Política da USP, vamos ver.

 

Maria Hermínia Tavares de Almeida [em pergunta gravada]: Deputado, algum tempo atrás, o ministro Jaques Wagner [governador da Bahia de 2007 a 2010] fez uma ponderação interessante. Ele disse que, ao término do governo Lula, todos os maiores partidos brasileiros teriam passado pelo governo, teriam experimentado a experiência de ser governo com as suas limitações e que, portanto, um outro padrão de relacionamento entre o governo e a oposição poderiam se estabelecer. Ele acenou, inclusive, com a possibilidade no futuro de um entendimento maior entre o PSDB e o PT, dois partidos que estão se aproximando, não é? Estão se aproximando pelo menos do ponto de vista da sua agenda política, da sua agenda de governo. Independentemente do resultado das eleições próximas de outubro, eu gostaria de saber o que o senhor pensa dessa idéia, é possível uma outra forma de relação entre governo e oposição? É possível um entendimento maior entre os dois partidos mais importantes do país, o PT e o PSDB?

 

Ricardo Berzoini: Esta é uma pergunta importante que nos remete a uma discussão sobre a maneira como a história recente do Brasil colocou os partidos no cenário político. Como o PT e o PSDB estiveram em pólos opostos em muitos momentos importantes, de certa forma mesmo tendo, em alguns aspectos, agendas que possam ser, eventualmente, confrontadas no ponto de vista de convergência, ficou inviabilizada uma relação política mais madura entre esses partidos. No plano nacional, principalmente, no estado de São Paulo de maneira muito forte, mas em vários estados do país, o PT e o PSDB tem um diálogo mais intenso. Na Bahia, onde há um inimigo comum, que é o Carlismo [referindo-se a influência de Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), no estado da Bahia. ACM governou o estado por três vezes e foi eleito senador pelo estado por duas vezes], o PT e o PSDB tem um diálogo muito mais acentuado, em algumas cidades importantes no interior da Bahia na última eleição houve aliança entre PT e PSDB, sem nenhum tipo de constrangimento em relação a isso. O governador Jorge Viana, do Acre, se elegeu a primeira vez, que não havia verticalização, numa chapa com o PSDB. Portanto, não há nenhuma razão para também nós termos uma avaliação de inviabilidade de um diálogo. Agora hoje, evidentemente, há um acirramento que, na crise política, na minha avaliação, pela iniciativa do PSDB, se acentuou pela maneira como agiram a maioria dos parlamentares tucanos na crise política, e que evidentemente coloca a inviabilidade. Além do que nós temos avaliações diferentes sobre, por exemplo, alguns aspectos problemáticos, a questão do papel do Estado na condução do processo político-econômico num país como o Brasil. Aí há evidentemente uma diferença grande entre PT e  PSDB, tanto que é o PSDB  tinha uma agenda de privatização que continua no discurso de seus principais dirigentes. O PT, sem fazer da privatização um fantasma, que em algumas áreas podem ocorrer sem haver nenhuma contradição com esta visão de Estado, o PT entende que a privatização enquanto o remédio mágico que tentou se vender nos anos de 1990 só levou ao desemprego, a desestruturação e a redução de capacidade da ação do Estado.

 

[Comentarista]: O PT surgiu em 10 de fevereiro de 1980. Lula e outros dirigentes sindicais já pensavam num partido de trabalhadores durante as greves no ABC no final dos anos de 1970. E a idéia ganhou força com a lei da anistia e a adesão de representantes das organizações de esquerda, do setor progressista da Igreja Católica e de intelectuais. Ao longo dos anos cresceu e se caracterizou como o principal partido de oposição, até Lula se eleger presidente da República, em 2002. Ao virar governo, o partido ganhou força e poder, mas também passou a viver novas dificuldades. Conflitos internos se agravaram, radicais foram expulsos e tudo piorou quando as acusações de caixa dois levaram o PT à mais grave crise já vivida por um partido político brasileiro.

 

Paulo Markun: Pergunta de David Friedlander.

 

David Friedlander: Deputado, quem o senhor acha que vai ser o adversário tucano do presidente Lula?

 

Ricardo Berzoini: Este é um processo que o PSDB vai decidir...

 

Paulo Markun: Quem que o senhor acha?

 

Ricardo Berzoini: Eu não creio que haja nenhuma preferência, eu creio que ambos tem característica mais fortes e negativas. O prefeito de São Paulo, José Serra [governador de São Paulo e candidato à presidência da República em 2002], se sair candidato vai ter que explicar porque prometeu ficar os quatro anos na prefeitura e sai deixando inclusive um vice-prefeito que a população não conhece, praticamente. O governador Geraldo Alckmin [candidato à presidência da República em 2006. Perdeu para Lula no segundo turno] tem outras questões, ele é pouco conhecido nacionalmente, isso tem lado positivo e negativo também, e tem as questões relativas ao governo de São Paulo, gestão da Febem [entidade destinada ao cuidado de menores infratores. Em sua gestão no governo de São Paulo, Alckmin conviveu com diversas rebeliões], segurança pública e outras questões ele vai ter que obviamente discutir durante a campanha.

 

Vera Rosa: O ministro Palocci disse que acha tarde que o presidente anuncie a candidatura só em junho, o senhor concorda com ele?

 

Ricardo Berzoini: É a opinião do ministro Palocci.

 

Vera Rosa: Ele disse que o PT não tem um plano B, tem um plano L que se chama Lula.

 

Ricardo Berzoini: Isso eu tenho dito sistematicamente. Nós não temos plano B porque nós achamos que para o Brasil, para o PT e para este arco de alianças que sustenta o governo Lula, é fundamental dar prosseguimento à obra, até porque a fase mais difícil do governo, na minha avaliação, ela foi enfrentada, foi tanto a fase inicial de enfrentar o processo de desorganização econômica, quanto à crise política na qual o partido foi obrigado a reconhecer que precisa ter mais controle, mais vigilância sobre seus dirigentes, portanto...

 

Vera Rosa: [interrompendo] E o que deve mudar num eventual segundo mandato?

 

Ricardo Berzoini: O presidente hoje tem, na minha avaliação, muito mais a realizar no futuro e muito mais a apresentar para o país em termos de propostas políticas.

 

Vera Rosa: O que deve mudar num eventual segundo mandato do presidente Lula?

 

Ricardo Berzoini: Olha, primeiro nós temos que avaliar muito o que foi feito, porque evidentemente se você pegar o conjunto das realizações na área social, especialmente, mas também na área econômica e na política interna nacional, é um governo político bem sucedido. Em segundo lugar, temos que pensar que, num segundo governo, ele tem sempre que trabalhar na perspectiva de dar um salto de qualidade. Por exemplo, na área social, o Bolsa Família, que é um sucesso, deve focar na porta de saída. Não é desejável que as pessoas fiquem recebendo Bolsa Família ad aeternum, o ideal é que nós tenhamos alternativas econômicas, além da geração de empregos que foi bem sucedida já neste governo, que pode acelerar a sua velocidade no segundo governo. Na área de infra-estrutura, nós duplicamos as exportações, praticamente, sem reforçar significativamente a infra-estrutura portuária, por exemplo. Agora com as finanças do país muito mais equilibradas, com custo de capital caindo no segundo governo, o financiamento da infra-estrutura fica muito mais viável. Então, são elementos que são complementares ao realizado, mas tem que ser apresentado com a emancipação política econômica do país, porque evidentemente a parte mais difícil foi feita, que foi estabelecer credibilidade.

 

Vera Rosa: Mas a política econômica deve mudar, na sua opinião?

 

Ricardo Berzoini: A política econômica, ela deve focar, num segundo mandato, junto com o controle da inflação, ter um foco mais acentuado no crescimento e procurar acelerar a geração de empregos. Só para dar um dado importante, Vera.

 

Paulo Marlun: E dá para fazer tudo?

 

Ricardo Berzoini: Dá para fazer tudo. Tanto é que eu vou dar um exemplo para você aqui que demonstra claramente a capacidade de realização deste governo que dá para projetar para o futuro.

 

Paulo Markun: Mas só para acrescentar, o controle da inflação, se ele é baseado em juros altos, ele não inviabiliza o crescimento?

 

Ricardo Berzoini: O juros altos neste caso são como antibióticos.

 

Paulo Markun: Haja antibiótico, hein? Estão tomando antibiótico a dar com pau.

 

Ricardo Berzoini: Todos nós do Brasil inteiro. Inclusive, o PT sempre reivindicou juros mais baixos, agora, evidentemente hoje o resultado é muito mais positivo. Este ano nós temos os IGPs, que indexam tarifas públicas e outros, temos um caso praticamente inédito que a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], ao examinar pleitos de empresas de energia elétrica, em vários casos para consumidores residenciais, determinou redução de tarifas este ano. Foi noticiado recentemente, há duas semanas, mas o que eu acho importante verificar em termos de política econômica e estratégia econômica, é que o Brasil, no meio da crise que enfrentou em 2002 e 2003, ele conseguiu, o presidente Lula conseguiu junto com seus ministros, junto com os empresários, construir uma agenda que permitiu o combate à inflação com geração de emprego. E essa é uma questão que muitas vezes não é debatida nacionalmente. Apesar do PIB, por exemplo, de 2005 não ser o que nós gostaríamos, o percentual de geração de empregos formais é superior à maioria dos anos na história do Brasil. Só não é superior a 2004 que foi recorde, foi praticamente 6,5%. Em 2005 beirou 5% geração de emprego formal, portanto emprego com carteira assinada, com Previdência Social. E é possível acelerar como? Através do processo de integração de cadeias produtivas que pode, a partir de uma estratégia de financiamento que o BNDES já vem fazendo com sucesso, com competência, adensar as cadeias produtivas, substituir importações, apesar do câmbio, que não que está favorecendo neste momento, e viabilizar uma integração maior da produção do Brasil. O Brasil, só para termos uma idéia, o Brasil, em apenas três anos, duplicou suas exportações. Isso não é pouco, em nenhum momento da história do Brasil... e viabilizou com isso a geração de empregos em larga escala em setores competitivos da economia.

 

Vera Magalhães: Deputado, durante todo o tempo do programa o senhor tem feito uma coisa que  pesquisadores e cientistas políticos têm orientado o governo a fazer que é comparar. A ordem agora no PT, no governo, é comparar números, comparar dados, comparar estatísticas. Essa numerária vai ser suficiente para se contrapor à questão do mensalão, aos problemas éticos? Vai ficar de um lado PSDB falando de denúncia, do outro PT falando de número, e o eleitor perdido aí nesse meio termo? O que os dois partidos têm para oferecer para o país, que não seja só esse jogo de retórica?

 

Ricardo Berzoini: Não é um jogo de retórica, já falei e vou repetir: o PT não vai fugir no debate sobre a ética, nós queremos debater. Também nesse aspecto queremos comparar, comparar o que foi feito, por exemplo, na CGU. Hoje a CGU age de maneira totalmente livre, está investigando seu próprio governo. A CGU faz parte do poder executivo...

 

Paulo Markun: [interrompendo] A CGU é Controladoria Geral da União.

 

Ricardo Berzoini: Controladoria Geral da União, chefiada pelo ministro Waldir Pires [da Controladoria Geral da União], não há qualquer interferência. Eu vou dar outro exemplo, o procurador geral da República, no governo Fernando Henrique Cardoso, ficou conhecido, inclusive pela imprensa, como engavetador geral da República. O presidente Lula já indicou dois procuradores, nenhum dos dois merece essa alcunha. Portanto, são situações diferentes, Vera. Se o PT quiser fugir do  debate da ética, ele vai errar gravemente, agora, se nós permitirmos que o debate da eleição fique somente neste campo, nós não vamos apresentar para a população qual é o programa de governo. Acho que quem tem que apresentar programa de governo, neste momento, é a oposição, e até agora não apresentou. O PT tem, não apenas o programa em execução, como constrói, junto com seus aliados, uma agenda política econômica, social, cultural, para os próximos quatro anos.

 

Marco Damiani: Deputado, vou te pedir um exercício mais profundo aqui de sinceridade, quer  dizer, tudo isso aconteceu na política econômica...

 

Ricardo Berzoini: [interrompendo] O senhor está dizendo que eu não estou sendo sincero?

 

Marco Damiani: Mais profundo, mais profundo. Um pouquinho mais. Porque é o seguinte, o que está valendo é o carisma do presidente Lula, quer dizer, melhorou um pouquinho nas pesquisas, foi lá para baixo, classe C, classe D, essa coisa do Bolsa Família, agora nada disso tem a ver com o programa de partido, quer dizer, o PT...

 

Ricardo Berzoini: Você acha que o Bolsa Família não tem impacto na vida das pessoas?

 

Marco Damiani: Tem. Mas isso não tem a ver com o programa do Partido dos Trabalhadores.

 

Ricardo Berzoini: Sempre teve, o renda mínima sempre foi uma bandeira não apenas do senador Eduardo Suplicy, do ex-ministro que hoje não está mais no PT, Cristovam Buarque, mas foi uma bandeira do PT em dezenas de resoluções.

 

[...] : O ACM disse que é dele. Senador Antônio Carlos Magalhães.

 

Marco Damiani: O governo anterior do PSDB também disse que isso é uma reunião de vários programas que estavam aí dispersos. Quem mandou nesse governo foi o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Agora o presidente Lula recupera um pouco da popularidade e pode sim ganhar a eleição. Quer dizer, de novo o PT vai a reboque do carisma e dessa força pessoal que o Lula tem. Não é assim?

 

Ricardo Berzoini: Não, na minha opinião não é. O PT evidentemente reconhece que produziu, ao longo da sua história... Aliás, o presidente Lula fundou o PT junto com dezenas, centenas de lideranças políticas, lideranças sindicais, lideranças intelectuais...

 

Marco Damiani: Muitas foram ficando pelo caminho.

 

Ricardo Berzoini: Muitas ficaram, mas isso em qualquer partido.

 

Marco Damiani: O pessoal de movimentos populares diz que o governo escuta muito pouco a eles. Nós da revista Isto É estamos publicando uma entrevista do Frei Betto que diz que os movimentos, quer dizer, o PT foi eleito com base de MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], com base de movimento de moradia, com base sindical e que esse pessoal ficou para trás.

 

Ricardo Berzoini: Faça uma pesquisa entre os movimentos sociais sobre a relação que tiveram com governo, não é uma relação perfeita, evidentemente não será, porque o governo também representa o Estado. O governo, no exercício da sua função política de gerir o Estado, ele não representa o movimento social, ele não pode pensar com a cabeça do movimento social, mas faça uma pesquisa entre os movimentos sociais qual foi a relação neste governo...

 

Marco Damiani: Se o pessoal está feliz?

 

Ricardo Berzoini: Comparativamente com o anterior e no absoluto. Você vai ver que esse dado não é realidade. Eu tenho inclusive, como presidente do PT, que não é um partido eleitoral, não é um partido que vive só de eleições, eu tenho a responsabilidade, de tempos em tempos, de reunir. No meio da crise reunimos, e as colocações de um balanço positivo foram bem maiores do que qualquer tipo de avaliação negativa.

 

Paulo Markun: Registrando deputado, que o senhor responde assim à pergunta de Chico Reis, do Rio Grande do Norte, que perguntava se o PT não errou ao construir a figura do mito Lula, e faço a pergunta de Carlos Guilherme Mota, historiador, vamos ver.

 

Carlos Guilherme Mota [em pergunta gravada]: O senhor nota que o tom geral da vida republicana baixou muito nesses debates. A dificuldade de operação de Aldo Rebelo, do outro lado Artur Virgílio, quer dizer, houve uma queda de Mário Covas, Montoro, do Ulysses, Severo Gomes etc para o governo atual. Em segundo lugar, não é que seu partido está perdendo capacidade, está perdendo quadros, em primeiro lugar, desde Gabeira, Chico Alencar, Heloísa Helena, intelectuais, figuras, personalidades... que capacidade é essa, que situação é essa que o partido vem vivendo e que faz com que fiquemos apreensivos quanto aos destinos da nossa vida política?

 

Ricardo Berzoini: Na vida política do país, todos os partidos que exerceram o poder, tanto o poder federal quanto estados e municípios, sempre enfrentam contradições. Uma situação é você estar na oposição formulando conceitos, a outra é estar governando e tomando decisões difíceis que impactam os mais variados setores da vida nacional. Eu uso sempre um exemplo, foi o conflito em torno da questão dos transgênicos. De um lado um ministro de grande competência, de grande capacidade de articulação no meio rural e levando em consideração inclusive o peso que o setor agrícola teve, especialmente em 2003, para sustentar a atividade econômica nacional. De outro lado uma pessoa com uma referência fantástica de luta em defesa do meio ambiente, de cultura política progressista, a ministra Marina Silva. De um lado o ministro Roberto Rodrigues, de outro lado a ministra Marina Silva. O presidente Lula como gestor de um governo plural, de um governo que não é só do PT, ele teve a responsabilidade de arbitrar. Esse é o dado concreto. Muitas vezes as pessoas não compreendem que um governo é um processo político que tem contradições e que em muitos momentos não vai tomar decisões programáticas de partido ou sequer programáticas de governo. Vive de acordo com a conjuntura, vive de acordo com a situação política que enfrenta a cada momento. Então, é natural, isso já aconteceu quando governamos municípios, estados, e é mais natural ainda que aconteça no governo do país, pessoas que não compreendem aquilo que está sendo resolvido, tenham divergências legítimas e saiam do partido. Agora, em compensação, no mesmo período nós tivemos um crescimento do número de filiados em plena crise política. O PT aumentou número de filiações, num momento em que todos esperavam que houvesse desfiliação em massa, o que mostra também que sua base social se ampliou, sua base social criou condições de enraizamento maior da própria ação do governo. Portanto, eu não me impressiono muito, aliás, algumas pessoas que saíram do PT, com todo respeito até porque eu sou amigo delas, já estavam, do ponto de vista do discurso e do ponto de vista do entendimento do papel do governo, com um pé fora do PT mesmo continuando filiado ao partido. Fundando um novo partido talvez possam expressar de uma maneira mais organizada seu pensamento, seu programa e a sua visão de mundo.

 

Vera Magalhães: Deputado, tanto o telespectador que fala em mito Lula quanto o ministro Palocci, que fala em plano L, focaliza uma coisa que é corrente que o presidente Lula é hoje o único líder do PT capaz de disputar a presidência, com chances e capaz de unir esta militância e essa base social que é heterogênea. O PT vai sofrer um hiato de liderança depois que o presidente Lula não puder mais ser candidato? Quem hoje, nos quadros do partido, o senhor acha, que estaria habilitado a disputar a presidência da República?

 

Ricardo Berzoini: Vera, primeiro é bom lembrar que num país grande como o Brasil, tão heterogêneo, não é fácil formar uma liderança nacional que tenha a capacidade de ser referência em todos os estados do país, em todos os segmentos sociais. O próprio Lula, ele vem de um processo de crescimento. Por exemplo, na eleição de 1989, ele foi para o segundo turno por 0,5% em relação ao então governador Leonel Brizola. Não é uma liderança que ela se consolidou de uma hora para outra, foram vinte e tantos anos para consolidar essa referência, inclusive no embate com o PSDB. O PSDB também construiu as suas referências da mesma maneira e outros partidos da mesma forma. O PT tem lideranças nacionalmente conhecidas, mas certamente é uma distância muito grandes em relação ao presidente Lula, e com certeza se o presidente Lula se reeleger, se for candidato e se reeleger, haverá no segundo governo um processo de construção de nomes para as disputas políticas. Isso passa também para os governos estaduais. Nós temos este ano chances de ganhar em vários estados, estamos construindo as alianças locais e as estratégias locais... e, certamente, qualquer governador de estado, estado de peso político principalmente, que tenha um bom desempenho, passa a ser automaticamente uma alternativa para presidência.

 

Paulo Markun: Última pergunta deputado, é a pergunta de Elias Soares, de São Paulo: "O senhor e o Presidente Lula estão preparados para verem uma eventual derrota do PT nas urnas"?

 

Ricardo Berzoini: Olha, o PT não pode nunca ter a pretensão de que vai vencer as eleições por inércia. Nós precisamos construir, nós não acreditamos que as melhorias nas pesquisas recentes sejam um dado definitivo. Nós acreditamos que, de fato, sedimentou um pouco as informações sobre  a crise política e ao mesmo tempo a avaliação do governo no ponto de vista administrativo. Nas áreas de atuação melhorou, mas isso não é um dado que possa ser tratado como dado: “está resolvido a questão”, não. Vamos enfrentar muita dificuldade ainda pela frente, vamos trabalhar para viabilizar, primeiro a candidatura do presidente Lula, que ele de fato se defina como candidato, e a campanha capaz de dialogar com esses dois aspectos: de um lado centrar na devida proporção o que aconteceu na crise política e qual a responsabilidade do PT em relação a isso. Assumir de maneira franca, sincera e honesta aquilo que nós entendemos que foi a crise política e de nossa responsabilidade. De outro lado, um balanço consistente daquilo que foi o governo Lula e o que o Brasil melhorou neste período e onde que houve insuficiências. Também ser franco em debater as insuficiência e como corrigi-las. Acho que com essas duas linhas, nós temos condição de dialogar e vencer as eleições. Mas eleição, alguns vencem, outros perdem, portanto o PT tem que estar preparado para qualquer resultado. Eu tenho a certeza de que o presidente Lula também pensa assim. Ele sabe, inclusive tem dito, que não vale a pena ganhar para fazer apenas um segundo mandato, senão corre-se o risco de fazer a mesma mediocridade, por exemplo, que ocorreu no segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, quando o governo não ia para lado nenhum, e a única obsessão era a tentativa, que não se viabilizou, de estabilizar a economia. Nosso governo conseguiu na área econômica, na área social e em outras áreas, apresentar para o país um conjunto de realizações. Vamos debater com a população, buscar o voto com muita tranqüilidade e consolidar um projeto político.

 

Paulo Markun: Ok. Agradeço ao deputado Berzoini, aos nossos entrevistadores. Convido a você que está nos assistindo a estar aqui segunda-feira que vem às dez e meia da noite, quando o Roda Viva vai discutir a digitalização da TV brasileira, um tema extremamente importante, nós voltamos segunda que vem. Obrigado e até lá.

Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco