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Memória Roda Viva

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José Serra

4/3/2002

Em clima de definição de campanha, o então candidato à Presidência falou de suas propostas para um eventual governo e discutiu sua gestão no Ministério da Saúde

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Carlos Alberto Sardenberg: Boa noite. A campanha presidencial deste ano começou mais cedo e parece que já foi logo esquentando. Só nos últimos dias tivemos dois episódios importantes: primeiro, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral mudando a regra das coligações partidárias [verticalização das coligações partidárias], quando os candidatos mal começavam as negociações e, depois, o episódio envolvendo a governadora do Maranhão Roseana Sarney e presidenciável do PFL. Não é por isso, mas é claro que isso esquenta o debate que a TV Cultura, o Roda Viva, começa a fazer a partir de hoje. Nós vamos começar agora uma rodada especial, uma série com os principais candidatos à Presidência da República. Para discutir a conjuntura, mas também e principalmente os grandes temas, os programas, as idéias que vão estar por trás dessa campanha presidencial. O nosso convidado de hoje é o senador José Serra, candidato do PSDB à Presidência da República. Tecnicamente, é um pré-candidato, uma vez que a convenção do PSDB, no próximo mês de junho, é que vai oficializar a sua candidatura. Mas é um detalhe. O senador já foi aclamado pelo partido como o nome do PSDB para disputar a corrida presidencial.

[Comentarista]: O candidato do PSDB à Presidência da República estudou engenharia na Universidade de São Paulo. No exílio, formou-se economista, com mestrado e doutorado na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Aos 59 anos de idade, o senador José Serra já soma quarenta anos de vida política. Começou nos anos 60, no movimento estudantil, quando foi presidente da União Nacional dos Estudantes [UNE] em 63 e 64. Como outros líderes do movimento, foi perseguido pela ditadura militar e deixou o país, num exílio que durou 14 anos. Retornou e começou carreira pública como secretário de Economia e Planejamento de São Paulo, em 1983, no governo Franco Montoro [(1916-1999), governador de São Paulo entre 1983 e 1987]. Em 86, elegeu-se deputado federal por São Paulo, sendo reeleito em 1990. José Serra é senador desde 1995. Foi ministro do Planejamento e Orçamento no primeiro governo [1994-1998] de Fernando Henrique Cardoso. Em 1998, no segundo governo, foi para o Ministério da Saúde, onde ficou quase quatro anos. Citado por amigos como obstinado, teve uma atuação que o levou a ocupar espaço crescente no quadro político e no próprio PSDB, na Convenção Nacional do Partido. No último dia 24 de fevereiro, foi aclamado como o candidato tucano à corrida presidencial deste ano. O site do PSDB, na internet, já reflete a campanha “PSDB rumo à vitória”. Entre outros dados, traz a íntegra do discurso de Serra como candidato. Ele disse que não fará promessas, mas que seu governo será baseado em sete compromissos: verdade, trabalho, desenvolvimento, justiça social, desigualdades sociais, segurança pública e democracia. Serra, agora, busca montar estratégias para a campanha e, além disso, negociar e reunir as forças políticas que poderão compor uma aliança em torno da sua candidatura.

Carlos Alberto Sardenberg
: Para entrevistar o senador José Serra, nós convidamos os seguintes jornalistas: Sandro Vaia, que é diretor de redação do jornal O Estado de S. Paulo; Carlos Eduardo Lins e Silva, que é diretor adjunto do jornal Valor Econômico; Fernando de Barros e Silva, editor de Brasil do jornal Folha de S. Paulo; Dora Kramer, colunista de política do Jornal do Brasil e de O Estado de S. Paulo; Rodolfo Fernandes, que é diretor de redação do jornal O Globo; Roberto Müller, diretor editorial do jornal Gazeta Mercantil e Ramiro Alves, que é editor de Brasil da revista IstoÉ. [Programa transmitido ao vivo, que permitiu a participação dos telespectadores por telefone, fax e internet]. Senador, Boa noite.

José Serra: Boa noite.

Carlos Alberto Sardenberg
: Obrigado pela sua presença aqui no Roda Viva. A primeira questão é a seguinte: os dois últimos episódios [a] que nós nos referimos aqui na abertura do programa - que é a questão das coligações e é o episódio envolvendo a invasão de uma empresa da governadora [Roseana Sarney] e de seu marido Jorge Murad – são, de algum modo, atribuídos à sua candidatura, a alguma ação da sua candidatura. Eu queria que o senhor comentasse essas histórias.

José Serra: É, é um pouco inversão da lógica. Por exemplo, as decisões do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] quanto ao processo eleitoral... eu nem tenho claro se beneficia ou não a minha candidatura, porque mexe em muita coisa. Alguns acham que beneficia. Qual é a inversão da lógica? Quem é beneficiado foi o que causou, não é? É um pouco... é mais ou menos isso. O episódio agora, a Roseana, o Murad, essa ação da Polícia Federal, da Justiça, alguns raciocinam: “Ah, isso pode beneficiar a candidatura do PSDB”. Logo, é o PSDB que está por trás. É uma inversão da lógica, porque em nenhum dos dois casos há qualquer tipo de participação, qualquer tipo de interferência, nada disso. O primeiro foi uma decisão do Tribunal Eleitoral, motivada, aliás, por um deputado do PDT do Rio de Janeiro, Miro Teixeira [Miro Teixeira foi um dos quatro deputados a consultar o TSE sobre a regra das coligações partidárias], com a aprovação do Brizola, que está a favor. E a segunda é uma ação de natureza judicial, que envolve o Ministério Público e etc. Então, isso não tem nada a ver.

Carlos Alberto Sardenberg: Mas por que o senhor fala que é uma inversão da lógica se o beneficia?

José Serra
: É inversão da lógica no seguinte sentido: você confunde supostos efeitos, porque não está claro que terão esses efeitos positivos, mas você confunde efeito com causa. Ou seja, algo acontece, você acha que beneficia fulano; logo, fulano que é a causa daquilo que aconteceu. Não tem cabimento!

Carlos Alberto Sardenberg: Está certo. Nesse último episódio da invasão dos escritórios da empresa da governadora e seu marido Jorge Murad, há uma seqüência sobre a qual não há o que fazer, quer dizer, o senhor tem uma decisão da Justiça, uma ordem para a Policia Federal. Mas o fato de a operação ter vazado para a imprensa, ter de algum modo saído na imprensa, isso não tem a ver com uma ação política?

José Serra
: Não vejo porquê. Agora, de todo o modo, é muito fácil resolver isso, é só perguntar para a imprensa. Aqui há vários órgãos de imprensa, é só perguntar a eles.

Carlos Alberto Sardenberg
: Está certo.

José Serra: Está certo? [Sorrindo]

Carlos Alberto Sardenberg
: Dora Kramer... [sendo interrompido]

José Serra
: Eu tenho a maior curiosidade de saber como é que todos os órgãos obtiveram isso ou aquilo. Agora, aqui estão os órgãos, se foi o PSDB, se tivesse sido, os órgãos saberiam.

Carlos Alberto Sardenberg: Está certo.

Dora Kramer
: Senador.

Carlos Alberto Sardenberg: Dora Kramer.

Dora Kramer: Bom, além de ter o segredo da fonte... isso é impossível, tá [está bem]? A sua solicitação é impossível de ser atendida [rindo], mas eu queria saber o seguinte: queria que o senhor fizesse uma avaliação da dimensão política desse episódio, o efeito desse episódio para a candidatura da Roseana. E o senhor, que sempre foi favorável a uma aliança com o PFL, queria na sua candidatura, achava importante que o PFL estivesse na sua aliança... Eu quero saber se, diante disso, o PFL é ainda um aliado a ser conquistado ou um adversário a ser afastado.

José Serra: Não, eu creio que é um aliado a ser conquistado. Essa, inclusive, é a posição do meu partido, é a minha opinião e eu realmente não sei fazer uma avaliação do que poderá acontecer, até... [sendo interrompido]

Dora Kramer
: Avaliação política do que já aconteceu.

José Serra: É, até porque essas coisas todas poderão ter desdobramentos e deverão acontecer proximamente, mas o PSDB continua como sempre interessado nessa aliança sim [a aliança entre PSDB e PFL foi a base do governo FHC].

Dora Kramer
: Não tem desconforto?

José Serra: Não.

Dora Kramer
: Do fato de ser achado um milhão e meio em dinheiro na empresa, quer dizer, outras suspeitas de envolvimento da empresa do Jorge Murad com a Sudan, não causa nenhum desconforto?

José Serra
: Olha, isso tudo são coisas que, evidentemente, serão esclarecidas oportunamente. Mas o PSDB continua tendo interesse político nessa aliança com o PFL.

Dora Kramer: Quer dizer, é melhor... [sendo interrompida]

José Serra
: Você não pode prejulgar em função de algo que vai acontecer.

Dora Kramer: Quer dizer: é melhor o PFL a favor, do que o PFL contra, é isso?

José Serra: É, esse é seu raciocínio [rindo, close em Kramer, que sorri para Serra].

[Falam simultaneamente]

Roberto Müller
: Senador, deixa eu continuar aqui na linha da Dora. Um aliado a ser conquistado, o PFL, faz supor que o senhor e o seu partido de alguma maneira alimentem a expectativa de, superado esse episódio, conquistado o PFL, a governadora Roseana poderá ser vice na sua chapa?

José Serra: Olha, Müller, faltam mais de sete meses para a eleição, não é? Agora deve estar completando. Faltam exatamente sete meses. Então, tem muita coisa para acontecer daqui em diante. Eu já dizia há um mês, há dois meses, desse nosso interesse, dessa nossa expectativa. Agora, tem que deixar o tempo transcorrer, ainda é muito cedo e fazer um trabalho na direção da aliança. Agora, eu acho que quem será vice, não vice etc., é muito cedo para especular.

Fernando de Barros e Silva
: Senador, a Roseane disse na sexta - a Folha publicou no sábado - a seguinte frase: “Se é para fazer o Serra ganhar a qualquer preço, é melhor fechar o Congresso e logo nomeá-lo”, sugerindo que houvesse uma orquestração e toda essa questão política por trás. Por que o senhor não respondeu no fim de semana? Óbvio que o senhor tomou conhecimento disso, e eu queria saber por que... o senhor, com o silêncio, não deu margem à interpretação de que haveria realmente uma orquestração - não digo do senhor -, mas por parte do PSDB ou de setores do governo?

José Serra
: Não, não. Do que eu me lembro, o presidente do PSDB, José Anibal, falou na própria sexta-feira. Sábado eu estava envolvido em gravações, só li os jornais direito já no começo da tarde, as revistas. E no domingo, inclusive, eu tirei nota. Não houve tal ausência de comentários. Por outro lado, é algo que realmente não tem nada a ver nem com o PSDB nem comigo. Não há porque sair se defendendo, comentando etc. E é algo que não tem nenhuma relação, apenas isso.

Rodolfo Fernandes: O senhor acha que é um discurso construído pelo PFL para tentar desviar a atenção ou é... Qual o motivo de querer isso?

José Serra: É um motivo de especulação, quais são as motivações, mas uma coisa eu posso garantir: não tem nada a ver, nada! Esse é um fenômeno de natureza jurídica, que envolve poder judiciário, o Ministério Público e etc.

Ramiro Alves
: A governadora tem dado umas declarações muito fortes. Além dessa, ela tem dito que até poderia tentar vasculhar a sua vida, procurar coisas, vai para a guerra... Quer dizer, ela não está com nenhum ânimo, aparentemente, de conciliação, de recompor essa aliança. O senhor teme que esse tipo de versão, esse tipo de informação saindo da imprensa, prejudica de alguma maneira a sua candidatura? Quer dizer, pode ficar essa marca de que o senhor está fazendo tudo para viabilizar a sua candidatura ou o senhor acha que isso passa... [Serra interrompe e torna o final da pergunta incompreensível]?

José Serra: Acho uma coisa tão delirante, tão fora de lugar, não é?

Ramiro Alves
: Ela, ela... ela disse... [sendo interrompido]

José Serra
: Digo, a idéia de que o PSDB possa estar por trás disto etc., eu não vi essas declarações da Roseana realmente. Não sei se ela disse isso...

Ramiro Alves: Mas como...

[...]: Senador...

José Serra: Agora, realmente é uma coisa que não tem muito sentido. Seria como ter um problema na saúde e dizer que algum dos candidatos tem responsabilidade além de mim.

Ramiro Alves
: Mas isso sendo repetido pelo PFL, não pode ficar uma dúvida aí, quer dizer, para o eleitor nesse momento ficaria “será que é isso ou...?”.

José Serra
: Os eleitores é que vão dizer, não é?

Sandro Vaia
: Senador, eu, na verdade, discordo um pouquinho do Ramiro com relação ao tom... Quer dizer, o tom da senadora ontem era muito mais feroz do que o de hoje. Hoje ela baixou um pouco o tom de voz, ela disse que ela está sendo discriminada porque é mulher... Então, mudou um pouco o foco da coisa.

[...]
: Virou vítima, não é? Então... é por ser mulher e não por ser...

Sandro Vaia
: É [rindo, olhando para o entrevistador que fez o comentário].

[...]: Então... é por ser mulher e não por ser...

Sandro Vaia
: É... Enfim, mas de qualquer forma, existe um fato que é irremovível, quer dizer, existe uma suspeita de que o marido dela - e ela, conseqüentemente, porque ela é sócia da empresa -... existe uma forte suspeita de que há algumas irregularidades. Quer dizer, em uma futura composição - digamos que se acalmem as coisas entre o PFL e o PSDB -, numa futura composição, isso não entra como um fator de, digamos, desconforto com relação a uma eventual candidatura dela a vice?

José Serra
: Eu acho que a gente tem que esperar o desdobrar dos acontecimentos, das investigações e ver o que acontece. A nossa posição, como eu disse para a Dora, em relação a alianças, é uma posição ampla. Nós achamos que as alianças são importantes não apenas para vencer, mas também para governar. Você lembra o governo Collor, não é? Não naufragou só porque não tinha a maioria no Congresso, naufragou por questões de corrupção, mas também a questão da governabilidade acabou pesando. É importante, no Brasil, você ter maioria para governar, para fazer as coisas acontecerem e não ficar naquele confronto cuja a resultante acaba sendo nula ou negativa. Então nós temos essa abordagem, entende?

Sandro Vaia: Em resumo, o senhor concordaria com a frase do presidente [então Fernando Henrique Cardoso], hoje, dizendo que há uma tempestade em um copo d´água?

José Serra
: Eu não vi a frase dele.

Sandro Vaia: Ele disse isso para um site...

José Serra
: É, eu não vi.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Senador, a militância esquerda católica, nas últimas eleições, o grupo mais à esquerda, tem tradicionalmente votado mais para o PT [Partido dos Trabalhadores]. O PT, com essa aproximação com o PL e com a Igreja Evangélica, parece estar perdendo um pouco dessa sua base. O senhor tem uma amizade quase que histórica com a doutora Zilda, que é uma das fortes lideranças católicas do país. Duas perguntas: primeiro, como que o senhor acha que a Igreja vai se comportar - esse setor da Igreja Católica mais progressista - nesta eleição; e o que o senhor está fazendo para tentar roubar os votos católicos do PT, se é que o senhor está fazendo alguma coisa?

José Serra: Não, eu não estou tentando roubar nada e muito menos voto católico, não é [rindo]? Mas, de fato, eu sempre tive na minha vida pública política ligação com áreas católicas. Quando eu era líder estudantil, eu era ligado à Juventude... não era membro, mas era próximo à Juventude Universitária Católica, e fui um dos fundadores da Ação Popular. Nunca me dediquei, apesar disso, em eleições, a ganhar este ou aquele setor da Igreja Católica. Acho também que a questão de militância, do ponto de vista quantitativo, não pesa tanto. Pesa nos setores mais participantes, mais informados, que entram nos debates, nas discussões...

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas a militância leva as pessoas a votar, não é?

José Serra: Agora, realmente a Dona Zilda, a doutora Zilda Arnes foi e é uma grande parceira do Ministério da Saúde. Ela toca a Pastoral da Criança, que tem mais de 150 mil agentes de saúde voluntários e é uma pessoa decisiva na luta contra a mortalidade infantil. Nós fizemos uma aliança, trabalhamos muito próximos e os resultados muito bons em matéria de queda de mortalidade infantil são o que são, numa certa parte, devido ao nosso trabalho conjunto.

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor acha que a aproximação do PT com o PL vai tirar os votos católicos do PT?

José Serra
: Evidentemente eu não sei se tira os votos católicos, mas, evidentemente, traz problemas, como a gente, aliás, vê pelos jornais e tudo.

Roberto Müller
: Governador, e o PMDB? Houve recentemente uma convenção - questionada pela liderança nacional - mas uma convenção aparentemente expressiva e que insiste, no seu estado, situada aqui no seu estado, que insiste em uma candidatura própria. Por outro lado, o senhor tem deixado saber ou feito supor que gostaria também de fazer uma aliança com o PMDB e mesmo quem sabe entregar a ele a candidatura à vice-presidência. O que o senhor acha que vai acontecer: o PMDB fica com o senhor ou o PMBD acaba lançando um candidato?

José Serra
: Olha, nós não estamos interferindo mesmo, não estou falando aqui da boca para fora. O PMDB tem uma dinâmica própria. Além do mais, você querer interferir de fora, em geral, acaba dando confusão. Você não consegue fazer nada eficiente nessa matéria, porque tem uma dinâmica própria e você deve respeitar. Se o PMDB, afinal, não decidir ter um candidato próprio, nos interessa essa aliança sim, porque a gente conversa, claro que conversa, porque tem gente do PMDB que acha que não tem que ter uma candidatura própria. Só que nós não interferimos dentro do PMDB. Realmente não tem tido essa interferência.

Dora Kramer
: A conversa é tanta que o senhor já convidou o Jarbas, governador de Pernambuco para ser vice [risos].

José Serra: Não convidei.

Dora Kramer: Convidou, sim [risos]!

José Serra: Não, não.

Dora Kramer: Então eu quero saber o seguinte...

José Serra
: Eu disse o seguinte... o Jarbas tem nível...

Dora Kramer
: Perfeito [ao fundo].

José Serra
: ... tem preparo para ser vice, para ser candidato a presidente e é claro que, pelo menos no meu caso, para qualquer candidatura ter o Jarbas como parceiro é uma boa!

Dora Kramer
: Dito isso, convidou.

José Serra
: Diferente de você chegar e convidar.

Dora Kramer: Se me diz isso, me considero convidada, está certo [rindo]? Convidou!

Rodolfo Fernandes: Agora, senador...

Dora Kramer: Então agora eu quero saber...

Rodolfo Fernandes: ... tem o resto do PMDB...

Dora Kramer: Rodolfo, deixa só eu terminar a minha pergunta. Eu quero saber... me parece que o PMDB hoje está sentado na cadeira de vice. A partir de que momento e em que circunstâncias a gente pode considerar o PMDB pregado na cadeira de vice?

José Serra
: Eu acho que só o tempo, ainda é muito cedo.

Dora Kramer
: Quando que é esse tempo?

José Serra: É tempo, eu acho que tem que ser nos próximos meses, até maio, junho... Não é assim! Nós estamos... a eleição neste ano, neste período foi muito antecipada a campanha. Nós estamos no começo de março e já está como se fosse véspera de eleição. A maioria da população, inclusive - é o que eu vejo em pesquisas -, não está ligada no processo eleitoral. Então, as coisas têm o seu ritmo. Eu não posso prever com exatidão, mas eu posso dizer que ainda é muito cedo, as convenções para a escolha de candidatura serão em junho...

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Mas, ministro, a julgar pelo seu...

José Serra: Você não pode imaginar.

Carlos Eduardo Lins e Silva: A julgar pelo seu discurso até agora aqui o senhor está esperando tudo acontecer: “Vamos ver o que acontece no PFL...”.

José Serra: Não, não, nem tudo.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: A minha pergunta é a seguinte: o que o senhor está fazendo?

José Serra: O que eu estou fazendo?

Carlos Eduardo Lins e Silva
: O senhor não está interferindo no PMDB nem no PFL... O que o senhor está fazendo?

José Serra: Unir o PSDB - que nós fizemos -, mobilizar o PSDB... não é? Preparar a campanha, entrar na preparação do Plano de Metas... o nosso programa de governo vai [se] chamar Plano de Metas... Enfim, estamos esquentando os motores. Ainda estamos em março. A primeira fase - isso eu disse, aliás, para a imprensa quando a minha candidatura foi apresentada em meados de janeiro - é que nós iremos dedicar até o final de março a mobilizar o partido... o partido é fundamental, porque está presente no Brasil inteiro! Então, esta é a fase fundamental, além de já apresentar à opinião pública elementos do nosso programa, do nosso Plano de Metas...

Ramiro Alves
: Isso será feito no programa de televisão em rede nacional que vai ao ar quarta-feira?

José Serra
: Em parte, sim.

Ramiro Alves: Quer dizer, esse programa já é para lançar as bases dessa candidatura?

José Serra: Em parte sim, mas eu já fiz isso no meu primeiro discurso na apresentação do nome. Fiz isso domingo retrasado...

Ramiro Alves: Mas não chegou na população isso? [Ao fundo, sem interromper Serra]

José Serra: ... com toda a clareza, compromissos etc. Já fiz em vários programas, fiz em entrevistas... Aliás, eu estou ansioso para que a gente possa discutir propostas, visões do Brasil, o que vai fazer, o que não vai...

Dora Kramer: O senhor não acha ilegal...

José Serra: ... e não está fácil.

Dora Kramer
: ... este programa do dia seis, não, senador?

José Serra
: Hein?

Dora Kramer: Fora do horário regulamentar?

José Serra
: Não, mas não é programa eleitoral.

Dora Kramer: O senhor não vai ser apresentado lá como candidato?

José Serra: Não, formalmente não.

Dora Kramer: Vai ser apresentado como o quê?

José Serra
: Não, formalmente não. Estamos apresentando as teses do partido, como é que o partido visa se preparar para a eleição, não é?

Dora Kramer: Os outros programas que apresentaram como candidatura o senhor acha que são ilegais?

José Serra: Qual, quais programas?

Dora Kramer: Do PFL, por exemplo.

José Serra: Olha, a questão de legalidade e ilegalidade está relacionada com a Justiça. Os partidos mantiveram um certo padrão de programas, é a Justiça que vai dizer, porque é um terreno muito complicado para...

Rodolfo Fernandes
: Eu ia fazer aquela pergunta quando.

José Serra: Hein?

Rodolfo Fernandes: ... que eu ia fazer quando a Dora...

José Serra
: Não entendi...

Rodolfo Fernandes
: Aquela pergunta que eu ia fazer quando a Dora interrompeu...

José Serra: Sim.

Rodolfo Fernandes: ... que era sobre o PMDB. Qual é a vantagem de se coligar ao PMDB, além do tempo de televisão, dada a biografia, algumas questões policiais que pesam sobre o partido?

José Serra
: Porque é um partido heterogêneo, não é? [E] tem governos - governos como o do Jarbas, não é?; ele é governador em Pernambuco - em vários estados do Brasil. E é um partido forte.

Rodolfo Fernandes
: O ônus compensa o bônus?

José Serra
: Agora, é heterogêneo! No Brasil, raramente um partido não é heterogêneo. O PMDB é bastante heterogêneo, mas como um agregado realmente é um partido que tem força. Por outro lado, Rodolfo, uma aliança eleitoral ela vai estar baseada num programa, num estilo... A população não me conhece totalmente, porque muita gente inclusive me identifica como ministro da Saúde - como médico -, por ter ocupado durante muito tempo o Ministério da Saúde. Mas, entre os políticos, entre os partidos, todo mundo me conhece. A minha história, o meu estilo, como eu sou, em parte as idéias, que nós vamos explicitar agora. E a aliança vai estar baseada nisso.

Fernando de Barros e Silva: Senador, a verticalização das alianças determinada pelo TSE caiu como uma bomba, mas parece que está sendo assimilada com muita rapidez. Eu acho difícil dizer que o senhor não é o grande beneficiado na medida em que quebra a perna praticamente do Ciro Gomes e do Garotinho, essa medida. Da Roseana provavelmente também, na medida em que leva o PMDB onde o senhor já está... já estão muito mais avançadas as negociações com o PMDB do que o PFL. Então, eu queria que o senhor comentasse: primeiro, em tese, o senhor acha que essa medida foi uma violência institucional, como muitas pessoas disseram? E, depois, que o senhor argumentasse esse quadro eleitoral, mantendo-se essa medida do TSE.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Posso só completar, o senhor não acha que beneficia o PSDB e o PT? E não é esse o cenário que o senhor mais...

José Serra: O PT, o PT com mais clareza.

Carlos Eduardo Lins e Silva: E não é esse o cenário que o senhor mais gostaria de ver no segundo turno?

José Serra: Não.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: O senhor contra o Lula?

José Serra: O PT eu vejo com mais clareza, porque o PT tem poucas alianças em geral. Agora, vamos lá, violência institucional do TSE: não vejo assim. Eu disse para a imprensa: a medida, em tese, está correta, [mas] eu não faria neste ano, tão próximo das eleições. Eu disse isso. Não acho que seja violência, mas eu não faria agora. Quanto ao... [sendo interrompido]

Fernando de Barros e Silva
: Um pouco [de] casuísmo – desculpa - o senhor está...

José Serra: Não é casuísmo, é um problema de estar no meio da eleição. Não é casuísmo, é a interpretação da lei. Além do mais, como tem gente contra, essa é uma questão claríssima! Se ela for ilegal, se ela não for constitucional, facilmente será derrubada, face ao descontentamento de muitos partidos. Agora, quanto a benefício: no caso do PT eu vejo com mais clareza, porque o PT tem poucas alianças em geral, é um partido que - eu não estou fazendo juízo de valor -... mas faz poucas alianças; no caso do PSDB, cria problemas em São Paulo - que é o meu estado, inclusive - cria problema em vários lugares, onde você já tinha mais ou menos alianças arrumadas; o caso do PMDB, por exemplo... essa medida não favorece uma aliança do PMDB conosco... Não estou dizendo que liquida, não! Por quê? Porque a tendência do PMDB... digamos, você teria três hipóteses: lançaria um candidato, em cujo caso ficariam amarrados para as alianças estaduais... [sendo interrompido]

Fernando de Barros e Silva
: Hipótese muito remota [ao fundo, sem interromper Serra].

José Serra
: ... explicando, porque pode não ser óbvio para todos os telespectadores: o que a medida estabeleceu é que se um partido tem alianças, tem candidato nacional em determinadas alianças, nos estados não pode ser alianças de outro tipo. Por exemplo, se um partido tem candidato a presidente e o outro tem candidato a presidente, estão concorrendo, nos estados, eles não podem se aliar. Não é? É isso. Qual pode ser uma tendência do PMDB? É não lançar candidato, porque não lançando candidato, poderão fazer quaisquer alianças estaduais. Unir com uma candidatura nacional... [sendo interrompido]

Fernando de Barros e Silva
: Isso não se sabe ainda também, se pode fazer quaisquer alianças estaduais...

José Serra: Bom, é a minha interpretação por enquanto... [ao fundo]

Fernando de Barros e Silva: ... ou só com quem não tem candidato a presidente também?

José Serra: Mas, digamos assim - é a minha interpretação por enquanto - se o PMDB, por exemplo, apoiasse um candidato a presidente, mesmo que não seja dele, nos estados ele não pode fazer uma aliança diferente, está certo? Então, isso pode ser um fator de complicação. Depois, tem 27 Estados, tem centenas de parlamentares, e tem a reação... Aí é como se fosse a teoria dos jogos, não é? É uma coisa complicada, porque o que vai acontecer com você depende do que for acontecer com os outros. Não sei se você entende. Então, realmente eu sou muito sincero quando eu digo que eu não tenho claro. Agora, se me perguntam se eu gostaria que me beneficiasse, lógico! Tomara que beneficiasse! Só que eu não tenho, sinceramente, eu não tenho claro. É uma opinião sincera.

Carlos Alberto Sardenberg: Senador, o senhor consegue responder rapidinho essa pergunta aqui, nós estamos próximos do intervalo, mas...

José Serra: Só para saber, quantos blocos nós temos?

Carlos Alberto Sardenberg
: Nós temos três blocos. Como sempre três blocos de trinta minutos. Portanto, temos ainda muito tempo para o senhor desenvolver as suas idéias. Mas o Valério Manerra, ele diz o seguinte: “Por que o senhor, não tendo sido prefeito, nem governador, se julga capacitado a ser presidente?”.

José Serra: Bem, eu tenho experiência administrativa. Eu fui secretário de Economia e Planejamento em São Paulo, três anos, tendo um papel importante naquela época do governo [Franco] Montoro; fui ministro do Planejamento do Orçamento do primeiro governo do Fernando Henrique durante um tempo; ministro da Saúde há quase quatro anos; fui deputado, participei da Constituinte; depois senador, tive uma vida parlamentar conhecida, bastante ativa, e acredito que experiência eu tenho. Agora, quem vai julgar se essa experiência merece ser levada para o governo será a população. Você não precisa ter obrigatoriamente no currículo ter sido governador ou prefeito. O Fernando Henrique nunca foi nem uma coisa, nem outra. E você tem outros exemplos também.

Carlos Alberto Sardenberg: E foi ministro duas vezes. Mudando um pouco de assunto, uma última pergunta deste bloco. É... interessante aqui, e muda de assunto [escolhendo as fichas onde estão anotadas as perguntas dos telespectadores]. O Moacir Taquara é do Rio Grande do Sul, estudante, ele pergunta o seguinte: “Essa lei que o senhor patrocinou aí, do cigarro, que coloca aquelas fotografias horríveis na embalagem de cigarro...”, ele pergunta se o senhor pensa em fazer aquilo também nas garrafas de bebidas alcoólicas.

José Serra: Olha, é uma idéia para ser desenvolvida. Agora, toda vez que você faz alguma coisa...

Carlos Alberto Sardenberg: Botar a foto de um bêbado ali no...? [Risos]

José Serra: Veja bem, toda vez que você faz alguma coisa alguém pode perguntar: “Por que não fez antes?”, não é? Tem que ter um começo. Segundo, a mesma coisa com relação a produtos. Eu vou dar um outro exemplo para ele do que nós fizemos que tem sido menos comentado: é a obrigatoriedade de que, nos alimentos embalados, figure a composição nutricional, calorias, isso e aquilo. E, ao lado, qual é o recomendável por dia, para que a pessoa saiba a qualidade daquilo que está comendo. Isso é uma informação. Então, eu acho que, para bebida alcoólica, pode também se pensar adiante que tipo de coisa fazer, está certo? Diferente da que houve... Se você pegar uma salsicha de porco embalada, quer dizer, o que você está dando aí é a composição, você não está dando a alguém que ficou doente porque comeu salsicha de porco, entendeu? Pareceria um pouco exagerado.

Carlos Alberto Sardenberg: Está certo.

José Serra: Quer dizer, aí você tem que olhar em cada caso.

Carlos Alberto Sardenberg: Está bom. Senador, nossos colegas, nós vamos fazer um intervalo. Voltamos daqui a pouco entrevistando o senador José Serra do PSDB de São Paulo.

[intervalo]

Carlos Alberto Sardenberg: Estamos de volta como Roda Viva, entrevistando esta noite ao senador José Serra, do PSDB de São Paulo e pré-candidato do PSDB à Presidência da República. Esta, eu lembro, é a primeira entrevista de uma série que vai trazer aqui ao Roda Viva os principais presidenciáveis. [...] Senador, há aqui um candidato que diz o seguinte - um candidato não, um ouvinte - que diz o seguinte, é Stefani Laurance, de Moema: se o senhor apóia a convocação de Romário para a Copa do Mundo e se o senhor acha que deve se meter nesse assunto? [Risos]

José Serra: Bem, eu não estou me metendo, mas se me perguntam, eu sou torcedor, gosto de futebol e eu opino. Eu convocaria o Romário.

Carlos Alberto Sardenberg: O senhor é palmeirense, não é?

José Serra: Convocaria. Além do mais, se não for convocado vai ficar o tempo inteiro todo mundo dizendo que o Romário devia ser convocado, e eu acho mais econômico convocar e pode também render alguns gols.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Senador.

José Serra: Dizem: “Não, porque o Romário já está com 35 anos”. A gente que tem mais, acha que 35 anos é uma idade que...

[...]: É um moço, bonito! [ao fundo]

José Serra
: ... agüenta qualquer esforço [rindo]. Agora, o Romário, entrando por exemplo no segundo tempo, metade do segundo tempo etc, pode ser um fator bom para nós na Copa. Agora, por outro lado, terminaria toda essa discussão, essa celeuma, entende? Eu acho que seria mais econômico.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Senador, posso voltar à pergunta que encerrou o primeiro bloco?

José Serra: Sim.

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor sabe que eu tenho uma divergência séria com o senhor em relação ao cigarro...

José Serra
: Sei [ao fundo, sem interromper Lins e Silva]

Carlos Eduardo Lins e Silva: ... embora eu nunca tenha fumado na vida. Eu gostaria de saber do senhor o seguinte: o senhor não acha que, no caso do cigarro, houve um atentado contra a liberdade de expressão comercial? E, se o cigarro é um produto legal, por que ele não pode ser anunciado? E a terceira questão: o que nós podemos esperar no futuro, já que o chocolate vicia, como o cigarro vicia - segundo os médicos, e faz mal para a saúde -, a batata frita, a cerveja, o queijo Catupiry [close em Serra rindo]... Se o senhor for presidente, quando que o senhor vai obrigar todos nós a fazer vinte minutos de esteira [risos] ? Não é um pouco demais querer a saúde da população interferindo tanto na vida do cidadão?

José Serra: Mas, olha, o cigarro é a principal causa de morte evitável no Brasil.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Por que o senhor não proibiu o cigarro então, de uma vez?

José Serra: E a propaganda é enganosa.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Mas por que o senhor não proibiu?

José Serra: Porque proibir seria no ponto que... seria dar razão para a oposição como a sua.

Carlos Eduardo Lins e Silva: A propaganda é enganosa, por quê?

José Serra: Porque ela é enganosa, porque ela associa o cigarro à potência sexual...

Carlos Eduardo Lins e Silva: E se não associasse?

José Serra
: ... o cigarro diminui a potência sexual; ela associa o cigarro - vamos chegar lá - à habilidade física, na verdade ela quebra as pessoas; a estética, na verdade ela enfeia... Enfim, a propaganda é totalmente enganosa por parte das empresas. Portanto, ela foi proibida.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Mas a Constituição não assegura a liberdade de expressão, senador?

José Serra: Não, ela assegura, mas ela permite... A medida tanto foi legal que ela foi mantida.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Há dúvidas, mas há duvidas!

José Serra
: Não, mas se há dúvidas vai para a Justiça.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Ela permite que a mensagem publicitária seja, de alguma forma, colocada em determinados horários, que ela seja regulada, mas não extinta.

José Serra
: Mas, veja, aí se alguém acha ilegal vai para a Justiça, porque a Justiça existe para isso. Na minha interpretação, a medida é legal. Se alguém acha que não, eu respeito. Agora, vai para a Justiça. Não se trata de ficar limitando liberdades individuais, porque a pessoa pode chegar e comprar o cigarro. Agora, dar a informação é muito importante. Eu sempre dei como exemplo: imagina em um domingo, um diretor de uma das empresas fabricantes de cigarro, pode ser da Souza Cruz, da Philips Morris etc., na sua casa com o seu filho ou seu neto, e o filho pergunta: “Papai, o que o senhor acha? Eu estou com vontade de começar a fumar, o que o senhor acha?” O que ele vai dizer? Ele vai dizer que não! O próprio dono da empresa, o próprio diretor. Na verdade, o cigarro causa um mal terrível para saúde. Eu mesmo agora tenho uma amiga minha que está morrendo por causa do cigarro, com enfizema pulmonar, tendo uma morte horrível. Então, eu não creio que se trata aqui de invadir a liberdade individual, se trata de eliminar um condicionamento para o consumo do cigarro, para que... até como arma e defesa da juventude! Até porque, veja bem, o vício do cigarro é uma coisa muito forte, é muito difícil largar o cigarro. O Dráuzio Varella me disse que é mais fácil - não que seja recomendável - mas é mais fácil largar a cocaína ou o álcool do que o cigarro. Então, essas medidas, o grosso delas está voltado para aquele que ainda não começou a fumar, que é o jovem, que é o que a indústria quer recrutar, porque aí ela vai ter um consumidor por quarenta, cinqüenta anos. Então, é um dever de política de saúde neste caso.

Dora Kramer
: Senador...

José Serra: Agora, chocolate... claro, se você comer cinqüenta barras de chocolate de uma vez, se você tomar água cinco litros, também você vai ter uma... [Lins e Silva interrompe e torna o final da afirmação incompreensível]

Carlos Eduardo Lins e Silva: Mas vicia o chocolate, o senhor sabe disso.

José Serra: Hein?

Carlos Eduardo Lins e Silva: O senhor sabe que o chocolate vicia.

José Serra
: Não tenho claro isso.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Cientificamente provado.

José Serra
: Eu, por exemplo, tenho paixão por chocolate e nem por isso sou viciado.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Tem certeza?

Dora Kramer
: Tem gente que gosta de remédio também, não é verdade? [Risos]

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Pois é.

[Falam simultaneamente]

Dora Kramer: Tem gente que gosta de remédio também, o que não é o seu caso.

Roberto Müller
: Senador, eu queria falar um pouco da dengue [pausa]. O senhor, ministro da Saúde por quase quatro anos... teria havido esse surto desse tamanho se o governo Fernando Henrique tivesse aportado recursos mais volumosos e há mais tempo?

Dora Kramer
: Müller, eu posso fazer um travessãozinho aí dentro? Pois é, eu tenho curiosidade assim de saber o que aconteceu para a coisa virar dessa dimensão.

José Serra: Olha, posso falar um pouquinho sobre a dengue para a gente se situar? Primeiro: dengue no Brasil nunca foi embora, sempre esteve aí e teve várias situações de epidemia. As últimas de 94, 96, 98, vem desde os anos 80 etc. Segundo, há uma grande dificuldade com a dengue. Quando eu digo isso eu não me eximo da responsabilidade de ter sido ministro da Saúde quatro anos e da dengue não ter acabado. Como ministro da Saúde eu não me eximo dessa responsabilidade. Segundo, não tem vacina para a dengue, não tem. Por exemplo, sei lá... sarampo. Nós eliminamos o sarampo no Brasil, há um ano não tem caso. Deixa eu dar uma batidinha aqui porque [inclinando-se ao lado para bater a mão em alguma superfície]...

Dora Kramer: Não é madeira, não adianta nada.

José Serra
: Hein?

Dora Kramer
: Não é madeira, não adianta nada [sorrindo].

José Serra
: Não importa, mas figuradamente vale, já que não tem madeira perto... Nós eliminamos sarampo, tétano neonatal quase não tem caso, cólera! Cólera, por exemplo, não tem vacina, mas cólera tem umas gotinhas que você pinga na água, na água servida, porque em geral a cólera vem em época de seca no Nordeste, quando piora a qualidade da água. Você tem agentes de saúde. Nós multiplicamos extraordinariamente o número de agentes de saúde, vão nas casas... Mesmo tendo seca no Nordeste, no ano passado, não teve cólera. Agora, dengue não tem nem vacina, nem tem uma terapia como até a malária tem. Uma terapia, que dizer, um tratamento eficaz. Então, é uma doença difícil. Não é da pobreza, ao contrário do que se diz. Barretos, cidade do interior de São Paulo - não sei se você conhece pessoalmente - tem 100% de água, 100% de esgoto, padrão de vida altíssimo e teve dengue no ano passado! Uma epidemia tremenda em Barretos! Ela não está ligada à pobreza e nem... Saneamento tem alguma importância, mas nem tão grande em geral, tem em alguns lugares. Então, é uma doença difícil e que está ligada à vida urbana. Tanto que a dengue está ligada a cidades, não é no campo. O mosquito quer água limpa e em pequenas quantidades. E exige uma ação capilar, local. E exige também uma mudança de hábito das pessoas. Fazendo um paralelo - claro que a aids é muito mais grave - mas a aids tem a ver com o comportamento íntimo, individual de cada um; e a dengue com a questão familiar, de quintais, terraços etc. E a ação do poder público é uma ação local. É uma ação local e educacional, no sentido de explicar o que fazer etc... [sendo interrompido]

Dora Kramer
: Por que o senhor fez um acordo com a prefeitura do Rio há um tempo atrás, então, para demitir...

José Serra: Como?

Dora Kramer: Por que o senhor fez um acordo com a prefeitura do Rio, há um tempo atrás, para demitir os mata-mosquitos?

José Serra: Não foi acordo com a prefeitura, não. Nós chegamos lá. Agora, em matéria de recursos, desde que eu entrei no Ministério, se você tomar, por exemplo, 96 como referência, nós triplicamos em valores nominais o que vai para gastar na [campanha contra a] dengue e o que é transferido para estados e municípios aumentamos sete vezes, porque a ação é local, municipal, e é coordenada pelos governos estaduais com apoio do governo federal para recursos, orientação etc. Eu fiz nove cadeias nacionais com relação à dengue, duas no ano passado, agüentando as críticas de muitos setores da imprensa e da oposição de que estava usando isto para me promover, quando na verdade nos estávamos fazendo alerta sobre a gravidade do assunto. Fizemos o seminário internacional para trocar experiências, para ver onde é que havia métodos mais eficazes, viagens para ver coisa de vacinas ou expediente para liquidar o mosquito etc. e etc.

Rodolfo Fernandes: Então o que deu errado, ministro?

José Serra
: Então, foi feito um esforço grande.

Rodolfo Fernandes: E onde está o erro, onde está a cadeia que falhou aí?

José Serra
: [sobrepondo a pergunta de Fernandes] Se não tivesse feito esse esforço provavelmente estaríamos numa situação muito pior. Agora, no caso particular do Rio de Janeiro, era o único estado do Brasil onde os agentes de combate à dengue eram contratados pelo governo federal e renovados por medida provisória a cada mês. No entanto, houve epidemia em 96 e houve em 98 com eles lá. Então, em um certo momento nós dissemos: “Não, isso não vai ser renovado e nós damos uns recursos para as contratações”. No ano seguinte e no outro ano, mesmo eles não estando lá, a dengue caiu. Não há uma relação de causa e efeito nesse caso, como uma coisa simples, está certo? Então, na verdade é um problema muito complexo, muito complicado. Nós gastamos muito, fizemos um empenho enorme e, no entanto, aconteceu o que está acontecendo, principalmente, até agora, no caso no Rio de Janeiro, que é onde os casos maiores se verificaram neste ano. No ano passado, por exemplo, foi no Acre e no Ceará. Você vê que a dengue não escolhe cor partidária, não é? E, em cada época, sempre tem um estado que é mais ou menos o centro do assunto. E eu acredito que, a médio e longo prazo, com a multiplicação dos agentes de saúde, do programa de Saúde da Família, é que nós vamos ter a grande arma, porque o agente de saúde percorre cada casa. Nós já temos 150 mil no Brasil, 153 mil, que o governo federal paga mas são contratados pelos municípios. Esse número vai multiplicar ainda, vai aumentar mais uns cem mil. Equipes de Saúde da Família, hoje, nós já temos 15 mil, 14 mil. Vai chegar a vinte até o fim do ano e, se Deus quiser, quarenta nos próximos anos. Então, você vai ter praticamente todas as famílias vinculadas a ações de saúde. Isto vai ser muito eficaz do ponto de vista de eliminação de criadouros, de focos etc. Estamos investindo uma enormidade em saneamento - o Ministério da Saúde, que nunca tinha feito isso, nunca se investiu tanto. Então, onde a dengue pega por saneamento, que não é em todo o lugar, vai ter. Então, a médio e longo prazo nós ganhamos essa batalha. Agora, a curto prazo tem aí esse problema e está se trabalhando bastante. Inclusive, o Ministério está atuando com muita eficácia nisso.

Roberto Müller: O senhor aceitaria a oferta de ajuda do Fidel Castro para o combate à dengue?

José Serra: Claro, se tiver alguma boa dica... Ele está com dengue também, em Cuba. Tem oitenta milhões de pessoas no mundo, inclusive nas Américas, no sul dos Estados Unidos, em Cuba e em todo o canto, não é?

[...]: Senador...

José Serra: Você sabe que eu aprendi com o secretário-geral da Opas, Organização Panamericana da Saúde, ele me disse que a dengue estava eliminada nas Américas, praticamente, nos anos 60. E os Estados Unidos e mais um outro país se recusaram a fazer a erradicação definitiva. E aí ela voltou, porque... Como que ela volta? Não é o mosquito que é o vírus, o vírus não é o mosquito, o mosquito pica alguém que tem a dengue e aí pica outra pessoa e passa a doença, não é? Então, se tiver uma pessoa infectada e tiver mosquito, ela pode se multiplicar em progressão geométrica. Isso é o que torna também infernal o combate a essa doença. Agora, aqui nós temos que trabalhar, não adianta jogo de empurra de responsabilidade - seria fácil até demonstrar -, mas o importante é juntar esforços, ao invés de usar energia para bater boca, usar energia para combater o mosquito, exceto quando, evidentemente, vêm alguns que deviam ser responsáveis e que não estão fazendo nada e, ainda, acusar os outros que estão trabalhado de terem responsabilidade. Aí é outra história. Mas eu acho que a gente tem que se concentrar nesse esforço.

Fernando de Barros e Silva
: A quem o senhor está se referindo quando o senhor fala isso? Porque a situação é alarmante, mesmo, neste ano: são quarenta mortos. É um número que está batendo recorde.

José Serra: É, não é pouco aqui no Brasil, não é?

Fernando de Barros e Silva: Enfim.

José Serra: Mas acaba se alastrando... 

Fernando de Barros e Silva
: Mas não é só no Rio de Janeiro também, não é, senador?

José Serra: Não, mas a gravidade maior é no Rio.

Fernando de Barros e Silva: A gravidade maior, sem dúvida, é no Rio. E o senhor está se referindo ao Garotinho, especificamente, quando o senhor fala isso?

José Serra: Em um certo momento ele fez isso, agora não está fazendo mais. Até o secretário lá está ajudando, que é o que eu quero, entendeu? O importante é somar esforços. Depois que passar, aí a gente debate. Para não gastar energia nisso agora, porque agora precisa somar esforços.

Sandro Vaia
: Senador, mudando um pouco de assunto, dado que o senhor é candidato a presidente da República e dado que o senhor disse que está louco para debater as idéias...

José Serra: É verdade.

Sandro Vaia
: ... os programas, enfim, aquilo que o senhor propõe, eu começaria perguntando duas coisas: primeiro, esse nome Plano de Metas tem uma evocação da era Juscelino?

José Serra: Juscelino.

Sandro Vaia: É uma homenagem? É uma referência...?

José Serra: Até certo ponto.

Sandro Vaia: É uma citação?

José Serra
: Até certo ponto. Porque quando eu digo metas, são roteiros de trabalho, entendeu? Eu já tenho experiência bastante, até como profissional de economia, em coisa de planos, em que você monta equações etc. e tal e que tem pouco a ver com a realidade. Meta é uma orientação, é uma pauta de trabalho e eu acho que, na época de Juscelino, foi desse tipo. Mas tem uma diferença: é que as metas do Juscelino eram eminentemente físicas, de obras, e no nosso caso vai incluir área social, economia e obras.

Sandro Vaia
: Agora, então...

José Serra: Está certo? Então, veja: você hoje falar no Brasil de uma meta importantíssima... Eu estou convencido, Sandro, de que a mortalidade infantil hoje é mais baixa da que os números que estão mostrando e já vêm coisas do censo, outras análises etc. Eu acredito... veja, eu acredito, eu não tenho certeza, os números só que vão dar certeza, porque nós estamos já abaixo de trinta [a mortalidade infantil é calculada pelo número de óbitos em até um ano por mil crianças nascidas vivas]. Uma meta fundamental para os próximos anos é reduzir para vinte, você entende? E isso exigirá um grande esforço do país, mas... [sendo interrompido]
 
Sandro Vaia
: O senhor pretende criar tipo como aquele que o Juscelino tinha, grupos executivos que funcionavam mais ou menos à margem da burocracia?

José Serra: Não, não necessariamente. Por exemplo, no caso da saúde, você não precisa, é outra realidade, porque você tem um sistema SUS [Sistema Único de Saúde], junta estados, municípios, isso e aquilo. Eu não creio que hoje... Hoje o Estado brasileiro é mais preparado do que na época do Juscelino para perseguir metas, está certo?

Sandro Vaia: Nós conhecemos mais ou menos a sua orientação, digamos, administrativa, ideológica. O senhor é tido como um desenvolvimentista, teve algumas polêmicas com os ortodoxos que estão atualmente no governo, com o ministro Malan e tal, e eu queria saber a sua posição com relação a coisas fundamentais da economia brasileira. Por exemplo, o senhor é a favor da manutenção que o Armínio Fraga prega? Quer dizer, quem quiser tirar a meta de 3,5% de superávit primário vai levar o país à bancarrota... Outra coisa, o Eduardo Gianetti da Fonseca deu uma entrevista para o Estado [Estado de S. Paulo] nesse domingo, não sei se o senhor chegou a ler...

José Serra: Não, não vi.

Sandro Vaia: ... quando ele disse que duas grandes vertentes de desperdício de dinheiro público é de 40% do PIB está destinado... Ele falou que foram criados, nos últimos anos, 1250 municípios, o que é um absurdo, [ele] acha que isso é uma concentração de renda absurda. E também a questão da aposentadoria do servidor público, que não foi resolvida. O senhor atacaria essas coisas... vitais?

José Serra
: Olha, se você pegar a minha experiência de vida pública, eu sempre fui um ardoroso defensor da austeridade fiscal. Quando eu cheguei ao Congresso em 87, fiz um discurso uma vez na tribuna falando da importância de combater o déficit público. Todo o pessoal da esquerda - porque era a minha origem - disse: “Mas por que você está falando de déficit público, você perdeu o juízo etc. e tal?”. Hoje, aliás, o Brasil mudou, porque o Congresso votou uma lei de responsabilidade fiscal, não é? Então, essa sempre foi minha marca de atuação na vida pública: equilíbrio fiscal. O que é equilíbrio fiscal? É não deixar ter déficit para não voltar a inflação... para você ter um controle dos acontecimentos, está certo? Então, essa é uma questão fundamental e esta é algo, é uma coisa importante do esforço feito pelo governo do presidente Fernando Henrique e por sua equipe, e pela área econômica do governo. Com relação a isto, eu não só estou de acordo como eu fui um dos que, de alguma maneira, protagonizou isso entre muitos outros [outras pessoal]. Nem fui o mais importante, mas fui um dos. Ao mesmo tempo, eu lembro... Até a lei de responsabilidade fiscal está prevista em um artigo da Constituição, porque eu próprio introduzi na época que eu era deputado, porque eu fui o relator do capítulo orçamentário etc. que, aliás, é um bom capítulo nessa matéria. Por exemplo, não permite emendas orçamentárias do Congresso sem que haja recursos, contrapartida etc. e tal. Então, esse é um ponto fundamental. Você falou de uma coisa... Eu não vi a entrevista do Gianetti, eu estava com gravações no domingo e eu não consegui ler os jornais. Essa questão dos municípios é vital, da multiplicação, porque de repente estabeleceu o milagre da multiplicação dos municípios. Na Constituinte – isto está lá, registrado - eu batalhei contra essa... Não é que não seja importante uma vez ou outra criar município, mas não criar um processo assim que, de repente, você vai multiplicando, os recursos são os mesmos... O bolo é o mesmo: se você multiplica o número de municípios, você multiplica o número de Câmaras de vereadores, o número de prefeitos, o número disso, o número daquilo...

Sandro Vaia: Secretários...

José Serra: Quer dizer, a população perde serviços.

Carlos Eduardo Lins e Silva: E criar estado, o senhor é contra também?

José Serra: Inclusive a restrição que foi feita, eu fui um dos participantes. Foi feita a restrição no governo Fernando Henrique e eu fui um dos que mais se empenhou dentro do governo para que brecasse esse processo.

Sandro Vaia: E a questão da aposentadoria pública?

José Serra
: Eu acho que a questão pública tem que ser revista no seu conjunto. E não foi, até agora. Nós vamos ter que voltar a esse tema.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Senador, eu ouvi uma ardorosa defesa da criação de estados da boca do ministro Pimenta da Veiga, que talvez seja o coordenador do seu programa.

José Serra: Não do programa...

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Da sua campanha – perdão -, da sua campanha. O senhor é contra a criação de estados?

José Serra: Não, depende. Veja, estados e municípios são duas coisas diferentes.

Carlos Eduardo Lins e Silva: Eu sei, por isso que eu pergunto.

José Serra: Municípios você tem 5500, estados você tem 27. Eu acho que tem que ter critérios bastante rigorosos nisso, inclusive quanto a questões de representação política e tudo mais. Aí depende, é caso a caso.

Dora Kramer: Senador, explica uma coisa para mim, que faz parte de um slogan, uma das suas idéias centrais lançadas até agora. Uma foi aquela de que o perigo, de que há perigo tanto no radicalismo quanto no populismo. E a outra foi a continuidade sem continuísmo. Continuidade eu entendi, até porque respondendo ao Sandro agora, o senhor citou várias, vários pontos de...

José Serra
: Elementos de continuidade.

Dora Kramer
: ... que representariam uma continuidade. O continuísmo é que eu não entendi aqui. No meu entender, ele tem uma certa conotação de negação, quer dizer, continuidade sem continuísmo, portanto, o continuísmo é o que eu não vou fazer. O que é? Está vago. Eu queria que o senhor descesse do conceito de continuísmo e me explicasse. O que representa o continuísmo?

José Serra
: É o seguinte: na nossa perspectiva, o Brasil está em um rumo. O rumo é certo. Agora, tem coisas erradas e tem coisas que não foram feitas que você tem que fazer. Eu vou te dar um exemplo, mais fácil até: energia elétrica. Houve erro no caso da condução do problema da energia elétrica e você vai ter que definir um novo modelo que está apenas se esboçando. Claro que a falta da energia elétrica que houve esteve relacionada com o clima, mas a gente sabe que não foi só isso, embora o clima tenha tido um peso grande. Segundo, por exemplo, a questão tributária, que se falou tanto de reforma e tal e acabou não se fazendo. Terceiro, a questão de desenvolvimento. Eu acho que você tem que ter políticas mais deliberadas com o crescimento econômico.

Dora Kramer: A reforma tributária não se fez por que o governo não se empenhou?

José Serra: Eu acho que do ângulo do governo, qual foi o equívoco, na minha opinião? Ouvir demais! Porque você tem: empresário quer pagar menos imposto; deputado quer mais dinheiro para município; associação comercial é contra o imposto de vendas a varejo; industriais são contra o imposto aos produtos industrializados ou ao ICMS; a área social não quer perder o dinheiro dos impostos acumulativos. Então, de repente, a resultante é zero.

Dora Kramer:
Ué, como que faz? Por MP [Medida Provisória] não dá.

José Serra
: Eu acho que agora você tem que definir uma proposta, não ouvir mais, isso não é anti-democrático. Definir uma proposta, batalhar por ela no Congresso e batalhar pela aprovação, já com uma linha definida.

Dora Kramer: E que mais dos erros que o senhor falou? Bom, reforma tributária, energia...

José Serra
: Não, não o que não foi feito, eu estou misturando...

Dora Kramer: Exato.

José Serra
: Por exemplo, uma política mais deliberada de crescimento econômico, mais ativa no que se refere a exportações, inclusive. Porque a chave para o Brasil crescer é aliviar a necessidade de financiamento externo. Isso supõe exportar mais, supõe você produzir coisas que hoje você importa... De uma maneira competitiva, inclusive, vendendo lá fora etc. E isso você tem que perseguir como política. E o governo criaria... [sendo interrompido]

Rodolfo Fernandes
: Isso o Delfim já fez, ministro. Qual a diferença?

José Serra: Hein?

Rodolfo Fernandes
: Isso o Delfim já fez. Qual a diferença hoje?

José Serra
: O Delfim foi ministro da Fazenda... Vamos pegar a época de Ministério da Fazenda, porque depois ele foi do [Ministério do] Planejamento numa época de crise, de superinflação. Até 1974, o Brasil era outro. Não foi só o Delfim, o Campos também fez, o Roberto Campos [(1917-2001) economista defensor do liberalismo econômico] , não é? Era outro período, outro momento da vida brasileira. Inclusive, lá, naquela época, a economia era mais fechada para o mundo, o Estado era mais intervencionista, e isso mudou. Mas eu não sou favorável a voltar o Estado produtor com era, mas eu sou a favor do Estado ativo, eu sou a favor do ativismo governamental...

Fernando de Barros e Silva
: O senhor está fazendo uma... [ao fundo, sem interromper Serra]

José Serra: ... que é, digamos, substituir o Estado produtor pelo Estado da pasmaceira, inerte... [que], como muitos apregoam, não é compatível com as minhas idéias. Eu acho que nós temos que ter um Estado ativo, como fizemos em muitas áreas...

Roberto Müller: Subsidiador ou não?

José Serra: ... inclusive na questão da saúde.

Fernando de Barros e Silva: Senador, eu não vou querer fazer...

José Serra: Não entendi.

Roberto Müller: Subsidiador? O estado ativo subsidiando alguma coisa?

José Serra
: Não necessariamente, está certo? Ou, se você subsidiar, que você tenha o recurso no orçamento. Eu vou lhe dar um exemplo: nós fizemos - a imprensa apelidou assim [rindo] - Proer [Programa de recuperação financeira para instituições bancárias. Implementado no governo FHC] das Santas Casas, para dar financiamento às Santas Casas que estavam em má situação. Boas Santas Casas trabalhando para o SUS. Nós criamos uma linha de juro subsidiado, não negativo, metade do menor juro do Brasil, que era o do BNDES. Isso custou cem milhões de reais, subsidiar. E nós pegamos - o presidente Fernando Henrique determinou, o BNDES concordou - cem bilhões de reais dos lucros do BNDES foram para subsidiar esses juros. Não tem nada de errado, eu não estou gerando um desequilíbrio fiscal se eu tenho a fonte. É um problema de você definir aquilo que é importante e fazer. Então, na minha concepção, isso eu acho importante. Eu realmente gostaria... não é uma questão evidentemente de um programa de televisão, apenas num certo momento, como um debate. O Estado produtor deve ser substituído pelo Estado ativo; o Estado interventor, pelo Estado regulador, porque também tem que regular. Ninguém vai imaginar que o mercado vai produzir a melhor situação no caso da saúde, a melhor situação...

Fernando de Barros e Silva
: Mas senador, o senhor está marcando uma diferença em relação ao governo Fernando Henrique, ao modo de conduzir as coisas... Porque parece que o governo Fernando Henrique, a sensação que se tem é que governou muito a favor da maré, da maré internacional. Inclusive parte do sucesso dele não se deve só ao charme pessoal que ele tem, mas por essa razão estrutural, digamos assim, do governo dele.

José Serra
: Não, e uma política externa...

Fernando de Barros e Silva: O senhor está pregando uma guinada política pública mais atuante, e eu queria saber isso do senhor, essa questão geral; saber em relação à autonomia do Banco Central, se o senhor é a favor ou não; e quem seria o seu ministro da Fazenda ideal? Fora o senhor, evidentemente... [risos]

Dora Kramer
: Mais o da Saúde também, não é, Fernando?

José Serra: Você não vai imaginar que eu seria presidente e ministro da Fazenda ao mesmo tempo [rindo]!

Fernando de Barros e Silva: Muita gente está imaginando isso, senador [risos].

[Falam simultaneamente]

José Serra
: Deixa eu responder o Fernando [dirigindo-se a um dos entrevistadores]. Você fez três perguntas, qual era a primeira?

Fernando de Barros e Silva
: Eu fiz a questão, primeira, da mudança em relação ao estilo e prioridades do Fernando Henrique.

José Serra: Veja bem, mais ou menos um ponto: o Fernando Henrique, em matéria de política externa, não foi só charme, embora ele tenha. Foi uma política de diplomacia ativa; ao meu ver, positiva. Hoje a gente vê, você vai a uma reunião internacional e você vê o peso do Brasil, não é? Peso, na minha opinião, tem que ser exercido com muita determinação nos próximos anos. Você mesmo acompanhou, nós exercemos isso, até por meu intermédio, no caso, no assunto das patentes de medicamentos. Pela primeira vez na história uma organização mundial de países - a Organização Mundial do Comércio - declarou que os interesses das pessoas que precisam de medicamentos se sobrepõem às patentes que os laboratórios detêm e que elevam preços etc. Foi uma pulsão brasileira e nós ganhamos lá dentro. Então, nós vamos ter que multiplicar essas ações. Agora, o governo Fernando Henrique nasceu a partir de um programa de estabilização, de uma reforma do Estado, de retirar o Estado produtor... que já vinha do governo Itamar. Boa parte das privatizações que se fizeram já vinham do governo Itamar também. Agora, nós temos uma nova etapa. A casa está mais ou menos arrumada, a estabilidade, não é que a inflação acabou mas a inflação sob controle, hoje, reflete uma coisa tão forte que o dólar mais do que duplicou de valor e a inflação não acompanhou! No passado, isso teria gerado uma hiperinflação, como [...] ia fazer na Argentina. Então, agora é uma nova etapa, que o Brasil pode aproveitar ou pode não aproveitar, está certo? Na minha opinião, na sensibilidade, a minha experiência - além da vontade, evidentemente - mostram que nós podemos ter, nesta década, um período tão brilhante quando tivemos nos anos 50 e 60, que a minha geração, de quando eu era criança, entrava na adolescência até o golpe de 64 com o exílio,  no meu caso... Viveu-se um período - não imediatamente antes de 64 - mas viveu-se um período muito importante que mudou o Brasil. Na minha opinião, nós temos as pré-condições para isso. Se não forem aproveitadas, ah, vai ser um grande desperdiço!

[...]: Senador...

José Serra: Isso não tenha dúvida! E eu disse que o risco porque habitualmente se associa isso ao esquerdismo e eu disse: “Não, não!”. O De La Rua [Fernando De La Rua, ex-presidente da Argentina. Renunciou após grave crise econômica e protestos populares] não tinha nada a ver com esquerdismo da Argentina, tinha a ver sim com a inépcia, com a incompetência, com todo o respeito que ele merece como pessoa.

Dora Kramer: O Banco Central, Sardenberg, pelo amor de Deus. Ele perguntou...

Carlos Alberto Sardenberg: Dora, por favor. Senador, o senhor ficou devendo ao Fernando, o presidente do Banco Central e o ministro da Fazenda...

José Serra
: É, eu ia falar agora só que você... [sendo interrompido]

Carlos Alberto Sardenberger: Não, não, só que o senhor vai ter um tempinho para pensar. O senhor vai ter um tempinho para pensar nos seus escolhidos [rindo], mas nós vamos fazer...

José Serra: Eu não precisaria, no caso, mas eu aceito [risos].

Carlos Alberto Sardenberg: ... um intervalo, mas antes eu queria dizer que nós respondemos aqui a vários ouvintes que levantaram a questão da dengue. Inclusive, respondemos aqui uma bronca do Álvaro Melo, do Rio de Janeiro, que dizia que enquanto a imprensa fica nesta briguinha infantil entre o PSDB e PFL, esquece de discutir assuntos importantes como a dengue. Nós saímos da briguinha infantil e discutimos a dengue também. Agora, nós vamos fazer um intervalo. O Roda Viva está entrevistando o senador do PSDB de São Paulo, José Serra, candidato do PSDB à Presidência da República. Nós fazemos um intervalo e voltamos em instantes.

[intervalo]

Carlos Alberto Sardenberg
: Estamos de volta com o Roda Viva, hoje entrevistando o senador José Serra, do PSDB de São Paulo. Esta é a primeira de uma série de entrevistas que trará aqui, ao Roda Viva, os principais candidatos à Presidência da República. Senador, é o último bloco e o senhor ficou devendo então duas indicações. Caso eleito presidente da República, o senhor vai ter como presidente do Banco Central...?

José Serra: Não, o Fernando perguntou outra coisa.

Fernando de Barros e Silva: É, mas a questão é mais do que a indicação, é a questão da autonomia do Banco Central que é uma discussão...

José Serra: Da autonomia! E o Sandro também tinha perguntado uma coisa importante. Primeiro, superávit primário, quer dizer, diferença entre receita e despesa, exclusivo juros. Eu acho fundamental manter essas metas. A economia crescendo, isso não é problema, porque, digamos, o custo do ponto de vista social já foi assumido no primeiro ano. Uma vez isso ao longo do tempo já não é aquele custo que foi inicialmente. Isso tem que ser mantido em nome da estabilidade, da solvência do país. Não é que não seria bom, de outro ponto de vista...

Sandro Vaia
: A tentação de gastar-se o dinheiro com outra... [ao fundo]

José Serra: ... mas você tem que ter, senão... é o caso da Argentina. Na Argentina, como não adotaram medidas que nem sempre agradaram, mas que se fizeram necessárias, acabou dando no que deu. Segundo, inflação. Nós temos que continuar a batalha para levar a inflação à convergência como é no mundo hoje, que é mais ou menos uns 2,5% etc., ao ano. A questão de autonomia do Banco Central. Eu sou a favor de um Banco Central independente, que tome as decisões. Aliás, nunca um governo deu tanta força para o Banco Central quanto o do Fernando Henrique. Eu tenho um problema só com o assunto, é que teria que ver a forma de equacionar, que é o mandato irremovível. Está certo? Porque não há obrigatoriamente uma única receita para determinadas situações. Aliás, a política cambial do Brasil mostrou, no passado... A própria Argentina. Você tem situações que pode fazer A ou B ou C, não é? Eu ter estudado economia e ter sido professor, pelo menos serve para entender melhor essas possibilidades. Então, de repente, você não pode ter alguém que seja irremovível, como se fosse um quarto poder, mas você tem que dar mais condições de autonomia e de independência para o trabalho.

Rodolfo Fernandes
: Então não é independência, é relativa autonomia.

José Serra
: Não, aí depende do que você quiser, como você define. Porque se você puser uma pessoa no meio e vira uma espécie de juiz do Supremo Tribunal, você está criando um outro poder, só que o Judiciário é o terceiro poder. Está certo?

Rodolfo Fernandes: Como é nos Estados Unidos o Alan Greenspan [foi presidente do Federal Reserve, o Banco Centra estadunidense de 1987 a 2006].

José Serra: Mais ou menos, porque os Estados Unidos são outro sistema, certo?

Carlos Alberto Sardenberger
: Agora, senador o...

José Serra
: Inclusive, lá tem um Congresso que realmente tem peso nisso e eu, honestamente, não vejo que o Congresso possa ser um condutor da política monetária no Brasil.

Carlos Alberto Sardenberg
: Senador, o atual presidente do Banco Central, Armínio Fraga, disse que toparia ficar se fosse votada essa legislação sobre autonomia nacional.

José Serra: Mas não tem ainda a legislação.

Carlos Alberto Sardenberg: Se fosse votada.

José Serra
: Tem uma emenda minha, de minha autoria, na Constituição, que é o que vai permitir votar, fazer uma lei do sistema financeiro.

Carlos Alberto Sardenberg: Exatamente! É o projeto lá, aquele artigo lá etc. E a pergunta é a seguinte: o senhor manteria Armínio Fraga presidente do Banco Central?

José Serra
: Olha, eu acho ele um excelente presidente do Banco Central, me dou bem com ele... Enfim, eu acho que vem conduzindo bem. Você, como jornalista econômico também, além das outras incursões que faz, acompanhou bem todo aquele período. Agora, antes de ganhar a eleição já ficar escolhendo gente eu acho um pouco pretensioso [risos].

[Falam simultaneamente]


Dora Kramer
: Mas então vamos falar de concepção, não precisamos falar de nomes. O PT vive dizendo e insinuando que o senhor estaria em qualquer governo dele. Eu lhe pergunto: a recíproca é verdadeira? O senhor integraria o PT ao seu governo?

José Serra
: Mas olha aí, está vendo?

Dora Kramer
: Eu não estou perguntando de quem, estou falando do partido.

José Serra: Eu nem ganhei a eleição! Estamos a sete meses da eleição, nem sei quem vai ser o adversário... [sendo interrompido]

Dora Kramer: Está ótimo, então vamos raciocinar sobre hipóteses. Então vamos raciocinar sobre hipóteses.

José Serra
: Mas aí é muita oração subordinada: “se, se, se, se” [risos, Serra e Kramer mantêm-se sérios]. Isso acaba tendo outras implicações.

Dora Kramer
: Não, eu não fiz “se”. Eu perguntei: “O senhor integraria alguém do governo... alguém do PT no seu governo?”.

José Serra
: Nós vamos ter um programa de governo, vai ser feito isto, isto e aquilo; as forças que apoiarem isso poderão se integrar.

Dora Kramer: Quer dizer, não é excludente?

José Serra
: Não.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Senador, o senhor disse que quer exportar mais, que o Brasil precisa exportar mais. A questão é: exportar o quê? O Brasil não ficou, nesses últimos anos, muito dependente em comodities, exportando muito pouco de produtos de valor agregado? Em 1992, o Brasil gastou duzentos milhões de dólares em licenciamento e patentes do exterior; no ano passado, 3,5 bilhões. O Brasil não tem uma política de inovação tecnológica realmente agressiva, como, por exemplo, a Coréia do Sul e outros países. O que o senhor faria, o que o senhor fará se eleito para que o Brasil possa exportar produto de mais valor agregado? Qual é a sua política para a inovação tecnológica?

José Serra: A questão de pesquisa cientifica e tecnológica pode dar um grande salto, inclusive pelas medidas do último ano. Foram criados muitos fundos e foi definida uma boa política. O Sardenberg trabalhou bem nisso, é uma coisa que terá que ser materializada ou não nos próximos anos.

Carlos Alberto Sardenberg
: Sardenberg é o ministro...

Dora Kramer
: Ronaldo [Ronaldo Sardenberg, diplomata, representante permanente do Brasil nas Nações Unidas. Foi ministro de ciência e Tecnologia no governo Fernando Henrique Cardoso].

Carlos Alberto Sardenberg
: Ronaldo Sardenberg [risos].

José Serra
: É, não é o... Ele não é seu primo [rindo]?

Carlos Alberto Sardenberg: É o ministro Ronaldo Sardenberg [rindo]. Por favor, senador.

José Serra: Ele não é seu parente [dirigindo-se a Sardenberg]?

Carlos Alberto Sardenberg: É parente sim.

José Serra: É o Ronaldo Sardenberg, não é o... [rindo, sendo interrompido]

Ramiro Alves: Teria feito muito bem também se fosse o nosso Sardenberg [risos].

José Serra: Então, o Brasil vai avançar nessa direção a partir das bases que já foram fixadas no governo Fernando Henrique agora, recentemente.

Carlos Eduardo Lins e Silva
: Mas por que demorou tanto? Foram oito anos de governo.

José Serra: No Brasil, toda vez que você faz uma coisa, Carlos Eduardo, você pode dizer “porque não fez antes”, mas o importante é que foi feito agora, tem a base para isso. Segundo, o Brasil hoje tem uma participação no comércio mundial muito pequena. Se o Brasil detivesse 10% do comércio mundial, crescer seria muito difícil. Mas está perto de 1%! Então, tem uma chance para crescer... Terceiro, além de que tem que... Por exemplo: automóveis. A capacidade hoje para exportar é maior, nós devíamos multiplicar acordos de livre comércio pelo mundo afora. Aí é uma outra discussão, do porquê não faz etc. Mas dará para fazer. Quarto, tem que exportar também matéria... alimentos, produtos mais naturais, sim. Eu vou te dar um exemplo: Mato Grosso, que virou um grande exportador. Imagina que exporta 1.400 dólares por habitante hoje - realmente é o estado per capita que mais exporta no Brasil. Se você terminar uma rodovia Cuiabá-Santarém, você reduz 20% do custo da soja que você exporta. Está certo? Tem muita coisa para fazer. Não há, assim, uma forma, dizer: “Não, vamos resolver o problema do comércio exterior com isto”. A maioria dos países que explodiram em comércio exterior não ficaram concentrados nesse ou naquele produto, sem preconceitos, tem que multiplicar por todas as áreas. Os incentivos fiscais - inclusive, para as regiões menos desenvolvidas que, na minha opinião, devem continuar - têm que se voltar também para a exportação.

Ramiro Alves: Se o senhor for eleito, no seu governo o Brasil e os Estados Unidos vão presidir o Comitê de Negociações da Alca [Área de Livre Comércio das Américas]. Como é que senhor pretende se comportar nessa posição?

José Serra: Defendendo o interesse nacional. O presidente Bush disse para o presidente Fernando Henrique: “Tudo o que eu faço é para defender o interesse dos Estados Unidos”. E o Fernando Henrique disse: “E eu defender o do Brasil”.

Ramiro Alves: E se eles forem conflitantes, como é que o senhor vai fazer?

José Serra
: A Alca pode ser muito boa ou muito ruim para o Brasil. Porque os Estados Unidos são um país protecionista. Protecionista! Eles não se protegem, como outros países, no imposto à importação, na tarifa. Eles se protegem nos procedimentos não-tarifários, não é? Cotas, antidumping, abuso, salva-guardas, tem todo um material... dava para escrever um livro! Eles inovaram muito nessa matéria. Pois bem, vamos sentar na mesa e eles dizem para o Brasil: “Vocês reduzem as tarifas”. Mas as nossas são muito baixas, nós não precisamos reduzir: nós saímos perdendo. Por quê? Porque eles têm que eliminar as restrições extras que eles fazem. Se fizerem isso, a Alca é um bom negócio para o Brasil; se não fizerem, poderá ser um péssimo negócio. Esse será o nosso critério. Péssimo negócio nós não vamos fazer.

Carlos Alberto Sardenberg: Agora, senador, com isso o senhor respondeu as perguntas aqui de vários ouvintes que queriam saber sobre a sua posição sobre a Alca, como o Gasparini, de Belo Horizonte e o Werner, de Indaiatuba, que é empresário. Agora, há outra pergunta aqui também sobre o seguinte: nesse esforço de exportação, o senhor concorda com a tese de que se poderia, por exemplo, elevar a cotação do dólar, quer dizer, desvalorizar o real ainda mais para chegar a uma cotação de três reais e cinqüenta centavos, que é uma tese defendida por pessoas próximas ao PSDB e os tucanos?

José Serra: Não. Não por causa da inflação. Você não pode imaginar que você vai elevar o preço do dólar indefinidamente sem que isso tenha reflexo na inflação. Eu acho que o câmbio, o regime cambial que tem - câmbio flutuante - e na paridade que está, é razoável. Se você pudesse, teoricamente vai, levar para quatro, cinco, claro que você iria exportar loucamente...

Carlos Alberto Sardenberg
: Sem inflação?

José Serra
: ... mas você não consegue, porque vem a inflação e te anula o efeito real disso. Como eu acho que a inflação tem que ser uma preocupação contínua e obsessiva nossa, não daria para fazer isso.

Sandro Vaia
: Senador, o senhor demonstrou um extraordinário timing em senso de oportunidade na pré-convenção do PSDB ao anunciar a criação do Ministério de Segurança Pública. Agora, o senhor acredita realmente que o governo federal tem um papel importante a desempenhar...?

José Serra: Acredito.

Sandro Vaia
: ... numa área que é, constitucionalmente, atribuição dos estados?

José Serra: É, mas eu acho que tem.

Sandro Vaia: O que ele pode fazer?

José Serra
: Tem pelo seguinte: por quê criar um Ministério da Segurança Pública? Não é acabar com Ministério da Justiça, é apenas separar funções. Porque ministro da Justiça é um jurista. Ou não? Esse é o perfil no Brasil, cultural. Não é alguém ligado à segurança. Nos estados, aliás, você tem Secretaria da Justiça, Secretaria da Segurança. Você tem que concentrar esforços. Mesmo no governo Fernando Henrique, nos dois, você já teve seis ministros da Justiça. Você não consegue fazer uma concentração de esforços. Segundo: você tem que ter ações, ao meu ver, mais abrangentes, impactantes com relação ao contrabando de armas, drogas etc.. Isso acaba... Essa é uma função federal, está certo? Hoje você tem sete ou oito mil funcionários... [sendo interrompido]

Sandro Vaia
: A grande preocupação da população é a segurança ali, na sua rua.

José Serra
: Lógico, mas as armas, por exemplo... Contrabando de armas é o que dá instrumento de atuação para a bandidagem, principalmente para a bandidagem mais poderosa, digamos, como... A droga é o elemento que anima tudo isto. Então, você tem que ter uma ação federal mais firme. Inclusive nas fronteiras, porque essas fronteiras ocidentais do Brasil são sempre problemáticas e nós não estamos preparados para enfrentar as conseqüências sobre saúde, sobre segurança, dessa integração. Sem querer tornar ninguém bode expiatório, no ano passado a dengue entrou pelo Acre, vinda da Bolívia. Tinha cidades na Bolívia com 70% da população com dengue, não é? Então, você tem que ter uma ação mais definida. Por isso, Sandro, eu falei também de ampliar os quadros da Policia Federal e ter a Polícia Federal fardada. Como nos estados você tem Polícia Civil e PM, você deve ter no plano federal a Polícia Federal Civil e a Polícia Federal fardada. Aí já nascem juntas, para não ter a confusão de separação...

Sandro Vaia: É a questão da unificação.

José Serra: ... disputas etc. Então, você vai ter que ter isso. Isso é fundamental. Outra coisa que eu defendo também, quer dizer... Entendeu? Não é que o governo federal vai ficar cuidando das coisas que os estados fazem hoje, vai complementar. Ao mesmo tempo, você tem que ter uma ação municipal maior. Outro dia – motivado, aliás, por reportagem da Folha - eu fui à cidade de Vinhedo, que até o prefeito é do PSDB, no interior de São Paulo, numa região muito problemática, que é a região de Campinas. Rica, mas onde a violência cresceu muito. O prefeito entrou na parada com a guarda municipal, criou postos, integrou as polícias, um trabalho de persuasão etc.. Pôs câmeras na cidade... um investimento barato, não gastou muito dinheiro, e a criminalidade diminui muito. É um exemplo de ação. Claro, se você vai numa cidade dez vezes maior é muito mais complicado. Mas tem que ter também uma presença, porque a segurança também envolve as ruas, os bairros, os quarteirões etc. Agora, eu tenho também uma outra convicção: [na] segurança não basta boas idéias nem leis, você precisa fazer aquilo - que já se sabe que é o certo - acontecer. Isso é fundamental! Porque, no Brasil, solução no papel não é complicado: não falta imaginação, preparo etc. Outra coisa é fazer acontecer.

Rodolfo Fernandes: Falta dinheiro; não é, ministro?

José Serra
: Olha, se você for contabilizar o que hoje já se gasta, o que a população gasta... Tem estimativas? Eu não tenho certeza delas, mas a Zulaiê Ribeiro, uma deputada do PSDB, sempre menciona isso, que tem um milhão e meio de pessoas na segurança privada. É mais do que o efetivo de segurança no Brasil. E a gente sabe que a segurança privada não resolve, porque a segurança ou é de todo mundo ou não é de ninguém. Porque você não vai ficar trancado em casa, está certo? Então, eu acho que o elemento custo-benefício tem que ser medido de uma forma mais abrangente no caso.

Fernando de Barros e Silva: O senhor levantou a questão do dinheiro... Criar um Ministério novo não seria só uma maneira de transferir problema, esvaziar o Ministério da Justiça e torná-lo ornamental?

José Serra: Não...

Fernando de Barros e Silva
: O José Carlos Dias, ex-ministro e que é seu amigo...

José Serra: Meu amigo querido.

Fernando de Barros e Silva: ... é contra essa idéia, por exemplo. Disse à Folha etc. Ele acha que esvaziaria, tornaria o Ministério da Justiça um ministério quase ornamental. O senhor vê diferente?

José Serra
: Bom, mas, olha... eu não creio... Veja: o Ministério da Justiça, a área da Justiça, ou tem uma finalidade ou não tem. Eu acho que tem. Ora, claro, virar um ministério menor, mas eu não acho que esse seja um obstáculo para a gente melhorar a segurança no Brasil. Porque eu estou de acordo com o José Carlos - estaria de acordo, eu não... já conversei com ele sobre segurança, mas não sobre essa idéia - é que, criar um Ministério, em si, não resolve nada, está certo? Se você não fizer uma política - por isso que eu terminei dizendo daquele jeito - uma política de fazer as coisas acontecerem... Em última análise, o que a população quer? Quem está preso, condenado, continue preso, e quem é criminoso solto seja preso. A finalidade da segurança é essa [rindo]! Mesmo quando se fala de políticas sociais, claro que a área social tem influência na segurança, só que isso não é área do Ministério da Segurança. Você está tendo criminalidade em um lugar e [diz]: “Ah, vou reduzir a desigualdade social”. Entende? Inclusive, não vai ter efeito a curto prazo. As políticas sociais devem continuar, a Bolsa Escola, tirar a erradicação de trabalho infantil, políticas boas! Agora, você tem que ter ação específica nessa área. Eu vi um artigo do Marcos Sá Correa [jornalista] dizendo que 70% das armas utilizadas por bandidos que entram pelo Paraguai são brasileiras, que são exportadas com isenção de impostos - aí não é porque é arma, todos os países isentam suas exportações de impostos que é para vender mais - e voltam como contrabando. Por isso, inclusive, eu sugeri o seguinte: vamos taxar a exportação de armas para a Bolívia, para o Paraguai em 500%, para não vender para esses países, porque voltam imediatamente. Se você vender para a Turquia, é mais difícil voltar para o Brasil.

Rodolfo Fernandes
: O senhor é contra a venda de armas ou não?

José Serra
: Sou.                       

Carlos Alberto Sardenberg: Outra pergunta nessa mesma área [lendo a pergunta de um telespectador]: “O senhor é a favor da pena de morte para crimes hediondos?”.

José Serra: Não, não, eu sou contra a pena de morte.

Rodolfo Fernandes
: Por que o senhor é contra a arma? [ao fundo]

José Serra: Porque ninguém deixa de fazer um crime, porque acha... Você acha que alguém vai fazer um delito e pensa assim: “Não, por trinta anos de prisão eu faço. Por cinqüenta ou por pena de morte, eu não faço”? Não é assim, está certo? Se a pena de morte resolvesse, onde ela foi implantada o crime teria diminuído; e [de] onde ela foi retirada, o crime teria aumentado. Os estudos nos Estados Unidos mostram que isso não aconteceu. E você conhece bem a literatura de pena de morte. 

Carlos Alberto Sardenberg
: Sandro.

Sandro Vaia: O senhor é a favor da proibição de venda de armas? Parece que a situação é mais ou menos a mesma, de onde tiraram as armas também não diminuiu o crime, porque a arma sozinha não atira... [sendo interrompido]

José Serra
: Olha, o senhor... Veja, são duas coisas diferentes: uma coisa é a da pena de morte e outra coisa é a coisa de venda de armas. Eu estou de acordo que a arma não atira sozinha, mas também ter armas aí... [Vaia interrompe e torna o final da resposta de Serra incompreensível]

Sandro Vaia
: Sim, mas os bandidos vão ter sempre armas, porque eles são bandidos, exatamente. Estão fora da lei e continuarão fora da lei. E o cidadão que está dentro da lei estará privado do direito de ter armas para se defender. 

José Serra
: Mas aí você pode ter casos qualificados [em] que se permitem.

Fernando de Barros e Silva
: Mas e os números de cada dez armas de...

Carlos Alberto Sardenberg: E quanto ao fabricante - um minuto só, Fernando [sobrepondo a fala de Silva] - e quanto ao fabricante de arma?

José Serra: Espera aí, ele ia dar um número. Desculpe.

Fernando de Barros e Silva: Não, de cada dez, três acabam na mão de bandidos, de cada dez armas que estão nas mãos dos cidadãos - armas legais, supostamente legais -... não adianta essa...

Carlos Alberto Sardenberg: E quanto aos...

[...]: Mas as ilegais também vão parar nas mãos dos bandidos!

José Serra: Você quer um exemplo? Vou dar um exemplo pessoal. Quando eu era criança, o meu pai tinha uma arma em casa. Na época eu não sabia dizer... porte de arma.... Eu nunca soube dizer se tinha ou não tinha porte de arma. Nunca usou, evidentemente. E um dia assaltaram a casa e levaram a arma [risos], virou uma arma na mão de bandido. E ele não ia usar, nem sabia sabia pegar direito num revólver.

Dora Kramer: Posso dar uma voltada para a política, Sardenberg?

Carlos Alberto Sardenberg: Um minuto só, Dora Kramer, porque a minha pergunta era sobre... O senhor estava falando de taxar a exportação de armas e a outra pergunta era sobre...

José Serra: Para vizinhos, não é?

Carlos Alberto Sardenberg
: Para vizinho.

José Serra: É o que foi feito com o cigarro.

Carlos Alberto Sardenberg: É, e a outra pergunta é sobre... Bom, e quem fabrica armas no país? Simplesmente fecha e...

José Serra
: Não se quer continua exportando. É um produto para a polícia, a policia precisa de armas. Se quiser exportar para outros países, depende das políticas nacionais, cada país cuida do seu território, da sua casa e decide o que fazer.

Carlos Alberto Sardenberg: Está certo. Dora Kramer?

Dora Kramer: Senador, é o seguinte: eu tenho uma curiosidade, porque um dos carimbos, dos vários carimbos que tem sobre o senhor, é que o senhor é o melhor candidato, mas que não é o melhor para ganhar a eleição. Quer dizer, é o mais bem preparado, mas que não é o melhor candidato.

José Serra
: Ou seja, seria o melhor a ir à Presidência, mas não o melhor a se candidatar.

Dora Kramer: É isso.

[...]
: O senhor não precisa ser eleito, então. Basta chegar à Presidência [risos].

Dora Kramer
: Eu queria saber qual a diferença então... Aconteceu isso na eleição de 96, na prefeitura de São Paulo, onde se ouvia isso à vontade em qualquer lugar e o senhor acabou perdendo para o Pitta, cujas credenciais dispensam apresentação. O senhor não teme que isso pode acontecer de novo, quer dizer, de novo o senhor seja considerado o mais bem preparado e não vá a lugar algum? E qual a diferença entre uma eleição e outra?

José Serra
: É... Veja, perder eleição faz parte da vida, não é? O Covas [Mário Covas] perdeu três vezes e depois foi eleito duas vezes...

[...]: Fernando Henrique perdeu também [Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas são citados como exemplo pois, nas eleições de 1986, devido ao sucesso do Plano Cruzado, eles se tornaram os senadores mais bem votados da história do país, batendo recordes de popularidade como o de Jânio Quadros, em 1960. Fernando Henrique perdeu as eleições para senador em 1978 e para a prefeitura de São Paulo em 1985].

José Serra
: ... [ainda referindo-se a Mário Covas] na prefeitura de Santos [1961], no governo de São Paulo [1983], para presidente [1982], e...

Dora Kramer
: Tá [está bem], mas eu estou perguntando da sua.

José Serra: ... Fernando Henrique etc etc. Então, faz parte. Agora, o fato é o seguinte: nós não vamos governar como candidato, você vai ter que governar como presidente.

Dora Kramer: Sim, mas como o senhor convence as pessoas disso?

José Serra: As pessoas ouvindo vão julgar isso, porque realmente se governar com um bom candidato resolvesse... Na época disseram : “O Pitta tem carisma, o Serra não tem carisma”. Está ótimo! Então, agora alguém acha que o Pitta tinha carisma?

Dora Kramer
: Sim, mas ele foi e ganhou a eleição. Isso é um fato. Então, o senhor tem que ter... tem um negócio aí para resolver, tem um nó para poder ganhar a eleição. Qual é o nó na sua opinião?

José Serra
: O nó é se mostrar, poder debater, estar presente...

Dora Kramer
: O senhor vai nos debates? Todos?

José Serra: ... apresentar propostas... Vou! E uma contrapartida que eu queria... [sendo interrompido]

Ramiro Alves
: Mesmo se o senhor passar à frente, mesmo se o senhor for líder nas pesquisas o senhor vai aos debates?

José Serra: Não tenha dúvida! Eu não queria antecipação da eleição - da campanha - tanto quanto acabou acontecendo. Agora, uma vez acontecendo, você vai ter mais tempo para debater, para fazer etc. Eu também, ao lado de perder, também ganhei eleição. Na eleição do Senado, em 94, eu fui o mais votado do país. Então, isso faz parte do jogo democrático, depende das conjunturas e etc. O que a gente vai fazer é se mostrar, dizer a verdade, o que pensa e o que não pensa com clareza, apresentar as propostas e debater. Por isso, inclusive, eu estou ansioso para que o nível do debate seja em todas as questões substantivas do Brasil e não só o ti-ti-ti, fez aquilo, falou aquilo etc.

Ramiro Alves: Que importância tem a máquina administrativa federal na sua campanha?

José Serra: Nenhuma.

Dora Kramer: Ser candidato do governo não é importante?

José Serra
: Não, a máquina? Ele falou a máquina.

Dora Kramer: Está bom, então eu reformulo: ser candidato do governo não é importante?

José Serra: Ser candidato apoiado pelo Fernando Henrique passa a mensagem que nós vamos manter o país no rumo. E isso é bom.

Roberto Müller: Senador, deixa eu fazer uma pergunta de economia para o senhor.

José Serra
: E as mudanças que nós vamos fazer com relação ao governo Fernando Henrique, nós vamos apresentar. E a população vai julgar.

Roberto Müller: Eu posso fazer uma pergunta de economia? O Sardenberg tinha dito que neste terceiro bloco a gente ia ficar em economia, mas o fascínio das questões políticas e a emergência da questão de segurança é claro que... Mas eu li recentemente uma entrevista que o senhor deu à revista Veja em que o senhor diz o seguinte, até correta a informação aqui da revista [lendo]: “Temos condições de reduzir os juros reais a um nível de 7%. A substituição de importações e o aumento das exportações vão diminuir a dependência do capital estrangeiro e fazer com que possamos baixar os juros, e a inflação pode chegar a 2,5% ao ano”. Isso não é um pouco como a quadratura do círculo [metáfora para um problema insolúvel], não?

José Serra
: Não, porque se fosse a quadratura do círculo nós ficaríamos com a tese “economia é um permanente altar de sacrifícios”. Eu não vejo assim. Eu acho que a economia é uma coisa boa para crescer, para ter mais emprego, para as pessoas consumirem mais. É possível isso? É, claro que é possível. O Brasil foi o país que mais cresceu no mundo entre o final do século passado e o começo dos anos 80. O Brasil cresceu uma enormidade.

Roberto Müller
: Com que taxa de inflação?

José Serra
: Na época, era com inflação, porque era economia com determinadas características. Hoje não dá para ser mais com inflação pela integração, a economia mundial etc. e tal. Mas isso não é incompatível com o crescimento de jeito nenhum. Aliás, o governo Clinton, nos Estados Unidos, teve o maior desempenho - não foi o governo propriamente que fez, mas presidiu esse crescimento - e foi o maior ciclo expansivo do após guerra com inflação declinante. Dá perfeitamente para fazer. Ao contrário, você tendo mais crescimento e sabendo controlar a situação é mais fácil para brecar a inflação. Você tem um aumento de produtividade, você pode melhorar salário sem ser de maneira inflacionária. Nesse ponto de vista eu sou otimista... sempre que você trabalhe bem! Se você não trabalhar bem, realmente podemos chegar a uma situação de incompatibilidade.

Rodolfo Fernandes
: Ministro, como se distribui renda no país? Porque crescer a economia pode voltar a crescer como cresceu neste século, mas cresceu desigualmente. E como se distribui renda dentro do sistema capitalista?

José Serra: Eu acho que é uma pergunta oportuna pelo seguinte: nós crescemos bem e a redistribuição de renda piorou. Ou pelo menos não melhorou. Na época que crescia, piorou ou não melhorou, dependendo do período. Posteriormente... Por quê? Porque nós não tivemos políticas sociais adequadas, políticas que interferem na educação, saúde, política de salário mínimo... Enfim, é um conjunto de políticas sociais.

Rodolfo Fernandes
: O imposto de renda progressivo.

José Serra: Não tivemos. É, enfim, você tem as políticas sociais... isso na época de milagre econômico... antes, na época de Juscelino etc. Nos últimos anos, você teve... Então, você teve bom crescimento do emprego, mas não teve boas políticas sociais. Nos últimos anos, você teve boas políticas sociais: saúde, educação... são positivas, do governo Fernando Henrique, nesse período todo, só que você não teve crescimento econômico mais rápido e, portanto, o emprego ficou para trás. O que você precisa ter para melhorar a distribuição da renda para a justiça [social] é simultaneamente crescimento do emprego com boas políticas sociais; porque, do contrário, você fica correndo atrás do prejuízo.

Rodolfo Fernandes: As políticas compensatórias ou políticas efetivas de distribuição de renda?

José Serra
: Não, as duas coisas. O que é uma política de distribuição de renda? Educação é uma política de distribuição de renda. Compensatória, pensões do Funrural [Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural], seguro desemprego, que é até de minha autoria, é uma política compensatória, é ajudar alguém que ficou numa situação de repente muito vulnerável. Você tem que ter a combinação das duas, a educação é eminentemente positiva porque você prepara as pessoas para trabalharem melhor e ganharem mais desde crianças.

Rodolfo Fernandes
: A minha dúvida é se isso compensa um passivo de um século?

José Serra
: Rodolfo, eu estou seguro que compensa se você conseguir [fazer] a economia crescer 4,5%, 5% ao ano, porque não é mais, hoje o crescimento demográfico é muito menor do que no passado. Com boas políticas sociais você consegue, não tem porque o Brasil ser diferente, não tem porquê. Se boa parte do mundo fez isso, por que nós não podemos fazer?

Rodolfo Fernandes
: A estrutura do imposto de renda no Brasil é justa? O senhor acha justa?

José Serra
: O imposto de renda no Brasil tem um problema: pouca gente paga. Por incrível que pareça, está muito concentrado numa fração da população devido à renda per capita mais ou menos reduzida, está certo? Então, não dá para você esperar uma revolução a partir do imposto de renda, você teria que esfolar os contribuintes do imposto de renda sabe Deus até onde. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, você pode ter uma política do imposto de renda que melhore a distribuição da renda, porque está todo mundo no imposto de renda. Aqui, está a maioria abaixo do mínimo para cobrar. Realmente seria uma crueldade fazer... não vamos esquecer o seguinte: que uma pessoa com 1.200 reais por mês já está incluída no nono decil na distribuição da renda, ou seja, ela está entre a octogésima e a nonagésima pessoa mais rica, por incrível que pareça, com essa renda, dado o perfil de renda do Brasil. Você não pode esfolar essas pessoas, não teria cabimento. Imagina aumentar o imposto de renda delas, não teria sentido.

Carlos Alberto Sardenberg
: Senador, nós estamos bem perto aqui do final do programa.

José Serra: É uma pena, viu, Sardenberg?

Carlos Alberto Sardenberg: Acho que os nossos telespectadores também diriam a mesma coisa.

José Serra: É uma pena para mim, pelo menos [sorrindo].

Carlos Alberto Sardenberg: Já é quase uma hora e meia de... Eu queria fazer uma pergunta pontual aqui, do Eduardo Gueira, que é um assunto que sempre é um assunto polêmico nas eleições. O senhor é a favor do projeto de lei sobre a parceria civil registrada, que é a possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo?

José Serra: Olha, até pensei nisso, porque essa pergunta vem, mas eu não estudei o assunto. Eu quero ver o projeto, eu não conheço o projeto.

Carlos Alberto Sardenberg: Não tem ainda posição...

José Serra: Não, não. Veja: eu não conheço o projeto. Tem um projeto de lei e eu quero ler o projeto.

Carlos Alberto Sardenberg: Essa foi a pergunta do Eduardo, de Brasília. O Heraldo, que é do Recife, pergunta aqui... ele diz que, do meio dele - dos nordestinos - sempre se ouviu falar que o senhor é por demais paulista. Ele quer saber se o senhor tem planos para o Nordeste. Só dizer se tem...

José Serra
: Claro que eu tenho, tenho muito. Agora... Eu nasci em São Paulo, mas sempre fiz... A minha vida pública sempre foi nacional, eu vejo o Brasil como um todo, desde quando eu fui presidente da UNE, minha atuação parlamentar no executivo e até... Eu sou filho de imigrantes de primeira geração e, além do mais, passei 14 anos exilado. Saí do Brasil com 22 anos, porque fui perseguido pela ditadura. Nesse sentido, a minha visão sempre foi nacional, eu não tenho visão regional, eu vejo o Brasil como um todo e as suas partes.

Carlos Alberto Sardenberg: O Renato Delgado, de Minas Gerais, pergunta se o senhor vai continuar a privatizar, se vai haver programa de privatização no seu eventual governo.

José Serra: Olha, em princípio eu acho o seguinte: aquilo que a iniciativa privada pode fazer bem e tem mercado, você pode privatizar; aquilo que ela não pode fazer, que não tem demanda, tem que continuar [sendo] do Estado ou o Estado investir. Para responder assim, rapidamente. A gente poderia falar muito tempo sobre isso.

Carlos Alberto Sardenberg: Tem CPMF no seu governo?

José Serra: Se não tiver outras fontes de receita, não fizer a reforma tributária, tem; se fizer, não tem.

Carlos Alberto Sardenberg: Está bom! Senador José Serra, muito obrigado pela sua participação aqui no Roda Viva. O Roda Viva vai chegando ao final, nós agradecemos a presença do José Serra, dos colegas jornalistas, uma bancada ilustre de jornalistas representantes aqui da imprensa de São Paulo. Agradecemos também a participação dos telespectadores, as perguntas serão todas encaminhadas à assessoria do senador que certamente dará a atenção devida. O Roda Viva voltará entrevistando novos candidatos à Presidência da República, outros candidatos não necessariamente na seqüência, porque isso depende da agenda dos candidatos. Já temos alguns marcados, mas não na seqüência, então isso vai depender da agenda dos candidatos, mas entrevistaremos todos os principais candidatos à Presidência da República. O Roda Viva estará de volta na próxima segunda-feira às dez e meia da noite, mais uma vez, procurando fornecer um espaço aberto e democrático para o debate de idéias deste país. É um compromisso do jornalismo público da TV Cultura. Boa noite. Muito boa noite, muito obrigado a todos e uma ótima semana para todos.
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