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Memória Roda Viva

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Plínio Marcos

15/2/1988

Plínio Marcos, cuja obra é um marco na dramaturgia brasileira, trazendo para o teatro o submundo e personagens comuns, fala do rompimento de fronteiras e da perseguição pela censura

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Marcelo Rubens Paiva: A TV Cultura reapresenta agora um Roda Viva gravado com Plínio Marcos em 1988. Plínio Marcos que morreu há uma semana, esse que é um dos maiores dramaturgos brasileiros, com uma obra de densidade e sensibilidade que em poucos países do mundo se vê,  criou personagens -  com os quais conviveu e conseguiu retratar: homossexuais, prostitutas, um imigrante chegando em uma grande cidade - como poucos escritores conseguiram, porque o Plínio era um autor que escrevia com o coração na mão.

Antônio Carlos Ferreira: O entrevistado desta noite é o autor de teatro Plínio Marcos. Plínio Marcos, 53 anos, foi quase tudo na vida antes de se tornar um autor consagrado do teatro brasileiro: foi funileiro, bancário, camelô, biscateiro do cais do Porto de Santos, soldado, palhaço de circo. O primeiro grande sucesso de Plínio Marcos aconteceu em 66, com a peça Dois perdidos numa noite suja.  Depois foi o autor de teatro mais perseguido pela censura, com peças como Navalha na carne e Abajur lilás. Plínio Marcos trouxe para o teatro, para o palco, o submundo brasileiro. Criou personagens comuns, que falam palavrões, por exemplo. Rompeu fronteiras. Daí, a perseguição da censura. Sua obra é um marco na dramaturgia brasileira. Por isso, Plínio Marcos está no centro do Roda Viva desta noite e será entrevistado por Antonia Chagas, atriz e repórter da revista Final; Paula Dip, jornalista e apresentadora do programa Paulista Novecentos, da TV Gazeta; Kleber de Almeida, editor do caderno de sábado do Jornal da Tarde; Cacá Rosset, ator e diretor de teatro, com a peça TeleDeaum, atualmente em cartaz na cidade; Ninho Moraes, jornalista e cineasta da TV Cultura; Luiz Fernando Ramos, editor responsável da revista Palco e Platéia; Marcos Kaloy, ator e diretor de teatro com a peça a estrear em março, a peça Black-out; Sérgio Lhamas, editor de cultura da Folha da Tarde. Nós vamos contar também com o cartunista Negreiros, que vai fazer alguns desenhos que serão mostrados ao longo do debate. A platéia aqui do estúdio da TV Cultura é formada por alunos da Escola de Teatro Macunaíma. Como este programa não está sendo transmitido ao vivo, nós não vamos poder receber perguntas por telefone de telespectadores, como a gente faz normalmente.

Plínio, na década de 60, você se tornou o grande "autor maldito" do teatro brasileiro. Ganhou fama e virou um símbolo da luta contra a censura. Hoje, com a liberdade política, mesmo trabalhando muito, mesmo com uma peça em cartaz atualmente aqui em São Paulo, você sumiu um pouco do cenário cultural. O que foi que aconteceu?

Plínio Marcos: Hoje nós temos um inimigo violento que não é mais a polícia federal como censura. É a mídia, não é? Então, quando a mídia te marginaliza, você está marginalizado, você não é notícia. Então, você veja, por exemplo, a minha última peça A balada de um palhaço estreou no Zero Hora, que eu acho a minha melhor peça, com um trabalho deslumbrante da Valderez de Barros que a crítica, a pouca que foi assistir e, por exemplo, o trabalho do Petrim era considerado o melhor da carreira dele e do da Valderez considerado perfeito. Tinha o trabalho do Valfoli, da Vasperti, do Guga, as músicas do Léo Lama, gente profissional. De repente, foi esnobado, por exemplo, pela revista Veja, que resolveu não noticiar, não mandou nem seu crítico assistir à peça, porque eles não noticiam teatro alternativo. Então, você veja como acontece: por exemplo, a Folha de S. Paulo levou 15 dias para noticiar que a peça estava em cartaz. No Jornal da Tarde, por exemplo, tem um grilo lá... O Edson é meu amigo, meu camaradinha de bar, mas tem um grilo lá, que eu não sei qual é, que eles não noticiam coisas nossas. Então, por exemplo, veja bem, recentemente o Sábato Magaldi fez uma grande reportagem sobre Dois perdidos numa noite suja, que é de 66, e eu dizia para ele: “fala da Balada de um palhaço, que você gostou e que mandava seus alunos lá da Europa, de Paris escreverem carta pedindo a peça, porque achava que a peça era importante, e ninguém fala dessa peça”.

Antônio Carlos Ferreira: No seu entender, hoje, a sua produção teatral é de melhor qualidade do que a da década de 60?

Plínio Marcos: Não sei se de melhor qualidade, porque eu não tenho que ficar justificando nem analisando: eu tenho que escrever. Só que eu acho que A balada do palhaço, ela dizia muito bem o que aconteceu com o artista neste país. Nós lutamos, fomos realmente ... nós artistas e jornalistas - e eu posso me orgulhar das duas coisas, tanto como jornalista como artista de teatro - fomos resistentes. Eu dediquei a minha vida e não é dos meus perdidos, é desde o tempo da barrela, que foi em cinqüenta e tanto, que ela foi proibida, fiquei dez anos proibido, eu não estreei junto com as pessoas da minha geração por causa da censura. Eu fui o único autor proibido no tempo do Juscelino. Então, a minha vida eu dediquei contra a censura, e estou dedicando nesse prezado momento com essa luta absurda que é contra a imprensa, que não noticia mesmo. Não noticia.

Antônio Carlos Ferreira: O seu principal inimigo é a imprensa.

Plínio Marcos: Não, não é meu inimigo, é inimigo do povo, porque o compromisso do jornalista devia ser com a notícia. Então se, por exemplo, um autor que nem eu, que passa lutando contra a ditadura militar, quando vem um período de abertura eu faço uma peça como a Blavatski [peça de teatro: Madame Blavatski], e dei entrevista para jornal da Polônia, para jornal da Alemanha, e não dei uma entrevista no Brasil? Depois que a peça saiu do cartaz eu dei uma entrevista para o jornal Estado de S. Paulo. Mas, a Tonica [aponta para Antonia Chagas, uma das entrevistadoras] é testemunha, porque ela trabalhou na peça, não dei uma entrevista. Ninguém veio me perguntar o que aconteceu nesses sete anos, e por que, de repente eu tinha aparecido com uma peça mística, entende? Isto o que que é? Isto no meu entendimento é censura. Mais ainda, o que é um caso muito mais grave, por exemplo, os chamados - esse foi um discurso que eu fiz, quando recebi o Prêmio Molière, pela Madame Blavatski - eu dizia o seguinte: “Há uma censura”. E tinha lá mais de cinqüenta jornalistas que tiveram que calar o bico. Isso chama-se censura, quando você põe no roteiro dos espetáculos, você põe um espetáculo e não põe outro. Então você põe, por exemplo, o meu show e não põe o do Ary Toledo, evidentemente que estão censurando o Ary Toledo. Agora, se põem o dele e não põem o meu, estão me censurando. E vira e mexe. Eu não saio. Eu telefono para o Bóris Casoy, o Bóris Casoy acha um absurdo. Aí manda pôr. Aí dois dias depois já não sai. Eu não tenho dinheiro para por anúncio em jornal. Um anúncio, por exemplo, hoje para você por - o Cacá sabe melhor do que eu quanto é que custa uma publicidade, o Kaloy sabe - se você puser três tijolinhos, custa 20 mil cruzeiros por dia. E um cara que faz teatro alternativo que nem eu não pode por anúncio. Eu tenho que viver daquele serviço que a imprensa devia prestar ao público, mas não presta.

 Cacá Rosset: Você sente que esse fenômeno é uma coisa que ocorre em geral com o teatro, ou especificamente com o seu caso?

Plínio Marcos: Não, é geral com os alternativos, porque, de repente, a imprensa, ela mesmo que chia, veja bem a incoerência: os críticos de teatro vivem dizendo assim: “não se renova, o teatro não se renova”, mas eles só noticiam o que a gente classifica de global. Então, você vai estrear... Uma estréia de artistas famosos da televisão no Rio de Janeiro, e, que Deus seja louvado porque eles são famosos e porque eles têm espaço na imprensa, imediatamente, os jornais de São Paulo dão notícia, dão página inteira. Agora, por exemplo, você veja assim, a Maitê... A Malu Mader, que é uma excelente criatura, uma menina belíssima, vai fazer uma peça do Léo Lama, que é meu filho.

Ninho Moraes: Estréia dele, né?

 Plínio Marcos: Não, não é estréia dele. Esse é que é o grande problema. Isso que eu ia falar. Ele estava com uma peça em cartaz até domingo. Até domingo estava uma peça em cartaz com a Martinha que é uma excelente atriz, com o Edson e com o outro meu filho, Quico de Barros, que são três excelentes atores, uma direção maravilhosa do próprio Léo Lama... A imprensa ignorou. De repente, a moça vai estrear em outubro, mas ela é global, ela dá entrevista de página inteira e todo mundo pensa que ele vai estrear em outubro. Por que? Porque a peça que está no teatro alternativo, ninguém dá uma nota.

Ninho Moraes: Eu acho que eu li que era uma estréia. Eu li em algum lugar.

Plínio Marcos: Claro, porque ninguém sabe da outra peça. É estréia da Malu Mader, mas não é estréia de Léo Lama. O Léo Lama estreou com Meu amor, minha vida, numa privada entupida, que saiu domingo, saiu de cartaz.

Sérgio Lhamas: Mas, Plínio, recentemente a Folha da Tarde deu uma boa matéria sobre você. Mas não é sobre isso, não. Você fala na...

Plínio Marcos: Qual matéria?

Sérgio Lhamas: Essa aqui...

[risos]

Plínio Marcos: Essa aí não é boa, é pequena, né? [risos] Se eu fico falando duas horas para o repórter e sai dez minutos [risos]

Sérgio Lhamas: Mas, Plínio, esse lado místico aí. Eu queria que você falasse disso.

Plínio Marcos: Falasse do meu lado místico? Olha aqui, é o lado místico. Eu acredito, companheiro, que, na verdade, a religiosidade é subversiva, a política não. A política consiste na luta pelo poder. Então tudo se repete. Tanto faz você ser de esquerda ou de direita, resulta sempre no poder, na luta pelo poder. É o caso, por exemplo, no outro dia em um debate com os estudantes, a menina falou: “Você já foi em Cuba? Não, não ponho nem o pé lá, porra. Se eu tenho que lutar contra a ditadura no Brasil, porque que eu vou em um lugar onde tem ditadura?” Para mim, eu não consigo diferenciar Pinochet [Augusto José Ramón Pinochet Ugarte (1915-2006), ditador do Chile de 1973-1990] de Fidel Castro [Fidel Alejandro Castro Ruz (1926- ), ditador de Cuba, assumiu o poder em 1959]. Os dois são ditadores, lutaram pelo poder e são poder, e eu odeio poderes. Eu não acho que alguém possa ficar perto do poder. Eu não posso esquecer de paizinho Stalin ([óssif Stalin (1878-1953) ditador da URSS de 1924-1953], eu não posso esquecer de Hitler (Adolf Hitler (1885-1945); ditador da Alemanha entre 1933-1945], eu não posso esquecer de Mussolini [Benito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945) ditador da Itália entre 1922-1943, criador da ideologia fascista] de Salazar [António de Oliveira Salazar (1889-1970) ditador de Portugal entre 1932-1968], de Getúlio Vargas [Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) governou o Brasil de 1930-1945 e teve seu último mandato entre 1951 a 1954, ano em que se suicidou] dessa eu não posso esquecer. De Perón [Juan Domingo Perón (1895-1974) presidente da Argentina de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974] eu não posso me esquecer. Ditadura, qualquer pessoa que tente botar a pata na minha cabeça para me dirigir, é uma ofensa e a política consiste nisso. São grupos de pessoas disputando para ver quem tutela o resto do povo. Então tudo consiste na habilidade do mais esperto, ou na brutalidade do mais forte. Mas a religiosidade, que não as religiões oficiais, evidentemente, a religiosidade consiste no seu auto-conhecimento, atenção sobre você mesmo. Esta te leva a você não querer ser nem o poder, nem querer que ninguém exerça poder sobre sua cabeça. Então, é isso que eu tenho feito. Feito um trabalho de procurar encontrar caminhos para dizer para as pessoas que o que nos liberta é o auto-conhecimento. O que pode te tirar de uma sociedade capitalista baseada nos princípios de propriedade privada dos bens sociais, portanto na ânsia possessiva do lucro, portanto, na competição e na violência, é o auto-conhecimento, é a religiosidade.

Paula Dip: Inclusive você escreveu alguns livros a respeito disso.

Plínio Marcos: Alguns não. Eu escrevi peças, não é? A Madame Blavatski, que era mostrando a vida desta mulher, que ela luta, luta, luta até chegar nessa conclusão de que não vai ser a sociedade, não há possibilidade de você se libertar coletivamente, porque depende do seu nível do auto-conhecimento, que é o caso do Senhor Jesus Cristo. Ele pôde renunciar à sua individualidade, porque ele era uma individualidade. Então ele pôde ser um homem coletivo. Se você não é uma individualidade, então você vai renunciar do quê? Não adianta você nascer coletivo em um lugar. Você não nasce coletivo. Você tem que fazer um trabalho de auto-conhecimento para você poder renunciar à sua personalidade.

Kleber de Almeida: Plínio, você não acha que a atividade política é muito importante porque, sem atividade política, qualquer país pode acabar na situação que você se referiu de ditadores. É a atividade política que impede justamente o crescimento desses ditadores.

Plínio Marcos: Eu não acho. Desculpe, mas eu não acho e eu entendo que você está dizendo atividade política no sentido de política partidária. Porque toda a minha ação é política.

Kleber de Almeida: Falando de política partidária...

Plínio Marcos: É. Partidária. Não, porque você veja no Brasil. Desde que o país foi fundado, todos os partidos de esquerda ou de direita eles têm no fundo uma elite disputando entre si para ver quem tutelava o povo. Isto é uma ditadura. E no Brasil essa ditadura se exerce, por exemplo, no momento nós estamos marginalizados ainda na nossa história. Nenhum de nós aqui está participando da própria história, nem influindo no próprio destino. É a elite que está lá nos congressos, nos “sarneys” da vida discutindo, e, qualquer hora, nos ameaçam com a invasão dos militares de novo.

Kleber de Almeida: Sim... É que nós realmente nunca tivemos uma atividade política continuada. Essa atividade foi sempre interrompida. Quer dizer, todo mundo deve fazer atividade política como você faz, como qualquer associação, mas até para forçar a entrada de toda a sociedade nessa atividade política. Ela então fica restrita realmente às elites. Porque se a gente também concordar que as elites é mandam, nós não vamos participar, elas vão continuar mandando, realmente.

Plínio Marcos: Não sei. Eu quero te dizer que eu acredito demais na cooperação espontânea, e não acredito nem um pouco nas leis. Mesmo que haja lei, você precisa de alguém para garantir que se mantenha essa lei. Esse alguém é a polícia, e a polícia está aí para defender quem tem, contra quem não tem. Portanto, eu não acredito nessa política que está aí mesmo...

Luiz Fernando Ramos: Você é anarquista?

[risos]

Plínio Marcos: Eu não posso discutir por rótulos com você, porque eu não sei. Veja bem, se você me perguntasse se eu sou católico e eu te respondesse que eu sou, tu ia dormir na mesma, pois eu podia ser da Tradição Família e Propriedade [TFP - movimento católico de extrema direita], eu podia ser da Pastoral da Terra [grupo católico que participa de movimentos de esquerda]. Então, quando você me diz "anarquista", eu deveria saber o que você considera anarquista...

Luiz Fernando Ramos: Então, melhor perguntando: O que você é?

Plínio Marcos: Eu não sou nada. Eu sou uma pessoa que está em busca do seu auto-conhecimento e que acha que a verdadeira subversão não é você entrar dentro desse esquema, dessa política, dessa luta pelo poder. É você sair desse poder.

Marcos Kaloy: Isso descreve, Plínio, o que você vê na política? Você não acha que está acontecendo isso também com a própria juventude e com os próprios autores novos teatrais? Falam de descrédito generalizado sobre as instituições, sobre os partidos políticos, sobre a política em si, e por isso mesmo a produção dos autores teatrais está limitada, as pessoas não sabem direito sobre o quê falar, com uma posição mais definida? No teu caso não, porque você tem uma posição mais clara e definida.

Plínio Marcos: Eu não quero parecer o pai da pátria, mas eu acho que tudo que está aí é plantado. Esse descrédito é plantado. O povo está no sufoco, mas o povo não é descrente. O povo acredita na vida e a garotada acredita na vida. Você pega qualquer curso de teatro, tem uma multidão de gente. Pergunta para esse pessoal do Macunaíma aí quantas pessoas tem lá estudando para fazer arte? E eu posso te citar Léo Lama, por exemplo, que é um dramaturgo que sabe o que dizer. Escreve quatro, cinco peças por ano. E outros colegas dele que estão escrevendo. Agora, você veja bem, Kaloy, belíssimo ator: não surge vinte, trinta dramaturgos em uma geração, não. Por exemplo, isso era uma coisa que o Artur Rumo dizia: em uma geração surge, no máximo, cinco dramaturgos. Por isso que essa censura censurou três, censurou muita gente. Agora todo mundo escreve e você ... vai ficar dois, três. Então, não é todo mundo que tem coisas a dizer. O teatro é uma coisa muito específica, Kaloy, você sabe muito melhor do que eu, você é um brilhante ator. Então, as pessoas, por exemplo, grandes escritores, não conseguiram escrever para o teatro. Está aí nosso querido Machado de Assis [Joaquim Maria Machado de Assis:1839-1908, escritor], que sempre era mau quando ia ao teatro, não é? Porque era uma coisa muito específica. Então, não tem tanta falta de ator assim, não. E a garotada não acredita nos políticos, e não pode acreditar na cultura, e não pode acreditar em nada. Mas a política continua engraçada. É que as pessoas ficam revoltadíssimas. Eles passam a vida inteira endeusando Macunaíma. “Macunaíma, Macunaíma, Macunaíma...” quando aparece o próprio Macunaíma na figura de Marronzinho, fica todo mundo "AArhg". Que não é anti-herói sem caráter pode ser...Vocês não queriam tá aí ele.... Engraçado sim, ridiculariza sim, tapeou esse bobo desse Ademar de Barros, [muitos risos] tapeou todos eles, levou o partido para ele, quer vender... Brinca e ri não tem nenhum caráter, sabe? Então, é isso que é. E como é que está? Esse país continua vivo, acordado. Um dia eu falei num jornal que tem lá um negócio assim “lista de preço: se a tua quitanda não puser anúncio no meu jornal, eu falo que a banana no teu caso é mais cara que no supermercado”. Mas qual é a imprensa no Brasil que não é assim, meu querido?

Cacá Rosset: Plínio, como é que você está vendo a política cultural no Brasil? Eu quis perguntar isso sobretudo pelo fato de hoje nós termos em São Paulo uma Secretaria da Cultura.

Plínio Marcos: Você me permita um aparte. Eu acho que ali é o nosso amigo Serra [Luís Serra, ator e apresentador de TV], formidável. Chega cá, Serra. Senta aí, você é um ator brilhante [aponta para Serra] Não faz mal, senta cá, tá sem maquiagem. [risos] Vem aí, senta aí.

Cacá Rosset: Como é que a política cultural nesse momento que nós temos uma secretária de Cultura, que é uma atriz [Beth Mendes], o Celso Furtado [Celso Moreira Furtado: 1920-2004, economista], que é ministro da Cultura, a Lei Sarney, existe uma política cultural no Brasil?

Plínio Marcos: Claro que existe. Independe de nomes. Beth Mendes é minha colega. Aliás, foi minha colega, que eu não sou secretário, mas ela foi minha colega com os atores juntos numa novela, né? Não sou secretário de nada. Agora, veja bem, a política cultural é uma ofensa a um artista que nem você. Porque ela vem de quê? Do governo central. E eles financiam aquilo que é bem comportado. Olha, por exemplo, só no Brasil que você pode ver professores que se dizem marxistas querendo preparar as pessoas para uma sociedade que eles abominam, que é a capitalista.

Antônio Carlos Ferreira: Você acha que não devia ter Ministério da Cultura, Secretaria da Cultura?

Plínio Marcos: Não, claro que não. O que devia ter no Brasil, e nós tínhamos que ter consciência disso, é que cada homem que trabalha ganhasse o suficiente para por o seu filho na escola que quisesse, para ir ao teatro, para pagar entrada de cinema, para ver as coisas! Agora, se você tem, de repente, o governo do Estado apregoa como um grande sucesso que ele dá uma banana, um copo de leite e um pão para a molecada, significa que ninguém que trabalha pode comprar uma banana, um copo de leite e um pão. Isso é um absurdo! E a política pública prova por aí.

Cacá Rosset: Agora, o que você está achando especificamente da gestão do Celso Furtado no Centro da Cultura, e da Beth Mendes na Secretaria...

Plínio Marcos: Eu não estou achando nada. Eu acho o Sarney [José Sarney de Araújo Costa: 1930-, presidente da República entre 1985-1988] uma coisa espúria, que invadiu - nisso eu concordo inteiramente com o Figueiredo, ele invadiu. Só que o Figueiredo [João Baptista Figueiredo:1918-1999, presidente do Brasil entre 1979-1985] é um, como eu diria? Um bunda mole...
 
[risos]

 Plínio Marcos: É um... Sei lá, é um tontão que deixou o Sarney tomar posse, mesmo sabendo que ele não tinha direito, compreende? Nós não fizemos essa marcha pela rua, essas coisas todas para depois se unirem ao Ulysses Guimarães e seu partido PMDB e fazerem um conchavão que resultou em Sarney. Então, qualquer coisa que venha do governo Sarney, é lesiva ao povo brasileiro.

Antonia Chagas: Você usaria a Lei Sarney? A gente estava reclamando de “pô, não temos dinheiro, fazer um teatro alternativo, estamos sempre devendo as calças”, o diabo a quatro. Aí tem a tal da Lei Sarney, que eles gostam ... Tem até uma campanha institucional no ar aí, usando a campanha. Você usaria a Lei Sarney?

Cacá Rosset: Sua vida mudou após a Lei Sarney?

[Muitos risos]

Plínio Marcos: Você é um espírito vivo e alerta. A minha vida mudou, porque agora as pessoas não acreditam que a gente está sob uma ditadura. As pessoas não acreditam que o Sarney é o boneco do Geisel [Ernesto Beckmann Geisel:1908-1996, presidente do Brasil entre 1974-1979] Compreende? A Lei Sarney não será aplicada em cima da Tonica, nem do Kaloy, nem do Serra, nem de você. Por que? Porque vocês são malditos.

Antonia Chagas: Não somos pessoas culturais como eles querem

Plínio Marcos: Então, porque que o cara vai... Outro dia, o Renato Borghi dava uma entrevista, aliás, muito inteligente, como ele é, um autor e um ator inteligente, ele dizia o seguinte: “É muito mais fácil para mim, e para o Fagundes” - para ele, né, Renato Borghi. Não, para mim é ele, o Renato Borghi, o Juca de Oliveira e o Fagundes falar com um empresário. Agora, quem que vai receber Kaloy, Tonica, Elimar....Você não, você já está famoso [aponta para Cacá Rosset]

[Muitos risos]

Cacá Rosset: Mas não fui recebido ainda. Ainda não fui recebido.

Plínio Marcos: Porque você é um famoso pinguço. Eles estão tramando: “temos que acabar com esse rapaz aí porque ele é meio folgado. Eu desconfio que ele seja anarquista”.

[risos]

Paula Dip: Olha, é uma pergunta difícil de fazer. Você veio aqui em um programa de televisão com uma camiseta rasgada. E, assim, com uma...

Plínio Marcos: Nada mais cabe em mim.

[risos]

Paula Dip: Pois é. Mas aí você fala: Como é que um empresário vai me receber? A gente sabe que a sociedade tem uma série de regulamentos, que talvez eu nem concorde com eles. Mas, como é que você faz para entrar em um banco, ou pedir uma Lei Sarney ou pedir um financiamento fica complicado. Tem certas coisas que você tem que, de repente conceder. Você acha que é por aí ou você acha que continuar de havaianas...

Antônio Carlos Ferreira: Pode parecer que você faz um pouco questão de ser marginal.

Plínio Marcos: Mas é claro que eu faço. Eu não quero pertencer a essa sociedade! Eu já disse aqui claramente: “Eu não quero ser dessa sociedade e nem vou pedir dinheiro”. Eu pedi dez pau pro Gigeto [dono de restaurante], eles deram e eu gastei lá mesmo! E pedi vinte paus para um bar de Santos, Bar da Praia. Que fica um cara assim: “bom, um dia tu vem aqui em faz um show de graça”. E eu: “Claro, outro dia eu venho aqui. E estou fazendo propaganda do teu show”. Vão dois, três ver o show e eu falo assim: “e quando for a Santos, não esqueçam, Bar da Praia”. E é o que eu consegui, entende? Mas eu não vou pedir. Pedir para o Marquinho da Costa Previato, que é meu amigo de jogar bola. Não é de empresário. E que ainda não deu, mas falou que vai dar trinta paus e eu estou precisando desses trinta paus. O Marquinho! [risos] Vai gastar no carnaval. Marquinho da Costa Previato. Então, você toma uma graninha aqui, uma graninha ali. Agora, quem conhece gente, então vem aquelas coisas assim: quem estudou em colégio granfino, conhece os granfinos que têm dinheiro para gastar. Agora, como é que você vai... Eu acho até gozado. Por isso que eu não vou pedir. Como é que alguém vai dar dinheiro para eu falar mal dele?

Ninho Moraes: A sua peça que foi montada em Nova Iorque deu algum dinheiro?

Plínio Marcos: Não. Ela foi montada por um rapaz aqui de São Paulo mesmo, ele montou lá tão clandestinamente quanto nós. Ninguém sabia, só ele. Porque no Brasil também tem dessas coisas. Como ele era amigo do Paulo Francis, ele pediu para o Paulo Francis falar, o Paulo Francis falou, e ninguém fala mal dos amigos, né? Então fazia um tremendo sucesso, vai todo mundo... Que vai todo mundo coisa nenhuma! No dia, nem a mãe dele foi, porque estava no Brasil. [risos] Quando a gente fala assim "tremendo sucesso", é que ele não recebeu e o cara fala: “pô, Plínio. Ficou louco?” “estou querendo te divulgar, não sei o quê”. Talvez vá alguém e goste um monte. Mas o dinheiro mesmo não aparece. Outro dia mesmo recebi uma carta de uma mulher comovida, mas a mulher estava ... uma carta tão linda, vinha de Caracas. Dizia assim: “nós estamos aqui montando toda a sua obra, autorizados por um convênio cultural que fizemos com a embaixada no Brasil”. Nem um tostão. Mandei as SBAT [Sociedade Brasileira de Autores Teatrais] falar com o pessoal da embaixada, eles nem receberam. Seu André é capaz de achar que eu vou lá atirar pedra nele ... aquele comunista da Praça da Sé.

Luiz Fernando Ramos: Todos os autores falam mal da SBAT. Nem todos falam na frente do público, quer dizer, falam na boca pequena. O que você acha da SBAT. A SBAT funciona, a SBAT é um esquema corrupto?

Plínio Marcos: Eu e Cacá, que está aqui presente, nós fomos lá em Brasília, fui assim de chinelo, Cacá lembra, Cacá até falava que eu deveria ter vindo vestido de Bouree. É até um negócio interessante, vou te contar uma história assim, que já vi que gosta de política... De repente, adentra o gramado uma tribo de índios de cocar, não sei o quê, penas, procurando o Cabral. Aí o Cacá até falou para eles: “O Cabral que descobriu vocês não é esse, pô. Ele não tem culpa.” Mas os índios vinham com todos aqueles cocares, não sei o quê, shorts e tênis Rainha, procurando o Cabral. Eu estava assim, com a minha gravata; pegamos o Cabral...

Cacá Rosset: Aliás,  um pequeno parênteses à gravata do Plínio por troféu originalidade. [risos]

Plínio Marcos: Aí eu sei que os caras davam toda hora close do meu pé. Cabeça não saía nunca, mas o pé saía toda hora, o cara falava assim: “tá sujo vão pensar que é pé de índio, nunca pensaram que era o meu”. Mas aí, né, você veja... Então nós lutamos lá e conseguimos, e o Cabral nisso foi até muito cortez, que o dinheiro dele não rola aí [risos], não é? E até passou de novo outra vez SBAT. Então defendi a SBAT lá, defendi publicamente. Agora evidentemente, quando eu quero pegar um vale lá na SBAT, a última vez quem foi receber lá... Receber a grana dele, foi o Léo Lama, meu filho, que ele vendeu essa peça para o dramaturgo e para a Maitê, o cara fala assim para o Léo: o seu pai está devendo duzentos milhões aqui!. O Léo Lama falou assim: O Sr. quer que eu empreste meu dinheiro para pagar? Eu falei assim: “você ficou louco?” [risos].  Algum dia paga ... se precisar. Ou tem duas táticas: ou fala mal ou fala bem e vai lá fazer um vale. Tem que ter próximo à gente né.

[Todos falam ao mesmo tempo]

[  ]: O que é SBAT?

Cacá Rosset: Sociedade Brasileira de Autores Teatrais que é quem regula a arrecadação, quem arrecada os direitos autorais. Ela não funciona... Eu estou com uma experiência atual que é a seguinte: o autor da peça que eu estou fazendo, o Telemdaum, o Alberto Barbela, a peça está a onze meses em cartaz. Ele tem 8% do bruto da bilheteria. Até hoje ele não recebeu um centavo. A peça é uma peça que está indo relativamente bem.

Plínio Marcos: Aí é outra história, é outra história. Você vê, por exemplo, a minha peça em Portugal, a minha peça na Alemanha, a minha peça no... Eu também não vejo nenhum tostão. Isso é normal no mundo inteiro, é lá e cá, né? Eles não mandam para lá, os caras não mandam para cá e fica tudo empate.

Cacá Rosset: Mas aonde fica esse dinheiro que não veio para você?

Plínio Marcos: O gato comeu [risos] ultimamente. O meu, por exemplo, deve ter vindo algum, porque se eu estou lhes devendo duzentos paus é porque... "O Plínio tem algumas manhas", eu ia lá para Araraquara e telefonava lá, fazia: "Alô, aqui em Araraquara nós queremos montar uma peça do Plínio Marcos", e desligava. Aí os caras telefonavam para minha casa e faziam assim: "Tem um grupo de Araraquara que querem montar a sua peça. Só se pagar vinte pau adiantado, senão não tem", e ia fazendo vale, porque nesse país é assim, não tenho nada contra...

Antônio Carlos Ferreira: Em algum momento você ganhou um bom dinheiro com o teatro?

Plínio Marcos: Já ganhei muito, mas muito mesmo. O teatro é uma coisa que dá infinitamente grana, né? Eu quando tive... Cheguei a ter, por exemplo,  cinco peças em cartaz em São Paulo, tive quatro peças no Rio, duas em Porto Alegre, duas no Recife e não sei o quê, naquele auge de Navalha na Carne, Dois perdidos numa noite suja, então, graças a Deus tinha os inimigos, que falavam mal. No Brasil não adianta todo mundo falar bem, porque você se ferra. Tem que ter alguém ao menos para falar mal. Fala mal, fala bem... Então dava dinheiro, deu um dinheirão. Agora, tem um detalhe: nós nunca fomos de guardar. Fomos gastando. Para começo de conversa, eu me lembro até uma vez preso lá no exército um cara me pergunta assim: “você ganha muito mais do que um general!”. Eu falei assim: “Mas quando você entrou na sua carreira, o senhor já sabia que vinha [o cargo de] general, bastava ser feroz soldado, e eu quando comecei em circo, eu não sabia nada. Então, se eu pegar minha grana toda e dividir pelo tempo que eu estou na profissão, o senhor vai ver que não dá nem salário mínimo.”

Paula Dip: Quer dizer então que você vivia melhor quando você era maldito?

Plínio Marcos: Não, eu não vivia melhor. Eu vivo melhor agora, porque agora eu sei viver. Naquele tempo era muita ansiedade, muita tensão, muita vontade, muita competição. Agora que eu não me coloco mais sobre as leis do rei e da banalidade, que eu não estou mais perseguindo sucesso, claro que eu não tenho a ansiedade de antigamente, e claro que eu sou muito mais feliz. Gordo e feliz, um gato gordo e satisfeito.

Ninho Moraes: E onde é que você está brincando o seu carnaval? Estamos em pleno dia de carnaval.

Plínio Marcos: Vou trabalhar, estarei na avenida trabalhando para o terrível canal 12 na cobertura do carnaval.

Ninho Moraes: Você ainda brinca carnaval?

Plínio Marcos: Não dá mais para pular, né meu filho? Se rolar ainda vai [risos].

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, você acabou de dizer assim, que você não busca mais o sucesso, mas não é meio da natureza do artista buscar o sucesso?

Plínio Marcos: Não quando você está procurando sucesso em outra área. Se eu estou procurando, me esforçando, por exemplo, em setores... por exemplo, estou estudando profundamente, querendo me aprofundar em problema de cura pela mão. Então me dedico a isso, estudo magnetismo, estudo Do-In, estudo nessas coisas e busco o sucesso aí, que às vezes você tem, às vezes não tem. Eu me lembro até que um dia eu fui experimentar curar a perna de uma velha argentina ali perto do meu pedaço, a perna dela ficou pior [risos]. O filho dela queria me bater, queria chamar a polícia. Ele assim: “ele quer ser o novo Lumbrunk” [risos]. Foi um vexame!

Luiz Fernando Ramos: Quando que começa esse período seu, essa conversão sua, essa coisa sua espiritual e tal? Qual é o marco disso?

 [ ]: Tem a ver com a saúde?

Plínio Marcos: Não, não teve não, aliás, até me beneficiou na saúde.

Antônio Carlos Ferreira: Acho que seria bom até explicar a questão da saúde, né?

Plínio Marcos: A saúde, eu explico. Eu fiquei diabético e eu estava numa madrugada no Gigeto conversando, que eu sempre fui meio peralta. Então, eu tinha ficado de sexta para sábado sem dormir, de sábado para domingo sem dormir. Eu até fui em Santos que era aniversário da minha mãe e a velha Ermínia não brinca em serviço, faz aquelas enormes comidas, não sei o quê e tal, o melhor feijão do Brasil, aí eu comi demais, aí eu falei assim: “agora eu chego em casa e puf!”. Não ficava com sono, fui lá assistir Tonica e outros na peça Madame Blavatski, aí não dormia, fui pro Gigeto às cinco horas da manhã, estava ligado. Aí quando fui sair, senti uma enorme dor no peito, nas costas e achei que era friagem. Aí meti uma ginástica, aí tomei um banho, e fiz um Do-In em mim, para tirar a dor, tirei a dor e dormi. Aí acordei no dia seguinte às duas horas, a dor persistia, eu tirava. Eu tinha que encontrar o Marquinhos santista, que nós íamos fazer uma leitura pública dos Dois perdidos... Aí eu esperei ele até às quatro e meia, ele veio e eu falei assim: “O Marquinho, eu não estou legal, essa dor não passa, eu vou até lá o Hospital das Clínicas”, que eu brincava de bola lá, né, o pessoal lá, “Eu vou até lá ver o que é isso aí”. E fui lá. E quando cheguei lá era enfarte. Aí foram ver que era a diabetes que tinha atacado o coração. Mas foi esse negócio de Do-In e essas coisas todas é que conseguiram serenar a barra por tanto tempo, que foi quase duas horas depois.

Paula Dip: Plínio, você disse que você era peralta, você é mulherengo, foi mulherengo?

Plínio Marcos: Não, eu jamais fui mulherengo, imagina com essa cara, porra.
 
Paula Dip: Aí não sei, você tem o seu charme pô...

Plínio Marcos Eu posso até ser esforçado, né. Esforçado é uma coisa, mulherengo é outra. Eu não sou nem Serra, nem Kaloy, nem Cacá, que são galãs, né? Eu tenho que batalhar.

Paula Dip: Mas no teu tempo de sucesso, você era paquerado?

Plínio Marcos: Por incrível que pareça, a gente estava em passeata [risos].

Paula Dip: Mas em passeatas acontecem romances...

Plínio Marcos: ...todo o tempo em passeata. Gritando: "Zé Dirceu, Zé Dirceu!. Para presidente, Zé Dirceu" e o tempo passou e agora não dá mais. A última façanha que eu estou fazendo é uma propaganda aí, eu estou dando dois prazeres para a mulherada. Um quando executa e outro quando saiu de cima. [risos] Eu estava falando da minha avó, que é benzedeira, meu pai, que era doutrinador espírita, eu até me lembro que ele me botou para tomar conta da primeira banca espírita que teve no Brasil em praça pública, ele me botou lá para tomar conta, para ver se eu ficava com medo das vidas pregressas e passadas e futuras. Então, me comportava um pouco. Então desde aquela época... Depois eu trabalhei em circo, trabalhei como cigano, que eram os grandes magnetizadores.

Luiz Fernando Ramos: Você fugiu para o circo, ou foi uma coisa que a família tudo bem?

Plínio Marcos: Fugir? Em todos os lugares que eu tive até hoje eu não precisei fugir. Me mandaram embora.

Luiz Fernando Ramos: Quando você foi para o circo, você foi com a família numa boa?

Plínio Marcos: Não, fui porque fui. Sempre numa boa. Meu pai, minha mãe são pessoas...

 [  ]: Em Santos ainda?

Plínio Marcos: É, em Santos, mas daí fomos viajar. Viajei com o circo dos ciganos, e aí eu conheci esse magnetizador que era fantástico. Realmente eu vi ele fazer curas fantásticas com a mão. Depois veio aquele rebuliço, aquela coisa, negócio de intelectual, despreza essas coisas, tudo vigarista, não sei o quê, aí um belo dia eu realmente comecei a pesquisar e comecei a ver que muitas coisas que o cigano falava e fazia com as mãos, o Reich também fazia. Eu comecei a estudar, estudar, estudar, e, de repente, descobri que até o nosso belo Jung lia tarô, lia tarô, e agora eu estou lendo tarô para fora, né? [risos]

Paula Dip: Você acredita em astrologia?

Plínio Marcos: A Valderez  [Valderez de Barros, atriz, foi casada com Plínio Marcos] é uma mestra em astrologia.

Paula Dip: Qual é o seu signo e o seu ascendente?

Plínio Marcos: Meu signo é, eu nasci em libra, mas preferia nascer em dólar [risos].

Paula Dip: Agora, e o ascendente?

Plínio Marcos: Ascendente há controvérsias, eu mudo de acordo com a freguesia. [risos] E aí que está a chave.

Antônio Carlos Ferreira: Mas, Plínio, quando você estava respondendo sobre a questão da conquista das mulheres, você falou: “na época do sucesso”, agora, na época do grande sucesso assim, mais de público, que foi na época da novela, digo, em Beto Rockfeller você era, digamos era o grande nome da...

Plínio Marcos: Falando em história de galã, tem uma história que é lamentável pelo cinema brasileiro. Os caras contrataram o John Herbert [1929, ator] para ser o vilão e eu para ser o galã [risos]. Aí ele ia daqui até o lugar da filmagem, ele ia dirigindo e eu ia do lado e ele falava assim: “por isso que o cinema não vai para frente!” [risos]. Aí nós entramos num bar um dia, aí o cara fala assim “ô, seu John Herbert, depois o senhor quer que a gente vá assistir filme. Estão dizendo que no seu filme botaram um galã sem dente!” [risos]. Aí ele fala assim: “é um absurdo! Até o povo não quer ir no cinema!” Aí quando foi fazer a propaganda do filme, marcaram um dia para tirar retrato e o John Herbert não apareceu. Ele mandou um retratão dele bonito de quando ele tinha dez anos assim... [risos] Aí o cara, de sacanagem, botou dois dentes de vampiro nele e pregou na porta. Ele ficou um horror. Aí queria processar o cartaz. Esse filme até passa na televisão até agora. Por sorte, nem minha filha me reconhece.

Antônio Carlos Ferreira: Mas, Plínio, como é que você curtiu essa fama naquela época?

Plínio Marcos: Ali foi uma história esquisita, sabe, porque o Brasil é muito gozado. Eu escrevi uma novela. O Cassiano me chamou, ele estava voltando e queria que eu escrevesse uma novela nos moldes dos Dois perdidos..., da minha peça. Chamava-se Dentro da noite. Evidentemente, a novela foi proibida pela censura, e o Edmundo Monteiro foi em Brasília pegar e tentar liberar e voltou de lá alarmado. Falaram que iam me ralar mesmo. Falaram: “vamos pegar esse garoto”. Naquele tempo eu era garoto. Aí o pessoal do Canal 4, daí todo mundo falou assim: “olha, eles vão te pegar mesmo! Então entra na novela. Se tu se abafar, tu nem precisa sair do país, sucesso ninguém mata”. Aí entrei na novela e fiquei. Fiquei e foi a salvação da lavoura. Foi por causa disso. Agora, veja bem, eles não tinham ódio por causa dos Dois perdidos..., não.

Antônio Carlos Ferreira: Mas você chegou a ser ameaçado fisicamente mesmo?

Plínio Marcos: Isso era toda hora porque eles tinham uma bronca violenta, o exército tinha uma bronca porque eu tinha uma peça chamada Verde porque te quero verde, é uma gozação contra um cidadão chamado Coronel Campeiro, na feira paulista de opinião e eles não perdoavam. Ficou aquele rolo e tal, até o Roberto, o Beto, filho do Graça Mello, que até faleceu, que Deus o tenha, fazia o meu papel também na peça que ele fazia pelo Penhor. Só ele foi preso um monte de vezes, pensando que era eu que fazia aquele papel.

Antônio Carlos Ferreira: Quantas vezes você foi preso? Eu sei de pelo menos uma.

Plínio Marcos: Isso aí eu entrava e saía. Era mais canseira, eu fiquei proibido de trabalhar. Você veja, eu fui o único cronista esportivo do Brasil preso e impedido de trabalhar!

Antonia Chagas: Aliás, eu queria lembrar uma coisa, vamos lembrar desse teu lado também de jornalista. Em um número recente da Revista Imprensa, aquele baixinho e italiano falou daquela história de cortar as cabeças na Veja, que ele tinha sido chamado, que os ... até chamaram e tal, deu a versão dele sobre tua saída da Veja. Eu queria que você...

Plínio Marcos: Mas, qual é a versão dele. Pode ser a mesma, né?

Antonia Chagas: Pois é, eu queria saber a sua. O que houve?

Plínio Marcos: Mas é a mesma situação. O baixinho italiano é o Mino Carta, que você está dizendo? O Mino Carta foi muito digno nesse episódio, não teve dúvida, porque o Mino Carta entrou em férias e eu fui despedido. Aí, quando o Mino Carta voltou e ele era o diretor da Veja e não tinha sido ele que tinha me despedido, ele pediu demissão junto. Foi isso aí. Eu trabalhei três meses na Veja, consegui publicar duas crônicas e meia sobre futebol.

 [  ]: Era época da censura, né?

Plínio Marcos: Era censura. Por exemplo, eles, logo de cara se irritaram porque eu escrevi uma crônica sobre o Santos Futebol Clube, dizendo que o Santos Futebol Clube ficou com vinte e cinco anos com aquele Jorge Cury de presidente e teve até o seu milagre, Pelé, mas que tudo indicava que quando acabou e acabou o milagre, o Santos ia falir, o que - não vá me chamar de profeta, - mas está aí. Então falei, e eles acharam que era igual à história do Brasil. Então mandaram, fizeram isso, fizeram aquele rolo, fui detido. Aí eu escrevi a segunda crônica, que era uma crônica que, com a graça de Deus... Tem poucas coisas na imprensa, que a gente fala assim: “realmente deu resultado”. Eu escrevi uma crônica porque o Estevão, ele jogava naquele tempo, ele jogava no time que jogava o Carlos, o Tobias, o Estevão de beque [zagueiro], o Juninho. Eu ainda era garotão, tinha uns 42 anos, magrão, até o Jornal da Tarde um dia publicou lá assim: “Na década de 60, Plínio Marcos abafava, careca”. Ele não tinha aquela barriga. E é verdade. Um sentimento, que era um time que a gente jogava pelo interior do estado. Jogavam vários craques, o Emilio Carlos, o Adriano, aquele menino que morreu, o Gersinho, que está em Portugal, O Carlito Godoy. E o Estevão, que era o beque de seleção brasileira de amadores, ele ficava proibido de ser profissionalizado porque queriam ele na Olimpíada. E o rapaz só sabia jogar bola, é um jogador de futebol. E ele tinha que fazer um bico. Naquele tempo estava muito de moda, pegarem jogadores e levar em fazenda de rico para eles jogarem para os granfinos assistirem eles no campo da fazenda. E aquele menino ponta-esquerda do Corinthians, Marco Antônio, um crioulinho, quebrou a perna do Estevão. E como o Estevão era juvenil, chegou os caras olharam, falaram: “está inutilizado para o futebol”. Engessaram a perna dele errada e sem limpar e deu cancro. E eu escrevi um artigo violentíssimo na Veja que dizia: “a grandeza de um país não se faz com medalhas olímpicas, se faz com respeito com quem trabalha, não sei o quê...” e aí fui levado para a polícia federal. O delegado até era o Dr. Gilberto Alves, e olha como esse país é fantástico. E aí ele me deu uma prensa, falou: “olha, filho, o negócio é o seguinte, você vai acabar ficando sem trabalhar”. E eu falo: “Olha, o que o senhor quer?” E eu contei a história do Estevão. “Mas isso é verdade?” Eu falei: “Claro que é verdade! Mas então traz o Estevão aqui. O Estevão não queria ir, naturalmente”. Nós levamos lá conseguimos levar, acho que um foi lá de muleta lá, contou a história, confirmou a história, o Dr. Gilberto falou assim: “Poxa, não é que é verdade? Então vamos pegar e cuidar de você”. Arrumaram pro médico do Palmeiras cuidar do Estevão e arrumaram para mandar o Estevão para a Escola Superior de Educação Física do Exército do Rio de Janeiro, onde ficou por conta do Exército, tratou da perna, e está aí este becão que jogou domingo contra o Guarani. Jogando, dando porrada. E outro dia eu estava ali vendendo um livro na porta de um teatro, o Dr. Gilberto passou e falou: “você me traiu, hein? Você prometeu que se a gente salvasse o Estevão ele ia jogar no América do Rio de Janeiro”. [risos] “Mas, ora doutor, só o senhor torce para o América. Não existe esse time, não existe mais”. Então, tem essas coisas que são... aí não consegui mais escrever na Veja, não escrevi. Eu escrevi um negócio chamado Barra do Catimbó, cortado, aí fui despedido. E o Mino Carta saiu, foi essa a versão.

Marcos Kaloy: Você é corinthiano, Plínio?

Plínio Marcos: Que é isso, me respeita [risos]. Estou até com o chapéu do meu time aqui, que é um time que ainda existe. Olha aqui, Jabaquara. Estamos na terceira, mas prometemos voltar. Agora nós temos o Leão da Caneleira. Essa história é gozada. Eu vou te contar. Eu fui fazer um show em Santos, o pessoal do Jabaquara me levou uma camisa. Pra fazer... “Se for na televisão, você vai com a camisa do Jabaquara”. Aí eu fui no programa do Helena Júnior  [Alberto Helena Junior], lá na Record e fui com a minha camisa velha, a do tempo que eu joguei lá, de 52, toda furada e ele falou: “você tem cabimento, gosta de ser marginal e vem com essa camisa toda furada!” Aí eu contei a história, falei assim: “o Jabaquara me deu uma camisa, mas a camisa está com defeito, ela não passa aqui”. Aí eles mandaram outra que também não passa. Aí eu só posso usar o chapéu. Tá aqui ó, Jabaquara.

[  ]: o Jabaquara então é só você e o Gilmar, né? [risos]

Plínio Marcos: Não, o Gilmar torce para o Corinthians.

 [  ]: Sim, mas ele nasceu em Jabaquara, né?

Plínio Marcos: Ele nasceu. Foi ele, Baltazar, Ciciá, meu irmão Claudinho agora está cuidando lá de arrumar os veteranos. Outro dia eu fui jogar lá com os veteranos da Portuguesa Santista e não conhecia ninguém! Os veteranos têm tudo 35 anos.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, todo santista - e eu sou santista também - gosta do Jabuca, né?

Plínio Marcos: O Jabuca é o time de todos, porque é o anti-time. Nunca conseguiu... O nosso melhor jogador foi um advogado, lembra [risos]? O Jabaquara caía para a segunda divisão e ele fazia uma petição e não deixava ir. Era a famosa "jabaquarada".  Jabaquara, que bonito...

Antônio Carlos Ferreira: Plínio, eu queria que você falasse um pouquinho dessa sua peça atual que você está em cartaz.

Plínio Marcos: A minha peça não é peça. Não é peça não. Eu estava lá vendendo um livro na porta do teatro e a mulher falou assim: “Olha, o teatro vai ficar vazio, nós não temos porcaria nenhuma para pôr. Você não quer entrar?” Aí “Vamos lá, né?” E aí entrei, estou lá sentado, sento numa cadeira e vou contando histórias.

 Antônio Carlos Ferreira: Mas tem um script, né?

Plínio Marcos: Não. Não precisa script nenhum. Vai pintando, eu paro o espetáculo, converso com o público e tal...

Paula Dip: O espetáculo é cada dia de um jeito?

Plínio Marcos: É, varia de acordo com o público, depende das pessoas. Eu conto umas historinhas iniciais, eu conto até umas histórias muito bonitas sobre os embiques, sobre o Procópio Ferreira, que justifica não ter cenário. Até histórias que eu poderia contar aqui, por exemplo, os embiques, eu lembro que nós íamos estrear no César de Cleópatra e ele fazia o papel de principal da peça e dirigia, queriam ganhar prêmio com aquela peça e Dupom ganhou mesmo de ator. De repente ele foi dar uma fiscalizada no cenário, foi quando, de repente, ele olha e vê um buraco no cenário. Fica desesperado, chama o Jabaruto fala: “você não tem responsabilidade, você é um sem-vergonha, nós vamos abrir o pano e aquele buraco! Calma, Ziembinski, calma! Eu arrumo. Agora também tem um detalhe: se alguém olhar pro chão, tá torto. Que ruim que você é, hein?” Ele fala: “Deixa o buraco, deixa o buraco!”, e a peça fez-se com buraco a temporada toda. E digo isto para justificar que eu também não tenho cenário, e digo depois do Procópio Ferreira, uma vez a Vivi me telefonou para mim visitar o Procópio no hospital, que ele estava muito mal, e como depois logo morreu. Eu fui lá e o mestre estava deitado de bruços e o médico falou assim: “Olha, não força ele que ele tá muito fraco”. Aí eu falei assim: “Mestre, sou eu, Plínio Marcos”. Ele foi olhando, olhando, olhando e me disse “Que bom que você veio, eu queria que você me escrevesse uma peça sobre o Catulo da Paixão Cearense [poeta cearense - 1863-1946] como você escreveu a vida do Noel Rosa e você conhece o Catulo”... e começou a contar a história e cantar as músicas. Aí o médico veio para me tirar, veio à enfermeira que trocava o xixi, veio a outra que dava injeção de dormir, veio o outro médico de plantão e, quando vimos, tinha uma multidãozinha e ele deu um show de duas horas. Sem cenário, sem nada, comovente. Cantou, representou, daí deitou. Dois dias depois ele morreu. Então eu dizia isto, assim: “claro, eu não sou ator, imagina, mas eu sou um contador de história”. Mas eu tenho impressão que os atores realmente dessa época aqui são muito importantes, sabe? Gente que nem o Serra que nos espia ali, o Cacá, o Kaloy, a Tonica e tantos outros que tem por aí, essa molecada que está aprendendo. Por mais que um homem esteja duro e cínico com esse confronto do dia-a-dia, com essa batalha sem glória, ele sempre conserva no coração dele um pequeno núcleo, como um olho violeta, um lugar sensível onde ele guarda alguns ecos de algum momento de amor que ele viveu na vida dele. E bendito é quem pode tocar esse óleo nesse pequeno núcleo e, por aí, despertá-lo para as lutas de libertação coletiva. Um ator sempre pode.

Sérgio Lhamas: Plínio, você numa evidente brincadeira, você disse que preferia, como ator, atuar em peças dos outros para não prejudicar a sua.

Plínio Marcos: Claro, na minha eu pus o Kaloy, por exemplo, [risos]. O Kaloy, a Tonica, entende? Trabalho em peça dos outros para não estragar as minhas, agora, tem um detalhe: Ninguém me chama para dos outros, então eu tenho que fazer uma minha. Então, estou lá, sentado contando história, né?

Luiz Fernando Ramos: Sobre a sua dramaturgia. Você é estudado na universidade, sua dramaturgia é considerada a mais importante dramaturgia nacional da década de 60 e tal e, nesses últimos, quer dizer, tem 20 anos separando aquelas peças dessas últimas, a Madame Blavatski, a Balada de um palhaço, que você estava falando agora pouco no começo do programa, e eu queria saber se tem alguma evolução, quer dizer, você tem alguma preocupação de ter mudado alguma coisa? Porque, só para terminar, o Luiz Antônio de Abreu, que eu acho que é um dos bons autores da nova geração, aquele que eu acho intermediário entre você, ele tem colocado muito a preocupação de romper com o realismo, de tentar encontrar um novo caminho, o Sofredini também tem ido por aí. Você tem essa preocupação de sair daquela coisa realista, estática?

Plínio Marcos: Não, não tenho.

Sérgio Lhamas: Eu só acrescentaria uma coisa à pergunta dele: Você foi cotado pelo próprio Nelson Rodrigues como o sucessor do Nelson Rodrigues no teatro brasileiro. Eu acho que dá para você explicar as duas coisas...

Plínio Marcos: Primeiramente, era brincadeira. O Nelson Rodrigues era muito brincalhão.

 Luiz Fernando Ramos: Você admirava ele assim como autor?

Plínio Marcos: Ah, nós éramos muito amigos. Eu paquerava, porque quando eu estourei, a imprensa carioca queria fazer uma onda Plínio Marcos contra Nelson Rodrigues. Eu não deixei, porque o Nelson Rodrigues é uma santa criatura e isto não é brinquedo não. Nós todos... Pode haver Plínio Marcos porque teve Nelson Rodrigues na frente. Ele realmente... Há discordâncias, algumas pessoas dizem que é o Oswald de Andrade [José Oswald de Souza Andrade - 1890-1954, escritor e poeta, foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna], que é o pai do teatro moderno, mas não é não. É o Nelson Rodrigues. Ao Oswald de Andrade se deve muito mais o talento do Zé Celso [José Celso Martinez Corrêa (1937-), ator e dramaturgo, criador do Teatro Oficina de São Paulo], e o Nelson Rodrigues não. O Nelson Rodrigues foi na frente mesmo, ele abriu o caminho para nós, todos nós autores: o Abreu mesmo que você citou, o Leonardo que vem agora atrás de mim. Nós devemos tudo ao Nelson Rodrigues, que ele abriu. Ele era violentíssimo. Então ele falava tudo isso porque ele gostava muito de mim. Mas o Nelson Rodrigues era cismado com os outros autores. Ele achava que os outros autores não gostavam dele, ele achava que a crítica não gostava dele especificamente. Então ele tinha até uma frase que ele dizia assim: “O Plínio, você conhece o Vianinha [Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) dramaturgo]?” Eu falei: “conheço”. “Eu quando vejo o Vianinha eu quero que o Vianinha venha comer alpiste da minha mão. Você conhece o [Augusto] Boal [(1931-2009), diretor de teatro e escritor, criador da metodologia cênica chamada Teatro do Oprimido, a partir dos anos 70, que combina drama e ação social]” Eu falei: “conheço”. “O Boal era bom dramaturgo quando copiava os meus defeitos”.[risos] “Você conhece o Dias Gomes [Alfredo de Freitas Dias Gomes (1922-1999) dramaturgo que, entre outras obras, escreveu O pagador de promessas ]?” Eu falei: “conheço”. “Estão dizendo que o Dias Gomes é o melhor autor brasileiro, mas ele não é nem o melhor da casa dele!” [risos]. Então ele ficava horas falando essas coisas. E ele era muito gozado, falava com muito humor. Então ele ficava e ele dizia: “Não tem esse negócio, isso que a gente tem que enfiar na cabeça, que não tem esse negócio de melhor ou de pior”. Outro dia um cara falou assim para mim: “você é um grande autor”. Eu falei: “muito mais largo do que grande, né?” Nem maior, nem menor, eu estou no caso... No caso do Nelson. O Nelson Rodrigues provavelmente agora viria o Leonardo e falava assim: “Não é nem o melhor da família dele” [risos].

Luiz Fernando Ramos: Mas, a coisa da preocupação estética, quer dizer, naquela época você foi hiper intuitivo...

Plínio Marcos: Não tem. Você vê que, naquela época, por exemplo, isto não é uma verdade, as pessoas falam que eu ... Muito pelo contrário, convivi com Patrícia Galvão, com Geraldo Ferraz. Na casa do Geraldo, do Ferraz e da Patrícia reuniam-se Narciso de Andrade, Roldão Mendes Rosa  Mirta Guarani Rosato, Dias de Amaral, vinham poetas, Bruno Jorge, Celso Cardoso, os artistas todos, o Arrabal, esse arrabal que as pessoas todas... Na primeira vez que ele foi traduzido e montado foi em Santos pelo grupo da Patrícia Galvão. E isso é uma universidade. Mais ainda: eu tinha uma escola de circo. Eu sabia andar dentro do palco, que isso facilita muito os dramaturgos. O Guarnieri [Gianfrancesco Guarnieri -  1934-2006 - autor e ator de cinema, teatro e televisão], por exemplo, é esse excelente dramaturgo que ele é porque ele é um excelente ator. Eu saí quase do mesmo nível do Molière que andava tão bem no palco quanto o Guarnieri. Então, quem sabe andar dentro do palco sempre tem uma vantagem, mas não tem maior. Lauro César, por exemplo. Que autor magnífico ele é, né, de teatro. E tantos outros. Se eu for ficar citando os autores aqui, com certeza eu vou criar injustiça. O próprio Dias Gomes, que belíssimo autor. Agora, não tem como você pegar e falar assim: “este é melhor, não?” Nós temos Vianinha, Paulo Pontes, Leilah, Adelaide, Consuelo... É uma infinidade de dramaturgo, é um país riquíssimo, sabe? Então, nós podíamos dizer até assim: Neste prezado momento, nós temos uma obra que é a do Nelson Rodrigues, e todos os outros, nós, juntos, seremos outra obra se Deus quiser, e está feito uma grande dramaturgia para o Brasil.

Luiz Fernando Ramos: Mas não muda essa fase sua última?

Plínio Marcos: Não. A minha fase, eu nunca tive problema. Você veja, por exemplo, depois da Barrela eu escrevi A jornada do imbecil, até o entendimento que é uma alegoria, uma brincadeira. E depois escrevi os Dois perdidos... e depois escrevi A balbina de Iansã, e depois escrevi Dia virata, é tudo diferente. Eu não quero ter estilo. Como você vê, se você acha que isto é anarquismo, eu sou anarquista até no estilo. Agora, o que me comove é você dizer... Claro, eu passei tanto tempo... As pessoas malhando a linguagem "só fala palavrão". Eu me lembro até que quando eu fui estrear, a Cacilda Becker falou assim: “É inacreditável, você conhece 20 palavras e escreveu uma peça. Só tem palavrão” [risos]. Aí de repente eu me vejo estudado nas cadeiras de lingüística das faculdades. Lingüística, que eu pensava que era uma ginástica que as pessoas faziam para fazer sexo depois de velho [risos]. De repente estudo na faculdade. Mas não tenho essa importância, porque agora, por exemplo, eu estou trabalhando para tentar fazer uma vida de Chico Viola, que não tem nada que ver com a Madame Blavatski, Madame Blavatski era uma... E o Chico era um boêmio, né? Inveterado, um cara gozador, vivia a vida, cantava. Não tenho preocupações de estilo nenhum.

Antônio Carlos Ferreira: Você está escrevendo isso nesse momento?

Plínio Marcos: Estou, nesse momento.

Sérgio Lhamas: Agora, escrever para o senhor é um processo penoso?

Plínio Marcos: O contrário. Imagina se eu não tivesse conseguido ser um escritorzinho razoável, eu talvez tivesse dando duro na estiva. Aquilo lá que é penoso.

Paula Dip: Você falou do teu amor pelo teatro, o teu amor pela boemia, o teu amor pelo futebol, e eu percebo que você fala com muito carinho do teu filho. Toda hora ele volta, esse filho. E eu queria saber dos outros. Eu não sei como é que é sua vida em casa, com a tua família, os teus filhos. Como é que você vive? Quando que você escreve?

Plínio Marcos: Eu não tenho horário de escrever, eu não tenho horário para acordar, eu não tenho horário para nada. Se fosse para ficar o horário, eu ficava dentro do sistema. Não tenho um horário. Agora, tem uma relação ultramaravilhosa com a Valderez, que é a mãe dos meus filhos.

Paula Dip: E quantos filhos você tem?

Plínio Marcos: Eu tenho três. O Leonardo, o Léo Lama, que é o escritor, ótimo compositor, toca um violão imenso...

Paula Dip: Que idade ele tem?

Plínio Marcos: Vinte e três. É meu parceiro na peça lá do palhaço A balada do palhaço, o Quico se revelou um ator quando ele deu baixa no exército, ele queria fazer cursinho eu falei pra ele: “Não vai fazer cursinho coisa nenhuma, rapaz. Vai sair do exército e entrar num cursinho, aí tu fica um idiota para sempre”. [risos] “Você vai pegar... Pega uma grana e vai dar uma banda pelas praias para ver o que você quer”. Porque o Quico é o que a gente se preocupava, porque o Léo Lama desde pequenininho já estava pegando na viola, então ele já ia ser violeiro. A Aninha, que é a Ana Festa, que é uma graça de menina,

Paula Dip: É a caçula 

 Plínio Marcos: É a caçula, mas é lindíssima. Ela é uma festa na alma e na esperança. Para ela a vida é uma festa mesmo. E vai ser atriz, quer ser atriz, já vai ser atriz, já escreveu peças quando era garotinha de escola, então tudo bem. E o Quico, a gente não sabia o que ele queria. Ele queria ser mergulhador, depois não queria. Então assim, me preocupava um pouco, mas também procurava não interferir. Aí eu falei; “Não, pega uma grana e vai andar por aí. Vai andar na praia”. Se ele gosta de praia, fica andando na praia. Talvez baixa uma luz, né, porque a gente já sabia que não podia deixar de ser. Aí ele veio, quando ele voltou, ele disse : “Eu quero ser ator. Então vai se virar”. Ele foi se virar e logo se destacou. Fez um papel lá na Helena, um papel principal até no Pedro e o lobo, aí foi candidato à revelação, aí foi fazer a peça do irmão, a Meu amor..., todo mundo acha ele maravilhoso, aí já quiseram convidar ele para uma novela e para um filme, “Devagar com esse seu andor que tu não aprendeu nada ainda”. Profissão de ator é muito difícil. Taí os atores que nem Serra e Cacá, que são veteranos...
[Todos falam juntos]

Plínio Marcos:... Mas já a Tonica, eu não vou dizer que ela é veterana porque senão ela vai ficar brava. Vocês estão vendo que ela tá começando. Mas ela é uma atriz muito conhecida em Curitiba. [risos]

Antonia Chagas: Em alguns bairros.

Antônio Carlos Ferreira: Antes de continuar o debate, só um minutinho, nós vamos ter que fazer um intervalozinho. E logo em seguida a gente volta. Então, o Roda Viva volta dentro de instantes.

Antônio Carlos Ferreira: Nós voltamos com o programa Roda Viva, esta noite entrevistando o autor de teatro Plínio Marcos. Antes de retomar o nosso debate, eu gostaria de apresentar então o ator Luís Serra, que foi muito comentado aqui na primeira parte do nosso programa, é ator e apresentador do programa São Paulo Rural aqui na TV Cultura, estava ali nos bastidores e agora conseguimos uma cadeira e um microfone para o Luís Serra.

Luís Serra: Quero agradecer ao amigo Plínio por participar dessa... Sempre é uma honra, um prazer, ouvir o Plínio falar e aprender muito com ele nas coisas que ele fala.

Plínio Marcos: Desde que você está no programa da roça, você deve entender da agricultura que anima Cacá [risos].

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, eu queria retomar aqui nesse nosso debate nessa segunda parte falando do outro tipo de... Que desde o começo você falou assim: “O meu teatro é alternativo, um teatro alternativo e tal”. Queria que você falasse um pouco do outro teatro, o não-alternativo, o grande teatro, o teatrão e qual é sua opinião sobre ele hoje no Brasil.

Plínio Marcos: Eu acho que, por exemplo, nós temos que nos orgulhar, porque nós temos em cena hoje algumas interpretações de altíssimo nível. Se você pegar, por exemplo, o trabalho dos atores Juca de Oliveira e de Luís Gustavo, na peça do Juca, o trabalho de Pompeu e o trabalho do próprio Fagundes [Antonio Fagundes] nessa série de peças que ele fez. O Fagundes no O anarquista, por exemplo, um trabalho de altíssimo nível. O Pompeu também. Se você pegasse o Caruso e o Arutim na televisão, se você pegasse Raúl Cortez, no O lobo, e tantos outros que eu estou esquecendo, por exemplo, não estou falando nem das mulheres, porque se você pega das grandes atrizes, então nós estamos... E eu não estou falando do Rio de Janeiro, porque faz tempo que eu não vejo no Rio e não tenho ido ver Ítalo Rossi, Valmor Chagas ... Valmor Chagas não, ele está até fazendo um alternativo lá. Ele é seu pai, né Tonica?

Antonia Chagas: Não senhor.

Plínio Marcos: Ah, não? Nem parente?

Antonia Chagas: Não senhor

Plínio Marcos: Os dois são Chagas, né? Mas o Valmor Chagas tá alternativo, o Rubens Corrêa, que também é alternativo, mas é um gênio, mas tem Ítalo Rossi, uma porção, uma infinidade de grandes atores...

Antônio Carlos Ferreira: Mas então por que você não quer fazer esse teatro?

Plínio Marcos: Não é que eu não queria fazer, eu não sou é profissional.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, sobre essa questão, Plínio, inclusive nós temos uma pergunta gravada aqui do Ignácio Loyola Brandão [escritor e jornalista] que eu acho que vai pegar um pouquinho, a gente vai poder discutir um pouquinho mais esse assunto técnico. Você pode assistir à pergunta por um desse monitores.

Ignácio Loyola Brandão: Plínio, você faz um trabalho pelo qual eu tenho a maior admiração, ou seja, você edita os seus livros e você sai com os seus livros debaixo do braço vendendo por toda parte. Até na praça pública, ou principalmente na praça pública. Talvez a última pessoa que faça esse trabalho, talvez o último alternativo do Brasil. Agora, o que eu quero te perguntar é o seguinte: Evidente que esse é um trabalho muito bonito, é um trabalho muito importante que exige uma coragem até. Agora, isso não te limita um pouco como autor? Porque, como é aquele leitor do Rio Grande do Sul que conhece e que gostaria de ler o Plínio Marcos? Ou aquele leitor do nordeste, ou de Cuiabá, ou de Corumbá? Como que esse livro seu vai chegar a ele? Você não acha que tem esse aspecto que, não sei se é negativo, mas, limitativo desse teu trabalho?

Plínio Marcos: Loyola. Loyola é um dos poucos que vive de escrever no Brasil. Eu fui de vender livro. Agora, veja bem, eu vendo livro e estou gordo, ele escreve e é profissional e está magro [risos]. Mas não é, é que ele faz regime, ele é um grande escritor e um grande... Não limita não, Loyola, muito pelo contrário. Você veja assim: quando eu era de editora, eu tirava, por exemplo, Querô, que era o meu romance campeão, tirava cinco mil exemplares por ano e era uma batalha para vender. Era três livros para Goiânia, três livros para Corumbá, três livros para não sei aonde. Hoje quando eu vou fazer uma palestra num lugar desse aí, eu vendo trinta, quarenta, cinqüenta e até cem livros em uma cidade. Quer dizer, eu vendo muito mais andando, e eu não sou alternativo, sou enjeitado. Alternativo é quem escolhe e eu fui posto para fora. Ninguém quer editar os meus! Mas eu queria editar e eu queria que garantissem que o livro seria distribuído. Como o livro não é distribuído, então eu vendo muito mais. Não é uma limitação, é muito mais. Por exemplo, o Querô, tiraram uma edição de cinco mil exemplares por ano. Qualquer livro que eu vendo de mão em mão, eu tiro quinze mil, vinte mil por ano, que é muito mais, não é? Quer dizer, o escritor é ruim, mas o camelô é ótimo.

Antonia Chagas: É, mas o camelô anda camelando há muito tempo. Há muito tempo você faz esse trabalho de vender livros nas portas dos teatros, nas ruas, nas escolas e tal. Mas outro dia você estava saindo do Gigeto, com esse teu... Arrastando as havaianas, e já de costas, você falou assim: “Ah, já estou cansando desse negócio e tal”. Você está cansando de ser alternativo?

Plínio Marcos: Vender livro em terra de analfabeto com fome não é uma tarefa fácil. Então agora, por exemplo, cansei. Estou lá, fazendo um show. Enquanto estou no show eu não vendo livro.

Antonia Chagas: Mas nunca cansou de ser alternativo?

Plínio Marcos: Eu não canso de ser alternativo. É o que eu estava dizendo para o Tonico. O Tonico é ele [mostrando Antônio Carlos Ferreira]. De repente você se ofende. Aquelas coisas, essa gente do teatro é fogo. Mas, Tonico, eu estava te dizendo o seguinte: eu não sou profissional. Eu não teria, provavelmente, a sutileza dos meus colegas que escrevem, por exemplo, novela. Provavelmente não conseguiria. Então não posso ser profissional. Então tenho que escrever o que me dá na cabeça, o que me apaixone. Então outro dia conversando com o Zé Ramos Tinhorão [(1932-) historiador, antropológo e pesquisador da música popular brasileira] a gente começou a falar de Chico Alves, de Chico Viola, essas coisas todas, aí me entusiasmei para escrever a peça por aí. Mas nem me passa na cabeça quem é que vai montar. Eu escrevo e deixo lá. Eu tenho uma peça que está, que o pessoal fica todo entusiasmado para escrever e está guardada para o meu Quico, né? O Quico da gente é o Querô. Ou faz com o Quico, ou não faz. Desde que... Ele nem sabia que ia ser ator, eu já sabia que era ele que ia fazer o Querô. Porque, pô, eu escrevo assim. Não tem nenhum jeito, por exemplo, de eu escrever A Madame Blavaski se não fosse a Valderez que fosse fazer. Ou ela faz ou eu não monto. A balada de um palhaço, ou ela fazia, ou eu não montava. Porque eu não sou profissional, eu não vivo disso. Já sei que não vou ganhar dinheiro mais mesmo.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, você acha que vender livro - e desculpe a insistência nessa questão, porque a gente gosta tanto de você, a gente gosta tanto da sua obra que a gente gostaria que a sua obra tivesse... Que você tivesse toda vez sendo encenada, ela tivesse no teatro o tempo todo e tal. Agora, quando você sai para vender livro na rua. Isso te dá alguma coisa, algum incentivo, algum... Te inspira alguma coisa? Porque eu acho que não! A minha impressão.

Plínio Marcos: Na verdade é muito mole, né? Na verdade é mole. Eu pego meu livro, por exemplo, eu vou lá na porta do teatro do Cacá, que é um sucesso retumbante, aquelas pessoas vão entrando lá, e junto tem o Fagundes, dois grandes teatros juntos ali funcionando “Esses dois canalhas lá dentro fazendo sucesso e você aqui fora! Me dá três livros”. [risos]. É meia hora de trabalho, rapaz. Eu não nasci para trabalhar. Eu nasci para ser bon vivant. Se eu fosse trabalhar, eu arrumava um emprego. Então é mole, não tem nada...

Antônio Carlos Ferreira: Não, eu digo assim do ponto de vista da experiência, da inspiração inclusive, para poder escrever alguma coisa, porque quando você trabalhou em teatro, em circo, quando você trabalhou no porto e tudo, tudo aquilo é claro que te ajudou a fazer as suas peças.

Plínio Marcos: Mas não tinha consciência. Não tinha consciência, Tonico. Não tinha consciência. Na verdade verdadeira, veja bem: existem as coisas que você sabe e as coisas que você compreende. Todos nós sabemos que o país está miserável, mas não compreendemos direito o que é a miséria, portanto, não compreendemos e não fazemos nada pela miséria. Então, isto que é fundamental. O que fica em você é teu. O que tu sabe, já fica discurso. Então, você vai vender livro, você não está se preocupando, você vai lá e vai brincando, é uma brincadeira. Eu falo com as pessoas, discute com um...

Antônio Carlos Ferreira: E você consegue se sustentar com isso aí? Você se sustenta com a venda de livros?

Plínio Marcos: Você vê que estou gordo vendendo livro em terra de analfabeto tem que ser um sucesso.

Antônio Carlos Ferreira: Mas, como agora os seus filhos também estão fazendo sucesso, né, talvez...

Plínio Marcos: Não, o Leonardo toda hora ameaça de me sustentar. Ele pensa que eu tenho alguma coisa contra. [risos] Acho que filho é para isto. Será a primeira vez que eu serei sustentado por homem, mas o quê que eu posso fazer? A Valderez, por exemplo, vai estrear uma peça, eu espero que ela faça sucesso para me dar pensão, né? Que eu sou a favor de receber pensão. Quicão, mais cedo ou mais tarde vai ser sucesso. Quico da gente é um grande ator, é bonito, é talentoso e está tocando clarinete maravilhosamente, e a Aninha, esta será um retumbante sucesso.

Cacá Rosset: Plínio, esse substitutivo do centrão [agrupamento político do Congresso brasileiro], que provavelmente será aprovado, não garante a liberdade de expressão no país. Quer dizer, você que é o inimigo público número um da censura, como é que você está vendo a questão da liberdade de expressão nesse momento?

Plínio Marcos: Eu não sou o inimigo número um. Nós todos, nós todos aqui presentes, os atores, os jornalistas, nós sabemos disso mais do que ninguém. O Cacá, que se não houver liberdade total de expressão, não pode haver preservação dos direitos humanos. Mas o que você pode esperar de um país onde Plínio Sampaio [Plínio de Arruda Sampaio (1930), deputado, atualmente do PSOL], que é do PT, vota a favor da censura, rapaz! A sociedade é censura. Eles têm um tremendo medo de que as pessoas falem e pensem livremente. Imaginem, deixando uma fera brava que nem Kaloy fazer o teatro que quiser, dizer o que quiser, sem nenhum controle. Cai a sociedade deles, as instituições estão podres! Eles não entenderam ainda que, para a gente viver bem, não pode mais haver instituição: não pode haver mais igreja, não pode haver mais exército, não pode haver mais casamento, nem família obrigatória. Então, eles entenderam isto, eles se defendem da gente. Então, a liberdade de expressão para eles é uma doença. Então vem o cidadão... É Sampaio mesmo o nome dele, Plínio Sampaio? Plínio de Arruda Sampaio, que é do PT e em nome do compromisso que ele tem com a igreja, vota a favor da censura! O que tu vai esperar da direita? O que tu vai esperar do Robertão [Roberto Marinho - 1912-2003 - jornalista, dono da Rede Globo], do, daquele lá... Daquela cria do Lacerda [Carlos Frederic Werneck de Lacerda - 1914-1977 - jornalista e político da UDN, partido de direita do anos 1950, apoiou o golpe de estado em 1964]  lá... O Amaral Neto. Sabe o que a gente tinha que esperar deles, rapaz, se a esquerda vota a favor da censura? Aí então é terrível. Agora, eles sabem muito bem que se deixarem a gente pensar e falar, cai toda a instituição.

Luiz Fernando Ramos: Você acha que a liberdade de expressão, que o teatro livre tem esse poder? Quer dizer, teve uma época em que você não era... Agora é possível, você...

Plínio Marcos: A Balada de um palhaço era isso, companheiro. Jovem, você que é um guerreiro porque você que faz uma revista de teatro no Brasil e fazer uma revista de teatro no Brasil é uma tremenda ousadia, né? É uma loucura, é uma maldição. Essa é que é uma alternativa! Mas, então, você veja: A Balada de um palhaço era isto, é o que aconteceu conosco. Nós ficamos exauridos lutando contra a censura, lutando contra a ditadura, toda hora nos perseguido, toda hora preso, e não era. Você diz assim: “mas era fulano que era preso?” Não era fulano! Era qualquer um de nós que caía era como se nós caíssemos. Quando você pega os formuladores, você Zé Celso, você pega Boal, você pega o Ferreira Gullar, que eram formuladores. E essas pessoas têm que sair do país, foram obrigadas a sair do país porque não podiam formular mais coisas. Nós, artistas, era fácil censurar, mas os que formulavam, estes tiveram que ser realmente postos para fora do país. Então, o teatro cansou, se exauriu. Quando veio a chamada "liberdade", que o governo Sarney, através do Fernando Lira, que também se diz de esquerda, fez uma festa para dizer que acabou a censura e era mentira, porque a lei permanecia igualzinha, igualzinha. Quando aconteceu tudo isto, nós não sabíamos direito o que dizer, porque a gente não sabe se situar. Por mais que o artista queira ... E você tem razão. E não sou eu, são todos os artistas. Na verdade, os que mexem com a idéia, na verdade, são anarcos [anarquistas]. Então as pessoas não sabiam dizer, e elas são generosas. De repente elas vem: “Olha, você não diz isso aí que atrapalha. Se você disser isso, (não entendi) pode sair outra vez do quartel. Se você disser isso, você desvaloriza a classe política...” Então os artistas começaram cansados e perdidos, sem saber se situar. Em qualquer profissão, em qualquer coisa, seria legítimo haver um descanso, haver um relaxamento. Mas não, nós tivemos que continuar trabalhando, trabalhando...

 [  ]: Você acha que a classe teatral está cansada, Plínio?

Plínio Marcos: Não é a classe teatral. O Brasil. Só que na escola da vida, como diz Jorge Amado, não tem férias. O povo não pode sentar na sarjeta e chorar. Continuamos apinhados dentro dos ônibus, esmagados, sem saber o que vai ser com o nosso aluguel, aumentando tudo todos os dias, o leite, o pão, as coisas essenciais, o feijão o aluguel. Então estamos exauridos. Então você veja: na Balada de um palhaço, eu colocava isso. O artista que é o palhaço, que luta pelo direito de não ter que fazer uma arte comprometida, uma arte para agradar, e quando ele entra em cena, ele não tem absolutamente para dizer.

Antonia Chagas: O Bobo Plin era um auto-retrato?

Plínio Marcos: Os dois são um auto-retrato. Tanto o Menelão como o Bobo Plin.

Antonia Chagas: Você tem um lado de Menelão?

Plínio Marcos: Claro, meu amor. Você sempre tem um conflito dentro de você. É essa que é nossa ansiedade, é a dualidade. Se eu fosse uno, que maravilha seria, mas não, eu tenho uma dúvida. Quando eu de repente sou convidado para fazer uma coisa que eu não quero, eu penso na Aninha, penso nos meus filhos, penso na minha mãe, que meu pai trabalhou a vida inteira e deixou para ela uma aposentadoria de 900 cruzados. E a minha velha está lá, com setenta e oito anos e se não fosse eu e meus irmãos, ela provavelmente estaria catando bagulho no chão da feira. Então tudo isto é uma indignidade neste país, quando a gente sabe que qualquer calhorda desses tem quatro, cinco aposentadorias. Que eles cooperam em causa própria mesmo. Então essas coisas todas são doídas, não é? Então, não é o artista. O artista, talvez, seja o porta-voz do povo. Eu às vezes fico pensando, viu? Eu rezo uma oração que diz assim “Senhora, Jesus se fez verdade em seus braços, e, no entanto, para a senhora ele sempre foi menino. E, no entanto, não foi por ele que a Senhora chorou no Calvário. A Senhora chorou por nós. Homens que Jesus quis como irmão, por quem foi recusado. Chorou por nós, homens que Jesus quis libertar, mas que preferimos continuar escravos. Agora nesta hora, nesta hora dura, hora certa da tristeza materna, hora das cordas, dos açoites, dos lamentos, nesta hora que o homem de pouca fé pensa que é o fim, por causa das transformações profundas, concede-me, Senhora, o direito de pegar a palavra dos fundos das águas e entregar para os homens no continente como ponte da libertação, do despertamento, da subversão”. E é isso que nós estamos procurando todos, cada um no seu campo, cada um no seu sentido. E é isso que eu estou procurando, é essa palavra que incendiasse, que eu pudesse te dizer “eu te amo” e ela significasse exatamente a intenção do meu espírito. Porque senão se torna na palavra ociosa que resulta em nada, se resulta nesse homem moderno, homem de Babel, um homem que não sabe o que falar, não sabe por onde seguir.

Antônio Carlos Ferreira: Plínio, isso que você acaba de dizer me lembra... Novamente lembra a gente de uma relação entre a sua obra e a do Nelson Rodrigues, porque vocês dois também sempre foram considerados autores malditos, o autor que coloca o sexo, coloca o palavrão, e, ao mesmo tempo, os dois também têm essa religiosidade. Que que é isso aí? Tem uma ligação assim?

Plínio Marcos: Você pode negar que algum autor brasileiro escreva sem ser a favor do homem? Quem escreve a favor do homem, evidente que tem. Você pega o Guarnieri, o Dias Gomes, Ferreira Gullar, Paulo Pontes, Vianinha, Leilah, todos todos, Lauro César, todos escrevendo a favor do homem, portanto, escrevendo a favor de uma religiosidade. Todos os artistas, o Cacá quando procura, o Serra quando procura, o Kaloy, a Tonica, os outros atores, todos, quando eles procuram uma peça, claro que eles querem ser a ponte do despertamento do homem. Não conheço nenhum artista que não queria fazer, o grande jornalista que não queira fazer a reportagem que mantenha no fundo da sua alma aquele compromisso que tinham os apóstolos, de contar a Bíblia. Não conheço nenhum. Agora, veja bem, de repente nós não temos espaço. A nossa luta, a gente fica de repente caído. Veja, eu lutei contra a polícia como jornalista, nas folhas eu vi minha cabeça ser trocada para a polícia federal, na Veja, fui despedido, no República, fui despedido, não sei onde fui despedido, o jornal Movimento que era um jornal onde a gente trabalhava de graça eu fui apreendido, fui processado tantas vezes, e, de repente quando vem os caras dizendo: “agora tem liberdade de expressão”, você não tem onde falar. Você não pode entrar na Bandeirantes, não pode entrar não sei aonde, não pode entrar no canal do Sílvio Santos, não pode trabalhar aqui, não pode falar nesse jornal, não pode dar entrevista nesse. É claro que, evidentemente isso é uma força bruta.

Luiz Fernando Ramos: Agora, você não acha que, por exemplo, essa marginalidade que você está vivendo, que você sente... Você estava falando de grandes interpretações de grandes autores, mas, se você comparar com a década de 60 em termos de espetáculos, de diretores, o teatro está muito menos importante do que foi naquela época para a sociedade. Então, mudou o teatro, mudou o Brasil, o que aconteceu com o teatro que o teatro está tão por baixo?

Plínio Marcos: Olha aqui, quando um ator estiver em cena representando com grandeza absoluta, como neste exato momento representa o Cacá, que está aqui presente, o Serra recentemente representou, e a Tonica sempre representa, na Blavaski, por exemplo, ela era de uma força, Kaloy, na minha peça também era de uma força, de uma coragem... Quando essas pessoas estiverem em cena, você pode ter certeza que o teatro está vivo. Então, você veja, eu vou te dizer uma coisa, é claro que você não acompanhou, mas, em 64, quando teve o golpe militar, as pessoas estavam desesperadas e fizemos uma reunião para saber o que seria de nós. E a alma grande, esse mestre do teatro brasileiro, Alberto da Versa dizia o seguinte: “os atores representem os grandes textos. Nenhum censor vai ter coragem de proibir um Shakespeare. Nenhum vai proibir esses grandes autores que são heranças espirituais da humanidade. E se eles se fizerem grandes, quando o autor puder escrever, vai ter que escrever para estes grandes atores”. Então, neste prezado momento, se nós escritores, os poetas todos que estão aí, estão exauridos e está chegando agora então a geração de Léo Lama, de Quico de Barros, de Aninha, das meninas da Blasfêmia, daquela Aninha Cafuri, da Rita Malui, e do Lage, e dos jovens diretores e eles vem chegando, e eles vem chegando, com certeza eles vão ter que escrever para grandes atores. Veja, por exemplo, Cacá é um jovem ator e é novíssimo. Daqui há dois, três anos, você vai ter que pegar e escrever para ele. Então você que está começando e o outro vão ter que escrever para o Serra. Isso te obriga a escrever para nós todos, porque você fala “em 60... Em 60 começou a aparecer uma dramaturgia, na verdade”.

Luiz Fernando Ramos: Você acha que a existência de uma dramaturgia é fundamental para que exista um teatro forte?

Plínio Marcos: Não. Os atores são fundamentais. O artista do teatro é o ator. Não existe essa coisa. Ninguém vai pagar a entrada para ver Nelson Rodrigues, para ver Guarnieri, para ver Plínio Marcos. Todo mundo vai pagar para ver os atores. Eu vou no teatro para ver os atores. O diretor não existe no teatro.

Marcos Kaloy: Falando nessa perspectiva, Plínio, uma vez eu estava vendo um programa aqui, o Raul [Cortez] estava sentado onde você está e a Célia Helena [atriz, foi casada com Raul Cortez] perguntou para ele sobre os grupos de teatro antigamente existiam, que tinham uma certa continuidade que outros, hoje são muito poucos e que são poucos os autores que topam trabalhar com os grupos e criar um espetáculo conjuntamente com os atores. Você ainda é aberto a isso, você trabalha dessa forma?

Plínio Marcos: A Celinha, ela está desinformada, porque, por exemplo, o Cacá é 10 anos de grupo.

Marcos Kaloy: Não, a gente também, 10 anos.

Plínio Marcos: Então? Claro, 10 anos. Se eu tenho dois grupos com 10, não tem tão poucos assim, porque em São Paulo tinha o quê? O Arena e o Oficina.

 [  ]: Já é um casal vinte, né? [risos]

Plínio Marcos: Então, você veja que, de repente, essas pessoas, por força das cirscunstâncias elas ficam mal informadas. O que não tem mais é a divulgação que tinha essa do Arena. Os críticos, por exemplo, perdiam um tempo enorme conversando com as pessoas que estavam fazendo trabalho de pesquisa de coisa, publicavam, impulsionavam, e essas coisas todas. Agora, você veja, por exemplo, o Teatro de Arena tinha 170 lugares. O do Cacá tinha até pouco tempo 500 lugares. Veja qual que cabia mais gente.

Cacá Rosset: Não era meu. Era da Dona Ruth aqui. [risos]

Plínio Marcos: Não é sua tia? [risos] Ela te protegia.

Marcos Kaloy: Mas você estaria aberto a trabalhar com grupos, com atores.

Plínio Marcos: Não, pelo contrário, a última vez que eu organizei alguma coisa era um grupo. Era o grupo "O bando", que era uma experiência cooperativada que deu certo durante dois anos. É que, por exemplo, o que eu acho é que, de repente, o grupo tem que acabar. Então chega um belo dia e você acaba, para não viciar, porque senão fica viciado. Senão, chega num ponto em que todo mundo sabe o que o outro fala, de repente, se fala demais não tem salvação, sabe como é? O negócio é que tem que se misturar, o artista tem que se misturar. Você tem que conviver com pessoas que não acreditam tanto no que você fala. Conviver com pessoas que te contestam.

Luís Serra: Agora, só uma pequena intervenção...com relação

Plínio Marcos: Fala Serra! Bebendo água hein quem diria...

[risos]

Luís Serra: ...Com relação a esse assunto, eu tenho tido muita discussão com esse pessoal que está surgindo, esse pessoal de valor, a respeito desses grupos com relação aos grupos que existiam antigamente como esse tema aí do Arena e do Oficina, que eram os dois grupos, digamos, principais na ocasião... O Opinião lá no Rio, e tal. E eu sinto uma certa (da parte deles) uma certa desconsideração pelo trabalho que foi feito nosso durante aquele tempo e tudo o que a gente fala hoje, fala assim: “Bom, naquele tempo aconteceu isso, aconteceu aquilo. Ah, mas isso é coisa de passado, não interessa mais, não sei o quê”. Quer dizer, uma certa tendência de considerar aquilo como coisa feita, não deu certo e vamos partir para outra. Eu, muitas vezes brigo com esse pessoal por causa disso porque eu acho que, fundamentalmente o que está existindo hoje, se você pegar de 1964 até 73 para cá, até 80, oitenta e pouco, eu tenho a impressão de que está havendo uma retomada agora dos estilos, do tipo de assunto que o pessoal, principalmente desses grupos está procurando montar, é uma retomada daquilo que foi interrompido por volta de 73, 72.  Qual é a sua opinião sobre isso, quer dizer, eu me sinto assim meio como se toda a minha participação, durante todo esse tempo, o fato de eu ter feito todo o tipo de teatro que eu fiz durante todos esses anos, jogado fora em razão de uma situação agora. Não tem mais valor.

Plínio Marcos: É sadio. É sadio eles chegarem com um trator e passarem por cima de você. Porque, veja bem: o Arena e o Oficina conseguiram se instalar passando com o trator por cima de Procópio Ferreira, de Bibi Ferreira. Essa á a luta da juventude. Eu vou te contar um diálogo que eu tive com o Leonardo e com o Quico crescido eu falei: “Vocês tem que chegar e arrebitar a boca do balão! Se você começar a me respeitar - papai é melhor autor - você não faz nada. Tem que chegar e falar que era uma coisa que já era”. Porque senão você não ocupa o lugar. Você tem que vir com o seu. Sabe, por exemplo, na Balada de um palhaço, uma das coisas mais bonitas que eu escrevi na minha vida, eu gostava tanto daquilo, eu dizia assim: “Quando eu fui começar a ir em circo, as pessoas vieram e me diziam assim 'Olha, tem um gordo que faz dupla com um magro engraçado. Eles são ótimos. Tem um que tem um bigodinho, que ridicularizou uma coisa, tem um que tem uma calça pelas canelas, tem um...' eu só não podia ser eu mesmo”. Por isso que a minha carreira de palhaço frustrou, porque todo mundo tinha uma referência. A nossa cultura é de comparação. O Serra, de repente eu te acho um magnífico ator. Mas, se de repente, eu pegar o Quico e falar assim: “faça como o Serra, já tem Serra”.

Luís Serra: Não, não é nesse sentido que eu estou falando, Plínio. Como você, como foi dito aqui, você criou...

Plínio Marcos: Não tem. Não acaba, não acaba. Você pode, por exemplo, o Procópio Ferreira foi mandado para o interior. Só andava pelo interior mambembando. A Bibi Ferreira, esta mestra, esta criatura adorada não existe neste prezado ninguém mais completo no teatro brasileiro do que Bibi Ferreira [Abigail Izquierdo Ferreira, 1922, atriz, diretora e dramaturga, filha de Procópio Ferreira], esta mulher, ela teve que ir para Portugal. Não tinha lugar para ela, rapaz, quando o TBC [Teatro Brasiliero de Comédia] entrou. Mas não acaba. De repente, por exemplo. Eu me lembro quando apareceu Jaime Costa fazendo um musical, todo mundo: “Mas meu deus, de onde surgiu esse ator?” Esse ator não surgiu, ele sempre existiu. Nós é que não acreditamos mais nele, então ocupamos espaço. Mas depois ele tem tanto talento que ele fica lá. Não tem como você tirar, como você fazer. Claro que o Leonardo tem que sair por aí dizendo: “O meu pai já era! Senão ele ... o meu pai é bom, eu tenho uma pecinha”. Não existe isso, rapaz. A juventude tem que pegar e seguir o livro: “É lixo sim, por isso que não deu certo! Era um bando de idiotas”.

Luís Serra:
Não, eu não concordo com essa postura deles de querer ganhar o espaço e ter que...

Plínio Marcos: Para ganhar o espaço tem que falar mal, falar mal, falar mal. O Nelson Rodrigues só era maravilhoso porque ninguém podia falar do Nelson Rodrigues. Sempre tinha uns dois, três para falar mal. Aí tinha um que defendia, então ficava evidente. Não tem disso. O jovem tem que pegar e desconhecer mesmo. Mas não desconhece tanto assim, tanto é que, por exemplo, lá o Humberto Mariani, o Marquinhos Santista, o Fláusio Arapi que está organizando aquele negócio de representar, o Chico de Assis, esse magnífico dramaturgo que é de tanto sucesso, inclusive está dando aula de dramaturgia e fica toda a juventude lá no Inacem [Instituto Nacional de Artes Cênicas]. Então você vê que não está perdido o elo. Acho que quem chega, tem que chegar com tudo. Sabe, era aquela coisa: eu me lembro que eu desacatava mesmo, eu era folgado que só... O colarinho. A Patrícia Léo Rumo uma vez escreveu no jornal lá de Santos, lá na Tribuna. A Tonica conhece bem e sabe o que significa você ser pichado dentro da Tribuna. A Patrícia botou assim na manchete do jornal: “este analfabeto está esperando outro milagre de circo. E me esculhambava”. Botou um retrato meu assim grandão, com gravata borboleta e tudo, e Bumba, Bumba meu Boi. Eu falei: “Patrícia, você ficou louca, rapaz? Você é minha amiga!” Ela falou: “Assim tu aprende. Tu não gosta da guerra de geração? Só quer dar porrada e não quer tomar? Então toma para tu ver como é bom” [risos] Aí bebemos juntos e ficamos dando risada, só que eu era vaiado em público. Parecia que eu era o único analfabeto de Santos. Quando passava [risos]... Tinha um programa de rádio oficial para me esculhambar. Então, essas coisas todas que você tem ... que é a luta normal, sabe? Isso que é a vida, isto que é o sangue, isto que é maravilhoso. E no dia em que te respeitarem, você deixa de ser o grande Serra que você é.

Paula Dip: Falando de guerra de geração, você falou num momento da tua carreira, você trabalhou para a televisão, fez sucesso na televisão. Hoje você disse que a televisão não te chama mais. Porque você não quer ou porque você acha que elas não têm espaço para você?

Plínio Marcos: Ó, meu amor, por exemplo, o meu amigo Oswaldo Loureiro me chamou para fazer uma coisa chamada... Como é que era? Senti firmeza. Eu não condeno nem que vá, eu tenho vários colegas que estavam desempregados para ir lá. Para começo de conversa, mesmo que quisesse, a Bandeirantes não ia deixar, como não deixou. Como o Carlos Alberto de Nóbrega me convidou para fazer a Praça da Alegria dele lá, na Bandeirantes, e depois não pode confirmar o convite porque eles não deixaram.

Paula Dip: Mas você iria?

Plínio Marcos: Não, eu não iria. Eu não iria porque eu não posso. Veja bem: eu sou uma pessoa que faço uma média de três palestras por semana em igrejas, em periferias, em favelas, em colégios, em interior, essas coisas todas pelo Brasil inteiro. E digo determinadas coisas que daí não permitem que eu apareça fazendo outras.

Paula Dip: É concordo...

Plínio Marcos: Então eu posso aparecer aqui nesse programa que, brincando, eu vou dizendo todas as minhas coisas que então as pessoas... Mas eu vejo que o que está acontecendo com a juventude brasileira é exatamente isto, não sei quem me perguntou, não sei se foi o Kaloy... O que eu vejo com a juventude é que ela está desacorçoada do cara que faz um discurso bonito e não cumpre. E o que me tem diferenciado e a minha religiosidade me obriga a ser é uma pessoa que procura viver o seu próprio discurso. Então eu não posso aparecer numa favela dizendo uma coisa lá e, de repente para aparecer na televisão fazendo outra coisa. Eu não posso fazer, por exemplo, comercial de televisão porque eu abomino comercial. Eu acho que é apregoar a loucura você pegar pessoas que não podem comprar e insistir que elas comprem. Eu não posso fazer. Então eu vou ter que pegar, morrer na sarjeta se for o caso, mas não posso fazer isto, porque eu sei que a molecada não acredita no padre, não acredita no professor, não acredita no pai, não acredita no artista, não acredita em ninguém. Por quê? Porque ele não tem um parâmetro de honestidade. Então se eu vou lá e converso com eles e vejo que tem isto, eu tenho que garantir o meu taco, e é isso que eu estou fazendo.

Paula Dip: Mas o que você acha da televisão que está sendo feita no Brasil atualmente?

Plínio Marcos: A televisão tem dono, né? Então você não pode pegar e negar. Isso aí outro dia um jornalista escreveu que eu sempre falo a mesma coisa. Mas a televisão que é o vínculo cultural do nosso tempo está entregue aos invasores. Isso não há como negar. Eu tive que dizer isso na marinha, no exército, na polícia federal, no Dops.. São 9600 filmes estrangeiros por ano nos cinemas brasileiro. São 80% de música estrangeira tocando diuturnamente nas nossas rádios, são 280 filmes estrangeiros por semana na televisão brasileira. Esta massa de cultura de consumo não está aí por acaso. Ela está aí para esmagar as manifestações que protegem o povo brasileiro, para descaracterizar o homem como um brasileiro, para mesquinhar o mercado de trabalho do homem brasileiro, do comunicador brasileiro, impedindo que a gente possa discutir os aspectos culturais da nossa profissão, e se você quer ver, hoje, em plena crise econômica, o Brasil gasta muito mais na importação de cultura de consumo do que na importação de petróleo, e ninguém vai falar em economizar nisto porque para vender de café, soja, sapato lá nos Estados Unidos, nós temos que comprar essa bagulhada. Eu me apresso a dizer que sou contra as fronteiras, sou contra essa idéia de país, essas coisas todas, mas eu não posso aceitar o mundo sem a participação cultural de um povo onde me criei. Não posso aceitar o mundo sem berimbau, sem caipirinha, sem bumba-meu-boi, sem feijoada, sem farofa, sem macumba. Então eu quero que seja a recíproca verdadeira, eu quero um espaço de criação. Então, nós não temos um mercado de trabalho. Então, essa previsão é mal feita. O jornalista, de repente, não pode ter compromisso com a notícia. O ator não pode discutir os aspectos culturais do seu trabalho. Então é ruim, é muito ruim a televisão que está sendo feita aí.

Ninho Moraes: Você topa fazer um tele-teatro aqui na Cultura?

Plínio Marcos: Fui convidado, apareceu um rapaz em casa. Ele foi lá em casa e queria adaptar uma peça minha. Eu perguntei se ele sabia se Plínio Marcos estava vivo. Porque se eu estava vivo, eu mesmo poderia adaptar [risos]. Ele falou que não e tal, que ele ia adaptar, que era uma chance dele. Eu achei o rapaz bobo, era Roberto, não sei o sobrenome dele, dei uma peça para ele adaptar chamada Homens de papel, onde ele ia ganhar mais do que eu. Mas eu dei, ele falou que precisava entender de televisão, eu falei: “Tudo bem. Você vai lá e faz a adaptação”. Depois ele apareceu lá em casa e deu a peça para mim ler e eu não tinha tempo de ler peça que eu já li. Então eu peguei o Marquinhos Santista, que é um amigo, bom diretor, eu dei para ele ler, ele achou que estava ótima a adaptação. Devolvemos a peça para o garoto e falamos: “pode fazer”. Ele veio aqui e proibiram.

Antônio Carlos Ferreira: E isso quando?

Plínio Marcos: Faz uns sete, oito meses atrás. Proibiram. Agora, desta vez eu peguei, ano passado no carnaval uma figura falou assim para mim: “Olha aqui, eu indiquei o teu nome lá no canal dois e eles não deixaram”. Esse ano eu peguei no pé do Roberto Oliveira: “Ora, que história é essa, não deixar trabalhar no carnaval?”  “Não, muito pelo contrário. Ano passado eu falei do teu nome e os caras falaram que você não quer mais trabalhar”!. Eu falei: “Mas eu quero, pô. Claro que eu quero. É carnaval, eu vou ter que ficar na Avenida mesmo! Já falo lá 'olha aí, não sei o que...” Então já me pôs para trabalhar.

Luiz Fernando Ramos:
Qual é a sua escola? Será que pode falar aqui? Você vai cobrir...

Plínio Marcos
: Não, não tem escola, porque, por exemplo, nós éramos agitados. Eu o Geraldão, o Toniquinho, o Zéca da Casa Verde. Nós na verdade implantamos, incrementamos, eu que incentivei o Inocêncio Mulato a fazer a primeira roda de samba de São Paulo, que era a camisa verde e branca da Barra Funda, eu que incentivei o Geraldão a fazer a roda de samba da Paulistano. Eu com a Valderez, com o Roberto Ruco, com a Beth Ruco, e com tantos artistas, com o Alexandre Borra, que fundamos a Banda Bandalha, então nós sempre agitamos carnaval, entende?

 [  ]: O Carlão...

Plínio Marcos: O Carlão, o jovem Carlão que agora tira a banda do redondo desesperado. Porque as outras bandas agora querem inaugurar o carnaval de São Paulo, já estão saindo em janeiro do ano passado [risos]. Quer ser a primeira, né, aquela coisa toda. Então nós temos aquela banda maravilhosa, que era a Banda Bandalha, que era bonita. Eu me lembro que um cidadão punha guarda reforçada na porta do Jaraguá, o primeiro que passasse ou atirasse pedra, sei lá. Tinha os que pensavam que era passeata, né? Que a banda de São Paulo, o carnaval de São Paulo tem umas piras... Eles confundem um pouco banda com São Silvestre. Eles vão depressa.

Sérgio Lhamas:
Como é que é essa peça que foi proibida aqui no Canal 12? Só para ter uma idéia, por que ela foi proibida?

Plínio Marcos: Era Homens de papel, não tenho a mínima idéia por que foi proibida. Eu mandei o cara perguntar e ele nunca mais apareceu. Mas era Homens de papel, uma peça que a Maria Delacosta [atriz e produtora teatral] montou em 67. É a discussão da mais valia entre catadores de papel. Com papéis...

Marcos Kaloy: Plínio, a gente estava no carro, a gente estava falando sobre um fato que ocorreu com um crítico no teatro. Qual é a tua relação com a crítica? Se puder contar esse fato, conte...

Plínio Marcos: A crítica, eu não tenho fato nenhum, eu não tenho nada a esconder, tudo meu é público, o problema da crítica é o seguinte: no ano passado, veja bem, a crítica, por exemplo, o João Cândido e a Sônia Goldenfeld, que são pessoas até que são consideradas colegas nossos, porque eles até fizeram escola de arte dramática, foram atores, essas coisas todas, e de repente eles vão ser críticos. E vão, por exemplo, o João Cândido foi convidado umas três ou quatro vezes para assistir a Balada de um palhaço. Evidente que nós não estamos querendo ganhar prêmio. Mas a Veja é uma revista que tira 680 mil exemplares. Nós queremos ser noticiados lá. E não fomos. E a resposta que ele dava era que, seguinte: que a Veja não queria noticiar teatro alternativo. Então, tudo bem, é um direito que ele tem. Só que, quando chegou na hora da votação, ele foi lá e a Sônia Goldenfeld foram lá e votaram. Votaram o quê? Sem ver? Isto aí a gente acha um absurdo. É um absurdo sem conta. Mesmo contando que o Inacem ( Instituto Nacional de Artes Cênicas) é um órgão do MEC e o MEC é do governo Sarney, é uma afronta você pegar e pagar pessoas para votarem em coisas que não viram. Então, a gente chiou. E a crítica ficou aí, meia nariz torcido com a gente.  Não foram ver a peça do Leonardo, só foi o Roberto Cossich, e aí o Roberto Cossich foi assistir o meu grande espetáculo, falei assim: “Sempre meteu o pau na peça do Leonardo, agora como é que faz para votar? Você vai contar para os outros que você não gostou da peça? Os outros não vão ver a peça do Leonardo? Não é porque a peça é do meu filho, não”. Eu tenho testemunhas de várias pessoas no teatro que dizem que o Leonardo é uma grande revelação como diretor e um grande autor, e o Quico é um ótimo ator e a menina Martinha é uma atriz excelente, a que está fazendo um papel lá, e o Edson, um outro garoto, é de um talento raro. Bom, vai um lá que eu até acho que estava de má vontade, e escreve dizendo que os rapazes não tem cultura, que acabou, essas coisas, aquilo que ninguém ligou, que eles tem o negócio lá da Patrícia Galvão para gozar o pai toda hora, então também isso é para eles... Só que, de repente, eles vão votar e só tem um crítico que viu. O das folhas, o... Ele assistiu, mas assistiu depois da votação. Aí, conversou com o Leonardo, que ele gostou da direção do Leonardo, gostou de tudo, aí o Leonardo falou assim: “É, mas vocês votaram sem ver”. “Não, mas a gente não pode ver tudo. Então, qual é o critério que a crítica usa para ver um e não ver outro?”  Então, é isso que eu acho que é indignidade. Veja bem, o crítico existe e pode e deve ajudar o artista. Evidentemente que todos nós somos meio mediúnicos, meio instintivos como artistas e, de repente, o crítico inteligente, ele te ajuda a conscientizar. Mas os que estão aí, eles estão querendo determinar o que você deve fazer ou não. E não é determinar o que você quer fazer. “O Cacá tem que fazer esse tipo de...” Não, eu digo assim: o Cacá faz, eu digo se ele atingiu o objetivo ou não. E explico o porquê.

Cacá Rosset: Plínio, você fica magoado quando você tem uma crítica desfavorável a algum espetáculo seu?

Plínio Marcos: Não, todo mundo prefere ser elogiado. Mas eu não ligo não. Nós defendemos o direito das pessoas de dizerem o que quiserem. Agora, na verdade verdadeira, crítica de teatro, atualmente, quem lê são os colegas para te falar assim: “Já viu aquela crítica que saiu em tal jornal? Te arrasa, hein” [risos]. Aí você saca um outro papel do bolso e fala assim: “Mas eu tenho uma boa!” [risos]. Aí! “Essa eu não vi”. É isso aí, porque se você tivesse, por exemplo, eu me lembro do Davessa, o Davessa era gozado. Então teve uma peça que era um terror, mas foi dirigida por um diretor do canal 4. E a peça era um terror e só ele elogiou, o resto caiu de cacete. Aí eu falei “O Davessa, você elogiou essa peça e todo mundo pichou?” Ele falou assim: “Eu quero trabalhar no Canal 4, não quero ser crítico! Crítico ganha pouco”. [risos]

Antônio Carlos Ferreira: Plínio, você falou no começo da nossa entrevista que você está escrevendo alguma coisa sobre Chico Viola. Eu tenho a lembrança da morte do Chico Viola. É uma das imagens da minha infância é a morte dele.

Plínio Marcos:
É mesmo? Pô, eu ia dizer que você não era nascido. O Kaloy eu falei agora que... o Kaloy não era nascido.

Antônio Carlos Ferreira:
Não, meu pai era fotógrafo em Santos e eu me lembro que, no dia em que o Chico Viola morreu ele tinha lá uma foto do Chico Viola. Ele tirou um monte de cópias e nós ficamos com fotografias secando na casa inteira, porque ele queria, no dia seguinte, vender e malhar a fotografia do Chico Viola. Então, aquilo foi uma coisa, aquela morte e tudo. O que você pode adiantar para a gente? Do que, do seu trabalho que você está fazendo agora?

Plínio Marcos: Ah, bom, como eu escrevi o Noel Rosa, aliás, isso aí era uma coisa que eu gostaria de fazer em televisão. Vida do, por exemplo, a do Noel Rosa, que já está escrita, a do Chico Viola, que eu estou escrevendo, a do Heleno de Freitas, porque, por essa vida dessa gente toda aí desse ano, por exemplo, você pega o que era imprensa brasileira, essas coisas todas, você vai ver do quê que a gente é conseqüência. Naquele tempo, você pegava e endeusava o herói cafajeste, né? Ninguém podia ser mais cafajeste do que o Chico Viola.

Antônio Carlos Ferreira:
Tinha que morrer em um carro conversível, em uma estrada... num Buick.

Plínio Marcos:
Em um Buick. Aquele Buick, que era o carro da época. Aquele Buick, que era o carro que mais corria na época, essas coisas.

Sérgio Lhamas: O Heleno de Freitas também se achava um herói cafajeste?

Plínio Marcos: Também. Ele era terrivelmente cafajeste, porque ele era doente, né? Então era aquele cara louco. Era extremamente. Ele pegava bandeirinha e saía correndo atrás do (...) com a bandeira de impedimento.

[todos falam juntos]

Sérgio Lhamas: Gilda Barroso...

Plínio Marcos:
Gilda, a Gilda. Gilda, porque ele era lindo. Era lindo. Tão lindo que morreu com sífilis.

Cacá Rosset: E o Marronzinho?

Plínio Marcos: O Marronzinho é o Macunaíma, já está escrito. [risos]

[  ]:
E hoje, quem é o herói cafajeste?

Plínio Marcos: Cacá, por exemplo, está aí [risos]. Fazendo essas perguntas sobre o Marronzinho e essas coisas agressivas. Querendo me indispor com aquela imprensa.

Sérgio Lhamas:
O Nelson Rodrigues achava, brincando ou não, talvez brincando, que a vaia era glória total. Você acha também a vaia a apoteose do espetáculo?

Plínio Marcos:
Não. Não é verdade. O Nelson Rodrigues falava isso é de charme. Ninguém tinha mais charme que o Nelson Rodrigues. O Nelson Rodrigues é uma criatura deliciosa. Isto é um termo dele, ele via as pessoas, via a Tonica, fazia assim: "doce criatura", aquelas coisas dele. Mas ele era todo cheio de charme. Ele tinha todo um vocabulário, ele era o rei da frase. O Otto Lara Resende [1922-1992, escritor e jornalista] vai entrar para a história como o "rei da frase", e a maioria das frases foi o Nelson Rodrigues que fez para ele. Que inventava essas coisas todas, e botava nos amigos nomes de peça. E eram coisas maravilhosas. Porque, veja bem, nós estamos perdendo um pouco, sei lá, pela vida moderna que está cada vez mais agitada, nós estamos perdendo um pouco aquela poesia que havia nas relações. Eu ainda cheguei a trabalhar com o Samuel Wainer. Uma maravilha, uma pessoa cheia de poesia. O Nelson Rodrigues é uma pessoa encantadora. Ele começava a escrever aquela vida dele  A vida como ela é e aí saía para tomar café, os caras continuavam escrevendo para ele, ele voltava, continuava de onde o cara parava... Nem ligava. É um negócio incrivelmente belo.[risos]

Sérgio Lhamas:
Até ligava, dizia assim: “como eu ia dizendo...” [risos].

Paula Dip:
Plínio, você falou da vida do Chico Viola. E a vida do Plínio Marcos? Você tem vontade de escrever? Você pensa em uma auto biografia? Você anota coisas? Como é que é a história da tua vida?

Plínio Marcos:
É que, você veja, a vida, na verdade, nós vamos ficando muito... O dia-a-dia da nossa vida leva a gente a ter muita mágoa. Então, você dá um testemunho enquanto você está vivendo, você daria testemunhos que não são honestos. Que são pessoas às vezes boas que se indispuseram com você e aí você vai escrever uma biografia, vai pegar, dar uma paulada no cara, coisa que você não faria depois de cinqüenta anos. Então eu prefiro não escrever nada, nem contar as coisas. Vou deixando. Conto em botequim. Aí sim, botequim vale tudo. Botou um nome em cima da mesa, a gente arruma defeito [risos].

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, você falou em Samuel Wainer e acabou de sair a biografia dele, e, no final do livro tem uma coisa que me lembrou também... Jornalista gosta de fazer comparações e eu vou fazer mais uma com você, porque o Samuel também foi um homem poderosíssimo neste país e chegou ali no finalzinho do livro e disse que as coisas que restavam para ele eram os filhos dele. E era aquilo que ele gostava. Eu vejo que você nessa entrevista ao longo de toda essa noite aqui você retoma sempre aos seus filhos. Eles adquirem com o tempo uma força maior até quase que a tua obra.

Plínio Marcos:
Você veja que eu me refiro ao pessoal de teatro e ao pessoal da boemia também com muito carinho, com o que me diferenciava do Samuel, porque o Samuel era um homem muito magoado, embora não parecesse. Eu me lembro até de uma passagem: uma tarde nós ficamos na redação da Última Hora, ele já era empregado, que eu só trabalhei com ele nesta fase, aí chegou um bando daquelas perigosas criaturas que vem com gravador e uniforme de colégio... A professora não tem o que fazer com eles, manda entrevistar alguém que eles não gostam. Aí mandaram entrevistar o Samuel, e o Samuel, eu sei lá se ele estava carente naquele dia, ele chamou parte da redação para ir ali falar para as menininhas, todas encantadoras, e ele foi falando: falou de Getúlio Vargas, falou uma porção de passagem, e, no fim da tarde, o sol já ia se pondo. Então estava aquela coisa melancólica, aquele homem falando, aquelas menininhas tristes, aí ele vira para a menininha e fala assim: “Tenho certeza...” quando o gravador fez  "tec", que acabou a fita, a última fita das meninas, “Tenho certeza que quando vocês vieram me entrevistar, vocês não tinham... não sabiam que eu não era nada disso aqui”. Aí a menininha mais bonita e mais inteligente de todas, virou e falou assim: Para ser franca, Sr. Samuel, a única coisa que a gente sabia do senhor, é que o senhor tinha sido marido da Danuza Leão [risos]. E aí eu tive que ficar bebendo com ele até às quatro [risos]. O cara faz a história, e não sei o quê... e aí você entra para a história como marido da Danuza Leão! ... Seu cafetão!...

Luiz Fernando Ramos:
Você está traduzido em quantas línguas?

Plínio Marcos:
Eu fui traduzido, em primeiro lugar, para Portugal [risos]. 

Antônio Carlos Ferreira:
Os palavrões devem ser diferentes.

Plínio Marcos:
É diferente porque lá tem palavrão que não é palavrão. Não sei, eu vejo às vezes campeonato de Portugal na padaria ali onde eu tomo café, o português põe a televisão lá para ver o jogo, eu falo assim: “Lá tem 350 jogadores brasileiros, como será que o pessoal xinga lá, né? Deve ser gozado, né? Mas aí eu fui traduzido para a Alemanha, agora recentemente saiu Dois perdidos... lá, fui convidado para fazer uma palestra lá na Áustria [risos]. Mal falo português, eles não vão entender coisa nenhuma. Com aquele frio lá falando. De repente eu aprendo a língua deles e esqueço a nossa [risos].

Antônio Carlos Ferreira: Você nunca saiu do país?

Antonia Chagas: Isso eu achava engraçado você... Engraçado não é bem o termo, mas eu gostaria que você lembrasse uma coisa: Você já ganhou alguns Molières, eles sempre dão passagens para quem ganha ir para a França. E o que você fez? Quem é que foi com aquelas passagens para a França e quando?

Plínio Marcos: Nas duas primeiras, nós vendemos e demos para um grupo da faculdade de filosofia, que tinham que levar algumas pessoas na bagagem que não podiam ficar aqui. E as outras duas, que coincidiu que a Valderez também ganhava, eu vendi a minha passagem e dava o dinheiro e ela ia para a França, porque ela tem que ver, tem que se informar, é uma atriz maravilhosa. E a Valderez tem um detalhe, né, Tonica? Isso que eu não sei nem se falei ou se não falei, mas o nosso relacionamento, da Valderez com os nossos filhos é bom porque é de tribo. Nós somos uma tribo. Como eu sou com você, com outras pessoas. Eu me lembro até de um bilhete que a Aninha, minha filha mandou para a Bibi Ferreira, que dizia assim: “Bibi, você não me conhece, mas nós estamos na mesma barca”. Que é, que nós somos tudo da mesma barca, da mesma tribo. A Valderez, sem dúvida nenhuma foi a atriz mais massacrada do teatro brasileiro, compreende? Ela foi várias vezes proibida na estréia, ensaiavam, ensaiavam, ensaiavam, quando ia estrear, a censura vinha e proibia. Proibia a peça do Plínio Marcos, mas ela como atriz, ficava na angústia. Ela foi invadida no palco dela, quando a gente fazia quando as máquinas param lá no sindicato dos tecelões, ela foi invadida e entrou um cara com metralhadora, ela falou assim: “aqui no palco, quando eu estou, não! Você desça!” E o cara: “não...” e ela disse: “Desça!”. Aí eu desse dia eu quase bati nela, porque naquela confusão toda, mandaram me chamar. O cara me bateu com aquela porra na cabeça “Mas em você eu atiro. Mas nunca mais me chame para resolver uma parada enjoada dessa”. Então, uma atriz valorosa que batalha e que foi feito aos poucos e, hoje, sem dúvida nenhuma, ela é uma atriz generosa e foi muito perseguida no tempo em que ela era minha mulher. Eu me lembro que, por exemplo, lá no canal 4, eu dava pau no canal 4 que não pagava ninguém não sei o quê e o cacete, eles se vingavam não botando a Valderez para trabalhar.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, você disse assim: “eu dei a passagem para a minha ex-mulher, para ela se informar, para ir para o exterior”. E por que você não?

Plínio Marcos:
Porque eu não tenho mais jeito. A única coisa que eu posso fazer para melhorar meu aspecto é lavar o pé. Eu não tenho mais jeito, eu não tenho vontade de ir. Eu não gosto mesmo. Eu gosto de, por exemplo, eu gosto de ir para Santos, Paraná, a turma do Chope in bola, e ver os veteranos da Portuguesa jogar, e ver os veteranos da Jabaquara jogar, gosto de sentar em botequim e ficar conversando com a rapaziada de teatro e com a boemia, e paro lá no Gigeto,  lá no Bar da Praia em Santos, paro no Fiolim, paro no Orvieto. Então eu gosto de papo furado. É isto que eu gosto. Agora, outras pessoas podem gostar. Tem gente que gosta de viajar. A Valderez, por acaso, gosta de viajar.

Marcos Kaloy:
Falando em papo furado, a Hebe [Camargo, apresentadora de TV] veio uma vez aqui no programa e falou que você tinha quebrado um galho para ela, que galho que é esse?

Plínio Marcos:
Não, ela não falou que eu quebrei um galho para ela. Você ouviu... Ela disse que quando ela me levou no programa dela na Bandeirantes, ela levou para me ajudar, que a barra estava muito difícil e depois ela foi chamada na polícia federal. A história não é bem assim, a ajuda provavelmente foi mútua. Eu fui lá porque as pessoas não queriam muito ir porque ela tinha ajudado o Maluf, aquela história, e eu achava que ela, numa democracia deve ser isso: ela ajuda quem ela quiser. E fui, e fui eu, a Terezinha Sodré, foram outras pessoas, foi até muito bom participar do programa dela, eu disse o que era, depois me informaram mesmo que ela tinha sido levada no ralo da polícia federal, aquelas coisas todas. Agora, a verdade verdadeira é que depois, nunca mais ela deixou entrar no programa dela. Mesmo na Bandeirantes, quando a gente foi divulgar a Madame Blavaski, ela não deixou eu ir. E esses anos todos em que ela está lá no canal do Sílvio Santos, nunca me convidou. São essas coisas, e a história, de repente, é mal contada. As pessoas contam um lado, mas tem o outro lado. Então, eu tenho muita simpatia pela Hebe Camargo, acho uma grande comunicadora, mas ela não me ajudou tanto assim não, não corre risco por ninguém não.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, você teve falando, você falou agora onde você vai, onde gosta de ir e bater papo e tudo... Você tem algum interesse maior assim, voltar a fazer algumas coisas que você fez antes por necessidade até, de voltar um pouco para a marginalidade, ver como ela está hoje? O que tem a marginalidade hoje em relação à marginalidade de 1960 e 50?

Plínio Marcos: A rua onde eu moro é a própria, né? Eu moro na Teodoro (...). Ali fica toda a fina flor.

Luiz Fernando Ramos: Mas  assim, quer dizer, tinha uma marginalidade romântica e que não tem mais, ou...

Plínio Marcos: Isso aí é história, isso aí é conversa. Isso é sempre conversa. É a mesma. Marginal é aquela coisa, as pessoas falam: “poder corrompe”, mas a miséria corrompe absolutamente. Então, por exemplo, no lodo não vai nascer nenhum lírio, não é?

[  ]: A noite é eterna?

Plínio Marcos: Ou uma criança se você gosta das frases novas [risos].

Paula Dip: Plínio, você disse agora há pouco que você é diabético, que você teve um infarto e é diabético. Você cuida da sua saúde? Você se cuida? Você é uma pessoa que se cuida?

Plínio Marcos: Eu não espalho porque doce atrai as abelhas, mas eu me cuido, claro. Natural, eu adoro viver.

Paula Dip: Você não é mais boêmio? Vive mais...

Plínio Marcos: Boêmio eu sou, mas eu sou um boêmio que bebe água.

Paula Dip: Jura?

Luís Serra: [No fundo] Como eu...

Plínio Marcos: Que quê há Serra?! Já está bebendo água aí e falando mole. [risos] Mete a garrafa no bolso... Trouxe a garrafinha no bolso. Mas é isso aí, é claro que eu me cuido, eu adoro a vida, sou daquelas pessoas que, todos os dias, eu: “Graças a Deus, estou vivo! Apesar de tudo que está aí, estou vivo”.

Luís Serra: Plínio, aquela pergunta que eu te fiz antes é no sentido seguinte: eu queria esclarecer a... Nós tínhamos um assunto preferencial naquela época, ou seja, nós vivíamos numa efervescência política muito grande. Então, o nosso assunto era de crítica política, de crítica social muito grande. Os atores de hoje, os novos atores não têm, ou pelo menos não tinham até agora, essa efervescência. Então, eu não sei. Talvez o fato de a gente ter vivido, passado por aquele período terrível nosso e não ter o mesmo período agora têm esvaziado, digamos assim, uma motivação política para se fazer determinado tipo de teatro. E, à falta disso, aqueles todos nós que fizemos teatro engajado naquela época e tal, como não existe essa veia agora, pelo menos até esse momento. Está voltando, mas até agora não houve, de vinte e poucos anos para cá, muitos de nós fomos fazer outro tipo de teatro, que não é exatamente aquele que nós fazíamos, e, com isso, somos combatidos. É nesse sentido que eu queria sua opinião a respeito desse tipo de teatro diferente... Entendeu?...

Plínio Marcos: A molecada tem razão. A molecada tem razão. Veja bem, naquele tempo, todos eram comunistas. Era ruim. Era muito ruim. Era uma gaiola, a ideologia é uma gaiola, rapaz. O grande artista não pode ter ideologia, porque senão fica numa gaiola. De repente você, por exemplo, nós tínhamos no Brasil só um teatro social. Você não tinha, de repente, digamos, um teatro existencial. Aí você fica com uma ditadura do outro lado: Só ficava um tipo de teatro para assistir. E o bom é quando você tem tudo, pôxa.

Luís Serra: Já havia o chamado TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], que era combativo, havia o...

Plínio Marcos: Havia o combate. Tinha duas coisas: a esquerda e o TBC. E que ficavam se xingando o tempo todo e que não tinham muita coisa. Eram ideologias, era um choque de duas ideologias. Poderíamos dizer, de um lado, a esquerda, e de outro lado a direita. 

Luís Serra: E como você vê isso hoje?

Plínio Marcos: Hoje é melhor. A molecada é mais livre. E, por exemplo, tinha uma coisa que era boa naquele tempo e está voltando, é que naquele tempo o se discutia muito não era política. Porque a política ninguém discutia. Todo mundo era comunista! Todo esse país. Eu me lembro até quando o Jean Genet  [1910-1986, escritor francês, tido como maldito, com persagens delinquentes e marginais] veio à São Paulo, ele falou assim: “Me conta uma coisa. Por que todo mundo nesse país, todos são comunistas e só o governo que é de direita?”. Agora, só para concluir aqui, o seguinte, naquele tempo tinha uma coisa que era fundamental: todos discutiam muito interpretação de ator. Você veja, por exemplo, o Arena e o Oficina disputavam o Eugênio Kusnet [criador de método teatral] para dar aula para os seus atores. O curso do Eugênio Kusnet era freqüentado pela Isabel Risbeiro, por Abraão, por você, por Odine, por Valderez, por Fauzi Arap, por todo mundo que está aí.

Antônio Carlos Ferreira: Plínio, o Serra deu um novo caminho de discussão, mas nós estamos encerrando o nosso programa. Nós estamos chegando ao fim dessas nossas duas horas de debate. E eu gostaria de encerrar com você, rapidinho, você falar se você tem esperança. Você falou tão mal do país esse tempo todo aqui...

Luiz Fernando Ramos:
Ou melhor, qual é a saída?

Plínio Marcos: Meu único desejo, se você quer saber, o meu único desejo é ser mão do homem. Seja ele negro, malabarista ou esteja repousando ainda das profundezas da guarda materna, ou vibre no pátio um canto de menina, ou seja, ele com toda a jangada no fogo do crepúsculo, ou seja, o soldado, ou aviador de estranha energia. Oi menina, você ainda outro dia não brincava de boneca? E aquele Serra que está ao seu lado, não empinava uma pipa? Olha, seu canto, seu destino, você não me queira mal, porque eu procuro me esforçar para conhecer todos os destinos. Eu quero conhecer o desespero de um ator quando ele treme diante do público, porque esquece o texto. Eu quero conhecer a solidão daquela garotinha que é obrigada a migrar e ficar no seio da família estranha como empregada doméstica. Eu quero conhecer o desespero daquele garoto que é obrigado a sufocar os apelos vocacionais e se debruçar sobre livros de contabilidade e atender fregueses rabugentos. Eu fui tantas e tantas vezes o cantor dessas canções do Silvio Santos, o carregador amargo da amargura, o sonhador dos sonhos inúteis, o perdedor de salário miserável, mas agora, eu quero cantar o destino do ser humano, e, se de alguma maneira, eu arranhei seu coração nessa noite, não me queira mal. Arrebente em soluço e chora comigo por quê? Porque eu tenho esperança, porque eu tenho fé, porque eu sou uma pessoa de teatro e, por causa disso, eu confio, confio muito, porque eu pus filhos no mundo e amo tanto quanto você, criança de hoje. Por causa disso tudo, eu só tenho um desejo: o desejo de pertencer a você, assim como eu gostaria de pertencer a toda a humanidade.

Antônio Carlos Ferreira:
Muito obrigado, Plínio Marcos, muito obrigado a todos que participaram deste debate desta noite, obrigado ao pessoal da escola de teatro Macunaíma, que participou aqui nos nossos estúdios, e o programa Roda Viva termina neste instante, mas volta na próxima segunda feira. Boa noite!

 

 

 

 

 

 

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