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Memória Roda Viva

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Sônia Braga

29/12/1997

Infância, carreira e romances são alguns dos temas tratados nesta entrevista, em tom irreverente e bem-humorado

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Matinas Suzuki:
Boa noite. Nosso programa de hoje tem uma convidada muito especial. No centro do Roda Viva está a atriz Sônia Braga. 

[Comentarista]: Ela já foi Gabriela, Dona Flor e Tieta, símbolos da força e da sensualidade da mulher brasileira. Mas, antes de ser Sônia Braga, foi Sônia Maria Campos que, ao contrário do que muitos pensam não nasceu na Bahia, e sim, em Maringá, no Paraná. Um dos primeiros trabalhos na telinha foi no infantil Vila Sésamo, um sucesso da TV Cultura nos anos 60. Sônia diz até hoje que foram seus melhores anos na televisão. Fez várias novelas na Globo, conquistando o coração do público brasileiro quando interpretou Gabriela, em 75 [A novela Gabriela, que leva o nome da personagem principal da trama, foi escrita por Walter Durst e inspirada no romance de Jorge Amado (1912-2001), Gabriela cravo e canela]. Mais um sucesso, dessa vez no cinema, a sensualidade morena de Sônia incorporou outra personagem de Jorge Amado, Dona Flor, mexendo com o imaginário popular [O filme Dona Flor e seus dois maridos foi lançado em 1976, dirigito por Bruno Barreto]. "É o ideal da mulher brasileira, qualquer mulher quer ter dois maridos. Ela [Dona Flor] tem o marido, que é o homem dentro de casa, e tem o amor, que é o Vadinho, depois da morte" [depoimento gravado de Sônia Braga]. Vinte anos depois, Sônia Braga vestia as cores essenciais e exóticas de outra personagem de Jorge Amado. O escritor nunca escondeu que ela era sua predileta. Beth Faria [atriz] queria o papel, mas não conseguiu.


"Esta é três vezes minha filha, não é, porque já foi Gabriela, já foi Dona Flor, e porque nós temos também uma ligação de  candomblé." [Depoimento gravado de Jorge Amado] "É verdade."[ Responde Sônia Braga na mesma gravação] Com O beijo da mulher aranha [filme de 1985, dirigito por Hector Babenco], ao lado de Raul Júlia [ator porto-riquenho, (1940-1994)] e Willian Hurt [ator norte-americano, ganhou Oscar de melhor ator pelo seu papel no filme, em 1986], Sônia chegou bem perto de Hollywood. Em 86, a produção dirigida por Hector Babenco foi indicada ao Oscar de melhor filme. Sônia se identificou com o profissionalismo americano e mudou-se para os Estados Unidos. Trabalhou em muitos filmes, fazendo, geralmente, papeis que  exploravam o visual exuberante da mulher latina. Estrelou ainda uma nova versão de Gabriela, com Marcelo Mastroianni [ator italiano, (1924-1996)] interpretando um charmoso Nassib. Mesmo longe, em exílio cultural, como ela mesmo costuma dizer, Sônia mantém ligações com o Brasil. Vai a festas do poder quando há visitantes brasileiros, chora a morte dos amigos, entre eles o maestro Tom Jobim [1927-1994], e, se for preciso, até vende sabão. "Não é novela, sou eu mesma, aqui nos Estados Unidos, lavando. Aqui é assim" [trecho retirado de um comercial]. Aliás, limpeza é com ela mesmo. Nos últimos anos, Sônia tem se empenhado em campanhas educativas. É a principal estrela dos Loucos Varridos, grupo que ajuda a manter as ruas um pouco mais limpas. "Estou muito triste com essa sujeira espalhada por esta cidade." [Depoimento gravado em uma praia do Rio de Janeiro, em um vídeo sobre o trabalho do grupo]


Em 86, Sônia tentou voltar à novela em Antônio Alves, o taxista, do SBT [novela exibida em 1996 e produzida na Argentina]. Deu tudo errado. As gravações na Argentina eram amadorísticas e anti-profissionais, segundo a atriz. Sônia foi dispensada e saiu atirando: "Eu estava meio que chocada com a escolha de uma atriz argentina para fazer o papel de mãe-de-santo." Mas a estrela não perdeu o brilho, Sônia está envolvida em  novos projetos na TV e no cinema, quer continuar trabalhando no Brasil ou nos Estados Unidos com a mesma sensualidade de uma Gabriela e a intensidade de uma Tieta do Agreste [filme dirigido por Cácá Diegues, em 1996, baseado no romance de Jorge Amado. Tieta do Agreste também foi lançada como telenovela, pela Rede Globo, em 1989, mas não teve a participação de Sônia Braga no papel principal, mas, sim, de Beth Faria].

Matinas Suzuki: Bem, para entrevistar a atriz Sônia Braga esta noite, nós convidamos o jornalista Gabriel Prioli, da Gazeta Mercantil, do Jornal  da Tarde, e diretor da TV PUC, de São Paulo; o cineasta Guilherme de Almeida Prado; o jornalista Sérgio D’Ávila, editor do caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo; a jornalista Sílvia Popovic, apresentadora da Rede Bandeirantes de Televisão; a jornalista Regina Echeverria, repórter da revista Caras; a jornalista Cynthia de Almeida, diretora de jornalismo da Editora Azul; o escritor e jornalista Dagomir Marquesi, da revista Vip Exame; e o repórter Cunha Júnior, do programa Metrópolis, aqui na TV Cultura de São Paulo. Roda Viva é  transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros  e também para o Distrito Federal, para Brasília. Como este programa foi gravado, hoje, infelizmente, você não poderá fazer as suas perguntas para a Sônia Braga. Boa  noite, Sônia Braga. 

Sônia Braga: Boa noite, tudo bem? 

Matinas Suzuki:
Obrigado pela sua presença. 

Sônia Braga:
Uma pena não poder ser... 

Matinas Suzuki:
É uma pena, o programa quando tem a participação do telespectador é sempre melhor.

Sônia Braga:
É uma  maravilha, não é. Depois você manda para mim as correspondências. 

Matinas Suzuki: A gente manda. Mesmo porque a gente costuma receber e tem o hábito de enviar toda a correspondência que chega para o entrevistado do programa. 

Sônia Braga:
Não se inibam, mandem cartas, solteira, 47 anos [risos]

Matinas Suzuki:
Sônia...
 
Sônia Braga: É verdade, fala. 

Matinas Suzuki:
  Nós vimos vários personagens e fizemos uma pequena retrospectiva... 

Sônia Braga: Foi linda, aliás, obrigada. Depois você vai me dar esse tape? É lindo, gente, muito lindo. 

Matinas Suzuki: Nós vamos te dar todo o programa.

Sônia Braga:
É lindo, gente! Muito lindo.

Matinas Suzuki:
Minha curiosidade é saber o que mais te emociona. O que mais te toca, revendo toda essa série de coisas que você fez? 

Sônia Braga:
Olha, neste minuto estava passando pela minha cabeça o Bógus [(1930-1993), Armando Bógus, ator que participou com Sônia da primeira versão de Vila Sésamo, na TV Cultura e também fez o persagem seu Nassib na telenovela Gabriela], o Raul Júlia, o Marcelo Mastroianni [citando os colegas falecidos]. Estão todos esperando por nós, mas... É estranho. É a beleza e a estranheza de ser um ator. Embora você já tenha ido, você permanece, não é? Então, é uma coisa muito bonita. Quer dizer, dá saudades, mas é como se a gente não visse eles há algum tempo apenas. E a juventude, a coisa do Vila Sésamo, foi maravilhosa. Foi um tempo em que eu acho que a televisão tinha o maior carinho pelas crianças brasileiras. O objetivo desse programa era de ensinar, era ensinar a escrever, a ler, sobre comportamento. Então, eu sinto falta, hoje, na televisão brasileira, com todo amor que eu tenho por criança.... Sobre os programas para adultos, e tudo isso, não me incomodo muito não, mas eu sinto a falta do Vila Sésamo, de um programa educativo, entendeu? Embora tenha sido trazido dos Estados Unidos, mas não importa, se a gente traz e é bom... 

Sílvia Popovic: Então, eu vou te dar uma boa notícia, Sônia.

Sônia Braga: Fala.

Sílvia Popovic: Porque a Rede Bandeirantes de Televisão pretende montar o Vila Sésamo. Eu estou dizendo isso porque eu freqüento... 

Sônia Braga: Eu ouvi falar disso, maravilhoso. 

Sílvia Popovic: Foi uma iniciativa do Roberto de Oliveira [cineasta, ex-vice-presidente do grupo Bandeirantes] e parece que eles pretendem fazer. Agora, o Roberto não está mais lá...

Sérgio D’Avila: Na Cultura tem um programa muito bom que é o Castelo Ra-Tim-Bum, como a Vila Sésamo. Mas que eu queria perguntar o que você acha da Xuxa e da Angélica, que têm os programas infantis de maiores audiências hoje em dia? 

Sônia Braga: Olha, eu não poderia, não seria justo que eu comentasse, na medida em que não acompanho, não conheço os programas. Mas eu tenho um pouquinho de problema com esses programas, entendeu? Na realidade são programas feitos para marketing, para vender bonequinhas, entendeu? Eu não sei se esse é o tipo de diversão que a criança brasileira precisa, sabe? Eu acho que a coisa, por exemplo, mais educativa é mais divertida, entendeu? E é uma coisa mais apropriada, eu diria. Por  exemplo, eu vou te falar uma coisa, a Barbie [a boneca], eu sou contra a Barbie, eu não gosto da Barbie. Ela tem 50 anos e ela continua assim... [estica a pele do rosto para traz com as mãos].
Ela tem 50 anos e ela continua assim [risos]. Quando eu era pequenininha, quando nós éramos - eu não sei quem brincou de boneca aqui, desculpa gente, mas eu brinquei - as bonecas no Brasil eram bebezinhos, não é? Elas eram gordinhas, de bochechinha, a gente dava água, elas faziam xixi, não era assim? 

Sílvia Popovic: A Dorminhoca, a maiorzinha que tinha era da Estrela [empresa que fabrica brinquedos], que ainda era uma menina, que  era a amiguinha...

Sônia Braga: É, amiguinha. Então, elas eram bonequinhas, você está entendendo? Então, a gente quando criança brincava com bonequinha. A coisa da Barbie e a coisa da Xuxa, nesse sentido, coloca qualquer criança já com aquele espírito de que "quando crescer tem que ser daquela maneira", entendeu? Então, eu tenho um pouco de problema. Não com a Xuxa pessoalmente. Eu ouvi outro dia ela, aliás, em uma entrevista que não sei onde foi, falando das 25 crianças que ela cuida, que é melhor do que nada e que ela é muito criticada por isso e  por aquilo. Eu acho que tem espaço para tudo. Mas eu acho que o  espaço da criança tem que ser muito bem controlado. Esse espaço pode ser usado, principalmente no Brasil, para educar. Tem tanta coisa linda, sabe? Você pode criar arqueólogos, geólogos, cientistas, se você cultivar isso na criança, você está entendendo? Então, tem tanta coisa interessante. 

Gabriel Priolli: Sônia, você acha que a telenovela é a versão adulta desse tipo de programa? Porque também serve para vender. É feita, basicamente, para empurrar uma série de coisas para as pessoas, que não exatamente cultura e informação? 

Sônia Braga: Eu acho isso. Mas é como eu disse no começo, a minha preocupação já não é mais com o adulto. Você está entendendo? Porque o adulto ainda tem a capacidade, ele poderia fazer isso, ele poderia desligar a televisão e ir embora. Ele pode escrever uma carta para a Globo ou para as outras emissoras e falar: “Olha, esse programa está ruim, não tem qualidade”. Entendeu? O adulto tem mais defesa. A criança é indefesa nesse sentido. Ela é colocada na frente da televisão e o que tiver ali, ela vai assistir, vai assimilar e vai aprender. E vai  aprender rapidamente. 

Cunha Júnior:
Sônia, eu quero lembrar e aproveitar... 

Sônia Braga: Espera aí, que eu tenho que lembrar de virar. Foi para lá? Fui para lá ou não?[Risos]

Cunha Júnior: Aproveitando essa revisão da sua carreira, que foi feita no início do programa, para lembrar que nem tudo foi só glamour, e até a coisa de realimentar o glamour, queria que você falasse lá do início, quando você estava aqui perto, em Santo André, você  foi eliminada de fazer uma ponta no filme Roberto Carlos em ritmo de aventura [de 1969, dirigido por Roberto Farias]. [Risos] E que também, em princípio, o diretor da primeira montagem... 

Sônia Braga: O Farias.

Cunha Júnior: ...também não quis você, porque  você chegou - me parece - que muito vestida a caráter, como uma hippie, uma "hiponga" a caráter. Como é que foi?

Sônia Braga: Essas coisas são maravilhosas. No Roberto Carlos em ritmo de aventura, eles abriram um concurso. Eram 500 adolescentes para preencher dez papéis. E eu fui ficando entre as 200, 100,  98, e, então, ficaram dez. Eles precisavam de nove porque já tinha uma atriz. E, então, nas dez, eu fiquei. Aí, eu fui eliminada. Até hoje, quando vejo o Roberto, eu falo: “Roberto...” [expressão de reprovação] [Risos]

Sílvia Popovic:
Mas, Sônia, a história mais engraçada é que você foi salva pelo Ronnie Von [cantor e apresentador]. Lendo a sua pesquisa, hoje de manhã, eu me diverti demais. Eu falei: “Não é possível.” Você ajudava ele [o Ronnie Von] no programa de televisão. É genial. 

Sônia Braga: Não, mas isso, na realidade, as duas pessoas... Primeiro, antes de tudo isso teve o Vicente Sesso [diretor e roteirista]. Todos conhecem o Vicente Sesso? O meu irmão trabalhava com ele em um programa infantil que ele fazia, que se chamava Jardim Encantado, que era ao vivo. Então, ele [o Ronnie Von] se vestia de príncipe e ele acreditou [risos]. Ele se vestia de príncipe, descia a escadinha dublando uma música de Cinderela, depois ficava com as crianças, tinha que dar guaraná para as criancinhas. E, então, o Vicente me convidou. Eu tinha 14 anos. Então, foi a minha primeira coisa com esse universo. Mais tarde, eu já tinha uns 16 anos, e o Vicente me convidou para fazer teleteatro, que era um teatrinho que a gente ensaiava, era maravilhoso. Eu tinha 16 anos de idade, a gente ficava acordada a noite inteira e adorava, gravava a noite toda. E, aí, depois disso, eu fui trabalhar em um escritório no centro da cidade, na  Cagesp [atual Ceagesp, Companhia de Armazéns Gerais e Entrepostos de São Paulo], de recepcionista. Eu batia à máquina muito bem,  entendeu? Já estava meio conformada com esse universo, quando  apareceu o José Rubens Siqueira de Madureira [autor e diretor], que me convidou para fazer um filme chamado Atenção, perigo, que era um curta que iria para o Festival JB, mas nunca chegou. Então, nesse momento, eu já estava entrosada com muita gente e chegou a Eleni Guariba [diretora de teatro, desaparecida política, presa em 1971 pelo regime militar], enlouquecida, da França, ela tinha feito um curso sobre o Molière
[dramaturgo francês, (1622-1673)], na França. Ela me convidou para ir para Santo André e, quando chegou, me convidou para fazer a Angélica, do Jorge Dandin [comédia teatral sobre um marido traído, de Molière]. Toda a idéia era maravilhosa, porque ela vinha com as idéias da França, de fazer teatro para um centro operário, que era o ABC [região que abrange as cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano, que compõem a Grande São Paulo]. Então, por isso que foi feito em Santo André. E foi uma maravilha. Mas, então, eu conheci o Dirceu Brisola [jornalista] e me adotaram. Um dia eles falaram assim: “Sônia, todo dia você tem que pegar um trem, você tem que pegar dois ônibus para chegar. Você não quer ficar aqui?” Eu falei: “Mas gente, eu não avisei minha mãe e nem nada. Mas eu fico." E fiquei um ano. Então, eu fiquei. Depois de um ano, eu não fiz mais nada, porque aquela época – isso a gente está falando de 1967, entendeu? Então, foi a época que, ou eu ia com a Eleni Gariba para a guerrilha, ou ... Porque eu morava na casa dela, eu morava com ela. 

Sílvia Popovic: Você pensou nessa possibilidade ou não? Você tinha essa... 

Sônia Braga: Eu tinha 17 anos, eu corria, na época, do CCC [Comando de Caça aos Comunistas, grupo que hostilizava violentamente os militantes de esquerda]. Eu ia nas peças de teatro para participar dos movimentos. Eu tinha 17 anos nessa época, mas já tinha uma participação. 

Gabriel Priolli:
Não no CCC? 

Sônia Braga: Não [risos]. Ao contrário. 

Sílvia Popovic: Ao contrário. 

Sônia Braga: Não é que eu fizesse a segurança, mas eu fazia o apoio,  entendeu? O apoio das peças, porque naquela época, era tudo muito... Mas eu nunca. ..

Sílvia Popovic: Mas você já foi alguma vez politizada? Você pensava nisso ou você era  uma menina talentosa, inteligente, livre, que queria fazer  teatro? 

Sônia Braga: Eu vou só responder a dele e vou falar disso. 

Sílvia Popovic:
Tá bom. 

Sônia Braga: Nessa época, o que aconteceu, eu  parei, fiquei em Santo André, tinha muita festa. Por isso que eu estou dizendo, ou a gente ia com a Eleni, ou a gente ia para Santos, para ver os shows de travestis em Santos, porque era a única coisa que se poderia ver nessa época de bonito, de espetáculo, porque era tudo censurado, era horrível. E era isso que a gente fazia. Então, a gente mudou para São Paulo e eu não fazia absolutamente nada. Eu dormia o dia inteiro, tinha 18 anos, 17 ainda. Aí, o Zé Rubens voltou, foi lá em casa e falou: “Olha, Sônia, é o seguinte, eu acho que você pode ser uma boa atriz. O Ademar Guerra [1933-1993] vai estrear uma peça chamada Hair" [musical, sucesso na Broadway (EUA) na década de 60. No Brasil o espetáculo foi encenado em 1969]. Eu não tinha idéia do que significava isso. “Ele vai estrear essa peça, uma peça americana, sobre hippies e você seria perfeita. Por que você não vai? Sai, vai trabalhar, vai ser bom para você.” Então, eu fui  fazer o teste e, quando eu fiz o teste, e eu já me vestia assim. Eu tinha esse cabelo [bastante comprido], um olho, uma maquiagem assim, entendeu? Fui com uma saia curtinha, uma botinha da Martinha [cantora que fazia sucesso na época] Sabe aquela coisa assim? [Risos] Eu cheguei e depois soube que o Ademar falou assim: “Ela veio toda vestida de hippie para me impressionar. De jeito nenhum, não quero.” E a Mary falou assim: “Mas ela é a única que dança, ela tem que ficar”. Aí, então teve esse problema. 

Sílvia Popovic:
Estava perguntando para você se....

Cunha Júnior: Você chegou a entrar, não é? 

Sônia Braga:
Sim, e fiquei. Eu e o Ademar ficamos super amigos. 

Regina Echeverria:
Nesse momento, Sônia, você tinha duas saídas. O que te fez ir para esse lado? 

Sônia Braga: Não sei. Eu acho que tudo isso, principalmente quando você tem 17 anos, é um pouco de intuição, um pouco mesmo de... Eu não decidi, na realidade, não foi uma coisa intelectual, como em toda minha vida, pois eu não tenho uma formação acadêmica. Então, todas as pessoas que eu estou falando, são pessoas que vieram de uma formação acadêmica. Jogaram um confete [cai um confete no colo de Sônia]. Quem foi? [Risos] Olha, é um confete [mostra para a câmara]. Quem foi que gostou de mim que jogou um confete? Olha, gente, um confete. 

Sílvia Popovic: É o Brasil te homenageando. 

Sônia Braga: Então, não foi uma decisão intelectual, entendeu? Não foi... “Não, eu vou com a Eleni Guariba”. Não, eu não sabia na realidade o que estava acontecendo. Eu não tinha formação para isso, não tinha sido preparado para isso. Isso que eu quero comentar. A minha consciência veio com 8 anos de idade. 

Sílvia Popovic: E por conta do quê? 

Sônia Braga:
Eu estudava em um colégio chamado Notre Dame, aqui [em São Paulo], um colégio de  freiras, de classe média alta. Meu pai lidava com terras, com vendas. Ele era uma figura que sempre estava viajando. E isso nos anos 50 do Brasil, entendeu? Quando a procura de terras, a coisa do social, entendeu? E, então, meu pai [Hélio Fernando Ferraz Braga] queria que nós estudássemos em um colégio de freiras e tudo isso. Houve um acidente. Até hoje eu não sei bem dessa história. Vocês que fazem pesquisa tão bem, poderíamos fazer uma pesquisa juntos. Caiu um avião e morreram as pessoas que estavam nesse avião, em Mato Grosso. Um deles era um deputado, ou vereador. Era para meu pai estar nesse avião, mas ele não foi na viagem. Ele ficou super culpado e foi na busca dos corpos. Foi na busca dos corpos...

Sílvia Popovic: Não é possível!

Sônia Braga: ...e ele sofreu um acidente e, além de tudo, ficou com maleita [o mesmo que malária, doença infecciosa transmitida pela picada do mosquito anopheles]. Pegou uma maleita. Então, ele chegou em casa em São Paulo, 1 hora da tarde e morreu às 8 horas da noite. Então, ele não teve tempo de contar o que aconteceu.

Sílvia Popovic:
Nossa.

Sônia Braga: E... como, evidentemente, a mamãe não participava de absolutamente nada. Haviam papéis, o meu pai tomava conta de absolutamente tudo. Então, ela não sabia onde tinha negócios e tinham alguns papéis. Então, tinham uns papéis e, de repente, tudo isso desapareceu, evaporou. Então, no colégio de freiras, era classe média alta. 

Sílvia Popovic: Vocês eram oito irmãos? 

Sônia Braga: Tudo evaporou. E a mamãe, que é uma pessoa, a mamãe é pessoa maravilhosa. 

Sílvia Popovic: Já entrevistei sua mãe, é maravilhosa, realmente. 

Sônia Braga: Então, ela era uma costureira absolutamente fantástica. Ela fez todos os meus vestidos de O beijo da mulher aranha. Foi ela que fez. Então, ela pegou aquelas sete crianças. Era muito batalhadora, ela tinha um jipe e decidiu mudar para o Belenzinho [bairro popular de São Paulo]. Não sei que o aconteceu. Se ela transou uma padaria lá, não sei o que aconteceu, só sei que a gente tinha uma padaria. A gente tinha que carregar lenha, fazer pão e, aí, fui para o colégio estadual. Quando eu cheguei no colégio... Quando eu estava no colégio de freiras, as minhas notas eram, assim, tudo dez, dez, dez, dez. Uma coisa assim, uma aluna... Pode falar? "Cu de ferro" [Risos] Completamente "cu de ferro" [altamente disciplinada]. Entendeu? De repente, eu estava no Belenzinho, um bairro industrial. Porque, no colégio de freiras, tinha um ônibus do colégio que pegava você na porta e deixava você na porta de casa. Então, era a construção daquela pessoa para ser professora, para ser, sabe? Para ser dona de casa e tal. De repente, eu estava no Belenzinho. Entendeu? Era de casa para a padaria e para o colégio. Eu andava a pé. E, outra coisa, tinha menino, a classe era mista. Então, as minhas notas de dez passaram para zero. Eu não tinha o menor... [risos]

Sílvia Popovic: Por causa dos meninos ou por causa do problema psicológico? 

Sônia Braga:
Era muita novidade, era muita informação, você andar na rua,  você poder andar na rua. A vida era completamente diferente. Quer dizer, teve essa tragédia, que foi a morte do meu pai, que não vou dizer que foi uma maravilha. Evidentemente, é uma tragédia para qualquer criança, entendeu, ficar órfã nessa idade. Mas, por outro lado, eu entrei em contato com a vida. Eu percebi a pobreza, porque eu não sabia que existia antes, eu não sabia que existiam crianças que morriam de fome. Não sabia que existia você abrir a geladeira - se tiver a geladeira - e não encontrar nada dentro. E, então, a gente  brincava com sopa de pedra. Meu irmão Hélio é um excelente cozinheiro. Ele fazia as sopas de pedra que a gente brincava. Íamos fazer a sopinha, com cebola e com tomatezinhos de fim de feira - tinha fim de feira.  Então, isso tudo me fez entender as coisas, aos 9 anos de idade. Depois, as irmãs do colégio me deram bolsa de estudo e eu voltei para o colégio de freiras [risos]. Com ônibus na porta e tudo. Então, eu ia para o colégio naquele ônibus e eu não dormia a noite toda, porque eu odiava dormir de noite. Eu ia dormir às 3 da manhã com um radinho vermelhinho de pilha que eu tinha. Eu ouvia todos os lançamentos, o João Gilberto e tal. “Ah, uma música nova do João Gilberto”. E, aí, eu tinha que acordar 5h30 da manhã para ir para o colégio, com o ônibus do colégio. Aquela gente chata, tudo de uniforme, as freiras.. E eu não podia participar de nenhuma função, porque tudo tinha que pagar. Ao meio dia eu voltava do colégio para casa. Eu tinha que limpar a casa inteira, para todo mundo. Moravam treze pessoas em casa nessa época. Eu tinha que lavar louça, passar toda roupa... 

Cynthia de Almeida:
E a essa altura você não preferia voltar para escola estadual? Ou voltar não foi uma opção sua?

Sônia Braga:
Mas não era mais uma opção minha, entendeu? No colégio estadual, eu chegava minha mãe com boletim e falava: “Olha." E estava tudo vermelho, o boletim todo vermelho. 

Cynthia de Almeida: Como castigo, voltou para o Notre Dame?

Sônia Braga:
Não, ela falou: “Olha Sônia, minha filha," provavelmente ela disse isso. "Este boletim não é meu, é seu. Se você estudar, você pode ser uma professora, você pode ter uma carreira." Porque a mamãe, embora ela seja uma pessoa extraordinariamente bem dotada, poderia ser a Coco Chanel [(1883-1971) estilista francesa, uma mulher considera à frente de seu tempo pelo comportamento profissional e social e que revolucionou a indústria da moda]  brasileira, entendeu? Sinceramente, uma pessoa de bom gosto, com criatividade e tudo.  [Maria Braga Jaci Campos, conhecida como Zezé Braga, figurinista]

Sílvia Popovic: É verdade.

Sônia Braga:
É.

Sílvia Popovic: É verdade, ela fez todas as roupas do Dzi Croquettes [extindo grupo de dança, formado por homens homossessuais e que ficou conhecido pela irreverência ], todas as roupas, ela quem criava, quem fazia. E o grupo Dzi Croquette é lembrado até hoje pela criatividade. A mãe da Sônia que fazia as roupas. Era uma mulher genial mesmo. 

Sônia Braga: Quer dizer, as loucas não eram os Dzi Croquettes, era a  Zezé... [risos]

Sílvia Popovic:
Era sua mãe. Ela dava corpo para um negócio que todo mundo... 

Sônia Braga:
Ela costurou para a Rita Lee [cantora] também uma época. 

Dagomir Marquezi: Sônia.

Sônia Braga: Diga. 

Dagomir Marquezi:
Uma vez, há muito tempo atrás, você disse que uma carreira é como um campo minado. 

Sônia Braga:
  É. 

Dagomir Marquezi:
Eu queria saber em quantas minas você já pisou nesse campo? O que você se arrepende de ter feito? 

Sônia Braga: E levou 30 anos da minha carreira para eu pisar em um campo minado? O único campo minado que eu senti foi agora, com a história do SBT.

Dagomir Marquezi:
Foi a única coisa?

Sônia Braga:
Foi a única e levaram 30 anos. Porque, é isso, você vai caminhando. Em uma carreira intuitiva, vamos dizer, que você não programa, que você não escolhe, você se salva, vamos dizer assim, entendeu? 

Gabriel Priolli:
Mas, Sônia, campo minado em que sentido? Quer dizer, te prometeram condições que não te deram, a sinopse da história não era aquilo? O que na verdade aconteceu?

Sônia Braga: Essa história é uma história muito simples. É uma história de confiança, entendeu? Porque eu acho que um... Se você tem uma televisão, se você é o proprietário dessa televisão e você pessoalmente me liga, por delicadeza até, eu não vou pedir para você: "Você pode mandar isso por escrito?" Entendeu? E a única falha, a minha falha, foi essa. Eu estava em um spa e o Sílvio Santos [presidente do grupo SBT] me ligou pedindo para que eu fizesse a novela, que ele era a segunda televisão, que ele queria competir com a Globo. E eu falei: “Olha, Sílvio, eu não quero competir com ninguém. Eu quero fazer novela no Brasil porque eu adoro fazer novela. Eu acho que o público brasileiro merece essa qualidade que você está me prometendo.” E essa foi a conversa da gente por telefone. Então, quando eu cheguei no estúdio da Argentina, eu era a mulher mais feliz do mundo, eu ia voltar para a televisão brasileira, que eu adoro fazer novela...

Cynthia de Almeida:
E não foi essa coisa de estúdio argentino? [Risos pela referência à rivalidade entre brasileiros e argentinos] Quando falaram estúdio argentino, para passar na televisão brasileira....

Sônia Braga: Não, porque, eu acho que essa é uma outra coisa legal que eu tenho, que eu não sou uma pessoa preconceituosa. Então, eu não poderia calcular: “Então, se é estúdio argentino eu não vou gente.”

Regina Echeverria:
Mas me diga uma coisa, você recebeu várias propostas para voltar, pra fazer novela e tal. O que foi que te seduziu tanto nessa? 

Cunha Júnior: Pegando um carona, você também já declarou que só voltaria a fazer novela se fosse alguma coisa como o Beto Rockfeller [novela que ficou famosa pelo estilo inovador, exibida em 1968, pela extinta TV Tupi, escrita por Bráulio Pedroso, dirigida por Lima Duarte e Walter Avancini], alguma coisa que... 

Sônia Braga:
Eu falei? Acho que é coisa masculina [risos].

Regina Echeverria:
Mas o
que te pegou? Foi ele [Sílvio Santos] que te seduziu de alguma maneira?  [Entrevistadores falam juntos]

Sônia Braga: Olha, a tentativa da Globo - eu vou fazer assim - a tentativa da Globo, com o Gilberto Braga [escritor de telenovelas], que eu adoro, a gente faz a maior dupla. Ele me convidou para fazer uma abertura da novela, em que eu participaria de dez capítulos na novela. 

Cynthia de Almeida: Pátria Minha? [Novela exibida em 1994, escrita por Gilberto Braga e dirigida por Denis Carvalho]

Sônia Braga:
Qual era a novela? 

Cynthia de Almeida: Acho que era Pátria Minha

Sônia Braga:
Não sei... Aí, não lembro de nada. Como vou dar uma entrevista se não lembro de nada? [Risos]

Sílvia Popovic: Tudo bem. 

Sônia Braga:
São os 40 anos. Mas o que aconteceu na época foi o seguinte. O Gilberto Braga, maravilhoso e tal, a gente já estava acertando. Na mesma época, o Nicolas Roeg [diretor inglês] me convidou para  fazer um filme chamado Duas mortes [filme de 1995]. Um filme, aliás, lindíssimo e que eu acabei fazendo na Inglaterra, com um ator maravilhoso, Michael Gambom [ator irlandês], um ator sheakesperiano. Seria a primeira vez que eu trabalharia na Europa e tal. Eu liguei para o Gilberto e falei: “Gilberto, você que vai me ajudar nisso. Eu estou com sua proposta, que está  fechada, eu vou e faço. Mas eu recebi uma proposta do Nicolas Roeg para fazer um filme na Inglaterra com esses atores e essa  história. O que eu faço?” O Gilberto falou assim: “Sônia, vai para a Inglaterra, vai para a Inglaterra, faça o filme do Nicolas, estou muito orgulhoso de você. Muito obrigado, continuo te amando”. A gente tem essa relação muito legal. Convite, teve... Eu fiz um programa da [atriz e apresentadora da Rede Globo] Regina Casé. Eu fiz o primeiro...

Gabriel Priolli: Brasil Legal

Sônia Braga: Isso, Brasil Legal, muito obrigada [risos]. Quando eu demorar um  pouquinho vocês já falam. O Brasil Legal, como eu fiz ? Eu prometi para o Miguel Arraes [diretor na Globo] que iria fazer- eu adoro o Guel, adoro, eu já  namorei toda a família, menos ele [risos].

Cunha Júnior:
O pai não? [Risos]

Sônia Braga: Não, o pai não. Mas eu sou simpática àquela família, entendeu? Considerando os meus namoros. A gente vai fazer fofoca também, não é? 

Matinas Suzuki:
Claro. 

Sônia Braga: Vamos falar de vida pessoal um pouco, porque entrevista sem vida pessoal é horrível [risos].

Guilherme de Almeida Prado:
Sônia, você tomou uma decisão que eu acho que foi corajosa. Vários outros atores gostariam de tomar, também alguns diretores, eu mesmo já pensei seriamente nisso, que foi fazer as malas e ir para os Estados Unidos fazer a vida fora. 

Sônia Braga: Obrigada. 

Guilherme de Almeida Prado:
O que valeu a pena e o que não valeu a pena nisso? 

Sônia Braga: Jura que vocês não vão cortar? Cadê todas as televisões? 

Dagomir Marquesi:
Posso completar, então?

Sônia Braga: É a hora da verdade. 

Matinas Suzuki:
Responde essa e depois o Dagomir pergunta outra. 

Sônia Braga:
Eu vou contar essa historinha. Quantos minutos a gente tem? Foi assim... Você vê que a minha vida é muito estranha. A coisa de andar no campo minado que ele falou, que só explodiu agora, é uma coisa muito estranha. Se a gente respeitar a história... A história é assim, eu nunca resolvi ir para os Estados Unidos. Foi assim, o Arnaldo Jabor [cineasta brasileiro que passou a atuar somente como jornalista] - que agora o povo brasileiro conhece como um grande jornalista, uma pessoa  maravilhosa, eu adoro o Jabor, adoro, adoro. A  gente tinha feito o Eu te amo [filme de 1981, dirigido por Jabor, que fez carreira no cinema até meados de 1990] juntos, que foi um filme maravilhoso. Ele se separou da  Eleonora [Nascimento Silva, psicanalista] e eu me separei, não lembro mais, do Cacá, do Walter... Não sei, eu separei de um monte de de gente [risos]. A gente achou legal e ele escreveu um filme chamado: Eu sei que  vou te amar [de 1984]. Primeiro, ele queria fazer inglês. Depois, metade português. Depois, em espanhol e, depois, ele queria fazer todo em inglês outra vez. Depois, resolvemos que nós iríamos fazer o Eu sei que vou te amar, eu e o José Wilker [ator]. Certo? Aí, eu tenho uma amiga que mora, que morava aliás, nos Estados Unidos, a Vilma. E, nessa época, eu estava com uma viagem marcada para Los Angeles, para fazer fotos para a Playboy [Sônia foi capa da revista Playboy em 1984 e 1986]. Nua. Aí, eu fui, viajei para Los Angeles, mas não com  esse compromisso com o Jabor. Então, eu tinha acabado O beijo da mulher aranha, certo? Era perfeito. Então, eu falei para a televisão:  “Olha, estou com um compromisso.” Para todos os outros, quem tivesse me convidado na época. “Estou com compromisso." Como eu falei para... Me  ajuda? Ah, como chama? A Suzana, que fez Clarice Lispector? [A cineasta Suzana Amaral dirigiu o filme A hora da estrela, em 1985. A obra é baseada no romance de Clarice Lispector (1920-1977)]

[Entrevistadores respondem]: Suzana Amaral. 

Sônia Braga:
Tinha me convidado para fazer, era mais ou menos na época do Beijo. E ela disse que esperaria, mas tinha o Eu sei que vou te amar, eu fui para fazer as fotos com a Playboy, fui para a Itália visitar um jogador de futebol, que estava lá passeando, trabalhando [risos].

Cynthia de Almeida: Aproveitando, Sônia, qual jogador de futebol?  [Risos]

[Alguém diz]: Era o Falcão?
[Paulo Roberto Falcão, jogou pelo Internacional, no Brasil, e pelo Roma, na itália. Atualmente, é comentarista da Rede Globo]

Sônia Braga: Era o Falcão. Então, fui visitar o Falcão...

Matinas Suzuki: Só visitar? [Risos]

Sônia Braga:
Eu acreditei, achei que sim. Ele faz um tipo virgem e eu acreditei [risos]. Eu sou de uma ingenuidade ... Enfim, eu fui visitar o  Falcão - agora todo mundo já sabe. A hora da verdade. Fui  visitar o Falcão e voltei para os Estados Unidos, para Nova Iorque, para visitar a Vilma. Não deu certo com Falcão, aliás. [Risos]

[Alguém diz]:
Continuou virgem.

Sônia Braga: Na casa da Vilma... Quando eu estava na Itália... A Itália é importante por isso, não falei por causa da fofoca, mas porque o Helinho Ferraz era produtor do filme e ele foi para Itália, para se encontrar comigo e acertar. E ficou tudo certo, a porcentagem, os pagamentos, tudo certo, todo mundo animado. Eu fui para Nova Iorque e recebi um telefonema de um advogado, que o Jabor tinha decidido outra linha para o filme, que seria uma linha  mais jovem, com o Thales [Pan Chacon, (1956-1997)] e a Fernandinha Torres]. Eu falei para a Vilma - eu vou fazer para câmera: “Estou desempregada [abrindo os braços]” Porque eu tinha... E, então, eu falei: “Olha, gente, eu vou aproveitar então e tirar férias.” Eu tinha acabado de trabalhar muito e tal. "Então, vou  aproveitar, vou ficar nos Estados Unidos, vou fazer um curso de inglês, porque aí eu posso dar minhas entrevistas." Porque a minha idéia era assim - olha como eu era ingênua - estudar e fazer as minhas entrevistas em inglês. Qual era o meu sonho naquela época? Eu pensava: eu vou para o Brasil, faço um filme, viajo promovendo o filme, volto, faço outro filme... Era isso a minha cabeça. 

Guilherme de Almeida Prado:  E, aí, tomando essa decisão, mesmo dessa maneira intuitiva, o que valeu? A pergunta de utilidade pública: o que valeu a pena e o que não valeu a pena? 

Sônia Braga: O que valeu a pena? Tudo, tudo valeu a pena. Aí, era estréia de O beijo da mulher aranha. O Willian Hurt estava trabalhando, o Raul Júlia estava trabalhando, o Babenco estava trabalhando. Só tinha eu para fazer publicidade do filme. Eu fiz todas as fotos para a Vogue, Elle, para Vanity Fair, para todas as revistas que você possa imaginar. Eu trabalhei na publicidade de O beijo da mulher aranha um ano, sem parar. Com isso, um ano, morando lá, eu aprendi, melhorei muito o meu inglês e tal. Todas as vezes que eu resolvia vir para o Brasil, me chamavam de volta. Quando eu estava lá, nessa época, o Bill Cosby Show, que era o programa de maior audiência de comédia, assim, no horário nobre. Ele me convidou, não sei porquê, para fazer o show . Eu fiz dois, eu não falava inglês direito, mas mesmo assim ele [o Bill] assumiu e fez. E, então, o Bill  Cosby, que é o José Rubens Siqueira e o Vicente Sesso daqui, entendeu? É a pessoa que me colocou na televisão. Até hoje, quando eu entro no trem, no metrô dos Estados Unidos, dizem: “Fez o Cosby."

Cynthia de Almeida:
Isso foi em que ano? 

Sônia Braga:
Isso foi em 80 e quanto? 5? 

Cynthia de Almeida:
Bill Cosby já era o quê? Em 87? 

Matinas Suzuki:  Deve ser 86. 

Sônia Braga: Por aí.  Datas? 

Cynthia de Almeida: Só para ter uma referência, porque, a partir daí, você ficou  para sempre? 

Sônia Braga: Aí eu fui ficando, aí fui para Cannes [Festival de Cinema de Cannes], fui convidada para ser júri no Festival de Cannes. 

Matinas Suzuki: Do júri que julgou o filme do Jabor e teve, representando o Brasil, a Fernandinha. [Na oportunidade, Fernanda Torres ganhou o prêmio de melhor atriz ]

Sônia Braga:
Foi o júri que deu o prêmio para a Fernandinha. Acho linda essa história.

Matinas Suzuki: Eu fui cobrir e vi você almoçando com o Arnaldo Jabor. 

Sônia Braga: Então, somos amigos e tudo, não tem problema nenhum. 

Cynthia de Almeida:
Vocês não brigaram. 

Sônia Braga:
O fato foi esse. E coisas ruins... A única coisa que agora eu estou tentando entender, junto com vocês, junto com o público brasileiro, junto com as televisões, é o que aconteceu? Porque, aqui estou eu e aqui está o público. Aqui no meio tem alguma coisa que a gente não está conseguindo entender. Outro dia eu conversei com o Daniel Filho [ator e diretor] e falei: “Daniel, por que você não me convida para fazer seriados?” Ele falou: “Porque eu  achei que você não queria”. 

Cynthia de Almeida:
Mas, Sônia, você deu diversas entrevistas falando sobre a condição salarial dos atores brasileiros, falando que se ganha muito mal, que o tipo de contrato é muito ruim... 

Sônia Braga:
Eu não falei que os atores ganham muito mal.

Cynthia de Almeida:
Tem lá na pesquisa [que o programa Roda Viva oferece aos entrevistadores].

Sônia Braga:
Os atores ganham muito bem em relação ao Brasil.

Cynthia de Almeida: Em relação às emissoras eles ganhariam?

Sônia Braga:  Em relação ao Brasil, os atores brasileiros ganham muito bem, mas não em relação ao faturamento das emissoras, porque para mim é assim. Existe um Brasil... É que nem a Itália. Não tem a Itália e tem Roma? Tudo pertence à Itália, mas tem o Vaticano, que pertence ao Papa, que é um Estado. Então, para mim a TV Globo é um Vaticano, é independente entendeu, que faz as suas próprias leis. Então, se você vê o faturamento da TV Globo, não se  compara... Você pega a Vanity Fair, os homens mais poderosos do mundo, não sei se vocês viram neste mês?

Regina Echeverria:
Vimos. 

Sônia Braga:
Evidentemente, está o Fernando Henrique Cardoso [na época, exercendo o primeiro mandato como presidente do Brasil, cargo que ocupou entre 1995 e 2002], mas também está o doutor Roberto Marinho [fundador da Rede Globo, (1904-2003)]. Você está entendendo? Então, pelo menos agora a Globo vai criar a coisa do cinema. E, depois, o meu problema não é exatamente com salário, o meu problema, um dos meus maiores problemas, é com direito autoral. Agora virou lei, a gente foi no Supremo [Tribunal Federal] e lutou por isso. Queriam tirar da lei os direitos. Depois, existe sempre uma maneira de que a gente não receba isso. Você está entendendo? Na realidade, os atores brasileiros, uma pessoa como a Eloísa Mafalda [atriz], por exemplo, entendeu? Ela poderia ser uma pessoa milionária, entendeu? Eu poderia ser uma pessoa milionária e eu não sou.  [Referindo-se à Lei 6533/1978, que regulamenta os direitos de trabalho na atividade artística. Em 1998, a  Lei 9610, alterou e atualizou o texto de 1978]

Matinas Suzuki: Nós vamos fazer um rápido intervalo. 

Sônia Braga: Espera um pouquinho, eu vou ter que voltar do outro lado [brincando com as câmeras].

Matinas Suzuki:
A gente vai fazer um rápido intervalo e volta daqui a pouquinho com a segunda parte da entrevista com Sônia Braga. Até  já.

[ntervalo]

Matinas Suzuki: 
Bem, nós voltamos com o Roda Viva esta noite, que está entrevistando a atriz Sônia Braga. Infelizmente, você não vai poder enviar as suas perguntas durante o programa para a Sônia Braga porque este programa foi gravado, mas, como ela disse no início do programa, se você quiser mandar a sua mensagem ou sua pergunta encaminhe para a direção do Roda Viva que nós re-encaminharemos para a Sônia Braga. 

Sílvia Popovic:
Eu diria para a Sônia o seguinte, namorar Robert Redford [ator e diretor americano, um dos principais galãs do cinema americano na década de 1970. Redfort dirigiu Sônia Braga no filme Rebelião em Milagro, 1988], Clint Eastwood [ator e diretor. Dirigiu Sônia Braga em Rookie, um profissional do perigo, filme em que também atuou como ator], Pat Metheny [guitarrista americano] e um monte de outros nomes. Um monte de gente importante, famosa, que todas nós aqui achávamos o máximo. De repente, você não só namorava como a gente ficava sabendo depois, já que você não contava. Quer dizer, você esnobava.

Sônia Braga:
  Não é que eu não contava. Você acha que eu iria ligar para todas as minhas amigas?  [Risos]

Sílvia Popovic: Eu, se fosse você, contava. Ainda mais o Robert Redford, no momento em que ele estava assim, no auge,  maravilhoso. Só estou dizendo que você fez o que muitas de nós queríamos fazer. Além de ter ido embora, você namorou homens maravilhosos. Você esteve à frente muitas coisas e isso era legal para gente. Qualquer mulher se projetava nisso: Está dando certo, ela está conseguindo, está entrando nesse mundo glorioso. E, de repente, você colecionava homens. 

Sônia Braga: É, tem até histórias legais... 

Sílvia Popovic: E o que eu quero saber é quem é que já te "deu um baile"? 

Sônia Braga: Quem me "deu um baile"? 

Sílvia Popovic: Porque eu acho que você conseguiu tudo o que você quis. Você namorou de Chico Anísio a Guerreiro [Antônio Guerreiro, fotógrafo] .... Vocês me lembrem aqui, quantos homens brasileiros ela já namorou... 

Sônia Braga:
Caetano Veloso [cantor]

Sílvia Popovic: Jogadores de futebol, gente da música popular brasileira... 

Sônia Braga: Gente, ela sabe [risos].

Sílvia Popovic: A gente sabe que você tem um monte de gente que você já conseguiu seduzir.

Sônia Braga:
A Vilma, aquela minha amiga que eu sempre falo dela, aquela dos Estados Unidos, ela fala assim: “Como a gente vai classificar? Por categorias, tipo esporte, cinema?” [Risos]

Matinas Suzuki: Mais de seis meses, menos de seis meses! 

Sônia Braga:
É, não...[risos]

Sílvia Popovic: Sônia, estamos brincando mas é invejável... 

Sônia Braga: Eu não estou brincando. 

Sílvia Popovic:
É muito legal uma mulher ter o controle da sedução como você tem. 

Sônia Braga: Mas quem me "deu um baile"? Ah, eu sei quem me "deu um baile". O Val Kilmer [ator americano, atuou com Sônia Braga em Mil elos, o preço da liberdade, em 1987]. Primeiro, a gente deu muitos beijinhos, porque a gente fez um filme juntos. 

Sílvia Popovic:
Quem é ele? Não sei, perdoe a minha ignorância... 

Sônia Braga: Ele fez o último Batman.  [Batman eternamente, de 1995]

Cunha Júnior: Que fez o último filme do Batman.

Sônia Braga:
  Eu adoro ele, mas o que aconteceu foi assim. Eu fiquei meio apaixonada por ele. A gente ficou apaixonados, mas não era para desenrolar o romance, entendeu? A gente trabalhou no filme para WBO [produtora americana] juntos e, no dia seguinte, ele foi para a Inglaterra. E, quando foi para Inglaterra, ele conheceu a menina com quem ele se casou e foi mulher dele. Então, ele foi um que eu fiquei assim: “Ah..." Mas não deu certo. 

Sílvia Popovic: Quais, das que deram certo, foi a mais... 

Sônia Braga: Ah, Warren Beatty [ator e diretor americano], está na lista? 

Sílvia Popovic: Hum, esse é bom.

Sônia Braga: Ele estava na lista?

Sílvia Popovic:
Não estava na lista mas é muito bom [risos]

Sônia Braga: Mas esse, olha, está está na lista de todo mundo.

Sílvia Popovic: Transou com todo mundo? 

Sônia Braga:
Todo mundo. Eu acho.

Matinas Suzuki:
Agora, Sônia... 

Sônia Braga:
Mas não é essa a história. Eu assisti um Oscar na casa dele, quando a gente estava namorando. 

Sílvia Popovic: Ah, que fino...

Sônia Braga: É engraçado contar essa coisa. Eu sou brasileira... Essa coisa que é legal, que é da cultura. E ele falou: “Vamos, a gente vai ver o Oscar e a gente vai comer sushi...” Estava o Dustin Hoffman [ator, atuou com Warren Beatty em Dick Tracy, filme de 1990]. Foi no ano da: “Vocês me adoram, vocês me adoram, vocês me adoram.” Como é que ela chama? A Sally Field [atriz], lembra? “You like me, you like me..." [Referindo-se ao Oscar de 1985, em que Sally Field ganhou um prêmio pelo filme Um lugar no coração. Durante os agradecimentos Sally disse que "não era ortodoxa e que nunca sentiu o respeito de ninguém, mas agora as pessoas gostavam dela". E complementou:  "Vocês realmente gostam de mim", repetindo três vezes]. A gente ficou odiando aquilo. Então, terminou o Oscar e essa história que eu acho que é legal. Fomos para a cozinha, tinha um sushi, fomos nos servindo nos pratos e acabamos de comer. O que eu estou achando? Que a gente iria sair dali - que foi servido ali na cozinha mesmo. Achei que a gente iria para uma salinha, tomar um cafezinho, uma coisa assim e tal. Mas não, meu amor. Foi pegar os pratinhos, o Warren Beatty foi pegando os pratinhos, limpando, o Dustin Hoffman foi lavando, entendeu? Foi colocando na maquininha de lavar, um outro foi passando um paninho na mesa... 

Sílvia Popovic: E você pensou: “Gente, trabalhei tanto para chegar aqui e esses homens lavando prato em vez de transar com a gente, namorar, abrir um champanhe”. 

Sônia Braga:
Foi engraçado. Eu fiquei paralisada. Eu não sabia muito bem... 

Sílvia Popovic: Se desapontou?

Sônia Braga:
Não foi isso não. É a coisa cultural. Eu não sabia muito bem o que fazer ali. Eu resolvi parar e falei: “Não vou perder essa oportunidade, ver esses dois lavando louças." Eu falei:  "Então tá, então pronto. " Sentei e fiquei assistindo. Achei aquilo uma maravilha, entendeu? Então, não é só a coisa dos namorados que é legal a gente contar, mas essa coisa cultural. Tem muita coisa com  Robert [Redford]. Por exemplo, o Robert foi visitar o Gabo, o Gabriel García Márquez [escritor colombiano, autor de Cem anos de solidão, recebeu o Nobel de literatura por sua obra em 1982], em Cuba. E ele chegou nervosíssimo e disse: “Não entendi nada. Achei  um absurdo." Eu eu: "O que você achou um absurdo?" "Imagina, o Gabriel García Márquez, que se dizia um homem de esquerda, fica sentado, não  pode nem ir para cozinha pegar um copo d'água. Fica chamando: “Maria, traga um copo d'água para gente. Acho isso um absurdo.” E, eu: "Mas Robert, a Maria tem uma família e esse é um emprego. Ela sustenta a família dela assim. Se você parasse de lavar sua roupa..." Isso porque ele chegava em casa e ia lavar sua roupa. Depois, lavava louça e depois... Então, essa coisa é assim nos Estados Unidos, entendeu? É uma cultura  muito diferente. A criancinha tem três anos de idade e já pega, vai levar lata de lixo e tudo isso... 

Matinas Suzuki:
Vem da ética protestante né? 

Sônia Braga:
É, exatamente, a coisa dos imigrantes, a vida muito dura, aquela coisa sofrida e tal. Já passaram-se não sei quantos mil anos e eles continuam com aquele sofrimento, entendeu? Isso, a meu ver, causa  um problema muito grande para os novos imigrantes. Primeiro que poderia ter um equilíbrio social melhor se eles conseguissem relaxar dois minutos e descansar. Entendeu? Então, tem essas histórias, além dos namorados. Tem mais alguém que não contei que você quer saber? 

Matinas Suzuki:
Qual é o atual? 

Sônia Braga:
Não tem, juro.

Sílvia Popovic:
E o Mark [Lambert, músico e arranjador, trabalhou com artistas brasileiros, produzindo álbuns de Bossa Nova no exterior]?

Sônia Braga:
O Mark é o que o a gente chama de ex, futuro, quem sabe, talvez, marido [risos]. Tomara, porque ele é a pessoa mais maravilhosa do mundo. 

Matinas Suzuki: E casamento, como é? 

Sônia Braga:
Não sei, mas eu fui em alguns e posso te contar [risos]. Também assisti na televisão.

Matinas Suzuki: Mas, você... 

Sônia Braga:
Não sou contra. Eu não sou contra nada, cada um que faça o que quiser. Eu só acho...

Matinas Suzuki:
Só queria saber como é para você.

Sônia Braga:
Por que eu não casei? 

Matinas Suzuki:
Ou por que você não casou, ou como seria um casamento em sua vida, se mudaria sua vida, se mexeria muito com você? É alguma coisa que... 

Sônia Braga:
Não sei porque eu nunca casei, entendeu? Eu acho assim, uma das coisas... Eu não me lembro de ninguém ter me pedido em casamento, mas eu acho que é uma coisa que também parte de mim. Se eu tivesse  falado... Nunca criei um clima. 

Sílvia Popovic: Mas com o Mark você morou junto, teve uma casa, por muitos anos, não é, Sônia?

Sônia Braga:
Moramos juntos, moramos. Não, eu morei junto com muita gente. 

Cynthia de Almeida:
Mas, assim, mesmo com o Mark, ou outro que você já tenha morado junto, caracterizou um casamento? Era casa dos dois ou era sempre a sua casa? 

Sônia Braga: Era a casa dos dois. 

Cynthia de Almeida:
Então, você foi casada!

Sílvia Popovic:
É, então, você foi casada!

Sônia Braga: Foram várias vezes, o José Joaquim. Aqui, no  Brasil, foi o Claudinho, o José Joaquim, o Antônio Guerreiro... Nos Estados Unidos, acho que o único que... O Robert, não sei... 

Cynthia de Almeida:
Quanto tempo você passou com Robert? 

Sônia Braga:
Três anos. 

Sílvia Popovic:
Puxa! 

Cynthia de Almeida:
É um casamento. 

Sônia Braga:
  Mas a gente morava junto ocasionalmente. A gente viajava junto... 

Sílvia Popovic:
Sônia, toda vez que eu penso em você, eu sempre penso em você... 

Sônia Braga: Olha, era brincadeira que você não poderia perguntar nada [risos]. [Diz para Dagomir Marquezi, que no bloco anterior havia sido interrompido por Matinas Suzuki]. Não, porque, toda vez que ele perguntava alguma coisa, era quando... 

Dagomir Marquezi: Tudo bem, essas coisas acontecem.

Sônia Braga:
Fala. 

Sílvia Popovic:
Primeiro, eu sempre achei que há um poder em você que todas as mulheres, de certa maneira, invejam, que é essa coisa de poder seduzir os homens. Se você conheceu e colecionou tantos namorados é porque você conhece isso e sabe como fazer. Tem muitas mulheres que passam uma vida inteira - e só porque têm 40 anos - e não descobrem como chegar, como conseguir aquilo. Acho que você nasceu com isso e desenvolveu esse trem da sedução. 

Sônia Braga:
Mas eu acho que esqueci [risos].

Sílvia Popovic:
Está num momento ruim? 

Sônia Braga:
Ou em um momento difícil. Estou em um momento de esquecimento. Esqueci a técnica, não  lembro como era. 

Sílvia Popovic:
Será? 

Sônia Braga:
Não sei o que está acontecendo, sinceramente. Eu estava com  Mark, que é pessoa que eu amo,
adoro. Aí, eu fui para Aracaju. Não, eu não fui para Aracaju. Ele que era de Aracaju. Mas, aí, arrumei um namorado e.... 

Sílvia Popovic: E ele não agüentou? 

Sônia Braga:
Não, não foi isso não. Deu tudo certo, eu estava... Mas eu terminei com o Mark, quando eu conheci ele, o Julinho. E, então, eu comecei a filmar e eu terminei com o Julinho. Comecei a filmar, fui fazer o filme e, desde essa época, eu nunca mais tive um namorado.

Sílvia Popovic:
Você acha que um casamento aberto funciona? 

Sônia Braga:
Aberto como? 

Sílvia Popovic:
Aberto, em que um fica esperando enquanto o outro está tendo um momento de paixão com outras pessoas. 

Sônia Braga:
De jeito nenhum. 

Sílvia Popovic:
Você acha? 

Sônia Braga: Não acredito. Há várias coisas eu não acredito. Casamento, nem que seja por um dia, são duas pessoas, entendeu? 

Sílvia Popovic: Certo. 

Sônia Braga:
Porque você tira a liberdade da outra pessoa. Isso que eu acho... 

Cunha Júnior: Sônia. 

Sônia Braga:
Oi? Você vai me pedir em casamento? [Risos]

Cunha Júnior: Por que não? Ao vivo? Mas o que a Sílvia estava falando, do seu  poder de sedução, você disse que está meio que esquecendo disso. Como evolui essa coisa com a idade? Para você, a coisa da  sedução, com a idade, vai passando? 

Sônia Braga:
Eu acho que são várias coisas, entendeu? Eu acho que é um problema que eu não estou vivendo sozinha. Eu acho que é um problema dos tempos. Eu acho que quando a gente... Assim, nos anos 70, a gente, graças a Deus, viveu desde os anos 60 intensamente. Em tudo, entendeu? Hoje, eu sou uma mulher que parou com as drogas, parou com a bebida... Sou muito infeliz [fala em tom de deboche]. [Risos]

Cunha Júnior: Com o sexo não? 

Sílvia Popovic: Você não parece nada infeliz. Você é de uma irreverência, você é engraçada. Eu não achava que você fosse tão engraçada. Fazia tempo que a gente não se via. Você é muito engraçada, tem muito bom humor.

Cunha Júnior: O que você estava falando...

Sônia Braga: Mas o que aconteceu foi o seguinte. Nos anos 80, final dos anos 80, teve a péssima notícia... 

Cunha Júnior: Aids? 

Sônia Braga: Aids. Então, eu acho que a coisa de você entrar num lugar, você ver uma pessoa... E isso é verdade, eu sou muito espontânea, tenho essa coisa da espontaneidade. Então, essa coisa de você ver a pessoa e você fala: tem que perguntar, tem que ter uma reunião antes... [risos]  Você está entendendo? Então, tem que... Sabe, quando você vai no médico, que é chato, o dentista, que é chato, tem que fazer aquela ficha?

Cunha Júnior: Tem todo um questionário. 

Sônia Braga:
Hoje em dia é mais ou menos isso.
 
Cunha Júnior: Quantos parceiros teve e tal. 

Sônia Braga:
É. E depois fica sempre... Entendeu? Eu acho que um dos motivos de essa coisa não ter sido... Eu sempre fui espontânea durante todos esses anos, entendeu? Quando eu fiz o meu teste [de HIV] - já fiz o teste umas cinco vezes. Eu vou no médico: “Não, vai fazer outra vez, Sônia.” Eu falo: “Vou sim, quero fazer de novo”. Quando eu fiz meu teste e deu negativo, primeiro, eu achei um verdadeiro milagre, entendeu? 

Cunha Júnior:
Por que milagre? 

Sônia Braga:
  Porque eu tive parceiros, nos Estados Unidos, homossexuais, sabe? Que eram homossexuais mesmo e que nunca tinham transado com uma mulher na vida. 

Cunha Júnior:
Desculpe a intimidade, mas é uma coisa importante de a gente falar...

Sônia Braga:
Como?

Cunha Júnior:
Você não usava camisinha? Desculpe a invasão de intimidade, mas é uma coisa importante para gente falar. 

Sônia Braga:
Não, não antes. 

Cunha Júnior:
Antes de saber da coisa da Aids mesmo? 

Sônia Braga:
Antes do Markito, entendeu? [o estilista Marcos Vinícios de Resende, o Markito, foi o primeiro caso de Aids destacado pela mídia. O estilista faleceu em 1983]

Cunha Júnior:
Sei.
 
Sônia Braga:
Antes dessa era, não. Absolutamente, ninguém praticamente usava. Porque tinha o Diu [Dispositivo Intra-uterino, um método de anticoncepção] para mulher, entendeu? Teve essa coisa da liberação da camisinha, que é muito melhor, na realidade. Mas, nessa época, mesmo que você tivesse um parceiro que usasse a camisinha, não era uma discussão de uma doença contagiosa, era discussão de você poder ficar grávida. 

Sílvia Popovic: Isso. 

Sônia Braga:
  Então, se o parceiro não confiasse, se ele quisesse usar camisinha, seria esse o problema. Então, eu acho que isso transformou muito o comportamento de muitas pessoas. Agora, eu  não sei, eu estou com 47 anos de idade, eu gosto de  ficar sozinha em casa, eu criei certos hábitos também morando fora, entendeu? E eu adoro ver cinema em casa. Não devia falar isso, porque cinema é no cinema. Cinema você vê no cinema. Televisão você vê em casa.

Gabriel Priolli:
Sônia, aos 47 anos, qual é a maturidade de um símbolo sexual? Você foi seguramente o maior símbolo sexual do Brasil durante muito tempo. Hoje em dia você continua sendo reconhecida como, mas, provavelmente, o assédio masculino não deve ser o  mesmo, ou é? Como é a maturidade e o símbolo sexual? 

Sônia Braga:
Eu não sei, porque na realidade eu nunca vivi isso, quem  viveu isso foram as personagens. Você está entendendo? Que é muito... Quer dizer, quando você vê a foto da louca varrida, aquilo lá é muito mais o que eu sou. Eu acho super importante discutir a sexualidade no cinema, entendeu? O cinema americano se recusa a discutir o assunto, a não ser que seja de uma maneira brutal, que seja o assédio sexual da mulher pelo o homem.  Ou então um tribunal... Então, é de uma maneira muito doente. A gente sempre procurou, através do cinema, discutir a sexualidade de uma maneira sadia, entendeu? A sexualidade dessa mulher. E eu sempre, pessoalmente, tive muita curiosidade de saber o que é isso, o prazer, o sexo, o orgasmo, a relação humana, tudo isso. Então, as minhas personagens têm muito essa coisa que vai para a tela, que é a minha própria curiosidade. Entendeu? 

Sílvia Popovic:
É engraçado como, desculpa. 

Gabriel Priolli: Tudo bem.... 

Sílvia Popovic:
É engraçado como sua imagem real é uma coisa que traz, muitas vezes, até uma irritação por parte especialmente das mulheres, quando te vêem de cabelo solto, de cara lavada, de roupa despretenciosa. Você faz questão de mostrar que é anti-estrela e isso é quase uma desfeita para outras pessoas: “Eu sou gostosa quando eu quero, seduzo quando eu quero, na maior parte das vezes eu sou desse jeito aqui, amem ou odeiem.” E as pessoas dizem: "Ela é desleixada, com esse cabelo, não percebe que está envelhecendo..." E, na maior parte das vezes, é por inveja...

Sônia Braga: Ah, olha aqui...[mostras os brincos que está usando] [Risos]

Sílvia Popovic:
Então, só para falar dessa coisa que ele está dizendo, de o símbolo sexual ir mudando e toda platéia do Brasil ir querendo ver como você reage a esses comentários, inclusive, invejosos, eu acho invejosos. 

Sônia Braga:
Só para você saber. Eu vou falar nisso, mas a gente começou esboçar isso em um outro momento e a gente veio... 

Sílvia Popovic:
Mas eu não poderia deixar de falar disso. 

Sônia Braga:
Então, vamos falar. Não sei se é principalmente com a mulher não. É a mulher e o homem. Quando eles me vêem de louca varrida, entendeu?  Mudam e falam assim: “Aí, meu Deus, se ela que é a estrela internacional, símbolo sexual do mundo, do Brasil, agrada até catando lixo, o que a gente vai ter que fazer?”  Entendeu? Então, as pessoas dessa faixa classe média alta do Brasil, gostariam que eu estivesse participando mais das festas da alta sociedade, dos clubes fechados, entrasse em iates, fosse com o namorado escondido para não sei aonde... O Mark, que você perguntou, lembra? O santo? Ele chegou no Brasil, veio dos Estados Unidos para o Brasil, e foi do aeroporto direto para Ramos [bairro do Rio de Janeiro]. Eu botei a luvinha de borracha nele e ele foi lá catar lixo comigo. Entendeu? [Referindo-se ao trabalho junto ao grupo Loucos Varridos, que fazia campanha a favor da limpeza das ruas] Então, eu acho que você fala assim: “Mas o cabelo dela não tem corte, ela não usa maquiagem, ela não é chique.” Eu não sou chique. Não sou. Eu acho que ser chique cansa muito. Aliás, chique? O que chamam de chique, entendeu? Maquiagem cansa, salto alto cansa, vestido apertado cansa, entendeu? Acho que, nesse ponto, o homem quando usa gravata e fala assim: “Aí, tem que usar gravata”, eles não sabem o que a gente passa, entendeu? [Risos] Mas, ocasionalmente, eu adoro a personagem. 

Sílvia Popovic:
E você arrasa. Você as vezes aparece arrasando e o pessoal fica: “Está vendo como ela sabe, porque ela fica de outro jeito? Ela chega aqui no Brasil e fica arrastando sandália?” As pessoas ficam sem entender essas duas coisas. 

Sônia Braga:
A Dilsa, que é minha super amiga, eu sou madrinha do filho dela, ela foi, ou é ainda, não sei, camareira lá na Globo. Ela me chamava de legítima [risos]. Porque as funcionárias lá da Globo eram obrigadas, eu acho, não sei, a usar maquiagem porque estavam trabalhando na Globo. Era maquiagem, salto alto, um vestidinho, para ir se enfiar na floresta para gravar. E eu ia com as minhas sandálias Havaianas. Nunca me  chamaram para fazer os comerciais das Havaianas e todo mundo que faz não usa [risos]. Nunca me chamaram, eu não entendo. É a mesma coisa dos quatro filmes de maior bilheteria, que não me convidam para fazer cinema. 

Cunha Júnior: Isso foi um outro...

Sônia Braga:
E eu uso sandálias Havaianas e não me chamam... 

Sílvia Popovic:
Como é a história da quarta bilheteria? Vamos registrar, Sônia, essa coisa das quatro bilheterias.

Guilherme de Almeida Prado: Sônia, essa coisa das bilheterias, você não acha que se afastou também da coisa de ser brasileira, por isso que as pessoas não te escolhem mais?

Cunha Júnior:
Você vai ter que ter explicar também essa coisa das quatro bilheterias... 

Sônia Braga:
Ah, isso não foi gravado. [referindo-se a comentários feitos durante o intervalo do programa]

Cunha Júnior:
É, vai ter que explicar.

Sônia Braga:
Gente, vai ser uma complicação.

Matinas Suzuki:
Pode ser, não sei se foi gravado, mas é melhor falar de novo, depois cortam. 

Sônia Braga:
Então, como começamos? Qual é a pergunta? 

Cunha Júnior:
Foi a questão sobre um roteirista que deu uma entrevista para a [revista] Veja dizendo que os Estados Unidos sabiam fazer cinema porque lá não fazem um quebra cabeça intelectual. Já na  Europa e no Brasil não sabem fazer e aí você entrou nessa coisa....

Sônia Braga: Então, o que eu falei foi que o cinema americano é um cinema de indústria. Agora, até criaram uma parte que eles chamam de cinema independente, que tem aquela história do Sundance [Festival de Sundance, criado em 1991, é considerado uma vitrine do que há de melhor no cinema independente norte-americano], que são os filmes independentes, filmes de 20 milhões de dólares, uma coisa assim. Mas a indústria de cinema nos Estados Unidos se entende como indústria. Então, existe toda uma pesquisa de mercado e tal. Então, eu vou repetir, o Tom Cruise [ator], ou um outro ator famoso, quem? O Arnold Schwarzenegger [que agora segue carreira política, sendo o atual governador da Califórnia], você pode odiar ele, você pode, como diretor, não gostar dele, mas vai trabalhar com  ele. O John Travolta - que eu gosto, aliás - ele dá  bilheteria, você tá entendendo? Então, é muito simples, é bilheteria. Em 10 anos, o Tom Cruise.... “Ah, então, eu vou fazer filme com o Tom Cruise, porque ele dá bilheteria." No Brasil, se você  vir os filmes, não sei durante quantos anos, os maiores sucessos de bilheteria do cinema brasileiro, até pelo menos um ano atrás, eram: Dona Flor, A dama do lotação, Eu te amo e Tieta [todos estrelados por Sônia]. Então, naturalmente, quando eu fiz isso a primeira vez, eu  falei: “Gente, faz de conta que não sou eu que estou falando”. 

Sílvia Popovic:
Mas você era estrela dos quatro filmes. 

Sônia Braga:
Exatamente, obrigada.

Sílvia Popovic:
E hoje... É coisa que ... Eu fico indignada com isso e,  sinceramente, hoje... 

Sônia Braga:
Eu tenho uma explicação para isso. 

Sílvia Popovic:
E, hoje, você está tendo que, de certa maneira, sensibilizar o roteirista, no sentido de que existe um talento.
Felizmente, a indústria de cinema  no Brasil renasce e parece que há um desencontro, um buraco, entre você e essa indústria. 

Sônia Braga:
  Não, mas o que eu espero - e que parece que ele tem um problema com isso [aponta para Guilherme de Almeida Prado] - é que, no renascimento da indústria do cinema brasileiro, a indústriase comporte como indústria. Nós temos um problema gravíssimo no Brasil, que é de roteirista, entra esse problema também.  Então...

Guilherme de Almeida Prado:
Mas esse problema não é brasileiro, é um problema mundial. 

Sônia Braga:
Mundial, é uma crise mundial. 

Guilherme de Almeida Prado:
O Brasil apenas está fazendo parte. 

Sônia Braga:
  Mas, nos Estados Unidos, o que  eles fazem? Esse tipo de cinema, que são os computadores que fazem. O que dá certo? É esse com esse, são os computadores que fazem os  roteiros. 

Guilherme de Almeida Prado:
Você acha que no Brasil tinha que fazer roteiro com computador também? 

Sônia Braga:
Não, de maneira alguma, mas, no Brasil, isso é inegável, existe a idéia do renascimento do cinema brasileiro, certo? Então, com isso, você precisa criar roteiristas. Não estou dizendo que tenha que agradar o cinema americano. Isso que a gente não tem que agradar. 

Guilherme de Almeida Prado:
É que essa profissão foi abolida durante um certo tempo. Mesmo a  profissão de cineasta quase foi abolida. Então... 

Sônia Braga:
Porque os próprios cineastas foram os roteiristas dos seus filmes. Então, sempre fizeram o cinema de autor, nunca fizeram cinema... 

Guilherme de Almeida Prado:
Isso é uma tendência americana. Nos Estados Unidos também, se você prestar atenção nos cartazes do cinema americano, há uma tendência de os diretores também serem roteiristas. O Tarantino [Quentin Tarantino, que começou a se destacar no início dos anos 90, chamando atenção pelos roteiros que escrevia e por sua direção, que fogem dos padrões tradicionais norte-americanos] por exemplo, e quase todos hoje em dia  são como co-roteiristas... 

Sônia Braga:
E eles partiram de onde? Eles partiram do cinema independente. 

Guilherme de Almeida Prado:
Então, mas isso é uma tendência deles. E a gente, de certa maneira, estava na frente, certo?

Sônia Braga:
  E tem
Billy Bob Thornton, que fez tudo. Ele é ator, é diretor, faz tudo no filme.

Guilherme de Almeida Prado:
É o autor também. 

Sônia Braga:
Pois é, ele é autor, ele é diretor, ele é escritor, ele fez tudo. Mas essa é a nova geração no cinema americano. 

Guilherme de Almeida Prado:
Você acha que isso é ruim? 

Sônia Braga:
Não, eu acho que tudo é bom se funcionar, entendeu? Então, a gente tem que ver o que está funcionando, tem que ser esperto. O Luiz Carlos Barreto e a Lucy Barreto, na realidade, são os dois únicos produtores de cinema no Brasil [Luiz Carlos Barreto, o Barretão, e a mulher, Lucy Barreto, produziram cerca de setenta filmes, entre curta e longa metragens. São pais dos cianeastas Bruno Barreto e Fabio Barreto]. Então, não é só falha de roteiristas. 

Guilherme de Almeida Prado: Mas, hoje em dia, estão aparecendo outros produtores. 

Sônia Braga:
Estão aparecendo outros, mas, se não for pelo menos nesse nível de entendimento, de falar: “Olha, tem que colocar a Glorinha Pires”.  Mas eu quero... Tem que colocar. 

Guilherme de Almeida Prado:
Mas isso existe Sônia, isso existe direto. 

Sônia Braga:
Existe ou não? 

Guilherme de Almeida Prado: Existe isso, existe isso direto. Eu sofro essa pressão. Imagina quando você vai procurar dinheiro para fazer o filme? Querem saber: "Você vai fazer com quem?" Isso existe sim. Acho que existe igual nos Estados Unidos.

 Sônia Braga: O que a gente estava falando então? 

Guilherme de Almeida Prado:
A gente estava falando de, de repente, fazer um filme para a Sônia Braga, ou para a Vera Fischer, ou para a Lucélia Santos. 

Sônia Braga: Era isso, que o cinema é de autor, que não se escolhe projetos para aquela pessoa. Eu vou te explicar como eu vejo isso. O Daniel filho me convidou para fazer A Partilha [filme lançado em 2002, dirigido por Daniel Filho e baseado na peça teatral de Miguel Falabella], que são quatro mulheres, e eu optei por não fazer, porque seria meu primeiro filme depois de Tieta. Eu falei: "Daniel, foi uma peça de teatro de sucesso enorme, não sei se só no Rio, ou no Brasil inteiro, mas foi uma peça de sucesso. Então, eu gostaria que você escolhesse um projeto para mim, para eu fazer, entendeu? Que fosse uma coisa para eu fazer.” O José Wilker está fazendo ponta em todos os filmes brasileiros, todos os filmes que você vê tem o Wilker fazendo uma pontinha, entendeu?

Guilherme de Almeida Prado: O Wilker está até produzindo filmes. 

Sônia Braga:
  Ele que levantou Guerra de Canudos [filme de 1997, dirigido por Ségio Rezende], não é? Ele queria fazer Canudos e levantou. Mas eu não vou levantar, não vou fazer isso.  [ver entrevista Roda Viva com José Wilker]

Guilherme de Almeida Prado:
Tom Cruise faz isso também, também levanta... O Arnold Schwarzenegger também tem produção. 
Sônia Braga:
Você acha que ele sai com pastinha embaixo do braço? Fala  verdade [risos]...

Guilherme de Almeida Prado:
Talvez ele não precise da pastinha, mas que ele vai, ele vai. 

Sônia Braga:
Não é ele que vai...

Guilherme de Almeida Prado:
Mas, de alguma maneira, ele vai, pode ser até o nome dele, mas, de alguma maneira, ele vai. 

Sônia Braga:
  Porque, ele já é o Tom Cruise. É como a Volkswagen no Brasil, entendeu? Então, quando fala Tom Cruise, está falando de uma marca. 

Guilherme de Almeida Prado:
Mas isso a gente não tem no Brasil. 

Sônia Braga:
Mas poderia ter se as leis fossem cumpridas, se recebêssemos direitos autorais e conexos, se tudo fosse direitinho. Você já viu quanto custa... Esse que era meu problema, que reclamavam que eu estava fora da realidade, que eu pedia muito, que meu salário era muito alto. Se você calcular por quanto o intervalo da novela é vendido, certo? Trinta segundos de intervalo em uma novela da TV Globo... Só no Rio de Janeiro, eles vendem um espaço de 1 minuto e 30 segundos, por 30 mil reais. E isso por dia. Tem muita gente que trabalha e que não ganha isso por mês. Então, eu pedi... 

Guilherme de Almeida Prado:
Mas, então, os atores todos não tinham que se unir e falar: “Então, não vamos falar dessa maneira.”

Sônia Braga: Posso tirar o microfone? [Risos]

Guilherme de Almeida Prado: Compreende?

Sônia Braga:
Você está entendendo? Quando eu morava aqui, no Jardim Botânico [bairro do Rio de Janeiro], eu, o Pedrinho Guimarães [ator], quando queriam mudar a lei, porque tinha um artigo na lei que dizia: “É proibido...” E continua existindo, não sei quem foi que mudou esse decreto, eu não fui, “É proibido ceder, emprestar os seus direitos autorais...” Porque não é um direito trabalhista, entendeu? Então, foi criada...

Guilherme de Almeida Prado: Existe, essa lei existe. É que descobrem maneiras de driblar isso aí. 

Sônia Braga:
  Então, como você cede? Na verdade você cede o que não poderia ceder?

Sérgio Dávila:
Sônia, vamos dar nomes aos bois então. Você está reclamando do quê exatamente, das novelas que são vendidas no exterior? Do que exatamente? 

Sônia Braga:
Novela, cinema, televisão, rádio, tudo, porque, é o seguinte, não estou reclamando do “ao vivo”, mas do suporte material, que nunca foi respeitado neste país. É o que gera os direitos autorais e conexos, quando, na realidade, eles reprisam uma novela, eles estão te desempregando. No Vale a pena ver de novo [programa vespertino da Glovo, em que novelas são reprisadas], eles deveriam pagar novamente o mesmo salário que foi pago quando a pessoa fez, ou o valor equivalente àquele salário.
 
Guilherme de Almeida Prado: Isso nos Estados Unidos também não é respeitado.

Sônia Braga:
Olha... 

Guilherme de Almeida Prado:
De maneira alguma. 

Sônia Braga:
Olha, eles passam uma entrevista que eu fiz, logo eu recebo o cheque em casa.

Guilherme de Almeida Prado:
Sônia, mas no cinema, em programas de  televisão, não seguem isso? 

Sônia Braga:
Seguem, não dessa maneira, mas conseguem assim, as pessoas. ..

Guilherme de Almeida Prado:
Se repetir a sua participação do Bill Cosby?

Sônia Braga: Isso. 

Sílvia Popovic: E quanto se paga por uma entrevista lá, só para saber, quanto se paga? 

Sônia Braga:
Por uma entrevista? 

Sílvia Popovic:
Uma entrevista a um programa correspondente a este aqui, mais ou menos quanto se paga? 

Sônia Braga:
Por exemplo, se for participar do Bill Cosby, existe um salário que pagam para aquele programa, entendeu? 

Sílvia Popovic:
Um cachê. 

Sônia Braga:
É um cachê simbólico. 

Sílvia Popovic:
Mas é um valor interessante? 

Sônia Braga:
É de acordo com todos os sindicatos, todos concordam com isso, que tem a ver com você aparecer na televisão, no Bill Cosby, naquele horário, entendeu? Se você fosse comprar aquele horário, você teria que pagar.... Então, tem toda essa jogada, que é uma jogada de publicidade e tudo, que acaba sendo...  [todos falam ao mesmo tempo]

Matinas Suzuki:
Gente, vamos deixar isso...  [todos continuam falando juntos]

Sônia Braga: Gente, agora é o teste, vamos olhar todos para televisão. [Brincando, em uma tentativa de fazer as pessoas pararem de falar. No início do programa, é pedido que as pessoas fiquem em silêncio enquanto os câmeras fazem testes de imagem]

Matinas Suzuki:
Vamos ouvir o Dagomir, por favor.

Sônia Braga: Gente, que nervoso. Você está nervoso? Vamos tentar. 

Dagomir Marquezi:
Como está sua carreira americana agora? Fiquei sabendo que você fez um episódio de [...] O que mais você vai fazer? 

Sônia Braga:
É o seguinte, eu mudei de agência, pertencia a uma agência, a  ACM [Productions], e fui para a William Morris. Entre uma e outra, que foi quando aconteceu o episódio do Antônio Alves, o taxista, eu resolvi mudar tudo na minha vida. Na realidade, eu achei que era um... Sabe, que era uma limpeza geral mesmo. Então, eu resolvi mudar para essa agência porque o meu agente morava em Los Angeles. Eu queria que fosse alguém perto de mim. Como eu moro em Nova Iorque há sete anos, não vou mudar mais, resolvi mudar de agência, de tudo. Então, esse processo todo levou um ano, você entendeu? Então, agora, o primeiro trabalho que eu vou fazer com eles, que é um... Como ele falou? "Essa é a filha do carrasco.” Que é um filme western com vampiros. Como nunca fiz uma vampira fiqueisuper animada. [Refere-se ao filme Um drink no inferno 3, a filha do carrasco, lançado em 2000]

Dagomir Marquezi:
Você vai ser uma vampira?

Sônia Braga:
Mas é um dos filmes da Miramax, que é a maior companhia de produção independente, é uma companhia enorme, entendeu? E ele vai ser todo filmado na África do Sul. É um projeto que eu tenho. E vai ter uma coisa, que será maravilhosa, no Kennedy Center, em Washington, que será gravado, será passado, será levado ao ar, não sei quando, acho que novembro, um programa sobre jazz. Todos os melhores músicos de jazz vivos vão estar nesse programa e vai ter nesse programa uma homenagem àquele que não consegue nem um nome de uma rua no Brasil, Antônio Carlos Jobim. Lá ele terá.
 
Dagomir Marquezi:
E o Brasil? Você volta para o Brasil, você volta para a Globo, vai fazer Dancin' Days [novela de Gilberto Braga, exibida pela Globo, em 1979, em Sônia Braga era a personagem principal] na Globo?  [Existiu um projeto de regravação dessa novela]

Sônia Braga:
Em relação à Dancin' Days, é uma coisa que tem mesmo que ser esclarecida. O César Filho [ator]... A gente já falou do César Filho no primeiro segmento? Não lembro mais, mas vou falar tudo de novo. 

Matinas Suzuki:
Não, só no segundo. 

Sônia Braga:
Então, o César Filho tem uma empresa que chama Companhia de Elenco. Eu pedi para ele que ficasse com meu contato para comerciais, para... Ele foi para Nova Iorque levando uma proposta, que seria uma proposta do Boni [José Bonifácio de Oliveira, foi um poderoso diretor da Globo], para participar da novela. O Boni gostaria que eu fizesse o papel da minha irmã na novela, que foi o papel que a Joana Fomm fez. [Em Dancin' Days, Sônia Braga interpretou Júlia Mattos, personagem principal. A atriz Joana Fomm, interpretou Yolanda Pratini, vilã da trama]. Eu achei um absurdo. Mas eu falei: "Olha, eu quero trabalhar. Se a única proposta que tem
na Globo é fazer, sei lá, uma participação, então, a gente faz." E depois eu poderia fazer uma novela, depois fazer um seriado e tal. Mas, então, eu faria, por exemplo, uma participação especial. Eu seria a diretora do primeiro segmento, a dona da prisão [risos]. A diretora da prisão, entendeu? Só porque é uma personagem que aparece e desaparece, não tem nenhum contato com a novela, entendeu? [Em Dacin' Days, Júlia Mattos é uma ex-presidiária em busca de retomar sua vida] Eu faria isso.. 

Cynthia de Almeida:
Por que você não faria um papel mais importante nesse remake?
 
Sônia Braga:
Eu, sinceramente, não lembro de que lado... Eu não lembro, eu não lembro.. Eu não lembrava o lado que eu tinha vindo... [brincando com a cadeira giratória, já que Cyntia estava nas suas costas] Acho o seguinte, primeiro lugar, nota do jornal, uma entrevista com o Boni que eu li no jornal dizendo o seguinte: “Boni, por que remake de Dancin' Days?" Resposta: “Olha, a gente recebe diariamente milhões e milhões de cartas pedindo que a gente reprise o Dancin' Days no Vale a pena ver de novo. Então, resolvemos fazer o remake”. Com todo o respeito ao Boni, acho ele uma das pessoas, assim, dentro da indústria de televisão... Eu gosto dele, é uma pessoa legal e tudo, mas eu acho um desrespeito ao público. Entendeu? Está desrespeitando um desejo. É como você votar para um presidente, ele ganha, mas o entendimento é que seria o outro. Eu acho que não pode fazer isso. Se pediram para reprisar o Dancin' Days... 

Gabriel Priolli: Mas você topa reprisar mesmo se não te pagarem?

Guilherme de Almeida Prado: Se reprisar, o público das oito horas da noite não vai assistir. O Boni está pensando no lucro que isso vai ter para a emissora.

Sônia Braga: Exatamente, mas o público que está lá, que sustenta esse império, não é respeitado. 

Sílvia Popovic:
Você está enciumada? 

Guilherme de Almeida Prado: Acho que eles respeitam até demais o público! 

Sônia Braga: Como assim, explica.

Guilherme de Almeida Prado:
Acho que a Globo respeita demais o público. Só pensam no público, tudo depende se está subindo ou caindo o [índice do] Ibope [Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística]. Isso é ser respeitado. Se o Ibope cai, eles mudam a novela. 

Cynthia de Almeida: Tem novelas tão boas quanto Dancin' Days para o horário nobre que estão dando certo. A experiência do Anjo Mau está aí e que comprova isso. Foi um grande sucesso que voltou e levantou o horário. [A primeira versão de Anjo Mau foi escrita por Cássio Gabus Mendes e exibida em 1976. A segunda versão foi escrita por Maria Adelaide do Amaral e exibida em 1997].

Guilherme de Almeida Prado:
  É. 

Cynthia de Almeida: Agora eles querem fazer a mesma coisa com Dancin' Days e com alguns dos mesmos atores. 

Sônia Braga:
Então, por que a gente não fala de falta de opção? 
 
Cynthia de Almeida: É falta de criatividade, uma crise total de criatividade? 

Sônia Braga: Falta de opção. Se você não tem outra coisa para assistir, se você não tem 10 reais - foi isso que você falou que é o preço de cinema? 

[Alguém responde]:
10 reais.

Sônia Braga: Qual é o preço de teatro?

[Alguns respondem]:
  20, 30 reais.,. 

Sônia Braga: Se você tem uma família de cinco pessoas e você não tem opção, o que você vai fazer? 

Guilherme de Almeida Prado: Mas você tem muitos canais hoje em dia. 

Sônia Braga: Tem, tem o SBT [tom de ironia], tem a novela do Avancini [Walter Avancini (1935-2001). Em 1997, a novela Mandacaru, dirigida por Avancini, foi exibida pela extinta TV Manchete] que eu vi um pedacinho e que eu achei legal. 

Regina Echeverria: Como terminou sua história com o SBT? Vocês tinham uma pendência judicial e continua? 

Sônia Braga:
Continua. 

Regina Echeverria: Continua?

Sônia Braga: Nos Estados Unidos...

Regina Echeverria: Você alega que foi demitida. E eles alegam o quê? 

Sônia Braga: Que eu fui demitida [risos].

Matinas Suzuki: Você não tem vontade de fazer teatro, por exemplo, no  Brasil? 

Sônia Braga: Não, não, no Brasil não. 

Matinas Suzuki: Por quê?

Sônia Braga: Eu acho que qualquer pessoa... Eu não sei... É como te  falei, eu sou assim: ator não gosta de dar entrevista e eu gosto. Ator não gosta de tirar fotografia e eu gosto. Ator não gosta de fazer televisão e eu gosto. Ator ama fazer teatro e eu não gosto [risos].

Sônia Braga:
Então, acho que eu não sou atriz. É o seguinte, eu acho que uma  pessoa que pode pagar... Quer dizer, não sou contra quem faz ou quem vai ao teatro. Pelo contrário, acho que as pessoas devem ir ao teatro. Acho que é legal. Mas se você me perguntar: "Entre o teatro e a televisão no Brasil o que você quer fazer?" Eu quero fazer televisão e cinema e batalhar para baixar o preço do ingresso, pela melhoria nas salas. Porque, a gente estava até comentando antes, se a gente vai ver um filme nacional, não entende nada. Fui ver o Canudos e não entendi a primeira parte. Essa é uma deficiência do cinema  brasileiro, que é falado em português. 

Guilherme de Almeida Prado:
Mas é importante dizer que o som de Canudos foi todo feito em um estúdio em Nova Iorque, entendeu? 

Sônia Braga: Então. 

Guilherme de Almeida Prado: Então, é o mesmo som do filme do Robert De Niro ou do Arnold Schwarzenegger. É o estúdio mais caro do mundo. 

Sílvia Popovic: Mas, aí, você vai no cinema e não consegue ouvir. 

Guilherme de Almeida Prado: Mas não é problema do filme, não é Canudos. “Eu não entendi nada do que o Canudos falou...” Não é o Canudos que não falou, você não entendeu nada do que o cinema lhe proporcionou escutar. 

Sônia Braga:
Não, mas é isso que eu gente queria explicar.

Guilherme de Almeida Prado: Você deveria falar: “Não entendi nada no cinema X...” 

Matinas Suzuki: Gente, por favor...

Sônia Braga:Calma que o mediador vai ficar nervoso [risos].

Cunha Júnior: Sônia, qual seu projeto secreto? 

Sônia Braga: Espere aí, deixa eu terminar e eu falo para você. Secreto? [Risos] Deixo eu só terminar isso. É o seguinte, entre teatro, cinema e televisão no Brasil, televisão no exterior também... Agora, tem que batalhar qualidade técnica nos cinemas, porque o som do cinema brasileiro talvez seja o melhor som do mundo. Se você pegar um tape, um vídeo, e colocar, o som é bom. Então, hoje em dia, inclusive os técnicos, as pessoas que fizeram o som de Tieta... O som de Tieta, eu ouvi no Lincoln Center [Nova Iorque], é uma...

Guilherme de Almeida Prado:
Foi feito no mesmo estúdio que foi feito o Canudos

Sônia Braga: O Canudos e todos, a maioria. Então, o que aconteceu? Com a falta do cinema brasileiro, os estúdios de som que tinham no Brasil desapareceram. Eu adoraria que o Luiz Carlos [Barreto] estivesse aqui, o Carlos Diegues [Cácá Diegues], as pessoas que batalham pela área técnica do cinema. Adoraria que estivessem aqui para me ajudar nisso. Quer dizer, a gente não precisa parar aqui, a gente pode continuar, a gente faz parte disso. Então, uma das coisas mais importantes nessa nova indústria do cinema brasileiro é pensar que, não adianta o cinema ter a qualidade do Canudos, ter qualidade no filme do Waltinho [Valter Sales, cienasta], se a sala de cinema não investir. Cobram 10 reais e não podem colocar metade disso para melhorar o som do cinema? Antigamente, colocavam vaselina para o filme passar mais depressa, você está entendendo? Então, o que tem que fazer? Tem que botar - que nem o Fernando Henrique Cardoso - terninho e tem que ir mesmo, tem que ir em Brasília, tem que criar leis, tem que batalhar. É uma profissão. É uma indústria. Isso não é brincadeira de fundo de quintal. Isso pode ser a maior indústria da América Latina. É um produto de exportação maravilhoso. E veja os resultados de Dona Flor..

Guilherme de Almeida Prado:  É uma vitrine. É uma vitrine. Você ficou conhecida no mundo inteiro com o cinema brasileiro.
 
Sônia Braga: Foi, cinema e novela. 

Guilherme de Almeida Prado: Sua vitrine foi o cinema. 

Sônia Braga:
Foi, foi o cinema. Dona Flor até hoje... Então, tem muita coisa para consertar. Então, eu acho que está na hora de zerar os ranços e tudo, se reunir e ver quais são... Você tem uma preocupação de que, tendo cinema na Globo, todos os atores só vão trabalhar no cinema da Globo. 

Guilherme de Almeida Prado:
Isso já está acontecendo. Os atores da Globo, que têm contrato com a Globo, têm que trabalhar em filmes que têm preferência de exibição na televisão. 

Sônia Braga:
E possivelmente o próximo passo será a Globo ter uma cadeia de cinemas, que será o melhor do mundo. 

Guilherme de Almeida Prado: Você é favor disso? 

Sônia Braga: Não sou, eu não. Evidentemente, eu sou contra qualquer tipo de monopo...

Guilherme de Almeida Prado:
Monopólio?

Sônia Braga:
Obrigada, monopólio. Eu sou contra, porque isso abaixa os salários, abaixa a qualidade, porque você não precisa... Não existe a competição, entendeu? Isso não cria novos talentos, entendeu? Não cria roteiristas, que é uma falha grande do cinema brasileiro. Então, tudo isso é uma discussão no cinema. É muito novo isso tudo. A gente voltou... Agora, é importante que as pessoas que fazem parte desse movimento não ajam apenas artisticamente. Se você não agir, paralelamente, politicamente nesse problema, vai acontecer isso. 

Guilherme de Almeida Prado:
Mas, já foram acusados de ser muito politicamente... 

Matinas Suzuki: Guilherme, só um minutinho para a outra pergunta, já que não passou pelo... 

Sônia Braga:
Projeto secreto. Vamos voltar.

Dagomir Marquezi:
O que você sempre sonhou... 

Sônia Braga:
Não vamos cortar, hein!

Matinas Suzuki: Não, vamos ver. 

Dagomir Marquezi:
O que você sempre sonhou fazer e que você não fez? Tem  alguma coisa que você gostaria de fazer agora, se tivesse muito dinheiro, muito poder... Tem alguma coisa? 

Sônia Braga: Se tivesse muito dinheiro e muito poder? Não sei. Eu acho que... Eu vou te falar uma coisa de coração. Se me  perguntar: “Não quer ganhar o Oscar?" Não, eu prefiro ganhar o prêmio Nobel da paz. Então, provavelmente, se eu não dependesse dessa profissão para sobreviver, eu poderia trabalhar mais politicamente. Se eu estivesse no Brasil, provavelmente, estaria trabalhando mais politicamente, na coisa da política do cinema brasileiro, nas leis.. É muito importante, entendeu? 

Sílvia Popovic:
Você está falando de sonhos. Você não teve vontade de ter um filho? 

Sônia Braga: Não. Eu sempre achei que eu iria um dia adotar uma criança, ou não, entendeu? Mas eu nunca tive essa coisa... Tem umas mulheres, algumas mulheres, que têm a necessidade de ter filho, de gerar. 

Sílvia Popovic: Falo isso porque você, de certa maneira, você se desgarrou do país. Você foi uma lutadora, foi para fora e, de repente, os casamentos, que a gente achou que fosse estável, você também reciclou isso. É como se fosse uma mulher desgarrada, que não tem filhos e vive uma vida profissional super oscilante.

Sônia Braga:
E não tenho gato. Não tenho gato em nenhum sentido, não tenho cachorro, nem periquito.

Sílvia Popovic: Você não tem medo do futuro?

Sônia Braga:
Eu tenho medo que o futuro não aconteça, como já pergunram: “Tem medo de envelhecer?" De envelhecer não, eu tenho medo de não envelhecer.

Sílvia Popovic: Não, não, eu digo de um futuro muito instável.

Sônia Braga: Você tem medo de avião? De avião, não. Se o avião cair eu tenho, mas eu tenho medo é de não existir o avião. 

Cynthia Almeida: A pergunta era mais se você tem medo de solidão. Tem medo de solidão?

Sílvia Popovic: Medo de solidão, medo de ficar sozinha, de ser desgarrada, de não ter filho, não ter país, de repente, ser americana-brasileira. Sua casa é lá mas aqui que está sua mãe. Então, vira uma coisa meio estrangeira.

Sônia Braga:
Acho que não. Acho que não tem problema com isso. Quando você é ator, como eu sou, a cada set de filmagem que você vai, você vive, por exemplo, uns 30 anos de carreira. Eu tenho pelo menos... Na realidade, você está falando com Matusalém [personagem bíblico do Antigo Testamento, conhecido como o de vida mais longa em toda a Bíblia]. Eu tenho mil anos de vida, entendeu?  Porque o tipo de emoção que você recebe no seu cotidiano, até de carinho, de amor, de paixão das pessoas que vêm e te dão um abraço, são tantos... Entendeu? Temos que acabar o programa? 

Matinas Suzuki:
Mas, certamente, para nós todos, foi muito gratificante e muito bom saber que você aqui... 

Sônia Braga: Cadê minha câmara? Eu tenho que agradecer. 

Matinas Suzuki:
... muito bonita e inteligente. 

Sônia Braga:
Obrigada. Então, este foi o Sônia Braga parte 1.... [r
isos]

Matinas Suzuki: Faremos logo, logo o parte 2 e o parte 3. 

Sônia Braga: ... nascimento em Maringá, crescimento em São Paulo, vida em Nova Iorque, louca para voltar. E, então, enviem suas cartas, seus roteiros, seus pedidos, de casamento, inclusive [risos]

Matinas Suzuki: Muito obrigado pela sua atenção. Muito obrigado a nossa bancada de entrevistadores. Eu lembro que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às 10h30 da noite. Até lá, uma boa semana e boa noite para todos. 

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