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Memória Roda Viva

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Debate aids

19/1/1987

Especialistas em saúde pública, representantes de órgãos públicos de saúde e da sociedade civil discutem a nova epidemia da década de 80

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Programa ao vivo

Rodolpho Gamberini:Boa noite. Nós estamos começando neste momento mais um Roda Viva, o programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo. Esta noite não há um entrevistado central, uma personagem, uma pessoa-personagem do nosso Roda Viva. O personagem desta noite do nosso Roda Viva é a doença aids. E, para participar desse programa especial do Roda Viva, estão conosco aqui no estúdio da TV Cultura Paulo Roberto Teixeira, coordenador do programa de controle de aids [Programa Estadual de DST/aids, vinculado à Secretaria de Estado de Saúde] em São Paulo; Maria Leide Wan Del Rey de Oliveira, diretora da Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária do Ministério da Saúde e coordenadora da Campanha Nacional de Prevenção contra a Aids; Theodoro Israel Pluciennik, médico psiquiatra; Caio Rosenthal, médico do Hospital Emílio Ribas II e do [Hospital do] Servidor Público Estadual; Valéria Petri, dermatologista da Escola Paulista de Medicina [Universidade Federal de São Paulo a partir de 1994]; Samuel Koperstych, médico imunologista do Hospital Sírio-Libanês; Vicente Amato Neto, chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP; Celso Carmo Mazza, médico da Clínica de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas; Vera Escobar, irmã de um paciente de aids; Paulo César Bonfim, presidente do Grupo de Apoio e Prevenção da Aids, e Enio Mainardi, publicitário. Eu gostaria, para abrir o Roda Viva desta noite, de fazer uma pergunta à doutora Maria Leide Van Del Rey de Oliveira, que é a coordenadora da Campanha Nacional de Prevenção da Aids. O governo brasileiro vai lançar oficialmente essa campanha em fevereiro. O número... a disseminação da aids hoje no Brasil justifica o lançamento dessa campanha?

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Bem, a disseminação da aids no Brasil desde o início de 1986 já justificava uma campanha, tanto [é] que o Ministério da Saúde, nos primeiros meses do ano de 1986, lançou no ar um filmete com Sócrates [ex-jogador de futebol que também é médico], apesar de ter ficado apenas três meses, mas acho que todos se lembram... e folhetos, contendo mais ou menos o mesmo conteúdo do filmete – como se transmite, como não se transmite–, que foram distribuídos para todos os estabelecimentos de saúde do país. No entanto, essa campanha foi considerada muito tímida para a magnitude do problema e, agora, durante este ano, essa campanha está programada desde o início do ano e culminou no fim de atividades em que se discutiu aids e a Constituinte como até um desdobramento do tema específico da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Quer dizer, como o novo sistema de saúde, que está por vir, poderia resolver o problema da aids. A campanha deveria ter sido lançada em dezembro como era a nossa previsão, mas problemas operacionais fizeram com que houvesse um atraso e ela só sairá em fevereiro.

Rodolpho Gamberini: Doutor Paulo Roberto, a doutora Maria Leide disse que a campanha veio atrasada. O senhor acha que essa campanha deveria ter realmente começado em dezembro, deveria ter começado antes? E uma outra pergunta embutida aí: o senhor trabalha com a aids principalmente em São Paulo porque em São Paulo se registra o maior número de casos?

Paulo Roberto Teixeira: Bom, a primeira pergunta... efetivamente, acho que se tivesse se antecipado o lançamento da campanha teria sido muito melhor. Nós, em São Paulo, na realidade, estávamos pensando numa campanha, na época, no nível de estado, em meados do ano passado, quando a aids saiu da grande imprensa... saiu da imprensa, que estava sendo o nosso elemento gratuito, pelo menos, de chamar atenção para o problema, chamar a atenção para o serviço, para o telefone, uma série de coisas. Uma segunda questão é que, efetivamente, São Paulo tem, do ponto de vista de composição, particularmente no que se refere à existência de grupos de risco, um perfil semelhante àquele observado em grandes cidades dos Estados Unidos. E houve uma disseminação efetivamente muito grande. E uma segunda razão é que embora com... evidentemente com subnotificação, na medida em que o Estado, junto com serviços, principalmente serviços universitários, assumiram em conjunto o problema, a maior parte, o maior número desses doentes, quase a totalidade deles, mais cedo ou mais tarde termina sendo notificada. Acho que essa é uma das razões que fazem a diferença, por exemplo, entre São Paulo e Rio de Janeiro, quer dizer, o próprio serviço do Rio de Janeiro reconhece que a notificação lá tem sido mais difícil. Então, explicaria por aí. Resumidamente, a composição; segundo, ter entrado originalmente aqui por São Paulo e, terceiro, como eu disse, a questão da notificação que se aproxima um pouco mais da realidade, eu suponho.

Rodolpho Gamberini: Eu gostaria de fazer uma pergunta ao Paulo César Bonfim, que é presidente do Grupo de Apoio e Prevenção da Aids [Gapa]. Como é, Paulo... como é que deveria ser, na sua opinião, a campanha para evitar que a aids se dissemine ainda mais? Deve ser uma coisa agressiva, uma coisa que pinte a aids como um mal terrível, assustador? Deve ser uma campanha que tenha um caráter educativo? Como é que deve ser, na sua idéia, essa campanha?

Paulo César Bonfim: Acho que primeiro a gente não pode ter a aids como bode expiatório na questão de saúde. Eu acho que o sistema de saúde no Brasil está falido na medida em que não tem uma proposta eficaz de atendimento à população. E o Brasil não é um país que tem por princípio prevenir doenças, exemplos: doença de Chagas, tuberculose e hanseníase. Daí está o grande equívoco da população em pichar, em alguns momentos, não só a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, mas também o Ministério da Saúde por ter, neste momento, como prioridade a aids. Nós temos que entender que a aids é uma questão de saúde pública, não é uma questão de relações pessoais e que a aids é uma doença letal. E só com a prevenção primária se consegue controlar. Então, eu acho que a campanha deve ser esclarecedora, colocando as questões como elas são questionadas pela população, não dá para usar termos muito científicos, você tem que usar o linguajar popular. Não dá para a gente fazer uma campanha e falar em preservativo quando a população não sabe o que é preservativo, quando a população sabe o que é camisinha de vênus. Então, acho que a gente tem que vender uma idéia para um público que está receptivo a essa idéia. O grande equívoco, não só da classe médica, mas também de grande parte da população em absorver o discurso, hoje, do Ministério da Saúde e da Secretaria da Saúde e do Gapa, em dizer “use preservativo, evite contato com esperma e reduza o número de parceiros”... e as pessoas começam a fazer um questionamento, assim, ostensivo a essa campanha e sabendo que essa é a única forma de prevenção... porque a aids não há como remediar, você tem que prevenir. Então, acho que o caminho levado pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Saúde é um caminho correto dentro da nossa realidade.

Rodolpho Gamberini: Uma pergunta ao psiquiatra Theodoro Israel Pluciennik. O que a psiquiatria tem a ver com a aids?

Theodoro Israel Pluciennik:  A psiquiatria... acho que tem muito a ver com a aids, como tem a ver com qualquer doença. Em todas as doenças existem uma influência do fator emocional indiscutível. E, especialmente, em alguns tipos de doenças, como doenças que atacam o sistema imunológico, como é o caso da aids, doenças de pele, como é o caso de algumas manifestações da aids, esse fator emocional é preponderante. Existem estudos já feitos há cerca de dez anos, inclusive, quando não se falava ainda de aids, mostrando que os estados depressivos podem trazer uma baixa da resposta da imunidade celular do indivíduo. Esse estudo foi feito, pelo menos umas duas vezes, nos Estados Unidos, com viúvos e viúvas de pacientes terminais e se comprovou que, no período inicial de luto, correspondente mais ou menos a um mês, dois meses após a morte do cônjuge, havia comprovadamente uma baixa dessa imunidade celular. Como na aids, é justamente a imunidade celular a mais comprometida...

Rodolpho Gamberini: A imunidade celular,  me desculpe a interrupção, ela pode ser interpretada como baixa de resistência generalizada?

Theodoro Israel Pluciennik: Isso, que propiciaria que a pessoa pudesse ficar mais exposta a infecções comuns que uma pessoa saudável não teria. Então, já por aí dá para se pensar que um bom estado emocional poderia, pelo menos, fazer com que a evolução da doença fosse menos grave. Obviamente, não se tem a pretensão de dizer que se curaria esta síndrome através de uma psicoterapia, mas acho que dá para perceber, inclusive através do meu trabalho clínico – que eu venho desenvolvendo já há alguns meses no Instituto de Saúde– que, mantendo-se emocionalmente estável, é possível controlar melhor a doença e quem sabe até prevenir a eclosão ou adiar um pouco a eclosão da doença.

Rodolpho Gamberini: Doutor Caio Rosenthal, o Brasil tem equipamento, tem dinheiro, tem disposição e tem gente disponível suficiente para cuidar dos casos de aids?

Caio Rosenthal: Não, infelizmente não. Mais especificamente no estado de São Paulo e mais especificamente na cidade de São Paulo, a gente vê uma dura realidade. O Hospital Emílio Ribas II, que é o hospital que deveria assumir todos os casos de aids do estado, na verdade, está passando por uma crise que a gente pode até considerar como uma crise crônica, desde o seu início que agora está se fazendo um ano de idade. Esse hospital está completando um ano de idade e ele está com quase 50% dos seus leitos desativados. Ele tem uma capacidade de 60 leitos e, no entanto, apenas 35 deles é que podem ser ocupados.

Rodolpho Gamberini:Isso por quê?

Caio Rosenthal: Isso tem uma série de razões. Em primeiro lugar, os baixos salários que são pagos aos funcionários do estado, aos funcionários da enfermagem e até mesmo aos médicos para cuidar desses pacientes. Eu só quero fazer um parêntese, que isso não é uma condição própria do Hospital Emílio Ribas II; todos os funcionários de todos os hospitais da Secretaria da Saúde e do estado de São Paulo como um todo recebem um salário muito baixo e, obviamente, não é atrativo para os funcionários e, conseqüentemente, o hospital é desativado... está desativado em quase 50%. Esse é um fator importante. Segundo lugar, nós temos que levar em conta que as medicinas de grupo, os planos de saúde, os convênios médicos não se responsabilizam pelos doentes contagiosos e, muito menos, pelo paciente com aids. Isso faz com o que o estado seja obrigado a arcar com quase 95% de todos os casos de aids.

Rodolpho Gamberini:Por que esses grupos privados não cuidam desses casos?

Caio Rosenthal: Porque é um paciente que demanda uma série de tratamento específicos, mais...

Rodolpho Gamberini: Mais caros?

Caio Rosenthal: É um paciente oneroso, é um paciente caro, a medicina de grupo não está interessada em sustentar esse paciente; é um paciente que precisa de isolamento, precisa de atendimento médico especial, precisa de atendimento de enfermagem especial e muitas vezes...

Rodolpho Gamberini: Em suma, custa muito mais caro que um paciente...

Caio Rosenthal: Muito mais caro, exatamente. Em terceiro lugar, eu gostaria de frisar também a forma atabalhoada, improvisada como foi montado esse hospital. Apesar de ser um hospital de referência para o estado de São Paulo, ainda é um hospital [em] que, completando um ano, existe uma situação muito precária e vai mal das pernas, quer dizer, é um hospital onde tem uma série de deficiências, essas deficiências poderiam ser sanadas, parte delas com melhores salários, parte delas com melhor organização. O atendimento de pacientes com aids no estado de São Paulo poderia ser muito melhor se houvesse realmente algo que fosse mais incisivo e que fosse realmente levado a sério. Eu acho que fundamentalmente esses três itens resumem por que [é] que o hospital e o por que [é] que o atendimento de aids em São Paulo ainda é precário, apesar de ser a primeira cidade do Brasil em pacientes com aids.

Rodolpho Gamberini: O Paulo César Bonfim, que é do grupo de apoio de prevenção à aids, me fez um sinal. Aliás, eu gostaria de avisar a todos vocês que, quando quiserem falar, foi um aviso que eu não fiz antes do programa começar... quando vocês quiserem falar, façam um sinal e vou chamando, passando a palavra a vocês, não precisa esperar que eu pergunte para vocês falarem. Paulo já me fez, por favor, Bonfim.

Paulo César Bonfim: Eu acho o seguinte: o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids é uma entidade que observa o paciente de aids e tem um trabalho junto ao paciente de aids, não um trabalho paternalista. A gente tem uma posição crítica ao sistema de saúde, que faz parte dos princípios do grupo. Há questão de seis meses atrás, o grupo fez uma denúncia com relação ao mau atendimento prestado aos pacientes de aids no Emílio Ribas II. Ficamos constrangidos na medida que não houve um apoio efetivo por parte dos funcionários daquela instituição e por parte dos médicos. Se fosse uma instituição da qual eu faço parte – eu sou funcionário do Hospital do Servidor Público do Estado– que tivesse feito uma denúncia daquela e tivesse consciência que aquelas denúncias fossem denúncias verdadeiras, eu teria tomado partido. Muito nos estranhou, passados seis meses, o doutor Caio Rosenthal fazer as mesmas denúncias que, no meu entender, já eram denúncias que não tinham mais sentido na medida [em] que já tinham sido denunciadas e o governo não tinha tomado uma medida. Então a gente fica assim realmente muito preocupado. Quais são os interesses que levam as pessoas de repente a fazer denúncias? Porque o nosso interesse, enquanto Grupo de Apoio e Prevenção à Aids, é o bem-estar do paciente. E é bom salientar aqui, hoje – a Vera Escobar está ali e pode relatar isso–, a situação do doente de aids é muito crítica, na medida que os hospitais privados, porque ainda não foi criada a indústria da aids... na medida que o Inamps [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, foi extinto em 1993 e substituído pelo SUS (Sistema Único de Saúde)], hoje, se submeter a pagar o atendimento ao paciente de aids, nós teremos, hoje, no país, a indústria da aids, como temos a indústria do câncer e das insuficiências renais. Então, eu gostaria de saber do doutor Caio por que seis meses atrás ele não encampou essa denúncia do Gapa, que era uma denúncia séria, inclusive o doutor Vasco, que é diretor do  hospital, passados oito dias, confirmou nossas denúncia e ele, sendo um funcionário daquela instituição, não assumiu.

Rodolpho Gamberini: Doutor Caio, gostaria de responder?

Caio Rosenthal: Claro.

Rodolpho Gamberini:Por favor.

Caio Rosenthal: Bom, o que acontece é o seguinte. Há quatro dias atrás, todos os médicos do Hospital Emílio Ribas II lançamos uma carta aberta à população, exatamente denunciando as condições atuais do hospital, não fizemos isso por quê, antes? Há seis meses atrás fizemos um movimento interno, onde havia até então quatro médicos presentes trabalhando lá dentro e obviamente nós seguimos uma certa hierarquia no sentido das reivindicações. Então, levamos 16 itens arrolados numa carta protocolada para a Secretaria de Saúde, esperando que esses itens fossem levados a cabo. E nós demos um voto de confiança à Secretaria da Saúde antes de tornar isso público, quer dizer, na verdade nós seguimos apenas a tramitação legal. Antes de que isso fosse levado a público, saísse na imprensa, foi dado um voto de confiança e, a partir daí, então, não sendo atendido, agora aproveitando a comemoração do primeiro ano do hospital, então resolvemos levar isso a público. Eu acho que isso é bastante sensato e existe uma certa hierarquia e uma certa maturidade nesse movimento.

Rodolpho Gamberini:Por favor, Paulo Roberto Teixeira.

Paulo Roberto Teixeira: Também em cima das colocações do Caio Rosenthal a respeito do Ribas II, primeiro, eu gostaria de esclarecer o seguinte. A aids, assim como uma série de doenças que não dão lucro, efetivamente têm sido levadas pelos serviços públicos da Secretaria de Saúde, dos municípios e principalmente das universidades. Eu acho que o erro básico está nessa questão. O que significa? Eu acho que há que se reconhecer que o sistema de saúde do próprio estado de São Paulo, embora tenha tido melhorias, não é absolutamente o desejado e o adequado. Os outros serviços que estavam trabalhando, por questões internas, até, por orientação de objetivos, como as universidades, tinham também determinadas limitações no que se refere ao número de leitos que deveriam oferecer, [n]o que eu acho que já estavam dando a sua parte. Mas a nossa briga durante muito tempo foi que se abrissem outros setores, por exemplo, os convênios, os hospitais contratados, os seguros-saúde, para que dessem cobertura a esse tipo de paciente. E isso não ocorreu, apesar de toda a pressão que foi feita. O Emílio Ribas II, então, teve que ser instalado, na época, e até hoje eu acho uma questão polêmica. Por que montaram um hospital só para aids? Por que alugaram um prédio? A resposta é muito simples: porque nós, da Secretaria de Saúde, que estávamos recebendo os pacientes em nossos ambulatórios, nos outros hospitais que nos eram encaminhados, você chegava às sete da noite e não tinha o que fazer com um paciente desses. O número... principalmente porque houve um aumento brusco no número de casos, fugiu ao próprio planejamento que tinha sido feito anteriormente. Então, eu reconheço que foi feito não de uma forma  precipitada, mas foi feito em ritmo de emergência. Eu reconheço também que houve morosidade e as críticas que foram arroladas pelo grupo inicial de quatro pessoas, de quatro médicos, todas elas foram reconhecidas como procedentes. Agora, há que se ver – e acho que há várias pessoas aqui que trabalham em instituições públicas– que, embora algumas coisas tenham caminhado, a máquina estatal é uma coisa extremamente emperrada; mesmo providências que você deseja tomar ou que você decida ou você reconheça são extremamente difíceis. Então, por que não abriram os leitos? Foi basicamente por falta de pessoal. E aí entra naquilo, o funcionário público em geral é extremamente mal remunerado e, diante do receio de trabalhar no hospital e com baixo salário, que poderia perfeitamente ser maior, por exemplo, como vendedor de loja, fez com que até este mês de janeiro, apesar de terem sido abertos n concursos, ninguém assumisse. Nós tomamos então uma decisão, que vai ser extremamente explosiva dentro da secretaria, que foi, através do dinheiro das ações integradas de saúde, aumentar em 50% os salários de todas as pessoas que venham a trabalhar com aids em secretaria de estado. Isso vai ser explosivo, porque vai ser, de uma certa forma, privilegiar um determinado grupo, mas é a única alternativa que nós estamos vendo. Outras coisas, por exemplo, equipamentos, [a] que o Caio Rosenthal nem [se] referiu, máquina, dificulta muito esse tipo de coisa. Então, de maneira resumida, eu quero dizer: eu acho que são procedentes as críticas que foram feitas e eu uma pessoa que está trabalhando lá, que está reconhecendo. No entanto, em São Paulo, a Secretaria de Saúde, desde 1983, tem considerado a aids como prioridade, mas tem lutado contra uma máquina que é emperrada. E as providências têm sido tomadas lentamente.

Rodolpho Gamberini: Eu gostaria de passar a palavra agora ao publicitário Enio Mainardi.

Enio Mainardi: Só uma coisa, eu não sou especialista em nada. Como publicitário, eu só sou profissional na medida em que eu trabalho numa campanha. Quando não trabalho numa campanha, como eu não tenho as informações, a gente passa a ser um amador e eu estou aqui como amador. E, como amador, eu tenho visto uma porção de programas de TV, em que algumas das pessoas que estão aqui aparecem, sempre discutindo o problema da aids. Você, por exemplo, do Gapa, tem sido muito participativo e muito ativista nas suas colocações, reivindicando para os homossexuais as vantagens necessárias, condições essenciais para que esse tratamento possa acontecer, sabendo nós que um paciente custa quinze mil dólares por mês, pelo que eu entendi no programa que eu vi na TV Manchete. E, como o grupo de risco, aquele que está mais exposto, é o dos homossexuais, isso de cara para o público... O Gapa e outras entidades homossexuais têm se colocado muito, frente ao público, defendendo os homossexuais de preconceitos e tentando trazer algum conforto para as vítimas de aids, que na maioria são entendidas pela população como sendo o [grupo] dos homossexuais. Bom, isso não criaria um primeiro embaraço para a própria discussão do problema da aids? Na medida em que entidades homossexuais, ativistas como Gapa e outras, açambarcam, tomam a liderança da discussão do problema da aids e já havendo uma predisposição do público heterossexual, de maneira geral, contra os homossexuais, acusados eles de serem os vetores da doença, será que nós não estaríamos outra vez jogando a doença num gueto ao permitir... ao dar essa ênfase e esse espaço aos grupos minoritários, aos grupos de homossexuais através desse programa?

Rodolpho Gamberini: Eu gostaria que essa questão – não é uma pergunta–... essa questão levantada pelo Enio Mainardi fosse respondida pela Maria Leide, que é a coordenadora da campanha.

Paulo César Bonfim: Ele se referiu ao Gapa , eu gostaria de responder.

Rodolpho Gamberini:Mas se referiu também à campanha.

Paulo César Bonfim:Tudo bem.

Maria Leide Wan Del Rey de Oliveira: Você complementa, Paulo. O Ministério da Saúde tem adotado como metodologia de trabalho... uma vez que nós conduzimos uma política para o país, nós temos ouvido as pessoas que ou são sujeitos do problema ou estão trabalhando em diversos níveis de execução para o controle das doenças. Nós vivemos trabalhando com o movimento de reintegração social de hansenianos, por exemplo, no Programa de Controle da Hanseníase, e não poderíamos deixar de trabalhar com os grupos e os representantes de movimentos homossexuais. Nós temos trabalhado, o Ministério da Saúde, em suas reuniões, tem convidado Grupo Gay da Bahia, que é um grupo que tem realmente levantado um trabalho importante contra a discriminação do homossexual, o Grupo Atobá do Rio, o Grupo de Dignificação do Homossexual do Rio Grande do Sul e o Grupo de Prevenção e Controle da Aids em São Paulo, que têm tido uma participação grande aqui em São Paulo e em alguns outros estados. Eu acho que eu deixo o Paulo complementar, mas eu acho que a articulação com esses grupos e que nós temos estimulado no nível dos estados só tem reforçado um trabalho junto a esses grupos mais suscetíveis. Eu acho que nós temos também trabalhado, por exemplo, com os grupos de hemofílicos.

Enio Mainardi: Não foi essa observação, porque isso pode dar a entender que, de alguma forma, estou levantando uma questão que coloca rejeição dos grupos homossexuais na discussão do problema. Eu acho que eu disse uma coisa diferente disso. Eu disse que, na medida em que, de cara, para o público, aparecem grupos ativistas homossexuais prioritariamente discutindo o problema, isso poderia... é  uma questão apenas, é uma dúvida que poderia levantar para o resto do universo heterossexual, uma observação do tipo: “Isso é coisa de veado!” Eu vi um programa da TV Manchete extremamente importante, o melhor programa que eu já vi sobre aids aqui no Brasil, o melhor. E me lembro que, nas entrevistas, um dos garotos dizia assim: “Eu não quero nem saber o que é esse negócio de aids porque eu tenho medo de ser confundido com homossexual”. Então, na medida em que essa exposição permanente para o público desses grupos ativistas e que estão defendendo direitos de minorias, direitos incontestáveis... mas na hora em que isso acontece nós estaríamos ou não, criando um problema para a própria divulgação das informações necessárias para o grande universo heterossexual e que pode ser contaminado?

Rodolpho Gamberini:Enio Mainardi, você que é publicitário, se fosse convidado para fazer a campanha, você desvincularia a aids de uma coisa de “veado”, como você falou?

Enio Mainardi: Toda vez que você faz uma campanha, você tem diversos públicos a quem tem que dirigir sua mensagem. Eu acho que o grupo dos homossexuais tem uma vinculação própria, então, acho que é uma campanha específica e que defende posições e argumentos específicos da categoria, vamos chamar assim. Eu vi, por exemplo, um cartaz, que foi distribuído no estádio do Pacaembu outro dia, que deu o maior “bololô”. As pessoas discutiam e as pessoas brigavam porque foi distribuído um cartaz – e que você deve ter aí – que sugeria, como uma das soluções para a aids, a masturbação entre homens. Então, isto distancia...

Paulo César Bonfim: Não. Pode ser, mas não é assim...

Enio Mainardi: Pode ser entre homens, pode ser, tanto faz. Mas na medida em que o Gapa está proporcionando isso, é possível...

Paulo César Bonfim: Eu gostaria de...

Rodolpho Gamberini: Espera um pouquinho, Bonfim, deixa ele terminar.

Enio Mainardi: Eu não estou atacando ninguém, só uma observação bem generalista. Eu digo, então, na medida em que uma coisa dessas, a linguagem específica para um grupo minoritário, ela é transportada para a maioria, isso contamina essa mensagem com uma porção de preconceitos.

Rodolpho Gamberini:Isso em publicidade e entre qualquer coisa que se diga, não é?

Enio Mainardi: Ela traz todos os preconceitos da discussão da minoria para uma grande maioria. Acho que para evitar rejeição ao tema seria necessário trazer ao universo dos heterossexuais as informações básicas da prevenção e tratar de, não através do pânico, mas através de programas como esse que nós vimos na TV Manchete, dar a informação de como evitar. E eu acho que eu iria muito mais longe ainda, eu iria ao ponto de tentar defender a forma de se evitar a aids. Pelo que eu entendi tem três maneiras: uma, evitando seringa usada e transfusão de sangue, outra, através da diminuição de parceiros, não é isso? E a terceira é? Quais as três coisas?

Maria Leide Wan Del Rey de Oliveira: Transfusão de sangue.

Enio Mainardi: Transfusão de sangue, agulha e a terceira? Relações.

Rodolpho Gamberini:Diminuir o grupo de pessoas com quem se pratica o sexo.

Enio Mainardi: E utilização de preservativo, de camisinha. Agora, camisinha no Brasil é uma coisa mal feita, uma coisa grosseira. Se você vai em qualquer país, você vê que tem camisinha barata e de boa qualidade. Esse é um problema, por exemplo, que parece que está sendo colocado de maneira grosseira aqui, mas poucos instantes antes de vir para cá, passei por uma farmácia –porque você tem que ir, propaganda analisa o problema em geral–... eu passei por uma farmácia e uma caixinha de camisinha, com três camisinhas, que são grosseiras, custam 20 cruzeiros, por volta de 20 cruzeiros. Agora, 20 cruzeiros! Aí, você chega para um operário e diz assim: “Use a camisinha, [que] custa 20 cruzeiros e não é uma camisinha legal”. Até isso a gente teria que discutir. Agora, a questão que eu coloquei inicialmente foi outra e eu gostaria de entender um pouco mais.

Vicente Amato: Eu queria pedir a você que fizesse aquela...

Rodolpho Gamberini: Que fizéssemos a democratização.

Vicente Amato: Porque senão eu vou precisar utilizar o que eu quero dizer através de apartes. Acho que seria sugestão de fazer...

Rodolpho Gamberini:Fazer rodar a roda.

Vicente Amato: Fazer a roda rodar, depois nós poderemos discutir detalhes.

Paulo César Bonfim: Eu gostaria de responder a pergunta também do Enio Mainardi...

Rodolpho Gamberini: Só uma coisinha, Bonfim. Vamos deixar o doutor Theodoro, psiquiatra, responder a questão do Enio e, em seguida, eu deixo a palavra com vocês. E mais uma coisa que eu gostaria de lembrar a todo mundo: nós temos aqui, já, uma porção de telefonemas de gente querendo fazer perguntas aos especialistas, aos médicos que estão aqui presentes. Tem muita pergunta dos telespectadores que nós temos que tocar também. Então eu vou dar rapidamente a palavra ao doutor Theodoro, em seguida ao Bonfim, ao doutor Vicente e começar com as perguntas dos telespectadores.

Caio Rosenthal: Eu só gostaria de complementar depois os modos de transmissão [a] que o Enio se referiu, porque eu acho que isso é fundamental.

Rodolpho Gamberini: Isso nós vamos tocar com calma ainda. Por favor, doutor Theodoro.

Theodoro Israel Pluciennik: O que eu queria dizer é o seguinte: quando eu estava dizendo de estabilidade emocional, isso não se restringe simplesmente a ficar cuidando do paciente, encarando o paciente como paciente terminal. Aliás, essa é uma idéia que eu gostaria de ver um pouco mais aprofundada também aqui, neste debate, de não se encarar a aids como uma sentença de morte. Mas, de qualquer forma, o trabalho psiquiátrico, o trabalho psicológico em torno dessa questão não se resume a manter a estabilidade emocional do doente. A gente tem que ver a questão sempre de uma maneira um pouco mais ampla, eu acho que, inclusive, a dignidade de poder se apresentar como homossexual e defender sua posição faz parte dessa estabilidade emocional. Então, é importante que grupos homossexuais estejam defendendo as questões pertinentes à aids. Eu acho que até estão fazendo pouco, poderia se fazer mais ainda. É o momento em que a discriminação está aparecendo muito mais claramente. Então é importante que essas pessoas se associem e possam lutar por essa dignidade. Lutar por essa dignidade é também lutar pela saúde.

Rodolpho Gamberini: Bonfim, por favor, seja breve na sua colocação.

Paulo César Bonfim: Perfeito. Eu queria salientar o seguinte. O Grupo de Apoio e Prevenção à Aids não é grupo de liberação homossexual, inclusive porque existem pessoas que não são homossexuais, são heterossexuais, têm uma prática heterossexual, que participam do grupo. Então, eu gostaria de reabilitar essa questão, certo? Agora, é comum, em qualquer movimento, as pessoas que estão ligadas àquelas questões se reunirem e seria muito triste no Brasil, hoje, os homossexuais não se reunirem para discutir a questão da aids. [D]Isso a gente viu exemplo na anistia, no movimento de anistia [em] que a maioria das pessoas tiveram seus parentes assassinados e desaparecidos. Então, isso é completamente concebível. Agora, eu acho que não dá para a gente ter purismo em colocar as questões claras. Por exemplo, o grupo mais atingido hoje são os homossexuais e os bissexuais, aliás, seriam pessoas que teriam uma prática bi e heterossexual. Então, a campanha, no primeiro momento, foi dirigida a esse grupo. Agora, o cartaz “Transe numa boa” está aberto a toda a população, porque eu não vejo diferença de relacionamento sexual de pessoa para pessoa. Só uma questão de genital. Então, de repente o “transe numa boa” serve para o peão de fábrica, que é heterossexual convicto, e serve para o homossexual. Então, a redução do número de parceiros, o contato com esperma ou com o sangue – não dava para a gente fazer um cartaz com todos os tipos de contágio–, e os artistas que confeccionaram o cartaz acharam melhor partir para aquilo ali, porque ficou uma coisa bastante contundente e que mexeu com a sociedade. Não dava para a gente fazer naquele momento uma campanha amenizante, mas é uma campanha em que a gente gostaria de provocar a discussão. E nesse sentido o Gapa foi criticado por todos os segmentos da sociedade. A direita achava que era um cartaz pornográfico, a esquerda achava que era um cartaz reacionário, que estava dando uma receita de comportamento. E, no entender do Gapa, é um cartaz informativo, as pessoas vão receber a informação. Se quiserem transar com dez, mil, isso é problema de cada um, mas a obrigação nossa é, enquanto movimento que tem como [meta a] prevenção da aids e [o] controle da aids, é dar informações corretas. E daí não dá, também, nesse momento, para pegar a aids como uma coisa isolada do contexto de saúde. Hoje tem uma questão muito séria, que nos debates não se comenta, que é a indústria do sangue no país. Hoje, quantas pessoas são infectadas via transfusional porque os bancos de sangue da periferia não fazem os testes porque o Inamps não paga? E isso não é comentado em debate, ficam sempre fazendo discurso em cima das relações pessoais, quando a questão que poderia ser controlada, que é a questão dos bancos de sangue, o governo não tem o pulso, porque diz que não tem dinheiro. Acho que [para a] saúde não se deve colocar custo, [para a] saúde deve-se ter dinheiro, é questão de prioridade.

Rodolpho Gamberini: Obrigado, Bonfim. Eu passaria a palavra agora ao doutor Samuel Koperstych, médico imunologista do Hospital Sírio-Libanês que me fez sinal para falar.

Samuel Koperstych: Eu acho que aqui já foi muito ventilado o problema da relação do sistema imunológico com a doença, em função das observações que o Israel fez da parte psiquiátrica, higidez do sistema imunológico e a higidez do sistema de proteção do organismo. E a aids, a síndrome de deficiência imunológica adquirida, veio corroborar muitas das teses que se tinha em relação à participação do sistema imunológico como mecanismo básico na defesa contra as infecções e contra os tumores. E, para que o telespectador possa se situar, a gente poderia dizer muito resumidamente que o sistema de defesa natural, em cima daquela sua observação da imunidade celular, é composto de mecanismos que são veiculados pelas células e por isso chamados de celulares, onde a célula básica é o linfócito, um glóbulo branco, uma espécie de defensor da imunidade, é um artilheiro que tenta combater todos os germes e todos os mecanismos que tentam burlar o sistema imunológico do indivíduo e a imunidade humoral, ou seja, aquela veiculada pelo plasma, pelo soro, onde temos os anticorpos, propriamente ditos, as imunoglobinas. Nessa doença nós temos perturbações imunológicas dos dois setores, mas, principalmente, no setor da imunidade celular, onde o indivíduo vai apresentar um quadro caracterizado por diminuição dos glóbulos brancos, o que a gente chama de leucopenia, queda dos glóbulos brancos, diminuição muito acentuada do número de linfócitos, que nós chamamos de linfopenia, a falta de resposta aos estímulos que nós fazemos sob a forma de testes cutâneos de leitura tardia. A tuberculina, [a] que a população normal responde com 70%... e na doença plenamente estabelecida 5 a 10% dos doentes só são responsíveis. E aos testes realizados in vitro, onde esse linfócito que está diminuído no sangue também se apresenta na sua função bastante comprometido. Mas o que é fundamental...

Rodolpho Gamberini: Isso quer dizer que ele se apresenta defeituoso, ele não consegue desempenhar o papel para o qual ele existe?

Samuel Koperstych: De mecanismo protetor.

Rodolpho Gamberini: Além de pouca quantidade, ele é pouco eficiente?

Samuel Koperstych: Ele está prejudicado na sua presença e na sua função. E, o que é mais importante, há uma subversão da imunidade. A presença da doença, a presença do vírus na superfície do linfócito, as inúmeras infecções a que o grupo de risco está sujeito – e aí não é mais o contexto da homossexualidade ou da bissexualidade, é o modo comportamental da sociedade moderna–, o uso de droga, o abuso excessivo das drogas, o álcool, o fumo, o estresse, como foi apontado aqui pelo psiquiatra, [a] que a sociedade moderna está sujeita, tudo isso perturba o sistema imunológico e faz com que o indivíduo tenha um predomínio do linfócito supressor sobre o linfócito auxiliar. Quando nós vamos ver o que acontece no câncer, é um mecanismo exatamente idêntico. Existe uma diminuição do número de glóbulos brancos, diminuição do número de linfócitos e o predomínio da supressão sobre o sinergismo. Esse indivíduo, assim, com essas perturbações imunológicas, não consegue se defender dos microorganismos mais banais que um organismo hígido [saudável] seguramente rechaçará e leva, então, ao aparecimento da doença sobre formas de infecções e repetição. Mas o aspecto mais ilustrativo, mais importante da doença é – para quem estuda a imunologia do câncer, como nós temos nos proposto a estudar–... é que 30, 35% dos indivíduos com a doença plenamente instalada desenvolvem tumores malignos, mostrando então a intercorrelação entre a falta de defesa e a presença do câncer. Então, tumores que eram relatados como raridade, como o sarcoma de Kaposi [tipo de câncer que atinge os vasos linfáticos e pode aparecer na pele e em diversos outros órgãos: pulmões, nódulos linfáticos e sistema digestório. Há uma manifestação do sarcoma Kaposi que é característica dos portadores de deficiências no sistema imunológico como as provocadas pelo vírus HIV, o vírus da imunodeficiência humana], que só aparecia na falta absoluta de defesa, principalmente no transplante de rim, acomete esses indivíduos com uma frequência muito grande, com manifestações cutâneas, tomando uma forma extremamente agressiva, que compromete o aparelho digestivo, que compromete o pulmão e leva esses indivíduos a uma evolução, às vezes, bastante rápida. Mas não só esse tumor, tumores que são muitos importantes para que o cientista conheça sua biologia como, por exemplo, os linfomas, principalmente o linfoma de Hodgkin [forma de câncer que se origina nos gânglios do sistema linfático, o qual produz tanto as células responsáveis pela imunidade como os vasos que as conduzem pelo corpo], que é bastante incidente na população não do grupo de risco e não sujeito à doença, e outros tumores, principalmente dos tumores da cabeça e do pescoço, da língua, que correspondem ao próprio modo ambiental do paciente portador do risco e da doença. Além desse aspecto, que eu acho fundamental, [o] que aqui predominou, nessa primeira parte do programa, seria a discussão do grupo de risco, como prevenir. Existe também a observação de que a doença está mostrando que o sistema imunológico – puxando a brasa um pouco para minha sardinha– é fundamental para a defesa global do indivíduo. E, como foi muito bem colocado pelo Israel, as perturbações emocionais do homem moderno, essa competição, essa necessidade do brilho, essa necessidade do sucesso fazem com que o indivíduo fora do grupo de risco corra o mesmo risco de desenvolver tumor que um indivíduo portador de aids.

Rodolpho Gamberini:Doutor Samuel, uma questão que eu gostaria que o senhor respondesse, como pode uma doença da qual não se falava, não se ouvia falar – eu não entendo nada de medicina, mas há dez anos atrás ninguém ouviu falar em síndrome de imunodeficiência adquirida, como é que pode surgir, de uma hora para outra, uma doença? Como acontece isso?

Samuel Koperstych: Bom, existem várias hipóteses para explicar isso. O que se sabe –e todo mundo conhece esse detalhe– é que os indivíduos do grupo de risco, hoje apontados e discriminados, se defenderiam simplesmente dizendo: “o homossexualismo existe desde que mundo é mundo”. E, no entanto, esse vírus nunca foi difundido, esse vírus nunca foi encontrado. A doença só apareceu descrita na literatura há seis anos atrás, mas eu numa análise retrospectiva de alguns casos que eu manuseei como imunologista, declaro publicamente que provavelmente tive alguns casos de aids e, por não conhecer a doença, não relatei e nem sabia que diagnóstico realizar.

Rodolpho Gamberini: Antes de seis anos atrás?

Samuel Koperstych: Antes de seis anos atrás. Indivíduos que – hoje eu sei– eram do grupo de risco, que aparecem com tumores e que seguramente eram portadores dessa doença muito antes da descrição original. Mas o que provavelmente aconteceu é que, com a mudança comportamental da sociedade moderna, não só no seu modus vivendi, mas também, principalmente, na agressão que a medicina vem desencadeando contra várias doenças. O emprego dos antibióticos... o emprego dos imunossupressores [substâncias que impedem a produção de anticorpos] provocou multiplicações dos microorganismos e mutações de microorganismos que não existiam e passaram a existir. Então, sabe-se, hoje, que o agente causador da aids, conforme as descrições realizadas na França e nos Estados Unidos por Gallo, é um vírus de uma família que produz outras doenças com alguma conotação com a síndrome de imunodeficiência adquirida. Por exemplo, o vírus HTLV do tipo I produz uma leucemia, um linfoma que também agride o sistema imunológico. O tipo II produz um tipo de tumor cutâneo que é a síndrome de Cesari [tipo de micose que afeta indivíduos com baixa imunidade], que também agride o sistema imunológico. E provavelmente toda essa mutação e a presença dessa doença, já disseminada em algumas regiões do Haiti, da África e a transmissão desse vírus em alguns contatos sexuais entre heterossexuais e homossexuais fizeram com que esse vírus fosse trazido para América do Norte e América do Sul e causasse essa doença que tanto vem nos preocupando. Mas acho que, fundamentalmente, o comportamento de cada indivíduo em função do seu modo ambiental passa a predispor esse indivíduo à aids ou não. Quer dizer, o indivíduo que se contamina com infecções de repetição do grupo de risco ou fora do grupo de risco corre muito perigo de ser portador de doença. E é evidente que o grupo de risco, pelo seu próprio modus vivendi, tem na história pregressa da doença uma série de infecções, infecções venéreas, amebíase intestinal, o vírus da hepatite, que abririam as portas para que esse vírus, encontrando um sistema imunológico já debilitado, pudesse desencadear a doença propriamente dita.

Rodolpho Gamberini: Tem duas pessoas me pedindo insistentemente a palavra, doutor Amato e doutor Mazza. Pela ordem, ali, vou dar a palavra ao doutor Mazza, em seguida ao doutor Amato. Por favor.

Celso Carmo Mazza: Eu queria acrescentar, complementar aqui, com Samuel, no sentido de que existe assim, didaticamente, uma divisão entre o que seria aids doença e aids infecção. Nós, infectologistas, tratamos muito com aids doença, mas o público em geral não tem essa perfeita discriminação. O mesmo paciente que, eventualmente, está numa situação terminal dentro do hospital e pelo qual nós brigamos por melhores condições de atendê-lo, ele, por algum tempo anterior, tipo seis meses, um ano anterior, ele é uma pessoa perfeitamente hígida, trabalhando e exercendo todas as funções fisiológicas. Então, é muito importante que, a partir da infecção da doença, há um período de incubação que, em média, a gente pode colocá-lo como uns dois anos, em que esse paciente vai muito devagar, porque ele está sendo contaminado por um vírus que é lento, da família dos lentivírus, então, muito devagar, e com isso ele, por exemplo, continua praticando esportes. Nós temos alguns casos de esportistas que continuam praticando esportes, por um longo período, até que, começando a ter algumas doenças, ele passa dessa fase infecção para uma fase aids-doença. E, na verdade, essa divisão é muito importante porque, se o aidético, o doente, é uma coisa muito importante para o médico em condições de atendê-lo, ele está completamente separado da pessoa que está vivendo uma vida normal e é contaminado. Então, é a este que as campanhas devem se dirigir; justamente a estas pessoas que, já contaminadas, como não vão transmitir cada vez mais. E aí entra outro pequeno reparo: não foi descoberta uma doença, foi descoberta uma epidemia. Não se pegou um caso e a partir desse caso-índex se chegou em todos os outros. Quando se descobriu a doença, se descobriu de um grupo que já ia em duas cidades, já se descobriu uma epidemia. Então, o que quer dizer isso? Que, quando em 83, veio para o Brasil, também, nós não estávamos esperando o aparecimento de um caso de doença, nós já tínhamos uma epidemia, por quê? Porque vinha de várias fontes, de vários locais e vários casos que começaram a eclodir. Então, temos que trabalhar na parte de saúde pública como epidemia e sim em função de campanhas atacando diretamente os focos, no sentido de se evitar, se passar desses focos que há tempos atrás estavam mais estanques do que agora, no sentido de o número de pessoas estar mais ligado a determinados grupos para que se evitasse que a população em geral chegasse a ter. Então, no caso... é o caso do problema da passagem, da mensagem para a grande população heterossexual. Ele, na verdade, ele está passando possivelmente 95 ou mais, espero que muito mais que isso, 97, 99% das pessoas heterossexuais ainda na cidade de São Paulo não devem estar contaminadas. A prática heterossexual não é uma prática de altíssimo risco. Infelizmente, nós não podemos falar, por exemplo, nas estatísticas pobres, mas até onde nós podemos ir nos nossos estudos, feitos na nossa clínica, da contaminação dos homossexuais. Então, o que eu quero dizer é que o heterossexual tem que se prevenir no sentido de que essa doença também não passe para o grupo heterossexual. E seguir algumas normas quase que específicas do heterossexual, diferenciando em muito as normas do grupo homossexual. Então, quando eu vou num bar freqüentado por homossexuais, talvez aquele cartaz que nós estávamos comentando há um tempo fosse excelente em função de que estava dentro de um grupo dirigido para aquele grupo. E enquanto que, no estádio de futebol, eu falaria só uma coisa, usemos camisinha e evitemos o sexo com pessoa desconhecida. Porque, afinal de contas, a partir do momento [em] ue se conhece uma pessoa e se possa ligar ou não a uma eventual... a pessoa ser viciada em drogas, ou ela ter tido um casamento com uma pessoa de grupo, um bissexual ou for... ou ter tido desconfianças nesse tipo, a partir do momento que se conheça isso, possivelmente ninguém queira correr o risco ou pagar o preço de ver se isso transmite ou não transmite. Então a mensagem, para o heterossexual, acredito que é a grande maioria, isso seria diferente a mensagem. Então, aqui, não é só através de relações, esse cartaz, acho que tem que separar as coisas. Uma coisa é uma campanha nos grupos de risco, uma coisa é uma campanha nos grupos de hemofílicos, eu vou fazer uma campanha visando principalmente onde ele pode buscar o produto de sangue que esteja mais sadio, não esteja contaminado, coisa que não interessa no estádio de futebol. Onde é que vai pegar fator oito que tenha sido testado? Então, eu acho que tem que se diferenciar a coisa e colocar a parte de campanha para o grande grupo heterossexual. E para parte específica dos...

Rodolpho Gamberini: Gostaria de passar palavra ao doutor Vicente Amato Neto, por favor.

Vicente Amato Neto: Bem, nós ouvimos aqui umas explanações que abordaram algumas facetas do problema. Mas eu acho que nossa obrigação fundamental é de trazer um recado bem claro para a comunidade. Um problema desse tipo é uma excelente oportunidade para isso. Eu então, rapidamente, de uma forma até sintética, eu quero aproveitar essa oportunidade para trazer um grande recado, um recado bem claro, que traduz o meu estado de espírito atual como um especialista que lamentavelmente ganhou na área de doenças infecciosas e parasitárias mais este enorme problema. Eu já convivi com epidemias de gripe, com epidemias de doença meningocócicas, com epidemia de encefalite do litoral, com epidemia de leptospirose, mas sempre nós percebíamos que havia uma forma de arrefecer isso e que nós vislumbrávamos um fim. Agora, nós estamos diante de um problema gravíssimo e nós agora temos que arregaçar as mangas para, pelo menos, tentar arrefecer a intensidade do problema. Eu gostaria também de fazer com que chegássemos próximos do fim em algum momento. E lamentavelmente...

Rodolpho Gamberini: No momento não se vê, o senhor não vê saída alguma?

Vicente Amato Neto: Eu não vejo, na situação atual, eu não vejo saída. O problema é gravíssimo. É o problema na área de doenças infecciosas e parasitárias mais sério que eu já presenciei. O problema é crescente, ele está trazendo perturbações e ilações emocionais enormes, é um problema caríssimo. A aids não veio como um problema isolado, a aids veio se somar aos grandes problemas de saúde pública que nós já temos no Brasil e que não estão bem equacionados. E, o que é pior, a aids é fatal; esta condição de doença fatal trouxe para mim e para os que se dedicam à mesma especialidade uma decepção como nós nunca esperávamos. Quem gosta de trabalhar na área de doenças infecciosas, por exemplo, tem apego a isso porque o diagnóstico feito precocemente, com sabedoria, com atualização, com erudição, nos dá o prazer de ver a recuperação do paciente. A aids, para nós, representou um desastre sob esse ponto de vista, ela maculou e denegriu a nossa especialidade de uma forma alarmante. Vejam que aids é apenas o fim da linha. aids, essa situação que isso aí está mostrando [aponta para o cenário construído no centro da roda] é feio assim mesmo, o Enio Mainardi disse que isso aqui é feio, é feio assim, o doente é feio assim mesmo. E esse é o fim da linha. Mas...

Enio Mainardi: Sabe o que é feio também? Quando a gente fala de grupos heterossexuais, a gente diz assim: “o costume da prática sexual mais ou menos liberada na classe média, fez com que a multiplicação das relações pelas pessoas se tornasse uma coisa normal. Então, o heterossexual podia ter relação com... um homem podia ter relação com algumas mulheres e o máximo que acontecia era o risco de pegar uma gonorréia, uma sífilis e tal." Agora a coisa ficou um pouco mais grave, porque se você tem uma relação com uma moça, essa moça pode ser perfeitamente normal, bonitinha, legalzinha, limpinha, educada e essa menina teve um caso há dois anos atrás com seu chefe, o seu chefe tem uma relação com travesti, o travesti trouxe para ele a doença, a doença passou para essa moça, ela se tornou vetor, trouxe isso para você e você leva isso para sua mulher e para seu filho. Não existem mais barreiras, não existem mais limitações. O grande problema da comunicação, aí, não é só informação, mas evitar o pânico. Cada vez que eu ouço falar em aids, aqui, eu tenho certeza absoluta, amanhã cedo vou fazer exame de sangue para saber se eu não estou infectado porque a minha vida é normal como a de todo mundo. Então eu acho que o feio não está apenas na doença em si, mas está na inconsciência das pessoas de maneira geral, que até evitam conhecer, é quase que como se houvesse uma barreira, é preciso romper esse medo das pessoas do conhecimento. O medo da liberdade de conhecer. O feio, na verdade, é a covardia das pessoas.

Vicente Amato Neto: Bem, eu vou continuar meu recadão aqui. Ao lado do fim da linha, que é isso, existe o número hoje já muito expressivo de infectados que, se não houver um progresso científico a curto prazo, vai chegar a essa situação. E esse número é o número de pessoas já muito... até, extravagante.

Rodolpho Gamberini: O senhor diria que esse progresso científico que se busca está distante?

Vicente Amato Neto: A terapêutica?

Rodolpho Gamberini: No momento não se consegue ver.

Vicente Amato Neto: Hoje não. Hoje a realidade é só de expectativa, no sentido de tomar algumas atitudes que até vou mencionar depois. O comportamento que está ocorrendo agora, no combate a essa infecção, eu estou perfeitamente consciente, é complacente e tímido. Eu já venho participando disso, tenho tentado cooperar na medida do possível, mas hoje estou convencido de que é um combate complacente e sem dúvida, é um combate tímido.

Rodolpho Gamberini: Por quê?

Vicente Amato Neto: É complacente porque nós ouvimos coisas assim: “Não vamos discriminar os homossexuais e os bissexuais”. Tudo bem, cada um entende o que é discriminar à sua moda. Mas nós precisamos salientar a eles que eles precisam cooperar. É evidente que os homossexuais e os bissexuais precisam cooperar. Eu não estou mais disposto a admitir, sob esse rótulo de não discriminarmos, eu continuo... eu e meus colegas continuamos pagar esse preço a esta situação que nós estamos vivendo agora, nós e a comunidade, porque o tratamento é caríssimo e este dinheiro deve vir evidentemente de alguém. Também acho um exemplo de complacência o que alguns especialistas dizem, que tudo bem, que cada um faz o que quer com seu corpo, se você quiser ser homossexual você assuma, você faz o que você quiser com seu corpo. Hoje, é preciso assumir com cuidado. É preciso assumir dentro de certas normas e isso eu não vou me cansar de cobrar. Eu gostaria de terminar. É evidente que, agora, uma série de atitudes são necessárias. A educação, nós temos que educar a comunidade, os homossexuais, os bissexuais, nós temos que promover essa educação. Como? Existem os que são especialistas na área de propaganda e existem os técnicos na universidade. A faculdade de saúde pública tem disciplinas relacionadas com isso. Essa gente é que deve elaborar a maneira de fazer essa educação. Essa educação não pode tardar mais. A comunidade precisa saber como é que se dá a transmissão e precisa cooperar. Eu vou um pouco mais longe: se não existir essa cooperação, eu sou favorável, inclusive, a atitudes coercitivas. Algumas leis precisam ser mudadas, algumas penalidades precisam ser previstas. Eu não posso admitir que não se feche uma sauna onde o indivíduo tem 40 relações homossexuais com desconhecidos e [que] essa sauna não seja fechada porque não está na lei que a sauna pode ser fechada por esse motivo. Eu não posso admitir. Porque quem encontra essas pessoas morrendo em número crescente nos bancos dos hospitais, pedindo misericórdia, sou eu e os que trabalham nessa condição. O trabalho, portanto, de educação entre homo e bissexuais precisa ser feito. É difícil, é muito difícil, porque, quando nós temos que combater malária, temos que eliminar o mosquito vetor. Quando nós vamos combater o doença de Chagas, vamos combater o barbeiro. Aqui é gente, é ser humano. Alguns cultos, alguns compreensivos como eu já tenho visto, mudando seus comportamentos, mas eu não sei como nós vamos pedir a cooperação para os travestis, por exemplo. Tomaz encontrou 50% de travestis [soro]positivos, eu não sei como vamos obter a cooperação deles. Existem alguns homossexuais que chegaram a tal grau de depravação, que não sei como nós vamos obter a cooperação deles, é difícil. Aqui o vetor é gente, é ser humano! Essa é uma dificuldade realmente muito grande. E em bancos...

Enio Mainardi: É a primeira vez que eu ouço alguém falar com essa objetividade e essa coragem sobre o assunto.

Rodolpho Gamberini: Só queria fazer um aviso, tem muita gente querendo falar no programa. O senhor vai ter toda a liberdade de terminar. Depois vamos fazer intervalo, depois tem duas pessoas que ainda não falaram, que é a Valéria Petri e a Vera Escobar, ainda não falaram no programa, depois que o senhor terminar, depois do intervalo elas vão falar e depois vamos abrir para as perguntas do público, porque tem muita gente querendo participar do programa, além de todos nós que estamos aqui.

Vicente Amato Neto: O trabalho preventivo em bancos de sangue é mais fácil. As técnicas estão aí, basta que exista dinheiro e que existam recursos, é mais fácil. Em relação aos drogados, também, eu não vejo maiores dificuldades. Você disse que o preservativo custa caro, mas para evitar uma desgraça dessa é preciso arrumar dinheiro. Eles me dizem: os drogados que não usam seringas descartáveis porque quando estão loucões não usam as seringas descartáveis. Sei lá, eles têm que começar a usar. Eu não posso ser sacerdote, que não quer conviver com a homossexualidade, com a bissexualidade, com o vício. Nem polícia e nem lei nenhuma acabou com os drogados, não vamos ser nós, os infectologistas, que vamos acabar. Mas eu exijo cooperação, eu exijo cooperação, porque a situação atual não é mais permissível. Para terminar, não fosse tudo isso, nós temos enormes problemas assistenciais. Os indivíduos que estão infectados não têm assistência suficiente em ambulatórios para serem esclarecidos, aguardando o advento, que pode acontecer a qualquer momento, de uma droga curativa, isso não existe. Nos hospitais a situação é terrível, não sei por que não se cobra isso. Nos hospitais cada um tem que assumir os seus. O hospital municipal a sua clientela; o estadual a sua clientela; os hospitais universitários, os carentes, com verba do Inamps... o Inamps tem que assumir os seus; a medicina de grupo tem que assumir os seus. Os hospitais particulares têm que assumir os seus, os hospitais particulares não estão mais querendo atender doentes. Eu não sei que o que fazer! Se o indivíduo tem dinheiro e está doente, ele quer ser tratado. O que eu faço com um indivíduo desse? Eu acomodo no sofá do meu consultório e espero que ele venha a morrer? Então, isso não está sendo enfrentado. Os doadores de sangue positivos, quem assiste essa gente? Não existem sistemas para isso. Os profissionais nos hospitais estão se omitindo de prestar assistência aos indivíduos com aids, uma situação lamentável que eu nunca pensei que colegas pudessem consumar. Repito, não há leitos suficientes. Há uma outra questão que é paralela: a transmissão por alguns mecanismos, tipo saliva, acupuntura, barbeiros e outras coisas. Estamos sendo muito também aqui complacentes. A transmissão é igualzinha à do vírus B da hepatite, é igualzinha. Só que se diz que precisa de mais vírus na aids do que vírus B da hepatite. Ora, em coisa biológica é muito difícil você ficar medindo isso quantitativamente. Eu não vi nenhuma atitude de orientação para esse tipo de gente, eu pensei que fosse muito mais difícil adquirir essa infecção. É muito fácil! Eu atendi, na semana passada, um velhinho que ganhou ponte de safena e recebeu uma transfusão de sangue... uma transfusão de sangue e esse homem tem aids! Então, é mais fácil do que nós realmente pensávamos. Terminando, queria deixar o seguinte recado. Nos exigem milagres na área de saúde, exigem milagres, o que nós fazemos na área da saúde é milagroso. Esse milagre nós não podemos fazer, esse está muito grande, esse realmente nós não temos condições de fazer. Faltam laboratórios de saúde pública, faltam medicamentos, essa é uma outra questão que eu queria comentar, corajosamente. Eu não sei no momento por que estamos gastando esta fortuna com indivíduos que têm aids em fase terminal. Não sei. Dizemos que somos humanos, nós apenas podemos diminuir o sofrimento dessa gente, mas não temos nenhuma condição de curar. É a mesma coisa que um canceroso numa condição irrecuperável, onde o médico tem que ter a dignidade de dizer que para aquilo não há solução. Nós estamos gastando uma fortuna com essa carapaça de dizer que nós somos humanitários. Nós devemos é diminuir o sofrimento, dar um fim de vida digno para essas pessoas.

Rodolpho Gamberini: É eutanásia, doutor Vicente Amato.

Vicente Amato Neto: De forma alguma, é uma condição de evitar apenas o sofrimento.

Rodolpho Gamberini: Como?

Vicente Amato Neto:O médico, no seu trabalho profissional, ele cura às vezes; no caso da aids, nunca. Ele diminuiu o sofrimento freqüentemente e ele pode fazer isso na aids, e ele pode confortar sempre. E, no caso da aids, um dos nossos grandes papéis é realmente o conforto. Agora, ficar gastando essas fortunas, dizendo que nós estamos sendo apenas humanos, isso precisaria ter coragem de nós pararmos para pensar um pouquinho. E repito uma coisa que eu já disse: eu faço questão [de] que, daqui para adiante, nós possamos vislumbrar a diminuição do problema ou uma condição próxima do fim. Continuar dessa forma é um vôo cego levando a cada vez mais problemas emocionais, econômicos... e a situação angustiante como esta aumentando.

Rodolpho Gamberini:Eu sei que tem muita gente querendo falar, está todo mundo levantando a mão, mas eu gostaria de passar a palavra para a Vera Escobar, que é irmã de um paciente da aids e me fez sinal quando o doutor Vicente Amato tocou na questão de que os hospitais particulares não querem receber.

Vera Escobar: Eu sofri um problema com meu irmão. Quando eu fui interná-lo, fiquei três horas e meia com meu irmão deitado no sofá da sala de espera do hospital e o hospital se recusava a recebê-lo por ele ser portador da aids.

Rodolpho Gamberini:E eles diziam isso claramente?

Vera Escobar: Eles não diziam. Eles diziam que não tinha vaga, mas eu fiquei três horas e meia vendo 500 pessoas conseguirem internação e meu irmão não conseguia internação. Eu sofri esse problema bem de perto e, depois, quando eu consegui a internação dele no hospital, eu sofri discriminação do próprio corpo de enfermagem, que eles não têm a menor noção de como se contrai a doença, de como é a contaminação da doença, então eles faziam discriminação. Eles levavam a comida no quarto, quando meu irmão estava com pneumonia, tossia e evacuava ao mesmo tempo, eles não vinham limpá-lo. Eu fiquei no quarto com ele, por isso eu posso dizer, eu fiquei os onze dias com ele, fazendo todo o isolamento no quarto, ninguém vinha limpar. Eu é que fazia as coisas e, quando eles apareciam, não precisava mais, porque se fosse depender deles para fazer as coisas, nunca teria conseguido nada. Existe uma falta total de informação dentro do próprio corpo hospitalar de enfermagem.

Rodolpho Gamberini: Vera, o doutor Vicente Amato fez aqui uma confissão, um desabafo, dizendo da incompetência e incapacidade dos médicos hoje de conseguirem lutar contra essa doença. E disse que, talvez, a mais importante missão do médico seja do conforto ao paciente. O que você diria sobre isso?

Vera Escobar: Dentro do hospital [em] que meu irmão estava, só fomos conseguir o conforto por intermédio de uma terapeuta amiga nossa, que nós conseguimos autorização do hospital para que ela desse um apoio terapêutico ao meu irmão, que também era terapeuta. E foi negado, dentro do hospital, o apoio terapêutico. Agora, não se sabe se dentro da UTI deram a medicação que era necessária, porque a gente sabe o preço que custa, a conta que eles nos apresentaram... eu duvido que eles tenham feito toda a medicação que foi solicitada.

Rodolpho Gamberini:Você acha que o hospital cobrou a mais?

Vera Escobar: Não, eu acho que eles deixaram de fazer muita coisa que poderia ser feita. Eu até entendo, porque eu acho que eles pensam que gastar todo esse dinheiro inutilmente, até em certa parte eu concordo, como não concordo com eles também, concordo com doutor Amato, eu também parto da premissa de eutanásia, no caso.

Rodolpho Gamberini:Você defende a eutanásia.

Vera Escobar: Defendo a eutanásia, porque meu irmão... [vários falam ao mesmo tempo]

Rodolpho Gamberini: Só uma questão aqui para deixar claro. Eu perguntei ao doutor Vicente Amato, ele não defendeu a eutanásia, eu perguntei porque é uma questão delicada, estou livrando...

Vera Escobar: Não, eu sei, mas eu defendo. Eu defendo porque foi um pedido que meu irmão fez, quando foram fazer biópsia nele, ele pediu que desligassem as máquinas e o médicos se recusaram. E eu acho que, se eu fosse, não sei... eu parto do princípio de que a vontade do paciente é em primeiro lugar. Para que continuar sofrendo se não tem como curar?

Rodolpho Gamberini: Seu irmão sabia que não tinha cura.

Vera Escobar: Sabia que não tinha cura. Se eu fosse o paciente e pedisse, acho que o mínimo que você pode ter no final da sua vida é...

Rodolpho Gamberini:É ter essa vontade respeitada.

Vera Escobar:É ter essa vontade [respeitada].

Rodolpho Gamberini:Você concorda com essa necessidade do conforto que o doutor Vicente Amato colocou.

Vera Escobar: Concordo plenamente, porque a única coisa, para o paciente, que pode ser feito, é o conforto terapêutico, porque em termos medicinais a gente sabe que, por enquanto, não tem nada a ser feito.

Enio Mainardi: Ele mencionou o conforto barato, bem claro. Ele estabeleceu uma prioridade na aplicação de recursos, ele disse: “Nós temos pouco dinheiro, este dinheiro não deveria ser utilizadon na sua totalidade, em pacientes terminais, e sim destinado à prevenção ou a uma política que pudesse dar sobre vida a quem tem mais chance”. Foi assim que eu entendi.

[vários expressam o desejo de fazer um aparte]

Rodolpho Gamberini: Tem três pessoas... só aqui na bancada da frente tem três pedindo a palavra. O primeiro que pediu a palavra foi o doutor Theodoro, eu vou dar a palavra para ele agora, por favor.

Theodoro Israel Pluciennik: Eu queria rebater algumas coisas que o doutor Vicente Amato estava dizendo...

Rodolpho Gamberini:Posso só fazer aqui uma preleção para todos os que querem falar agora? Acho que precisamos fazer o seguinte. Nós já discutimos bastante neste programa a questão política da aids, da campanha e estão se avolumando aqui as perguntas dos telespectadores em cima da bancada. A Ângela está me dizendo que tem centenas de perguntas repetidas, como é que se contagia, se é sexo anal, se é sexo oral, se é esperma, se é suor, se é lágrima, são questões que a população quer saber. Eu gostaria que a gente se restringisse um pouquinho no tempo agora na discussão dessa parte mais política da doença e passasse rapidamente às perguntas dos telespectadores que querem participar do programa como nós. Por favor, doutor Theodoro.

Theodoro Israel Pluciennik: Eu penso que essa questão política da doença é extremamente importante também. É claro que esse quadro a gente vê aqui é aterrador e a gente precisa fazer realmente alguma coisa para controlar isso. Concordo com a primeira parte do que o senhor estava dizendo de que precisamos da colaboração de todo mundo, de toda a comunidade homossexual. Mas até aí, se isso significar restrição do direito de alguém ser que o é, aí já não concordo. Quando se diz que alguém tem direito de fazer o que quiser com o próprio corpo, eu acho que isso necessariamente inclui o respeito ao direito do outro, o respeito à saúde do outro. Então, o que falta é uma campanha educativa, não uma campanha restritiva. Acho que não adianta nada fechar saunas, porque as mesmas pessoas que vão às saunas e têm sexo com 40 pessoas, vão ter sexo com 40 pessoas em outro lugar. Então, não são medidas coercitivas que vão levar a alguma coisa. E é preciso sempre entender um pouco mais o que está por trás disso, desse comportamento, inclusive, tão promíscuo. Será que não tem outras coisas que a própria sociedade deveria rever nos seus conceitos? Fico pensando, por exemplo, que durante a Idade Média, quando houve a Inquisição, os judeus eram acusados de serem usurários e por isso eram perseguidos, só que não se levava em conta que aos judeus não se deixava outra alternativa a não ser a usura. A mesma coisa acontece nessa situação. Será que os homossexuais têm direito de levar uma vida livre que não os condene a essa promiscuidade dentro de lugares fechados? Se esse tipo de atitude tivesse sido levado a cabo inteiramente na Idade Média, talvez muitos dos que estão aqui hoje não estaríamos nem discutindo, defendendo essas idéias.

Vicente Amato Neto: O que você sugere? Eu não quero que continue o problema dessa forma. O que você sugere?

Theodoro Israel Pluciennik: Educação. Educação preventiva, não coerção. Eu acho que, numa democracia, a gente consegue muita coisa através de educação, não através de proibição. Estamos saindo já de um bom tempo de ditadura em que todo mundo espera que nada disso se repita. E não é numa situação como essa, por mais grave que seja, que a gente pode dar espaço para que atitudes autoritárias outra vez apareçam.

Rodolpho Gamberini:Por favor, doutor Mazza.

Paulo César Bonfim: Eu queria colocar uma questão, é o seguinte. Eu acho que você não pode tratar o indivíduo homossexual como marginal. O doutor Vicente falou que é um custo caro, mas há de se entender que o homossexual é um indivíduo que produz para o sistema capitalista, certo? Então, é um indivíduo que paga previdência, que paga impostos, logo tem esse direito. O Grupo de Apoio e Prevenção à Aids não tem nenhuma preocupação de passar a mão pela cabeça dos grupos em risco; inclusive, temos uma posição bastante rígida em fazer uma campanha e colocar as questões. Agora, não vejo nenhum médico dentro desse contexto todo de saúde pública fazer algum discurso sobre a subnutrição.

Vicente Amato Neto: É outro problema.

Paulo César Bonfim: A gente vai aqui, na região do ABC, o índice de promiscuidade que existe no ABC, nas cidades dormitórios, crianças que pegam gonorréia, que pegam Tricomonas [agente que causa doença sexualmente transmissível cujos sintomas são corrimento amarelado, coceira e odor desagradável, afeta principalmente as mulheres, e no homem é assintomática] é muito alto, porque a política social nesse país é muito ruim. Então não dá para ter um discurso assim, como se estivesse tratando com o Lupi [referência a Omar Lupi, médico dermatologista e presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia].

Enio Mainardi: Não é um problema da polícia, por exemplo?

Paulo César Bonfim: Não!

Enio Mainardi: Perdão, hoje no Brasil, se assalta e se mata com uma impunidade sem fim!  Então, o discurso é, na medida em que você não dá comida para as pessoas, você não dá educação para as pessoas, você, de certa forma, está facilitando o crime. Logo, os criminosos, de certa forma, são vítimas inconscientes de um estado da economia capitalista que não lhes dá oportunidade outra que não roubar. Bem, essa é uma postura liberal, mas há um minuto em que a sociedade ressentida e incompetente para educação e para alimentação diz “olha, sinto muito, mas nós vamos ter que botar a polícia na rua, vamos ter que usar a repressão, porque a repressão...

Paulo César Bonfim: Mas não dá para resolver os problemas sociais com polícia.

Enio Mainardi: Essa não é uma questão... Estou sendo bem radical para entender a questão, não é a mesma coisa que está acontecendo.

Paulo César Bonfim: A questão é de formação. Não dá para ter um ato coercitivo em cima dele.

Rodolpho Gamberini: Bonfim, Bonfim.

Enio Mainardi: Não será a mesma coisa que está acontecendo agora com os grupos de risco? Será que a sociedade, incapaz de criar esses mesmos mecanismos que possam dar às pessoas sua liberação ou sua educação ou o resto todo que você queira botar, não se dá o direito de sobrevivência e, nesse caso, usa[-se] a repressão para salvar a si próprio a nível da condição de continuar existindo?

Paulo César Bonfim: Falta conhecimento de algumas pessoas aqui das práticas sexuais. Por exemplo, existe um grande número de saunas que são mistas, freqüentadas por heterossexuais, onde, se a gente for levar a nível de promiscuidade, é muito grande. Então, não dá para colocar, assim, em cima de determinados grupos que eles seriam o fio condutor da questão. Se os senhores tiverem a oportunidade de pesquisar, vão observar que existem n saunas, hoje, onde as pessoas mantêm relação com uma mulher, duas, três ao mesmo tempo. Existem essas questões. Então, de repente, a gente vê um discurso dirigido a um segmento. Eu nunca vi nenhum médico que trabalha com aids fazer um discurso para fechar 80% dos bancos de sangue no estado de São Paulo, que não fazem teste HTLV3, porque hoje, no estado de São Paulo, temos 20 mil pacientes que foram infectados por Chagas [pela] via transfusional...

Rodolpho Gamberini: Doutor Mazza, por favor, eu prometo ao telespectador que o doutor Mazza vai ser o último a tocar [n]essa questão. Não, não, não, agora eu já prometi, depois que eu prometi não posso voltar atrás [respondendo aos apelos de um dos entrevistadores]. Eu já tinha dito que nós iríamos passar, eu prometo ao telespectador que nós vamos passar, depois do doutor Mazza, às perguntas que estão fazendo. Eu sei que vocês estão muito curiosos a respeito de aspectos práticos da doença, menos políticos, e vamos passar, eu garanto. Por favor, doutor Mazza.

Celso Carmo Mazza: A primeira preocupação minha é uma má interpretação das palavras do professor Amato, que falava tudo em tese, numa coisa coletiva, com casos individualizados. Nós tivemos alguns casos, tivemos algumas infecções e que, depois de tratados esses casos, estão até hoje, já com um ano, um ano e meio, dois anos, que nós temos acompanhado, tendo um nível de vida – isso é importante– um nível de vida bom, trabalhando, sustentando sua família. Então, na verdade não é a partir do primeiro momento, do primeiro sintoma que a pessoa entra enveredando numa situação que é um fundo de poço. Então, eu tenho alguma preocupação com isso. Mas, na verdade, gostaria de colocar duas coisas. Fiquei relativamente preocupado quando eu vi o pessoal do Gapa e outras pessoas dizendo que estava satisfatório o trabalho da Secretaria da Saúde e Ministério da Saúde. Eu acho que, por princípio, ninguém aqui pode defender que temos aqui no Brasil um tratamento de saúde exemplar. E somente aí eu ficaria satisfeito. Ora, se nós não temos condições de colocar doentes de aids e doentes também sem aids, aqui em São Paulo, numa internação rápida! Seu irmão foi um privilegiado de ficar três horas e meia, alguns pacientes meus, eu tive que manter em casa três ou quatro dias para conseguir uma internação. Então, eu acho que numa situação dessa, não se pode dizer que é satisfatório. Outra coisa muito importante, que demanda dinheiro e que talvez seja uma coisa que o professor Amato acabou defendendo, por exemplo, eu defendo intransigentemente que qualquer pessoa que tenha a mínima dúvida de estar contaminado tenha direito a esse teste de uma maneira, não gratuita – porque nós temos subnutrição nesse país e não podemos dar a essas pessoas–, mas alguma coisa a preço de custo para esse teste. Esse teste não teria que ter o seu freio na entrada do pedido; qualquer pessoa, por qualquer dúvida, mínima que seja:  “Eu quero fazer teste”. A partir disso...

Rodolpho Gamberini: Que qualquer um tivesse o direito.

Celso Carmo Mazza: Como pré-nupcial, iria a algum lugar público e pagaria esse teste, que é caro. Mas não é impossível de ser pago, cem cruzados, que é o custo. Porque os funcionários existem no estado, é só comprar o teste, que também os aparelhos são fornecidos pelas indústrias. Então, o custo do teste, só do teste seria cem cruzados ou coisa muito assemelhada.

Enio Mainardi: Quanto custa atualmente?

Celso Carmo Mazza: Tem uma grande diferença entre o custo de se comprar um kit e se fazer e o custo da estrutura para ter o local para se ter esse kit.

Enio Mainardi: Quanto se cobra isso?

Celso Carmo Mazza: Então, no laboratório, você tem o preço multiplicado por sete ou dez vezes... o preço do kit que se compra. Como existem vários laboratórios de saúde pública com falta de condições de trabalho e, por isso, muitas vezes ocioso, porque não tem material, porque não tem aparelho, então, esses locais poderiam ser colocados em várias instituições, não é um só, várias instituições, fazendo esse teste. Agora, onde seria o freio desse teste, dessa abertura? Teria que ter médicos, especialmente voltados, conhecedores do assunto, triados, e a vivência da epidemia já nos deu uma quantidade razoável no sentido de entregar o resultado, se positivo ou negativo, tirando uma história, conversando com esta pessoa e o porquê ele foi levado a pedir o teste. Isso seria uma forma de que todas as pessoas contaminadas, se conscientizando de [estarem] contaminadas, possam receber  instruções das campanhas. Porque é aquele problema: o brasileiro sempre acha que vai pegar fogo na casa do vizinho, “a minha não pega”. Dizem “eu não tenho, eu não tenho” e, com isso, a campanha perde o objetivo, porque o grande objetivo...

Enio Mainardi: Você levanta o problema e não resolve.

Celso Carmo Mazza: O grande objetivo da campanha é que o contaminado, sabendo que está, evite transmitir. Por exemplo, no exame pré-nupcial ou na decisão ter ou não ter filhos é muito importante, atualmente, se é uma população que beirou os grupos de risco, que se saiba disso. Porque, afinal de contas, é muito mais grave a doença nas crianças, a transmissão e a gravidade é muito mais rápida nas crianças que estão se formando na gestação. Então, eu acho que essa divulgação, essa disseminação e esse dinheiro gasto nisso poderia refrear. Outra coisa, eu acho que [a] algumas coisas restritivas, nós estamos, na nossa vida, acostumados. Existe uma contramão na rua [em] que você anda e isso não quer dizer que está impedindo o direito de ir e vir dos sujeitos. Simplesmente estou organizando o tráfego. Existe uma proibição no bar de vender bebidas alcoólicas a menores de 18 anos. Eu não estou tirando a liberdade do rapaz de 16 ou 18 de saber o que faz...

Rodolpho Gamberini: Não é discriminatório.

Celso Carmo Mazza: Não é discriminatório. É aquilo que o professor Amato disse no início: discriminação é uma questão de cada um saber interpretar. Não podemos abranger como se todo mundo fosse a fossa negra quando se pensa em colocar-se algumas regras. Onde eu acho que... em saunas, em qualquer local público, em que o governo receba taxas, não se deve atualmente fazer o sexo coletivo. Em função do quê? Porque existe nesta cidade, existe neste país uma epidemia transmitida, uma doença fatal transmitida pelo sexo em que somente uma coisa realmente resolve: a diminuição do número de parceiros, o comportamento, a modificação comportamental é o único fator que resolve doenças sexualmente transmissíveis. Aliás, eu vou até citar...

Rodolpho Gamberini: Espera aí um pouquinho.

Theodoro Israel Pluciennik: Qualquer terminologia diz que o comportamento...

Rodolpho Gamberini: Doutor Theodoro, agora, vou lhe pedir desculpa, agradeço a sua colocação, do doutor Mazza, vamos passar para perguntas dos telespectadores. A Ângela está separando, aqui do meu lado, as perguntas, tem grandes grupos de perguntas. Eu gostaria de fazer a primeira para o doutor Vicente Amato, porque o senhor até me assustou em uma coisa que o senhor disse. Pelo que eu tenho visto, e esta é uma pergunta de muitos telespectadores, acho que a maioria deles vê a mesma coisa, que a aids se transmite só em caso de transfusão de sangue, relações sexuais, principalmente relações sexuais anais e não há, por exemplo, casos conhecidos de contaminação por saliva. Então, eu tomaria como um grupo de telespectadores assim: quais são os casos, quais são as possibilidades de contágio dessa doença comprovados já, quais são os casos? Só se pega em transfusão, só se pega com sexo anal? Como é que se contrai a aids?

Vicente Amato Neto: Está tudo muito bem estabelecido, com variações de país para país. Os grupos de risco são os homossexuais, os bissexuais, os que foram infectados por sangue ou derivados contaminados, os indivíduos que fazem uso de drogas por via endovenosa e que usam uma seringa e agulha comunitária, os filhos de mulheres que estão infectadas. Esses são grupos classicamente envolvidos. Heterossexuais estão aparecendo nesse contexto, em alguns países, com muito maior intensidade do que outros. Esses são os grupos que devemos levar em conta. Aliás, quando se fala em pesquisa, muitas pessoas me perguntam: “O que nós podemos fazer em pesquisa de aids no Brasil?” Muito pouco. Nós podemos descrever como é a aids no Brasil, se estrongiloidíase [doença parasitária intestinal, causada por um nematóide, que, além de causar problemas no aparelho digestivo, pode afetar também os pulmões, se ocorre a migração das larvas para esse órgão] tem mais aqui do que nos Estados Unidos e assim por adiante. Em segundo lugar, deveremos conhecer os fatores de risco, porque no dia em que se decidir realmente enfrentar a situação preventivamente, nós vamos medir o resultado das atitudes preventivas porque nós conhecíamos os fatores de risco já dimensionados antes. E, eventualmente, em alguma experiência terapêutica com uma droga que vier lá de fora. Aqui ninguém vai desvendar nada porque não temos nenhum laboratório de virologia capaz de se envolver com essa questão. Então, de passagem, essa é a questão de pesquisa. Agora, eu ultimamente tenho estado realmente preocupado e repito aquilo que eu disse: hoje se sabe que a transmissão desse vírus é igual, igualzinha à transmissão do vírus da hepatite B, é uma transmissão muito bem conhecida. E também se diz que a diferença está na quantidade, que para infectar um indivíduo com o vírus B é necessário muito menos vírus do que o vírus da aids. Eu acho essas coisas um pouquinho perigosas, quando elas dizem respeito a algo biológico. Quando eu comecei a ter contato com o problema, eu tinha impressão de que a transmissão era realmente muito mais difícil. Falava-se em grande promiscuidade, falava-se na necessidade de haver um grande número de transfusões e tudo isso. Eu acho que a transmissão é um pouco mais fácil do que estávamos admitindo. Então, por via das dúvidas, saliva, leite materno, eventual contaminação em manicures, acupuntura, em barbeiros, em consultórios de odontologistas e tudo mais, por via das dúvidas, algumas normas preventivas deveriam ser adotadas aí. Se não fosse por outro motivo, se não fosse só pela aids, isso teria valor também para outras doenças. Quantas infecções pelo vírus B da hepatite foram adquiridas num salão de barbeiro, por exemplo?

Rodolpho Gamberini: Doutor Celso Carmo Mazza.

Enio Mainardi: A lei, de alguma forma, prevê isso? Porque tem um anúncio muito famoso na Pensilvânia que diz assim: “Se você cometer um crime no estado da Pensilvânia com uma arma, você joga fora cinco anos da sua vida.” Esse é o título. Diz assim: “Sem condicional, sem papo, cinco anos da sua vida numa cadeia.” Então, isso é uma disposição policial, por acaso isso é fascista? Por acaso a sociedade no momento que diz assim: “Se você cometer um crime com arma neste estado, você jogou fora cinco anos da sua vida e estamos conversados”... Eu acho que essa é uma coisa extremamente eficiente, eu acho que esse tipo de regulamentação poderia ser colocado a nível de lei em todos esses contatos que poderão eventualmente ser potencialmente danosos para a saúde pública.

Vicente Amato: Só que agora você precisa tomar cuidado, porque já se voltou ao período de vinte anos de repressão, já foi citado aqui. Daqui a pouco você é comunista e eu também. Ou, como isso já não pega mais, você é anarquista e eu também.

Rodolpho Gamberini: Eu só queria...

Enio Mainardi: Eu gostaria só de colocar isso: faria sentido que certas normas se institucionalizassem como lei?

Celso Carmo Mazza: Existem várias técnicas de trabalho e procedimentos – no caso específico dos dentistas– que são muito claras, de esterilização. E essa esterilização não é nova, não há inovação no caso do vírus da aids. Essas normas já existiam e eram conhecidas no combate ao vírus da hepatite B. No caso de manicures e barbeiros, deveria ter uma regulamentação da profissão no sentido de eles saberem manipular com instrumentos cortantes e que eventualmente pudessem [se] contaminar com sangue. É o caso do acupunturista, é aquilo que eu disse: eu tenho que ter uma licença para poder abrir uma barbearia. A partir daí, tem que ter uma pessoa responsável de esclarecimento e de controle da esterilização dos materiais existentes nesses locais. É o caso da sauna, que tem uma regulamentação pública, então, vamos controlar e ver o que nos é interessante agora e liberar se eventualmente não houver mais perigo. Mas eu acho que a regulamentação de como se proceder com materiais cortantes é uma coisa que devia ser...

Rodolpho Gamberini: Doutor Mazza, o senhor tocou [n]a questão do acupunturista. Eu vi agora há pouco uma pergunta e nem sei onde está. No caso do acupunturista, a doença, a aids, pode ser transmitida pela agulha do acupunturista? Outra coisa: se há uma transmissão para a corrente sanguínea. Um mosquito que suga o sangue de uma pessoa e pica uma segunda pessoa também transmite ou não?

Celso Carmo Mazza: Bom, aí tem dois pontos. O primeiro ponto sobre o acupunturista a resposta é sim. Existem epidemias descritas de hepatite B...

Rodolpho Gamberini: A Ângela me passou o nome do telespectador que fez essa pergunta do acupunturista, é Aroldo Matos, morador da Móoca.

Celso Carmo Mazza: Existem epidemias descritas para hepatite B. Então, se ela foi capaz de transmitir hepatite B, possivelmente seria capaz de transmitir também a aids. Somente que não é o modo usual, não é o modo importante em saúde pública, porque nós não temos no nosso país ainda todo o povo usando esse tipo de medicina. Mas que o eu quero dizer é que eles [os acupunturistas], como os barbeiros, manicures, têm regras, por exemplo, de usar agulhas descartáveis. Atualmente existe um grande número usando não mais agulhas que penetrem a pele, mas sim impulsos elétricos, e aqueles que usam ainda a simples esterilização com álcool, com cândida, que é o suficiente para que não ocorra nenhum tipo de transmissão, não só da aids como de outras doenças, como hepatite. Mas na verdade existe. Toda vez que você tenha algum objeto que, contaminado com sangue, vá para outra pessoa, existe essa possibilidade. Ela não é importante, mas existe a possibilidade. A segunda pergunta sua...

Rodolpho Gamberini:Isso significa que pode se contrair a aids até numa manicure, a partir do momento em que há contágio....

Celso Carmo Mazza: Nós estamos discutindo o potencial de uma coisa, não vamos confundir com a freqüência com que isso ocorre. O que eu quero dizer é o seguinte: existe a possibilidade de se transmitir através de todos os procedimentos que envolvam o sangramento direto ou indireto e que passem para outra pessoa. Isso não quer dizer que, analisando os casos de aids da cidade de São Paulo, eu tivesse algum em que o principal local importante foi o barbeiro, foi a manicure ou foi o dentista. [N]A maioria dos nossos casos ainda a transmissão foi sexual e partiu de relações homossexuais, a maioria deles.

Caio Rosenthal: Uma noção que exemplifica bem esse exemplo é o seguinte: um funcionário que trabalha diretamente com doente com aids internado, ele fica mais ou menos cinco horas por dia das suas oito horas dentro do quarto com o paciente com aids, ele tem cem vezes menor chance de ser contaminado com aids do que se esse funcionário trabalhasse durante cinco horas com um doente com hepatite B.

Rodolpho Gamberini: O risco de contágio é menor.

Caio Rosenthal: O risco de contágio é cem vezes menor, admite-se como sendo cem vezes menor. Então, eu acho que é importante a gente tirar essa situação alarmista de que o contágio é muito importante. Isso que o Mazza está dizendo são riscos teóricos, existem. Alicate, agulha, consultório odontológico são riscos teóricos. Na verdade, o importante é centrar a atenção para aqueles riscos que já são tradicionalmente conhecidos. Saliva, modos de alicate, agulhas e assim por adiante, eu acho que a gente deveria deixar num segundo plano.

Rodolpho Gamberini: A saliva fica no grupo dos menos prováveis.

Caio Rosenthal: Bastante menos prováveis, assim como insetos também, tanto é verdade que tem muito pouca criança com aids e as maiores vítimas dos insetos são as crianças.

Samuel Koperstych: Rodolfo, eu só queria complementar uma coisa.

Rodolpho Gamberini: Por favor.

Samuel Koperstych: Estou com muito receio de que, se a gente continuar nesse diapasão, nós vamos passar para o telespectador uma mensagem extremamente pessimista, extremamente angustiante e nós vamos chegar à conclusão de que podemos pegar Aads por passar debaixo da escada. Evidentemente, a coisa não é, de maneira nenhuma, assim. Existe – e eu vou me colocar aqui, como talvez eu nunca me coloquei em nenhum programa de televisão dos vários [de] que eu já participei –... existe uma manipulação dos meios de comunicação para que a população entre em pânico, de algumas correntes políticas, eu não vou entrar nesse problema aqui porque é extremamente desagradável, para infundir na população um temor em relação ao sexo. Isso é absolutamente imperdoável no momento em que nós estamos vivendo. O homem levou séculos para ganhar um conceito em relação ao que é liberdade sexual, o que é extravasar energia. A psiquiatria lidou anos e anos, através das idéias de Freud, através do seu grande discípulo dissidente Reich,  com a importância da relação sexual, da importância da descarga de energia. E existem movimentos políticos e movimentos religiosos que são absolutamente não-concordantes em relação à prática sexual. E, infelizmente, essa doença está sendo usada e manipulada para que a população entre em absoluto e completo pânico, [para] que o indivíduo passe a se comportar como há 200 anos atrás em relação à prática sexual. Não vamos passar de um extremo ao outro. É evidente que a população tem que ser conscientizada e a campanha tem que começar em nível escolar. Como conscientizar a criança se é proibido, na maioria das escolas, falar sobre sexo? Então, nós temos problemas no Brasil de educação, não só sanitária, mas de educação cultural. E uma grande lição que essa doença vem nos trazendo é da importância do conhecimento [de] para que serve a prática sexual, qual é a vantagem e qual a desvantagem da prática sexual, para que ela existe além da procriação. Então, eu acho que o problema é muito mais complexo do que está sendo colocado aqui, de pegar em manicure, de pegar em alicate; isso, absolutamente, é infundir pavor na população e a finalidade que a gente vê nesse programa não é essa. O outro problema é que a coisa não está sendo colocada absolutamente do ponto de vista terapêutico com uma negritude total. Evidentemente a luz no fim do túnel é pequena, mas ela já existe. E se nós simplesmente nos propusermos a levar conforto aos pacientes, nós estamos perdendo a chance de descobrir a penicilina como [Alexander] Fleming [(1881-1955) microbiologista que se celebrizou pela descoberta da penicilina, o primeiro antibiótico, quando um fungo infectou colônias de bactérias cultivadas em seu laboratório. O feito representa um marco na história da medicina, porque proporcionou a cura de diversas doenças de origem bacteriana. Howard Walter Florey e Ernst Boris Chain ajudaram Fleming a desenvolver o medicamento e com ele dividiram o prêmio Nobel de fisiologia e medicina de 1945] descobriu e tratou uma das grandes epidemias de toda história da medicina, que é a sífilis. E a sífilis existiu na população heterossexual e nem por isso a população heterossexual foi discriminada. E nem por isso a população heterossexual foi condenada. Então, nós temos que prosseguir sobre dois caminhos. Ou a gente combate e faz campanhas de educação pública para diminuir a incidência da doença, mas nós temos que admitir que alguns doentes já são tratados, como colocou o Mazza, que existem algumas formas mais benignas da doença e que nem tudo é esse horror com que a gente possa pintar para que a população fique em pânico. A população já tem a neurose do assalto, agora vai ter a neurose da aids. Evidentemente, os consultórios de psiquiatra se encherão, os psiquiatras não poderão como tratar esses doentes. Eu concordo inteiramente com a colocação do Israel, é preciso educar. É lógico que, quando nós temos um bandido assaltando na rua, esse bandido deve ser isolado da sociedade, mas nem por isso devemos esquecer que temos que educar os indivíduos para que eles não se tornem bandidos e o problema da aids é absolutamente idêntico.

Rodolpho Gamberini: Enio Mainardi, só uma coisa, uma questão técnica à qual eu não posso escapar.

Vicente Amato Neto: Eu preciso contestar uma coisa.

Rodolpho Gamberini: O senhor vai contestar, doutor Vicente.

Vicente Amato Neto: O problema de saliva...

Rodolpho Gamberini: Doutor Vicente, agora não. Eu tenho um problema técnico, estamos precisando chamar intervalo. Doutor Vicente...

Vicente Amato Neto: [fala ao mesmo tempo que Gamberini] O doutor Samuel deu uma informação dizendo que há esperanças terapêuticas. Não há esperança terapêutica.

Rodolpho Gamberini: [fala ao mesmo tempo que doutor Vicente] Doutor Vicente, não é possível. Doutor Vicente, doutor Vicente Amato. O senhor não pode responder agora. Eu garanto que o senhor vai responder assim que nós voltarmos do intervalo, nós vamos fazer um intervalo de um minuto e pouquinho e voltamos e o senhor vai responder. Por favor, intervalo.

[intervalo]

Rodolpho Gamberini: Nós voltamos com o programa Roda Viva, programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo, esta noite discutindo a aids no Brasil. E, quando eu chamei o intervalo, eu cassei a palavra até de modo um pouco ríspido do doutor Vicente Amato, mas o senhor me desculpe, mas a televisão tem esse problema técnico, eu tinha que fazer um intervalo, por favor.

Vicente Amato Neto: Eu vou ser bem rápido. Quando eu respondi sua pergunta, eu respondi o essencial e aproveitei a oportunidade para mencionar saliva, leite materno e esses outros eventuais riscos. Essa pergunta é feita a mim cinco ou seis vezes por dia. Então, como estamos querendo divulgar conhecimentos na comunidade, eu diria, não é para criar pânico, é para haver atenção. O vírus que causa essa doença é muito frágil, muito mais frágil do que o vírus da hepatite B fora do organismo humano. Todavia, existirão certas circunstâncias em que, mesmo sendo frágil, pode ocorrer por uma via, vamos dizer, excepcional, não comum, uma via alternativa, não importante em saúde pública. Então o intuito é de chamar a atenção para a comunidade, separamos o que é essencial, quais são os fatores de risco mais importantes, que merecem todos os cuidados, e damos uma resposta para a comunidade sobre como está esta questão de saliva, leite materno e outras coisas. Em relação ao tratamento, eu acho que, também, quando nós queremos informar a comunidade, nós precisamos deixar bem claro que existem várias tentativas de terapêutica, eu não conheço nenhuma eficiente. Nenhuma! Não conheço absolutamente nenhuma terapêutica, existem tentativas de terapêutica. Por exemplo, o famoso AZT [medicamento cuja substânca ativa é a zidovidina, foi a primeira substância aprovada para tratamento da aids por inibir a ação da enzima transcriptase reversa, impedindo a multiplicação das partículas virais do HIV. Passou a ser utilizado em conjunto com outros medicamentos, no chamado "coquetel anti-aids", entre os anos de 1995 e 1996, inicialmente nos Estados Unidos e na Europa]. O famoso AZT aparece nos jornais todos os dias. O AZT se destina a uma condição muito específica dentro desse contexto. Então eu quero deixar bem claro que, em termos práticos, fora de algumas especulações científicas, com medicamentos para repor a resposta imunológica ou para matar esse vírus, coisas que nos são insinuadas por instituições científicas de fora – porque aqui nós não podemos fazer nada de original–, em sentido prático, a doença é incurável, tanto na fase final de aids como na fase de infecção, que seria um bom momento para nós evitarmos a progressão dela.

[...]: [alguém começa a fazer uma colocação e é cortado por Gamberini]

Rodolpho Gamberini: Só um segundinho, por favor, a Maria Leide fez sinal quando ele falou do fato de a aids ser incurável.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Não, eu já pedi a palavra antes. É que, em relação ao comportamento da doença, em relação à distribuição da doença entre os grupos mais suscetíveis, eu só queria lembrar aqui alguns dados que podem talvez esclarecer um pouco as pessoas que estão vendo o programa. Comparando a distribuição dos casos do ano, no final do ano de 85 e no final do ano de 86, acho que nós podemos dizer que não houve diferenças significativas na distribuição desses casos. Os grupos mais suscetíveis continuam sendo os mesmos. A maioria dos casos são homossexuais e bissexuais, só que é importante alertar um grande percentual de pacientes bissexuais, o que poderia realmente extrapolar esse grupo de risco. Os hemofílicos e os politransfundidos, houve uma ligeira diminuição de casos entre os hemofílicos pelos cuidados que os hemofílicos passaram a ter, por ser mais fácil de controlar, porque é um grupo restrito de pessoas. Em compensação começou a haver um discreto aumento de casos de transfusão sangüínea, uma vez que não temos ainda no Brasil uma política de sangue que garanta o sangue examinado e de boa qualidade. Houve um discreto aumento daqueles viciados em drogas, principalmente à custa do Rio de Janeiro e de São Paulo. O grupo heterossexual sofreu um aumento muito pequeno, ainda não é significativo e foi principalmente à custa de parceiros, de bissexuais, alguns casos ainda não explicados. Agora, em relação, então, aos meios de transmissão, acho que é importante colocar que qualquer relação sexual em potencial pode vir a a transmitir aids se houver, através de uma laceração, de um ferimento na mucosa da genitália, que possibilite o contato com a secreção sangüínea, se a secreção for contaminada...

Rodolpho Gamberini: Deixa eu colocar neste momento...

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Mas é importante ressaltar que, indiscutivelmente, o comportamento da doença deixa claro isto: que a mucosa retal oferece condições pela vascularização, pela capacidade de absorção, não é à toa que se usa a mucosa retal para aplicação de medicamentos, supositório. Por que nós usamos supositórios? Porque essa mucosa absorve mais, é uma mucosa vascularizada e que qualquer traumatismo pode aumentar ainda esse poder de absorção, é um contato direto. A mucosa retal realmente expõe mais ao contato.

Rodolpho Gamberini: Tem várias perguntas de telespectadores, que querem saber, no caso da mulher, se a relação normal – o normal, aqui, vou colocar entre aspas para não provocar reações–, se a relação sexual "padrão" de homem e mulher é tão transmissora da aids quanto a relação anal?

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Não, como eu disse, a relação anal, tanto no homem quanto na mulher, expõe mais ao contágio pelas condições da mucosa anal. A mucosa vaginal é preparada para receber o sêmen...

Rodolpho Gamberini: Ela tem maiores defesas.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Ela não tem a mesma capacidade de absorção, por isso ela é mais resistente e o contágio só é possível havendo lacerações, ferimentos em que haja contato direto com a corrente sanguínea.

Paulo Roberto Teixeira: Eu acho que tem que haver uma ressalva, desculpe. Eu acho que, nesse momento em que se conhece as experiência dos vários países do mundo, eu fico com um pouco de receio quando se insiste na questão da relação anal, porque não sei por quê... Por exemplo, na África existem alguns levantamentos, feitos por organismos internacionais, de que a transmissão ocorrida lá, 50% dos casos são entre mulheres e homens e que a maioria das relações, a maioria dos contatos se deu em relações vaginais. Então, eu acho que, para efeito de entendimento e de prevenção, você deve considerar a questão básica em qualquer relação, anal ou vaginal, você tem que usar camisinha.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Paulo, me permita complementar. Em potencial, ocorre que na África também existem hábitos culturais, dilaceração de clitóris e também uma prática de relação anal pela mulher, até pela dilaceração que ela tem no clitóris, que também pode propiciar essas condições para que essas relações lá tenham... Além do comportamento da endemia lá ter mais tempo e tudo mais, é um fator também que tem que ser considerado.

Samuel Koperstych: Nisso entra um problema imunológico muito importante, que eu gostaria só de colocar rapidamente. Quando se estuda a biologia da doença na África, não é a mesma biologia da doença em outros países. Aquela população é uma população desnutrida, carente, com perturbações imunológicas, multiplamente parasitada, predisposta a ter formas extremamente variantes do vírus da doença. Quando se estuda a biologia da doença em outros países, em países onde a nutrição é adequada, como nos Estados Unidos, não se foge muito, como foi colocado pela doutora, aos grupos de risco e quando se estuda a biologia da doença no Brasil é um outro problema. O problema da mucosa retal é que a absorção do esperma pela mucosa retal, com parceiros múltiplos, produz profundas alterações do sistema imunológico. Um dos primeiros indivíduos portadores de aids, que era um homossexual obsessivo, catalogou mais de 700 parceiros num ano de relação sexual. Isso equivale, em termos muito grosseiros, que esse indivíduo tenha sido transfundido com sangue total de 700 indivíduos [falha no DVD]. Essa multiplicidade de transfusão de esperma, em analogia com o sangue, per se, já arrasa com o sistema imunológico do indivíduo. Então a absorção do esperma pela mucosa anal, como foi colocado aqui, já é, per se, um grande indutor e um grande condutor para o aparecimento da doença. Então, é por aí que a gente pode começar uma campanha de saúde pública.

Enio Mainardi: Para o ativo também, não é isso?

Samuele Koperstych: Para o ativo também. O ativo, em algumas estatísticas americanas, se contamina mais ainda que o passivo, porque na troca de carícias entre os homossexuais, o ativo teria mais condições de contaminação do que o passivo. Mas o passivo corre teoricamente um risco maior pela absorção do esperma pela mucosa anal. Mas, veja bem, essa doença com essa biologia tão incrível em relação a sua contaminação, já tem conotações de distribuição em alguns grupos em relação à constituição tecidual do indivíduo. Por exemplo, o sarcoma de Kaposi, tumor que aparece nos indivíduos predispostos, agride mais alguns indivíduos de algum tipo de constituição tecidual. Então, isso explica por que essa doença provavelmente não se disseminou tanto quanto se poderia esperar, dado o início como ela se manifestou e pela colocação que o professor Amato, a quem nós respeitamos, nosso mestre com quem nós aprendemos na Faculdade de Medicina, de que o comportamento do vírus é quase tão agressivo quanto o vírus da hepatite. Então, existe algum selecionamento; nem todo homossexual pega aids e, pegando a aids, nem todo indivíduo que correria o risco de ter um tumor acaba tendo. Os seus próprios tecidos, a sua própria herança não-mendeliana [que não obedece as leis de segregação independente de fatores que o monge tcheco Gregor Johann Mendel (1822-1884) deduziu para a genética estudando cruzamentos entre variedades específicas de ervilha] vai condicionar se ele vai ter uma forma agressiva ou não agressiva da doença. Então, dentro desse contexto todo, terrível, de que vários indivíduos expostos podem apanhar a doença clínica, já existe algum selecionamento condicionado por herança.

Enio Mainardi: Mas a pergunta continua. A pergunta não está respondida. Está respondida, mas me coloca numa dúvida. A relação anal predispõe mais o ativo ou passivo à aids do que a relação normal ou não?

Paulo César Bonfim: Só um minutinho.

Samuel Koperstych: Eu tenho aprendido, eu não tenho a experiência de alguns colegas, aqui, de saúde pública porque a minha prática é de imunologista clínico. Mas o que eu tenho aprendido no convívio com a população de risco é que, ao contrário do que eu imaginava, na maioria dos casos, não existe ativo e passivo, existe ativo e passivo e passivo e ativo. Então, o indivíduo passa a correr um risco muito grande pela própria passividade já de início, pelo problema que eu coloquei da absorção do esperma pela mucosa anal, e o ativo, se predominantemente ativo – coisa que, no modus vivendi atual, quase nunca é, é uma troca de carícias ativas e passivas–, esse indivíduo corre o risco muito grande também se ele tiver um comportamento sexual que exponha a sua mucosa de qualquer tipo, a um grande contato com o vírus através de algum ferimento ou através de alguma laceração.

Enio Mainardi: A relação vaginal, puramente vaginal, é menos perigosa que a relação anal?

Samuel Koperstych: A gente não tem mais dúvida de que a mulher na América do Norte e América do Sul está, de alguma maneira, protegida em relação à doença. Isso, inclusive, abre um campo de pesquisa muito grande, como colocou...

Rodolpho Gamberini: Ela está ou não está?

Samuel Koperstych: Está protegida. A não ser... as mulheres que se contaminaram nesses países são quase todas toxicômanas. Então, a mulher está protegida biologicamente como foi colocado aqui, pela constituição de mecanismos espermicidas e mecanismos de defesa da mucosa vaginal.

[...]: Não é a experiência de São Paulo.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Há necessidade de lembrar a possibilidade de transmissão através das dilacerações. [vários falam ao mesmo tempo]

Rodolpho Gamberini: O senhor terminou a sua exposição?

Vicente Amato Neto: Não, eu vou terminar em um minuto.

Rodolpho Gamberini: Então, por favor.

Vicente Amato Neto: Então, o próprio desenvolvimento clínico da doença vem mostrando que a mulher está de alguma maneira protegida em relação à doença. A maioria dos casos se desenvolve em homossexuais e bissexuais do sexo masculino. A mulher passa a correr um grandes risco quando ela tem prática de toxicomania. Uma recente pesquisa feita por um imunologista muito considerado desta cidade, a quem eu respeito muitíssimo, com quem trabalhei e vou declarar o nome, professor Nelson Mendes, mostrou no estudo realizado na Escola Paulista de Medicina, em prostitutas de hábitos extremamente promíscuos que a incidência de anticorpos contra o vírus era zero por cento. Então, a mulher está de alguma maneira protegida em relação à doença. Isso, acho que a própria descrição dos grupos de risco como aqui foi colocado faz a gente acreditar que haja algum mecanismo, até de preservação da espécie, que esteja protegendo a mulher.

Rodolpho Gamberini: Eu gostaria de fazer uma pergunta ao doutor Caio Rosenthal. Pergunta de telespectador, um resumo que eu acabei fazendo aqui. Quais são os primeiros sintomas da aids?

Caio Rosenthal: Bem, eu vou tentar durante...

Paulo Roberto Teixeira: Desculpa, eu acho que, para efeito até do objetivo do programa, essa questão tem que ser esclarecida. Eu, enquanto responsável do programa daqui...

Rodolpho Gamberini: Responsável do programa de combate à aids.

Paulo Roberto Teixeira: Do programa do estado de São Paulo.

Rodolpho Gamberini: O responsável pelo Roda Viva sou eu. [risos] Então, eu vou fazer o seguinte. Eu vou passar a palavra ao doutor Caio Rosenthal, em seguida eu volto para você, o doutor Paulo Roberto Teixeira.

Caio Rosenthal: Paulo, eu acho que eu vou conseguir responder o que você está pensando, eu acho que vou conseguir responder. Em primeiro lugar, os sintomas. Atualmente existe uma classificação que coloca em quatro grandes grupos os pacientes com a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana. O primeiro grande grupo é o grupo chamado I, em algarismo romano, e esses grupos vão de um a quatro. Então, o grupo I é o grupo no qual o indivíduo tem a passagem de ser negativo para positivo; no seu sangue não existe anticorpo contra o vírus da imunodeficiência humana e ele passa a ter um quadro clínico no qual, depois de uma certa data, mais ou menos ao redor de 50 a 60 dias, ele passa a adquirir o anticorpo contra o vírus da imunodeficiência. Esse quadro clínico é bastante rico, é um quadro clínico no qual o indivíduo se expressa febril, com diarréia, com suores, com cansaço muito grande, às vezes chegando até a necessidade de internação. Depois desse quadro agudo, dessa infecção aguda como ela é chamada, ele passa a ter uma vida normal. Então ele passaria à fase dois, que seria o grupo II, em algarismo romano, chamado de grupo assintomático. Esse grupo assintomático é o grupo – acredito eu– que é a grande celeuma de toda a discussão aqui; são os indivíduos que portam o vírus no seu sangue, [sendo] que, no entanto, eles não sabem, na grande maioria das vezes, que estão infectados pelo vírus. Vai daí, então, todas as possibilidades de contágio, de transmissão etc. O terceiro grande grupo seria o grupo III, no qual o indivíduo é portador do que se chamava antigamente de síndrome linfoadenopática, isto é, ele tem várias cadeias de gânglios acometidas, aumentadas, cadeias essas que não são as cadeias de gânglios da virilha e que tem que ter, pelo menos, duas delas acometidas com um diâmetro maior do que um centímetro durante três meses, esse é grupo III. O grupo IV, finalmente, é o do indivíduo que tem o aids propriamente dita. Esse grupo IV pode se comportar em quatro sub-itens... o item A, B, C, D e E, são cinco grandes itens. O grupo A são aqueles indivíduos, então, já doentes que apresentam sintomas chamados constitucionais. São indivíduos que apresentam uma febre duradoura sem uma causa aparente, febre essa que dura pelo menos mais de um mês, um suor muito profuso, ele apresenta um emagrecimento acentuado de pelo menos mais de 10% do seu peso corporal e uma diarréia também de mais de um mês de duração. O grupo B, o sub-item B do Grupo IV, são aqueles indivíduos que apresentam doenças neurológicas, admite-se que essas doenças neurológicas sejam consequência da própria atuação direta do vírus, provocando meningite, mielites, paralisia e assim por adiante. O grupo C seriam os indivíduos que mais comumente nós vemos, em hospitais, internados, que seriam indivíduos acometidos por doenças oportunistas, isto é, meningites, pneumonias, eventualmente tuberculoses, micoses profundas etc. O grupo D são aqueles indivíduos que apresentam neoplasias, aquelas [a] que o doutor Samuel se referiu, sarcoma de Kaposi, linfomas etc. O grupo E são indivíduos que apresentam outras possibilidades. O que leva o indivíduo a apresentar do grupo I até o grupo IV não se sabe; ainda não se tem conhecimento suficiente para estabelecer o que leva o indivíduo a caminhar do grupo I ao grupo IV. Isto é, o que acontece com seu sistema imunológico que faz com que ele vá do grupo I... ou um indivíduo do Grupo II, totalmente assintomático, a adquirir a doença ou se comportar como um doente. E, nesse sentido, eu tenho a impressão que é aí que o Paulo queria chegar, aqui em São Paulo, na nossa experiência no hospital, nós vimos que as mulheres, eu tenho a impressão de que as mulheres têm o mesmo número, a mesma epidemiologia, tanto drogadas, isto é, tanto toxicômonas, como aquelas que têm contato sexual com indivíduos bissexuais acometidos da doença. Então, eu tenho a impressão [de] que, no nosso meio, mulheres são tão acometidas de aids, quer sejam toxicômanas, quer sejam aquelas que têm contato direto com indivíduos bissexuais acometidos pela infecção com o vírus da imunodeficiência humana.

Rodolpho Gamberini: Obrigado. Eu queria, em primeiro lugar, pedir desculpas ao doutor Paulo, se eu fui um pouco ríspido ao cassar sua palavra, mas é que eu já tinha passado a palavra ao doutor Rosenthal, o senhor gostaria...

Paulo Roberto Teixeira: De fato foi um pouco ríspida a sua intervenção. Eu não pretendo ser coordenador desse programa, eu sou coordenador... Eu queria somente... [alguém faz um comentário e ele responde: “Nem eu tenho estado assim, em situação confortável ultimamente”] Mas, reforçando o que ele colocou, nós temos cerca de dez mulheres acometidas aqui e todas elas... exceção: duas eram toxicômanas e as outras todas eram esposas de bissexuais. Achamos que esse número não é tão grande aqui por uma questão epidemiológica, uma característica. Têm sido acometidas da doença aquelas que são companheiras de longa data dos bissexuais, portanto, voltando ao que o professor Amato falou, que são submetidas a cargas virais, eu acho que maiores, mais repetidas. E todos os outros bissexuais tinham relações esporádicas. O que me faz pensar que o número é pequeno em função exatamente disso: ter sido contato esporádico sem uma carga suficiente. Mas uma outra coisa, rapidinho, que eu gostaria de colocar, é que a epidemiologia, como se distribuiu, como entrou, é que tem caracterizado a incidência maior neste ou naquele grupo. Então eu acho que deveria ficar como preocupação, como transmissão ao telespectador, que existem vários pontos obscuros e que, portanto, a proteção deve ser tomada acho que de uma forma genérica. Quando eu falo relação sexual, eu acho que deve haver proteção em qualquer tipo de relação: anal, ativo, passivo, relação vaginal etc. Era isso que eu queria colocar, que o detalhamento pode trazer a confusão. Então eu acho que, diante da epidemia, a proteção deve ser para todo tipo de relação enquanto a gente não saiba exatamente como ela se dá no Brasil.

Celso Carmo Mazza: Só queria colocar o que o Enio Mainardi perguntou se o indivíduo se infecta em todos os contatos. Hoje em dia, existe um conceito chamado de inóculo, que é o número de partículas virais dentro um determinado veículo. Então, por exemplo, se você tem uma gota de sangue muito pequena dentro de um alicate e se você tem uma relação sexual onde existe um ferimento, uma solução de continuidade na pele, obviamente essa relação sexual permite uma veiculação muito maior de número de partículas virais. Então, aí sim, o indivíduo está...

Enio Mainardi:Uma pergunta, a relação anal é mais propiciatória a lacerações do que a vaginal ou não?

Caio Rosenthal: Veja bem, uma relação anal onde o indivíduo se comporta como passivo, isto é, como receptor, obviamente ele tem muito mais traumatismo na sua mucosa e na pele e numa relação vaginal não. Na relação vaginal... supõe-se que seja fisiológica. Agora, é bom lembrar que existem mulheres que estão contaminadas pelo vírus onde já foram isoladas, dentro da secreção cervical e no sangue menstrual da mulher, partículas virais. Então, numa relação sexual entre um homem e uma mulher, a mulher estando contaminada, potencialmente ela pode transmitir para o homem, que é o que ocorre normalmente.

Celso Carmo Mazza: Nós estamos criando uma confusão e não estamos clareando muito. Voltando ao começo, qualquer relação vaginal ou anal pode transmitir. Na verdade, o que nós não sabemos é a proporção de que isto seja diferente. Nós temos, assim, por experiência de catalogação de dados epidemiológicos, que eventualmente a prática receptiva anal seja o principal modo de se pegar a doença. Mas a prática, mesmo do coito vaginal, "natural", tem potencialidade comprovada, principalmente no Haiti e na África, de transmissão. Transmissão homem-mulher-homem. Não é teoria.

Caio Rosenthal: Mas existem teorias.

Celso Carmo Mazza: Não é teoria, é prática.

Caio Rosenthal: Mas existem teorias para explicar isso.

Celso Carmo Mazza: Sim, não importa, o que importa é que todo mundo tem que saber que o relacionamento sexual em que um dos parceiros é contaminado e o outro não é como uma roleta-russa. Eventualmente você pode dar 40 tiros e não receber nenhum, como eventualmente no primeiro, no fortuito primeiro – já tem casos descritos de uma relação só e ter pego– pode se contaminar. Então, na verdade, nós não podemos passar para o público um conceito de que é melhor ou o que é pior, e sim [de] que é uma roleta-russa.

Rodolpho Gamberini:Os dois têm riscos.

Celso Carmo Mazza: Para efeitos de como se comportar, tem que se preservar; se quiser ganhar na loteria, com certeza, tem que se comprar todos os bilhetes.

Rodolpho Gamberini: Doutor Vicente Amato, uma pergunta do telespectador Roberto Soares, de Higienópolis: “Qual é o tempo de incubação do vírus da aids?” Ele quer saber o seguinte: “depois de uma relação sexual em que eventualmente há a contaminação de um dos parceiros, depois de quanto tempo se constata a infecção?”

Vicente Amato Neto: Na imensa maioria das vezes é difícil de determinar, porque como há promiscuidade e como o acidente contaminante não foi único...

Rodolpho Gamberini: Não é possível localizar, né?

Vicente Amato Neto: É difícil determinar. A informação que eu tenho, nesses casos que foram descritos pelo doutor Caio Rosenthal quando relatou os dados clínicos, em que algumas pessoas tiveram quadro parecido com o da mononucleose, que é o quadro da infecção aguda, isso sucedeu... o início dessas manifestações sucedeu cerca de 20 dias depois de uma contaminação que foi bem demarcada. Houve uma contaminação possível, suspeita, demarcada e as manifestações clínicas apareceram [em] cerca de vinte dias. Traduzidas por um quadro clínico nessa situação parecido com o da mononucleose infecciosa, que foi autolimitado e que se esmaeceu espontaneamente.

Enio Mainardi: O exame de sangue será suficiente, depois de vinte dias, para limpar o cadastro?

Vicente Amato Neto: A convicção que nós temos, quem trabalha com isso, é que sempre é bom esperar um pouquinho mais, um período bom, cerca de uns dois meses, para que tenhamos certeza de que houve essa conversão sorológica.

Rodolpho Gamberini:Doutor Amato, agora uma pergunta minha aqui. Eu já ouvi falar que a pessoa pode ser portadora da doença, do vírus, ter a doença de fato e não perceber durante um período enorme de tempo? Qual é o tempo?

Vicente Amato Neto: A doença, não, foi o tipo dois descrito pelo...

Rodolpho Gamberini: Pelo doutor Rosenthal.

Vicente Amato:Pelo Caio, tipo dois.

Caio Rosenthal: Existe um trabalho – acredito que seja o trabalho em que existe maior estatística– feito em São Francisco [Estados Unidos], cujo segmento foi [feito] durante cinco anos em milhares de pessoas que pertenciam a esse grupo II, isto é, que portavam o vírus no seu sangue, mas não tinham clínica. Alguns deles, acredito que a grande maioria deles, não sabiam que eles eram portadores do vírus. Nesse estudo de cinco anos, apenas 35% deles adoeceram. Adoeceram da seguinte maneira: 25% adoeceram daquela forma de apenas sintomas constitucionais, isto é, diarréia, febre, emagrecimento e 10% adoeceram com doenças oportunistas, que são aquelas que realmente são fatais. Então, num estudo de cinco anos, a gente pode dizer que... pelo menos, que é o tempo que se conhece a doença... em cinco anos, acredita-se que um terço dos pacientes vão adoecer de alguma forma.

Rodolpho Gamberini: Doutora Maria Leide, a senhora disse que a comparação de números de anos passados com anos mais recentes mostra que houve um ligeiro aumento do caso de infecções de pessoas que sofreram transfusão de sangue. É possível, por exemplo, um exame de sangue, hoje, aplicado aos bancos de sangue, em que se detecte qual é a porção do sangue que está contaminada?

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Hoje, nós temos alguns trabalhos isolados em alguns bancos de sangue, mas, na verdade, nós não temos ainda nenhum trabalho amostral que realmente nos dê um dado confiável de qual população está hoje infectada no país. Inclusive, é uma proposta nossa de trabalho em 87, a partir de exames, dois tipos de exames, exame em pool, através de pool, usando cinco amostras de cinco indivíduos diferentes, e também usando amostras individuais, de tentar ver, a nível de macro-região, de várias regiões do país, de forma amostral, qual a população infectada. Hoje, os trabalhos que nós temos são isolados, muitas vezes não obedecendo a normas estatísticas [para] que realmente a gente possa dizer para a população... Temos alguns trabalhos...

[vários falam ao mesmo tempo]

[...]: Você quer alguns números?

Rodolpho Gamberini: Não, minha pergunta é a seguinte.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Você está perguntando no Brasil?

Rodolpho Gamberini: Não, a minha pergunta é a seguinte. Se eu vou comprar um carro, eu consigo olhar para o carro e ver que aquele carro já bateu o pára-lama esquerdo, certo? Agora, se eu vou comprar sangue no banco de sangue, não existe nenhum teste que me diga se eu estou comprando um sangue contaminado ou um sangue bom?

Paulo César Bonfim: Claro que existe.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Claro que existe. Eu não sei hoje, nós não podemos dizer, qual a população infectada através desses trabalhos feitos em sangue, examinados em vários bancos de sangue.

Rodolpho Gamberini: Mas dentro do banco de sangue é possível fazer?

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Hoje, os dados... os dados que nós temos, mesmo isolados, ou os dados de outros países, considerando o número de casos que nós temos, em pacientes, e considerando o número de casos que nós temos de politransfundidos e hemofílicos, esses dados já são suficientes para fazer com que haja uma recomendação oficial do uso do teste em todo o sangue doado neste país. E hoje é uma medida que está sendo estudada para ser tomada a partir de uma nova portaria ministerial.

Enio Mainardi: Mas os bancos de sangue aplicam esse teste a todos os doadores ou não?

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Não aplicam. Não aplicam hoje.

Celso Carmo Mazza: No estado de São Paulo existe uma lei específica, obrigando, no estado de São Paulo, a se fazer esse teste. Se não foi feito esse teste, eventualmente, esse banco de sangue não está trabalhando de acordo com as normas, com as regras. Na verdade, com a facilidade dos meios de transportes modernos é que não entendem porque a epidemia de doença meningocócica se espalhou para quase todo esse país e a aids, eventualmente, não esteja se espalhando. Eventualmente nós vamos ter muito menos problemas se gastarmos algum dinheiro preventivamente, fazendo com que os bancos de sangue do país adotem a obrigatoriedade desse teste, em qualquer local do país, evitando-se que... porque na verdade, o politransfundido é um heterossexual, então, é uma veia, é uma saída para contaminar a grande população heterossexual. Uma pessoa que sofre um acidente automobilístico em Belém do Pará, se contamina, ele vem para cá, é um rapaz com vários parceiros, ele está contaminando heterossexuais. Então, na verdade, o fato de não estarem aparecendo hoje, nas nossas estatísticas, pessoas heterossexuais, isso não quer dizer que nesse momento...

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Só queria corrigir: primeiro, eu não disse que não estão aparecendo nas estatísticas, eu disse que não existem trabalhos brasileiros abrangendo todo o país, que possam nos dizer hoje qual o grau de infectividade, qual o número de pessoas infectadas.

Celso Carmo Mazza: Em São Paulo existe... 0,35%, variando.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Mas os dados, mesmo isolados, de São Paulo ou de um banco de sangue do Rio de Janeiro ou de um banco de sangue de Pernambuco e do estrangeiro, já permitem que haja uma recomendação, que haja todo um trabalho hoje sendo feito no sentido de que o governo possa oficializar e tornar obrigatório o exame de sangue. Agora, o que existe de fato é que há um problema em relação a custos, porque nos estados, hoje, quem vai pagar esse exame, uma vez que o Ministério da Saúde, efetivamente, não tem os recursos para isso e há necessidade de uma articulação maior com quem tem os recursos, ou seja, com a Previdência Social? Não foi por falta de empenho do Ministério da Saúde, que desde 1985 tem procurado trabalhar articuladamente, que só agora o Ministério da Previdência Social prioriza o controle da aids e propõe um trabalho junto com o Ministério da Saúde e outras instituições. Quer dizer, nós achamos que, a partir da reunião conjunta que o Inamps fez no dia nove passado e a partir de uma tomada de posição do Ministério da Saúde, que hoje, inclusive, fez uma reunião conjunta – o Ministério da Saúde e o Inamps– visando [a] uma política de controle de sangue... nós possamos achar solução. Porque de nada adianta hoje colocar obrigatoriedade se o governo não dá as condições para isso. Então o que nós estamos procurando são as condições para baixar uma lei, baixar uma portaria, mas também dar as condições para que os bancos de sangue possam fazer isso. Enquanto isso, até então – e não foi uma decisão que o governo tomou isolada– em 1985, quando o governo optou pelo trabalho de educação, de formação e que pudesse, nas salas de banco de sangue, levar à auto-exclusão, ou seja, o doador de sangue informado das restrições que existem para que seja feita uma adoção de sangue, ele próprio se excluísse, ou por... Isso foi uma posição tomada pelo governo e que teve o respaldo da comunidade científica na época. Mas hoje os trabalhos, mesmo isolados, de alguns estados, de alguns bancos de sangue já permitem e já orientam para a obrigatoriedade do teste. E hoje nós, técnicos, somos os primeiros a atuar junto às esferas mais altas dos ministérios no sentido de prover os meios para que isso seja feito.

Rodolpho Gamberini: Eu tenho uma pergunta de telespectador, o senhor Luís Carlos Barbosa, para a doutora Valéria Petri, dermatologista da Escola Paulista de Medicina. Ele fez duas perguntas, eu vou fazer a segunda pergunta dele, ele diz o seguinte: “Dizem que a primeira manifestação da aids se dá através de um edema na boca”, se isso é verdade.

Valéria Petri: Eu nunca ouvi ninguém dizer isso.

Rodolpho Gamberini: A senhora, que trabalha como dermatologista, existe um meio de detectar a doença através de um exame de pele, não existe?

Valéria Petri: A pele é o maior órgão do corpo, então temos aí um enorme arsenal para identificar a perda da capacidade imunológica. Então, de fato, quando as pessoas têm dúvidas sobre por que o dermatologista está envolvido – e tão profundamente– nessa questão, basicamente a resposta é esta. Nós temos aí um órgão de observação tão grande e aparecem tantas manifestações de pele que também podem ser comuns a outras doenças, mas que muitas vezes dão uma boa idéia, no conjunto, de se esse indivíduo está com perda de defesa ou não, que eu considero, como dermatologista, que nós temos uma grande arma na mão. E o dentista tem uma arma importantíssima, ele pode ver na mucosa algumas lesões que nem mesmo o clínico pode perceber, porque ele tem um treino mais apurado para verificar. Então, eu aconselharia às pessoas que não fugissem do dentista; o dentista tem um treino que os outros não têm, para prestigiar. Não só a participação do dermatologista é importante, como nós estamos deixando de lado o fato de que o dentista não é um indivíduo que pode representar um risco, mas ele pode representar um auxílio enorme.

Rodolpho Gamberini:Uma pergunta para o imunologista do Hospital Sírio-Libanês, Samuel Koperstych: “Por que algumas pessoas têm o vírus e não têm a doença e outras têm o vírus e a doença?”

Samuel Koperstych: Essa pergunta realmente é muito importante.

Rodolpho Gamberini: Quer dizer, uma pessoa pode ser absolutamente sã, morrer com cem anos de idade, tendo por 70 anos o vírus da aids?

Samuel Koperstych: Isso reforça a perspectiva de que a integridade do sistema imunológico seja muito importante no condicionamento e no aparecimento da doença. E nós estamos começando tanto nesta doença, que hoje já se questiona sobre a participação isolada do HTLV3 ou se outros vírus seriam importantes ou se alguns indivíduos que tenham a doença e são soronegativos e não têm anticorpo contra o vírus, que constituiem uma pequena minoria, poderiam tê-la pela participação de outros vírus. No caso, o próprio vírus da hepatite, o citomegalovírus, o vírus EB [Epstein-Barr], como foi mencionado pelo professor Amato Neto, em relação a quadros tipo mononucleoses infecciosas, o vírus tipo herpes. E o fato é que pacientes com sarcoma de Kaposi, participantes do grupo de risco da doença e portadores de aids, têm anticorpos contra uma multiplicidade de vírus. Então, tudo leva a crer que o modus vivendi do indivíduo facilite a disseminação da doença em contato com o vírus. Se esse indivíduo é hígido, se ele é bem nutrido, se ele não fuma, não bebe, não é toxicômano, não freqüenta saunas, onde os próprios donos da sauna instilam substâncias voláteis nesses locais, que são sabidamente depressoras do sistema imune, se ele tem...

Rodolpho Gamberini: Que tipo de substância?

Samuel Koperstych: Essas substâncias são principalmente substâncias derivadas do nitrito de amilo que é uma substância que perturba as defesas e que supostamente seriam ativadoras sexuais. Então, isso foi muito bem...

Rodolpho Gamberini: Seriam afrodisíacos?

Samuel Koperstych: Afrodisíacos.

[...]: Colocam isso em saunas americanas.

Samuel Koperstych: Colocam isso em saunas americanas.

Rodolpho Gamberini: No Brasil já foi constatado alguma vez isso?

Samuel Koperstych: Já foi constatado. Eu concordo em parte quando o Israel coloca que, se a gente fechar a sauna, o indivíduo vai fazer em outro lugar. Mas a sauna, como foi colocado aqui, constitui um ambiente tão promíscuo, de tantos interesses comerciais de quem é proprietário da sauna para que algumas pessoas sempre a freqüentem, que essas substância voláteis são disseminados na sauna, bem como são colocadas substâncias na própria bebida que é consumida pelo indivíduo e que perturbam a integridade do sistema...

Rodolpho Gamberini: E que são imunodepressoras.

Samuel Koperstych: São imunodepressoras.

[...]: E que são “pseudamente” [supostamente]...

Samuel Koperstych: Afrodisíacas. De modo que o indivíduo que se contamina com o vírus é um indivíduo hígido em relação ao seu sistema imunológico, é um indivíduo que tem um comportamento sexual não promíscuo, bem nutrido e que não tem vícios tóxicos, que não freqüenta sauna... e que é um indivíduo perfeitamente normal na sua constituição imune, que não tem antecedentes de outras doenças infecciosas de repetição, especialmente a sífilis, que a gente vem constatando em grande porcentagem dos pacientes, a  gonococcia, a gonococcia retal, amebíase, enfim, as várias infecções de repetição do indivíduo promíscuo como o hetero ou o bissexual possa ter, esse indivíduo teoricamente corre um risco menor de disseminar a doença em contato com o vírus. De maneira que...

[...]: Corre maior.

Samuel Koperstych: Um risco menor.

[...]: Como assim?

Samuel Koperstych: O indivíduo hígido [sadio, que respeita a saúde] corre um risco menor. De maneira que as campanhas de saúde pública podem começar por aí. Aí vem o problema da educação. Educar não é cercear a liberdade de ninguém; informar não é condicionar o indivíduo nem fazer lavagem cerebral em ninguém. Educar, o governo tem obrigação de educar o povo. Essa educação começa no banco escolar e eu reforço: a campanha deve começar pelos nossos filhos, que não têm nada a ver com o problema da aids e poderão se contaminar, que devem ser informados com a maior seriedade, com a maior participação científica pelas escolas. E, talvez, aí tenha nascido o único mérito de uma doença tão terrível: é que se possa, finalmente, nas nossas escolas, quebrar um tabu, discutir problemas sexuais em função da aids, discutir problemas de tóxicos com relação à aids e orientar nossa juventude [sobre] que caminho é melhor para ela seguir e quais os riscos que ela corre tomando atitudes que contrariam as normas pré-estabelecidas pela sociedade.

Rodolpho Gamberini: Doutor Vicente Amato Neto, pergunta do senhor Alberto Rossi de Santa Cecília. Ele quer saber quanto tempo o vírus vive fora do corpo.

Vicente Amato Neto: Felizmente essa é uma das chances que o vírus dá para seu combate. O vírus é muito sensível a desinfetantes comuns e baratíssimos e, fora do organismo, a sobrevida dele é questão de segundos. Felizmente ele é muito vulnerável às adversidades fora do organismo. Isso, de tudo que nós dissemos aqui, tudo muito negro....

Rodolpho Gamberini: Esse seria o menos negro.

Vicente Amato Neto: Ele tem o seu flanco também, que é este: fora do organismo, ele tem uma sobrevida muito pequena de segundos.

Rodolpho Gamberini: De segundos?

Vicente Amato Neto: De segundos.

Celso Carmo Mazza: Quer dizer que a privada deixa de ser um lugar onde se pode pegar aids?

Vicente Amato Neto: O contágio indireto, através de objetos e tudo isso, é muito pouco provável porque ele nos dá pelo menos essa oportunidade.

Samuel Koperstych:Professor, não seria essa uma das maneiras que diferenciam, então, esse vírus do vírus da hepatite?

Vicente Amato Neto:Ah, sim, em relação ao vírus B, eu não tive oportunidade de completar, a transmissão é semelhante à do vírus B. Dizem que, [no caso d]o vírus B da hepatite, o inóculo pode ser menor, mas aí reside uma grande diferença: ele é muito mais sensível às adversidades do que o vírus B da hepatite.

Samuel Koperstych: O professor não acha que é mais fácil apanhar o vírus B do que o vírus da aids?

Vicente Amato Neto: Muito mais fácil. Cem vezes mais fácil.

Samuel Koperstych: Era isso que eu não fiquei com a idéia fixa.

Rodolpho Gamberini: O Bonfim tem uma pergunta. Seja breve, por favor.

Paulo César Bonfim: Eu vou ser bem breve. O Gapa tem se preocupado com todas as formas de prevenção. Eu acho que é bom salientar à população que existe uma bateria de teste, que foi a sua pergunta, e Maria Leide levou, fazendo um quadro epidemiológico, e não ficou bem respondido. Existe um teste que vai identificar se a pessoa teve contato com o vírus; existe o teste para doença de Chagas, como existe o teste para hepatite; a população tem que saber disso e cobrar. Agora, não dá para o governo federal...

Rodolpho Gamberini: Tem um nome esse teste? Você sabe?

Paulo César Bonfim: HTLV3 ou VIH, como se fala hoje.

Rodolpho Gamberini: HTLV3 ou HIV. Este é o nome do vírus.

[...]: Anticorpo contra.

Samuel Koperstych: Não está se detectando o vírus, está se detectando o anticorpo contra o vírus.

Paulo César Bonfim: Que o indivíduo teve contato com o vírus.

Rodolpho Gamberini: Está se detectando se o sujeito tem resistência...

Caio Rosenthal: Se o sujeito está contaminado, infectado pelo vírus.

Samuel Koperstych: Se ele desenvolveu anticorpos porque foi infectado pelo vírus.

Paulo César Bonfim: Concluindo. De repente a gente fez aqui um tratado de aids e para a população que não tem as informações primárias, ela deve estar hoje bastante em pânico. O que deveria ser colocado, basicamente, são as formas de prevenção e as formas de contágio, sem entrar muito nas questões que são muito mais clínicas, estão muito mais dirigidas ao professor, ao pessoal que está ligado à saúde. Com relação à questão dos bancos de sangue, eu acho que não dá mais para esperar o governo ficar achando quem vai pagar isso. A saúde do povo deveria ser tratada como uma questão de segurança nacional. E a gente não tem nenhum medo de ser chamado de consumista, mas acho que, hoje, tem que se fazer uma revolução sanitária. A saúde no Brasil está um caos e isso é para todas as doenças. Se o governo não tiver seriedade, austeridade e não entender que a aids é uma questão de saúde pública e não uma questão de relações pessoais, vamos nos perder no discurso e a população não vai ter as informações. Com relação à sauna, eu quero dizer o seguinte: no momento em que a aids foi pânico, em 1985... porque a aids já teve três ondas. Teve a primeira onda em 82, quando Valéria descobriu os primeiros casos e o instituto criou o programa; teve a segunda onda em 1985 e, hoje, nós estamos na terceira onda da aids e vamos ter a quarta, quinta e sexta. As pessoas envolvidas, os homossexuais, os bissexuais deixaram de ir em saunas porque eles estavam tendo uma informação constante. De repente essa informação saiu dos meios de comunicação e, na cabeça dos homossexuais, a aids tinha acabado. Então a informação é muito mais positiva do que você cercear a ida do cara, porque o cara vai no Ibirapuera, ele vai em vários lugares e mantém o mesmo estado de promiscuidade. Então, eu acho que a melhor forma de se prevenir é estar bem informado dentro da nossa proposta de trabalho.

Vicente Amato Neto: Deixa só eu dizer uma coisa.

Rodolpho Gamberini: O doutor Amato já está há algum tempo querendo falar.

Vicente Amato Neto: Aqui, em algumas estatísticas no Rio de Janeiro, 0,12% dos doadores eram [soro]positivos. Só para citar uns exemplos.

Rodolpho Gamberini: Positivos significam que eles tinham o vírus.

Vicente Amato Neto:Estavam infectados através dessa prova sorológica.

Enio Mainardi: 0,12 é menos que um por cento.

Vicente Amato Neto: É, 0,12%. No Recife, 0,0 6%. Outra coisa...

Rodolpho Gamberini: Metade.

Vicente Amato Neto: Calcula-se que o risco é de uma aquisição da infecção para cem mil transfusões de sangue. No Hospital das Clínicas, em São Paulo, existem quatro mil doadores por mês no Hospital das Clínicas. O teste custa 80 cruzados, mas o custo do teste e não o custo operacional, porque não está se pagando funcionário, instalações, custo operacional... Eu quero aí destacar um aspecto: não vamos desprezar a prevenção em bancos de sangue, mas o risco é incomensuravelmente menor que a transmissão de homossexuais e por bissexuais. Não adianta nós querermos fugir dessa realidade, não vamos ser discriminatórios...

Enio Mainardi: Eu quero fazer uma pergunta. Eu tenho um camarada, um rapaz que eu conheço, que é homossexual. Ele me disse o seguinte: “Olha, eu conversei com meu médico. Eu estava apavorado, com medo da aids, e fui conversar com meu médico e ele me disse: ‘Não tem solução mesmo e, como não tem solução, é preferível você nem fazer o teste porque você pode ter aids e você não ser transmissor ou você sequer vir a contrair a doença alguma vez, então eu não vou encanar essa neurose’.” Como é que a medicina pode lidar com os homossexuais no sentido de lhes dar a informação correta? E qual a informação correta nesse caso? Ele deveria, então, ir a um médico e fazer um exame de sangue e a partir daí saber da sua situação e balizar a sua vida sexual, seu comportamento a partir disso? Ou faria sentido o conselho desse médico em dizer assim: “Tanto faz mesmo, você pode estar infectado ou não, este teste não é um teste definitivo, então não convém você encarar a neurose”. O que o homossexual tem a fazer? O que é sensato para ele e o que a sociedade esperaria dele?

Samuel Koperstych: Qualquer indivíduo tem que fazer. [vários dão essa mesma resposta]

Enio Mainardi: Como estou colocando grupo de risco, fica parecendo aqui que nós somos discriminatórios. Devemos nos expressar sem esse medo porque senão vamos começar a nos fascistar entre nós próprios. Todo mundo aqui quer tomar uma atitude liberal, mas esse liberalismo acaba prejudicando o entendimento próprio das coisas, por isso eu estou sendo tão específico.

Vicente Amato Neto: Na minha opinião, é conveniente saber se ele está infectado. Se ele estiver infectado, perante a comunidade e no campo da saúde pública, ele tem obrigação de não ser um disseminador da doença, isto eu exijo: ele tem obrigação de não ser o disseminador da doença. Se ele for negativo, ele deve ser instruído no sentido de não se infectar; ele não vai ser discriminado, ele assuma o que quiser, mas ele assuma com respeito às normas que nós vamos dar a ele para que ele não seja uma vítima ou um disseminador da doença.

Enio Mainardi: Então, a maneira de desencanar é fazer o teste.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Está colocando que todo homossexual deve fazer o teste?

Paulo Roberto Teixeira: Eu acho o contrário.

Vicente Amato Neto: Por que não?

Paulo Roberto Teixeira: Na minha opinião, para fazer o teste, tem que levar em consideração uma série de coisas. Primeiro, a própria condição que esse paciente vai ter, do ponto de vista emocional, de conviver com o resultado positivo.

Vicente Amato Neto: A sua emoção não tem nada a ver com doente que eu vou ter que assistir no fim da linha e que sou eu que vou assistir, não é você, não é ele, sou eu, o Mazza, o Caio e a comunidade é que vai pagar isso.

Paulo Roberto Teixeira: Eu assisto esse paciente sim, senhor, principalmente os assintomáticos com sorologia positiva e, do ponto de vista emocional, é muito mais... e termina até custando muito mais para o Estado, freqüentemente, do que o doente de aids, porque ele necessita de um apoio terapêutico, consultas freqüentes etc., por causa da questão emocional. Primeiro, eu acho que deve se considerar o grupo de risco, os pertencentes ao grupo de risco como potencialmente infectados ou uma grande faixa de infectados. E ele tem obrigatoriamente que tomar determinados cuidados. Eu acho que é muito mais barato. [Celso Carmo Mazza começa a falar ao mesmo tempo] Agora, eu acho que não se deve negar o direito se esse indivíduo quiser fazer.

Celso Carmo Mazza: Olha, eu acho que está tendo uma confusão entre os conceitos de  sexualidade e homossexualidade. A aids é uma doença de sexualidade promíscua, não de homo ou heterossexual. [vários falam ao mesmo tempo, tentando interrompê-lo] Espera, deixa eu falar. Eu acho que, na medida em que você não franqueia o teste a todo mundo, você está impedindo que pessoas, homo ou heterossexuais, tenham o sexo livre desse problema. Espera uma coisa, você está preocupado com a pessoa, o quê? Nos Estados Unidos a vigência entre o grupo homossexual é o seguinte: “Como é que está o resultado de seu teste? Ne mostra porque eu sou negativo e não vou querer ter sexo com você correndo o risco de ser positivo”. Você está querendo colocar assim: “Todo mundo é potencialmente contaminado e com isso não se discrimina”... [vários falam ao mesmo tempo] Os problemas de suicídio que eventualmente ocorrem, eu tenho impressão que aqui todo mundo é maduro, a vida nos reserva adversidades. A pessoa, porque recebeu um teste da mão de um médico, de um facultativo, que explicou a ele muito claramente as implicações dessa positividade – não é teste feito na padaria da esquina– e explicado a ele os problemas, se ele eventualmente tiver problemas psíquicos ou eventualmente vier até a suicidar-se, como muitas vezes foi tomado isso como exemplo, eu tenho a impressão de que essa pessoa iria apresentar a mesma atitude porque é uma pessoa que emocionalmente não é estável, por uma série de outras situações da vida, desde o falecimento de um parente muito querido até um acidente ou pegar fogo na casa.

Paulo Roberto Teixeira: De forma bem resumida eu acho o seguinte. O Caio Rosenthal que resumiu: eu acho que você não pode impedir que o indivíduo faça o teste e você deve criar condições para que ele faça.

Celso Carmo Mazza: Mas isso nós dissemos aqui, é o que nós pedimos.

Paulo Roberto Teixeira: Por outro lado, você não pode obrigá-lo a fazer o teste.

Celso Carmo Mazza: Ninguém está querendo obrigar.

Paulo Roberto Teixeira: Acho que você deve franquear o teste, garantindo, enfim, ou que seja barato ou que seja gratuito.

Celso Carmo Mazza: O custo e a honestidade do teste, só o governo pode fazer isso.

Paulo Roberto Teixeira: E, principalmente, a assistência posterior a ele.

Vicente Amato Neto: E se ele for um disseminador, se ele for um disseminador a mais? Ele é um disseminador a mais?

Caio Rosenthal: Se ele for um indivíduo que está contaminado pelo vírus, ele sabe que está contaminado pelo vírus.

Vicente Amato Neto: Como ele sabe?

Caio Rosenthal: Se ele fizer o teste...

Vicente Amato Neto: Ah, bom.

Caio Rosenthal: E [se] for positivo e sair por aí fazendo o que não deve e estiver transmitindo para a população, o médico não tem direito de ir lá e cercear esse indivíduo.

[...]: Espera uma coisa, não é este o ponto. [os participantes se exaltam e vários falam ao mesmo tempo]

Rodolpho Gamberini: Aí nós voltamos à discussão da primeira parte.

[vários falam ao mesmo tempo]

[...]: Eu quero falar do teste.

Celso Carmo Mazza: Só uma coisinha.

Rodolpho Gamberini: Deixa o Mazza terminar.

Celso Carmo Mazza: Eu acho que é muito importante isso. É justamente o que está impedindo isso de ser feito naturalmente: é o fato de estarem obstruindo o franquear do teste. Como o teste ou é muito caro, que todo mundo tem como desculpa “eu não fiz porque é caro”... Então a pessoa que sair disseminando, outra pessoa pergunta para ele: “Onde está o resultado do seu teste? Eu não vou sair com você porque todos nós aqui sabemos que somos de grupo de risco, corremos o risco e eu sou negativo”. Então, para eu freqüentar sexualmente o meu grupo, eu tenho que me prevenir. Então, o que nós estamos fazendo, fazendo com que esse teste seja caro ou seja exclusivo de doente e não de quem é contaminado? Nós estamos é facilitando a disseminação.

Rodolpho Gamberini: Tem uma questão bastante objetiva aqui, nós estamos falando do teste, do teste, do teste, tem uma pergunta de uma senhora chamada Rosa, ela não deu o sobrenome dela, é moradora da Penha, se diz mulher, esposa de um homem bissexual e ela é diabética. Ela quer saber qual o nome do teste que ela tem que fazer e onde ela tem que fazer o teste.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Deve procurar o serviço...

Rodolpho Gamberini: Por favor, Paulo. Qual o nome do teste e [a]onde ela deve ir amanhã se for o caso.

Paulo Roberto Teixeira: É o teste para a detecção de anticorpos anti-HIV e ela pode fazer esse teste no próprio serviço da Secretaria, se for o caso...

Rodolpho Gamberini: Nos postos de saúde?

Paulo Roberto Teixeira: Não.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: É importante colocar que deve ter indicação médica, né, Paulo?

Paulo Roberto Teixeira: Exatamente. Primeiramente ela deveria fazer uma consulta e ela pode marcar, se for o caso, em vários serviços como o Hospital das Clínicas, [Hospital dos] Servidores, se ela tiver algum vínculo, e ela pode fazer isso através de um telefone: 280 0770.

Rodolpho Gamberini: Repita, por favor, o telefone.

Paulo Roberto Teixeira: Ela vai ser orientada e, eventualmente, se necessário, vai fazer o teste.

Rodolpho Gamberini: O telefone qual é?

Paulo Roberto Teixeira: 280 0770.

Rodolpho Gamberini: Agora, isso deve valer para qualquer pessoa que queira fazer o exame. Ela não deve procurar um laboratório de análises clínicas, ela deve procurar um médico.

Paulo Roberto Teixeira: Exatamente.

Rodolpho Gamberini: Isso tem que estar claro para a população.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: É procurar um serviço de saúde.

[...]: É governamental a relação aí.

Rodolpho Gamberini: As pessoas não devem entrar em pânico e procurar um laboratório de análises clínicas, devem procurar um médico.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: É importante colocar que esse teste também pode dar resultados falsos positivos ou falsos negativos. Então, a interpretação desse teste não pode caber ao doente sozinho. Ele tem que ter uma indicação do médico, interpretação do médico, junto com o paciente, para orientá-lo.

Samuel Koperstych: A bem da verdade tem que se dizer que o governo está imensamente preocupado com isso e o professor Bernardo Galvão, que é imunologista do Rio de Janeiro, extremamente gabaritado, está preocupado em desenvolver o teste em grande escala no Brasil, de introduzi-lo em acesso aos grupos de risco e fazer com que o indivíduo, como o Mazza propôs, possa saber se ele é  positivo ou se ele é negativo. Agora, é preciso que se diga que o indivíduo que tem um anticorpo contra o vírus não necessariamente está doente. Evidentemente, esse teste tem uma grande vantagem nos bancos de sangue, porque esse indivíduo vai ser automaticamente excluído da doação sangüínea. E que o indivíduo, como foi colocado pela doutora, negativo, pode ter a doença. Em alguns países, onde a doença vem sendo estudada cientificamente, com perspectivas em relação à sua etiologia e ao tratamento, já se sabe que provavelmente outros vírus colaboram também no desencadeamento desse processo. Então, o teste não é tão infalível quanto se possa...

Rodolpho Gamberini: Não é palavra final.

Samuel Koperstych: Não é palavra final, mas esse teste deverá ser colocado em grande escala através dos estudos que vêm se desenvolvendo na Fundação Oswaldo Cruz e que são desenvolvidos por pessoas extremamente gabaritadas.

[vários falam ao mesmo tempo]

Theodoro Israel Pluciennik: Só uma coisa a respeito do teste, que faz tempo que eu estou tentando.

Rodolpho Gamberini: Doutor Mazza, ele está esperando há algum tempo, por favor.

Theodoro Israel Pluciennik: Eu concordo com o que o Paulo está falando também, eu acho que o teste não deve ser feito indiscriminadamente. Para começar, um teste positivo não dá nenhuma esperança a ninguém de alguma medida preventiva a mais a ser tomada. E, por tudo que já foi discutido aqui até agora, deu para chegar à conclusão de que as medidas preventivas devem ser tomadas, da maneira como foi colocada aqui, quer a pessoa tenha exame positivo, quer tenha exame negativo, quer não tenha feito exame. Então, o exame não vem a acrescentar nada se a pessoa é assintomática. Nesse sentido, acho que não vale a pena estimular a população a procurar fazer o teste e, principalmente, esse teste deve ser sempre feito com acompanhamento médico. O que se falou aqui a respeito de suicídio é verdade, acontece em muitos casos. E eu insisto, ainda, na questão da educação, que deve abranger não só grupos de risco, mas inclusive a classe médica, porque eu cheguei a atender pacientes, lá no Instituto de Saúde, que receberam o resultado do exame através de médicos particulares – que é o que se recomenda, que seja feito através de médico–, mas [a] que o médico deu a seguinte resposta: “É, meu amigo, o seu teste está positivo. Também, quem manda você ser bicha?!” Então, a campanha educativa deve abranger muito mais do que simplesmente a população de risco.

Vicente Amato Neto: Agora, um homossexual positivo é um transmissor concreto; um homossexual que não se sabe ou não quer ser desvendado no campo da saúde pública, para mim não interessa. Eu prefiro saber se o homossexual já está positivo e ser enfaticamente orientado do que nós continuarmos nesse vôo cego. Não tenho a menor dúvida.

Rodolpho Gamberini: Doutor Mazza, por favor.

Celso Carmo Mazza: O que me preocupa bastante é o fato de que certas coisas pequenas se tornam grandes e a coisa é importante. Alguns grupos de homossexuais são muitos promíscuos. Nós temos que ter em mente. Eu fiz um estudo numa pequena população, 64 travestis. Eles tinham por ano cerca de cem mil relações sexuais. Eles estavam com a metade deles contaminados. Vamos colocar que 1% dessas relações dessa metade contaminada se transmitiu e isso, depois de um ano, dá um número de pessoas contaminadas da ordem de 500, que vai dar, por incrível que pareça, um número perto do que o doutor Caio Rosenthal estava comentando – dos 7% ao ano de quem é contaminado de doente–, dá um número de doentes maior que o número que gerou.

Enio Mainardi: Está bem, você mata mosquito, mas não pode matar pessoas. Agora, espera um pouco. Agora o que se faz a respeito desses grupos? Porque a gente vê entrevistas todos os dias, as entrevistas são chocantes; mais da metade da freguesia dos travestis é constituído por executivo, pelo que eu entendi. Então, o executivo, se presumiria que ele tivesse uma condição intelectual ou de conhecimento ou acesso à informação, se presumiria que faria com que ele não se expusesse sem camisinha a uma relação sexual com um camarada que tem de dez a vinte relações numa noite. E, entrevistados esses travestis, a gente vê nos programas todos, eles dizem “não, comigo isso não acontece, esse negócio é só com homossexual, não é com travesti”. Porque as coisas mais absurdas, as maiores cretinices a gente vê essa gente falar. Agora, essa gente é vetor direto da doença. O que fazer com respeito a essa gente? Talvez eu esteja tomando atitude aqui, vocês vão dizer: “Pô, este cara aí é um nazista, o que ele quer fazer? Ele quer criar um Nuremberg [referência ao Tribunal Militar Internacional onde foram julgados os primeiros criminosos de guerra da Segunda Guerra Mundial, em novembro de 1945, na cidade alemã de Nuremberg] para os homossexuais?” Mas eu quero saber o que  fazer com respeito a essa gente.

Celso Carmo Mazza: são alguns anos de cabeceira de pacientes de aids. Realmente irrita muito saber que um núcleo só está contaminando. Por exemplo, a média de freqüência de sauna, razoável, é cem pessoas por dia... a média de freqüência de sauna aqui em São Paulo... depoimentos pessoais, de relacionamentos, de pacientes. Então, nós temos pelo menos duas saunas gays em cada bairro aqui em São Paulo. Isso são dados que eu não sei, [vêm] de depoimentos. Então, quando nós nos revoltamos contra o quarto escuro da sauna e não contra a sauna em si, um local em que haja a promiscuidade e não o local onde haja relacionamento sexual, é isso que precisa se colocar muito bem. Ninguém é contra abertura de sauna gay, eu só sou contra aquele quarto escuro em que entram oito ou dez pessoas e têm sexo contínuo, entrando e saindo pessoas. Eu não estou contra eles irem e se relacionarem, por quê? Porque isso, atualmente, no momento epidemiológico nosso, é um grande fator de disseminação do vírus. Por exemplo, se todos tivessem o teste e só entrassem os negativos, tudo bem. Isso é uma possibilidade que somente pode existir quando for franqueado ou monetariamente... quer dizer, o nosso povo tiver o poder aquisitivo de fazer o teste, que em laboratórios particulares chegam a custar dez vezes o custo operacional, ou real. Se o governo franquear isso, acaba ocorrendo que entre os homossexuais começam haver relacionamentos sem a possibilidade de haver doentes e, com isso, entre eles mesmos, que é o principal grupo de risco, que é assim, num chute, entre os trabalhos que nós temos, dependendo do grupo, está entre 20 e 60% das pessoas contaminadas, então, se você pega um agrupamento homossexual, dependendo do comportamento de promiscuidades desse grupo, fica de 20 a 60% das pessoas.

Enio Mainardi: O que fazer com essa gente especificamente?

Celso Carmo Mazza: Especificamente, eu acho que, em primeiro lugar, medidas não-coercitivas, mas sim medidas de educação e de dificultar a freqüência de locais de alta promiscuidade, tanto os homossexuais quanto o heterossexual, isso é a primeira coisa. Segunda coisa, já foi amplamente debatido: é começar se construir uma liberdade sexual com responsabilidade, da mesma forma que deve ser feito com relação ao problema da paternidade responsável e limitação de filhos, deve ser posto isso na escola para que o nosso jovem saia isento da problemática da doença.

Rodolpho Gamberini: Doutora Valéria Petri queria falar, fez sinal.

Valéria Petri: Eu fiz vários sinais, mas não adiantou nada!

Samuel Koperstych: A mulher está sendo discriminada!

Rodolpho Gamberini: Neste momento, a doutora gostaria de falar?

Valéria Petri: Não, eu não tenho esses problemas, Samuel. Eu acho que existe, aqui, realmente, uma tendenciosidade grande. Os travestis têm histórias e eles são indivíduos que têm clientela. Quer dizer, então, que essa clientela está absolutamente isenta de qualquer problema quando vai procurá-los e insiste em que eles não vão usar preservativo porque, afinal de contas, o indivíduo que está procurando um travesti se recusa a usar preservativo porque ele é o macho. Esse é o conceito. Então, eu conheço muitos travestis, quem trabalha em linha de frente aqui, somos todos nós, não são alguns, certo? São muitos, e não somos só nós que estamos aqui, estamos todos padecendo com isso. Então, o que é indigno é que alguns tentem domesticar toda uma coletividade impondo normas de conduta sobre sexualidade que muito pouca gente conhece. Todas nós temos idéias estereotipadas a propósito de homossexuais, de bissexuais, imaginamos que esses indivíduos estão, assim, gratuitamente comprometidos e não têm nenhum interesse em resolver o problema. São os mais interessados, porque eles não querem morrer. O que existe para eles, de fato, agora, é um funil sem nenhuma perspectiva, porque para nós é mais cômodo engavetar o problema. Nós queremos engavetá-los, colocá-los nos guetos como aconteceu com a lepra, como aconteceu com outras doenças que a sociedade não quis encarar. Então, eu acho que agora a questão da homossexualidade ser ou não uma alteração de comportamento tem que ser também considerada. De fato, não deve nem ao menos ser uma doença, mas deve ser talvez um procedimento que todos nós ignoramos, na profundidade. Nós não sabemos nada a respeito disso, nós pensamos em indivíduos rebolantes e, na verdade, está para baixo do que aparece realmente que é a ponta de iceberg, uma infinidade, ainda mais neste país, onde existe um índice de homossexualidade e bissexualidade muito grande sendo discutido e existem tratados, aí, sociológicos sobre isso. Nós, médicos, não lemos nada disso, a gente pensa em meia dúzia de indivíduos que precisam ser expurgados. Por que é assim? Que falta de senso humanitário, impor o teste para um indivíduo que não tem quem vai orientá-lo a propósito se ele vai morrer amanhã ou não e isso não importa! Quer dizer que não importa haver mais suicídios? Importa. Eu não sou uma mulher de epidemiologia, eu sou uma mulher que trabalha todos os dias igual a vocês, sabe? Então, eu não falo com números, eu falo com indivíduos, são seres humanos que precisam de algum apoio, porque eles não foram procurar nada e não vai ser pela violência que a gente vai resolver.

Vicente Amato: Esse discurso é bom para o vírus; os vírus estão felicíssimos com discurso igual ao seu.

Valéria Petri: O indivíduo não é um saco de bactérias, ele é uma pessoa.

Vicente Amato: Os vírus estão rindo, lá, na confraria dos vírus, hoje, enquanto gente pensar assim, dirigir o controle da aids, o problema vai aumentar. [falando ao mesmo tempo que Valéria Petri]

Valéria Petri: A educação tem que ser global. A educação tem que ser global, tem que ser trabalhada, elaborada, bem pensada, não podemos agora pegar e eliminar simplesmente, decepar...

Vicente Amato: Estão usando expressão eliminar, trucidar e não sei o quê. É ter responsabilidade, eu exijo cooperação.

Valéria Petri: Um hemofílico não tem culpa de ter sido contaminado e, [se] ele tem relações sexuais, ele tem uma esposa, essa esposa pode ficar viúva, ele pode ter outros namorados...

Vicente Amato: Não pode, não, o hemofílico positivo não pode transmitir a doença para sua mulher e a sua mulher ter filho. Não pode, na minha concepção não pode.

Valéria Petri: Ele não tem controle sobre isso.

Vicente Amato: Na sua pode, na minha não pode.

Valéria Petri: [Vicente Amato continua falando ao mesmo tempo que Valéria Petri] O senhor está interpretando errado, está interpretando errado, o senhor entendeu o que eu falei.

Rodolpho Gamberini: Tem uma pergunta do André Rodrigues, para quem você fez esta pergunta? Tem uma pergunta que cabe perfeitamente neste momento, quando estava se falando do teste ou não-teste, de se fazer ou não fazer. É o seguinte: “Vocês não acham que uma pessoa que sabe que é contaminante ou contaminadora e continua com práticas sexuais está infringindo o direito dos seus parceiros?”

[...]: Isso é óbvio.

[...]: Posso responder isso aí com um exemplo prático.

Valéria Petri: Mas não é a maioria, esse indivíduo precisa ser conscientizado disso e certamente ele vai cooperar, não é maioria. [vários falam ao mesmo tempo]

Paulo César Bonfim: As pessoas que vão em saunas...

Rodolpho Gamberini:Espera um pouquinho.

Paulo César Bonfim: Tem pessoas, aqui, que são teóricos de gabinete. Eu já ouvi um monte de barbaridades aqui, são pessoas que estão só nos gabinetes e não vão às ruas. Eu não sei quais dos médicos já foram à periferia fazer palestra, explicar para a população que aids não se  pega assim, as formas de prevenção. Eu conheço poucos médicos [dentre os] que estão aqui que já foram na periferia. Existem algumas pesquisas que não são representativas. Não dá para chegar em guetos e pegar 64 homossexuais e, aí, de repente sair na Folha de S. Paulo que 60%, 50% da população de travestis estão infectados, essa amostra não é representativa. E depois, o seguinte: não dá, não dá para querer qualificar travesti como homossexual.

Celso Carmo Mazza: Quantos travestis tem na cidade de São Paulo? [fala ao mesmo tempo que Paulo César Bonfim]

Paulo César Bonfim: Por isso, eu estou falando, espera eu terminar de falar.

Celso Carmo Mazza: Cerca de 700, eu tenho 10% da amostra. [fala ao mesmo tempo que Paulo César Bonfim]

Paulo César Bonfim: Não dá para qualificar homossexual e travesti. E não dá, também, para colocar todo mundo no mesmo bolo. Existem homossexuais que não vão à sauna. 10% da população paulista são homossexuais, segundo o relatório Kinsey [considerado um dos mais completos estudos sobre a sexualidade humana, o relatório Kinsey leva o nome de seu autor, o professor americano Alfred Charles Kinsey, e é composto de duas partes: Comportamento sexual dos homens e Comportamento sexual das mulheres], dentro de uma avaliação do global. Não dá para colocar todo mundo no mesmo funil. Você tem homossexual que não vai em sauna, eu conheço vários; estamos fazendo um trabalho no Gapa para ver o que mudou no comportamento homossexual: as pessoas estão usando preservativo, estão usando a camisinha, estão se masturbando, estão tendo relações anais ou não estão tendo? Nós estamos procurando fazer esse trabalho, mas indo na sauna. Existe um grande número de saunas ditas heterossexuais que são as casas de massagem onde a promiscuidade é bem maior. E eu posso falar, porque já estive nesse lugar fazendo pesquisa. A gente tem um trabalho de rua, de conscientizar a população, porque o teste não vai resolver a questão das pessoas se elas vão transmitir para outra. Acho que tem que ter um trabalho de informação para que as pessoas se conscientizem e, depois, decreto não conscientiza ninguém.

Rodolpho Gamberini: Está bem, Bonfim.

Caio Rosenthal: Dá licença.

Rodolpho Gamberini: Eu vou dar a palavra ao doutor Caio Rosenthal, mas vou aproveitar uma pergunta do senhor Antônio Alves, morador do Higienópolis: “Uma pessoa que fez vasectomia transmite aids?”

Caio Rosenthal: Bem, se ela não tiver esperma para transmissão como veículo, teoricamente não, mas se ela já foi contaminada pelo vírus da aids e tiver algum traumatismo ou solução de continuidade na pele, através de transfusão de sangue...

Rodolpho Gamberini: Um arranhão qualquer na pele.

Caio Rosenthal: Ela pode transmitir.

Rodolpho Gamberini: Eu ia lhe passar a palavra.

Samuel Koperstych: Existe uma colocação em cima dessa pergunta que é o seguinte. A pessoa que faz vasectomia, embora seja um procedimento usado em prática clínica, não está isenta de riscos.

Rodolpho Gamberini: Pode contrair e transmitir.

Samuel Koperstych: Ela pode, teoricamente, há notícia de um caso descrito na Europa assim, de um indivíduo que fez a vasectomia e, por se autocontaminar, com seu próprio esperma, pelo estímulo do sistema imunológico, porque os indivíduos vasectomizados têm profundas alterações imunológicas, isso está bem estudado, com desenvolvimento de auto-anticorpos, doenças autoimunes, de maneira que...

Rodolpho Gamberini: Diminui a resistência...

Samuel Koperstych: Diminui a resistência, de maneira que a vasectomia não é um procedimento tão inóculo. Eu só queria dizer o seguinte. Quando o Enio Mainardi colocou um problema extremamente objetivo em relação a essa doença, quando ele ilustrou com o problema da marginalidade... e que eu passo ao problema do trombadinha. O que nós podemos fazer para acabar com os trombadinhas? Colocá-los todos na Febem? Evidentemente que não. Nós podemos fazer campanhas de educação e de orientação, em relação a retirar essa população da rua, dar condições de higiene, dar comida, dar escola e diminuir a incidência de trombadinhas como o governo atual vem fazendo. O que nós podemos fazer em relação à aids? O que podemos fazer com relação ao grupo de risco que o Enio Mainardi falou. Os indivíduos já contaminados estão contaminados; nós temos que nos preocupar com indivíduo que não estão contaminados. A orientação, a educação e a saúde pública, atuando nesse campo e orientando, colocando o problema que a Valéria suscitou, a terapia de grupo, acessível à grande massa, colocando toda essa população de risco discutindo entre si o problema, o homossexual tendo acesso aos métodos terapêuticos, fazendo psicoterapia de grupo, talvez não coercitivamente, mas sob a luz analítica, ele desista de ser homossexual, porque aquela foi uma condição imposta do ponto de vista de que ele foi condicionado a seguir e copiar um exemplo que, inclusive, é inpingido pelo meios de comunicação. Então, a nossa preocupação tem que ser dirigida aos indivíduos que não estão doentes. Como educar esses indivíduos para que eles não contraiam a doença? Ninguém quer mudar hábito de ninguém, mas quer se dar ao indivíduo que não sabe por que ficou homossexual, que não conhece a razão do problema, ou porque se tornou bissexual ou porque se tornou toxicômano, está se suicidando do ponto de vista psicológico, está se destruindo, está se autodestruindo, para que, tendo acesso a terapia de grupo, em que ele não gastará muito, ou até possa ser grátis, ele possa até conhecer o problema e, então, livremente decidir: “Eu continuo onde estou ou vou mudar meus hábitos”.

Valéria Pietro: Desculpe, eu quero lhe dizer, assim, delicadamente, que essa questão da essência da homossexualidade ainda é muito complicada e não existe ninguém, até hoje, que provou nada no sentido de desvio. Até os psiquiatras concordam que seria uma distorção imaginar que a homossexualidade deva ser curada.

Samuel Koperstych: Você está destruindo toda a teoria freudiana, você está destruindo todo...

Valéria Pietro: Claro que não!

Theodoro Israel Pluciennik: Não, não está, não.

Valéria Pietro: Eu não sou. Psiquiatra aqui é ele, eu não entendo nada, ele pode falar mais do que eu.

Rodolpho Gamberini: Vamos ver o depoimento de um presidiário que tem aids. Em seguida nós vamos comentar a fala dele, o depoimento entra pelo monitores ali em cima. Por favor.

[VT do presidiário]: [entrevistador] "O senhor queria pedir alguma coisa para as autoridades?" [presidiário] "Eu queria pedir que tomasse uma providência no sentido de melhorar nossa situação, pelo menos para gente poder... pelo menos, se a gente tiver com esse problema, alguém que tenha condições, pelo menos, ficar do lado da família, passar os últimos dias, já que sabe que é um problema incurável, que o elemento não tem a mínima chance de sobreviver, pelo menos ficar do lado da família. Pelo menos, na família, ele teria condições de a família fazer alguma coisa por ele, pelo menos nos últimos dias da vida dele, pudesse viver do lado da família, não trancado aqui, no isolamento, longe de tudo, até dos próprios companheiros, aqueles que pretendem, muitas vezes, fazer alguma coisa pela gente e estão impossibilitados. [entrevistador] "O que o senhor sentiu no dia em que o senhor soube que está com uma doença que é incurável?" [presidiário] "Me senti profundamente abatido e sem força para lutar, sem força nenhuma para lutar, porque sabendo que a gente está num sistema rígido, que a Justiça já faz restrições ao elemento que é um sentenciado e ainda mais doente, os problemas serão maiores." [entrevistador] "Quantos anos o senhor tem?" [presidiário] "Eu tenho 37 anos." [entrevistador] "Cumpre pena por quê?" [presidiário] "Por assalto."

Rodolpho Gamberini:Bom, nós vimos aí um trecho em que ele fala que quer sair da prisão e ir para o convívio de família. Ele tocou a questão do conforto que o doutor Amato tocou, mas tocou também a questão da liberdade que foi tocada ou a questão da discriminação do homossexual, ali não aparece por que ele tem aids, mas quase que certamente, a gente pode supor aqui, sem incorrer nenhum erro grave, cientificamente falando, que ele é um homossexual. O que vocês acharam do depoimento dele?

Maria Leide Wan Del Rey de Oliveira: Viciado em drogas também, é muito comum.

Paulo César Bonfim: Viciado em drogas também.

Paulo Roberto Teixeira: A imensa maioria é toxicômano.

Rodolpho Gamberini: Toxicômano, aliás, o senhor esteve hoje na penitenciária.

Paulo Roberto Teixeira: E o que ele refere, acho importante nesse depoimento, é que existe um preceito legal de que o doente terminal tem direito a indulto e era o que ele estava se referindo. Então, hoje foi feita exatamente uma avaliação para ver quem, comprovadamente, é doente dentro do sistema penitenciário para que possa, enfim, ser desencadeado esse mecanismo.

Rodolpho Gamberini: Do indulto, o mecanismo do indulto?

Paulo Roberto Teixeira: Do indulto, exatamente. Dos nove que nós verificamos hoje, somente dois eram homossexuais; os sete adquiriram pela toxicomania, o uso de seringas...

Rodolpho Gamberini: Pelo uso de seringas. Isso significa que, quando eles foram para a penitenciária, eles já tinham o vírus?

Paulo Roberto Teixeira: Não necessariamente, não necessariamente. Acho que é uma coisa clara que as autoridades da Secretaria de Segurança da Justiça sabem que existem mecanismos de burla e que existe o uso de drogas, eventualmente, dentro do sistema penitenciário.

Vicente Amato Neto: Se ele tiver, precisa ver o estágio dele, se estiver no estágio quatro da classificação que o Caio Rosenthal repetiu aqui, eu acho que ele merece o indulto, eu acho. Ele vai morrer.

Rodolpho Gamberini: O estágio quatro, qual é mesmo?

Vicente Amato Neto: O estágio de aids fim-de-linha, como se chama aids mesmo. Ele vai morrer de seis a treze meses, de acordo com a minha casuística pelo menos. É melhor que ele vá para casa e tenha o conforto da família e tudo mais. Agora, não está dito ali que estágio ele está; se for apenas infectado, eu acho que é evolução dos infectados é mais comum do que o doutor Samuel tentou insinuar. Os estudos longitudinais têm mostrado que grandes porcentagens dos infectados tem evoluído para os estágios mais avançados.

Samuel Koperstych:  É aquela estatística que o Caio Rosenthal mencionou.

[vários falam ao mesmo tempo]

Vicente Amato Neto: Foi naquele estudo longitudinal... Vamos esperar outros [estudos], vamos esperar outras estatísticas.

Paulo Roberto Teixeira: Só queria dar uma informação. O critério a ser utilizado pelo serviço médico da Secretaria de Justiça é do indivíduo que está no estágio quatro, ou seja, com aids manifesta, completa etc.

Rodolpho Gamberini: Senhoras e senhores, é meia-noite e dezessete, nosso programa começou há quase três horas, eu passo a palavra, uma última palavra, para a doutora Maria Leide, que é a coordenadora nacional da campanha, para nós podermos encerrar o Roda Viva de hoje.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Muito se falou aqui de como deveria ser uma campanha. Eu também fico muito preocupada como está a cabeça das pessoas que estão nos ouvindo, uma vez que realmente ocorreram aqui depoimentos contraditórios. E, como uma representante do Ministério da Saúde, que dentro de um princípio ético não deve sugerir ou criticar nenhuma conduta, comportamento, e sim informar, dar informações corretas e técnicas em relação a como se pode hoje prevenir a doença, principalmente isso, eu acho que caberia que a gente dissesse que os meios de prevenção, hoje, são, em relação à transmissão pela via sexual, é importante que as  pessoas saibam que qualquer relação em potencial pode vir a transmitir aids, uma vez que a pessoa pode entrar em contato com secreções a partir de lacerações e fissuras, traumatismos nos órgãos genitais. Mas a relação anal expõe mais ao contágio, seja no homem ou na mulher. A medida de prevenir aids, seria então, uma seleção, uma redução do número de parceiros, efetivamente isso contribuiu, e o uso de preservativo, ou da camisa-de-vênus, que não oferece uma proteção 100%, mas que atenua bastante o risco.

Enio Mainardi: 20 cruzeiros a caixinha de três. Tem um problema econômico aí.

[sobreposição de vozes]

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Problema econômico... Eu estou colocando a maneira como se protege.

Enio Mainardi: [fala ao mesmo tempo que Maria Leide] Da mesma forma como se coloca [que] o teste que custa, teoricamente,  100 cruzeiros e vai ser vendido por um milhão, tem o uso da camisinha...

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Eu gostaria, eu gostaria, sabe, Enio, você me desculpe, mas eu acho assim...

Enio Mainardi: Eu não sei até que ponto a indústria não tem interesse nisso.

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Eu acho que esse ponto já foi tocado, eu acho que caberia que a gente fosse bastante objetivo, aliás, como vai ser nossa campanha, bastante objetiva, franca e honesta, no sentido de deixar alguma coisa não tão polêmica na cabeça das pessoas que estão nos ouvindo há tantos horas. Então, o uso de preservativo é recomendado; a redução do número de parceiros; para aqueles que são viciados em drogas ou que possam, porventura, vir a usar seringas, não só uso de drogas, mas também em meio mesmo hospitalar, se recomenda que se use as seringas descartáveis ou que se faça a esterilização dentro dos moldes recomendados. E, hoje, efetivamente, nós devemos contar com o apoio, com a participação, com o poder de pressão da população no sentido que nós, técnicos, que estamos realmente querendo dar um maior poder de resolutividade ao sistema de saúde, possamos conduzir uma política de controle de sangue de modo a que o sangue consumido neste país seja de boa qualidade. É importante também que os profissionais de saúde sejam bem orientados, no sentido de se proteger do contágio, e achamos que essas informações vão, certamente, diminuir a resistência e o medo que esses profissionais de saúde estão tendo no manejo com esses pacientes. O Ministério da Saúde está lançando um manual que teve uma contribuição de vários técnicos, especialmente os técnicos aqui do nosso centro de referência, que é o Instituto de Saúde São Paulo, e que vai ser distribuído a todos os estabelecimentos de saúde e todas as instituições. Acho que a discussão, a polêmica deve ser travada em todos os setores e, principalmente, pelos grupos mais suscetíveis, mas cabe a nós colocar as coisas de uma maneira objetiva e termos o cuidado de não colocar as nossas impressões pessoais, porque a nossa função principal é informar a população e não colocar dúvidas que talvez elas não possam... a simples função de ouvir é realmente aclarar mais o problema. E daí que eu acho que a informação objetiva ainda é importante neste momento.

Rodolpho Gamberini: Eu acho que este programa contribuiu bastante nessa direção, apesar de toda polêmica, da diferença de opiniões e concepção, as informações mais objetivas foram passadas e a população ficou... Eu recebi, já há algum tempo atrás, um telefonema que eu gostaria de ler aqui e fazer até uma pergunta para o Enio Mainardi. Esse telefonema é da Hebe Camargo [apresentadora de televisão], ela disse o seguinte: “Eu me propus, publicamente, a participar da campanha de esclarecimento sobre a aids, eu acho que nenhum artista se negaria a fazer parte dessa campanha. A Elke Maravilha [atriz de figurino exuberante e diferenciado], a Rosemary [cantora], Sandra Barsotti [atriz, oriunda da pornochanchada, famosa também na televisão] e eu já nos propusemos a colaborar”. Então ela pergunta: “O Enio Mainardi criaria um comercial gratuitamente para essa campanha”? E depois da pergunta ela coloca: “Porque cada um precisa dar sua parcela de colaboração nesta campanha”. Por favor,  Enio Mainardi, sua última resposta na noite.

Enio Mainardi: Olha, eu acho que todas as campanhas do Ministério da Saúde deveriam ser gratuitas. Eu acho que é uma questão de cidadania aí que se coloca. Eu tenho certeza absoluta que hoje a contribuição da Hebe Camargo e das atrizes, dos atores e dos personagens de destaque seriam de vital importância, porque o testemunho é a concordância com a posição pessoal deles que vai trazer a simpatia que se tem por eles, é que vai desmoronar muitos dos preconceitos e que vai permitir com que essas coisas, permitiria que essas coisas passassem com muita simplicidade, com muito mais mais simplicidade.

Rodolpho Gamberini: Se tirasse certo véu que existe.

Enio Mainardi: Olha, a propaganda governamental, normalmente ela é... A propaganda, a chapa branca é desonesta neste país. Ela é motivo de corrupção, aconteceu desde os tempos da ditadura, há muitos anos atrás. O que acontece é que os veículos de comunicação têm sido cooptados pelos políticos, através das verbas de propaganda, com o objetivo único de trocar favores: enquanto que os políticos entregam as suas verbas para veículos de comunicação, eles obtêm de volta o editorial favorável a suas posições pessoais, políticas. E a intermediação desse negócio é hedionda, porque resulta numa corrupção inacreditável. Este país,  desde os tempos da revolução, tem tentado vender coisas ao público que não correspondem à verdade e que apenas valem como faturas para justificar o dinheiro da corrupção. A propaganda chapa branca, basicamente, é desonesta, no seu total. Então, eu sei que agora o Ministério da Saúde está fazendo uma campanha. Quem são as agências que estão fazendo fazendo essa campanha? Tem a Denison [Denison Propaganda] e outras duas agências que eu não conheço. Eu pergunto a você: existe, por acaso, alguma empresa privada neste país utilizando o regime de agências consorciadas para resolver as suas campanhas de publicidade? Jamais, porque isso é anti-profissional, é burro e isso é desonesto. E o governo faz isso metodicamente no sentido de corromper os veículos de comunicação e com isso obter vantagens para os intermediadores.

Rodolpho Gamberini: Enio Mainardi, por favor, você...

Maria Leide Van Del Rey de Oliveira: Eu queria dar uma informação. Nós vamos usar o horário gratuito que por direito o Ministério da Saúde tem.

Enio Mainardi: Eu estou sabendo disso.

Rodolpho Gamberini: Enio, por favor, a pergunta da Hebe, você, se convidado fosse, faria de graça?

Enio Mainardi: Sem a mínima dúvida, com imenso... E, olha, de graça e com muita vontade!

Rodolpho Gamberini: Está respondida a questão. Muito obrigado a todos vocês que participaram desse programa, deste Roda Viva especial sobre a aids. Surgiram muitas coisas interessantes...

Vera Escobar: Só quero dar uma informação. Nós estamos programando para o mês de abril, provavelmente na segunda quinzena, um show no ginásio do Ibirapuera com o nome “Previna-se”, [com] que nós pretendemos angariar fundos para pacientes das aids. Estamos também pedindo aos artistas que quiserem participar deste show que entre em contato com gente.

Rodolpho Gamberini: Como é que eles podem entrar em contato?

Vera Escobar: O Paulo tem o telefone.

Rodolpho Gamberini: Com o Gapa. Você tem o telefone? Qual é o telefone?

Paulo César Bonfim: 255 5777, ramal 3875.

Rodolpho Gamberini: Então, está dado o recado. Muito obrigado a todos que participaram desse Roda Viva, nós voltamos segunda-feira que vem, até lá e boa noite.

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