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Memória Roda Viva

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Marina Silva

13/3/2006

Em março de 2006, quando o Brasil recebia 187 países para discutir regras de biossegurança e de acesso e distribuição dos benefícios obtidos de recursos naturais, a ministra avaliou como exitosa a política ambiental do governo Lula

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Paulo Markun: Boa noite! Quatorze anos depois da Eco 92, o Brasil volta a sediar outro importante encontro mundial das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento. Representantes de 187 países, mais a União Européia, discutem a partir de hoje em Curitiba, no Paraná, decisões a respeito de várias questões ligadas à biodiversidade e biossegurança. Como aplicar as idéias aprovadas na Conferência do Rio de Janeiro em 92 [Rio 92], mas que ainda não puderam ser postas em prática? O Roda Viva também entra nessa discussão e entrevista esta noite a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva [indicada ao cargo em 2003 pelo recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva, permaneceu no Ministério até 13 de maio de 2008, quando se demitiu do cargo]. Ela tem uma história pessoal ligada à preservação ambiental e, como ministra, preside a Conferência das Partes (COP-8) em Curitiba.

[Comentarista]
: Filha de nordestinos que foram colonizar a Amazônia, Marina Silva nasceu no Acre e desde cedo trabalhou como lavradora. Pegou malária, hepatite e teve uma contaminação por mercúrio causada por remédios, que lhe causou sérias conseqüências. Foi tratar da saúde em Rio Branco, onde trabalhou como doméstica, se alfabetizou pelo Mobral [Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado pelo governo federal em 1967, para alfabetização de adultos] e entrou num convento de freiras para continuar os estudos. Formou-se em história aos 26 anos e foi ser professora. Ligada ao movimento sindical, aproximou-se de Chico Mendes, líder seringueiro assassinado em 1988, ano em que Marina Silva elegeu-se vereadora pelo PT [Partido dos Trabalhadores] em Rio Branco. Em 90 foi deputada estadual e em 95 elegeu-se senadora, sendo reeleita em 2003. Ambientalista premiada e reconhecida pela ONU [Organização das Nações Unidas], Marina Silva assumiu o Ministério do Meio Ambiente do governo Lula, anfitrião do encontro internacional que reúne este mês, em Curitiba, mais de oito mil pessoas de todo o mundo. São dois eventos: o que começou hoje e vai até o dia 17 é o MOP-3 [Meeting of the Parties – Encontro das Partes], sigla inglesa do encontro dos países que se comprometeram a cumprir o Protocolo de Cartagena sobre biossegurança. [tratado internacional que visa segurança na transferência, manejo e uso de organismos vivos geneticamente modificados]. É a terceira reunião do grupo. Principal debate: criar regras de segurança para o transporte e o comércio internacional de produtos transgênicos. O segundo evento, de 20 a 31 de março, é a COP-8, Oitava Conferência das Partes, a reunião das nações que ratificaram a Convenção sobre Diversidade Biológica, uma das mais importantes conclusões da Rio 92. Reúne delegações de 187 países mais a União Européia. Principal discussão: desacelerar a destruição da biodiversidade e dividir melhor os benefícios obtidos pelo uso dos recursos naturais.

Paulo Markun: Bem, para entrevistar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, nós convidamos: Roberto Villar Belmonte, repórter da agência IPS [Inter Press Service], um dos criadores da rede brasileira de jornalistas ambientais; Beto Ricardo, antropólogo e diretor do Instituto Socioambiental (ISA); Vera Diegoli, editora-chefe do programa Repórter Eco, da TV Cultura; Liana John, editora-executiva da revista Terra da Gente; Marcelo Leite, colunista do jornal Folha de S. Paulo e do blog Ciência em Dia; Sérgio Abranches, colunista do site O Eco e comentarista da rádio CBN. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa [Programa ao vivo, que permitiu a participação dos telespectadores via telefone, fax e internet]. Boa noite, ministra.

Marina Silva
: Boa noite.

Paulo Markun
: A principal questão que está sendo discutida em Curitiba, ou que será discutida em Curitiba, é sobre como rotular os produtos transgênicos, para simplificar. Qual é a posição oficial do Brasil?

Marina Silva: Essa discussão vem acontecendo desde a implementação do Protocolo [de Cartagena] e, no ano passado, em Montreal, foi um debate bastante intenso, porque se trata de uma questão bastante complexa. E, agora, nós estamos já em um processo... está acontecendo já a MOP-3, em Curitiba. E hoje nós tivemos uma reunião da qual participaram o ministro Roberto Rodrigues [ministro da Agricultura entre 2003 e junho de 2006, quando pediu demissão do cargo], a ministra Dilma [Dilma Roussef, indicada ministra da Casa Civil em 2006, tendo ocupado anteriormente o cargo de ministra de Minas e Energia, entre 2003 e 2005], o presidente Lula [gestão entre 2003 e 2010], é claro, e eu. E a posição do Brasil foi definida pelo "contém [organismos  geneticamente modificados ou transgênicos]", a identificação clara...

Paulo Markun
: Só para explicar melhor, o que isso significa? [ao fundo, sem interromper a ministra]

Marina Silva
: ... dos organismos geneticamente modificados quando se trata do transporte transfronteiriço de organismo vivos geneticamente modificados. Essa discussão vem acontecendo dentro do governo desde o ano passado, como falei anteriormente, e hoje foi feito, digamos assim, um ajuste final. E a posição do Brasil é pelo "contém [transgênicos
]", quando se trata da exportação... [sendo interrompida]

Paulo Markun: Vamos explicar direito para o leigo, ministra.

Marina Silva
: Desculpa.

Paulo Markun: Quer dizer, significa o seguinte: cada saca de soja, ou de seja lá qual o produto, que tenha sido geneticamente modificado, ou até mesmo industrializado que tenha ingredientes geneticamente modificados, terá que conter lá “contém organismos geneticamente modificados” quando for para exportação.

Marina Silva
: Exatamente. Isso.

Paulo Markun: Mas isso vale já?

Marina Silva
: Isso vale para todos os que já estão fazendo a segregação e foi estabelecido um período de transição para os que ainda não fazem segregação. Mas a implementação do “contém” começa a partir de agora.

Beto Ricardo: Mas, ministra, esse prazo de quatro anos para haver essa adaptação, a senhora não acha que é um prazo muito longo? Que, na verdade, o Brasil está quase abrindo mão do princípio da cautela, quer dizer...

Marina Silva: Da precaução!

Beto Ricardo: Da precaução.
 
Marina Silva: Não, não, Beto. Primeiro porque, a partir do momento em que o Protocolo [de Cartagena] estabelece que essa posição... A partir do momento em que a Convenção [sobre Diversidade Biológica] assume essa posição do “contém”, ela já começa a ser implementada. E é cumulativo, é gradativo. Não se vai esperar quatro anos para poder começar a rotular, cria-se uma estrutura logística. Porque não temos como amanhecer o dia e dizer que existe já uma estrutura logística de silos, de containers nos portos, de caminhões que já fazem isso. Tem que criar essa estrutura logística. No entanto, isso já vai acontecendo concomitantemente, não é preciso esperar daqui a quatro anos. E já existem aqueles que fazem segregação e isso vai pressionar, no sentido de que, o quanto antes, se possa fazer isso. Agora, tem uma coisa que precisa ficar clara também: o presidente colocou um período de quatro anos deixando bem claro que se trata de uma decisão multilateral e que é uma negociação que se vai estabelecer a partir de hoje, que já estabelecida lá em Curitiba. Mas foi um grande avanço sair do impasse de Montreal [MOP-2, realizada em Montreal, Canadá, 2005], em que se ficou na discussão “pode conter”, a assumir o “contém” e estabelecer que os países terão um prazo para, definitivamente, acabar com essa história de “pode conter”.

[Falam simultaneamente]

Vera Diegoli: Agora, isso vai ser uma negociação difícil; não é, ministra? Porque o Brasil, na última reunião da MOP-2, infelizmente foi daquela opinião de “pode conter”, juntamente com a Nova Zelândia. Foram os únicos dois países, enquanto a maioria decidiu pelo “contém”. Esta proposta do Brasil significa uma grande negociação, porque essa moratória de quatro anos talvez não seja aceita; não é verdade, ministra?

Marina Silva
: Não, não é verdade que seja uma moratória. Pelo contrário. É o que eu falei anteriormente para o Beto: a partir de agora, já se começa o processo de implementação do Protocolo [de Cartagena]. Você não precisa criar uma estrutura e daqui a quatro anos colocar o “contém” para todos. Isso acontece concomitantemente. E é um avanço muito significativo sair da posição em que o Brasil e a Nova Zelândia se encontravam em Montreal, assumir o “contém” e trabalhar um período de transição. Porque é uma realidade objetiva. Isso tem que ser trabalhado, você não tem como amanhecer no dia 18 [referindo-se ao dia seguinte da decisão brasileira de adotar o “contém”, tomada em 17 de março, mesmo dia em que esta entrevista foi concedida] e dizer: “Agora o Brasil tem uma estrutura logística já pronta”. Isso não é fato! Exatamente por isso que se dialogou com essa necessidade de um período de transição. Então, qual é a posição? “Contém”; um período de transição para os que ainda não têm condição de fazer essa segregação; e um prazo para que todos façam a segregação. Uma coisa importante com essa posição do Brasil é que os países que não são parte do Protocolo, que não ratificaram o Protocolo, como é o caso da Argentina, Estados Unidos e outros, eles serão obrigados a ter que fazer também a identificação do “contém” quando eles vão exportar para países membros do Protocolo. Esse é o avanço significativo da posição do Brasil.

Roberto Villar Belmonte: Ministra, algumas cooperativas brasileiras já fazem a segregação. Algumas empresas também já fazem a segregação no Brasil. Então, o Brasil ter que esperar quatro anos... Como se saberá quando que essa decisão vale para o agronegócio brasileiro?

Marina Silva
: Ela já vale a partir de agora. A única coisa que se introduziu é esse período de transição, mas isso não significa que tem que esperar quatro anos em hipótese alguma. O processo é cumulativo. A partir... [sendo interrompida]

Marcelo Leite
: Mas não é mandatório.

Marina Silva
: Como?

Marcelo Leite: Se tem um prazo de quatro anos, não é mandatório de imediato.

Marina Silva
: Não [close em Leite, que dá de ombros]. Ele é processual. É processual, é uma transição. Exatamente... essa discussão já foi posta no âmbito do Protocolo, quando os países ratificassem teria, digamos, dois anos para o “pode conter” para o “contém”, não é? Essa fase, agora, já está superada. Agora é “contém” peremptoriamente. E... [sendo interrompida]

Marcelo Leite
: Mas isso tem um custo; não é, ministra? Eu acho que a grande questão que se discute no Brasil é a questão do custo. Os produtores-exportadores argumentam que haveria um custo adicional de cerca... acho que o argumento é de 10%, se não me engano...

Marina Silva
: É, alguns chegaram a... [sendo interrompida]

Marcelo Leite
: Algumas ONGs falam que não, que não chega a 1% do valor da soja exportada, por exemplo. A decisão do governo, tomada hoje, implica algum tipo de avaliação de que o custo calculado pelas ONGs é mais correto e, por isso, se decidiu em favor disso? Ou não: se decidiu que o custo calculado pelos produtores-exportadores é o correto, é 10%, mas que o país tem que pagar esse custo para adotar uma regra que ambientalmente é considerada melhor?

Marina Silva
: Algumas cooperativas, que fazem inclusive a segregação dizendo claramente que “não contém organismos geneticamente modificados”, colocam esse custo, e foi feito um estudo para isso, que dá conta de... em torno de... não é exatamente... mas de 10%. E há um outro estudo, que foi apresentado, que está dizendo que é 30%. De sorte que o governo, claro, vai fazer essa avaliação do ponto de vista técnico. Mas a posição do governo, muito claramente, foi pelo “contém”, considerando a necessidade de fazer avançar o Protocolo na sua implementação, sair da posição do “pode conter” e por uma coisa que o presidente Lula colocou muito claramente hoje na reunião: o Brasil é o único país do mundo que ainda pode ter os dois modelos, o transgênico e o não-transgênico
aquilo que nós chamamos de modelo de coexistência e que nós precisamos implementar na realidade de um país megadiverso, na realidade de um país que pode ganhar duas vezes, com transgênico e não-transgênico. É um modelo que permita essa coexistência, de sorte que a posição do governo do Brasil é pela implementação clara do Protocolo.

Paulo Markun
: Ministra, eu acho que, antes que a gente descambe – no bom sentido – para uma discussão em que quem entende do assunto certamente vai se satisfazer, eu queria que... Em nome dos telespectadores, tem que se fazer a seguinte pergunta: o que distingue um produto de ter lá “contém” ou “pode conter”? Porque parece uma discussão, para quem não entende, bizantina. “Contém” ou “pode conter”, o que muda?

Marina Silva: Bem, o que muda... É preciso entender que o Protocolo de Cartagena está no âmbito da Convenção [sobre] Diversidade [Biológica], que tem o objetivo de promover a proteção da biodiversidade. Os organismos vivos geneticamente modificados podem causar danos à biodiversidade a partir da sua contaminação. O que nós estamos falando aqui não é do produto que está na prateleira, nós estamos falando do transporte transfronteiriço de sementes, de peixes, ou de outras espécies que tenham eventos de organismos geneticamente modificados. Como forma de proteção da biodiversidade, é uma medida correta, porque o país que vai receber esses organismos geneticamente modificados vai tomar as suas medidas de proteção.

Paulo Markun
: Mas ainda assim, “contém” ou “pode conter” não é a mesma coisa?

Marina Silva
: Não é a mesma coisa, porque peremptoriamente se afirma que “contém”, e o “pode conter” é algo ainda muito vago. Embora se diga [quais são] todos os eventos de OGM [Organismo Geneticamente Modificado], fica ao encargo do importador fazer essa identificação de forma definitiva. No caso, o país... [sendo interrompida]

Paulo Markun
: Ah, então é preciso... Quer dizer, um diz que com certeza tem e, portanto, ele assume que é!

Marina Silva
: Ele assume que está, digamos, vendendo, exportando um produto geneticamente modificado. Na outra possibilidade, fica a critério de quem está importando fazer essa identificação. Aí as pessoas dizem: “Mas o custo vai ficar sempre para o país exportador!”. Não! Você cria um círculo virtuoso, porque isso vai levar os países a fazerem a rotulagem, embora não seja rotulagem. Mas, internamente, os países, para fazer a rotulagem, precisam ter claramente se “contém” ou “não contém” organismos geneticamente modificados.

Sérgio Abranches: Ministra, a senhora acha que com isso, com a mudança de posição do Brasil, vai mudar... vai se fechar o acordo?

Marina Silva: No âmbito do Protocolo?

Sérgio Abranches
: No âmbito do Protocolo.

Marina Silva: Com certeza. O impasse... havia um desconforto muito grande dos 132 países signatários do Protocolo de que o Brasil e a Nova Zelândia ficaram com uma posição que não permitiu esse avanço naquela época, em Montreal. E acho que hoje a discussão que tivemos com o presidente Lula, a decisão que ele tomou, considerando os vários aspectos, aspectos de biossegurança. E uma questão importante é que, pela primeira vez, o CNBS, que é o Conselho Nacional de Biossegurança, se atém àquilo que é a sua missão, a sua função, que é de se posicionar em relação às questões de oportunidade e conveniência. Às vezes, as pessoas perguntam: “Mas o Conselho Nacional vai se ater às questões de mérito, por exemplo, os cientistas, os pesquisadores, a CTNBio [Comissão Técnica Nacional de Biossegurança], dizem que não pode fazer uma vacina, aí os ministros vão [se] reunir, vão decidir politicamente se vai fazer uma vacina?” Claro que não! Agora, essa é uma decisão que pode, sim, ser tomada pelo Conselho e, no caso, pela última instância que é o seu presidente, o presidente Lula. E a decisão é em função de que o Brasil deva ter o modelo da coexistência, que eu acho que é vantajoso do ponto de vista ambiental, porque nós somos o número um dos países megadiversos; é vantajoso do ponto de vista econômico, porque o Brasil pode ganhar duas vezes; e é vantajoso do ponto de vista social, porque com certeza, nessa discussão, há o aspecto forte da segurança alimentar.

Liana John: A senhora acredita que, de fato, o Brasil vá optar por essa coexistência, considerando aí um pouco do histórico dos transgênicos, que entraram forçados no país? Quer dizer, primeiro havia uma situação de ilegalidade, os produtores plantaram, embora fosse ilegal, embora fossem sementes contrabandeadas, e depois o governo foi forçado a legalizar essa situação. A senhora acredita que, de fato, vamos dizer, essa coexistência existirá realmente, entre os transgênicos e os não-transgênicos?

Marina Silva: Precisa existir! E existem estados que estão lutando muito fortemente para isso. No estado do Paraná, por exemplo, o governador [Roberto] Requião tem uma agenda vigorosa a fazer com que o Paraná seja uma zona livre de transgênicos. Existem muitos produtores que estão produzindo, eles mesmos, bancado essa segregação, a identificação e têm um diferencial, em termos econômicos, quando fazem a importação, principalmente para a União Européia. E existem aqueles que advogam o modelo de “geneticamente modificados” por outras vantagens do processo de produção, os custos de produção, de sorte que o Brasil pode sim ter os dois modelos. No caso da soja, é inquestionável essa possibilidade. Em outros casos, como no caso do milho, que aí sim é uma questão mais complexa, tem que se ver essa estrutura que viabilizará esse modelo de coexistência. Mas nós não podemos permitir, no caso brasileiro, que aconteça o que aconteceu no México. O México tem uma variedade fantástica de espécies de milho crioulo [variedades utilizadas na agricultura familiar que não são geneticamente modificadas] que foram todos contaminados. O Brasil não pode permitir isso, no meu entendimento, e eu acho que é com essa preocupação que o presidente Lula tomou hoje essa decisão, dialogando com a realidade [na qual] se tem que fazer essa fase de transição, mas que, imediatamente, precisamos implementar o “contém” de forma cumulativa e transitória.

Paulo Markun
: Ministra, vamos a alguma... [sendo interrompido]

Liana John
: ... [ao fundo, inaudível] que isso venha para o Brasil também, quer dizer, na medida [em] que a gente tome essa decisão a nível internacional, no âmbito do Protocolo, também o Brasil, internamente, passe a caminhar para uma rotulagem mais clara?

Marina Silva: A legislação brasileira, Liana, já define claramente isso: o decreto da rotulagem, ...

Liana John
: Mas ele [o transgênico] não é rotulado.

Marina Silva: ... a Lei [de Rotulagem] que foi aprovada no Congresso Nacional define a rotulagem e é preciso que isso ande a passos largos.

Paulo Markun
: Mas depende do quê? [Ao fundo]

Marina Silva: Não é? O Ministério da Justiça tem trabalhado, tem se esforçado e, com essa medida do Protocolo, com certeza isso vai ajudar bastante. Porque [...] uma vez o país exportador identificando claramente [o produto] com o “contém”, o país que recebe vai fazer a identificação internamente e o consumidor, democraticamente, vai poder optar entre os produtos.

Paulo Markun
: Ministra, vamos a algumas perguntas de telespectadores que foram ouvidos pelas emissoras de rede pública de televisão em outros estados:

Emiliano [Lobo de] Godoi [superintendente de Biodiversidade e Florestas, da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Goiânia – VT]: Ministra Marina Silva, a grande dificuldade de quem trabalha com biodiversidade é a questão da fragmentação do bioma e, no caso específico do cerrado, a gente tem esse processo muito acelerado. Como poderíamos estabelecer políticas que fossem coerentes em nível nacional, estadual e municipal para minimizar essa questão?

Rosane Carvalho [professora da Universidade Federal do Amazonas – VT]
: Eu gostaria de saber o que está sendo feito para resolver o problema da biopirataria da Amazônia.

Luiz Frederico [biólogo da Universidade Federal do Amazonas – VT]: Sabendo, como a senhora sabe, sendo aqui da região, da velocidade com que os grileiros e madeireiros avançam sobre a Floresta Amazônica, a senhora não acha que o governo federal tem sido incrivelmente tolerante e lento, extremamente lento, nas providências que deveriam ser tomadas, inclusive em caráter proativo, para impedir que aconteça no sul do estado do Amazonas a mesma coisa que aconteceu no Pará e vem acontecendo no Mato Grosso, aconteceu em Rondônia, e por aí à frente?

Paulo Markun
: São três perguntas.

Marina Silva: É. A primeira pergunta, em relação à fragmentação dos biomas: nós, quando assumimos o Ministério do Meio Ambiente, a primeira coisa que verificamos foi que nós tínhamos um trabalho vigoroso em relação à Amazônia, inclusive com a Secretaria da Amazônia, um trabalho voltado para a Mata Atlântica, mas, de fato, os biomas do cerrado, caatinga e pampa estavam à deriva em relação a uma política voltada para a proteção desses biomas. Nós estabelecemos prioridades em relação a todos os biomas brasileiros. Hoje, nós inclusive temos, junto com o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] o mapa dos biomas brasileiros, temos núcleos de políticas para todos os biomas e estamos trabalhando políticas, inclusive fazendo um levantamento visando a proteção desses biomas que estão ameaçados. No caso do cerrado, o avanço sobre o cerrado é avassalador e o Ministério do Meio Ambiente, junto com toda a Rede do Cerrado [articulação de entidades que atuam em prol da conservação e desenvolvimento sustentável do cerrado], com pesquisadores e instituições, tem trabalhado muito fortemente essa questão da proteção dos diferentes biomas brasileiros com políticas, com recursos e com participação social. Em relação à questão da Amazônia, em 2003, quando assumimos, verificamos que, de 2001 para 2002, tivemos um crescimento do desmatamento da ordem de 27%, saindo de 18 mil quilômetros quadrados para 23 mil quilômetros quadrados a área devastada na Amazônia. Imediatamente, levamos ao presidente Lula a idéia de que o desmatamento não poderia mais ser tratado apenas pelo Ministério do Meio Ambiente, que se deveria ter uma política integrada, que se deveria ter um plano e recursos específicos para as ações de combate ao desmatamento. Treze ministérios trabalharam políticas, o plano começou a ser implementado há mais de um ano, e o resultado eu posso rapidamente dizer, porque você [olhando para a câmera, dirigindo-se ao entrevistador Frederico] falou de omissão e de lentidão. Nós já fizemos nove grandes operações integradas Ibama-Polícia Federal, 245 pessoas foram presas por crimes ambientais... Só no estado do Mato Grosso, foram dissolvidas quatrocentas empresas fantasmas que trabalhavam com ATPFs [Autorização para Transporte de Produtos Florestais] falsos. Eu posso te citar aqui que chegamos a fazer 23 operações simultâneas, e o estado do Pará, que era o estado campeão do desmatamento em 2002, agora em 2005 teve uma queda de 31%. E mesmo o estado do Mato Grosso, campeão do desmatamento ainda, teve uma queda em 2005 de mais de 40%. E isso se verifica também em Rondônia, [com queda de] 18%, e em várias outros estados, inclusive no meu estado do Acre, graças às políticas que lá vêm sendo implementadas. A lógica da política de combate ao desmatamento da Amazônia é: o ordenamento territorial e fundiário [...]
  e eu tenho uma parceria fantástica com o ministro Miguel Rossedo. Só para você ter uma idéia, foram inibidas na Amazônia 66 mil propriedades ilegais, coisa jamais pensada e feita na realidade da Amazônia, graças à Portaria nº 10 [regulamente as posses de terras na Amazônia Legal; instituída em dezembro de 2004 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA)]. Vários trabalhos integrados entre a Polícia Federal, o Ministério da Defesa, o Ministério do Trabalho e o Ministério do Meio Ambiente, no sentido de fazer frente a isso. E tivemos agora, em 2005, uma queda de 31%. E qual é o desafio? O desafio é que, em 2006, isso não pode, de jeito nenhum, significar qualquer euforia. Nós não vamos abaixar a guarda. Eu comecei o ano de 2006 – eu, o ministro [Márcio] Thomaz Bastos [ministro da Justiça entre 2003 e 2007, teve sempre grande atuação na vida política do país. Participou ativamente o processo de impeachment do presidente Fernando Collor, foi advogado de acusação [no] caso Chico Mendes, criou a Ação da Cidadania e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)] e o delegado Paulo Lacerda lá na Terra do Meio, na Estação Ecológica da Terra do Meio [no estado do Pará], a maior estação ecológica do mundo, implodindo 23 pistas clandestinas, num total de oitenta pistas clandestinas que nós identificamos através do Ibama. Agora, é claro que tem um conjunto de outras ações, que eu nem vou ter tempo aqui de citar, mas o que se está fazendo hoje, na Amazônia, é política estruturante, que combina ordenamento territorial e fundiário, apoio às atividades produtivas sustentáveis e um programa claro de destinação de terra, inclusive de criação de unidades de conservação.

Paulo Markun: Ministra, ficou faltando a biopirataria.

Marina Silva: Ah, a biopirataria! A biopirataria é um problema que todos cantam em verso e prosa. No entanto, eu infelizmente – ou felizmente – sou autora do Projeto de Lei [apresentado quando Marina Silva era senadora de 1995 a 2002], em 1995, que estabelecia as regras para o combate à biopirataria. Infelizmente, ele até hoje não foi aprovado no Congresso Nacional. Com a aprendizagem da Medida Provisória [MP 2.186 editada em 2001, dispunha sobre a gestão do patrimônio genético] do governo anterior [
Fernando Henrique Cardoso] que tinha alguns problemas, mas também muitas qualidades e com a aprendizagem do debate, de quase 11 anos no Congresso Nacional, nós estamos trabalhando agora uma Lei de Acesso a Recursos Genéticos, que vai dar uma grande contribuição para o combate à biopirataria. Mas uma coisa também foi feita: convênios com a Infraero [Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária] com a Polícia Federal... A Polícia Federal hoje tem uma delegacia especializada em cada estado, desde 2003 – nós criamos isso junto com o ministro Thomaz Bastos , de combate a crimes ambientais. Nós fizemos a apreensão de cerca de quarenta mil espécies da nossa fauna e da nossa flora, por ano, que estavam sendo levados clandestinamente, graças ao trabalho integrado que estamos fazendo: Polícia Federal, Ibama, Infraero e as redes de comunidade local. Acabamos de fazer uma parceria Ministério das Relações Exteriores, Polícia Federal [e] a Renctas [Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres], para uma campanha internacional de combate à biopirataria, além de vários esforços que temos feito e que têm dado resultado significativo. Agora, é fundamental uma Lei aprovada no Congresso, porque a Medida Provisória estabelece sanções administrativas mas não estabelece penalidades. E uma Lei, que não tem unha e não tem dentes, acaba se tornando inócua.

[intervalo]

[Comentarista]: As regras de segurança para os organismos geneticamente modificados têm como ponto de partida o Protocolo de Cartagena, adotado em 2000. Foi o primeiro acordo internacional sobre as medidas de segurança para os transgênicos, levando em conta as necessidades de consumidores, indústrias e do meio ambiente. Mas o processo de conciliar interesses comerciais e segurança genética gerou disputas. De um lado, os que defendem a biotecnologia como caminho para a segurança alimentar; de outro, os que alegam questões ambientais, éticas, sociais e de saúde para limitar a biotecnologia. Dos 132 países do Protocolo de Cartagena, a maioria – inclusive o Brasil – já permite a comercialização de transgênicos internamente, desde que os rótulos alertem os consumidores. Mas não decidiram ainda como fazer a rotulagem desses produtos quando eles circulam de um país para o outro. E essa é a discussão central da MOP-3 em Curitiba. A maioria é a favor de rotular com o termo “contém transgênicos”, mas o Brasil e a Nova Zelândia são contra e propõem o termo “pode conter transgênicos”. “Conter” ou “pode conter” já criou um impasse na última reunião do grupo, no Canadá em 2005, e a polêmica está de volta.

Paulo Markun
: Bom, ministra, nós recuperamos aí o que foi discutido no primeiro bloco e eu queria começar esse segundo com a pergunta de Luís Gustavo, aqui de São Paulo: “Quais foram os eventos mais frustrantes e o que a senhora considera um sucesso em sua gestão como ministra?”. Como a senhora falou de uma porção de sucessos no bloco anterior, apresentou aí um quadro bastante cor-de-rosa do...

Marina Silva
: Não...

Paulo Markun: ...
eu acho da atuação do Ministério. Se reduziu em 30% o desmatamento, isso tem que ser comemorado! Agora, quais foram os eventos frustrantes?

Marina Silva
: Bem, em primeiro lugar eu acho que, em três anos, seria muito pretensioso achar que se poderia fazer tudo e se dar ao luxo de ficar sofrendo frustrações. Acho que algumas coisas precisam ser aprofundadas. Por exemplo, a continuação da luta pelo combate ao desmatamento, por mais que se tenha uma redução de 31% agora em 2005, ela precisa ser aprofundada. E aprofundada não apenas com as ações de comando e controle, as ações de desenvolvimento sustentável. Para não deixar em branco a sua pergunta, quando nós começamos o governo, nós fizemos um levantamento, eu e a minha equipe, sobre as obras de infra-estrutura, principalmente no caso da Amazônia, que geravam um altíssimo impacto ambiental. E algumas delas foram elencadas, como por exemplo, Belo Monte, BR-163 e outras. A BR-163 foi considerada de altíssimo impacto ambiental e nós levamos para o presidente Lula – e, à época, ao ministro-chefe [da Casa Civil] José Dirceu
várias questões que diziam que a estrada não poderia ser feita, a menos que... E havia um consórcio privado que estava articulado junto com as prefeituras, junto com os governos estaduais, para fazerem a estrada. E nós levamos as observações de que a estrada não poderia ser feita. Imagina-se que isso cria um certo tensionamento entre a área ambiental e a área de infra-estrutura. Mas também, baseados na idéia do planejamento ambiental, nós levamos algumas equações que, se resolvidas, a estrada poderia ser feita. Uma delas já estava resolvida: a sociedade organizada, mobilizada, desde organizações não-governamentais às comunidades locais, instituições de pesquisa e até alguns representantes políticos, já diziam também que a estrada era importante, desde que se fizesse um programa de desenvolvimento sustentável para toda a área de abrangência da BR-163. Nós levamos essas idéias e dissemos: “A estrada só pode ser feita se fizerem um programa de abrangência para toda a área, ou seja, 24% da Amazônia; criarem as unidades de conservação; demarcarem as terras indígenas; fizerem os arranjos produtivos locais; e se trabalharem numa perspectiva de ordenamento fundiário e territorial. Tudo isso foi acatado pelo governo. É claro que eu estou falando rapidamente, mas isso tem um processo de maturação. E, para você ter uma idéia: o programa de desenvolvimento sustentável da BR vai estar sendo lançado, as organizações da sociedade todas estão de acordo, as comunidades indígenas, as comunidades locais, as ONGs... A licença está dada e eu estou, digamos, muito ansiosa para que essa estrada comece a ser feita, não é?

Beto Ricardo: Agora, ministra, por que o governo recentemente anunciou investimentos na pavimentação de Porto Velho-Manaus, que é uma estrada que justamente não tem todas essas precauções nessa mobilização da sociedade civil? A senhora não acha estranho que, enquanto vocês estão se articulando para lançar o plano de proteção da [BR] 163, o governo esteja, ao mesmo tempo, anunciado que vai investir na pavimentação de uma outra rodovia que não tem nenhuma dessas precauções, por exemplo?

Marina Silva: Olha, Beto, acho que uma coisa é, digamos, uma orientação do Ministério de Transportes, outra coisa são as obras prioritárias que estão definidas como ação de governo. No caso da [BR] 319, você tem inteira razão. Não existe esse arranjo que foi feito para a BR-163 e, no caso da BR-163, pode vir a ser uma frustração se essa estrada, que pode ser um paradigma para a Amazônia, não vier a ser asfaltada. Claro que isso não vai acontecer porque o presidente Lula acaba de priorizar o investimento na BR-163, não nos moldes que havia sido pensado pelo governo anterior que seria, digamos assim, teria pedágios para poder viabilizar, um consórcio puramente privado. Agora vai ter que entrar recursos públicos de PPPs [Parcerias Público-Privadas]... enfim, todos esses investimentos que o governo tem que fazer para assumir, inclusive, [para] ajudar a absorver os custos ambientais. No caso da [BR] 319, a posição do Ministério do Meio Ambiente é muito claramente de que ela é, inclusive, concorrente com a [BR] 163 – é quase que paralela – e não existe esse arranjo, não tem nem licença ambiental. O que nós fizemos foi, utilizando o expediente da limitação administrativa temporária
que corajosamente o presidente Lula criou esse instrumento , e já limitamos, como fizemos na BR-163, toda a área que precisa ser preservada da [BR] 319.

Liana John: Como é que a...

Vera Diegoli
: Agora, ministra, a gente vai levar para a Conferência sobre Diversidade Biológica um título nada agradável, como a senhora já sabe, que é o que foi dado pela FAO [Food and Agriculture Organization]. Nos últimos cinco anos, uma pesquisa realizada das florestas tropicais indicou, no período de 2000 a 2005... elegeu o Brasil como campeão em desmatamentos, não é? São 31 mil quilômetros quadrados ao ano de áreas desmatadas. Como a senhora analisa esse título que a gente vai ter que levar para a Conferência?

Marina Silva: Não é necessariamente um título. O problema é que você tem que ver isso dentro do contexto. O Brasil tem o maior desmatamento, mas também é o maior detentor de floresta tropical do planeta. Logo, isso tem que... [sendo interrompida]

Liana John: Não é a Rússia a maior detentora? Em área de florestas, no mundo, é a Rússia, não é ?

Marina Silva: É, mas o Brasil, digamos, tem...

[...]: Tropicais.

Liana John
: Tropicais, sim.

Marina Silva
: ... é o maior detentor de florestas tropicais do planeta e tem, digamos assim, uma perda de floresta grande porque também tem uma floresta muito grande. Agora, é claro que, nos últimos nove anos, há uma perda florestal muito grande. É a primeira vez, em nove anos, que se tem uma queda do desmatamento significativa de 31% e eu posso te dizer: isso só é possível graças a esse esforço integrado de 13 Ministérios trabalhando juntos, graças a um esforço também da sociedade que vem trabalhando na implementação, na correção das políticas e na transparência que vem sendo dada em relação à questão do desmatamento. Até 2002, o desmatamento era uma caixa preta. Em que pese todos os esforços do MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia], do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais]... enfim, de todos os que trabalham nessa agenda, mas o dado só era disponibilizado dois anos após a floresta já ter caído. O que nós fizemos com o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], o Gilberto Câmara [do Inpe], todos nós trabalhando juntos? Nós temos que ter uma ferramenta que nos ajude a combater o desmatamento quando ele está acontecendo. E aí, ao lado do sistema [inaudível], que faz a avaliação da perda de floresta na base histórica, que já vinha fazendo há mais de 17 anos, nós criamos o Deter, que é o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real. E é a partir dessa nova ferramenta, que é acessível a todas as pessoas que se cadastrarem no sistema, que nós temos feito esse trabalho.

Sérgio Abranches
: Ministra, vai ter recurso para combater o desmatamento este ano, sem orçamento?

Marina Silva
: Não, tem orçamento.

Sérgio Abranches
: Mas o orçamento não foi aprovado ainda pelo Congresso.

Marina Silva
: Ah, sim, mas aí eu acho que o Congresso tem que pensar isso no contexto do país. Eu sou parlamentar e jamais imaginaria que o Congresso Nacional não irá equacionar esse problema. Todavia, nós fomos previdentes. Logo no início do ano, nós nos reunimos com a chefe da Casa Civil [ministra Dilma Roussef] e dissemos que os recursos para o plano de combate ao desmatamento não pode sofrer nenhum tipo de interrupção. Até agora temos manejado com recursos internos, do próprio Ministério. E, essa semana, o doutor Flávio Montiel [diretor de Proteção Ambiental do Ibama] e o doutor Marcus [Luiz Barroso] Barros [presidente do Ibama] estavam em Mato Grosso fazendo uma coisa fantástica: uma operação de combate ao desmatamento conjunto. O governo do Mato Grosso e o governo federal, acho que pela primeira vez, fazendo um trabalho integrado. E, após a Operação Curupira [operação policial que desmantelou uma quadrilha da madeira qua atuava no Ibama, composta de servidores e empresários] eu fiz questão de ligar para o governador. O governador veio a Brasília, fizemos já, mais ou menos, umas quatro reuniões e estamos trabalhando [em] várias ações: criação de unidades de conservação no Mato Grosso
que é preciso criar –; essas ações integradas de combate ao desmatamento; além de um programa inovador de certificação de alguns produtores de grãos do Mato Grosso, fazendo rastreabilidade e certificação para provar que esse produtores não estão fazendo os seus investimentos às custas da nossa biodiversidade e do descumprimento da legislação trabalhista.

Roberto Villar Belmonte
: Ministra, a senhora diria que o governador [do Mato Grosso] Blairo Maggi, que vem desenvolvendo junto ao governo federal ações em parceria desde a Operação Curupira, hoje é um aliado da questão ambiental? E quais são convergências que a senhora vê entre agronegócio e meio ambiente na região Amazônica?

Marina Silva: Olha, depois da Operação Curupira, que foi talvez uma operação paradigmática, no dia 22 de junho nós descemos em Mato Grosso com 480 policiais federais e 39 funcionários do Ibama e desmontamos uma quadrilha que funcionava há 15 anos envolvendo servidores públicos estaduais, servidores públicos federais e envolvendo despachantes, supostos empresários, e assim por diante. E eu acho que esses processos nos fazem amadurecer, e o governador Blairo Maggi dissolveu o antigo órgão ambiental, criou uma Secretaria de Meio Ambiente... [sendo interrompida]

Roberto Villar Belmonte
: Ele é um aliado para a senhora?

Marina Silva: Com certeza! Implementando o plano é um aliado, assim como o governo do Pará, que era o campeão do desmatamento, agora tem uma queda de mais de 30% no desmatamento. Estamos trabalhando juntos. Agora você me pergunta: “Essa relação é tranqüila, é dada a priori?”. Não é. Ela é um processo em construção. Mas eu acho que as instituições públicas têm que acumular processos e fazer com que, digamos assim, a Lei possa ser aplicada a partir desse olhar institucional de relação. Inclusive o Mato Grosso tem um sistema de licenciamento em propriedade rural, que foi apoiado e implementado pelo Ministério do Meio Ambiente
com o apoio do Ministério do Meio Ambiente , que agora está sendo generalizado para todo o país e particularmente para a Amazônia. 

Paulo Markun: Ministra, eu queria registrar que a senhora respondeu, direta ou indiretamente, às perguntas de Vera Vilela, de São Paulo; Valdir Luís, do Mato Grosso do Sul e Reginaldo, do Maranhão; e Léia Machado, de São Paulo, que queriam saber estratégias para converter a devastação da Amazônia, redução do desmatamento no Mato Grosso do Sul e em outros estados. E agora a pergunta é de Roberto Requião, governador do Paraná, que quer saber sobre a ocupação de terras na Amazônia.

Roberto Requião [VT]
: Ministra Marina, você sabe a admiração que eu tenho por você, consolidada numa convivência longa no Senado da República. Mas a pergunta que eu lhe faço é a seguinte, ministra: a senhora não acha que essa história de concessões de espaços enormes na Amazônia para multinacionais substituem aquele medo que a gente tinha da ocupação militar da nossa Amazônia? Nós estamos entregando agora, de dentro para fora, aquilo que temíamos que nos fosse tomado de fora para dentro. A senhora não tem uma preocupação igual à minha, ministra, em relação a isso?

Marina Silva
: Eu vou responder com o mesmo carinho e respeito [com] que você se dirigiu a mim, Requião [sorrindo]. A gente conviveu durante oito anos no Senado e enfrentamos grandes batalhas juntos, e ainda estamos enfrentando aí pela vida. Mas eu posso te dizer que o PL [Projeto de Lei 4.776/05] sobre Gestão de Florestas Públicas [aprovado na semana anterior a essa entrevista concedida por Marina Silva, prevê, entre outras medidas, a concessão de florestas públicas para exploração sustentável], ao contrário do que muitos dizem, no lugar de promover a entrega da Amazônia, ele preserva a Amazônia. É a única forma de você fazer com que as florestas continuem sendo florestas e continuem sendo públicas. O que vinha acontecendo na Amazônia era um verdadeiro assalto da grilagem de terras, e não se está fazendo destinação de áreas de forma indiscriminada. O que o governo aprovou é uma Lei de Gestão de Florestas Públicas num país que tem uma economia florestal e uma vocação florestal que, em trezentos anos, explora suas florestas e não tinha uma lei. E isso tem feito com que as pessoas façam grilagem de terras para poder pegar o recurso florestal, de sorte que esse PL cria o serviço florestal brasileiro, cria um fundo de apoio à atividade florestal e faz a destinação de área para, de acordo com licitações onerosas para grandes e médias empresas, a destinação de áreas para pequenos e médios manejadores comunitários, dentro de regras claras a partir de manejo. Você não está titulando área, não está, em hipótese alguma, fazendo com que isso possa se constituir em privilégio para empresas estrangeiras. Serão empresas nacionais. E a Lei, que foi aprovada no Congresso, é uma cunha definitiva entre a grilagem de terras, a exploração predatória para a pecuária e a exploração predatória para a produção de grãos. De sorte que, o que nós vamos fazer é valorizar nossas florestas em pé com o manejo sustentável, com a certificação de origem. Já criamos o primeiro distrito florestal sustentável. Para você ter uma idéia, numa área de cinco milhões de hectares, se gerava 18 mil empregos a partir da grilagem, sem carteira assinada, sem levar em conta as leis trabalhistas. Nesse momento, com o distrito florestal sustentável, se criarão cem mil empregos em condições socialmente justas, se fará um manejo em bases sustentáveis, sem ser a garimpagem das espécies, como vinha sendo feita, e ainda se arrecadará 1,8 bilhão de reais por ano em ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços] para investimento nas prefeituras. E a destinação não é de toda a Amazônia, é de apenas 13 milhões de hectares por uma experiência de dez anos, de sorte que estamos fazendo algo inteiramente responsável para mostrar que a floresta de pé é mais rentável do que ela derrubada, onde se vai fazendo a garimpagem dos nutrientes do solo e depois vai se abandonando o solo. Hoje, na Amazônia, já existem 160 mil quilômetros de área abandonada e semi-abandonada. Se utilizar essas áreas corretamente como está previsto no plano que o Ministério da Agricultura está trabalhando – o Programa de Desenvolvimento Sustentável para a Agricultura – nós dobraremos nossa capacidade de produzir grãos e de rebanho bovino sem precisar derrubar mais um pé de mato.

Marcelo Leite: Ministra, eu gostaria de voltar à questão dos números. Eu concordo com o Markun que a sua visão talvez seja um pouco rosa, e é perfeitamente compreensível, vindo de uma pessoa do governo. O governo, acho que merece todos os cumprimentos pelos esforços que tem feito, que são visíveis. O Brasil inteiro deve comemorar a redução de 31% do desmatamento, ninguém em sã consciência pode colocar isso em dúvida. Mas o fato é que foram 18 mil quilômetros quadrados de floresta. Ele só foi uma redução de 31% porque vínhamos de uma base absurda de 27 mil e duzentos quilômetros quadrados no ano anterior, que foi a segunda maior taxa de desmatamento da história medida.

Liana John
: Aliás, você me permite, Marcelo, fazer só uma correçãozinha. A gente teve uma queda anterior de desmatamento, que foi justamente a dos 29 mil...

Marcelo Leite: Exatamente, a de 94 [ao fundo].

Liana John: ... que era a de 1995. A de 95 caiu para os 18 mil.

Marcelo Leite: Mas, de qualquer modo, só... [sendo interrompido]

Marina Silva
: Eu falei nos últimos nove anos, não é? Nos últimos nove anos.

Marcelo Leite: Certo [rindo].

Liana John
: Mas a gente tem uma história anterior... [rindo]

Marina Silva
: Não, não. Mas então...

Marcelo Leite
: Mas de qualquer modo... [ao fundo]

Marina Silva
: ... eu fiz um recorte dos últimos nove anos. É claro que eu tenho consciência que, de 95 para 96, quando chegou àquele número absurdo, veio aquela medida corajosa de aumentar a reserva legal na Amazônia de 50 para 80%. Eu sei exatamente esse recorte, estou falando nos últimos nove anos após aquela queda, correto? Até porque os segmentos se reagruparam e voltaram de novo a devastar com toda a força. Mas eu quero continuar ouvindo [apontando para Leite].

Marcelo Leite: Eu só quero concluir aqui. A questão, de qualquer modo [...]
vamos fazer um exercício de especulação: mesmo que neste ano a gente repita a fantástica soma de 18 mil e novecentos quilômetros quadrados de desmatamento, esses três anos de governo Lula vão representar 65 mil quilômetros quadrados de desmatamento. Na média, dá mais de 21 mil por ano, que é uma cifra absurda e é maior do que qualquer cálculo que se faça sobre o período Fernando Henrique Cardoso, primeiro mandato separado, segundo mandato separado, ou os dois mandatos juntos. Isso é um indicador correto, objetivo, suficiente da sua gestão no Ministério?

Marina Silva
: Olha, quando entrei no Ministério do Meio Ambiente, eu sabia que era um desafio muito grande, e quando você diz que eu faço uma avaliação rosa por ser do governo, eu discordo de você. Eu faço uma avaliação de que tivemos ganhos, e que esses ganhos precisam ser reconhecidos e celebrados, até porque eles não são fruto da ação exclusiva do governo. O que o governo está fazendo não tem nada de novo. O que o governo está fazendo é colocando em prática aquilo que a sociedade já estava careca de dizer: “Desmatamento não dá para ser combatido apenas pelo Ministério do Meio Ambiente, tem que ser uma ação integrada”. Desmatamento tem que ser combatido com transparência, colocando claramente os dados, e isso está sendo feito. O governo tem que ouvir a sociedade na hora de tomar as decisões. Foram feitos três seminários técnico-científicos com a sociedade para acolher essas sugestões. Estamos implementando – corajosamente, eu devo dizer – o presidente Lula está implementando todo esse conjunto de sugestões. E o que eu estou é, em hipótese alguma, minimizando os números que você está colocando. Não estou dizendo isso. E também não quero comparar, até porque eu peguei uma realidade em que o desmatamento vinha crescendo a 27%. É como se eu tivesse um navio a alta velocidade em alto-mar. Eu tenho que frear esse processo e fazer uma curva para ele crescer, e a minha posição dentro do governo foi: “Eu não vou fazer pirotecnia ambiental”. Nós vamos fazer coisas estruturantes, para que fique para o Estado brasileiro uma política que vá além dos governos. Criar 15 milhões de unidades de conservação em áreas de conflito, diferentemente das que eram criadas, igualmente importantes, em regiões remotas da Amazônia, é política estruturante. Mexer em ordenamento territorial e latifundiário, em que há trinta anos não se mexia neste país, é política estruturante. Ter um trabalho voltado para, inclusive, redimensionar o crédito, como está fazendo o ministro Ciro Gomes [ministro da Integração Nacional entre 2003 e 2006], para que os projetos aprovados pelo Basa [Banco da Amazônia S/A], pelo Banco do Brasil, possam incorporar critérios de sustentabilidade – já fez isso
, é política estruturante. Estamos discutindo, inclusive, que isso possa ser levado para os bancos privados, é política estruturante. De sorte que, o que nós temos que celebrar é um processo que precisa se consolidar, sem a ansiedade de ficar medindo se eu fiz mais ou menos do que o Fernando Henrique. Até porque...

Marcelo Leite
: Independente da comparação.

Marina Silva: Exatamente. Eu não quero fazer... [sendo interrompida]

Marcelo Leite: Independente da comparação, mas se estamos num patamar e, aparentemente, não conseguimos sair dele, de vinte mil quilômetros quadrados por ano, mais ou menos, na média, com todos os esforços que o governo vem fazendo
e eu concordo, vários deles aparentam ir na direção absolutamente correta isso quer dizer que há uma dinâmica muito mais poderosa por trás que a ação do governo talvez não seja suficiente para contê-la.

Marina Silva
: Não, mas aí você colocou um ponto fundamental. É com isso que nós estamos trabalhando. A dinâmica, hoje, não é apenas de você fazer, digamos, uma ação pura e simples de comando e controle. O que nós estamos conseguindo como resultado, inicialmente, é fruto das ações de comando e controle, e algumas ações estruturantes, como essa de inibir sessenta mil propriedades ilegais na Amazônia. Isso já começa a dar alguns resultados. Agora, qual é o grande desafio para qualquer governo? É juntar essas ações de comando e controle com as ações de desenvolvimento sustentável. E aí eu posso te dizer: fazer um plano para a área de abrangência da BR-163, 24% de toda a Amazônia, é você mexer na dinâmica do desenvolvimento. Quando eu digo que precisa utilizar corretamente os 160 mil quilômetros quadrados de área convertida, abandonada ou semi-abandonada, para aumentar nossa capacidade de produção sem precisar converter mais floresta, isso é mexer na dinâmica do desenvolvimento. E nós temos, inclusive, que criar crédito, incentivo, eu não sei quais seriam os instrumentos econômicos. Estamos discutindo, inclusive, com o Ministério da Fazenda e do Planejamento, para que os produtores que queiram utilizar essas áreas convertidas, possam ter apoio para poder assimilar os custos dessa produção; e precisará desse tipo de incentivo. Então, voltando àquilo que você falou, não tenho uma avaliação rosa em hipótese alguma. Eu sei a responsabilidade que é reverter esse processo na Amazônia – ele é fruto de muitas variáveis – e é por isso que nós colocamos: tem que ser todos os Ministérios juntos:  Transporte, Agricultura, Minas e Energia, Meio Ambiente, e da Justiça. Senão, a gente não consegue fazer frente. E, mais do que o governo, a sociedade [...], acho que a sociedade tem dado uma grande contribuição, inclusive os setores produtivos.

Paulo Markun
: Ministra, queria exibir a pergunta de Márcia Hirota, da [Fundação] S.O.S. Mata Atlântica.

Márcia Hirota [VT]
: Ministra Marina Silva, a senhora tem se empenhado muito na criação de leis ambientais e, desde que assumiu o Ministério do Meio Ambiente, está comprometida com a aprovação do Projeto de Lei da Mata Atlântica, que agora está na reta final [Lei 11.428 aprovada em dezembro de 2006, após 14 anos de tramitação no Congresso]. Considerando que 70% do que resta da Mata Atlântica está em mãos de proprietários particulares, e há um movimento crescente das RPPNs, Reserva Particular do Patrimônio Natural no país. Como a senhora avalia esse projeto que prevê incentivos para quem preserva as suas áreas naturais e de que forma os governos podem agir para garantir, efetivamente, as RPPNs no país?

Marina Silva: De fato, nós temos nos empenhado muito para a aprovação da Lei da Mata Atlântica. Essa Lei está tramitando no Congresso Nacional há 15 anos e, infelizmente, esse tempo todo fez com que tivéssemos uma perda de floresta muito grande. Quando eu penso que, quando os descobridores chegaram aqui, nós tínhamos um milhão e trezentos mil quilômetros quadrados de Mata Atlântica, e agora só temos 7%, a aprovação da Lei é urgente, urgentíssima. Com um esforço muito grande dos segmentos da sociedade, inclusive da S.O.S. Mata Atlântica – o [Mário] Mantovani [diretor da Fundação] tem se dedicado juntamente com todos os parceiros da rede pela aprovação desse projeto
, nós temos trabalhado muito pela sua aprovação. O secretário João Paulo Capobianco [secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente na gestão de Marina Silva] e toda a sua equipe têm se dedicado ao máximo a essa aprovação. Conseguimos aprovar na Câmara dos Deputados e depois a conseguimos aprovar, recentemente, no Senado, e temos a chance de aprovar – eu espero –, inclusive, durante a realização da 8ª Conferência das Partes, que está acontecendo em Curitiba, da Convenção sobre Diversidade Biológica, um incentivo que pode ser dado. Inclusive, a partir da aprovação da Lei, dos esforços que já vêm sendo feitos pelo Ministério e pelo Ibama, [isso] é uma forma de fazer com que aqueles particulares que queiram criar a suas RPPNs possam contribuir com esse processo de proteção de um bioma que está super ameaçado de... enfim, de perda da floresta, de perda da biodiversidade. Todo o esforço que temos feito, inclusive esse levantamento que está sendo feito dos biomas ameaçados pelo Ministério do Meio Ambiente, é no sentido de que possamos estar atendendo a esse clamor que você acaba de colocar. E o presidente Lula também aprovou o Decreto [5.092 de 21 de maio de 1992], das áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, de sorte que todo nosso esforço atende a essas prioridades, já definidas tecnicamente, cientificamente e, agora, politicamente.

[Falam simultaneamente]


Roberto Villar Belmonte: Outro tema polêmico em Curitiba, ministra, é o controle do acesso à repartição dos benefícios dos recursos genéticos. A senhora assume a presidência, na próxima semana, da Malásia, o Brasil fica presidindo a Convenção  sobre Diversidade Biológica por dois anos. Como a senhora pretende acelerar as negociações desse novo instrumento internacional? E a senhora acredita que esse instrumento que está sendo negociado intensamente aqui no Brasil a partir da próxima semana, pode ser um novo protocolo dentro da Convenção?

Paulo Markun
: Aliás, Roberto, para a gente, mais uma vez, não cair num debate de especialistas, eu sugiro que a ministra comece explicando, afinal de contas, o que é isso.

Marina Silva
: Está certo.... [sendo interrompida]

Beto Ricardo: Desculpe. Ministra, eu só queria que a senhora explicasse também qual é a posição do Brasil, porque a gente sabe que o Ministério do Meio Ambiente e o Conselho de [Gestão] do Patrimônio Genético [CGen] têm se esforçado para que o Brasil saia da Medida Provisória e apresente um Projeto de Lei para a sociedade que regulamente o acesso aos recursos genéticos, a proteção do conhecimento tradicional e a repartição dos benefícios oriundos da biodiversidade brasileira. Só que esse projeto, até agora, não veio à tona. O governo vai botar na roda agora esse projeto, em Curitiba? Como é?

Marina Silva
: Com certeza, Beto. Eu vou tentar responder o que o Roberto perguntou e depois o que você está colocando. Primeiro, o regime internacional de acesso está sendo negociado no âmbito da Convenção e estamos buscando, já estamos trabalhando para a sua viabilização, tanto Portugal quanto Espanha – eu mesma tive contatos, quando estive agora em Montreal, [Canadá] na Convenção [sobre] Mudanças Climáticas [COP11], com a ministra da Espanha, que está defendendo essa proposta junto à União Européia, nós temos nos articulado no âmbito dos 17 países megadiversos e, digamos assim, dos países que são ricos em recursos genéticos, mas que não têm recursos para investir na proteção, e até mesmo no estudo científico, em relação a sua biodiversidade, de sorte que estamos trabalhando com afinco para viabilizar o Regime Internacional de Acesso [e Repartição dos benefícios]. Ele não vai ser definido agora, na Convenção, é um processo de negociação que está em curso e visa exatamente isso, não facilitar o acesso, mas que o acesso possa ser prévio, informado, que se estabeleça a justa partilha de benefício, inclusive respeitando a autonomia das comunidades locais em relação aos seus saberes e aos seus conhecimentos tradicionais associados.

Paulo Markun
: Ministra, eu peço que a senhora explique, para quem não é do ramo, o que significa essa questão dos benefícios e esse acesso, afinal de contas. O que é isso?

Marina Silva: A partir de 1992 foi estabelecido na Eco 92 [Rio 92], no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica que cada país é autônomo em relação aos seus recursos genéticos e biológicos e de que cada país deve fazer leis para possibilitar o acesso aos seus recursos genéticos e biológicos. Então, para você acessar os recursos naturais, os recursos genéticos do Brasil, você tem que respeitar a legislação brasileira. E você tem... [sendo interrompida]

Paulo Markun: Quer dizer, não pode vir um estrangeiro aqui, pegar tudo e levar embora.

Marina Silva
: De jeito nenhum. Com a Lei aprovada tanto no âmbito dos Estados nacionais quanto esse instrumento vinculante internacional, no âmbito da Convenção, quem acessar os recursos do país tem que declarar a origem, remunerar o país – se alguma vantagem comercial tiver
, e remunerar as comunidades locais ou tradicionais, caso sejam utilizados os seus conhecimentos tradicionais. Isso é exatamente para evitar a biopirataria, o uso indevido dos recursos e dos conhecimentos. A Lei que o Beto falou foi trabalhada, como já falei anteriormente, muito fortemente dentro do CGen [Conselho de Gestão do Patrimônio Genético], várias contribuições... enfim, da comunidade científica, das empresas, das comunidades locais, dos diferentes setores de governo foram aportadas para o projeto. O projeto foi encaminhado à Casa Civil e houve alguns ajustes, estão acontecendo alguns ajustes da parte de outros setores do governo. A nossa expectativa, as nossas duas últimas reuniões que tivemos, é que isso possa se concluir, eu espero – inclusive até o final da 8ª Conferência das Partes [da Diversidade Biológica (COP8)], em Curitiba –, e que se possa enviar ao Congresso ou levar para consulta pública. É claro que há uma expectativa de que possa ser disponibilizado para consulta pública. Aí tem que se fazer uma avaliação: manda para o Congresso e faz a consulta pública dentro do Congresso, e a gente já acelera o processo de tramitação, ou faz a consulta pública antes.

Beto Ricardo
: Mas a senhora poderia dizer quais são os principais pontos polêmicos? Por que há divergências entre setores do governo com relação a esse projeto e por que se demora tanto? Porque deve haver alguns pontos muito polêmicos, não é isso?

Marina Silva
: É. Em relação a essas questões que eu falei anteriormente, há um acordo, isso é, praticamente, consenso  entre todo mundo: a questão da autonomia das comunidades locais em relação à questão dos seus saberes e à [necessidade de] remuneração por esses conhecimentos. Aí, se tem mais uma forma de saber como estabelecer o benefício de um modo geral, como evitar o que já tem hoje no âmbito da Medida Provisória, que acabou burocratizando demais o processo para pesquisa, para bioprospecção. Criou-se um sistema que, em função até do aprendizado, não teve como se precaver em relação a essas questões e agora tentamos reparar esses aspectos. Mas espero que o quanto antes isso possa ser disponibilizado para os diferentes segmentos da sociedade, seja ainda na Casa Civil ou seja dentro do Congresso Nacional.

Marcelo Leite
: Mas para ser específico, ministra, para bioprospecção a repartição de benefícios vai ser a mesma suspensa?

Marina Silva: Bem, em primeiro lugar, há uma discussão que nós... O problema é que esse processo está sendo coordenado pela Casa Civil. No momento em que explicito todas as questões, estou, digamos assim, tirando essa lógica de um debate interno e já colocando posições. Mas talvez uma coisa interessante, que podemos observar [é], por exemplo, na Lei anterior, [para] a bioprospecção, [para] o uso de determinados recursos, de determinados produtos da biodiversidade [em pesquisa], já se previa que tria que haver uma negociação complexa, visando alguma... [sendo interrompida]

Marcelo Leite: Exatamente, porque pelos cientistas era encarado como um entrave à pesquisa.

Marina Silva: Isso, exatamente, alguma forma de remuneração por algo que não se sabia nem daria algum resultado, algum benefício econômico. Essas questões estão sendo revistas, para que esse processo possa ser simplificado e haja mais estímulo ao uso da biodiversidade. [Quanto] mais uso da biodiversidade, mais repartição de benefícios, mais proteção para a biodiversidade. É uma forma de valorização. Talvez eu possa adiantar algumas coisas dessa natureza, porque, de fato, esse debate tem sido intenso, mas acredito que o projeto que será encaminhado ao Congresso, ou disponibilizado antes para a sociedade, ele vem com uma aprendizagem de 12 anos de debates no Congresso Nacional, de implementação da Medida Provisória do governo anterior, e desse novo olhar, em que a participação social foi constante, os diferentes setores se manifestaram. Agora é um ajuste interno de governo.

Liana John: Ministra, a senhora não acredita que nesse hiato imenso de discussões, quer dizer, entre o período em que se começou essa discussão até agora, se desestruturaram as primeiras iniciativas positivas, no sentido de usar adequadamente a biodiversidade? Até eu gostaria de comentar: a gente fez, recentemente, uma entrevista com Antonio Paes de Carvalho que é o dono da Extracta, primeira empresa brasileira de biotecnologia vegetal, e uma das coisas que ele fala é que, justamente, a carga de burocracia é muito grande, [que] ele já perdeu vários contratos por... – o que ele chama da “MP [Medida Provisória] Monstro”, inclusive [risos], ele dá esse apelido a ela – e diz que não se combate biopirataria, vamos dizer assim, controlando excessivamente quem está fazendo um esforço no sentido de trabalhar honestamente, vamos dizer.

Marina Silva: É, até porque os que trabalham honestamente têm nome, endereço, telefone, eles querem regras claras e querem que o governo dê a capacidade de gerenciar esse processo transparente de acesso, não é? Talvez fosse muito cômodo da minha parte satanizar a Medida Provisória. Ela tem vários defeitos, mas mesmo com a Medida Provisória já se avançou muito no sentido de viabilizar o acesso no Brasil. E a experiência que nós tivemos dentro do CGen é de que esses processos, na medida do possível, no marco da Medida Provisória, têm sido simplificados, e vários projetos têm sido aprovados no âmbito do CGen. É por isso que nós estamos trabalhando muito fortemente para que se aprove logo a Lei e que se tenha, digamos assim, mais estímulo ao uso da biodiversidade, mais uso, mais repartição de benefício, mais proteção, porque é isso que vai fazer com que a nossa biodiversidade deixe de ser prejudicada. A perda, não é? O [Relatório-Síntese da Avaliação] Ecossistêmica do Milênio, que foi feito por 1300 pesquisadores de todo o mundo, dá conta de que nós temos uma perda de biodiversidade só comparada à época da extinção dos dinossauros. De sorte que nós temos que trabalhar, e trabalhar muito velozmente. E esse trabalho é de conservação, mas é também de uso sustentável da biodiversidade.

Vera Diegoli: Mas, ministra, foi feita, inclusive, uma pesquisa sobre o resultado da Conferência Nacional de Meio Ambiente, sobre os projetos mais importantes do governo entre os delegados – 1100 delegados – e eles elegeram a educação ambiental como um dos melhores programas do Ministério do Meio Ambiente. Agora, como você acabou de falar, nesse momento a gente está vivendo a pior extinção em massa de espécies desde a extinção dos dinossauros. Eu acho que a população brasileira, por exemplo, não tem idéia do que está acontecendo com relação à biodiversidade em geral. Será que não está faltando um pouquinho mais de divulgação, de transparência de dados, de trabalho com a população em geral? De falar mais a linguagem da população em geral? Será que nós não estamos conversando mais, como [aponta para Markun]... entre pessoas do setor e pouco com pessoas envolvidas? Será que não teria que fazer uma campanha com a população em geral sobre esse perigo que nós corremos?

Marina Silva: É que a perda da biodiversidade é um processo avassalador no mundo inteiro. Nos países em que você já teve uma perda enorme de biodiversidade, que tiveram seu desenvolvimento econômico-social
[o tiveram] à custa de uma grande perda da biodiversidade. Os países em desenvolvimento vivem um dilema: proteger a sua biodiversidade e proteger o seu desenvolvimento econômico. Para você ter uma idéia, o Produto Interno Bruto [PIB] do Brasil tem 50% na sua biodiversidade: exploração de madeira, pesca e tantas outras atividades para além dos serviços ambientais. De sorte que, proteger biodiversidade é fundamental e estratégico para todos nós e, mais particularmente, para países em desenvolvimento. A questão da educação e da consciência sempre digo que a gente sai da fase da consciência difusa para a fase da atitude concreta acho que avançamos muito no que concerne à consciência difusa. O que falta é aquela atitude prática. E, às vezes, é muito fácil defender meio ambiente no ambiente dos outros, não é? Difícil é defender meio ambiente no ambiente da gente, de sorte que esse trabalho de educação ambiental tem sido muito grande. Nós intensificamos sobremaneira, nos últimos três anos, as redes de educação ambiental. Vamos sediar, agora em abril, o Encontro da Rede Iberoamericana de Educação Ambiental, que vai acontecer em Santa Catarina. Nós realizamos duas conferências nacionais de meio ambiente: a Primeira Conferência Nacional envolveu 66 mil pessoas; a Segunda Conferência, oitenta mil pessoas. Realizamos a Primeira Conferência Infanto-Juvenil, mobilizando cinco milhões de jovens e adolescentes; a Segunda vai acontecer agora em abril, mobilizando cerca de 15 a 20 milhões de jovens e adolescentes. E estamos em um trabalho bastante profícuo, com o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Educação, fazendo todo o treinamento dos professores para que a educação ambiental também possa ser oferecida nas escolas, no âmbito de um sistema de forma transversal. Existem duas coisas que precisam ser feitas: ações voltadas para a proteção, a dinâmica do desenvolvimento, que é concreto e real e faz perder biodiversidade, e essa consciência, onde o próprio cidadão, aquele que quer adquirir no mercado, impõe a qualidade do produto que ele quer: ele quer uma mesa, mas ele quer mesa certificada; ele quer consumir grãos, mas ele quer consumir grãos que não são às custas da destruição da Amazônia, por exemplo. Eu acho que essa consciência, transformada em atitude, faz a diferença.

[intervalo]

Paulo Markun
: Voltamos para o último bloco da entrevista com a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, que ao longo de sua militância política e ambientalista, vem acompanhando a evolução do debate ambiental desde que ele assumiu dimensão internacional.

[Comentarista]: 1972, Estocolmo, Suécia: I Encontro das Nações Unidas sobre Meio Ambiente. Surge ali a noção de que o progresso e a proteção ambiental podem e precisam caminhar juntos. É a semente do desenvolvimento sustentável, o conceito que passou a nortear as grandes conferências que se sucederam. 1992, Rio de Janeiro: o debate mundial chega ao Brasil. A Eco 92, maior encontro sobre meio ambiente e desenvolvimento até então realizado pela ONU [Organização das Nações Unidas] é um marco histórico. Reconhece a questão ambiental como problema planetário e estabelece, para 174 países, compromissos de desenvolvimento sustentável e de proteção do clima e da biodiversidade. 2002, Joanesburgo, África do Sul: o mundo se reúne de novo, agora para colocar em prática as decisões tomadas em 92. Mas o debate não caminha, e o discurso da proteção ambiental muda para o discurso da denúncia. O mundo já teria ultrapassado limites perigosos de poluição e exploração de recursos naturais, e a dificuldade de tomar decisões na Conferência fica evidenciada pela falta de consenso, pelas diferentes divisões e pelos interesses distintos entre os países. Quem vai abrir mão do quê? É o impasse deixado por Joanesburgo e que ronda o debate ambiental hoje, 34 anos depois da Conferência de Estocolmo.

Paulo Markun: Ministra, eu queria saber o seguinte: nós andamos adiante, de 72 para cá? Porque a sensação, quando se olham as estatísticas – nós que eu digo é o mundo, como um todo, e o Brasil mais ainda – dá a impressão que não; quando se olha essa consciência vaga que a senhora citou, sim – todo mundo é ecologista, ambientalista, limpo, puro e são até de recolher a primeira latinha de alumínio na praia da esquina para vender e refazer o ciclo de produção de alumínio.

Marina Silva
: Avançamos. Eu acho que o homem ter consciência de que vivemos a era dos limites é um avanço. Infelizmente, nem todos têm essa consciência, e alguns ainda ficam resistindo e querendo destruir os recursos de milhares e milhares de anos pelo lucro de apenas algumas décadas. Eu acho que esse é o desafio que está posto para a humanidade. Agora, é claro que nós estamos no olho do furacão. Quando alguém chega e diz que a nossa perda de biodiversidade já é semelhante à da época da extinção dos dinossauros, é algo muito grave. E quando eu li essa informação no Relatório-Síntese de Avaliação Ecossistêmica do Milênio... eu me lembro de uma cena, que o meu pai fazia roça de subsistência no seringal e, de repente, ele brocou uma capoeira, para fazer o roçado, e deixou um pé de jurubeba. E várias lagartas que devoram as folhas estavam no pé de jurubeba. Ele derrubou todo o entorno e eu disse: “Papai, o senhor não vai derrubar o pé de jurubeba?”. Ele disse: “Não, vou deixar aí e elas vão se ferrar”. E elas ficaram comendo toda a jurubeba, porque elas atacavam depois o arroz... principalmente o feijão. Ele, com a cabeça dele de lavrador, já sabia que elas dariam prejuízo, não estava ligado na biodiversidade [rindo]. Mas ele deixou só o pé de jurubeba lá e, de repente, quando elas acabaram de comer todo o pé de jurubeba, elas morreram todas. Quer dizer, quando eu vi essa informação eu disse: “Meu Deus, será que nós já estamos no pé de jurubeba? Será que essa coisa já é tão avassaladora assim?”. Mas o importante é que existe uma consciência. O que se avançou, de 92 para cá, com estruturas multilaterais, no âmbito dos Estados nacionais. Se você verificar o que se criou hoje, em termos de organização... [sendo interrompida]

Paulo Markun: Mas aí chegam os Estado Unidos e dizem que não assinam o Protocolo de Quioto, aí chega o setor do agronegócio brasileiro e diz que não é bem assim, que determinada Lei não é bem assado, e isso gera enorme discussão e debate. Quer dizer, todo esse avanço não é um pouco utópico?

Marina Silva: Olha, eu acho que se nós não tivéssemos utopias nós tínhamos parado bem antes da [invenção da] roda, sabe? Eu acho que o que faz rodar, girar esse processo, é a utopia. Eu acredito nisso. Muitas vezes eu fui chamada de sonhadora, por várias razões, e acredito que, o que mobiliza as pessoas, é o sonho, é acreditar. E quando você cria espaços institucionais para fazer essa disputa, para fazer a negociação, você faz isso democraticamente e você consegue avançar. Lamentavelmente, existem alguns setores que eu considero que estão bastante atrasados em relação à percepção do que se tem hoje no mundo. Hoje, pensar... [sendo interrompida]

Paulo Markun: Por exemplo?

Marina Silva
: Esses setores refratários que você coloca, que não podem ser generalizados. Não são todas as empresas que têm essa mentalidade, não são todos os produtores de grãos, não são todos os pecuaristas. Assim como avançaram os ambientalistas começando a dizer o que o meio ambiente pode fazer pelo desenvolvimento, alguns desenvolvimentistas começam também a dizer o que o desenvolvimento pode fazer pelo meio ambiente. Eu acho que é desse encontro de propósitos que pode surgir uma esperança, porque, afinal de contas, estamos aqui na nossa casa comum e temos que continuar a ter esperança. E é preciso ter muita disposição para fazer isso. Eu fico vendo as pessoas que lutam pelos direitos dos índios – o Beto é um deles, não é? – essas pessoas, muitas vezes, são tratadas como se elas fossem contra o progresso, porque o progresso é tomar a última terra indígena e fazer tudo virar pastagem ou seja lá o que for. No entanto, é esse “progresso” [fazendo sinal de aspas com as mãos], com essa mentalidade atrasada, que fez com que o Brasil, que no início do seu descobrimento tinha cinco milhões de índios, agora só tenha setecentos, quatrocentos mil índios. Nós perdemos um milhão de índios a cada século. E eu acho que o progresso que não é capaz de entender a sociedade diversificada, que... digamos assim, os ecossistemas são diversificados, a economia tem que ser diversificada, e também os nossos interesses têm que ser mediados. Eu acredito nisso e trabalho por isso. Eu sempre digo para minha equipe: “Durante muito tempo os ambientalistas ficaram choramingando: o que o desenvolvimento pode fazer pelo meio ambiente?”. Nós começamos a dizer o que meio ambiente e os ambientalistas podem fazer pelo desenvolvimento. E é isso o que você já encontra em algumas empresas. Eu não vou citar aqui porque pode parecer que eu estou fazendo propaganda.

Beto Ricardo
: Ministra, a senhora não se sente, muitas vezes, neste governo – porque este governo não tem essa questão da valorização da diversidade socioambiental do país no seu DNA [sinônimo de base, essência, fundamento]. Quer dizer, é um governo desenvolvimentista e, muitas vezes, a impressão que a gente tem, é que o ideal para este governo é se o Brasil virasse uma espécie de misto quente entre São Bernardo e Barretos, está certo? [Risos] O que tornaria o país extremamente chato. Eu não tenho nada contra São Bernardo e nem contra Barretos. Agora, transformar o Brasil num país dependente do agronegócio e com uma base só urbano-industrial da produção, quer dizer, me parece um contra-senso com a própria diversidade de culturas e de ambientes que o Brasil tem. A senhora não se sente um pouco isolada dentro desse governo, digamos assim?

Marina Silva
: Olha, talvez se nós fôssemos fazer um teste de DNA ambiental de todos os governos, eu não sei exatamente qual seria o resultado, então não vou ficar nessa história do DNA [rindo]. De fato, tem avançado, é o que tenho colocado aqui muito claramente. Em 2002, a BR-163 estava para ser asfaltada, sem um plano de desenvolvimento sustentável, sem demarcar terras indígenas, sem criar unidades de conservação. O processo foi parado. Pela primeira vez se parou um investimento para poder fazer isso. Isso foi feito. Houve uma tentativa de fazer [a usina de] Belo Monte vir [para] o estado do Pará. Esse processo foi questionado juridicamente. Na conversa com a ministra de Minas e Energia, na época ministra Dilma Roussef, decidimos: “Vamos tirar todo o processo para novos estudos, nova licença”. Inclusive, agora, foi feito o redimensionamento de Belo Monte, novo termo de referência para licença de Belo Monte. Posso te dizer que, hoje, o Ministério do Meio Ambiente está trabalhando com 16 ministérios, um conjunto de 32 agendas bilaterais, que vai desde rodadas de petróleo e gás, até a questão de combate ao desmatamento. Imputo nisso a idéia de uma política ambiental integrada, de inserir a variável ambiental no planejamento das ações de outros setores de governo. Hoje, você tem vários setores de governo que sentam com o Ministério do Meio Ambiente não para ficar apenas dizendo que não saiu a licença, mas, para planejar, como a licença pode ter menos impacto ambiental, antes de pedir a licença. E eu acho que isso faz a diferença. E isso não se consegue fazer se não for com a liderança do presidente Lula; a BR-163 não teria sido paralisada se não fosse o presidente Lula; hoje eu não teria o Exército, a Polícia Federal e vários setores trabalhando junto comigo se não fosse uma determinação do presidente Lula. Ter criado 27 delegacias especializadas da Polícia Federal em combates a crimes ambientais, eu acho que isso já é um pouco de meio ambiente no DNA do governo. O problema é que governo não é pessoa, governo é instituição. Acho que se estão criando processos institucionais que são inovadores. Quando assumi, estabeleci quatro diretrizes: desenvolvimento sustentável, controle e participação social, política ambiental integrada e fortalecimento do Sisnama [Sistema Nacional do Meio Ambiente]. Podemos fazer o cruzamento entre essas quatro diretrizes e as ações do governo, [que] nós vamos encontrar um conjunto de ações que vêm sendo operadas. Não é fácil. É difícil, é complexo, mas estamos fazendo. Desculpa, Paulo [fazendo sinal para o moderador falar].

Paulo Markun: Ministra, última pergunta que é da Vera e do Beto Ricardo. Eu só transmito: a senhora será canditada ao governo do Acre e vai deixar o Ministério?

Marina Silva: [Risos] Eu sou candidata a cabo eleitoral de qualquer candidato que seja indicado pela Frente Popular no Acre. Claro que estou brincando, sei o quanto é complexo esse processo de disputa política, mas o que  tenho dito para o meu amigo e companheiro Jorge Viana [Jorge Ney Viana Macedo Neves, foi governador do Acre em dois mandatos
1998 e 2002, quando foi reeleito] é que eu quero finalizar o meu trabalho a frente do Ministério do Meio Ambiente. Este é um ano importantíssimo, porque nós conseguimos 31% de redução do desmatamento, mas – como disse o Marcelo – não pode ficar fazendo disso tintura cor-de-rosa. Nós temos que continuar trabalhando. E, num ano eleitoral, nós temos que ter, digamos assim, a capacidade de fazer as políticas funcionarem. Sou candidata a continuar esse processo, de uma política ambiental integrada, que mobilize os diferentes setores do governo, para discutir infra-estrutura, para colocar meio ambiente, digamos, no planejamento das ações do governo.

Paulo Markun: Muito obrigado, ministra, obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. Estaremos aqui na próxima segunda-feira com um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda.

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