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Heródoto Barbeiro: Olá, boa noite. Ele mesmo se define como operador de uma máquina muito grande que executa a política externa brasileira. E é à frente dessa máquina que ele busca um novo espaço para uma atuação mais ativa do Brasil na economia internacional. O Roda Viva de hoje entrevista o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, responsável pelo encaminhamento das negociações brasileiras junto aos principais blocos econômicos em formação hoje no mundo.
[Comentarista]: Celso Luiz Nunes Amorim é um veterano do Itamaraty e um dos diplomatas brasileiros mais conhecidos e prestigiados no exterior. É a segunda vez que ele ocupa o cargo de ministro das Relações Exteriores. A primeira foi no governo Itamar Franco, entre 1993 e 1994. Em 2001 e 2002, ele foi embaixador brasileiro em Londres. Formado em diplomacia pelo Instituto Rio Branco, também estudou filosofia e depois fez pós-graduação em relações internacionais em Viena e doutorado em ciências políticas na Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres. Celso Amorim entrou no Itamaraty em 1965. Nesses 38 anos de carreira diplomática, ele passou quase a metade do tempo no exterior. Representou o Brasil junto à Organização das Nações Unidas [ONU] e à Organização Mundial do Comércio [OMC], além de outros fóruns de debate dos problemas políticos e econômicos do mundo. Tido pelos colegas como um persistente defensor dos interesses do país nas questões internacionais, sua nomeação para o Ministério das Relações Exteriores foi interpretada como um reforço a uma linha mais independente de atuação do Brasil no exterior. Sinais dessa política já surgiram no encontro entre o presidente Lula e o presidente americano George Bush. O Brasil adotou a posição de que não será possível ficar fora da Alca, a Área de Livre Comércio das Américas, e assumiu o compromisso de participar, mas decidiu que é preciso negociar mais e procurar um acordo melhor. Os interesses entre os países são muito diferentes e, às vezes, até conflitantes. O Ministério das Relações Exteriores colocou como prioridade o fortalecimento do Mercosul [Mercado Comum do Sul, formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai] e a busca de mais aliados para o Brasil negociar melhor. África do Sul, Índia, Rússia e China também poderão integrar novos blocos e se tornarem importantes parceiros. Novos acordos políticos e econômicos com esses países representariam não só uma abertura de novos mercados, mas a oportunidade de negócios com regras mais justas e uma possível redução da dependência brasileira do mercado americano.
Heródoto Barbeiro: Bem, para a entrevistar o nosso convidado de hoje, que é o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, nós convidamos o professor Oliveiros Ferreira, jornalista e professor de ciências políticas da USP e da PUC; o professor Demétrio Magnoli, que é doutor em geografia humana pela USP e editor do jornal Mundo, Geografia e Política Internacional, dirigido às escolas de nível médio e superior; a jornalista Maria Helena Tachinardi, que é editora de assuntos internacionais do jornal Gazeta Mercantil; a jornalista Eliane Cantanhêde, que é diretora da sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo; o jornalista André Lahóz, que é o diretor-executivo da revista Exame, e o jornalista Cláudio Camargo, que é editor internacional da revista Isto é. O Roda Viva é transmitido para todo o país em rede nacional e também em Brasília. Hoje não vai ser possível as perguntas ao vivo, como normalmente se faz aqui no programa Roda Viva, porque o programa está gravado. Boa noite, ministro.
Celso Amorim: Boa noite.
Heródoto Barbeiro: Ministro, eu gostaria que, inicialmente, o senhor esclarecesse um pouco o nosso telespectador [sobre] o seguinte: por duas vezes consecutivas a revista Carta Capital trouxe, aqui, reportagem a respeito de uma operação francesa na selva do Brasil. E a impressão que se teve, pelo menos, eu acho, para parte da opinião pública brasileira, é o seguinte: ou o governo brasileiro não sabia o que estava acontecendo ou não foi informado [de] que essa operação estava acontecendo. O senhor podia explicar para a gente exatamente o que aconteceu, a ponto de, inclusive, recentemente, o governo francês ter pedido desculpas ao Brasil por essa operação?
Celso Amorim: Bem, eu posso falar o que eu sei como ministro das Relações Exteriores e tudo que chegou ao nosso conhecimento, que não é meramente especulativo ou baseado em deduções. Efetivamente, nós fomos informados tardiamente e de maneira incompleta da natureza da missão, dos objetivos, embora, até hoje, o governo francês insista – e eu não tenho nenhuma razão para duvidar– que o objetivo era humanitário. Agora, evidentemente, humanitário ou não, uma operação desse tipo, envolvendo um avião militar, envolvendo vários tipos de pessoas em território nacional, exigia um assentimento prévio do governo brasileiro – se seria dado ou não, é uma outra questão. E por isso nós reclamamos com o governo francês e o governo francês deu as explicações dizendo que lamentava, inclusive, o fato de nós não termos sido informados a tempo, dizendo também que lamentava o constrangimento que isso nos havia causado, ao Brasil, e ao mesmo tempo dando garantias de que isso não se repetiria. Então, isso para nós configura, claramente... não vou entrar na semântica, mas configura um pedido de desculpas, que, do ponto de vista diplomático – a menos que surjam fatos novos e eu espero que não surjam, que não creio que vão surgir–, para falar a verdade, o assunto está encerrado. O resto são episódios, aí, que podem ou não ter ocorrido, detalhes, alguns creio que confirmados, a presença do avião, o deslocamento, etc, [de] que nós só tomamos conhecimento, digamos, assim, de segunda mão, através de outros órgãos brasileiros. E enfim...
Heródoto Barbeiro: Não foi um desprestígio do Brasil em relação à França num tratamento como esse?
Celso Amorim: Olha, eu acho que a França é um país muito importante, como se sabe, não pede desculpas à toa. Pede desculpas porque creio que sabe que errou. E eu acho que isso para nós é o suficiente.
Eliane Cantanhêde: Na carta eles fazem referência a uma missão médica. Pela imprensa francesa, pela imprensa brasileira, pela polícia federal e por vários indícios não era uma missão médica, não era uma missão puramente humanitária. Se houve uma mentira novamente nessa carta, como se comportaria a diplomacia brasileira e o próprio governo brasileiro?
Celso Amorim: Olha, se surgirem fatos novos que provem que havia outros objetivos na missão... Veja bem, eles não dizem apenas que era médica, que é humanitária e que o avião era médico, não é?
Eliane Cantanhêde: Pois é, cheio de agentes da segurança francesa.
Celso Amorim: Só para concluir... Quer dizer, eles não estão negando que poderia resultar da missão uma libertação da Ingrid Betancourt [ex-senadora e candidata a presidente da Colômbia e que tem também cidadania francesa, sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farcs) em 2001. Na época da entrevista circulavam boatos, desmentidos pelo governo francês, de que agentes franceses estavam tentando negiociar a libertação de Ingrid com as Farc], não há uma negativa em relação a isso. O que há negativa é em relação ao contato com guerrilheiros ou que houvesse outras pessoas para vir, outras coisas envolvidas. Eu não tenho nenhuma informação que me leve a achar que o que está sendo dito não é verdade. E eu também, você, até que, digamos, surja uma informação, eu não posso...
Eliane Cantanhêde: E se surgir?
Celso Amorim: Se surgir, evidentemente, nós vamos ter que pedir novas explicações. Mas eu, honestamente, não creio, espero que não seja assim e não creio que será. Eu acho que seria, digamos, um pouco, surpreendente, depois da conversa telefônica longa que eu tive ontem com o ministro [Dominique de] Villepin [primeiro-ministro da França entre 2005 a 2007], em que se alongou em explicações, depois resumiu na nota, com os elementos principais do que havia conversado comigo, eu acho que seria, eu ficaria muito surpreso, muito surpreso. Mas...
Cláudio Camargo: Mas o secretário-geral do Itamaraty, o Samuel Pinheiro Guimarães, chegou a insinuar na imprensa que o ministro Villepin teria mentido ao senhor quando falou sobre a suposta missão humanitária.
Celso Amorim: Olha, eu não sei exatamente, em todos os momentos, o que o meu secretário-geral disse, enfim. Eu sei a linha geral do que ele disse, porque [sobre] isso, sim, nós conversamos muito. Inclusive sobre o depoimento que ele faria na Câmara dos Deputados, creio que anteontem. Eu não vi ele utilizar a palavra mentira propriamente. Eu continuo, digamos, utilizando a mesma expressão que usei desde o início - a informação foi tardia e incompleta.
Heródoto Barbeiro: Ok, professor Oliveiros, por favor.
Oliveiros Ferreira: Ministro, de sua resposta ficou evidente que o senhor considera que o Brasil subiu de status. Tanto assim que a França, que é um grande país, não se dignaria a mandar um pedido de desculpas. Agora, eu pergunto, como nós podemos subir de status se nós ainda somos dependentes do mercado internacional, se nós não temos como projetar poder? Mesmo a sua viagem à África seria sem projeção de poder, mas uma missão meramente econômica. Como o senhor concília a sua nova inserção em um grande país que não tem poder para se afirmar nas relações internacionais?
Celso Amorim: Eu não sei se nós não temos poder. Isto é uma avaliação, ao meu ver, falsa, que muitas vezes se faz: que o Brasil não tem poder. Ou às vezes se usa até uma expressão um pouquinho mais condescendente, dizer que o Brasil não tem excedentes do poder.
[Risos]
Celso Amorim: Mas, enfim. O que eu quero dizer é que, obviamente o Brasil, até pelo fato do mercado que tem...
Oliveiros Ferreira: Um mercado presuntivo, suposto.
Celso Amorim: Não, não. Eu lhe digo tranquilamente... Quer dizer, não há uma reunião importante na OMC [Organização Mundial do Comércio] em que o Brasil não seja chamado. Quer dizer, você pode eventualmente ter uma reunião entre União Européia, Estados Unidos; saiu daí, alargou um pouco mais, entra o Brasil, como entra a Índia, por exemplo. Não é só o Brasil, entram outros. Aí depende, digamos, do grau de importância do tema que é tratado. Eu diria que mesmo em outros fóruns onde, digamos, as presenças são mais institucionalizadas, o Brasil tem um peso muito grande. E, enfim, sem querer elaborar excessivamente sobre isso, mas talvez a gente tenha tempo, ao longo aqui do programa, não é o Brasil, são vários países que têm dito que o Brasil deve ser membro permanente do Conselho de Segurança [das Nações Unidas]. E essa apreciação não é feita para nos agradar, porque uma pessoa que faz isso para nos agradar pode ao mesmo tempo estar desagradando a outro. Então, quando faz, é porque realmente crê que isso é uma possibilidade, que o Brasil pode dar, efetivamente, uma contribuição no plano internacional. E essa contribuição se daria de várias maneiras. Inclusive pela firmeza com que você defende suas posições e pela capacidade também de procurar resolver problemas, quer dizer, você tem que ter essa dupla...
Oliveiros Ferreira: Internacionais?
Celso Amorim: Internacionais, ajudar a resolver problemas internacionais. E, por outro lado, também, o Brasil é uma das maiores democracias do mundo. Se você for contar, é talvez, em termos de população, a terceira ou quarta maior democracia do mundo. Isso em si já um fato importante em termos de poder. Porque a nossa voz tem autoridade. Às vezes, vale mais ou tanto do que a força militar em muitos fóruns.
Heródoto Barbeiro: Demétrio.
Demétrio Magnoli: Eu vou mudar um pouco de assunto, porque eu acho que a sociedade brasileira está confusa sobre a política brasileira em relação à Alca [Área de Livre Comércio das Américas]. No ano passado, há poucos meses, o atual presidente Lula, quando candidato, afirmou numa entrevista no Jornal Mundo, que eu edito, e depois essa afirmação foi repetida em outras publicações, que o projeto da Alca não seria um projeto de integração, mas um projeto de anexação. E completou essa afirmação dizendo que uma análise econômica das vantagens e desvantagens da Alca mostrava que, em quase todos os setores, estou citando entre aspas, "a Alca seria desvantajosa para o Brasil". Na montagem do governo e na reorganização do Itamaraty no início do governo Lula, o embaixador Samuel Pinheiros Guimarães, um notório crítico da Alca, que expressou várias vezes a idéia de que o Brasil deveria romper as negociações da Alca, foi retirado do ostracismo – onde tinha sido colocado na gestão do seu antecessor pelas críticas que fez a Alca – e elevado à condição de secretário-geral do Itamaraty. Por outro lado, paradoxalmente, na viagem à Washington recente, o presidente Lula se comprometeu com a negociação exitosa da Alca até o cronograma de 2005, como queriam os Estados Unidos, ao contrário do que o Brasil tinha sugerido antes, que seria o adiamento das negociações. Inclusive, o senhor tinha defendido várias vezes na imprensa, segundo entrevistas que eu tenho aqui. Então, a sociedade brasileira está confusa. Eu queria fazer duas perguntas sobre isso. Primeiro, a idéia de que a Alca seria um projeto de anexação, e não de integração, deveria ser classificada hoje como uma bravata, para usar um termo que foi colocado em voga, aí, pelos líderes do governo, uma bravata de oposição? O governo brasileiro hoje pensa que é um projeto de anexação ou de integração? E acoplado a essa pergunta, como existe toda uma divergência sobre esse assunto, e é um assunto de extraordinária importância: como o governo brasileiro vê a proposta de vários setores de realização de um plebiscito oficial sobre a entrada do Brasil na Alca?
Celso Amorim: Bem, em primeiro lugar, é preciso ver que o que nós estamos tentando fazer é justamente mudar o projeto da Alca. A Alca, ao contrário do que as pessoas às vezes falam, "o Brasil vai entrar para a Alca", como se o Brasil fosse entrar para a OMC... A Alca não é uma coisa pronta na qual o Brasil vai entrar. A nossa atitude condiciona qual será o resultado final da Alca. Então, o que vai efetivamente ocorrer na Alca depende muito de como nós nos posicionarmos. Se você aceitar todas as propostas que nos eram feitas e aceitar passivamente, o projeto realmente resulta, ao meu ver, contrário aos interesses brasileiros. Agora, a pergunta que se faz é a seguinte: é possível tentar um esforço para transformar a Alca em algo positivo para o Brasil, algo compatível com os nossos interesses? Eu acho que é. E eu acho que é o que nós estamos fazendo. Quer dizer, o Brasil, se você acompanhar o que está acontecendo, ler não só os jornais brasileiros, mas também os dos outros países da América Latina. Também não quero ser exagerado, mas eu ia dizer até que o Brasil fez uma pequena revolução na maneira como a negociação da Alca está transcorrendo. Falar isso, talvez, é exagero, né? Mas teve um impacto grande. Nós fizemos uma proposta, por exemplo, de que todos os temas que são sensíveis para o Brasil, por exemplo, e também para outros países possam ser levados à Organização Mundial de Comércio, em vez de ficarem aqui.
Eliane Cantanhêde: Quem fez primeiro foram os Estados Unidos. Os Estados Unidos fizeram e a reação brasileira foi no mesmo sentido.
Heródoto Barbeiro: É verdade.
Eliane Cantanhêde: A estratégia deles.
Celso Amorim: É lógico. E isso é absolutamente verdadeiro, o que você está dizendo. Agora, o que acontece é que o Brasil não tirava antes as conclusões naturais disso, quer dizer, nós estávamos...
Eliane Cantanhêde: Passivos.
Celso Amorim: Mais ou menos. Não vou dizer totalmente passiva, também não quero criticar os nossos negociadores. As coisas são complexas. Mas nós temos um governo novo, com mandato novo, com a força desse mandato, então nós temos condições, hoje, de dizer “não, isso nós não queremos aqui. Da mesma maneira que vocês nos dizem que subsídios agrícolas, que antidumping vocês não querem tratar nesse ambiente, porque não é favorável, pela razão que for, nós também não queremos tratar de propriedade intelectual, de regras de investimento, de regras sobre serviços nesse âmbito. Porque não é favorável para nós."
Cláudio Camargo: Mas isso não inviabiliza o projeto da Alca, quando você joga isso para a OMC? Demétrio Magnoli, só acoplando a essa pergunta.
Celso Amorim: Eu vou ter que responder a um de cada vez. Não sei...
Demétrio Magnoli: Tem uma declaração sua no Valor Econômico do dia 14 de maio, dizendo, aspas: “Não nos serve uma Alca que deixa para a OMC os temas que mais ambicionamos”.
Celso Amorim: Bom, eu acho que a declaração, aí, talvez seja incompleta.
Demétrio Magnoli: Tem sido uma revolução nossa deixar para a OMC os temas que mais ambicionamos.
Celso Amorim: Não, veja bem. Não nos serve uma Alca que deixa para a OMC os temas em que mais temos ambições ou que mais ambicionamos e ao mesmo tempo insiste em deixar na Alca os temas em que temos dificuldades. Eu estou dizendo qual é minha opinião. Quem publicou, o jornal eu não sei. Não posso ficar escrevendo uma cartinha para cada jornal quando sai uma declaração que não corresponde exatamente.
Maria Helena Tachinardi: Passada essa Alca “light” ou “mínima” ou "a Alca possível" para uma Alca completa? Porque se falhar, por exemplo, a negociação da OMC...
Celso Amorim: Que não vai ocorrer, Maria Helena. Maria Helena, não vai ocorrer. Os Estados Unidos não vão discutir anti-dumping para valer na Alca. Pode até ter uma frase lá, como nós podemos aceitar uma frase sobre investimentos, sobre propriedade intelectual. Não tem nada contra dizer, por exemplo, que em propriedade intelectual os países seguirão as regras da OMC. É um capítulo, um capítulo de uma linha. Só para terminar, subsídios agrícolas, que é uma coisa que nos interessa profundamente, sobretudo a questão... não vai ser discutido na Alca.
Demétrio Magnoli: Por que nós nos comprometemos com o prazo de 2005?
Maria Helena Tachinardi: Então está dissociado? Nós vamos dissociar o prazo de término da negociação Mercosul, União Européia, OMC e Alca?
Celso Amorim: Vamos à questão do prazo, vamos à questão do prazo. O que nós temos dito sempre é que o conteúdo é mais importante do que o prazo. Eu disse isso no início do governo, quando as pessoas ficaram insistindo: "Por que o Brasil não fez a oferta em serviços? Por que não fez a oferta em investimentos? Por que não fez a oferta em compras governamentais?"– que não fez até hoje, aliás–. Porque eu disse "olha, não me interessa o prazo, me interessa o conteúdo". Eu não vou, com quinze dias no governo, fazer uma oferta sem ter uma avaliação profunda do que isso significa. Então, o conteúdo é mais importante do que o prazo. E, se for necessário em algum momento se provar necessário que é indispensável adiar, pode-se adiar. Agora, isso sempre é um equilíbrio de coisas, porque se você conseguir um conteúdo que seja adequado às suas necessidades, que não fira os seus interesses nacionais, e se for mais fácil você fechar isso num prazo acordado, por que não?
André Lahóz: Ministro, o senhor me permita insistir nesse ponto. Eu acho que existe, sim, uma certa perplexidade. Porque, no fundo, esse discurso que o senhor está fazendo não é diferente do que fazia o governo anterior.
Heródoto Barbeiro: Não, é diferente sim. Eu vou dizer no que é diferente.
André Lahóz: Pois não.
Celso Amorim: É diferente, porque o governo anterior... eu estava no exterior e acompanhei profundamente. Não vou dizer que não estivesse fazendo de boa-fé, provavelmente estava fazendo de boa-fé, mas eu discordo do raciocínio, era no sentido... você negocia, negocia, negocia e, no final, se você achar bom, assina; se não achar bom, não assina. A minha opinião franca e honesta é que essa hipótese não existe. Porque, se você negociar, negociar, negociar, chega no fim, você assina. Até porque aí você vai ter muito a perder, sempre haverá setores que ganharam alguma coisa que não deixarão você retroceder. E também porque como você vai conseguir ficar de fora de um acordo em que 34 países são membros, inclusive seus sócios do Mercosul, etc? Então, se você quer ter alguma influência na negociação, isso eu disse desde o primeiro dia [em] que eu estou aqui, você tem que, desde o início, marcar a sua opinião e não esperar para o final. Então, o discurso, desculpe, é diferente. Vou dar-lhe exemplos práticos e concretos. Por exemplo, numa das últimas reuniões ministeriais – não me lembro exatamente qual– foi aceito que a questão de investimentos... primeiro, não só nós estávamos discutindo, participando da negociação, digamos, dos textos sobre investimentos, da parte normativa, etc, mas, para dar um exemplo prático, se aceitou que as ofertas de investimentos fossem feitas em base de listas negativas, isto é, tudo aquilo que você não exclui automaticamente está incluído. Bom, nós já mudamos isso. Dissemos "isso nós não faremos". E dissemos claramente. E eu vou dizer o seguinte, isso causa muita polêmica aqui no Brasil e, às vezes, com pessoas que trabalham comigo. Com os americanos não causa. Eu acabo de ter uma conversa com o Bob Goodlatte [presidente do Comitê de Agricultura dos Estados Unidos]. Ele quer uma Alca realista. Claro que a definição dele pode não ser exatamente igual à minha, não estou dizendo aqui, não quero "tapar o sol com a peneira". Mas há uma compreensão de que o Brasil é um parceiro essencial e [de] que, para que haja uma Alca bem-sucedida, o Brasil tem que estar dentro. Quer dizer, eles não estão mais dizendo “o Brasil tem de negociar com a Antártida". Nada disso, estão respeitando, estão chamando a gente, estão discutindo bilateralmente conosco. Claro, é uma negociação. Vai ter tudo o que eu quero? Provavelmente não. Vai ter tudo o que eles querem? Provavelmente também não.
Oliveiros Ferreira: O que é inegociável nessa negociação?
Celso Amorim: Olha, o que é inegociável, a meu ver, seria a renúncia da capacidade brasileira de definir as suas políticas industriais, tecnológicas, sociais, etc, e certos acordos na área de investimento ou de serviços ou de propriedade intelectual ou de compras governamentais poderiam levar a isso, ainda que involuntariamente. Quer dizer, os acordos, em geral, têm efeito. Então, se você tem um escopo muito grande, muito amplo e com uma configuração, onde, por motivos diversos, que não me compete julgar, a maior parte dos países não tem preocupação semelhante, a possibilidade de ter um acordo desse tipo, de surgirem problemas desse tipo é muito grande.
Oliveiros Ferreira: Se surgirem, como é que o Brasil reage? Se os Estados Unidos acharem que aquilo que é inegociável para o Brasil é necessariamente negociável para os Estados Unidos?
Celso Amorim: Olha, isso nós vamos ver no momento oportuno. Eu acho que isso não vai ocorrer. Eu acho que os Estados Unidos têm consciência de que o Brasil é essencial à Alca e [de] que o Mercosul é essencial à Alca. Nós temos feito um grande esforço também de aproximação com os nossos vizinhos da América do Sul, um grande esforço de discussão com outros países da América do Sul. Embora as posições possam não ser idênticas, eles estão entendendo melhor as nossas posições. Veja bem, eu vou participar, agora, de uma reunião entre a comunidade andina e Mercosul, que é a segunda em pouco tempo. O presidente Lula esteve numa reunião com a comunidade andina. É a primeira vez que um presidente, um brasileiro... a primeira vez que convidaram. Então, há... Isso aí não está sendo, digamos, feito como uma coisa voluntariosa ou caprichosa. Está sendo feita com base na discussão, na dialética, levando em conta os interesses dos outros países. Nós entendemos, por exemplo, que para nós termos a solidariedade dos nossos vizinhos do Mercosul, nós temos que ter também um comportamento de compreensão em relação às reivindicações deles, [o] que em alguns casos nos custará até um pequeno sacrifício. Mas será pontual. Então, o que eu acho que aconteceu no passado, por exemplo –[por]que sem querer eu passei para o assunto do Mercosul–, com relação ao Mercosul, o Brasil, por razões diversas, o Brasil era muito duro no varejo e muito flexível no atacado.
Oliveiros Ferreira: Bastante flexível.
Celso Amorim: Eu acho que nós temos que ser mais flexíveis no varejo e mais firmes no atacado.
Eliane Cantanhêde: Ministro, o senhor estava falando sobre reforçar essa aliança com o Mercosul. Mas os Estados Unidos também estão reforçando suas alianças. Além deles já serem os maiores, já terem mais poderes na negociação, eles deram condições camaradas para todo o Caribe. Eles estão fazendo acordos isolados com o Chile. Estão fazendo, agora, com a Colômbia. Quer dizer, eles estão reforçando também essas alianças. Além do Mercosul, quem seriam também os nossos grandes aliados nessa negociação da Alca?
Celso Amorim: Veja, o modelo que nós propusemos, é claro, você sabe muito bem, nós desejamos a maior integração da América do Sul e vamos trabalhar muito firmemente nisso. E eu noto nas viagens que eu tenho feito, que o presidente tem feito, como dos presidentes que vêm aqui, um grande interesse nessa integração na América do Sul também. Eu diria, até, que muitos países estão com a alma meio dividida, digamos, para onde colocam...
Eliane Cantanhêde: Chile, Colômbia...
Celso Amorim: Para onde colocam a maior parte do seu peso. Ninguém nega o interesse da negociação com os Estados Unidos, não. O Brasil também tem, eu quero deixar isso muito claro. É 25% das nossas exportações, é um mercado dinâmico, importante. Agora, da mesma maneira que eles têm interesse também no nosso mercado, nós temos interesse no mercado deles. Nós não queremos, são coisas que comprometem a nossa, como eu disse antes, capacidade de fazer políticas em campos específicos. Eu não quero amanhã ter que fazer uma política... o Brasil decida que quer ter uma política de promoção tecnológica e descobrir que não pode por causa de algum compromisso que tenha assumido ou ter uma política de promoção à indústria de bens de capital. Não compete ao Itamaraty dizer se deve ou não deve ter, mas não quero que, quando queira, descobrir que já não pode. Essa é a questão. E eu acho que há uma crescente compreensão dos países da América do Sul com relação à nossa. A prova é que nós estamos muito perto de assinar um acordo Mercosul e Peru. Será muito importante. Nós vamos realizar – como eu lhe disse – uma reunião Mercosul x Comunidade Andina, que será a segunda em dois meses. É um interesse muito grande. Agora, ter certeza [de] que as coisas vão acontecer... A gente trabalha num mundo cheio de incertezas, em que também esses interesses não são contraditórios, quer dizer, nós não estamos brigando com os Estados Unidos para termos influência nesses países. Bom, pelo menos a minha visão é essa. E eu acho que há uma compreensão, veja bem, se você me permite passar para um outro tema... Quando o presidente Lula esteve com o presidente Bush [presidente dos Estados Unidos eleito a primeira vez em 2001e reeleito em 2005], uma compreensão sobre o papel que o Brasil pode ter, não só econômico mas político, na estabilidade, coloquemos assim, da América do Sul, que é um papel que decorre do fato de o Brasil ser uma democracia, de ter um governo voltado para a reforma social, que tem um diálogo positivo com outros líderes progressistas ou de esquerda da América do Sul. Então, há também uma compreensão...
Eliane Cantanhêde: Quais são? É uma curiosidade: Chávez [(1954) presidente da Venezuela. Eleito pela primeira vez em 1999 e reeleito em 2006]?
Demétrio Magnoli: Eu tinha feito duas perguntas e eu acho que eu não tive resposta. A primeira pergunta o senhor respondeu com certeza, quer dizer, aparentemente o governo acha que foi errada aquela posição do Lula durante a campanha, caracterizado como um projeto de anexação.
Celso Amorim: Não acho. É que você trabalha com categorias absolutas. E eu trabalho com categorias relativas. Então, eu estou tentando mudar o que é a Alca. E escrevi um artigo sobre isso, "A Alca possível".
Demétrio Magnoli: Eu estava mais interessado na segunda parte, que é a questão da proposta de um plebiscito sobre a Alca. Porque eu concordo com o senhor quando o senhor diz que, se nós negociarmos, negociarmos, negociarmos, no fim está negociado e o que for fechado, vai ser... Isso está completamente correto. E é justamente por isso... e nós estamos a dezoito meses do fim da negociação segundo o documento assinado em Washington entre Lula e Bush, é justamente por isso que se coloca essa questão. Qual é a posição do governo brasileiro diante dessa proposta de um plebiscito oficial sobre a Alca? Ou ele começa a se organizar logo ou ele não vai existir, em função do próprio cronograma. É por isso que eu queria insistir nessa questão.
Celso Amorim: Olha, isso que você está dizendo, desculpe, eu acho que não é absolutamente necessário. Só para dizer, tecnicamente, em muitos casos, por exemplo, na União Européia, em que houve negociações, os países fizeram os plebiscitos depois. E entraram ou não entraram. Eu estou me referindo à posição que o próprio governo terá em relação à negociação. Se tiver negociado, no final é muito difícil para o próprio governo dizer que o que ele negociou não é bom. É da natureza das coisas que seja assim, por isso que a gente quer fazer desde já. Agora eu acho, sinceramente, que o plebiscito não é a melhor resposta. Eu sou muito a favor do acompanhamento, uma vigilância popular. Nós nunca trabalhamos com tanta transparência. Se você for hoje procurar no website do Itamaraty, você vai encontrar a oferta do Mercosul na Alca, coisa que nunca foi feita e, em detalhe, linha por linha tarifária. E é claro que a oferta dos outros nós não podemos colocar, porque é confidencial. Mas a nossa análise da oferta dos outros também está no website. Então, isso é uma transparência absoluta. Eu já estive na Câmara algumas vezes, já estive no Senado, já estive com representantes de comissões específicas da Câmara que me procuraram. Tenho estado com sindicatos, tenho estado com empresários, quero reforçar isso cada vez mais, na medida das minhas possibilidades e das possibilidades dos meus colaboradores. Eu tive que fazer reorganizações internas no próprio Itamaraty também. Tudo isso toma tempo. Mas o que quero dizer, o importante é esse acompanhamento. Porque, no final, o tudo-ou-nada é muito difícil. Se você me perguntar, por exemplo, um caso totalmente diferente, que aí não se coloca o problema tão político, tão dramático quanto se colocaria, talvez, na Alca, a OMC... se você perguntar sobre a Rodada Uruguai, se perguntar: “o acordo foi bom ou ruim?”, eu diria médio, mais para o menos bom. Mas se você me perguntasse: “Se fizesse um plebiscito na época, você acha que o Brasil poderia ficar de fora da OMC?” Eu diria não, não poderia. Porque o Brasil não pode se isolar do mundo.
Demétrio Magnoli: Claro que a Alca é um caso completamente diferente.
Celso Amorim: Não é idêntico, é claro que é diferente. Mas é isso que eu estou dizendo. O importante é que a influência se dê no processo negociador, para que, durante esse processo, a gente já vá modulando as posições. Há áreas [em] que a gente não pode ir adiante. Eu acabei, por exemplo, uma negociação, agora, da reunião da OMC, dizendo: “olha, isso aqui... não dá para tocar aqui, não”. Entendeu? A gente tem que ir... Não adianta deixar para o final, compreende? Então, a questão do plebiscito é um pouco nessa linha.
Heródoto Barbeiro: Ministro, um outro esclarecimento, aqui, para o nosso telespectador. Concessão de cargos de embaixador do Brasil fez parte da negociação do governo Lula para conseguir maioria no Congresso Nacional? É fato que a embaixada brasileira em Lisboa foi dada ao deputado Paes de Andrade [presidente da Câmara dos Deputados (1989-1991). Foi exonerado do cargo de embaixador brasileiro de Portugal em 2007] para que o PMDB se aproximasse mais do governo? Procede isso ou não?
Oliveiros Ferreira: Em Roma, com o Itamar [Franco].
Celso Amorim: Olha, eu acho que o caso do presidente Itamar e do deputado Paes de Andrade são dois casos absolutamente excepcionais e raros. O que eu tive do presidente Lula foi, digamos, um empenho dele de que isso não se estendesse nem se repetisse. O ideal... se você me perguntar, eu sou um diplomata de carreira, o ideal, para mim, é que os embaixadores sejam todos de carreira. Mas nós sabemos que isso não é assim. E eu acho que, obviamente, um caso como o do presidente Itamar, que é presidente da República do país, é um caso totalmente à parte. Eu diria que, nesse governo, nós temos, até agora, e espero que não passe disso...
Heródoto Barbeiro: E no caso do Paes de Andrade?
Celso Amorim: Tem o Paes de Andrade, tem o Itamar Franco e tem o Tilden Santiago, em Cuba. São os três embaixadores que não são de carreira. O governo anterior teve mais, não vou agora contar nos dedos, também não foi muito mais. Mas teve algo mais, quatro ou cinco, sei lá. Então, esses três não fogem do padrão. Pelo contrário, está até um pouco abaixo do padrão. E eu acho que a médio prazo o ideal é que o Brasil tenha só diplomatas de carreira. Mas nós podemos compreender que sempre poderá haver uma situação excepcional por uma razão ou por outra. No caso do presidente Itamar, eu mesmo trabalhei com ele, fui ministro dele, tenho um grande apreço pessoal por ele. De modo que eu nem...
Eliane Cantanhêde: Por que ele não assumiu até hoje, hein? [a embaixada, apesar de já estar nomeado] Todo mundo pergunta isso. O Itamar está enrolando, enrolando...
Celso Amorim: Não sei...
Eliane Cantanhêde: Não sabe?
Celso Amorim: Não. Isso. Também o decreto de nomeação dele não saiu há tanto tempo assim, não, tem uns dois meses.
Eliane Cantanhêde: A Embaixada de Roma em Brasília pergunta para a gente, que não tem nada a ver com isso: “Escuta, e o nosso embaixador, vai chegar algum dia?” Depois de ter 29 a 25 no Senado, não é?
Celso Amorim: Mas eles não estão perguntando para mim. Você só tem um problema se...
Eliane Cantanhêde: O senhor acabou de responder não sei.
Celso Amorim: Quando é que ele vai? Não, ele está com uma data marcada agora em agosto. Está marcada em agosto. Você perguntou por que ele não foi até hoje. Olha, você quer saber de uma coisa?
Eliane Cantanhêde: Eu quero saber várias.
Celso Amorim: Quer saber de uma coisa? Teve gente nomeada pelo governo anterior, junho, sei lá, do ano passado, que até hoje não foi. Muito mais tempo que o presidente Itamar Franco.
André Lahóz: Ministro, um esclarecimento sobre a área do senhor: quando a gente olha para o governo, por exemplo, o Ministério da Fazenda, fica óbvio que quem manda ali é o ministro Palocci, Ministério da Saúde, Educação etc. No caso das Relações Exteriores, desde o fim do ano passado especula-se sobre uma certa dualidade com o assessor Marco Aurélio Garcia. O senhor poderia explicar exatamente qual é o papel de um, de outro? Se existe, de fato, algum tipo de sobreposição? Se isso é um problema ou não, como é que o senhor vê essa questão?
Celso Amorim: Olha, para mim não é problema algum. Eu acho que, digamos, as conclusões de vocês sobre quem manda, vocês é que façam a análise. Eu não vou dizer. Eu acho que basta olhar para as coisas como elas acontecem. Eu acho que o Marco Aurélio Garcia, com quem inclusive eu tenho relações excelentes, pessoais, já tinha antes, é um assessor para o governo. Ele tem um profundo conhecimento da vida partidária, sobretudo na América Latina. Mas não apenas na América Latina, maior, provavelmente, sob esse aspecto, do que a maioria dos diplomatas de carreira ou embaixadores com quem eu pudesse contar. E a contribuição que ele dá é muito positiva. E não há, digamos, em nenhum momento, eu nunca senti, digamos, eu nunca me senti em nenhum momento desautorizado pelo presidente Lula em algo que eu tenha sugerido a ele. Nunca, em nenhum momento. É claro que o presidente Lula terá as suas opiniões e, de antemão, às vezes, vai me dar uma indicação, uma orientação, é o papel dele. É óbvio. Ele é o presidente da República. É ele quem determina a política externa. Mas eu não sinto, isso é um problema inexistente, para falar a verdade. Mas vocês tirem as conclusões, eu não tenho...
André Lahóz: O senhor acha que foi um avanço, portanto, essa inovação do governo?
Celso Amorim: Olha, isso aí, cada situação, cada presidente sabe como atuar. Eu tenho no meu gabinete, por exemplo, pessoas que tratam da área econômica, pessoas que tratam da área política bilateral. Mas isso não diminui a autoridade do sub-secretário de assuntos políticos, do sub-secretário de assuntos econômicos. Cada pessoa tem o seu estilo de trabalhar. E eu acho que, nesse caso, está funcionando muito bem. Pode ser que em outros não funcione. Nesse caso funciona bem.
Maria Helena Tachinardi: Ministro, eu queria voltar a esse assunto, que parece que é bastante importante na sua gestão, que são as relações Sul/Sul. Houve há pouco tempo essa trilateral reunião do Brasil, África do Sul e Índia. Parece que o senhor está indo para a Índia este ano. E haverá uma segundo reunião ainda este ano da trilateral. Isso já houve no passado, já existe o G-15, outros agrupamentos de países do Sul, dos quais o Brasil, inclusive, já participou. Há vários fóruns. Há também os agrupamentos que se formam, ali, para determinadas finalidades. Eu acho que não está claro para a sociedade brasileira o que o Brasil quer com essas relações Sul/Sul, se é – não dando certo o acordo da Alca ou Mercosul, União Européia, quaisquer outros acordos comerciais internacionais–... se é o Brasil formar blocos, assim como existem na Ásia, esses blocos multilaterais regionais ou subregionais. É mais ou menos essa linha? Para entender, é uma coisa política ou uma coisa mais comercial o que o Brasil busca nessas alianças com a Índia? Que é um país muito mais protecionista que o Brasil. Pelo que se sabe, tarifas altíssimas, são países assimétricos. Não são só os países envolvidos que são protecionista. Eu queria saber como é que o Brasil vai...
Celso Amorim: Talvez ele esteja mais disposto a fazer abertura para nós do que fazer multilateralmente.
Maria Helena Tachinardi: Serve para alguma coisa? Qual é o benefício para a relação com o Brasil?
Celso Amorim: Veja, você está na Gazeta Mercantil e eu acho natural que você olhe a coisa pelo lado mais comercial, que é um lado importante, isso. Nós estamos discutindo acordos de livre comércio entre Mercosul e África do Sul e também entre Mercosul e Índia. Então, esse lado comercial não está desconsiderado. Aliás, o comércio com a Índia, que era ínfimo, hoje já é de um bilhão e tantos de dólares. De modo que não é algo desprezível de maneira alguma. Eu acho que você não está procurando alternativa às suas relações com outros países, nem às suas relações... Você está reforçando a sua posição em relação às negociações multilaterais, em relação às negociações regionais. Veja bem, só o fato de nós ganharmos uma intimidade que nos possibilite trocar impressões, para dar o exemplo da África do Sul, das negociações que eles têm com a União Européia ou que eles têm com os Estados Unidos, já é algo muito valioso em que nós aprendemos a nos posicionar. Até porque, a tendência geral... às vezes você resiste e consegue impedir que ocorra, mas a tendência, quando você negocia com países mais fortes, países desenvolvidos, é que eles consigam um patamar e nunca queiram menos. No seguinte, ele quer mais ou, dali para frente, aquilo é o mínimo. Então, é muito importante, até nesse aspecto, que nos nós conheçamos. Então, eu acho que isso é de grande valia. Além disso, são mercados importantes. No caso da Índia, indiscutivelmente. E, embora seja um país que tenha ainda uma estrutura de proteção, a indústria bastante grande, como eles podem ter também interesse em exportar para nós, como já fazem em alguns anos, até na indústria farmacêutica, etc., e você sabe que para vender tem que comprar.. então há uma perspectiva de um intercâmbio grande. Agora, eu acho que você também não pode desprezar o lado político dessa configuração. Nós estamos vivendo num mundo em que é preciso... Você não pode ficar confinado a um único tipo de aliança, seja ele regional, seja ele com uma superpotência. Você tem que jogar em vários tabuleiros. E você tem uma afinidade. No caso desses três países, especificamente...
Maria Helena Tachinardi: Vai aumentar? O senhor pretende formar o bloco do Sul? Eu vi alguma entrevista sua.
Celso Amorim: Essas coisas vão indo, entende? Olha, no Brasil... você, aliás, é uma exceção, Maria Helena, e quero até te cumprimentar por isso, embora eu seja o interessado, não devia estar falando nisso, mas foi dada relativamente pouca atenção a essa reunião dos três países. Mas em todos os outros lugares [em] que eu vou, não em todos, mas em muitos lugares que eu vou, inclusive, outros países em desenvolvimento, eles fazem essa pergunta que você está fazendo: “Ah, mas a idéia é aumentar o G3? Será que o G3 vai poder aumentar?” Porque os países estão interessados e sabem que o G15, talvez até pela ambição de ter nascido muito grande, cobrindo um número muito grande de países, uma diversidade de situações enorme, ele no fundo é útil. Você tem lá as suas reuniões, discute posições, mas ele tem menos, digamos, densidade. Então, esse nosso G3 ou como você quiser chamar, esse G3 do Sul, ele tem uma certa densidade e uma possibilidade efetiva de coordenação, porque não são muitos países. É muito difícil você reunir 16, 17 chanceleres – o G15, hoje, tem 18 países de uma hora para outra–, presidentes, mais difícil ainda. Então, o G3 é mais "manejável". E tem uma vantagem. São três grandes democracias do Sul, países que passaram, inclusive, têm passado por transformações. Países que exercem uma liderança que vai além, digamos, do seu tamanho – é o caso certamente da África do Sul–. Então, eu acho que para nós é muito valioso sob todos esses aspectos. Agora, tem o aspecto comercial também. E nós queremos fazer, como eu sempre tenho dito... Quer dizer, isso aí surgiu dessa maneira, sobretudo no aspecto comercial, mas com repercussões no político também, de maneira que os nossos sócios do Mercosul estejam envolvidos.
Eliane Cantanhêde: E o aspecto estratégico, não é, ministro? Agora no dia 19 de agosto vai ter uma reunião em Pretória [capital adminsitrativa da África do Sul], do ministro da Defesa, seu colega embaixador, José Viegas, com os ministros da Defesa da África do Sul e da Índia. O que é? O que eles vão discutir primeiro? E o que é a defesa nesse contexto [de] que o senhor está falando?
Celso Amorim: Olha, o que eles vão discutir eu não sei, porque eu não perguntei ao ministro Viegas a pauta. Nós falamos muito, mas por acaso essa eu não tive tempo, ainda, de conversar. Mas o simples fato de estar havendo a reunião eu acho extremamente importante, até mesmo pela cooperação em material militar. Há muitos outros aspectos. O Brasil produz muita coisa que pode ser comprada por outros países e também compra, às vezes, de terceiros, mais caro do que poderia comprar de um desses países, que estão num nível de desenvolvimento parecido com o nosso. Então, há esse aspecto e, até, digamos, se você olhar o mapa com atenção, você vai ver que, até pelo lado do transporte, seja transporte marítimo, seja o transporte aéreo, uma relação próxima Brasil-Índia-África do Sul, facilitará muito o comércio, a ida e vinda de pessoas e o comércio de bens, porque barateia os fretes.
Eliane Cantanhêde: Na defesa, por exemplo, na posição em relação ao Conselho de Segurança...
Oliveiros Ferreira: Você tem um porta-aviões. Não, você tem toda razão. Eu diria, o G3 se justificaria se você ocupasse o Cabo das Tormentas.
Celso Amorim: Que é da Boa Esperança [Entrevistador e entrevistado brincam com os nomes sucessivos que o navegador Bartolomeu Dias, em 1487, deu ao extremo sul do continente africano. Primeiro, ao ser avistado depois de muitos dias de tempestade, batizou o lugar de Cabo das Tormentas. Depois de dobrá-lo, comprovando a existência de uma ligação entre os oceanos Atlântico e Índico, rebatizou-o como o Cabo da Boa Esperança]
Oliveiros Ferreira: Da Boa Esperança.
Celso Amorim: Eu prefiro chamar de Boa Esperança.
Oliveiros Ferreira: Se você tivesse poder naval...
Celso Amorim: Nós não temos nenhuma pretensão de ocupar nada. Mas é melhor você ter um amigo no Cabo da Boa Esperança.
Oliveiros Ferreira: Os países ocuparem...
Celso Amorim: Olha, o Brasil tem uma cooperação naval, por exemplo, intensa com a Namíbia [país situado no continente africano. Faz fronteira ao norte com Angola e Zâmbia, a leste com Botswana, ao sul com a África do Sul e a oeste com o Oceano Atlântico]. É um país pequeno relativamente, recém-independente, mas [com o qual] o Brasil tem uma cooperação naval muito intensa e que nós desejamos que continue e que se aprofunde. Eu estive agora na África...
Oliveiros Ferreira: Agora, aí, eu coloco um outro problema, desculpe.
Celso Amorim: Só para terminar a frase: me disseram lá que há um número muito grande, enfim, em proporção ao país, de oficiais namibianos que falam português hoje em dia e eu acho que isso é importante.
Oliveiros Ferreira: Estamos projetando poder. Agora...
Celso Amorim: Projetando poder de uma maneira positiva, de uma maneira não-hegemônica, dominadora.
Oliveiros Ferreira: Esqueça os adjetivos. Eu lhe pergunto se o núcleo que decide o poder brasileiro, se ele é capaz de relacionar defesa no sentido que ela colocou e que o senhor coloca com diplomacia.
Eliane Cantanhêde: Perfeito.
Celso Amorim: Bom, eu relaciono.
Oliveiros Ferreira: Tem decisão?
Celso Amorim: Ué, se o ministro da Defesa está indo no mesmo sentido!
Maria Helena Tachinardi: Inclusive, só para completar... Desculpa.
Cláudio Camargo: Mudar um pouquinho o tema e fazer uma pergunta, talvez, me pareceu um voto um pouco espinhoso... O Brasil votou recentemente no Conselho de Direitos Humanos da ONU junto com Cuba...
Celso Amorim: Foi no Conselho Econômico e Social. Eu já sei qual é a sua pergunta.
Cláudio Camargo: Com Cuba, Líbia, China...
Celso Amorim: Ah, não. Bom, desculpa.
Cláudio Camargo: A organização Repórteres Sem Fronteiras fez uma crítica à Líbia pelo fato de ela presidir à Comissão de Direito Humanos da ONU. E a Líbia, todo mundo sabe, não é exatamente um exemplo de democracia e de respeito aos direitos humanos. Isso foi em março e o Brasil votou junto com Cuba, Líbia, acho que Irã e China.
Demétrio Magnoli: Arábia Saudita, Congo.
Cláudio Camargo: Uganda.
Celso Amorim: Também África do Sul, Rússia. Todos os países... A maioria dos países em desenvolvimento, eu diria, e até alguns países... o caso da Rússia, que faz parte do G8, votaram da mesma forma que nós.
Cláudio Camargo: Mas não é constrangedor para o Brasil?
Celso Amorim: Desculpe, é importante. Porque a maioria da mídia, depois nós vamos entrar no mérito da decisão, mas a maioria dos jornais brasileiros, “Brasil acompanha Líbia e Cuba”. Mas não foi. O Brasil não acompanhou Líbia e Cuba. O Brasil votou da mesma maneira que voltou a África do Sul, que votou a Rússia. O Brasil votou da mesma maneira que muitos outros países, não apenas esses dois.
Demétrio Magnoli: Mas era a proposta deles.
Celso Amorim: Eu não voto contra uma proposta da Líbia simplesmente porque ela é da Líbia. Aliás, um país com o qual nós temos relações diplomáticas.
Cláudio Camargo: Eu queria que o senhor explicasse esse voto para a gente. Porque não é constrangedor para o Brasil votar a suspensão de uma ONG como a Repórteres Sem Fronteiras, que é conceituada, respeitada no mundo inteiro, a suspensão do status de observadora do Conselho de Direitos Humanos da ONU por conta dessa crítica que ela fez à Líbia? Isso não é...?
Celso Amorim: Olha, deixa eu dizer uma coisa. Eu não excluo que, nesse caso, pudesse ter havido uma reflexão maior. Nós temos, às vezes, dez votações por dia, às vezes você vota de uma maneira mais automática. Nesse caso é tradição do Brasil acompanhar o que sugere o Comitê de ONG’s. Tem um comitê que acompanha as ONG’s. O comitê que acompanha as ONG’s é que propôs a suspensão, não foi expulsão, suspensão por um ano em virtude de procedimento, de maneiras, enfim... Aparentemente, eu não estou familiarizado dos detalhes do caso... aparentemente houve, digamos, perturbação da própria reunião em Genebra. E também o fato de que, ao contrário do que é necessário fazer, porque não é qualquer ONG que participa, as ONG’s têm que fazer relatórios, elas têm que provar que elas continuam a ser úteis. Aparentemente, no caso dessa ONG, há algum tempo ela não fazia relatórios, que estavam sendo, digamos, deixados de lado, porque não tinha havido nenhum caso. Surgiu um caso. Então, esse comitê aprovou uma resolução, na realidade caberia reverter uma decisão de ONG, o que não é impossível, isso foi a maneira como votaram os países desenvolvidos. Eu repito, talvez seja um caso que mereça reflexão. Muitas vezes os votos na Comissão de Direitos Humanos... você vota, às vezes, 20 coisas por dia com emendas na última hora, entendeu? São decisões que você tem que tomar muito rapidamente. Então, eu acho que, num caso como esse, eu não excluiria que talvez merecesse uma reflexão adicional. Mas eu estou dizendo que nós nos pautamos essencialmente por essa razão.
Demétrio Magnoli: Ministro, eu não acho que é um caso isolado e eu acho que ele deve ser colocado num determinado contexto e o senhor vai me dizer se esse contexto é correto ou não. Porque o Brasil, e eu acho que isso é motivo de satisfação para todos os brasileiros, o Brasil não cedeu às pressões dos Estados Unidos na questão do Tribunal Penal Internacional [TPI] e não aceitou diminuir o Tribunal Penal Internacional, fazendo acordos bilaterais que isentam os Estados Unidos da ação desse tribunal. E isso é uma postura...
Celso Amorim: Vários jornais apoiando isso, só que não diziam que era a nossa posição.
Demétrio Magnoli: Sim, uma posição brasileira. E isso, uma posição pela qual eu congratulo o Itamaraty, acho que todos os brasileiros fazem isso. Isso é uma posição sobre direitos humanos muito afirmativa. Em contraste completo com isso, eu vou me referir ao episódio cubano. Cuba, há alguns meses, fuzilou dois indivíduos...
Celso Amorim: Três.
Demétrio Magnoli: Três indivíduos, desculpa, que seqüestraram uma balsa e [o governo cubano] encarcerou com penas de 20 anos para cima, encarcerou com penas de 20 anos para cima, que foram confirmadas agora. Dissidentes que são presos de consciência, como o poeta e jornalista Raul Rivero [(1945) jornalista e um dos maiores opositores do governo socialista de Cuba. Fundou no país, em 1995, a agência de notícias independente Cuba Press com um pequeno grupo de jornalistas. Foi preso em março de 2003 com outros jornalistas que se opunham ao regime de Fidel Castro. Depois de forte pressão internacional, Rivero foi solto em 2004], que se limitavam a escrever as suas críticas em relação ao governo cubano. O Brasil se absteve nas votações sobre isso na Comissão de Direitos Humanos da ONU e na OEA [Organização dos Estados Americanos], coisa que, aliás, eu acho que é correta.
Celso Amorim: Não, não é, nem nós simplesmente nos abstivemos, nós dissemos que o assunto não devia ser tratado.
Demétrio Magnoli: Não devia ser abordado, coisa que inclusive eu acho correto nos dois casos por outros motivos. Mas o Brasil fez uma declaração de voto na Comissão de Direitos Humanos na ONU, onde ele não condenava e se limitava a expressar preocupação, o que é coisa diferente de condenar as violações de Direitos Humanos em Cuba. Lula é amigo pessoal de Fidel Castro, o embaixador brasileiro em Havana, Tilden Santiago, é um dos embaixadores políticos os quais citava o Heródoto, não fez nenhuma condenação, nem Lula nem Tilden Santiago. E sequer pediram a Fidel Castro uma revisão dessas condenações. Não houve nenhuma dessas atitudes. Por que eu estou relacionando isso com esse outro caso da Repórteres Sem Fronteiras? Porque aqui o que houve foi uma proposta de suspensão patrocinada pela Líbia e por Cuba. A pergunta que eu tenho é: essas orientações brasileiras em relação à Repórteres Sem Fronteiras, em relação aos direitos humanos em Cuba, tão contraditórias com a posição brasileira em relação ao TPI, elas vêm diretamente da Presidência ou elas vêm da Casa Civil?
Celso Amorim: Não. Eu fiz uma longa exposição no Congresso – não sei se você terá acompanhado–, em que eu critiquei em termos muito claros, contundentes, não me recordo mais se eu usei a palavra condenação. Mas critiquei em termos muito claros o que havia ocorrido em Cuba, inclusive, e fiz isso também diretamente, eu falei com o chanceler cubano ainda antes da votação da Comissão. E tive a oportunidade de conversar de novo com eles quando eles estiveram no Brasil...
Demétrio Magnoli: Mas por escrito o Brasil não fez isso.
Celso Amorim: Veja, há certas coisas que você... Eu vou lhe dizer um pouco essa questão dos Direitos Humanos. Eu acho que você... eu tenho uma certa experiência nisso, até da outra época em que eu estive no governo. O presidente Itamar me mandou a Cuba naquela ocasião. Eu estive lá com dois propósitos, não vou me alongar sobre o primeiro, que também deu certo, que era a assinatura de Cuba pelo Tratado de Não-Proliferação [TNP] da América Latina. A outra preocupação era na área de direitos humanos, ao mesmo tempo que nós mantivéssemos um diálogo. E ao final da minha viagem lá, Cuba, que talvez já estivesse pensando nisso, não posso atribuir a isso, mas, digamos, me deram o privilégio de anunciar para o mundo que o alto comissário das Nações Unidas sobre os direitos humanos, que na época era um equatoriano, iria a Cuba. Ele acabou indo em 1995, eu não era nem mais ministro, e teve uma viagem muito exitosa no sentido de que ele visitou prisões, ele fez um relatório longo, etc e tal. Então eu acho que você... nessas situações, o que você quer é soluções práticas. Eu acho que a Comissão de Direitos Humanos virou uma espécie, em muitas coisas, sobretudo nessa votação por países, virou uma espécie, digamos, de competição, que não tem a rigor muito sentido na minha opinião.
Demétrio Magnoli: Também, presidida pela Líbia!
Celso Amorim: Não, mas antes, também, era presidida por outros, não era só presidida pela Líbia, não, porque ela já foi presidida por muitos outros países. O que eu quero dizer é o seguinte, você vota, digamos, no caso de Cuba, Cuba foi condenada por três votos de diferença. Digamos que Cuba tivesse tido, não é muito difícil, a composição fosse um pouquinho diferente. Ela poderia ter dito dois votos a mais, um a menos. Ela teria sido, digamos, entre aspas, absolvida. Será que a situação teria mudado da água para o vinho em Cuba? Isso ajudaria? Então, não é isso...
Demétrio Magnoli: Por isso, o que importa é a declaração de voto.
Celso Amorim: Deixa eu terminar. Eu acho que o que interessa é você manter um diálogo, você manter uma atitude de cooperação. Sobretudo quando é um país que tem... e apesar dos problemas, tem coisas positivas também, como foram as reformas sociais. Um país que sofre um embargo há 40 anos. Você não pode desconhecer isso. Isso é parte do contexto global em que Cuba está inserido. Então, eu acho que você pode resolver essas questões pelo diálogo. E é pelo diálogo que nós estamos tentando fazer, coisa que eu, como chanceler, que sou a pessoa nesse caso autorizada a falar diretamente com eles, tenho tentado fazer. Pode ser suficiente ou não, vamos ver a médio prazo.
Eliane Cantanhêde: Agora, ministro, o Tilden Santiago, que é o nosso embaixador em Havana e é um ex-deputado, ex-deputado do PT, tem uma história política importante enfim. Ele, quando voltou ao Brasil, ele não só defendeu os fuzilamentos de Cuba, como ele disse que foi uma reação de defesa em relação aos Estados Unidos, à pressão dos Estados Unidos. E que, se acontecesse a mesma coisa no Brasil, que a gente poderia fazer a mesma coisa. Isso passou meio batido, mas é um constrangimento.
Celso Amorim: Não passou meio batido, não, ele publicou uma nota esclarecendo...
Eliane Cantanhêde: Que ele não tinha dito. Só que estava gravado. O problema é que ele disse que não tinha dito, mas estava gravado. A Folha de S. Paulo publicou.
Celso Amorim: Só estou dizendo que não "passou batido". Nós prestamos atenção e ele publicou uma nota.
Eliane Cantanhêde: Ah, sim, ele levou um "puxão de orelha". O senhor quer dizer isso? O senhor acha suficiente?
Celso Amorim: Não sei. Enfim...
Oliveiros Ferreira: A diplomacia tem "razões que o coração não conhece". [fazendo referência aos versos "o coração tem razões que a própria razão desconhece" de Blaise Pascal (1623-1662), filósofo, físico, matemático e escritor francês] [Risos]
Eliane Cantanhêde: Agora, o embaixador em Havana defender fuzilamento...
Celso Amorim: Nós somos contra fuzilamento, não há a menor dúvida.
Eliane Cantanhêde: Nós, exceto o embaixador em Cuba, você entendeu?
Demétrio Magnoli: Nós não escrevemos isso. A nota do Brasil na Comissão de Direitos Humanos, ela se limita a exprimir preocupação.
Celso Amorim: Desculpe, eu lhe envio o meu depoimento no Congresso, que é um depoimento público, em que isso está dito com todas as letras.
Demétrio Magnoli: Mas a função internacional do Brasil é expressa na declaração de votos na Comissão de Direitos Humanos, não é no seu depoimento no Congresso.
Celso Amorim: Desculpe muito, não estou de acordo. O que eu digo na Câmara, não me lembro exatamente os termos que nós usamos, porque, aí, por mais que eu puxe pela memória, eu já não lembro exatamente, mas nós fomos críticos do fuzilamentosem a menor dúvida. Nós reiteramos que éramos contra a pena de morte e que nós éramos contra julgamentos sumários sem publicidade. Claramente dissemos isso. E na Câmara dos Deputados disse com palavras mais claras ainda. Se você quiser e, aliás, eu acho que seria interessante, enfim, vejo que você tem um grande interesse no tema, que eu acho ótimo.
Demétrio Magnoli: Tenho.
Celso Amorim: Mas eu acho ótimo, é isso mesmo. Eu vou, então, lhe enviar.
Eliane Cantanhêde: E se o embaixador falou tudo diferente do que o senhor falou em nome do governo brasileiro, o embaixador tem que ser removido, é isso?
Celso Amorim: Olha, em nome do governo brasileiro ele falou o que consta da nota.
Heródoto Barbeiro: Bom, nós vamos fazer mais um intervalo. Só um esclarecimento, ministro. O embaixador pode divergir do ministro das Relações Exteriores?
Celso Amorim: Uma boa pergunta. Eu acho que o embaixador pode debater, dialogar, eu acho que isso até enriquece a formação de opiniões. Agora, quando há uma linha clara do governo sobre um determinado tema, aí ela deve ser adotada.
Heródoto Barbeiro: Ministro, eu gostaria que o senhor explicasse também mais uma questão aqui para o nosso telespectador. Muita gente leu no Estadão [O Estado de S.Paulo] a manchete dizendo o seguinte: “Amorim quer diplomata politicamente engajado”. O que significa exatamente um diplomata politicamente engajado? Posso entender que o Itamaraty está dividido agora entre tucanos [partidários do PSDB] de um lado e petistas de outro?
Celso Amorim: Não. Eu acho que se você ler realmente o que está na entrevista mais do que o que está na manchete, vai chegar à conclusão de que não foi exatamente isso que eu disse ou pelo menos não dá essa leitura que você está dando agora. O que eu quis dizer é que é preciso que, nos postos-chave, você tenha pessoas que tenham uma afinidade com o pensamento, porque não basta... digamos, com o pensamento do governo, do ministro. Sem prejuízo da discussão, do debate, que é muito importante. Eu, como eu digo, na minha administração ninguém será punido por delito de opinião, por dissensão de opinião. Agora, é evidente que eu tenho que escolher para os meus assessores mais próximos pessoas que tenham afinidade de pensamento comigo.
Heródoto Barbeiro: É afinidade do quê? Ideológica, é isso?
Celso Amorim: Não ideológica. Se você for fazer uma enquete no meu gabinete... Eu nunca perguntei a eles em quem eles votaram, a nenhum deles, não sei, posso até deduzir de um e de outro. Não perguntei a nenhum deles. Não perguntei a nenhum dos subsecretários. Os chefes de departamento do Itamaraty, em geral, são escolhidos pelo sub-secretário. O que eu quis dizer muito claramente é que é preciso... a diplomacia não pode ser levada burocraticamente, a diplomacia não é uma tarefa que você possa executar só mandando uma cartinha para cá, uma cartinha para lá. Você tem que executar com empenho, com engajamento. Eu sou de uma geração que foi formada ainda sob a influência do Jean-Paul Sartre, então o engajamento é uma condição essencial do ser humano. O ser humano que não se engaja é um ser humano incompleto. Ele não está participando da realidade. Eu acho que isso que eu disse, isso que ficou muito claro e todo mundo sabe e creio, por ações concretas, que ninguém é punido. Agora, é claro que as pessoas podem ser realocadas, isso é normal. Realocadas com dignidade, sem afetar, digamos, a sua responsabilidade profissional, a sua competência. Agora, eu quero mais próximo de mim gente que pode até discordar de mim, mas onde eu ouço um eco. De onde não vem eco, não adianta nada. O eco pode ser até discordante.
Heródoto Barbeiro: A gente pode entender que quando um partido trabalhista e um conservador se alternam no poder da Inglaterra muda também a diplomacia britânica?
Celso Amorim: Olha, eu não sou membro do Partido dos Trabalhadores. A única ficha partidária que eu jamais preenchi foi a do PMDB, na época do Dr. Ulysses [Guimarães (1916-1992) político, um dos fundadores do PMDB. Político influente na história do Brasil, presidiu a Assembléia Constituinte entre 1986 e 1988, quando foi aprovada a nova Constituição], quando eu trabalhava com o Renato Archer [(1922-1996) cientista e militar. Foi ministro da Ciência e Tecnologia no governo de José Sarney (1985-1989). No governo Itamar Franco foi presidente da Embratel], fato que eu notifiquei, aliás, ao presidente Lula quando ele me convidou. Então, eu não tenho essa preocupação, não pedi a ninguém esse tipo de atitude.
Heródoto Barbeiro: Desculpa. Eu não entendi qual é a diferença, ideológica ou programática. Não há um programa?
Celso Amorim: Olha, eu acho que as pessoas têm que ter uma afinidade com o programa que estão executando.
Heródoto Barbeiro: Um programa do governo e não do Estado?
Celso Amorim: O Estado não tem programa, o Estado tem interesses. E alguns são mais ou menos permanentes, nada é absolutamente permanente, mas alguns são mais ou menos permanentes, outros podem ser mais transitórios. Agora, o governo tem programa e tem programa de política externa. Tanto é assim que existem programas, os partidos políticos, os candidatos têm programas para políticas externas. Senão não teriam. É claro que quem não se sente à vontade com aquele programa, ele não será punido, ele será muito bem tratado. E, felizmente, a nossa carreira é uma carreira de estado multifacetada, onde há lugar para todo mundo. Eu já fui cônsul, já trabalhei em várias áreas. Então, você tem que encontrar... Agora, eu não posso, para dar um exemplo, colocar, por hipótese, um subsecretario de assuntos políticos que não concorde com a prioridade com a América do Sul, vamos dizer.
Demétrio Magnoli: Mas pode colocar um secretário-geral que é a favor do rompimento já das negociações da Alca, como é o caso do embaixador Samuel Pinheiros Guimarães?
Celso Amorim: Eu posso colocar o Samuel Pinheiros Guimarães, uma pessoa em que eu tenho confiança absoluta, que trabalha comigo há muitos anos. Muito antes dele ter feito qualquer pronunciamento sobre a Alca, ele foi o meu vice na Embrafilme. Eu fui presidente da Embrafilme e ele era o diretor financeiro e administrativo da Embrafilme. É uma pessoa de grande competência, de grande lealdade e de lealdade também com os propósitos, os programas do governo, [com] que ele contribui para aprimorar na base do diálogo. O que ele disse exatamente antes e depois não me interessa em detalhes. Eu li até o livro dele, acho que é um livro interessante. Se você me perguntar se eu concordo integralmente com o que ele disse antes, possivelmente não, mas concordo com algumas coisas. Não concordo com algumas críticas, não concordo, talvez, com todas as soluções mas isso não tem importância. Porque nós estamos trabalhando na base de um diálogo e de uma da busca do interesse nacional. Você disse, aí, até generosamente, que eu sou visto como um diplomata que defende com firmeza o interesse nacional. Não sei se é verdade, mas é isso que eu acho que é o essencial.
Demétrio Magnoli: Não, eu fiz essa pergunta como um elogio, porque eu acho que nós tivemos na gestão do seu antecessor a lei da mordaça no Itamaraty, que proibiu os diplomatas de discutirem assuntos públicos a não ser que fossem simplesmente a repetição da linha oficial. E nós tivemos um outro episódio lamentável, que foi o episódio do afastamento do embaixador [José Mauricio] Bustani da Opaq [Organização para a Proibição de Armas Químicas], na qual o Itamaraty fez o papel lamentável de, no fundo, dar cobertura ao bombardeio de Washington contra a atuação independente do embaixador Bustani. Eu acho que isso mudou muito na gestão do senhor e isso é louvável. Inclusive, eu queria saber, qual é a sua avaliação sobre o episódio da mordaça e o episódio do embaixador Bustani?
Celso Amorim: Olha, eu prefiro não avaliar a maneira como trabalharam os meus antecessores. Até porque eu era embaixador do governo Fernando Henrique Cardoso [presidente do Brasil pelo PSDB entre 1994 e 2002], embaixador quando o ministro era o Celso Lafer e sempre procurei agir com lealdade. Nas vezes em que eu discordei de aspectos da política externa, não preciso mencionar aqui, eu me dirigi diretamente ao ministro Celso Lafer e disse o que eu achava.
Demétrio Magnoli: Mas hoje nós não temos mordaça?
Celso Amorim: Eu já lhe disse, ninguém será punido por delito de opinião. Agora, obviamente, se você me disser que tem uma pessoa que está cuidando das negociações do Mercosul e que é contra o Mercosul por hipótese ou que acha que o Mercosul não é importante, não é prioritário, tem que colocar em outro lugar. Não vamos mandá-lo embora. Mas eu mando colocá-lo em outro lugar. Esse que é o sentido do que eu disse.
André Lahóz: Nós não falamos ainda da OMC. Estamos a poucas semanas de uma reunião muito importante no México. Nessa que é a rodada supostamente do desenvolvimento, em que o tema da agricultura está no “centríssimo” das discussões, qual é a expectativa do senhor, do governo brasileiro: vai dessa vez? Será que o Brasil vai ter aí uma boa notícia? Porque o clima não anda bom, o clima preparatório para essa reunião... Qual a avaliação que o senhor faz dela, das chances de sucesso? [referência à discussão sobre os subsídios que os países europeus e os Estados Unidos concedem aos produtores agrícolas do país, prejudicando o Brasil. O governo brasileiro fez uma queixa à OMC sobre tal situação]
Celso Amorim: Olha, nós acabamos de vir de uma reunião em Montreal em que eu acho que houve, digamos assim, alguma abertura. Se nós vamos obter tudo que queremos ou não, isso é uma outra questão, o importante é que nós defendamos com firmeza que o nível de ambição da rodada não seja alterado, porque esta seria a jogada: “Vamos agora, porque teve a reforma da agricultura na Europa, então vamos baixar para o que eles estão fazendo, porque isso é o possível mesmo”. Eu disse a eles, quem acompanha negociações econômicas vai entender o que eu estou dizendo, negociações comerciais... eu disse assim “está muito bom se fossem as negociações mandatadas”. Nós propusemos as negociações obrigatórias, a Rodada Uruguai. Agora, para uma negociação dentro de uma rodada, não é suficiente. Vamos continuar discutindo. Se nós vamos obter ou não, não sei. Agora, o Brasil, para voltar ao ponto que o Oliveiros fez no início, é certamente um dos países... e eu digo isso sem nenhum sentido de modéstia nem pessoal nem com o Brasil, é que o brasileiro, às vezes, não respeita a importância que ele próprio tem como país. Quer dizer, o Brasil é certamente um dos países ouvidos. Eu sei, eu tenho a experiência pessoal. Não é por mim ou por outra pessoa, não. Qualquer pessoa que esteja ali, que seja minimamente articulada, se você tem uma reunião da OMC, quando o Brasil fala todo mundo fica em silêncio ouvindo, porque é uma opinião que tem que ser levada em conta. Agora eu queria falar de uma outra coisinha que vocês estão mencionando...
Oliveiros Ferreira: A África?
Celso Amorim: Eu vou chegar na África. Eu vou chegar na África, mas primeiro eu até queria, se você me permitir, eu queria dizer o seguinte: as viagens do presidente, eu acho que é uma coisa muito importante. Porque, às vezes, há uma percepção também, digamos, incompleta ou parcial. Eu acho que é preciso perceber – e o presidente Lula tem clareza sobre isso–, embora o Brasil seja um país de dimensões continentais, que tem um enorme mercado interno, mas que deve ser potencializado, como você disse, ele está integrado no mundo. Não existe mais a hipótese de você ter uma economia auto-suficiente ou um país isolado do mundo. Então, a projeção externa do Brasil é algo muito importante. Claro, prioridade é a América do Sul, como nós temos dito. E eu vou chegar na África também. Por isso que eu vou deixar para o fim, senão eu falaria em segundo lugar. Mas, obviamente, o Brasil tem um interesse também de ter uma relação importante com as grandes potências. E tem que ter um interesse e uma relação equilibrada. Sem voltar a discutir o que nós já falamos sobre a Alca, mas há uma negociação que está transcorrendo na região, que é a negociação da Alca. Nós temos muito interesse também [em] que essa negociação seja equilibrada por uma negociação com a União Européia. Até porque o Brasil tem um comércio que é equilibrado e quer manter dessa maneira. Não vale a pena "colocar os ovos todos numa única cesta". Então, é preciso, quando a pessoa vê que o presidente esteve, no início do governo, não só em Davos para levar uma mensagem muito importante para o mundo do combate a fome, mas também para ter um diálogo direto com líderes como o [Jacques] Chirac [(1932) primeiro-ministro da França entre 1974 e 1976 e de 1986 a 1988. Foi eleito presidente do mesmo país em 1995 e em 2002] e, agora, mais recentemente, esteve com o [Tony] Blair [(1953) primeiro-ministro do Reino Unido entre 1997 a 2007. Também é líder do Partido Trabalhista e membro do Parlamento Britânico de 1983 a 2007. Conhecido por implantar a idéia econômica da "terceira via", é considerado um importante estadista] e esteve em Portugal e Espanha, é preciso ver que isso também se insere dentro de um contexto estratégico de procurar – como tinha estado com o Bush – um contexto estratégico em que o Brasil não pode colocar todos os ovos numa mesma cesta.
Oliveiros Ferreira: Tem ovo para colocar na cestinha da Rússia?
Celso Amorim: Bem, eu acho que vai haver, certamente. Rússia e China estão dentro das nossas prioridades. O presidente teve um primeiro encontro com o presidente [Vladmir] Putin [(1952) presidente da Rússia que foi, anteriormente, diretor-geral da KGB e diretor de políticas externas, eleito em 2000, permanecendo até 2008 quando foi nomeado primeiro-ministro, continuando no poder] durante essa reunião ampliada do G-8. Prevemos – vamos ver se as datas, as agendas permitem– que durante a Assembléia Geral da ONU, ele possa ver novamente o presidente Putin enfim. Assim como há outras idéias que existem, que estão no ar. Não quero me estender muito agora. Mas certamente Rússia e China... Aliás também esteve com o presidente Hu Jintao [presidente da China, eleito em março de 2003] longamente. Foram dois encontros bastante longos lá no G-8. E até o presidente disse que uma das coisas importantes foi permitir que nós, de países em desenvolvimento ou de países que estão ainda crescendo, nos encontrássemos.
Cláudio Camargo: É verdade que a Rússia mostrou interesse no G-3? É verdade que a Rússia mostrou interesse em participar das discussões do G-3?
Celso Amorim: Olha, eu estive com o ministro [Sergei] Ivanov [ministro da Defesa], que disse que a idéia do G-3... ele usou a seguinte expressão: “é uma coisa fantástica”. Agora, a Rússia também é do G-8. E ela vai provavelmente medir os seus interesses. Mas ela tem muito interesse em ter um contato conosco. Agora, sob que formato será isso, é uma questão que a gente tem que ir discutindo. É uma questão que tem que ir evoluindo. Eu sou muito a favor de uma diplomacia transparente, uma diplomacia pública. Mas você não pode colocar tudo... Até porque você depende dos outros, você tem que ser discreto em relação...
Oliveiros Ferreira: E a África?
Celso Amorim: Deixa eu voltar à África. A África, aí é o seguinte: eu acho que, primeiro, digamos, no caso do Brasil, evidentemente, é até uma obrigação você ter uma política com a África. Quer dizer, usar uma frase antiga de um conselheiro do império, “a África civilizou a América”, certamente civilizou o Brasil, quase metade da população do Brasil, de uma forma ou de outra, tem raízes na África. E então isso é até ótimo e eu diria, como aliás já disse e repito, que há na África, digamos, uma sede de Brasil, há um sentimento de que o Brasil poderia estar muito mais presente do que está. Por isso mesmo o presidente Lula me mandou logo no início do governo. Quer dizer, você tem que levar em conta, uns quatro meses, não é comum que isso ocorra, um ministro das Relações Exteriores ir a sete países africanos. Ele marcou uma visita, que deveria se realizar a partir de agora, a cinco países africanos. Infelizmente, questões importantes e vitais de política internas, cujo cronograma nós não controlamos, levaram ao adiamento, mas já estamos oferecendo outras datas. Naturalmente temos que discutir com eles. Agora, o que é a África? A África também é uma fronteira econômica importante. Eu devo dizer uma coisa que eu sempre repito. Na África você não sente estagnação, você pode sentir pobreza, em certos lugares pode haver até miséria, como aliás tem no Brasil também, mas você sente dinamismo, é uma coisa que pulsa. E o interesse por um país, pelo Brasil, é muito grande. Nos países de fala portuguesa nem é preciso dizer, é óbvio. Eu saí de Angola, tinha duas televisões, cada uma passava um programa brasileiro diferente. Cheguei em São Tomé e Príncipe, estava passando um terceiro programa, provavelmente por causa do horário, não sei, mas também uma televisão brasileira. E tudo... Eu digo, o Brasil tem uma ponte natural, há uma expectativa e até com os países não de fala portuguesa, a Namíbia eu já comentei...
Oliveiros Ferreira: Mas isso exigirá... para [se] consolidar, vai exigir que o Brasil faça, digamos assim, investimentos diretos ou aporte capitais públicos para ajudar o desenvolvimento. E isso nós não temos.
Celso Amorim: Olha, eu acho que há exigência... Eu diria o seguinte: também é uma oportunidade de se ganhar dinheiro, ganhar dinheiro honestamente e ajudando ao mesmo tempo. Há, por exemplo, uma hipótese, eu não sei se vai se concretizar, porque isso depende de muitos fatores, de a Companhia Vale do Rio Doce participar da exploração do carvão, que é uma das maiores...
Oliveiros Ferreira: Sim, exploração petrolífera em Angola.
Celso Amorim: Em Angola. São Tomé e Príncipe, que é uma pequena ilha. Aliás, o Brasil contribuiu para reverter uma situação de uma tentativa de golpe de Estado. O Brasil, da Presidência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, foi quem teve a idéia de mandar uma missão rapidamente aprovada por outros países e nós constituímos, junto com a Organização dos Estados da África Central [(Cedeao/Ecowas)]... Então, demos uma contribuição que passou despercebida. Porque aqui, no Brasil, não há grande interesse por esse tema. Agora, o próprio São Tomé e Príncipe, uma questão especulativa, mas muita gente disse que os Estados Unidos têm um interesse em construir uma base aeronaval em São Tomé e Príncipe, que não será de graça, porque está no meio do Golfo da Guiné, que é um lugar muito rico. Agora, a questão é a seguinte, eu sou muito a favor do pragmatismo. A gente tem que ser pragmático, política externa é uma questão de princípio, mas é um pragmatismo que tem que olhar a longo prazo. Não pode olhar só... digamos, só o minuto seguinte. Se você ficar olhando só o minuto seguinte...
Oliveiros Ferreira: Por isso que eu lhe perguntava.
Maria Helena Tachinardi: Essa coisa da África, ainda, eu queria matar uma curiosidade. Eu perguntei ao ministro Roberto Rodrigues [ministro da Agricultura no governo Lula] outro dia, por que o Brasil, com todo esse esforço de políticas, de viagens, a sua viagem a sete países, o presidente agora acaba de suspender, adiou a viagem... Por que o Brasil não se associou ao Benin, Burkina, ao Mali, que são produtores de algodão e que sofrem o efeito dos subsídios dos Estados Unidos na área de algodão, que são países pobres e que precisam dessa receita? Não se associou a esses três ou quatro ou cinco produtores dessa região na OMC e não entraram juntos num painel? Quer dizer, o Brasil entrou contra os Estados Unidos, depois aí os presidentes desses países fizeram uma grande... tentaram fazer uma grande comoção no mundo. E foi uma coisa impressionante, porque eu nunca tinha visto, assim, presidentes africanos se posicionarem contra uma potência como Estados Unidos na OMC, entendeu? Então eu queria entender, por que não houve essa coordenação?
Celso Amorim: Por que não houve? Olha, veja bem...
Maria Helena Tachinardi: O ministro Rodrigues... porque falta gente, falta tempo, o Brasil não tem gente para fazer.
Oliveiros Ferreira: Falta gerenciamento?
Maria Helena Tachinardi: Então, eu queria saber da sua, a sua palavra.
Celso Amorim: Olha, o que o Brasil fez foi positivo. Quer dizer, talvez esse pronunciamento que você falou não tivesse ocorrido se o Brasil não tivesse entrado com ação na OMC. Agora, a realidade é que alguns países são muito ativos na OMC, outros são menos, até por contingências, e às vezes você também não pode esperar um processo... Eu não sei, eu não estou querendo te enganar com nada, porque eu não sei nem se foi feita a consulta a esses países na realidade. Talvez seja um hábito que nós tenhamos que desenvolver. Eu, para falar a verdade, quando eu reassumi, eu fui embaixador duas vezes... Bom, agora é OMC. Quando eu cheguei lá, havia dificuldade até de conversar com a Índia. Porque já era considerada muito antes neoliberal. Não estou dizendo que fosse uma orientação do ministro especificamente, era uma coisa que permeava e o Brasil não pode ser visto como a Índia, entende? Então... Menos ainda poderia ser visto como um país africano, provavelmente. Hoje a perspectiva é diferente. Então, eu não excluo que isso pudesse ter acontecido, talvez até devesse. Agora, há situações em que, digamos, embora os países tenham os mesmos interesses ou tenham interesses semelhantes, por motivos diversos não têm condições de entrar logo. Isso é muito comum. Você conhece isso tão bem. Provavelmente até melhor do que eu. Há algumas que você, tecnicamente, tem que se concentrar nelas, porque elas oferecem, por um aspecto específico, elas vão te oferecer... Porque a OMC não é um julgamento político, a OMC não é um tribunal, digamos assim, como se fosse uma espécie de Comissão de Direitos Humanos, que, aliás, devia ter para julgar se os direitos econômicos dos povos estão sendo respeitados. Ela não faz isso. Ela vai ver se aquilo está contra a letra do acordo que foi feito. Então, nós temos que pegar de uma maneira muito específica e foi o que nós fizemos...
Heródoto Barbeiro: Ministro, quando o senhor falou em pragmatismo, quando o presidente Lula diz, em viagem à Europa, Espanha: “Os Estados Unidos pensam só neles a primeira vez, a segunda vez, terceira vez, etc.”, uma crítica aos Estados Unidos. Ou quando o presidente fez críticas diretas à guerra que os Estados Unidos moveram contra o Iraque. Depois o senhor liga lá para o secretário de Estado para tentar apagar o incêndio. O senhor que é o bombeiro dessa situação?
Celso Amorim: Não...
Heródoto Barbeiro: O presidente fala uma coisa, como é que o senhor faz? “Espera aí, não é bem assim”.
Celso Amorim: Você não me viu muito na televisão, mas eu sempre disse, de maneira clara, eu, para não falar do presidente Lula, eu sempre disse de maneira clara que o Brasil era contra a Guerra do Iraque, era contra, porque devia usar os meios pacíficos até o final. E que, se por acaso, chegássemos a uma situação em que fosse absolutamente indispensável o uso da força, ela teria que ter autorização das Nações Unidas. Então, a nossa posição é a mesma. É claro que o presidente Lula é um político, é um líder popular. Ele é um líder que fala para o povo. Eu, infelizmente, sou um diplomata, que falo para outros diplomatas. Então, ele fala com linguagem mais direta. Mas o que nós estamos dizendo é absolutamente a mesma coisa. A nossa opinião em relação à Guerra do Iraque não teve nada de anti-americanismo, que... aliás, os americanos entenderam isso. Não era um problema ser contra o americano, era ser contra uma ação...
Heródoto Barbeiro: Mas e quando ele diz: “eles pensam neles, só neles, neles, neles”?
Celso Amorim: Vamos separar as coisas. A segunda coisa, eu creio, não posso interpretar o presidente. Eu creio que foi dito até como um elogio no sentido de dizer que nós temos que pensar um pouco em nós. Quer dizer, nós temos que pensar, quando nós estamos discutindo a Alca, nós temos que pensar no nosso interesse, e não no que os americanos vão achar. Olha, eu vou lhe dizer, pegar até um exemplo bobo, mas, enfim... menor. Quando nós estávamos discutindo a questão de oferta para a Alca – é muito técnico, mas vou dar um só exemplo–, eu insisti, por exemplo, [em] que, com relação às compras governamentais, que é um assunto que pode se prestar à política industrial, está sendo usado pela Petrobras, agora, para fomentar a indústria brasileira, eu dizia “em vez de discutirmos acesso ao mercado nesse tema, vamos limitar ao aspecto transparência”. Isto é, ter regras que todos entendam, não esconder de ninguém. Porque isso era do nosso interesse. Mas não vamos fazer um compromisso de acesso que amanhã dificulte uma política tecnológica. Olha, o que eu ouvi dentro e fora do Itamaraty pela burocracia, “ah, mas isso vai ser impossível, isso não tem condição, ninguém vai aceitar”. E quando Bob Goodlatte [político norte-americano, representante do estado da Virgínia no Congresso] botou os pés no Brasil e foi falar comigo, disse: “Não, vamos fazer uma Alca pragmática, por exemplo, compras governamentais podem ser só com transparência”. Então é isso que eu digo, o brasileiro tem medo de defender o seu interesse.
Heródoto Barbeiro: Vamos dizer, mais difícil de consertar. O presidente vai e diz: “Olha, vamos fundar aqui um bloco de países emergentes”. Aí a gente fica lembrando daquele terceiro-mundismo da década de 1970. E como é que isso reflete?
Celso Amorim: Mas esse terceiro-mundismo não existe mais.
Heródoto Barbeiro: O que é um bloco de países emergentes? De pobres contra ricos?
Celso Amorim: Não, não é de pobres contra ricos, mas os países têm que discutir as suas afinidades. Se você por acaso ler as declarações que estão no jornal de hoje, creio, do diretor-geral da OMC, de que hoje em dia um acordo como o que foi feito na época da Rodada do Uruguai entre os Estados Unidos e a União Européia. E aí é ótimo, até, como exemplo, porque eu não estou criticando ninguém. Eu era o negociador lá e depois era ministro quando isso ocorreu...Então, ele, quando diz isso: “Hoje em dia não pode acontecer”... por quê? Porque os países em desenvolvimento têm uma voz mais ativa, entende? Então, não é um bloco contra. Mas também não pode aceitar passivamente que os outros digam qual é o nosso interesse. Porque no passado era assim. Você discutia com a União Européia, ela não dizia qual era o interesse dela para você negociar, não. Ela dizia o que devia ser o seu interesse. Européia e Estados Unidos. Isso não dá.
Demétrio Magnoli: Voltando à África só um instante, porque eu acho que ficou uma questão em aberto, que é a proposta já antiga e durante muito tempo teve bastante resistência no Itamaraty. Inclusive, uma resistência numa linha que o senhor explicou, “não vamos ser confundidos com os africanos, etc.” A proposta de um tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Alfandegária da África Austral... quer dizer, desde a democratização da África do Sul que se discute isso e parece que hoje, finalmente, a negociação começou a andar. Como é que está isso?
Celso Amorim: Olha, vamos fazer justiça porque a negociação começou até no governo anterior, porque também nunca houve uma posição antiafricana no Itamaraty. Também não quero aqui que haja uma leitura errada do que eu disse. Eu estou dizendo em termos de posicionamento do Brasil. Do Brasil não ser confundido com "A" ou "B" em termos de atitude em relação à política comercial, mas, no caso específico, o que nós estamos procurando é dar impulso a uma negociação que já começou. Quando eu fui à África do Sul, eu estive não só com o presidente, por instruções do presidente Lula, também estive com o ministro do Comércio deles, que é o Alec Erwin. E como resultado nós estamos avançando na nossa negociação. Nós já temos um acordo quadro. Agora, o tipo de negociação envolve outros países da união aduaneira do sul da África. O tipo do acordo é um acordo que eles não estão muito habituados a negociar, que é o acordo que nós temos na Arábia. Então, isso leva um pouquinho de tempo, mas é importante que a gente ponha muita prioridade política nisso e estamos pondo. E voltei a encontrar com o ministro Alec Erwin, agora, na reunião de Montreal. Voltei a falar nisso e ele sempre pareceu muito interessado. Tanto que eles mandaram um representante à reunião que nós tivemos em Assunção, do Mercosul.
Eliane Cantanhêde: Eu acho que o senhor passou, assim, o senhor e nós também passamos, assim, todos muito rapidamente por esse adiamento da viagem à África. Quando a gente conversa com vários níveis de diplomatas no Itamaraty, embaixador, ministro, secretário, todo mundo diz que a questão da África é delicada, inclusive, porque eles têm uma auto-estima baixa. Eles estão sempre achando que, como são negros, pobres, e tem muita aids...
Celso Amorim: Nós também somos negros, pobres e temos aids. Essa é a diferença. Nós entendemos isso.
Eliane Cantanhêde: Só que hoje nós estamos numa posição no mundo, tirando a África do Sul, melhor em termos de negociação do que, vamos dizer, Namíbia...
Celso Amorim: Seguramente.
Eliane Cantanhêde: Angola, Moçambique... Obrigada. Mas, enfim. Eles têm esse aspecto quase psicológico de negociação. E, na mesma semana, o Brasil faz duas... comete duas deselegâncias, uma de deixar o primeiro-ministro de Moçambique carregando mala e passando pela alfândega no aeroporto de Cumbica. Imagina se fosse com o Tony Blair.
Oliveiros Ferreira: Não, imagina se fosse o contrário.
Eliane Cantanhêde: É, e se fosse com o Lula lá. E, em segundo lugar, quatro dias depois, o Brasil cancela em cima da hora ou adia, já que o senhor prefere o verbo adiar...
Celso Amorim: Não, é a palavra que eu fui autorizado pelo presidente a usar. Quer dizer, “se tivermos mesmo que adiar, procure já uma outra data, porque é uma prioridade minha e da África”.
Eliane Cantanhêde: Tudo bem, isso é ótimo, é prioridade, legal. Agora, fica difícil explicar para a África que eles são uma prioridade, se o Brasil tem esse tipo de comportamento, porque diplomacia também é simbologia.
Celso Amorim: Eliane, se quiser perguntar, eu, como o ministro de Relações Exteriores, eu estou feliz com o adiamento? É óbvio que não estou. É óbvio que seria melhor fazer a viagem. Agora, nós temos que reconhecer que há circunstâncias específicas muito importantes no Brasil também, que é sobretudo, como você sabe, a votação da previdência.
Eliane Cantanhêde: Que está correndo há quanto tempo?
Celso Amorim: Sim, mas vai haver uma votação importante nesta semana e a presença do presidente aqui é uma presença importante. E a África também não é ali para você dizer “olha, venha”. São vários países. Seria pior, como aliás já ocorreu no passado, você cancelar uma viagem no meio, ir a dois, três países e não ir a outro. Isso seria muito mais ofensivo. Nós fizemos uma avaliação cuidadosa. Claro que, digamos, do meu ponto de vista, como ministro das Relações Exteriores, o ideal era que o presidente Lula fosse. Mas eu tenho que ver que isso é uma questão de governo. Eu não faço política do Itamaraty, eu faço política do governo.
Eliane Cantanhêde: E a leitura que a gente faz é que a África não é tão prioritária assim para esse governo.
Celso Amorim: Não é verdade, eu não concordo.
Oliveiros Ferreira: Eu faria uma outra, que é um governo fraco, que não consegue resolver o problema na sexta, no sábado, no domingo e na segunda, ele tem quatro dias para resolver um problema que depende do quê? Depende do PT mandar na bancada, depende do presidente convocar o PMDB e os outros partidos...
Eliane Cantanhêde: E aí não me digam que a África é uma prioridade.
Celso Amorim: Por que não é uma prioridade? Eu não estou entendendo. Outras viagens já foram adiadas. Eu não quero entrar em exemplos do passado, não quero comentar o passado, mas você sabe...
Oliveiros Ferreira: O Itamar.
Celso Amorim: Não, não, não é só o Itamar. Outros presidentes, por outras circunstâncias, cancelaram viagens ou interromperam viagens no meio.
Oliveiros Ferreira: Fernando Henrique?
Celso Amorim: Então, não é uma coisa... São coisas que acontecem. Política interna é uma realidade. A gente compreende isso, a gente sabe isso. Eu já vi... Agora, devia até ter visto antes a lista de outras viagens do presidente dos Estados Unidos, do primeiro-ministro do Reino Unido, que são canceladas por circunstâncias de política nacional ou internacional que prendem o presidente no país. O Brasil é um país grande, complexo, complicado, como todos nós sabemos. Complicado em todas as suas vertentes, inclusive na vertente política. Então, a presença do presidente aqui é uma coisa importante. E é um fato específico, não é uma coisa, uma situação vaga, é um fato específico. Fez-se uma avaliação e eu lamento, evidentemente, que isso tenha que ter ocorrido, mas me consolo.
Eliane Cantanhêde: O senhor votou contra?
Celso Amorim: Não há votação mesmo, isso é um consenso.
Eliane Cantanhêde: Há uma reunião.
Celso Amorim: Isso é um consenso. Mas há uma, uma... Eu me consolo com o que está expresso na nota do Itamaraty e que o presidente, ele próprio, me instruiu a fazer, que era já buscar uma nova data o mais rápido possível.
Cláudio Camargo: Ministro, eu queria voltar um pouquinho para a América do Sul. O Brasil teve uma atuação bastante interessante logo no começo do governo Lula, que foi a atuação junto à Venezuela, a crise venezuelana entre o presidente Chavez e a oposição. Teve uma atuação mediadora bastante interessante. Agora, o país vizinho, a Colômbia, é um país [em] que os Estados Unidos têm um foco muito claro, lá, pela questão do narcotráfico. Tem até uma presença militar lá. E agora a Argentina está querendo... a Argentina já disse que tem interesse em participar mais do processo colombiano. Nomeou, inclusive, o general Martín Balza [dirigiu o exército argentino durante os governos de Carlos Menem e Fernando de la Rua], que citou uma frase do presidente chileno Ricardo Lagos [(1938) economista. Foi presidente do Chile entre 2000 e 2006] de que, se a América Latina não se ocupar da Colômbia, os Estados Unidos vão se ocupar. O Brasil vai ter uma política mais assertiva em relação à Colômbia agora?
Celso Amorim: Eu acho que já está tendo, não é? O presidente Lula já esteve lá, recebeu o presidente aqui. Eu estive uma das vezes acompanhando o presidente Lula. Eu acabo de vir da Colômbia, há cinco dias eu estive lá. Tive uma conversa de uma hora com o presidente [Álvaro] Uribe [advogado e político colombiano. Tornou-se presidente da Colômbia pela primeira vez em 2002. Chegou pela segunda vez ao cargo em 2006 devido a uma reforma constitucional que garantiu a possibilidade da reeleição. É considerado um "protegido" político dos Estados Unidos que apóia sua política de combate às Farcs] e o ministro da Defesa. Nós criamos um grupo de trabalho conjunto para combater o narcotráfico, terrorismo, crime organizado. Estamos querendo atrair mais a Colômbia para o lado das negociações com o Mercosul. Sabemos que lá há sentimentos também e interesses, é natural. Então, eu acho que a política com relação à Colômbia é uma política ativa. Nós estamos dispostos a ajudar o governo colombiano em tudo aquilo que for necessário, dentro daquilo que sejam os nossos princípios, evidentemente. E, inclusive, eventualmente – por que não?–, se criarem as condições para um diálogo, também até para ajudar no diálogo. Aliás, isso eu disse não só ao presidente colombiano como disse para... De que forma a gente vai ajudar são outros quinhentos. Vamos ver na ocasião. Como disse ao próprio secretário-geral da ONU, aliás, previamente autorizado pelo presidente colombiano a dizer... De modo que há um clima de grande entendimento e muito positivo que eu acho que nunca talvez tenha existido de maneira tão forte entre Brasil e Colômbia.
Heródoto Barbeiro: Ministro, nós queremos agradecer a participação do senhor aqui, nesse debate do Roda Viva, debate aberto, livre e democrático com o senhor aqui. Muito obrigado pela participação.
Celso Amorim: Eu que fico feliz e prestigiado com tanta gente importante aqui fazendo pergunta.
Heródoto Barbeiro: Obrigado pela participação dos nossos convidados, professores e jornalistas. E queremos convidar você para o nosso próximo Roda Viva, na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, como parte, aqui, desses debates democráticos que são linhas-mestras do jornalismo público da TV Cultura. Muito obrigado pela sua participação, boa noite e até a próxima semana.