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Memória Roda Viva

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Almir Pazzianotto

9/3/1987

As mudanças necessárias na legislação trabalhista brasileira, divergências quanto às posições do governo, dos empresários e dos trabalhadores, em discussões acaloradas, aparecem nesta entrevista

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Rodolpho Gamberini: Boa noite. Está começando neste momento, mais um Roda Viva, o programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo. Esta noite, o nosso entrevistado é o ministro do Trabalho Almir Pazzianotto. Para participar deste Roda Viva, estão conosco aqui no estúdio da TV Cultura: Augusto Nunes, do Jornal do Brasil; Roberto Della Mana, da Fiesp, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; Carlos Eduardo Lins da Silva, do jornal Folha de S. Paulo; Eliane Cantanhêde, do Jornal do Brasil, trabalha em Brasília; Júlio de Gramond, assessor de imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo; Joel Alves de Oliveira que é presidente do Dieese [Departamento Interestadual de Estatística e Estudos Econômicos]; José Paulo de Andrade que é jornalista da Rádio Bandeirantes e André Singer, jornalista da Folha de S. Paulo. Ministro, o senhor esteve hoje com o presidente Sarney, certamente os senhores devem ter conversado alguma coisa sobre greves. Como é que foi essa conversa hoje com o presidente Sarney, o que surgiu, foi realmente greve o tema principal ou teve outra coisa? Como é que foi essa conversa de hoje?

Almir Pazzianotto: Rodolfo, inicialmente, eu quero agradecer o convite que a direção do programa, por seu intermédio, me fez. É realmente uma grande satisfação para mim e acredito que, de alguma maneira, é uma obrigação. É uma obrigação do homem público, do político, do ministro, comparecer e submeter [-se] a uma bateria de perguntas, algumas das quais, evidentemente, não [se] terá condições de responder, presume-se, por exemplo, essa [risos].

Rodolpho Gamberini: Por que, ministro? Uma conversa de um ministro com o presidente não pode ser conhecida pelo público, o teor da conversa?

Almir Pazzianotto: Nós falamos generalidades a respeito da situação atual do Brasil, na área específica do Ministério do Trabalho, claro. Aí, alguns comentários sobre o momento atual, a conjuntura sobre os fatos que estão acontecendo. A greve, por que não, dos portuários?

Rodolpho Gamberini: O que o presidente falou sobre a greve dos portuários, essa intervenção da Marinha nos portos, os fuzileiros navais? O senhor falou sobre isso?

Almir Pazzianotto: Não, da Marinha não.

Rodolpho Gamberini:  Falou da greve dos portuários? O que ele falou, vamos ver.

Almir Pazzianotto: Pediu-me uma previsão a respeito do seu término e perguntou-me o que teria levado a categoria à greve, mas foi um encontro relativamente rápido, não mais do que alguns minutos. Eu acredito que nada assim de muito específico, que pudesse satisfazer a curiosidade, porque uma pergunta...

Rodolpho Gamberini: [interrompendo] Aliás, a sua resposta não só não satisfaz a nossa curiosidade como aumenta a nossa curiosidade, porque o senhor está fazendo...

Almir Pazzianotto: [interrompendo] Uma pergunta muito, digamos, que pudesse ensejar alguma questão muito importante, ela não foi feita.

José Paulo de Andrade: Rodolfo, me permita. Se eu fosse o presidente da República, eu perguntaria: “Ministro Almir Pazzianotto, a Lei de Greve está suspensa?”, lembraria, a pergunta faz cabimento, portuários marítimos, engarrafadores e distribuidores de gás, limpeza pública, eletricitários, funcionários da Previdência, lockout [paralização ou recusa em fornecer instrumentos necessários para o trabalho, realizada pelo empregador com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, visando frustar negociação coletiva ou dificultar o atendimento das reivindicações] dos proprietários de postos, pessoal dos hospitais estaduais. Será que o governo ainda hesita e confunde autoritarismo com autoridade, ministro?

Almir Pazzianotto: Não, não há nenhuma razão para uma suposição dessa natureza.

José Paulo de Andrade: A Lei de Greve não está suspensa?

Almir Pazzianotto: Tivemos, em 1986, aproximadamente 1.200 greves.

José Paulo de Andrade: No ano do cruzado?

Almir Pazzianotto: Uma boa parte no ano do cruzado, uma boa parte entre servidores públicos. O senhor se lembra da greve, por exemplo, da Previdência Social, não é?

José Paulo de Andrade: E os prejuízos que ela causou aos segurados, com o governo assistindo passivamente.

Almir Pazzianotto: Eu me lembro de um período muito longo, muito longo, em que se reivindicou intensamente a possibilidade do trabalhador exercer o direito de greve, não é, exercer o direito à negociação. Eu creio que somente esse assunto, a negociação, o direito de greve, perspectivas, possibilidades, desdobramentos, um pouco do passado, muito do presente, e uma prospecção do futuro, só isso, preencheria todo um programa. Talvez o tempo não fosse suficiente, tal a importância desse assunto, tanto sob enfoque político, o exame da possibilidade do trabalhador reivindicar em um regime democrático, quanto à questão econômica. Ainda hoje, ao sair de Brasília, eu estava inaugurando uma exposição de artesanato do Piauí e, ao deixar o recinto, o repórter, eu já dentro do veículo, ele veio ao automóvel e me perguntou: “Escuta, e as greves? O que o senhor acha das greves e coisa e tal?” E eu disse: “bem, cada caso é um caso. É muito difícil nós fazermos uma avaliação tão ampla e tão genérica a respeito da questão das relações do trabalho em um país com as características do nosso, onde é muito forte a tradição autoritária e, sobretudo, relativamente ao trabalho e ao trabalhador”. Então, cada caso é um caso. Eu acredito até, José Paulo, que nós estamos fazendo um grande esforço para descobrir os caminhos mais acertados na solução desse problema, que é um problema básico para o desenvolvimento da democracia. Ele é absolutamente fundamental. A legislação relativa à organização sindical é fundamental [pontuando com os dedos], a legislação relativa à organização coletiva é fundamental. No que se refere à negociação coletiva, há um capítulo do direito à greve.

José Paulo de Andrade: Mas não para o funcionário público.

Almir Pazzianotto: Cada caso, depende.

José Paulo de Andrade:  Como depende? A legislação não é...

Almir Pazzianotto: [interrompendo] Eu lhe diria que depende.

José Paulo de Andrade: Serviços essenciais.

Almir Pazzianotto: Eu lhe diria, mas mesmo assim eu insistiria com o meu amigo José Paulo, que depende. Por que depende? Eu vou argumentar sem me arrogar à condição de proprietário da verdade. Vamos argumentar, vamos pensar juntos, não é? A Constituição atual proíbe a greve nos serviços públicos e atividades essenciais definidas em lei. As atividades essenciais é que serão definidas em lei, mas essa Constituição está sendo questionada. Se toda ela fosse absolutamente isenta de qualquer tipo de dúvida, tanto quanto à legitimidade quanto ao seu acerto [sendo interrompido], não haveria necessidade da convocação da Assembléia Nacional Constituinte [é um órgão colegial temporário e extraordinário eleito de maneira representativa com a função de elaborar a Constituição de um Estado para lançar as bases do ordenamento jurídico de um país ou entidade subnacional dotada de autonomia legislativa], que não foi convocada para o exame parcial da Constituição.

José Paulo de Andrade: Então, o senhor está suspendendo a Constituição, ministro?

Almir Pazzianotto: Não, não.

José Paulo de Andrade: Está suspensa a Lei de Greve?

Almir Pazzianotto:  Não, absolutamente.

José Paulo de Andrade: Se o senhor quiser, eu volto à pergunta.

Almir Pazzianotto: O que eu quero lhe dizer é que essa questão da greve, em determinadas atividades, é uma questão que é muito polêmica hoje em nossa sociedade. É uma questão bastante polemizada, é uma questão muito discutida. Eu acredito que o governo tem agido de maneira muito acertada.

José Paulo de Andrade: Por exemplo, reconhecendo que é um mau patrão?

Almir Pazzianotto: Não vejo em quê.

José Paulo de Andrade: No caso da greve dos servidores públicos.

Almir Pazzianotto: Não, não vejo em quê, não vejo em quê.

José Paulo de Andrade: O governo reconhece que o salário que paga é insuficiente?

Almir Pazzianotto: Não, não. O que nós precisamos reconhecer, o que nós reconhecemos e o que todos reconhecem, é que o país não é suficientemente rico para atender a todas as demandas. O país não atingiu um nível de desenvolvimento econômico que possibilite ao seu governo, que é uma expressão da situação econômica no país, que é um reflexo, que é um retrato, que é uma síntese. O país não tem, conseqüentemente o governo também não tem, condições de satisfazer a todas as demandas. Eu resumiria da seguinte forma: o mundo todo aceita a renda per capita como um indicativo bastante razoável, não? A nossa renda per capita é de cerca de 1.696 dólares, inferior a do México, inferior a da Argentina. Incomparavelmente inferior a de países desenvolvidos, menor que a de Portugal, que a da Espanha e que a da Grécia. Nós aspiramos um padrão de vida de um país com renda per capita de 4.000 dólares. Existem as demandas, quem é que não sabe que o servidor público tem demandas? Recebi, em certa ocasião, um relatório do meu delegado, do meu então delegado regional do Maranhão. Meu delegado regional do Maranhão deu-se à tarefa de percorrer as prefeituras do interior e verificar quanto pagavam aos funcionários e encontrou vencimentos irrisórios. Agora, não poderia ter se surpreendido porque o orçamento municipal possibilita aquele pagamento, é uma questão orçamentária. Há a possibilidade de cobrar mais impostos do que aqueles que estão sendo pagos pelos contribuintes nos pequenos municípios do interior?

Augusto Nunes: Ministro, a propósito, o senhor fala no padrão, do desejo do brasileiro de atingir um padrão de vida a nível do europeu. Ao prometer, no período de euforia do Plano Cruzado, um nível de desenvolvimento japonês, com uma inflação suíça, o governo não teria estimulado esse tipo de articulação possível, pelo menos a curto prazo?

Almir Pazzianotto: Augusto, eu já ouvi essa história de inflação suíça e padrão japonês. Eu não ouvi ninguém [do governo] declarar isso. Eu não ouvi, sinceramente eu não ouvi. Não é [que eu] não me lembro, eu não ouvi ninguém declarar isso. Talvez até como força de expressão, como já houve quem dissesse que o Brasil é metade Bangladesh e metade Bélgica. São expressões, são metáforas que são utilizadas, às vezes, para a apresentação de uma idéia. Isso é muito didático.

José Paulo de Andrade: Inflação zero. A partir do momento que conceituou com uma inflação zero...

Almir Pazzianotto: [interrompendo] Mas quem lida com economia sabe que a economia sofre, ainda mais quando se tem pessoas aqui que entendem de economia, temos aqui uma boa quantidade, sabem que os problemas econômicos, eles se defrontam com obstáculos concretos, não é? Não basta apenas um desejo. Eu quero resolver o problema do desemprego, sim, eu quero, mas eu necessito realizar investimentos que gerem empregos produtivos.

Carlos Eduardo Lins da Silva: E por que não há investimentos, ministro?

Almir Pazzianotto: Isto eu não saberia lhe responder.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Uma suposição?

Almir Pazzianotto: Eu poderia lhe dar suposições, não é?

Carlos Eduardo Lins da Silva: Pois não, quais são algumas delas?

Almir Pazzianotto: A ausência ou a falta de maiores investimentos no país é um fenômeno que vêm ocorrendo já há alguns anos, ele não coincide com o andamento do Plano Cruzado, é anterior.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas com o Plano Cruzado, supunha-se que com o aumento da demanda daquela maneira haveria todos os motivos de se investir. Por que não se investiu?

Almir Pazzianotto: Não. Não, o senhor sabe que com o Plano Cruzado, o primeiro fato que se registrou interessante foi a ocupação das capacidades ociosas das empresas. Sabemos, todos nós, que quando toda ou quase toda a capacidade ociosa fosse ocupada, fosse utilizada, haveria necessidade de novos investimentos. Como também sabemos que os grandes empreendimentos, os médios empreendimentos, não é, o seu ponto de maturação não é imediato. Na microempresa, o cidadão monta o seu negócio e começa a colher resultados imediatamente. Quem se arrisca a projetar uma fábrica de automóveis, de tratores, de caminhões, de aviões, de máquinas ou ferramentas sabe que não é bem assim. No ano passado, eu estive, em meados do ano passado, na cidade de Americana [interior de São Paulo]. Americana é um grande centro têxtil, não é? Em Americana me foi dito o seguinte: “O senhor está vendo essa máquina aqui, uma espécie de espumadeira? Pois é, não existe para comprar mesmo que o cidadão queira comprar máquina e investir”.  O senhor sabe que o Brasil é um país muito complexo, difícil.

Augusto Nunes: Mas isso é em função da desorganização da produção?

Almir Pazzianotto: Não, eu acredito...

Augusto Nunes: [interrompendo] Não seria uma conseqüência dos desacertos do Plano Cruzado?

Almir Pazzianotto: Não, eu não acho que houve uma desorganização da produção em decorrência do Plano Cruzado, acho que houve uma recuperação do processo produtivo. Todas as fábricas passaram a operar em pleno vapor, não é? O que o senhor observou em São Paulo, por exemplo, foi que as fábricas começaram a virar 24 horas por dia, praticamente todos os dias da semana, procurando atender à crescente demanda do mercado e uma das dificuldades que começaram a enfrentar foi falta de mão-de-obra.

Joel Alves de Oliveira: Ministro, nessa parte aí, agora há pouco nós falávamos aqui em greve. Toda a vez que se fala em greve, a gente sempre percebe que o "crucificado" é o trabalhador. Mas dentro do Plano, a questão do Plano Cruzado, o problema do investimento, o problema da matéria-prima, o problema da produção, o que se percebeu claramente é que o empresariado, de uma forma geral, entrou em greve a partir de 1º de março do ano passado. Isso aconteceu com a carne, aconteceu com a bebida. Agora recentemente é que nós estamos tendo cerveja, por exemplo, para tomar. Agora no carnaval cerveja abundante para todo mundo. Onde é que estava essa cerveja? O que aconteceu nesse período todo em que os empresários fizeram greve, como é o caso dos postos de gasolina, agora [sendo interrompido] que estiveram em lockout durante todo este tempo e o governo não adotou nenhuma medida?

Roberto Della Mana: A tolerância do governo em relação aos trabalhadores sempre foi muito maior, exemplo é esse dos postos de gasolina.  Nós estamos...

Joel Alves de Oliveira: [interrompendo] Eu quero concluir minha pergunta ao ministro do Trabalho. Eu quero concluir minha pergunta. Eu faço um comentário e depois, naturalmente, você faz o seu comentário. A gente percebe claramente que o governo age com dois pesos e duas medidas. Uma hora, quando os trabalhadores fazem uma greve, fazem uma reivindicação, ele age, intervém, reprime, e sempre a corda quebra do lado do trabalhador. É greve ilegal, é trabalhador prejudicado que vai para a rua por justa causa, uma série de coisas. No caso dos patrões que fazem isso a gente não vê acontecer, como nos casos agora dos postos de gasolina.

Almir Pazzianotto: Deixa-me tentar trocar um pouco de idéias com você, depois nós vamos falar com o doutor Della Mana, porque o programa diz que dura uma hora e meia, imagina.

Rodolpho Gamberini: Na próxima intervenção que o senhor fizer, o senhor vai ter direito a responder, se achar que é o caso de responder.

Joel Alves de Oliveira: Não é responder, é só complementar.                  

Rodolpho Gamberini: Por favor, ministro.

Almir Pazzianotto: Você usou aí uma palavra que o telespectador, se não estiver bem informado, ele pode ser confundido. Não houve nenhuma intervenção nas mais de três mil greves.

Joel Alves de Oliveira: Agora, por exemplo, no caso dos portuários.       

Almir Pazzianotto: Deixa-me concluir, não é?

Joel Alves de Oliveira: Em Volta Redonda também.

Almir Pazzianotto: Vamos ouvir aqui o que o ministro tem a dizer a respeito do assunto. Não houve nenhuma intervenção, em nenhum sindicato. Quanto a isso,  o senhor está de acordo, não é? Quanto à ilegalidade em função do estado de direito em que nós vivemos, se alguém decreta é o poder judiciário, que também decretou que determinadas greves eram legais, foram legais.

André Singer: Ministro, o senhor me permite, só uma questão...

Almir Pazzianotto: [interrompendo] Não, não, não, não, eu gostaria...

André Singer: [interrompendo] É a questão da Lei de Greve. Por que o governo não aprovou uma nova lei de greve? O senhor participa do governo...

Almir Pazzianotto: [interrompendo] Com licença, o governo não aprova a lei, quem aprova a lei é o Congresso.

André Singer: Pois é, mas o governo tem uma ampla maioria no Congresso.

Almir Pazzianotto: Me dá licença de terminar com o Joel.

André Singer: Só... é uma pequena colocação.

Almir Pazzianotto: Eu vou terminar com o Joel e volto ao senhor. Eu termino com o Joel e volto ao senhor. Então, Joel, é o seguinte: quem decreta ilegalidade de greve é quem julga a pauta de reivindicações, é a Justiça do Trabalho, que também andou decretando algumas greves legais.

Joel Alves de Oliveira: Casos raros.

Almir Pazzianotto: Casos raros, porque são muitos raros os casos nos quais os procedimentos são observados. O senhor sabe, não é? Intervenção essa dos portos.  O que o governo procurou fazer, com grandes dificuldades? É preciso reconhecer isso. As partes tiveram 60 dias para negociar, a negociação não passou pelo Ministério do Trabalho, não sei porque. Voluntariamente fui ao Rio de Janeiro na quinta-feira, posterior ao carnaval, tentei o dia todo. A pauta apresentava um pedido de salários que, segundo alguns especialistas, totaliza 275% e mais 80 cláusulas. O acordo anterior da Petrobras não é um mau acordo, e eu o tenho aqui na pasta. A Petrobras fez uma proposta da ordem de 106%, se não me engano. Quem suscitou o dissídio coletivo, quem encaminhou a questão à Justiça do Trabalho não foi o governo, nem os patrões, foram os sindicatos dos trabalhadores, eles recorreram à Justiça do Trabalho. Ora, se recorreram à Justiça do Trabalho, certamente foi porque queriam ouvir a sua decisão, ou não teriam suscitado o dissídio coletivo. O senhor vai me dizer que a lei atual é má, que é mal feita, e eu vou concordar com o senhor, essa concordância é antiga. Eu sei que a legislação atual é mal feita, são duas basicamente: a 4.330, de 1º de junho de 1964, e o Decreto Lei 1.632, de agosto de 1978. Esse Decreto Lei 1.632, ele regula o artigo 162 da Constituição Federal, emenda n. 1 de 1979, que dispõe sobre a proibição das greves nos serviços públicos e atividades essenciais definidas em lei. O Ministério do Trabalho preparou o projeto, ouviu praticamente toda a sociedade. Eu tenho volumes de contribuições que chegaram ao Ministério do Trabalho. Ouvi muitos juristas, procurei fazer o melhor trabalho possível nas circunstâncias. Nunca imaginei que faria um projeto perfeito, sobretudo limitado, como estou, por uma Constituição. Uma Constituição produto do autoritarismo, porque o que eu queria era uma legislação que servisse para esse período de transição. Se a Constituinte dispusesse de forma diferente sobre o direito de greve, tudo bem, não poderia dispor de forma diferente, como poderá dispor de forma  diferente, sobre a Justiça do Trabalho de sua competência, como poderá dispor de forma diferente sobre a organização sindical. Então, eu preparei um projeto para um período de transição que foi regularmente encaminhado ao Congresso Nacional. O senhor sabe, e todos nós sabemos, que no ano de 1986 o Congresso funcionou precariamente, ele teve dois ou três esforços concentrados, mas não poderia, nessas duas oportunidades, examinar todos os projetos que lhe foram submetidos. Essa questão, até por ser polêmica, eu conversei na ocasião com as lideranças dos partidos que compõem a aliança: “Escuta, vamos colocar esse projeto?” “Mas, ministro, esse é um projeto muito polêmico. Nós queríamos que houvesse o vagar necessário para a sua apreciação cuidadosa.“.  Estou explicando ao senhor então porque não foi.

André Singer: Mas, ministro, não teria havido incompetência política das lideranças do governo no Congresso para fazer aprovar uma lei tão importante quanto essa, tendo no Congresso uma maioria tão ampla garantida pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] e pelo PFL [Partido da Frente Liberal. Tornou-se Democratas em 2007], num governo que já vai fazer dois anos agora, ministro?

Almir Pazzianotto: Essa pergunta está no elenco daquelas que eu não vou responder.

[...] : Não teria havido falta de vontade política então, ministro?

Almir Pazzianotto: Olha, eu não posso penetrar no íntimo das pessoas para saber se tinha uma boa vontade naquele momento [sendo interrompido]. Como parte do governo, eu não penetro no íntimo das pessoas. Há um projeto de lei que foi criticado por alguns, e até acerbamente criticado. Há pessoas que até hoje não entenderam que há uma limitação constitucional que proíbe a greve nos serviços públicos e determina a definição das atividades essenciais. Eu não poderia fugir a essa limitação constitucional, eu preparava, repito, um projeto para um período de transição que eu imaginava que seria aprovado rapidamente, mas aceitei a argumentação das lideranças que me diziam: “Olha, mas essa é uma questão muito polêmica, nós não podemos apreciar. Esse projeto receberá muitas emendas”. A Confederação Nacional das Indústrias apresentou todos os substitutivos. Eu, até hoje, me ressinto da inexistência ou da persistência de uma legislação à nossa realidade. Mas também faço uma pergunta, também faço uma pergunta: uma nova legislação, no caso da greve trabalhista, porque nós estamos falando da greve trabalhista, não da greve política, da greve trabalhista, aquela que dá suporte a uma pauta de reivindicações total ou parcialmente desatendida. Esta greve pode prescindir de formalidades quanto à sua decretação, convocação de assembléia, quorum, quem preside a assembléia etc? Esse é um problema trabalhista.

Joel Alves de Oliveira: Mas, ministro, o senhor acabou não respondendo a minha pergunta: por que a diferença de tratamento entre trabalhadores e empresários?

Almir Pazzianotto: O senhor citou um caso dos postos de gasolina.

Joel Alves de Oliveira: Um entre tantos outros, não é?

Almir Pazzianotto: Então, o senhor me cite os outros, o senhor citou um caso.

Joel Alves de Oliveira: Eu vou, por exemplo, citar o caso do [...] que está deitando e rolando aí?

[...]: Nós tivemos dois casos.

Almir Pazzianotto: Olha, eu vou me referir ali ao caso dos postos de gasolina. O senhor sabe, eu não tenho nada a ver com posto de gasolina, é um setor empresarial, mas ligado a trabalhadores. Os trabalhadores é que prestam serviços a esses postos de gasolina, não é? E quando eu soube que haveria uma paralisação dos postos, eu pedi ao sindicato patronal que fosse até o meu gabinete, aqui em São Paulo, na quarta-feira de cinzas, conversei com eles e eles me disseram o seguinte: “Olha, ministro, nós não podemos continuar operando sem a revisão da nossa margem de ressarcimento porque o preço da gasolina foi alterado. O consumidor já está pagando mais gasolina, álcool, óleo diesel, o consumidor já está pagando mais. A empresa fornecedora já está recebendo mais. Nós estamos sendo pressionados pelos nossos trabalhadores e a nossa margem continua sendo 55 centavos, ela deveria ser atualizada”. E eu disse: “tudo bem, vamos verificar o que está acontecendo. Entretanto, é inútil atender a seu pleito, sem que o senhor se entenda antes com os trabalhadores”, porque atendido o proprietário do posto, posteriormente ele vai pagar mais ao seu trabalhador, ele vai pedir novamente uma revisão, não é verdade, presume-se, pelo menos. Então, coloquei-os em contato com os trabalhadores, fizeram um acerto e esse acerto eu transmiti à área competente em Brasília. Hoje eu creio que a questão ficou definitivamente solucionada.

Eliane Cantanhêde: Ministro, o seu ministério, o Ministério do Trabalho, é um ministério que, teoricamente, intermedia a relação capital trabalho, pró trabalho, complementando a pergunta do Joel, por que então, já que essa relação é uma relação essencialmente econômica, o seu ministério até hoje é um ministério considerado um ministério da área social e não da área econômica? Não seria a hora de um governo de transição mudar isso?

Almir Pazzianotto: Assim tem sido ao longo da história, desde que o ministério foi criado, não é? Mas neste governo ele começa a ser analisado na sua dupla face, tanto no lado social quanto no lado econômico, de tal modo que o ministério passou a ter assento no Conselho Monetário Nacional.

Eliane Cantanhêde: Mas o senhor mesmo se refere à área econômica como Funaro [Dílson Funaro, ministro da Fazenda de 1985 a 1987] e Sayad [João Sayad, economista, foi secretário municipal de Finanças, secretário estadual da Fazenda e da Cultura (em São Paulo em épocas diferentes) e ministro do Planejamento do presidente Sarney], da área econômica, quer dizer, o senhor não se inclui na área econômica nas suas conversas.

Almir Pazzianotto: Mas aí a senhora forçou a mão, desculpe. É claro que os dois ministérios são essencialmente econômicos, são. O Ministério do Planejamento e tal. Embora não se possa dizer que o Ministério do Planejamento não tenha um aspecto social, que não tenha um envolvimento social, tem. O Ministério da Fazenda é o mais nitidamente econômico e o Ministério do Trabalho começa a participar, dentro, é claro, das questões relacionadas com o emprego, com as relações de trabalho.

Roberto Della Mana:  Esse estreitamento de relações é muito importante, porque toda a decisão econômica tem uma influência muito grande na área social, nós todos sabemos disso, e essa aproximação...

Almir Pazzianotto: [interrompendo] Toda a decisão econômica tem muita influência na área econômica.

Roberto Della Mana: Também.

Almir Pazzianotto: Porque o trabalho é uma questão econômica, tem a questão social, mas é uma questão econômica, você sabe.

Roberto Della Mana: Essa aproximação entre essas duas áreas é muito importante.

Almir Pazzianotto: Eu diria que o que houve no nosso país ao longo de muitos anos foi uma desconsideração muito grave e muito forte em relação ao trabalho e à pessoa do trabalhador, por isso chegamos ao quadro que vivemos.                                                                                                               

Joel Alves de Oliveira:  Inclusive o problema do salário mínimo, não é?        

Almir Pazzianotto: Também o problema do salário mínimo.

Rodolpho Gamberini: Ministro, eu gostaria de pedir a licença do Joel e pedir a licença ao ministro para passar a pergunta ao presidente da CGT [Central Geral dos Trabalhadores], Joaquim dos Santos Andrade, foi uma pergunta gravada que eu gostaria que o senhor respondesse. Ela entra por aqueles monitores ali. Por favor, ministro.

[VT de Joaquim dos Santos Andrade]: [Conhecido como Joaquinzão, famoso sindicalista falecido em 2001, presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo de 1965 a 1986] Senhor ministro, as preocupações do movimento sindical são muitas, mas vou levantar pelo menos duas: a primeira é no sentido de perguntar a Vossa Excelência como fica a manipulação dos índices do reajustamento salarial, uma vez que a inflação de fevereiro a dezembro de 1986 andou em torno de 43%, segundo dados levantados pelo Dieese, e, no entanto, para fins de correção salarial, apenas foram contabilizados 21.2 [%]. Em segundo lugar, a desobediência civil, que alarmou a nação e levantou tantos comentários, começa a ser feita agora pelo governo, ao que me parece, uma vez que estatais, repartições públicas e autarquias não estão obedecendo e não estão aumentando os seus funcionários de acordo com o gatilho [medida de garantia de reajuste de salário na qual toda vez que a inflação atinge ou ultrapassa um percentual - no caso 20% - em um determinado período de tempo, os assalariados teriam um reajuste automático no mesmo valor, mais as diferenças negociadas nos dissídios das diferentes categorias - foi implementada pelo governo brasileiro em 1986]. Como fica isso?                                                                                               

Rodolpho Gamberini: Como fica, ministro?

Almir Pazzianotto: Quando propus, por determinação do senhor presidente José Sarney, um esforço na busca do entendimento, o item primeiro da proposta governamental era exatamente a fixação do índice. O primeiro item proposto pelo governo. As lideranças sindicais de trabalhadores e empresariados consistiam na busca de um índice que satisfizesse a todos, por quê? Eu não sou economista, mas os economistas aqui presentes sabem que uma das coisas mais complicadas em economia é se buscar um índice. Eu próprio tenho argumentado a esse respeito mostrando que em um país como o nosso, tão grande e tão diversificado, encontrarmos um índice nacional é tarefa de Hércules, para um Hércules da economia, não é? Esses índices atuais, eles são levantados... [sendo interrompido] esses índices são levantados em função de uma chamada cesta básica. Nós mostramos, há algum tempo atrás, como era calculado o INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor] restrito. Então são centenas, talvez milhares, de itens dos mais variados, e eu cito alguns: relógio de pulso e bijuteria [pontuando com os dedos]. Então, nós precisamos saber a que índice o cidadão se refere quando fala em manipulação. Eu tenho comigo, em minha pasta, um gráfico formulado pelo setor técnico do Ministério do Trabalho, mostrando os índices do Dieese, mostrei esse gráfico hoje à jornalista Eliane Cantanhêde em meu gabinete. Há o índice geral de preços, há o índice do Dieese e há, se não me falha a memória, o do IPC [Índice de Preços ao Consumidor].

Eliane Cantanhêde: Exatamente.

Almir Pazzianotto: Eles, na sua trajetória, freqüentemente estão em desacordo, mas sempre estão muito próximos, de tal sorte que entre aqueles que estão inferiorizados, eles passam a um nível superior no momento seguinte. Enfim, praticamente uma linha coincidente em um longo período. Mas eu estou de acordo que a atual forma de aferição não satisfaz, porque se o índice é correto para Petrópolis, é muito difícil que ele sirva para Santarém, para Marabá. O índice de São Caetano talvez não sirva a Capivari ou o índice do estado de São Paulo talvez não sirva a Rondônia, é uma coisa evidente. Então, nós teríamos que ter discutido, naquele momento, a forma de composição de um índice ou da regionalização dos índices, por que não? A questão não é quem faz o índice, a questão são os critérios utilizados na feitura do índice. Estabelecidos os critérios, quem vai fazer o índice não tem muita importância. A segunda questão proposta pelo Joaquim, referia-se ao não cumprimento do gatilho.

Rodolpho Gamberini: Pelo governo.

Almir Pazzianotto: O gatilho é um decreto lei, veio inicialmente com 22.83 [%], foi mantido no 22.84 [%], e, finalmente, para a eliminação de determinadas dúvidas procedentes, ele mereceu um novo decreto lei por ocasião do Plano Cruzado II. É uma garantia que tem força de lei e que inclui vencimentos de funcionários públicos, que inclui aposentadoria, inclui o soldo dos militares, inclui o salário dos trabalhadores. Ora, onde houver um desrespeito, um descumprimento, há de se exigir um cumprimento. Eu não sei se está havendo descumprimento, mas é uma garantia legal como férias.

José Paulo de Andrade: Então a resposta para o Joaquinzão: o gatilho vai ser disparado também para o funcionalismo federal? Essa pergunta é feita também por entidades de funcionalismo federal, a partir de primeiro de março?

Almir Pazzianotto: Se há um direito e ele for por acaso ferido ou violado ou descumprido, exige-se o seu cumprimento. Eu não creio que o governo faria, estabeleceria isso em decreto lei sem nenhuma campanha reivindicatória.

José Paulo de Andrade: E aí então depende do ministro da área econômica?

Almir Pazzianotto: Incluiriam isso no decreto lei, manteria isso em duas oportunidades para posteriormente ele descumprir?

Augusto Nunes: O senhor está recomendando que os prejudicados recorram à Justiça, ministro?

Almir Pazzianotto: Não, eu estou dizendo que se peça esclarecimento. Não estou confirmando, aceitando a idéia do Joaquim, de que está havendo descumprimento. Quantas vezes, Augusto, eu fui procurado por empregados, trabalhadores de empresas privadas, que me faziam a seguinte pergunta: “Quando é que o governo vai disparar o nosso gatilho?” E eu disse: “mas o governo não dispara gatilho algum. Está na lei e se, por acaso, na sua situação, a sua empresa não lhe pagou o reajuste, o senhor, por favor, se dirija ao seu sindicato. O seu sindicato vai até a empresa, não é verdade, e exige o pagamento”. Ou é o ministro do Trabalho que a cada mês precisa baixar uma portaria? Não, é uma garantia legal, embora oriunda de um decreto lei, tão eficiente quanto aquela garantia legal que assegura férias, que assegura descanso semanal remunerado, o décimo terceiro salário e assim por diante.

José Paulo de Andrade: Ministro, me permita perguntar ao senhor, disparar algumas perguntas sobre o gatilho.

Almir Pazzianotto: Algumas [ri]?

José Paulo de Andrade: O gatilho não seria uma ilusão para o trabalhador? Hoje o Ministério da Educação, por exemplo, fez saber que a cada disparo do gatilho dos professores subirá a mensalidade escolar. Uma outra coisa: se não houver um entrosamento entre o Ministério do Trabalho e os ministérios tidos como essencialmente da área econômica, o trabalhador acaba sendo frustrado no aumento do gatilho, a tal ponto que aqueles que têm faixas salariais mais altas, com um aumento nominal de cinco mil cruzados, na verdade, estão tendo um... por causa da fome do leão do imposto de renda na fonte. Sobe a previdência social e, de repente, nós temos aí dois componentes a tirar mais do trabalhador. Se as classes de renda do imposto de renda, por exemplo, não forem alteradas a cada disparo do gatilho, o trabalhador, na verdade, estará tendo um aumento ilusório. Por isso que eu pergunto ao senhor: não é uma ilusão o gatilho?

Almir Pazzianotto: Mas o gatilho não aumenta salários, ele reajusta.

José Paulo de Andrade: E o governo tira.

Almir Pazzianotto: Esse esclarecimento, essa questão, eu, com toda a sinceridade, com a minha habitual lealdade, coloquei sempre que discuti essa questão de salários. É uma pena que você não tenha participado, não é dirigente sindical e nunca foi a uma mesa redonda nossa no Ministério.

José Paulo de Andrade: É verdade, é uma pena.

Almir Pazzianotto: Mas eu sempre disse isso, sempre afirmei isso: olha, não confundamos reajustes com aumento real de salários. O reajuste, teoricamente - porque economia não é ciência exata - teoricamente repõe perdas do poder aquisitivo depois de sofridas [sendo interrompido]. Sempre argumentei, senhor José Paulo, com o seguinte, eu disse: a única maneira de se aumentar salários, a única não, mas uma das poucas maneiras de se aumentar salário e, certamente a mais eficiente, é o crescimento da economia.

José Paulo de Andrade: Aí nós vamos teorizar sobre macro economia.

Almir Pazzianotto: Não, não vamos teorizar, porque crescimento da economia não é teoria, é necessidade.

José Paulo de Andrade: O governo também confunde aumento com reajuste, o governo está tirando mais do trabalhador sem reajuste, é esse o ponto.

Almir Pazzianotto: Isso não é economia, isso não é economia.

Rodolpho Gamberini: [interrompendo] Ministro, teve um ministro de outro governo... com essa resposta o senhor está me lembrando da história de um outro ministro, talvez um pouco mais gordo do que o senhor... [referindo-se à Delfim Netto, economista e político historicamente ligado aos governos militares, foi ministro da Fazenda durante as décadas de 60 e 70 e deputado federal em cinco mandatos] 

Almir Pazzianotto: [interrompendo] Talvez não, bastante mais gordo [risos].

Rodolpho Gamberini: Que era preciso crescer o bolo, que era preciso que o bolo crescesse para que cada um comesse a sua parte. [citando Delfim Netto]

Almir Pazzianotto: Absolutamente, absolutamente.

Rodolpho Gamberini: A sua resposta lembrou isso

Almir Pazzianotto: Absolutamente, o senhor interprete da forma como quiser, mas não tem o direito de deturpar as minhas palavras.

Rodolpho Gamberini: Eu não estou deturpando, estou dizendo que me lembrou, com essas palavras. O Júlio acabou de concordar comigo.

Almir Pazzianotto: Eu reivindico que o senhor pense logicamente.

Rodolpho Gamberini: O senhor disse que uma das formas mais eficientes de se aumentar os salários...

Almir Pazzianotto: O senhor não vai usar da sua qualidade de coordenador do programa...

Rodolpho Gamberini: [interrompendo] Absolutamente.

Almir Pazzianotto: Certo. Então me deixe concluir. O que eu quero dizer é o seguinte: a maneira mais eficaz, em qualquer parte do mundo, de se aumentar salários, de se valorizar salários, resulta do crescimento da economia. Nós tivemos um exemplo muito recente com o Plano Cruzado, porque quando a economia cresceu, ela cresceu muito mais rapidamente do que o mercado de trabalho. A mão-de-obra automaticamente se valorizou. Quando o doutor Roberto Della Mana, aqui presente, sabe, e certamente não irá negar, que os empresários em São Paulo passaram a disputar avidamente a mão-de-obra existente no mercado.

Roberto Della Mana: É verdade, até deslealmente.

Almir Pazzianotto: Passaram a disputar de forma...

Roberto Della Mana: [interrompendo] Desleal até.

Almir Pazzianotto: Até de forma desleal, quem disse foi o Della Mana, conseqüentemente passaram a pagar mais. A economia se expandiu, havia necessidade de mão-de-obra, atingimos praticamente o pleno emprego. Em conversas com dirigentes sindicais lá em Brasília, alguns deles reconheceram o seguinte: mesmo que não houvesse movimento sindical atuante em São Paulo, os salários teriam crescido, realmente, não apenas reajustados, não era o reajuste nominal, cresceram realmente. Os dados estão aí à disposição de quem quiser conhecê-los. Os salários cresceram, tanto os salários cresceram que a demanda aumentou. Não há outra explicação para o aumento acelerado da demanda a não ser o crescimento do valor real dos salários [sendo interrompido]. O outro motivo, a outra maneira de aumentar salários, é a qualificação pessoal do empregado. O senhor, por exemplo, toda a vez que muda de emprego recebe uma promoção, dada a sua excelente qualidade de apresentador de televisão [referindo-se à Gamberini], coisa que o senhor tem procurado aperfeiçoar ao longo de sua vida, da sua carreira, não é? Mesmo que o mercado esteja um tanto quanto frouxo, para o senhor não faltará trabalho, porque o senhor tem uma excelente qualificação profissional e pessoal, e uma outra maneira é a negociação coletiva.

José Paulo de Andrade: Ministro, o senhor está teorizando e eu estou citando um fato concreto.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Se tudo ia tão bem, porque é que deram para trás?  

Almir Pazzianotto: Essa é a questão.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Não seria porque o governo financiou as eleições a todo o custo? Colocou o tabelamento dos preços abaixo do que vendia?

Almir Pazzianotto: Eu não diria que deu para trás.

Eliane Cantanhêde: Quando a coisa ficou preta, pensou-se primeiramente em acabar com o gatilho.

Roberto Della Mana: Mas eu quero saber, qual é a sua interpretação?

Almir Pazzianotto: Meu caro amigo, se eu fosse economista, eu seria o ministro da Fazenda. Os senhores me colocam aqui...

Carlos Eduardo Lins da silva: [interrompendo] O senhor assiste ao problema.

Almir Pazzianotto: Eu, cordialmente, vou falando sobre economia, mas o senhor não se esqueça, eu sou o ministro do Trabalho.

Roberto Della Mana: Mas como é a sua interpretação, como ministro do Trabalho do mesmo governo, por que nós estamos neste período ruim?

Almir Pazzianotto: Olha, eu acredito que a produção bateu no topo, a capacidade ociosa das empresas foi plenamente utilizada. Havia a necessidade de novos investimentos, dos quais de um lado não aconteceram na intensidade desejada e de outro lado teriam, de qualquer forma, uma duração demorada.

Roberto Della Mana: Mas se o governo já sabia disso antes, por que não previu e tentou fazer com que as coisas se ajeitassem da melhor forma?

Almir Pazzianotto: Eu vou lhe contar uma pequena história, real. Eu conversava um dia com um dos economistas, autores do Plano Cruzado, isso não tem problema nós conversarmos a respeito disso, mesmo diante de milhões de pessoas, porque ninguém na Terra pode pretender o dom da infalibilidade, não é mesmo? E o senhor, como economista e jornalista, sabe que quase todos os países do mundo hoje vivem com problemas, têm problemas econômicos. Muito bem, mas eu conversava com um dos autores do Plano Cruzado a propósito de vários assuntos, da minha área e de outra área e tal, e ele me disse: “Olha, ministro, eu tenho que lhe confessar uma coisa: erramos quanto à previsão da inflação”. E eu disse: “o senhor me perdoe, mas os senhores erraram foi quanto à previsão da demanda. Porque ela foi superior à todas as expectativas, não é?”. E isso, na interpretação dos responsáveis, acabou gerando dificuldades e não apenas na interpretação, para não teorizar, isso na realidade acabou gerando problemas. E um dos problemas, o senhor Della Mana sabe e o Joel sabe também, acabou gerando uma falta de mão-de-obra. Certa ocasião, me pediram uma reunião: “Ministro, nós queremos conversar com o senhor sobre as greves. Por que é que estão ocorrendo tantas greves na vigência do Plano Cruzado, sendo que o Plano Cruzado teve êxito naquele momento, desses primeiros seis meses? Como é que estão ocorrendo tantas greves em São Paulo?” E eu disse: “estão sendo deflagrados pelos patrões”. “Mas como, ministro?” Eu disse: “é verdade, eles entraram em um processo de disputa de mão-de-obra verdadeiramente insensata”. Ora, um cidadão só deixava um emprego para ingressar em um novo mediante uma alta relativamente considerável de salários. Ao entrar na empresa, ele modificava a estrutura da empresa, o seu salário era comparado pelos trabalhadores mais antigos, os quais também queriam receber. Quando aquela fábrica naquela rua aumentava os seus salários, na fábrica vizinha os trabalhadores, obviamente, iriam se... Então, questionado eu disse: “olha, quem mostra isso com muita clareza é um autor de cabeceira dos nossos executivos, o Iacocca [Lee Iacocca, lendário executivo norte-americano do setor automobilístico e autor de obras sobre gestão empresarial], na sua autobiografia. Ele mostra que também nos Estados Unidos, quando a indústria automobilística floresceu, a tendência foi aumentar salários e suscitar greves. Nós não vamos encontrar greves na recessão, aí o que podemos encontrar passeatas.

André Singer: Ministro, como ficam as relações de trabalho se o Brasil entrar em um período recessivo, como tantos economistas têm previsto?

Almir Pazzianotto: Eu não acredito que ele vai entrar.

André Singer: O senhor acha que o Brasil não vai entrar? O senhor acha que a economia continua crescendo?

Almir Pazzianotto: Eu acredito que o Brasil é um país muito forte, muito grande, forte e bastante desconhecido por nós próprios.

José Paulo de Andrade: Agora, eu gostaria de voltar, ministro, ao fato concreto que eu citei aqui. Faixas da previdência social que subiram para trabalhadores com o disparo do gatilho, o imposto de renda principalmente para quem ganha acima de 10 salários mínimos. Se não forem atualizadas as classes de renda, o trabalhador terá, sim, uma perda. É o governo que está confundindo reajuste com aumento, me desculpe, mas é o governo que está...

Almir Pazzianotto: [interrompendo] Não precisa pedir desculpas não, é uma ponderação muito lúcida e muito interessante.

José Paulo de Andrade: Obrigado.

Almir Pazzianotto: Acredito que o senhor não deixe de ter a sua parcela de razão nesse caso. Realmente houve uma mudança na legislação do imposto de renda que, na opinião de todos, afeta basicamente os salários.

Eliane Cantanhêde: Ministro, quando o barco do Plano Cruzado começou a "fazer água" e acabou afundando, a área econômica se dividiu inteira sobre vários aspectos, mas havia um ponto de consenso que era o fim do gatilho. Agora, o ministro Sayad está apresentando um plano de estabilização da economia que se centra exatamente nisso, o fim do gatilho sendo substituído por outra fórmula de reajuste simétrico com os preços. O senhor conhece esse plano, o senhor apóia o fim do gatilho?

Almir Pazzianotto: Eu não conheço o plano. Eu volto sempre à causa, eu tento sempre colocar em questão a causa. Porque o gatilho, como todo processo de reajuste salarial, e já tivemos vários a partir da lei 4.725, de 1965, todo processo de reajuste, ele perde interesse no momento em que a economia se estabiliza. Se não houver inflação, ou se houver uma inflação rastejante, residual, o mecanismo de reajuste salarial perde um pouco ou perde muito de sua importância. Os trabalhadores terão a folga necessária para a discussão de aumento real. Quanto mais alta a taxa de reajuste, menor é a possibilidade de aumento. O esforço necessário para se repor as perdas, consome praticamente todas as energias do setor produtivo. Ao passo que quanto menor a taxa necessária de reajuste, maior a possibilidade de aumento real de salário. E nós vamos verificar um dia e, certamente isso não está tão distante, que 3, 4% de aumento real de salários, através das negociações coletivas, porque como eu disse antes o aumento não se dá somente em função da negociação coletiva, é uma das formas de aumento de salários. Três ou 4% de aumento de salário, 5% de aumento real de salário em uma economia estabilizada, onde a inflação seja mínima, representa um considerável aumento de salário, ao passo que 10, 12, 15% de suposto aumento real de salário, suposto, em uma economia desvairada, vítima de uma inflação galopante, também esse aumento real se consome no momento seguinte. Porque não é aumento, ele é imediatamente engolfado pelo processo inflacionário.

Rodolpho Gamberini: Ministro, o senhor terminou a resposta?

Almir Pazzianotto: Sim.

Rodolpho Gamberini: Há pouquinho o senhor fez referências às mudanças que eu já tive de emprego, fez referência elogiosa à minha carreira profissional como jornalista.

Almir Pazzianotto: E justas.

Rodolpho Gamberini: E eu agradeço a referência elogiosa. Por falar em mudança de emprego, têm aqui perguntas do telespectador para o senhor e elas fazem referência à sua mudança de quando o senhor era advogado dos metalúrgicos de São Bernardo, para o seu novo emprego como ministro do Trabalho.

Almir Pazzianotto: Ministro não é emprego.

Rodolpho Gamberini: Como?

Almir Pazzianotto: Ministro é um ônus.

Rodolpho Gamberini: Ao seu cargo, vamos chamar assim.

Almir Pazzianotto: Ministro não é emprego.

Rodolpho Gamberini: Mas não deixa de ser um emprego. As perguntas, eu separei três das perguntas aqui, eu vou fazê-las, elas são todas sobre o mesmo, são todas na mesma linha. O senhor Paulo Mauro, pergunta...

José Paulo de Andrade: Rodolfo, seria bom perguntar se o gatilho dispara para o ministro também.

Rodolpho Gamberini: É, tem muita coisa sobre o gatilho aqui também, mas não nessa hora. Eu vou fazer essa pergunta e depois, com a sua resposta, nós vamos fazer um intervalo, mas o Paulo Mauro, de São Bernardo, pergunta o seguinte: “na época em que o senhor comia às custas dos trabalhadores da base de São Bernardo, o senhor dizia para os trabalhadores que eles deveriam fazer greve, lutar, brigar, se preciso fosse, até morrer para conseguir alguma coisa. Por que hoje o senhor é tão passivo? O senhor é conivente com o governo em tudo? O senhor esqueceu como o senhor era quando estava do outro lado?” É uma pergunta do Paulo Mauro. Depois eu vou passar todas as perguntas para o senhor e para a sua assessoria, para o senhor ter uma idéia do que o telespectador pergunta. O senhor Joel, de Araraquara: “há quanto tempo o senhor, ministro, virou a casaca, pois o senhor mudou em pensamento a maneira de lidar com os metalúrgicos e outras categorias profissionais”. Pergunta do senhor Valentin Tarraquelli, daqui de São Paulo: “onde o senhor arrumou tanta hipocrisia?”, palavra de telespectador, “depois que foi para Brasília, esquecendo-se que foi advogado do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, prejudicando-os hoje?” Não citam casos concretos, mas por aí o senhor tem uma idéia do raciocínio do telespectador.

Almir Pazzianotto: É, é verdade. São três casos, poderiam ser 30, poderiam ser 300, você escolheu a dedo.

Rodolpho Gamberini: Escolhi.

Almir Pazzianotto: Não é verdade. Eu quero dizer o seguinte: um equívoco, em primeiro lugar ministro não é emprego, ministro é um encargo. Não deixa de ser um ônus, não deixa de ser um ônus, mas eu, absolutamente, não estou com isso me queixando, porque eu gosto, eu acho que estou cumprindo um papel importante, sem falsa modéstia, eu acredito que estou cumprindo um papel importante. Acredito mais, sem falsa modéstia, me perdoem aqui, mas acredito que depois desse período, embora a legislação não tenha sido alterada, não ocorrerá a mais ninguém, que venha a ocupar Ministério do Trabalho, do qual eu não sou o titular absoluto, é um cargo de confiança, não ocorrerá a ninguém, não ocorrerá a ninguém intervir em sindicatos. Há um testemunho dado por dirigentes sindicais, que vão ao Ministério com muita constância, com muita freqüência, o testemunho que dão de que o Ministério nunca foi tão aberto à presença, ao ingresso, à participação, à apresentação de reivindicação por parte dos trabalhadores. E, de fato, nunca foi. Reconheci, nestes dois anos, em média, um novo sindicato por dia. Alguns sindicatos são reconhecidos em 20, 30 dias, sem perguntar qual seria a corrente ideológica dos organizadores do sindicato. Livrei todos os sindicatos das intervenções em que se encontravam, exceção feita é claro, e aqui nunca ninguém consegue alcançar isso, exceção àqueles que têm a sua situação sub judice [em trâmite judicial], aqueles que tiveram uma eleição sendo questionada na Justiça por uma das chapas ou até pelas duas chapas ou, às vezes, até por três chapas. Esses que estão sub judice eu não posso abreviar o andamento do processo judicial, eu não tenho como, eu não tenho condições. Anistiei uma enorme quantidade de trabalhadores que haviam sido penalizados no período de 1965 a não sei quando. Tenho procurado dinamizar, moralizar, entende, fazer com que funcione o Ministério do Trabalho. Os meus delegados do trabalho, eles têm instruções rigorosas no sentido de que o principal objetivo do Ministério do Trabalho é pôr em prática a negociação, é fazer com que as partes negociem. Agora, existe uma visão equivocada, produto aqui da nossa formação histórica, é que há pessoas ainda que acreditam que o Ministério do Trabalho ou toma o partido do trabalhador ou toma partido do empregador. Toma partido do trabalhador no sentido que é Ministério do Trabalho, mas não paternalisticamente, não de forma assistencialista. O Ministério do Trabalho acredita no seguinte: quando há uma greve há um confronto e quem foi à greve investiu na greve e sabe que o investimento é de alto risco, conhece a legislação, tem os seus advogados, obviamente arrasta as conseqüências. Quantas vezes eu fui procurado no Ministério do Trabalho por dirigentes sindicais me propondo intervenção em um determinado sindicato, naquele sindicato onde a sua chapa eventualmente foi derrotada ou corre o risco de não ser reeleita. Então, eu admito tudo isso, porque eu acho que é do homem público, entende, Rodolfo, é ônus do homem público ouvir essas coisas, ficar sabendo disso.

Augusto Nunes: O senhor não concorda com essas afirmações?

Almir Pazzianotto: Absolutamente.

Augusto Nunes: O senhor acha que não mudou, desde quando era advogado?

Almir Pazzianotto: E há uma outra coisa. Quando o PMDB foi oposição, ele tentou chegar ao governo. Quem, sendo da oposição, e chega ao governo não muda de posição? Ele atingiu o alvo desejado. Que partido é esse que tem vocação exclusiva para ser só oposição? Não, ele, ao atingir o governo, ao ganhar uma eleição, ao ser preferido pela opinião pública, pelos eleitores, assume o governo para cumprir um programa, para tentar atingir as suas metas, mas não como taumaturgo [aquele que faz milagres], porque ninguém faz milagres. As mudanças são demoradas.

Rodolpho Gamberini: Joel, só uma questão técnica, eu tenho que fazer um intervalo agora, porque senão a gente não consegue gravar o programa no futuro. Nós vamos fazer um intervalinho.

Almir Pazzianotto: Essa é uma limitação objetiva.

Rodolpho Gamberini: É objetiva sim.

Almir Pazzianotto: Ainda que houvesse o desejo de se continuar o programa, há uma limitação.

Rodolpho Gamberini: Não, nós vamos continuar o programa, primeiro nós vamos fazer um intervalo e voltamos daqui a pouquinho, ministro. Até já.

[intervalo]

Rodolpho Gamberini: Nós voltamos neste momento com o Roda Viva, o programa de entrevistas e debates da TV Cultura de São Paulo, esta noite entrevistando o ministro do Trabalho Almir Pazzianotto. Quando pedi o intervalo, o Joel, presidente do Dieese, estava com a palavra. Eu devolverei agora a palavra a ele para que terminasse, que fizesse a pergunta ao ministro.

Joel Alves de Oliveira: Pois é, ministro, o senhor estava falando, agora há pouco, do seu empenho no sentido de modernizar o Ministério do Trabalho para adaptá-lo aos novos momentos que nós estamos vivendo. Mas nós, dirigentes sindicais, nos deparamos com uma questão bastante complicada. É justamente no sentido prático do Ministério do Trabalho. Hoje, por exemplo, os trabalhadores da indústria Ateliê entraram em greve. Em menos de duas horas a empresa conseguiu mobilizar o Ministério do Trabalho e dotar a sua petição com um laudo já constatando o estado de greve e nos intimou a participar de uma mesa redonda na DRT [Delegacia Regional do Trabalho] quatro horas depois do início do movimento grevista. A gente acha muito estranho esse tipo de comportamento do Ministério do Trabalho. Nós gostaríamos de saber qual o esforço que Vossa Excelência está fazendo no sentido de que o Ministério do Trabalho seja colocado de uma forma, eu não diria neutra, mas de uma forma que não prejudique tanto os trabalhadores e que não canalize todos os movimentos reivindicatórios para o Tribunal Regional do Trabalho para que seja julgado ilegal?

Almir Pazzianotto: Joel, é muito, muito interessante, curiosa e até oportuna a sua colocação. Eu acredito que havendo um conflito de interesses que leve a uma greve, ora, ele está centrado em reivindicações muito objetivas. Eu não acredito, por exemplo, que os senhores fizeram a greve para depois descobrir quais eram as reivindicações.

Joel Alves de Oliveira: Não.

Almir Pazzianotto: Obviamente, ao fazerem a greve, certamente estavam preparados para uma negociação, até porque também não posso acreditar que façam a greve para ficar 15 dias parados e depois tentar encontrar uma solução. Porque alguém... haverá, no mínimo, uma questão adicional que é quem pagará esses dias, não é verdade? Quanto menor o espaço de tempo parado, menor a possibilidade de surgir essa questão adicional e que freqüentemente se transforma na grande questão. O senhor sabe, como experiente dirigente sindical que é, que uma boa porcentagem de greves terminam sem o atendimento das reivindicações, com o retorno ao trabalho, porque o trabalhador não faz a greve para perder o emprego, e com a discussão para se saber se são pagos ou não os dias parados ou se serão ou não punidos os grevistas. Logo, uma ação célere do Ministério do Trabalho, ao meu ver, é de todo desejável.

Joel Alves de Oliveira: Pois é, ministro, mas há uma contradição quando uma determinada seção, por exemplo, está trabalhando em uma situação de insalubridade, correndo inclusive risco de vida. O sindicato solicita um laudo pericial para constatar aquela situação e acionar a empresa. Isso demora pelo menos dois anos.

Almir Pazzianotto: Não, o senhor, por favor, se tiver uma demora superior a 15 dias, o senhor me informe, ou a oito dias. Eu quero até lhe esclarecer o seguinte...

Joel Alves de Oliveira: [interrompendo] Eu vou lhe mandar uma enxurrada de casos.

Almir Pazzianotto: Eu quero até lhe esclarecer o seguinte: a questão de insalubridade em São Paulo está a cargo, por força de um convênio, da Secretaria de Relações do Trabalho do governo do estado.

Joel Alves de Oliveira: Os dois casos?

Almir Pazzianotto: Não, os dois não.                                   

Joel Alves de Oliveira: Da Delegacia e da Secretaria.

Almir Pazzianotto: Não, não. Por força do convênio, a Secretaria mantém um numeroso quadro de engenheiros e de médicos que o Ministério não dispõe. Porque não haveria razões para haver atividades sobrepostas. Quem fiscaliza o trabalho é o Ministério, falta de registro, horário, férias, descanso semanal. E quem fiscaliza as questões relativas à segurança, à saúde, à higiene, é a Secretaria, nesse estado de São Paulo. Não em todos os estados, até porque nós não temos esse convênio em todos os estados. Mas de qualquer forma, o senhor me conhece há tanto tempo, já me procurou tantas vezes, por outros motivos, tem o mais amplo acesso, sabe inclusive onde ou moro, de sorte que não haverá... Se esperar dois anos, eu vou responsabilizá-lo, porque aí o senhor é que não cuidou do assunto no devido tempo, não é?

Joel Alves de Oliveira: Inacreditável.

Almir Pazzianotto: Por quê? O assunto não deveria ter, não é? Agora eu vou falar sobre a modernização do Ministério do Trabalho, que essa é a questão. Ela deve começar com o Ministério não sendo mais incumbido do enquadramento sindical, não é, e de fiscalizar o nascimento de sindicatos. Não caberá mais ao Ministério do Trabalho moderno delimitar área de atuação dos sindicatos, a chamada base territorial, porque é uma coisa interessante, quando o Joaquim apresentou as duas questões, ele não abordou a mais importante que é a autonomia sindical, senhor Joel. A questão mais importante a ser discutida hoje é a questão da autonomia sindical.

Eliane Cantanhêde: Desculpa, ministro, mas vai ser discutida hoje? Porque já está há muito tempo...

Almir Pazzianotto: Uma legislação, uma legislação... não, discutiu-se quanto o governo não se dispôs a reconhecê-la.

Eliane Cantanhêde : Mas desde o governo Geisel [Ernesto Geisel (1908-1996), general e político brasileiro, foi o quarto presidente do regime militar, de 1974 a 1979, instaurado em 1964 no Brasil], ele deve reconhecer.

Almir Pazzianotto: Não, desde o governo Geisel, a senhora é modesta, desde 1943. Mas o que eu imagino é o seguinte: é que essa discussão não é feita para valer. Este governo está plenamente disposto [sendo interrompido] a reconhecer a autonomia de organização, ou seja, a romper os vínculos que desde 1939, para não retroceder um pouco mais, tornam o movimento sindical dependente do governo. O senhor sabe, todos aqui sabem, que o ministro do Trabalho neste país, se ele não reconhece os sindicatos, se ele não assina a carta, não nasce sindicatos, que é ele que delimita a base territorial, que é ele que concede extensão de base, que há uma comissão de enquadramento do Ministério, não é? Então, isso nós precisamos romper, acabar com isto.

José Paulo de Andrade: Plenamente de acordo.

Almir Pazzianotto: Deixar transformar os sindicatos em pessoas jurídicas de direito privado. Esta é a grande questão do movimento sindical neste momento, é a base de todas as demais.

José Paulo de Andrade: O fim da contribuição sindical também?                                           

Almir Pazzianotto: Bom, aí o senhor buliu em um ninho de vespa. Aí o senhor tocou na questão mais delicada, porque ninguém quer que acabe, nem os patrões, nem os empregados.

Júlio de Gramont: Que empregado, ministro?

José Paulo de Andrade: Só uma pergunta nossa.

Júlio de Gramont: Ministro, que empregado não quer que acabe?

Almir Pazzianotto: Aqueles que se dirigem freqüentemente, através de suas lideranças, ao Ministério do Trabalho.

Júlio de Gramont: Quem são esses sindicatos, ministro? Isso não pode ficar no ar, isso é grave, essa colocação.

Almir Pazzianotto: Mas isso não é grave, o senhor sabe disso e todos sabem.

Júlio de Gramont: Não, não é não.

Almir Pazzianotto: O José Paulo de Andrade, que não é nenhum especialista no assunto, é um jornalista, mas não é nenhum especialista em matéria sindical, sabe.

José Paulo de Andrade: Pelo que me consta apenas o sindicato de Santo André abriu mão da contribuição sindical até hoje.

Almir Pazzianotto: Podemos falar um pouco sobre isso. Mais de 90% dos nossos sindicatos dependem dessa contribuição.

José Paulo de Andrade: Vivem disso.              

Almir Pazzianotto: Vivem disso. E eu entendo também que a supressão repentina da contribuição sindical seria um erro, porque vai liquidar organizações sindicais que estão prestando algum serviço. Agora, de qualquer forma, essa questão é uma questão essencial e está ligada à questão da autonomia sindical, ela está ligada à questão da autonomia, não há como fugir a esse assunto. Quantas vezes as disputas entre categorias não ocorrem simplesmente porque, no fundo, o que se pretende é a contribuição sindical? Eu falo isso, eu digo isso, como defensor, que me coloco nessa posição, dos mais legítimos interesses da classe trabalhadora. Porque nada melhor do que um sindicalismo vivo e genuíno, onde o trabalhador assuma o compromisso de manter a sua organização. Ele se sente de tal modo ligado a ela e se aplica também ao empregador, doutor Della Mana, onde tanto o trabalhador como o empregador, o empresário, assumam esse compromisso da manutenção da sua organização, de uma organização que lhes é fundamental. Essa é a questão básica da modernização dos sindicatos no país. Quais são os exemplos no mundo de persistência da contribuição sindical? Eu, ainda hoje, entreguei ao presidente Sarney, nessa conversa que tive com ele pela manhã, três quadros que confeccionamos no Ministério, comparativos entre a legislação sindical brasileira, espanhola, italiana e portuguesa, todas tiveram origem corporativa, fascista [fascismo: corrente ideológica decorrente de movimento ocorrido na Itália antes e durante a Segunda Guerra Mundial - o termo permanece como sinônimo de autoritarismo em muitas situações, sejam políticas ou sociais]. A Espanha, Portugal e Itália se libertaram e têm organizações sindicais muito fortes, muito fortes. Eu não estou aqui propondo a extinção da contribuição sindical, eu estou propondo a questão da autonomia sindical, com a liberdade da sindicalização e uma solução para essa questão já envelhecida, já desgastada da contribuição. A questão da contribuição chegou a tal ponto, Joel, que o Ministério do Trabalho vivia dela.

Joel Alves de Oliveira: Continua recebendo uma parcela significativa.

Almir Pazzianotto: Estamos vivendo de verbas orçamentárias do Tesouro Nacional.

Joel Alves de Oliveira: Os 20% ministro, vão pra aonde?

Almir Pazzianotto: Têm a sua finalidade, o seguro desemprego... No ano passado, nós pagamos, eu tenho os dados aqui, mais de 200 mil benefícios de seguro desemprego.

Rodolpho Gamberini: Ministro, por favor, eu gostaria que o senhor respondesse agora uma pergunta do empresário Roberto Della Mana.

Roberto Della Mana: Rodolfo, eu gostaria, antes de fazer a pergunta ao ministro do Trabalho, deixar bem claro a posição empresarial. Porque foi colocado neste programa, mais de uma vez, da impressão de que nós somos empresários totalmente protegidos pelo governo. Seja pelo governo municipal, estadual e federal, quando não é a realidade, não é a verdade. O governo, principalmente o governo estadual, tem uma tolerância muito maior com os trabalhadores do que com os empresários. Não dão aos empresários as garantias necessárias que nós temos por lei, pela nossa Constituição, direito a proteção mínima ao direito daqueles que querem trabalhar e também ao patrimônio das nossas empresas. Portanto, Agenor [equivocando-se com o nome de Joel Alves de Oliveira], eu não posso concordar com você.

Joel Alves de Oliveira: Joel.

Roberto Della Mana: Joel, quando você diz que o governo é tolerante com os empresários [sendo interrompido]... Não, por quê? Porque nos dois únicos movimentos que tivemos até agora, que foram o dos agricultores e recentemente o dos postos de gasolina...

Joel Alves de Oliveira: [interrompendo] E a sonegação dos postos?

Roberto Della Mana: Não, não houve sonegação e nada foi provado, nada.

Joel Alves de Oliveira: Cerveja agora, por exemplo, está aí batendo uma nas outras nas prateleiras.

Roberto Della Mana: Exatamente, talvez tenha diminuído um pouco o consumo por outros motivos. Agora, nós sofremos ameaças de sanções, de punições, inclusive, de cassações, não pelo Ministério do Trabalho, que ele tem se portado, realmente, o Ministério, como mediador de todos os movimentos, mas por parte do governo, das suas áreas específicas. Quanto à greve, também eu gostaria de deixar bem clara a posição empresarial. Nós somos contra esse documento que aí está e que não atende aos interesses dos empresários, não atende aos interesses dos trabalhadores, mas lutamos e demos toda a contribuição, como entidade, ao Ministério do Trabalho, tanto pela Fiesp como pela CNI, para que tenhamos uma legislação apropriada ao momento que nós estamos vivendo e que realmente não sejamos vítimas de movimentos como esse, que tem uma lei aí que dizem que nos protege demais, mas nós não temos nenhuma proteção contra esses movimentos políticos. Somente, até agora, mais ou menos 99% dos movimentos de greve não foi de dentro para fora das fábricas e sim de fora para dentro das fábricas. Um movimento totalmente político sindical, não é movimento de base e nunca foi. Não foi [sendo interrompido], muito menos agora que vocês perderam completamente todas as condições de reivindicações. O Plano Cruzado tirou totalmente as bandeiras que vocês levantavam e vocês tiveram, por parte do governo, tudo aquilo que vocês pediram durante muito tempo.

Joel Alves de Oliveira: Fizemos 19 reivindicações até agora e não obtivemos nenhuma resposta ainda.

Roberto Della Mana: Tanto é que a greve entrou em um descrédito. Antigamente, uma greve era motivo de manchete de primeira página de jornal. Hoje, nós temos milhares de greves e quase não se tem notícias sobre as greves, porque as greves  realmente não são de base, são político sindicais. Quanto à crítica que foi feita pelo ministro do Trabalho, nós temos até que concordar em parte com elas, porque alguns empresários não souberam se comportar com igualdade nos momentos mais críticos. Tanto é que a nossa entidade elaborou um documento de unidade empresarial, que não é um documento contra ninguém, contra o trabalhador, contra as suas lideranças, mas sim com as lideranças e com os sindicatos e com as centrais, para que realmente a gente tivesse todas as medidas preventivas para se evitar esses movimentos agressivos por parte de algumas lideranças. Nós ali dividimos em medidas preventivas a negociação, a greve e o pós-greve. É um documento aberto, é um documento que, inclusive, estamos distribuindo aos sindicatos dos trabalhadores, portanto não é um documento totalmente... Agora, sobre a pergunta ao ministro - depois de nós termos nos colocado do ponto de vista empresarial - não lhe parece, senhor ministro, que seria oportuno e necessária uma reformulação da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], pois elas já se tornaram um tanto quanto obsoletas? E nós sentimos a falta de um instrumento mais ágil e menos abrangente nas negociações coletivas, nós que enfrentamos esse movimento durante todo o ano. Existe, por parte do Ministério do Trabalho, algum trabalho, alguma coisa nesse sentido de nós deixarmos para as mesas de negociação aquilo que realmente interessa a empresários e trabalhadores, que conhecem, bem ou mal, um pouco mais das peculiaridades, das profissões e das atividades empresariais? Qual o pensamento do governo quanto à reforma sempre propagada e nunca executada da reforma da nossa CLT?

Almir Pazzianotto: Então, Roberto, a minha posição é muito conhecida. Eu não concordo com a idéia de uma nova tentativa de codificação de poder do trabalho. Entendo que a CLT, que é um código, deve ser revista, aspecto por aspecto, parte por parte, com uma legislação sobre negociações coletivas, greve, uma legislação relativa à estrutura sindical, uma legislação relativa à saúde e segurança do trabalhador. Reformas parciais que sejam feitas com alguma agilidade. Coloco aqui, mais uma vez, o ponto de vista de que o governo federal não deve deter o monopólio da legislação relativa ao trabalho. Como o país é muito grande e muito desigual, a legislação federal deve se circunscrever às questões mais essenciais e àquelas que se aplicam a todo o território como garantias fundamentais. Penso que aos estados, nós deveríamos conferir, a Constituinte deveria conferir, a possibilidade de uma legislação suplementar que respeite, é claro, que não divirja, que não se atrite com a legislação federal. E que deve haver um amplo espaço para a negociação coletiva, onde ela puder ser executada. Sempre que possível, as partes devem recorrer à negociação direta. Mas não ao dissídio, à negociação direta. É evidente que nós não podemos ficar, que o Estado não ficará como um espectador inerte de um conflito que se prolongue demasiadamente. O recurso ao poder judiciário sempre existirá, mas não como norma, o que aliás acontece hoje nos contratos individuais e acontece também nas negociações coletivas. Mas isso depende muito mais,  Della Mana, do que de uma cobrança dirigida ao governo, depende da disposição das partes. Se não houver o ânimo da negociação, se os sindicatos e os empregadores não quiserem negociar, não haverá legislação capaz de fazer com que tenham êxito, pois eles não querem a negociação, eles querem o decreto ou a lei ou um decreto judicial num dissídio coletivo. O problema, meus caros jornalistas e dirigentes sindicais, não está no projeto de lei remetido ao Congresso Nacional, o problema está em que freqüentemente nós não observamos uma efetiva disposição para o exercício da negociação. Os empresários, o senhor sabe, que durante muitos anos se habituaram a receber uma proteção exagerada do Estado. Quando o senhor fez referência ao governo estadual, o senhor não se lembrou que eu fui secretário do Trabalho em dois anos muito difíceis, 1983 e 1984, então a crítica seria aplicada também a mim, mas não é verdade que o Estado nega algo a que tem direito os empregadores.

Joel Alves de Oliveira: Mas nós achamos que é excessivo.

Almir Pazzianotto: Os senhores acham que é excessivo e eles acham que é insuficiente, não é? O Estado tem tentado se colocar em uma posição prudente, de fazer com que as partes busquem a negociação, na greve, reconheçam que se trata de um investimento pesado. Agora, a polícia não pode ser encarregada repetidamente, em regra, de resolver o conflito do trabalho.

Joel Alves de Oliveira: E continua, não é, ministro?

Roberto Della Mana: Hoje, quanto à greve, que o senhor colocou muito bem aqui, nos dá uma certa tranqüilidade. Quanto à convenção 87 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] algumas assessorias do Ministério do Trabalho já estão em contato com a entidade, nos deixa um tanto quanto tranqüilos porque parece que tanto trabalhadores quanto empresários são parte dessa modificação, caso ela fosse ratificada pelo governo brasileiro, nós seríamos chamados a um trabalho tripartite quanto a qualquer modificação mais profunda daquilo que hoje nós temos. Isso corresponde à realidade, é uma verdade, essa participação democrática de sermos ouvidos?

Almir Pazzianotto: O ideal seria a elaboração de  um texto com a participação dos empresários e dos trabalhadores. O ideal seria, mas não pode haver negação do princípio. O princípio a ser estabelecido é o da autonomia, essa é uma questão de princípio, não pode ser abandonada. Nós não podemos convalidar o regime vigente que resistiu a todos os governos, ele não pode sobreviver a este governo, à Nova República qu tem um compromisso de quem quer implantar no país, gradativamente, um sistema democrático que não prescinde da implantação da democracia na organização sindical. Quem consultar essa velha CLT vai verificar que somam talvez a mais de 10 ou 12 as hipóteses de intervenção do governo na vida sindical. Uma das minhas primeiras medidas no Ministério do Trabalho foi reformular a portaria referente às eleições sindicais. Tenho absoluta certeza que fizemos um bom trabalho. Substituímos a antiga portaria, que era cheia de minúcias, de formalismos, aquilo que as pessoas gostam que exista no texto legal para poder usar de uma maneira ou de outra, e a eleição sindical é presidida pelo presidente do sindicato. Então, uma das primeiras providências foi reformular a portaria, o que é que nós fizemos no Ministério? Eu revoguei a portaria anterior, pura e totalmente, e concedi um prazo de um ano para os sindicatos adaptarem os seus estatutos a uma nova situação, onde eles disporiam totalmente a respeito das eleições sindicais. Entendi que isso era uma modernização. Ficariam submetidos apenas à obediência de texto legal, porque a lei eu não posso mudar através de portaria. Então, aguardei um ano, pouquíssimos sindicatos fizeram adaptação nos seus estatutos. Em alguns eu surpreendi até uma intenção bastante evidente de sufocar a oposição. Então, fizemos uma nova portaria com a participação dos sindicatos de trabalhadores e de patrões. Fizemos uma nova portaria que eu acredito estar razoavelmente boa, não tem havido queixas, não é, mas nós precisamos fazer isso.

Rodolpho Gamberini: Ministro.

Almir Pazzianotto: Pois não.

Rodolpho Gamberini: O senhor está falando da necessidade de modernização do Ministério. Tem algumas perguntas de telespectador, tem duas, separei duas desta vez, de dois telespectadores que tocam no problema da Justiça do Trabalho. Eles colocam o problema da necessidade de modernizar, de agilização principalmente da Justiça do Trabalho. Uma pergunta é do senhor Carlos Rizzo, ele deixou até o telefone, depois o senhor vai receber todas as perguntas, é do Itaim Bibi, um bairro aqui da capital: “Até agora, somente questões trabalhistas foram debatidas, eu tenho 78 anos, sou aposentado e tenho um caso na Justiça do Trabalho há oito anos e até hoje não foi resolvido. O que eu posso fazer com 78 anos de idade, o que é que me resta?” Essa é a pergunta do senhor Carlos Rizzo. Uma outra pergunta é do senhor Haroldo Teixeira, morador de Higienópolis, também aqui da capital: “Quando é que nós vamos ter uma Justiça do Trabalho que possa ser realmente chamada de Justiça? Eu sou ex-funcionário da extinta Rede Tupi [foi a primeira rede de televisão do Brasil, fundada em 1950 e, em 1980, por conta de vários problemas financeiros, sua concessão não foi renovada pelo governo federal] e há sete anos movo uma ação contra a empresa. Quantos anos mais serão necessários para que eu receba o direito trabalhista devido?” São duas perguntas que eu escolhi a dedo, como o senhor disse, mas que mostram uma coisa maior, problemas na área da Justiça que é muito morosa. Como é que o senhor explica isso?

Almir Pazzianotto: Olha, essa é uma questão também extremamente preocupante. O atual governo precisa recuperar um atraso gritante. O governo anterior [referindo-se ao governo de João Baptista Figueiredo (1918- 1999), último presidente do regime militar], que teve a duração de seis anos, não criou uma única junta de conciliação e julgamento [órgãos ligados ao Ministério do Trabalho e que atuam para resolver questões trabalhistas] em todo o país. Durante seis anos. Logo que assumimos, logo que o presidente Sarney assumiu, eu apresentei a ele um projeto e foram criadas 106 novas juntas, duas das quais, três das quais vão ser instaladas em Santos agora no dia 20, uma na cidade de Cruzeiro. Uma instalada recentemente em minha cidade, em Capivari, outra foi instalada, que eu me lembro, em Assis. Marabá, com 300 mil habitantes, não tinha nenhuma junta. Foi criado o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região de Campinas, para desafogar o de São Paulo, que é a segunda região. Foi criado um Tribunal Regional do Trabalho em Rondônia, está sendo ou foi criado um Tribunal Regional do Trabalho no Espírito Santo, mas nada disso ainda é suficiente, porque nós partimos de um equívoco grave, que as questões do trabalho são resolvidas pela Justiça, quando as questões do trabalho deveriam ser solucionadas pelos seus sindicatos. Há uma certa resistência à criação das chamadas comissões de fábrica. Houve experiências da criação de comissões de fábricas a partir de 1981, 1982, coisa desse tipo. Eu até estou determinando um estudo para verificar o que ocorreu com essas comissões de fábrica. Porque o número de processos trabalhistas continuam gigantescos, a demonstrar que existe uma doença nas relações do trabalho no Brasil porque tudo é motivo de processo.

Rodolpho Gamberini: O senhor acha que as pendências deveriam ser resolvidas pelas comissões juntas, em negociação com o patrão?

Almir Pazzianotto: Elas deveriam ser resolvidas diretamente. Só deveriam chegar à Justiça do Trabalho os casos individuais de dúvida relevante a respeito de uma questão de direito. Os sindicatos deveriam... talvez se diga: “Ah, mas os empresários não aceitam”. É preciso fazer um diagnóstico, um exame cuidadoso por que é que há uma tal quantidade de processos trabalhistas? O câmera não gosta que eu olhe muito de lado, diz: “Olha para a câmera, mas é que eu fico incomodado em não olhar para as pessoas”.

Rodolpho Gamberini: Não, o senhor pode olhar para onde quiser [risos].

Almir Pazzianotto: Mas eu fui advogado muitos anos, eu dava plantões em sindicatos, recebia 40, 45 , 30. Todos os casos, em regra, eram transformados em processo. Eu não concordava com isso, não aceitava isso, porque sabia que cada caso daquele iria se protelar ao longo de pelo menos alguns anos. Nós precisaríamos modernizar a nossa estrutura...

Rodolpho Gamberini: [interrompendo] Mas daria uma certa vantagem ao patrão, não é, ministro?

Almir Pazzianotto: Mas é claro, mas é profundamente desvantajoso para a sociedade e para o Estado, que sofre um desgaste recorrente desse acúmulo de descontentamento. O senhor falou em processo de oito anos, é inacreditável, mas não é incomum. Mas por muito que a Justiça se aparelhe, e serão instaladas em São Paulo... nós precisamos comprar um prédio na Ipiranga [uma das ruas mais conhecidas da cidade de São Paulo] agora, há um processo para aquisição de um novo prédio na Ipiranga, em frente ao atual prédio das juntas, para abrigar as novas juntas, porque é um crescimento constante da Justiça e mesmo assim ela não vence o volume de processos.

Augusto Nunes: O senhor não dá nenhum tipo de esperança para esse senhor de 78 anos?

Almir Pazzianotto: Eu pediria a ele que... o que é que eu posso dizer? Até sem conhecer em que fase está o processo, eu não sei se está ainda na fase de conhecimento, se já está na de execução. Como no caso da Tupi. No caso da Tupi, os processos praticamente estão todos terminados, mas a dificuldade é a execução, é a transformação do crédito em dinheiro, a transformação da sentença condenatória em dinheiro. Porque quantas vezes eu assisti, eu vi, o trabalhador ser vitorioso na reclamação trabalhista e ser derrotado na execução, porque no momento da execução ele não encontrava mais sobre o que realizar o seu crédito, não é verdade? Mas, a meu ver, não é um problema para nós. Nós temos que ser muito ousados nisso. Eu, há muito tempo, sou adepto dessa idéia, essas questões precisam ser solucionadas no âmbito da empresa, 70, 80% dessas questões poderiam ser solucionadas no âmbito da empresa.

Rodolpho Gamberini: Joel, só uma questão, o Júlio de Grammont até agora não teve oportunidade de fazer a pergunta dele, então eu pediria que o Júlio a fizesse e depois nós voltamos a você, Joel, por favor.

Júlio de Grammont: Ministro, da maioria das suas respostas eu particularmente não gostei, não fiquei satisfeito com elas, principalmente com relação à intervenção.

Almir Pazzianotto: Eu lamento profundamente

Júlio de Grammont: O senhor fala em intervenção em sindicatos, mas essa é uma intervenção de carimbo, de penada, não é? Agora, o senhor não acha que o governo da Nova República que decretou uma intervenção militar em três greves, em três movimentos dos trabalhadores, duas no ano passado em Volta Redonda e agora dos portuários, que houve ou não houve intervenção do governo nos movimentos trabalhistas, dentro da nova lei?

Almir Pazzianotto: Vamos ver, vamos analisar. Talvez o senhor saiba até de mais coisa do que eu, não é? Houve, no ano passado, mais uma tentativa de greve em Volta Redonda, da Companhia Siderúrgica Nacional, não é? Presidida pelo Juarez, uma pessoa que eu não conheço e que se elegeu recentemente deputado federal. Um combativo dirigente sindical. Sucede que, pelas informações que me chegam, e eu não posso garantir que todas essas informações são rigorosamente corretas, essas greves são feitas de maneira abrupta, repentina. Ora, a Companhia Siderúrgica Nacional, criada por volta de 1941, 1942, é uma empresa do governo, vale dizer é uma empresa do povo. Começou ali praticamente o processo do esforço da independência econômica no Brasil, é um marco da nossa história, a Companhia Siderúrgica Nacional [a maior empresa de siderurgia do Brasil e da América Latina, considerada uma das maiores do mundo]. Pelas suas características, se houver uma paralisação súbita de um auto-forno, se um auto-forno daqueles for desativado subitamente, ele não tem reparação possível. Serão centenas de milhões de dólares, um prejuízo até incalculável. O senhor pode calcular um prejuízo representado pelo auto-forno? Não pode, terá muita dificuldade em calcular o prejuízo decorrente dessa paralisação, pela cessação da produção, e mais ainda, eu disse isso uma vez ao Juarez, se esse auto-forno, ou se os autos-fornos forem inutilizados, os trabalhadores não poderão ter êxito na greve porque perderão o seu emprego, não haverá onde trabalhar. É diferente de uma fábrica de automóveis ou de geladeira, aonde se pára a linha de montagem. Há determinadas atividades que não podem ser sustadas abruptamente. Eu estive em uma greve da Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista], eu era secretário do Trabalho, foi um esforço gigantesco para se aplicar o processo que eles chamam de abafamento de auto-forno.

Júlio de Grammont: Ministro, houve ou não houve intervenção do governo?

Almir Pazzianotto: Houve, houve. O governo guarneceu a empresa para possibilitar o ingresso daqueles que desejassem trabalhar. Houve, houve sim. O governo guarneceu a empresa e possibilitou o ingresso das pessoas que queriam trabalhar, digamos que 20% ou 30% queriam trabalhar [sendo interrompido]. Esses 30% que queriam trabalhar mantiveram a empresa funcionando e arrumou-se a solução do problema.

Júlio de Grammont: Os portuários não estão voltando ao trabalho porque estão com lockout, é essa a informação que eu ouvi, não sei se a expressão é bem essa, não é? Mas...

Almir Pazzianotto: Eu não ouvi a sua questão anterior.

Júlio de Grammont: O pessoal que está em greve, os marítimos, esse pessoal está voltando ao trabalho e estão com lockout nas costas, ministro.

Almir Pazzianotto: Eu não sei, isso eu não sei. Se for, amanhã a imprensa estará publicando. O senhor sabe que no Brasil hoje há muita liberdade de imprensa. Se for verdade, a imprensa amanhã estará publicando. Eu, nesse momento, realmente não sei. Sei o que houve, durante 60 dias que tentaram uma negociação, 14 sindicatos de trabalhadores de um lado e algumas organizações empresariais do outro lado, uma delas a Petrobras. O senhor sabe que a Petrobrás não é uma má empresa, nem má empregadora, tanto que um lugar na Petrobras é disputado. Ora, havia uma negociação, a Petrobras tomou a iniciativa de sustar o dissídio coletivo, em um determinado momento, crente no êxito da negociação. Eu tentei, na quinta-feira posterior ao carnaval, das 10 da manhã às 19 horas, consegui chegar num ponto de convergência, mas são mais de 80 cláusulas. Eu disse antes: o dissídio foi suscitado pelos trabalhadores, eles recorreram ao Tribunal Superior do Trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho se reuniu e fez um grande esforço, julgou o dissídio. Algumas cidades importantes, com atividades vitais ameaçadas por um possível colapso de abastecimento, e o governo determinou que, tanto quanto possível, alguns desses navios fossem rebocados, porque há o problema do rebocador, eu não entendo tecnicamente. O governo poderia, Júlio, meu amigo, o governo poderia, usando uma prerrogativa legal, convocar como reserva da Marinha todo esse contingente, o senhor sabe que é assim.

Júlio de Grammont: O senhor sabe também que os trabalhadores têm plena consciência de que [sendo interrompido] não é que eles estão parando. Eles recorreram enquanto o pessoal de Volta Redonda, eles preservam muito bem os instrumentos de trabalho, eles têm consciência disso.

Almir Pazzianotto: É bom que seja assim.

Júlio de Grammont: Forno, caldeira, eles têm um esquema de rodízio para assegurar isso.

Almir Pazzianotto: É bom que seja assim.

Júlio de Grammont: Isso interessa para os trabalhadores.

Almir Pazzianotto: É bom que seja assim.

Júlio de Grammont: Então, eu acho estranho esse argumento do senhor falar que o governo...

Almir Pazzianotto: [interrompendo] O objetivo do governo, outro não foi.

Júlio de Grammont: De assegurar isso?

Almir Pazzianotto: De assegurar isso, de assegurar que a empresa se mantivesse absolutamente ilesa, segura, para que não ocorresse, em função de um equívoco, de um mal entendido, até quem sabe de uma provocação.

Rodolpho Gamberini: Ministro, nós temos uma outra pergunta gravada que eu gostaria que o senhor respondesse agora, é a pergunta do senhor Luís Antônio Medeiros, que é o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a pergunta entra por aqueles monitores, por favor.

[VT de Luís Antônio Medeiros]: Ministro, os trabalhadores, nós, temos vários problemas, como o senhor conhece, não é? Mas agora nós estamos concentrados eu acho que em duas questões, a questão do gatilho salarial e a questão do salário mínimo. Com essa inflação que está disparada, é impossível retirar o gatilho. Nós sabemos da sua posição no governo da defesa de um gatilho salarial. Eu acho que é por isso que permanece o gatilho, porque o trabalhador luta pelo gatilho e há um ministro que também tem essa posição favorável ao gatilho. Eu queria saber quanto ao salário mínimo, ministro, o salário mínimo realmente está uma vergonha. É impossível um trabalhador com a sua esposa e o filho, ou ele sozinho, viver com esse salário mínimo. E quais são, eu queria saber, ministro, as dificuldades encontradas dentro do governo para aumentar esse salário mínimo que precisa ser aumentado urgentemente, tem que ser um salário digno.

Almir Pazzianotto: Em grande parte estou de acordo. De fato, um país como o nosso, um país como o nosso, não pode mais manter um salário mínimo tão baixo. Não há o que discutir, não há o que falar. Realmente nós precisamos aumentar o valor do salário mínimo. Eu entendo que se esse salário mínimo fosse na ordem de três mil cruzados [gesticulando], não seria nada de excepcional, nada de excepcional.

José Paulo de Andrade: O senhor está defendendo essa cifra no seu governo?

Almir Pazzianotto: Olha, eu até defendo, se você... tudo bem, a partir de agora eu defendo, não é? Agora, a questão que as pessoas não me respondem, e eu também não tenho uma resposta, é como puxar de mil trezentos e tantos, que é hoje, para três mil com os valores atuais, sem com isso provocar uma realimentação de um processo inflacionário. Nós temos que descobrir como fazer isso, de alguma maneira nós temos que descobrir, esse é um dos grandes desafios.

Augusto Nunes: É um argumento já bem conhecido, não é?

Almir Pazzianotto: Esse é um dos grandes desafios do momento, do país, do povo, do governo, dos empresários. Eu creio que os empresários deveriam assumir essa bandeira também. Porque, às vezes, me parece o seguinte: que nós pretendemos calcar o nosso desenvolvimento sobre a falsa premissa de que a vida tem que ser barata. Então, você não aumenta os salários. Ora, eu cito aqui, e já citei à exaustão, um político já falecido, mas que eu acidentalmente o descobri em um livro que se chama Reforma monetária e que foi escrito em 1891, Amaro Cavalcante [(1849-1922), foi um jurista e político brasileiro. Em 1917 foi nomeado prefeito do Rio de Janeiro], um político nordestino, foi ministro da Justiça [1918]. Ele disse em uma determinada situação, prestem bem atenção, ele disse: “O meio mais profícuo e garantidor do bem-estar das populações não está no baixo preço das coisas necessárias, mas no trabalho remunerador ao alcance de todos”, e completa, “a vida barata é sinal de pobreza”. O que as pessoas precisam é de poder aquisitivo. Eu digo sempre, o Júlio vai dizer”: “O senhor já falou isso”, mas eu digo: o trabalhador deve ter todo o direito de entrar em uma loja e escolher uma camisa de seda, um calçado de boa qualidade, uma roupa para si, para a sua família, um presente para a esposa. Isto, que é uma questão elementar para um país moderno e com todo o potencial que nosso país tem, nós só vamos conseguir havendo empregos ao alcance de todos, trabalho ao alcance de todos e um salário adequado. Interessa, porventura, à Confederação Nacional da Indústria, à Fiesp, à Confederação do Comércio, manter a classe trabalhadora brasileira em uma situação muitas vezes de indigência? Se interessa, eles estão enlouquecidos e eu tenho certeza que não interessa. O Plano Cruzado mostrou a viabilidade no mercado interno, entre outras coisas, o enorme potencial desse mercado interno, então por quê? Agora, temos o desafio da inflação.

Carlos Eduardo Lins da Silva: O salário provoca inflação, ministro? O PMDB, a vida inteira, diz que não.

Almir Pazzianotto: Eu sou do PMDB.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Quando eu estava na oposição, o senhor disse que não. O PMDB sempre diz que não?

Almir Pazzianotto: O discurso do PMDB sistematicamente foi: “Salário não é causa de inflação”.

Carlos Eduardo Lins da Silva: E agora é?

Almir Pazzianotto: Eu acredito que não é.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas o senhor falou agora mesmo que se o salário aumentar a inflação estourava.

Rodolpho Gamberini: O senhor disse que era necessário encontrar um mecanismo para se libertar.

Almir Pazzianotto: Não, não, absolutamente.

Rodolpho Gamberini: Mas o senhor disse que era necessário encontrar um mecanismo para se libertar.

Almir Pazzianotto: É claro, é evidente, porque se... Mas Rodolfo, [para] isto não precisa ter um QI muito elevado.

Rodolpho Gamberini: Não.

Almir Pazzianotto: Não precisa. Se o senhor pegar esse salário de um e trezentos e chutar para quatro e novecentos, algum efeito vai ocorrer que não seja, meramente, a elevação do poder aquisitivo. Algum efeito [sendo interrompido], alguma coisa vai ocorrer. Porque se não fosse assim, economia não precisaria sequer de faculdade. Seria tudo resolvido por decreto.

Júlio de Grammont: Mas os trabalhadores estão dispostos a levar tudo, paulatinamente.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Quando o PMDB não estava no governo, não provocava inflação, com o PMDB no governo provoca inflação, por quê?

Almir Pazzianotto: Senhor jornalista, jornalista, vamos conversar no limite do razoável.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Então, é isso que eu estou querendo dizer.

Almir Pazzianotto: Então, permita lhe responder, se possível.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Por favor.

Almir Pazzianotto: Eu vou fazer força para o senhor me entender.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Eu vou fazer esforço para compreender.

Almir Pazzianotto: Faço um grande esforço que talvez o senhor entenda.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Quem sabe.

Almir Pazzianotto: O que eu quero lhe dizer é o seguinte, e a todos, é o seguinte: nós não vamos proceder tentando mágicas, nós temos que obter o crescimento da economia. Isso é absolutamente elementar, isso está em todos os que escrevem sobre a economia, inclusive em um livro muito interessante, que são os Comentários políticos à constituição da União Soviética [publicado em 1984]. É necessário o crescimento da economia e é necessário o fortalecimento dos salários. Eu já admiti aqui, à saciedade, que o Brasil paga baixos salários. Ao Luis Antônio, eu diria o seguinte: há uma barreira real à questão da elevação do salário mínimo. Não à sua multiplicação por cinco ou por 10, mas a uma elevação real do salário mínimo, nesse momento, que é o seu efeito como indexador.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Prestações do BNH [Banco Nacional de Habitação].

Almir Pazzianotto: Uma porção de coisas estão dependuradas no salário mínimo. O governo quer eliminar essa vinculação do salário mínimo porque ele precisa elevar essa base de toda a pirâmide salarial e diminuir essa excepcional defasagem que há entre o maior e menor salário no nosso país. Nós temos que diminuir isso. Eu não sei como fazer isso de maneira eficiente em uma economia desestabilizada. Nós temos tentado, nós temos tentado. Há a consciência da necessidade, ninguém fica feliz, ninguém se satisfaz, ninguém se sente realizado sabendo que o salário mínimo é mil trezentos e qualquer coisa.

Júlio de Grammont: Ministro, quando é que vai se mexer no lucro dos empresários, dos banqueiros?

Almir Pazzianotto: É, nós precisamos melhorar a distribuição de renda no país, sem dúvida nenhuma.

Júlio de Grammont: Quando?

Almir Pazzianotto: Quando eu não posso lhe dar a data, eu não sei.

Júlio de Grammont: Porque se fala muito no sacrifício dos trabalhadores, quer dizer, tem sempre uma mão no bolso dos trabalhadores, e no cofre do industrial, quando é que vai botar a mão lá?

Almir Pazzianotto: Senhor Júlio, já diziam os antigos que toda essa generalização é muito perigosa.

Júlio de Grammont: Quando?

Almir Pazzianotto: Essa colocação é um tanto quanto maniqueísta.

Júlio de Grammont: Não, não é maniqueísta, os bancários perderam, com o Plano Cruzado, 29%.

Almir Pazzianotto: Há muitos empresários que são pequenos empresários, há muitos empresários que são microempresários. Há muitos empresários que foram até recentemente trabalhadores, há muitos empresários que para arcarem com sua folha de pagamento no final do mês precisam fazer...

Júlio de Grammont: [interrompendo] Ministro, nenhuma indústria fechou em vermelho, nem um setor da economia fechou em vermelho, ministro.

Almir Pazzianotto: O senhor ficou triste com isso? O senhor acha que seria ótimo para o país se todas as indústrias quebradas?

Júlio de Grammont: Eu não estava querendo dizer isso não, o senhor que está dizendo outra coisa. Eu estava dizendo que nenhuma organização pública mexeu no lucro dos patrões, nem de banqueiros e nem de fazendeiros, nunca se fala isso.

Almir Pazzianotto: Júlio, essa não é uma bandeira exclusivamente sua nem minha.

Júlio de Grammont: Não se falou até agora que mexeram no lucro dos empresários.

Almir Pazzianotto: Mas ninguém me perguntou.

Júlio de Grammont: Bom, eu estou perguntando agora, como é que o senhor vai fazer?

Almir Pazzianotto: Sou favorável, acabei de dizer, sou favorável. Eu não tenho feito outra coisa neste programa, e ao longo de minha vida de advogado, de deputado, de secretário e de ministro, senão defender uma ordem social mais justa. Eu não tenho feito outra coisa. Agora, existem dificuldades sérias no país. Eu também acho, posso estar até mal informado, que nunca os empresários ganharam tanto dinheiro como em 1986. Provavelmente o Della Mana vá divergir, mas eu estou convencido de que nunca ganharam tanto dinheiro como em 1986. Também ganharam muito dinheiro na época do chamado milagre econômico, mas era uma época em que não havia sequer liberdade de dimensão de crítica, de observação e, sobretudo, de atuação dos sindicatos.

Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas todo esse dinheiro, a maior parte foi reinvestido nas próprias empresas em benefício dos trabalhadores e de uma melhor remuneração.

Almir Pazzianotto: Não invalida o fato de que ganharam muito dinheiro. Nós tivemos, é preciso se fazer essa justiça, pelo menos, ao atual governo, nós tivemos sempre a preocupação de garantir um clima de grande liberdade. Porque eu entendo, Rodolfo, eu entendo que desenvolvimento econômico sem democracia implica, obrigatoriamente, em concentração de renda, não haverá distribuição voluntária dos ganhos. Nós precisamos de desenvolvimento econômico e precisamos da democracia com a ação não exclusivamente governamental, mas, sobretudo, uma ação sindical forte, objetiva, lúcida [sendo interrompido] e uma combinação correta entre dois fatores, eu nunca me canso de dizer: inteligência e força para obter para os seus trabalhadores aquilo que eles têm direito, mas nunca exclusivamente movido por um sentimento corporativista.

Rodolpho Gamberini: Ministro, eu só pediria para que o senhor concluísse a sua resposta com a maior brevidade possível, porque nós já estamos terminando o programa, que, aliás, já está há quase duas horas no ar.

Almir Pazzianotto: Então, ao invés de concluir a resposta, eu creio que a resposta já está concluída, eu vou agradecer a vocês a oportunidade que me foi dada, não é? Dizer da minha grande satisfação de estar aqui e considerar que todas as perguntas foram muito bem formuladas, objetivas, foram oportunas e que eu procurei estar à altura dos meus interrogadores, daqueles que me distinguiram com a sua atenção me formulando aí suas perguntas.

Joel Alves de Oliveira: Ministro.

Rodolpho Gamberini: Não é possível, Joel, porque o nosso tempo está completamente esgotado. Muito obrigado pela sua participação.

Almir Pazzianotto: Obrigado.

Rodolpho Gamberini: Muito obrigado também a todos que vieram a este Roda Viva. O Roda Viva volta segunda-feira que vem às nove e vinte da noite, até lá e boa noite.

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