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Memória Roda Viva

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José Arthur Giannotti

12/2/1996

O papel da filosofia na sociedade contemporânea, seu ensino na escola e os conflitos entre a atividade intelectual e política são temas abordados por Giannotti, que diz que o filósofo deve ser um questionador de sentidos

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Programa ao vivo

Matinas Suzuki: Boa Noite. Ele é considerado como o mais importante filósofo brasileiro. No centro do Roda Viva desta noite está o professor José Arthur Giannotti. Quase 66 anos de idade, o professor Giannotti exerceu vida acadêmica na USP por mais de vinte anos, pela segunda vez está na presidência do Cebrap, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, entidade que fundou, junto com Fernando Henrique Cardoso, há 25 anos. José Arthur Giannotti, autor de vários livros e ensaios sobre filosofia e política, é tido como um intelectual rigoroso e até "do contra" por suas críticas à vida acadêmica e às correntes filosóficas da moda. Carrega, em contrapartida, a fama de bom cozinheiro com domínio nas culinárias italiana e francesa. Para entrevistar o professor José Arthur Giannotti nós convidamos esta noite o escritor e poeta Gerardo de Melo Mourão; o cientista político Oliveiros S. Ferreira; Esther Hamburger que é pesquisadora do Cebrap; o editor de cultura da Gazeta Mercantil, Daniel Piza; Fernando de Barros e Silva, colaborador da Folha de S. Paulo; e o deputado federal José Genoino. Boa noite, professor Giannotti, muito obrigado pela sua presença esta noite, o que nos honra bastante. Uma pergunta que eu gostaria de fazer, que eu acho que é uma certa curiosidade geral, é a seguinte: é possível ter uma filosofia no Brasil? É possível ter filósofos brasileiros?

José Arthur Giannotti: Eu não sei se é possível ter filósofo hoje. Aliás, quando a gente é apresentado como filósofo, eu aceito essa denominação porque isso te apresenta como uma denominação burocrática. Todos nós somos estudantes de filosofia, uns mais ligados aos textos outros menos ligados aos textos, mas o que é importante é que se nós não fazemos a filosofia brasileira como se pretendeu há trinta anos atrás, o que se está fazendo hoje é muita filosofia no Brasil. Eu não sou o mais importante filósofo brasileiro, existem vários filósofos que têm um diálogo muito importante, que estão travando a possibilidade de nós nos entendermos por aqui sem que a gente passe necessariamente a escutar os ecos ou de Paris, ou de Londres, ou Cambridge, ou Oxford, ou de Harvard.

Matinas Suzuki: O senhor disse que hoje é muito difícil aplicar a categoria de filósofo a alguém. Qual o sentido, ainda insisto, da filosofia hoje? Qual a razão de se continuar estudando, pois o senhor disse que a maior parte o senhor encararia como estudantes de filosofia?

José Arthur Giannotti: Quando falamos ou nos exprimimos, podemos diretamente nos reportarmos às coisas ou reportarmos às pessoas. Mas há sempre um momento em que a própria linguagem começa a falhar e perguntamos o que isso significa? Ao perguntar o que isso significa, aquilo que estávamos dizendo passa por uma espécie de transformação e começamos a entender as regras do nosso discurso. Isto é, a filosofia está sempre ligada a uma espécie de discurso sobre o discurso. Portanto, a filosofia é absolutamente necessária na medida em que a própria linguagem está sempre patinando, está sempre derrapando. O filósofo é, de certo modo, aquele que fica à margem, aquele que fica à espera dessa possibilidade de entender melhor as regras pelas quais nós estamos distinguindo o correto e o incorreto, o verdadeiro e o falso, e assim por diante. Por isso que, de certo modo, há uma dificuldade do filósofo de se apresentar em público, porque ele não pode rapidamente vestir a máscara que a publicidade requer e controlar de certo modo o seu ego público. Existe uma defasagem entre aquilo que nós somos, essa necessidade constante de voltar atrás, essa necessidade constante de quebrar o pé, e esse vetor com a publicidade, se expor, e desse modo criar uma imagem sobre a qual nós não temos controle. E não foi à toa que - você sabe - eu tive muita relutância em vir a este programa que é, antes de tudo, um programa de figuras públicas. Eu sei que aqui neste centro, no olho do furacão há, haverá, uma defasagem entre o meu ego filósofo e o ego do público.

Matinas Suzuki: Se o filósofo ficar mudo...

José Genoino: Professor Giannotti, eu queria fazer a pergunta da filosofia para a política, buscando...

José Arthur Giannotti: Você é mais rápido, né? [risos]

José Genoino: Buscando o significado das coisas neste momento atual, como filósofo e como político. Qual o sentido valorativo da política nos dias de hoje diante de interesses, diante do jogo de pressão, diante das bases materiais em que a política é realizada, o que fundamenta a política? Tem alguma conotação valorativa, tem algum sentido ético? Que valores fundamentam a política? Ela é algo acima do jogo de interesses, de pressões? Enfim, para que serve a política, qual o sentido dela?

José Arthur Giannotti: Eu não creio que a política tenha um sentido único, Genoino. Isto é, a política tem um sentido especial para os políticos e a política quando muda de cara, isso como uma figura do pato e a lebre, é a mesma figura, mas de repente ela se apresenta como pato, outra vez ela se apresenta como lebre. Se a política participar aos políticos é, afinal de contas, a arte do possível; a política está sempre de certo modo tentando negociar interesses e criar aquilo que seja possível para sair de determinados impasses. Ora, quando nós consultamos...

José Genoino: [interrompendo Giannotti] Não é uma lógica muito pragmática da arte do possível, não tem um sentido, não tem valores.

José Arthur Giannotti: Mas veja bem, eu acho que uma das grandes vantagens, das grandes conquistas, ou melhor, das grandes reconquistas do nosso tempo foi perder aquilo que o Iluminismo, e de certa forma, o marxismo, ainda como filhote do Iluminismo, garantia é que haveria uma continuidade entre a prática racional e a prática da política. Ora, desde Aristóteles e de Platão, a gente sabe que, afinal de contas, a filosofia e a ciência procuram, elas pelo menos têm um compromisso com a verdade, e a política tem um compromisso com o poder. Isso não implica pragmatismo, mas...

José Genoino: Mas não é o poder pelo poder. [É] O poder pelo poder?

José Arthur Giannotti: Não, mas é um poder pelo poder...

Oliveiros S. Ferreira: Você me perdoe, o nobre deputado está vivendo no mundo da lua.

José Genoino: Mas falar em valores é mundo da lua, Oliveiros?

Oliveiros S. Ferreira: Não, eu não disse nada disso.

José Genoino: Eu estou falando, eu estou querendo discutir.

Oliveiros S. Ferreira: Você está negando o poder?

José Genoino: Não, o poder tem uma razão, o poder tem um objetivo.

Oliveiros S. Ferreira: Ou então você está aderindo à Sua Santidade, o Papa.

José Genoino: Não. À pena de vencer a qualquer custo, a política não é a lógica do vale-tudo; eu só quero entender o significado da política.

José Arthur Giannotti: Eu entendo não só a pergunta do Genoino, mas eu entendo também, tenho impressão, a intenção dela. Isto é, o Genoino quer neste momento pragmático e em que os nossos horizontes políticos estão extremamente reduzidos, ele quer ampliar desde o início deste debate e dizer: “Não, se nós não temos mais utopia, pelo menos nós temos que recuperar alguma idéia de transcendência”. Isto é, nós queremos ir além. Bom, eu estou de acordo, Genoino. O problema é como nós vamos conseguir esse "além da política". Em primeiro lugar, reconhecendo que a política é o lugar da persuasão e é o lugar do poder e que, portanto, esses compromissos não podem ser atropelados. Isto é, nós não podemos mais chegar a uma forma de voluntarismo em que simplesmente porque aquilo que é bom ou porque nós consideramos que aquilo que é bom nós podemos atropelar os fatos e, em particular, nós podemos atropelar os outros.  Mas espere, deixe eu terminar [dirigindo-se a Genoino]. Mas eu dou razão a você. Se nós, de certo modo, na política, não sairmos para a filosofia, isto é, se nós não perguntarmos qual é o sentido dessa própria política e o que significa a sua atividade como profissional da política e a minha atividade de filósofo ou de estudioso de filosofia que, de vez em quando, cruza o caminho político e também vai para a militância - porque eu não, você sabe, eu não tenho medo de sujar as minhas mãos na política, pelo contrário, tenho um enorme prazer também nisso.

José Genoino: Tem políticas em que se suja-se as mãos e [outras que] não.

Esther Hamburger: Posso aproveitar um pouco.

José Arthur Giannotti: Não, deixa eu terminar, eu acho o seguinte. Essa combinação entre a pergunta pelo sentido da política e o compromisso com os requisitos da política se torna absolutamente necessária. Isto é, é preciso transcender sim a política, mas eu tenho muito medo que nesse processo de transcendência, o que acontece simplesmente é que nós voltemos a certas formas tradicionais de voluntarismo.

Esther Hamburger: Aproveitando um pouco o que o senhor está falando aí da política. Uma vez quando eu prestei o concurso de bolsista do Cebrap, você me perguntou se o intelectual tem uma missão. Eu aproveito agora para retornar a questão. O intelectual tem uma missão social? Qual é?

José Arthur Giannotti: Enfim, você quer aproveitar para lembrar aqui que a vingança se come crua. [risos] Demorou anos para poder retornar a essa pergunta. Eu diria o seguinte, Esther: como sempre, as respostas dos filósofos são ambíguas, o filósofo tem uma missão.

Oliveiros S. Ferreira: Os mineiros também, os políticos mineiros também. [risos]

José Arthur Giannotti: É por isso que...

José Genoino: Agora está chegando para os paulistas.

José Arthur Giannotti: É pelo seguinte: o filósofo tem, sim, uma missão. Recuar e procurar as margens da significação, dos discursos, dos comportamentos. Mas isso não significa que a missão dele tem um conteúdo; se o filósofo apela para certos comportamentos práticos de todos os homens a fim de que eles precisam e podem se entender, isso não significa que o filósofo está dizendo que existe uma humanidade mínima, ou que existe isso sim. Na hora que nós perguntamos pelo sentido das coisas, nós somos obrigados a nos perspectivar, a encontrar pontos de fuga que fogem da tessitura dos fatos, ou fogem da finitude humana. É uma missão que, de certo modo, implica transcendência, mas não façamos dessa missão nenhum receituário.

Fernando de Barros e Silva: Giannotti, deixa eu tentar tornar isso mais concreto. Nós temos um intelectual na Presidência da República [na época, Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-professor da USP, era presidente], e eu queria saber de você qual a função que os intelectuais devem assumir? Eu me lembro quando o Fernando Henrique foi eleito, houve uma debandada de intelectuais para o governo, atraídos pelo governo, e você falou: “Não sabia que eles gostavam tão pouco do que faziam”. Abandonaram a vida acadêmica e foram para o governo. Você preferiu continuar, enfim, assumiu a presidência do Cebrap, preferiu continuar na pesquisa. O que um intelectual pode fazer hoje quando um de seus pares, um de seus maiores talentos da sua geração está no poder? Qual é a atitude, concretamente, nesse caso específico, do Fernando Henrique? Não [a atitude] em geral.

José Arthur Giannotti: Veja bem, quem está no governo é um intelectual que há muito tempo está fazendo política e ele faz política como político. Eu tenho a impressão de que se o Fernando Henrique consegue hoje manter a sua vida intelectual, eu diria é muito mais nas horas vagas e nos fins de semana. Ele se comporta como político, ele trata de fazer política. Por isso mesmo que existe... Eu estava fazendo esta distinção, sublinhei essa distinção da lógica de certo modo pragmática do político que tenta organizar-se no possível. E a atividade do intelectual, em particular do estudioso de filosofia, que é antes de tudo aquele que quer tornar o impossível viável, mas para tornar o impossível viável - e essa é nossa função - nós temos que ir além, procurar soluções que parecem, à primeira vista, ou estão dentro das circunstâncias, inteiramente vetadas pelos fatos. Mas nós precisamos, portanto, reencontrar certas formas de vida, certas formas de pensar e, com isso, sem dúvida, detonando as nossas próprias individualidades, entrando nas nossas angústias. Isso não é tarefa de político, o político é prospectivo, o político...

Oliveiros S. Ferreira: Perdão, Giannotti. O senhor não acha que o político tem tudo isso, toda essa angústia?

José Arthur Giannotti: Ah, mas eu tenho impressão que a angústia... Eu não vou negar que os políticos sejam ansiosos ou angustiados. Eu diria o seguinte, que o político tem tudo isso, de certo modo, na negociação e no caminho da persuasão, enquanto que o filósofo tem isso...

Oliveiros S. Ferreira: Não, não estou fazendo a comparação com o filósofo, não. Estou pensando no político em si e não é o político rastaqüera, o homem de Estado.

José Genoino: Político com “p” maiúsculo.

José Arthur Giannotti: Claro, o homem do Estado.

José Genoino: Tem que ter visão, objetivos, interesses, escolhas.

José Arthur Giannotti: Claro, mas veja bem...

José Genoino: O político tem que ter a cara e tem que ter lado, não dá para se aderir. 

José Arthur Giannotti: Mas o político faz tudo isso na praça pública, o político faz tudo isso tentando persuadir, tentando convencer e obter um consenso. O filósofo faz tudo isso, antes de tudo, se recolhendo, se recolhendo para a sua vida privada, se recolhendo para as suas reflexões e se detonando a si mesmo a fim de que ele possa escrever livros novos.

José Genoino: Giannotti, você se considera um intelectual de esquerda?

José Arthur Giannotti: Eu sempre me considerei um intelectual de esquerda. O problema é que eu não sei, hoje, como é que as pessoas me classificam.

Matinas Suzuki: O que é ser de esquerda hoje, professor?

José Arthur Giannotti: Hoje, ser de esquerda, em primeiro lugar, [é] não ser governo e, portanto, aceitar esta atitude de criticar o possível e essa lógica do possível. Ser de esquerda significa, hoje, encontrar certas formas não só de denunciar a injustiça do mundo e do país, mas encontrar certas formas em que essas injustiças possam ser superadas. Isto é, se ele discorda...

Oliveiros S. Ferreira: Isso não basta para definir esquerda, porque eu posso estar na extrema direita e denunciar a injustiça.

Fernando de Barros e Silva: E com essa definição você tira o Fernando Henrique do campo da esquerda automaticamente, porque você coloca não ser governo... Não entendi isso.

José Arthur Giannotti: Veja bem: eu nunca acredito que um governo, como tal, seja no seu exercício um governo de esquerda.

Fernando de Barros e Silva: O governo é sempre de direita?

José Arthur Giannotti: Não, o governo pode ser do centro, pode ser do centro e meio, pode ser de vários lugares, mas eu não acredito... A atitude de governar implica uma certa conivência com os fatos que a política da esquerda ainda quer transcender.

José Genoino: Mas não pode ser subserviente aos fatos, esse que é o problema, qual o limite?

José Arthur Giannotti: Mas você não pode governar não sendo subserviente aos fatos! Este é o problema, por isso que eu estou dizendo.

José Genoino: Você fez um artigo brilhante em relação aos fatos do banco...

Matinas Suzuki: Deputado, eu pediria um favor, um minuto, o Gerardo vai fazer uma pergunta.

Gerardo de Mello Mourão: José Giannotti, eu estava esperando naturalmente que nós entrássemos no Wittgenstein, [risos] mas o nosso José Genoino, com aquela precisão que sempre põe nos seus debates, nos levou quase a uma aporia wittgensteiniana logo no princípio, colocando o problema, que é o problema mais trágico da nossa condição histórica dos seres humanos na Terra, o problema do intelectual na política, do filósofo e da política, o que ele colocou anteriormente. Eu gostaria de dizer primeiro que acho que a nossa desgraça, a nossa miséria humana é que a política seduz, fascina, chama os filósofos, os intelectuais, e os políticos não se seduzem pela filosofia, pelo saber, de um modo geral. Claro que a felicidade da sociedade perfeita seria aquela platônica do tempo em que os reis fossem filósofos, e os filósofos fossem reis. Por outro lado, eu não sei, me lembro sempre de uma palavra de uns dos homens mais trágicos da nossa geração, romancista francês, algeriano francês [referindo-se, provavelmente, à Albert Camus (1913-1960), romancista franco-argelino, consagrado no mundo todo por obras como O estrangeiro], que perguntado sobre a situação política, ele, depois de ter sofrido todas as experiências políticas, chegou à conclusão de que o papel do artista, do intelectual, do filósofo, diante da história não é de fazer a história, mas de sofrer a história, de testemunhá-la e o seu testemunho é que é fecundo. Eu também já tive a tentação política, já fiz política, já freqüentei partidos etc, hoje estou mais ou menos naquela situação do Julien Green [(1900-1998), nasceu na França, mas seus pais eram americanos, foi romancista, dramaturgo e crítico literário] quando lhe perguntavam “qual é o seu partido”? Ele respondia, invariavelmente: “Pas le vôtre” [significa “não do teu partido”]. Eu acho muito difícil que o intelectual e o artista, não que sejam indiferentes à política, mas que queiram ser os condutores da política. Somos testemunhas que sofrem a política e o seu testemunho é que pode ajudar a sociedade, é que pode ajudar a nossa condição histórica, a história a fazer alguma coisa pelo bem comum.

José Arthur Giannotti: Bom, tem várias observações ao que você me diz. Em primeiro lugar, nós não estávamos tão longe de Wittgenstein como você estava imaginando. Na medida em que [quando] eu estava distinguindo o discurso natural, que se liga aos fatos ou aos homens, e o discurso pelo sentido, eu estava muito dentro do velho Wittgenstein. Portanto, o fantasma desse filósofo já estava presente nesta Roda Viva. Segundo lugar, o fascínio que os filósofos têm pelo poder, que é antigo, você mencionou Platão, tem a sua contrapartida. Platão foi a Siracusa tentar convencer, não me lembro quem era o rei de Siracusa nesse momento, e o resultado é que ele quebrou a cara e quando voltou ainda foi vendido como escravo. Portanto, ele experimentou na carne o que significa a aproximação do intelectual com o poder. Em terceiro lugar, eu diria o seguinte: é difícil testemunhar hoje sem morder os fatos, a idéia que nós possamos simplesmente ficar à margem e apenas perguntando pelo sentido, como eu disse que era o trabalho do filósofo, implica que o filósofo também seja ambíguo. Nós temos que viver com as contradições do nosso tempo. Nós perguntamos pelo sentido das coisas, nós queremos ir para uma determinada transcendência, nós queremos ser de esquerda, não só porque nós estamos denunciando a injustiça, porque isso outras pessoas também fazem com toda a sua honestidade.

Oliveiros S. Ferreira: E até desonestamente.

José Genoino: Afinal de contas, existe uma cesta básica.

José Arthur Giannotti: Mas eu diria justamente que a ligação entre a esquerda e a filosofia, se ela não mais se junta, como o jovem Marx pretendeu, de forma que a filosofia iria ser inteiramente absorvida pelo trabalho político. A esquerda tem maiores compromissos com a filosofia, isto é, com essa relação de dubiedade, com essa relação de pergunta pelo sentido, do que as outras partes do espectro político.

José Genoino: Vamos trazer qual é o papel da esquerda no Brasil hoje, já que se está falando da esquerda, da relação com o governo...

Oliveiros S. Ferreira: Essa esquerda que ele fala é algo muito...

José Genoino: Sem preconceito, Oliveiros, vamos discutir em tese.

Oliveiros S. Ferreira: O velho Tio José, ele poderia subscrevê-las, exato. [a referência é ao líder soviético Josef Stálin, chamado de Tio José pela mídia estadunidense]

Daniel Piza: Eu queria fazer uma pergunta ainda nessa interface entre a política e a filosofia, mas por um outro vetor, um ângulo mais pessoal. O seu último livro, Apresentação do mundo, provocou muita reação, no sentido de que ele traz uma espécie de mudança de parâmetro no seu pensamento. Quer dizer, você se celebrizou por pensar o trabalho, a alienação do trabalho, enfim, questões muito ligadas ao pensamento marxista. E agora o senhor está se detendo mais sobre problemas da filosofia da linguagem, Wittgenstein e tudo. Mas, para resumir a história, qual a diferença do doutor Giannoti dos anos 1960, 1970 e o atual?

José Arthur Giannotti: Bom, essa questão de saber qual a diferença do Giannotti dos anos 1960 e o atual, a meu ver, é uma questão que é difícil de ser respondida pelo Giannotti que está aqui. Eu sempre gosto de repetir uma historinha que o Antônio Cândido [(1918-), poeta, ensaísta, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é referência consagrada entre os críticos literários brasileiros], mestre de todos nós, me contou um dia, e que mostra bem como é que nós não podemos controlar a nossa imagem pública. Havia um poeta que, numa cidadezinha, publicou um livro chamado As primaveras e ele foi entrevistado. Para resumir, ele disse: “Olha, eu estou começando, daqui a pouco eu vou escrever melhor”. Ele foi produzindo, produzindo vários livros, e cada vez mais ele dizia: “Eu estou na melhor da minha forma”. Ele morre, a sociedade elege, a cidadezinha ergue um busto em sua homenagem: "Ao poeta fulano de tal, autor de As primaveras". O que essas rupturas significam socialmente eu não sei, mas eu posso saber o seguinte. Qual foi, isso sim, o fio que eu tenho puxado no marxismo para as minhas obsessões. E mais do que eu mesmo, o Bento Prado, um velho amigo meu, está sempre dizendo o seguinte: “Giannotti, você só tem um pensamento, você só pensa uma coisa. Não só no trabalho de reflexão, não só nas origens das idéias do trabalho, mas está no seu primeiro livro”. Eu estou sempre pensando as condições do conceito. E quando eu estudei Marx, estudei justamente para saber o quê, como é que o valor se constituía como medida e como era possível construir esse processo. Quando a medida se torna uma questão de regras e como o problema do valor não é apenas um problema de aplicar uma regra, mas começar a aplicação conforme a própria regra, eu estou no universo wittgensteiniano, enfim, eu tenho a impressão que eu amplio o meu pensamento ou, pelo menos, as minhas obsessões, e não sei realmente se eu sou fiel a elas.

Fernando de Barros e Silva: Deixa eu retomar o que o Daniel disse por outro ângulo. Outro amigo seu, Roberto Schwarz [(1938-), um dos mais importantes críticos literários do Brasil], publicou um artigo recentemente na Folha analisando a experiência de leitura do Capital que vocês fizeram. Você, o Fernando Henrique, ele próprio, e um dos pontos cegos dessa leitura, que ele apontava, seria um caráter desenvolvimentista desse marxismo pucuspiano [neologismo que significa a visão marxista própria à PUC-SP e à USP], ou seja, vocês estariam mais preocupados em achar uma solução para o Brasil, é uma preocupação quase teórica, mas pragmática. Enfim, uma coisa com um escape político, do que em fazer a crítica do capitalismo, que seria, obviamente, o que motivava o Marx. Você concorda com essa análise do Roberto? E como eu acho que a resposta é não, eu queria que você falasse do seu livro, porque o trabalho de reflexão é uma tentativa de fazer a crítica do capitalismo contemporâneo, talvez a tentativa mais ousada da filosofia brasileira. Então, como é que você vê essa análise que o Roberto faz dessa experiência da sua geração?

José Arthur Giannotti: Eu não diria não à observação do Roberto, eu diria o seguinte: a nossa preocupação sempre foi... aliás, a nossa geração teve esse mérito e esse defeito. Nós éramos terrivelmente ambiciosos, nós queríamos transformar o mundo, nós queríamos transformar a filosofia, a ciência e nós queríamos transformar o Brasil. Não era pouco. Sob esse aspecto, a crítica do capitalismo também era uma forma de pensar quais eram as viabilidades do capitalismo brasileiro. E não foi à toa que, entre todos os trabalhos do grupo, sai o livro do Fernando Henrique, como eu falei, sobre a teoria da dependência [Cardoso é autor do livro Dependência e desenvolvimento na América Latina, publicado pela primeira vez em 1969]. Isto é, a teoria da dependência era uma forma de interpretar o que significava as várias maneiras de um capitalismo desenvolvimentista no Brasil. Eu acho que o grupo foi caracterizado por essa enorme ambigüidade de, ao mesmo tempo, querer sair dos fatos e, ao mesmo tempo, querer se confrontar com eles e resolver os problemas mais imediatos.

Oliveiros S. Ferreira: Desculpe, vocês estudaram Marx e foram à prática ou ficaram na teoria?

José Arthur Giannotti: Quem nós?

Oliveiros S. Ferreira: O grupo que estudou O Capital, eu sei que um foi à prática e eu o desaconselhei. Agora me parece que nenhum mais de vocês foi à prática.

José Arthur Giannotti: Que prática?

Oliveiros S. Ferreira: A prática que transforma o mundo.

José Arthur Giannotti: E quem diz que a única prática que transforma o mundo é a prática das armas?

Oliveiros S. Ferreira: As idéias transformam o mundo.

Daniel Piza: Essa resposta não seria uma demonstração da diferença do Giannotti dos anos 1960 e o dos anos 1990?

José Arthur Giannotti: Nós nunca apoiamos o movimento guerrilheiro, desde o início.

Oliveiros S. Ferreira: Não, eu não estou me referindo ao movimento guerrilheiro não, eu estou me referindo à ação política.

José Arthur Giannotti: Ao Fernando Henrique?

Oliveiros S. Ferreira: Não, não, o grupo que estudou Marx.

José Arthur Giannotti: Certo.

Oliveiros S. Ferreira: E eu pergunto: ficou na teoria “vosmecê”, de vez em quando vai à política, vai à prática, mas o grupo ficou na teoria, exceto Fernando que foi à prática.

José Arthur Giannotti: Está certo.

Oliveiros S. Ferreira: Agora eu pergunto o que o Marx, que é o homem da prática, por exemplo, teve a ver com...

José Arthur Giannotti: Será que Marx é o homem da prática assim? Ele ia para prática bastante, mas cada vez que o movimento revolucionário refluía, ele se enfiava no British Museum e ficava anos estudando e fazendo pesquisa.

Oliveiros S. Ferreira: Sim, mas quando refluía. Bom, no Brasil, então, de 1964...

[...]: Só um refluiu.

José Arthur Giannotti: E quem disse que depois de 64 o processo não refluiu? Só você. [risos]

Oliveiros S. Ferreira: Não, isso é negar seja a sociologia, seja o Marx, é negar a mudança social.

José Arthur Giannotti: Não é negar a  mudança social.

Oliveiros S. Ferreira: O processo revolucionário não pode ter refluído, Santo Deus, a miséria aumentou, a concentração de renda aumentou. O processo revolucionário de uma maneira ou de outra tem que estar na rua, é preciso alguém captá-lo.

Daniel Piza: Você não diria que seus escritos são, na prática, política?

José Arthur Giannotti: Eu diria que eles não são a prática política direta, mas são uma prática na polis. Ele não está ligado a partido, eu acho que é função do... Veja bem, como é que eu ajo politicamente, num momento de eleição, no momento mais quente? Aí eu viro militante. Eu posso, num momento determinado, ir para o velho prédio do Sion [referência ao Colégio Sion, em São Paulo, onde foi oficialmente fundado, em 10 de fevereiro de 1980, o Partido dos Trabalhadores], fundar o PT, assinar aquele documento que depois foi roubado... Depois, num determinado momento, apoiar Fernando Henrique, mas na hora em que a eleição esfria, eu acho que a minha função é muito mais tentar entender o processo político como um todo e apostar não só neste partido ou naquele outro partido, mas apostar sobretudo no reforço do sistema político brasileiro e na sua melhoria.

Oliveiros S. Ferreira: Mas sem proselitismo?

José Arthur Giannotti: Se a minha atividade é uma atividade de questionador de sentidos, a tolerância é, antes de tudo, um dever e uma prática cotidiana. Isto é, na militância, evidentemente, a gente enfia a mão na massa, mas é importante que a atividade constante do intelectual seja aquela atividade de reconhecer, que por exemplo, um sistema político sem a representação da direita que seja extremamente orgânica, importante e competente, é um sistema político claudicante. E que, portanto, eu prefiro que haja uma boa direita do que uma boa esquerda – desculpe - uma má direita. O que eu acho importante é o seguinte: é que na hora da votação, obviamente, ou da eleição, eu não vou estar militando do lado da direita.

Matinas Suzuki: Giannotti, eu pediria licença aos nossos entrevistadores para pedir um minuto para o professor Giannotti responder os nossos telespectadores. É a Maria Cristina de Oliveira, que é pedagoga, do Sumaré, aqui em São Paulo, e a Valquiria, de São Bernardo do Campo, perguntam qual a opinião do senhor a respeito do ensino de filosofia no segundo grau?

José Arthur Giannotti: Eu várias vezes me manifestei contra o ensino de filosofia do segundo grau, essa é uma atitude polêmica que eu assumi por dois motivos. Em primeiro lugar, eu acho que está num momento de a gente liberar o ensino de segundo grau de vários constrangimentos impostos de Brasília para o Brasil inteiro. Se houver condições de haver um bom curso de filosofia no segundo grau, então que ele seja implementado aqui ou ali, não há necessidade nenhuma dessa obrigatoriedade. Em segundo lugar, nas condições em que, por exemplo, foi imposta essa obrigatoriedade, era previsível que não havendo uma massa suficiente de professores de filosofia competentes e qualificados, o resultado é que estes postos não seriam ocupados por professores de filosofia, mas por professores de educação, por juízes de direito, por padres e assim por diante. O resultado é que nós temos a obrigatoriedade de ensino de filosofia no estado de São Paulo e não se dá ou se dá muito pouco filosofia no ensino secundário. Portanto, as obrigatoriedades de direito, quando não são reportadas as condições e suas possibilidades, em geral, resultam no contrário daquilo que a gente pode visar.

Matinas Suzuki: Mas o senhor acha que, havendo condições, por exemplo, como a melhoria dos professores, o melhor preparo dos professores, poderia se pensar num futuro mais para frente de um...

José Arthur Giannotti: Não, eu acho antes de tudo, Matinas, o seguinte: vamos tornar o ensino de segundo grau muito mais lábil, vamos deixar que as escolas sejam mais adaptadas àquelas outras condições. Se uma escola quer visar mais às humanidades e o ensino de filosofia, muito bem; se outra quer um outro tipo de preparação escolar, que o faça. Desde que nós tenhamos coisas mínimas, e este mínimo não pode entrar filosofia, assim como não pode entrar música, mesmo que seja o canto orfeônico do Villa Lobos. Mas quem duvida da necessidade de uma formação musical para os nossos estudantes? Mas se fizermos a lista de todas as necessidades dos nossos estudantes, nós faremos um currículo absolutamente enorme e que terá como resultado o avacalhamento de todas as necessidades mínimas. Portanto, se a gente entender a escola como uma escola muito mais flexível, podendo admitir carreiras diversificadas, a questão perde o sentido.

Matinas Suzuki: E o Eduardo Machado, aqui da Freguesia do Ó, pergunta singelamente para o senhor o seguinte: o senhor acredita mais em Deus ou na ciência?

José Arthur Giannotti: A questão de se acreditar em Deus pode ser uma questão política; ou ela foi uma questão do século XVIII e perdeu o sentido hoje. Depois de Kant [Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, considerado o pensador mais influente dos tempos modernos, foi o fundador da filosofia crítica], nós sabemos que não podemos conhecer Deus. A palavra [expressão] “conhecimento de Deus”, de certo modo, é uma contradição. Eu conheço este fato, eu conheço aquele outro fato, mas conhecer Deus e perguntar pela existência de Deus eu não sei bem o que significa. Eu sei que existe uma televisão aqui, que ela existe, que o Oliveiros, velho companheiro está lá, existe. Que os números podem existir de uma certa maneira, mas já não existem da mesma forma que este copo ou o Oliveiros. Agora, o que significa a existência de Deus eu não sei, portanto a questão para mim não é relevante.

Matinas Suzuki: Mas, professor, ainda sobre esse assunto, como é que o senhor vê então esse renascimento da fé?

Esther Hamburger: Um reencantamento do mundo.

Matinas Suzuki: E a retomada dos fundamentalismos, quer dizer, a volta da presença da questão religiosa como uma dimensão importante da vida contemporânea.

José Arthur Giannotti: Em primeiro lugar, eu queria saber se realmente é uma volta ou se esse processo não ficou muito subjacente e muito presente em toda a vida cotidiana.

José Genoino: Estava apenas represado?

José Arthur Giannotti: Eu não digo represado, não estava apenas sendo expresso. De certo modo, a inteligência e a mídia se tornaram muito leigas e deixaram de exprimir esse movimento religioso que sempre existiu em todo lugar. Mais ainda, eu acho que todo movimento científico a partir do final do século XIX adquiriu um caráter religioso de enorme importância. Eu não sei se ainda existe no Rio de Janeiro a missa tradicional de domingo às 10 horas da sociedade positivista brasileira, mas eu já assisti há anos atrás essa missa. Ora essa missa era... um dia fui lá com o Cruz Costa, que tinha acabado de publicar o seu livro sobre positivismo no Brasil, e foi extremamente extraordinário. Porque eu cheguei lá... uma igreja, aliás, um dos monumentos mais extraordinários do Rio de Janeiro, uma igreja feita inteiramente de acordo com os cânones de Auguste Comte [(1798-1857), filósofo e sociólogo francês, fundador do positivismo] com os bustos da humanidade, o quadro de Clotilde de Vaux [(1815-1846), jovem francesa pela qual Comte se apaixonou e a quem dedicou sua importante obra O sistema de política positiva, publicada em 1851] como se fosse a Virgem Maria. E eu vi simplesmente o pastor dar numa cerimônia religiosa a explicação da classificação das ciências de Comte. Ora esta é uma forma encantada da ciência ou é uma forma científica da ciência? O que existe de encantamento na ciência contemporânea é enorme - só para terminar - e, portanto, o que aparece nesse reencantamento do mundo, eu tenho a impressão que é muito mais uma laicização das religiões tradicionais, porque mais religioso do que um computador para uma criança de cinco ou seis anos hoje... eu tenho a impressão que eles se relacionam de uma forma muito mais sagrada com o computador do que nós, na nossa juventude, com os nossos santos.

Gerardo de Mello Mourão: Giannotti, eu posso interferir um pouco? A propósito dessa coisa ciência e religião, eu vou contar uma anedota. Eu, na aventura de correspondente da Folha de S. Paulo em Pequim, durante dois anos e meio, fiz uma vez uma entrevista com um professor paquistanês que apareceu em Pequim e que havia ganhado o prêmio Nobel de física [1979], doutor Abdus Salam [(1926-1996)]. Em uma entrevista coletiva, jornalistas etc, um jornalista americano perguntou: “O senhor é muçulmano”? Ele respondeu: "Sim, senhor, muçulmano e muçulmano fundamentalista”. “O senhor tem quantas mulheres”? “Só tenho quatro porque eu não posso ter mais que quatro mulheres”.  “Mas o senhor não acha que essa... como é que o senhor é muçulmano? O senhor é um cientista, um homem que ganhou um prêmio Nobel, tem quatros mulheres, é muçulmano, e como é que o senhor pode conjuminar a sua religião com a sua ciência?” Ele disse: “Que ciência? De que ciência o senhor está falando? Da ciência de hoje, da ciência de dois mil anos atrás ou a ciência que virá daqui a dois mil anos?” Se vê que a ciência é ainda uma busca permanente do homem, a ciência não é uma verdade pétrea e dogmática, ao passo que as religiões são permanentes no coração daqueles que tenham fé, da fé de cada um. Portanto temos aí exemplos fabulosos aí, do estado de Israel que existe aí, o povo de Israel não é fruto do dinheiro, do poder, do poder judaico, da inteligência dos judeus, da tecnologia. O estado de Israel está vivo e o povo judeu está vivo graças a Ezequias, Jeremias, Ezequiel e Daniel e aos profetas que sustentaram a chama de uma vida permanente no coração daquele povo. Sem essa fé, sem essa crença, sem esse Deus que os sustenta, eles não existiriam.

Oliveiros S. Ferreira: Mas, voltando, Giannotti, eu me pergunto há pouco, não de religião, mas de Deus, como é que você vê a inquietação dos físicos modernos, que de repente não conseguem explicar as coisas, a não ser apelando para alguma coisa? Não se trata de positivismo, hein?

José Arthur Giannotti: Não, veja, eles não estão de forma nenhuma....

Oliveiros S. Ferreira: Estão inquietos.

José Arthur Giannotti: Inquietos eles estão.

Oliveiros S. Ferreira: E às vezes não sabem.

José Arthur Giannotti: Mas eles não estão apelando a Deus como hipótese científica.

Oliveiros S. Ferreira: Não, eu digo “a não ser apelando”.

José Arthur Giannotti: Certo, mas aí eu gostaria também de fazer uma distinção wittgensteiniana entre aquilo que, por exemplo, um físico faz enquanto cientista ou o matemático faz, e a prosa que ele tem quando conta aquilo que faz. Por exemplo, logo depois do desenvolvimento da teoria de conjunto, nada mais extraordinário para deixar as pessoas diante de um mistério do que os paradoxos das teorias dos conjuntos, ou como conseqüência direta, por exemplo, o cálculo dos vários infinitos. É absolutamente extraordinário, aquilo que era infinito de repente pode ser clivado, pode ser numerado, pode se ter uma lógica desses infinitos. Os matemáticos se tornam ou platônicos por causa disso ou empiricistas. Isso tem alguma coisa a ver com o núcleo da ciência? Tem, em relação à possibilidade de um platônico ter mais sensibilidade para certos problemas do que o empiricistas, mas a ciência como tal não tem nada a ver com isso. Portanto, não vamos confundir a inquietação dos nossos ilustres físicos a respeito do Big Bang [teoria da ciência que explica a origem do universo], ou com as teorias que eles estão fazendo. E eu não compartilho com essas inquietações porque as minhas inquietações a respeito da transcendência não implicam em nenhuma substancialização de um ente divino.

Matinas Suzuki: Professor Giannotti, o deputado Genoino estava reclamando da discussão sobre o Planalto, e eu tenho aqui a pergunta de Roger Marzoqui de Americana, do Nairo Almeri, que é jornalista de Salvador, e do José Rosa, que é de Brasília, todos eles perguntando sobre o governo Fernando Henrique. Como lembrou Fernando de Barros, o senhor foi um dos intelectuais que veio a público manifestar apoio à candidatura do Fernando Henrique Cardoso, que é seu amigo e seu companheiro de várias lutas dentro da universidade e pela redemocratização do Brasil. Nós temos agora mais ou menos um ano de governo Fernando Henrique. Qual é o balanço que o senhor faria, o que avançou, o que não avançou na sociedade brasileira, o que falta fazer, quais são os pontos positivos e, sobretudo, os negativos do governo Fernando Henrique?

José Arthur Giannotti: Eu começaria dizendo o seguinte. O governo Fernando Henrique foi nitidamente um governo que foi eleito pelo Plano Real. Ao ser eleito pelo Plano Real e tendo organizado, tendo montado o Plano com uma determinada equipe econômica, era inevitável a continuidade dessa equipe, ou pelo menos a predominância dessa equipe, na condução da política econômica do governo. Nós sabemos também que um plano de estabilização não é um plano que se resolve em dois, três anos; nós sabemos que todo plano implica um processo de cinco, seis anos de trabalho governamental. Nós sabemos também que, do ponto de vista político, um governo não pode se identificar com aquilo que ele fez no passado, portanto o Plano Real aparece politicamente como um resultado do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e o governo se vê na obrigação de se apresentar com alguma face nova para que ele possa mudar.

José Genoino: Giannotti, desse ponto aí pegando o futuro. Nós temos uma definição do presidente Fernando Henrique Cardoso numa entrevista à revista Esquerda 21 [número 2, jan-fev de 1996], dizendo que nunca foi neoliberal. Tem uma entrevista sua em que você critica, você fundamenta a necessidade de uma reforma do Estado para que tenha um Estado enxuto, mas fortes políticas sociais. Como você avalia a questão das políticas sociais neste governo? É meramente compensatória para amenizar a desgraça social, a perversidade social ou é eixo de um programa de governo? Como é que você avalia as políticas sociais desse governo, pensando no futuro, tem o Plano Real e as políticas sociais?

José Arthur Giannotti: Você pulou a minha conclusão, deixa eu terminar o que eu estava falando.

José Genoino: Aí você já pega.

José Arthur Giannotti: O que eu estava dizendo é o seguinte: a política do governo, antes de tudo, é uma política de estabilização. Nós sabemos que um plano de estabilização tem problemas, o primeiro deles é bolha de consumo [aumento excessivo do consumo devido às facilidades de obtenção de crédito], isso já veio. Em segundo lugar, é a questão terrível do reajustamento do sistema bancário, isso já veio. E o governo, embora tenha pago um preço financeiro e político muito alto, enfrentou a questão, pagou muito, mas em compensação a Venezuela....

José Genoino: Um preço altíssimo, inclusive com sua crítica né?, num primeiro momento...

José Arthur Giannotti: Não, mas em compensação, se não tivesse feito isso, nós podíamos ter um efeito mexicano em que houve simplesmente uma perda de 15% do PIB. Imagine só o que significaria para a população brasileira o empobrecimento de 15% do PIB ou 12% do PIB como aconteceu na Venezuela. Portanto, se o preço foi alto, se de certo modo o governo foi lento na resolução dessa questão, pelo menos ele enfrentou. O terceiro problema nós sabemos qual é: o problema do desemprego. Todos os planos de estabilização levam não justamente a esse desemprego estrutural, do desenvolvimento das novas tecnologias, mas um desemprego necessário para...

José Genoino: Conjuntural, portanto.

José Arthur Giannotti: Conjuntural, para dar logística da abertura da economia, portanto é esse o problema que o governo está tentando equacionar agora. Eu tinha dito que, no início do governo, a predominância de certo modo de uma equipe governamental - eu diria assim dos pucianos [da PUC, Pontifícia Universidade Católica] do Rio de Janeiro, que têm uma tendência neoliberal - era mais ou menos inevitável. Aos poucos, o próprio governo começou a se confrontar com uma oposição interna dos desenvolvimentistas. Está claro hoje que nós temos na discussão da política econômica - e eu com o próprio Genoino estávamos discutindo na relação da previdência....

José Genoino: É a disputa Serra-Malan?

José Arthur Giannotti: A disputa Serra-Malan. Mas é evidente porque essa disputa não é evidentemente apenas uma disputa entre personalidades e fatias o poder. Trata-se de visões diferentes do processo da economia. E quando a gente fala com o presidente da República “como é que você enfrenta essa posição?” ele diz “Bom, se esta oposição é ideológica, eu só posso fazer uma coisa, eu não posso ideologicamente decidir por esta ou por aquela condição, por esta ou por aquela solução" Por quê? "Eu, na condição de magistrado e de governante, sou obrigado a, conforme as posições vão sendo desadaptadas, eu preciso introduzir novos fatores”. Portanto nós estamos assistindo no governo hoje aquilo que eu já sempre tinha dito: o governo vai ser essencialmente um governo pendular. Ele vai de um lado para políticas mais sociais, desenvolvimentistas, de outro lado ele vai encontrar formas de choque liberal, e isso vai depender não só do governo, mas do desenvolvimento do próprio sistema político, de como o Congresso passa por reformulações e, mais ainda, como é que na sociedade essas forças vão se alinhando a essa ou aquela solução. Daí, a meu ver, a enorme importância do bom desempenho das esquerdas. Outro dia, um ex-aluno meu estava caçoando de mim dizendo: “O Giannotti agora está atribuindo o neoliberalismo no governo à impotência das esquerdas, como se o trabalho fosse nosso”. Primeiro, vamos dizer francamente. Esse governo neoliberal, isso é brincadeira! Porque o último episódio, por exemplo, da decisão importante, se o Brasil ia simplesmente se tornar um país importador de carros ou se ia ter uma indústria automobilística implantada no país, nós recuamos de tudo que era manual neoliberal, se fizeram alíquotas de importação, voltou-se a restrições. E o resultado: a Toyota se instala no Brasil, a Mercedes Benz está aí, a Volkswagen vai investir não sei quanto. Portanto, essa decisão, se é uma decisão liberal, eu não sei onde ela é. Portanto, o governo nunca foi neoliberal, ele é pendular, isto sim. Ele fez um corte pela direita? Fez. Eu acho que era a única possibilidade.

Fernando de Barros e Silva: Esse pêndulo não está relutando demais em ir para a esquerda? Esse governo não está se caracterizando como um governo de centro-direita neste primeiro ano?

José Arthur Giannotti: Foi. Agora o problema é o seguinte. Você vê condições para dentro dessa lógica do possível, que é a lógica do governante ir para a esquerda mais do que ele pode, do que ele queria.

Fernando de Barros e Silva: Eu penso, por exemplo, na questão agrária. O que poderia ser feito, essa prisão da Deolinda [Deolinda Alves de Souza, mulher de José Rainha, um dos líderes do Movimento Sem Terra, condenada a dois anos e oito meses de prisão por formação de quadrilha, no dia 10 de setembro de 2003; ambos foram libertos depois da concessão de habeas corpus]. Não é frustrante, Giannotti, para uma pessoa que combateu o regime militar, que sempre defendeu o estado de direito e até para o próprio Fernando Henrique que está nesse movimento de redemocratização do Brasil, como ele deve agir hoje em dia, não é frustrante?

José Arthur Giannotti: Eu acho mais frustrante é termos o sistema judiciário que nós temos.

Fernando de Barros e Silva: Mas vai atribuir tudo ao sistema judiciário? Não é uma questão do executivo, o executivo não poderia intervir?

José Arthur Giannotti: Eu não creio que nenhum presidente da República deva determinar a soltura...

Gerardo de Mello Mourão: Eu acho muito saudável que o governo seja pendular. O Fernando Henrique... e até eu não concordo em geral. Eu venho de uma geração que sofreu muito, eu fui exilado, com o Fernando Henrique no Chile. Vivi no Chile por dois anos e meio etc e tal. Mas acho muito salutar esse comportamento pendular dele diante da realidade brasileira porque, inclusive, não é ético, absolutamente o Estado não é ético. Eu me lembro que no tempo de Delfim [Antônio Delfim Neto (1928-), economista e político paulista, foi ministro da Fazenda do governo Costa e Silva, em 1967, período (militar) em que se se iniciou o chamado "milagre econômico brasileiro"], no dia em que ele foi acusado da prática de não sei o quê...

José Arthur Giannotti: Vai que não... não seja muito aético.

José Genoino: Também aético vai dar em CPI do orçamento, impeachment, vai dar em CPI do...

Gerardo de Mello Mourão: Ele disse:  “O Estado é aético”. O estadista tem que ser ético, o Estado não;  o Estado não tem ética, a ética do Estado é uma coisa dogmática. O estadista deve ser um homem ético, mas o Estado não tem dogmas permanentes. Maquiavel criou o Estado ético, Mussolini [Benito Mussolini (1883-1945), ditador italiano que governou a Itália no período de 1922 a 1943, fundou o Partido Fascista] criou o Estado ético o... a União Soviética criou o Estado ético. Mas o Estado não deve ser ético, o Estado ético é o que tem dogmas esmagadores, permanentes e irremovíveis. O estadista tem que ser ético no seu comportamento. Eu acho que o presidente está sendo, como estadista, ético ao ser pendular e ao recusar implantar um Estado ético no sentido do Estado que tem dogmas permanentes daquilo que é correto ou não.

José Arthur Giannotti: Mas deixa eu fazer uma crítica ao governo Fernando Henrique então...

José Genoino: Você já fez várias.

José Arthur Giannotti: A visão que Fernando Henrique tem da política, eu reconheço, acho que ela tem sido extremamente eficaz. Mas, por meu temperamento, nem sempre eu tomaria as decisões que Fernando Henrique tomou. Eu me lembro perfeitamente uma vez na casa de um amigo, onde Genoino e eu estávamos falando a respeito da composição ministerial, você se lembra, Genoino?

José Genoino: Lembro.

José Arthur Giannotti: E nós dizíamos o seguinte: em vez de fazer essa negociação que o Fernando está começando, nós achávamos que era muito mais interessante criar um ministério exemplar e fazer com que as forças políticas pudessem se aglutinar em relação a esse ministério exemplar. Não foi o caminho que o Fernando Henrique seguiu. Afinal de contas, eu entendo perfeitamente, ele tem suas razões, ele tem essa sabedoria política que eu não tenho, essa sabedoria o levou à Presidência da República e essa mesma sageza [qualidade de quem é sábio] me leva ao meu gabinete, ao Cebrap, mas isso não significa...

Gerardo de Mello Mourão: Sofrer a história.

José Arthur Giannotti: Como?

Gerardo de Mello Mourão: Sofrer a história em vez de fazer a história.

José Arthur Giannotti: É, sofrer a história, pensar a história.

Gerardo de Mello Mourão: É fecundo, o seu gabinete é altamente fecundo.

José Arthur Giannotti: Acontece o seguinte: isso não significa que os nossos entusiasmos e as nossas impaciências não se manifestem, inclusive publicamente.

Matinas Suzuki: Por favor, ainda para continuar um pouco sobre esse assunto, o que você achou do acordo feito com a CUT [Central Única dos Trabalhadores], da negociação direta com a CUT? Houve quem tenha visto nesse processo uma maneira de passar por cima do parlamento, de sair do parlamento, e houve críticas nessa direção. O que o senhor achou desse episódio todo e qual o balanço, qual o saldo do episódio todo para você?

José Arthur Giannotti: Eu acho que o saldo foi extremamente positivo. Eu assisti o excelente programa do Vicentinho [Vicente Paulo da Silva, importante líder sindical da década de 90, foi duas vezes presidente da CUT] no Roda Viva, e vi como ele, de certo modo, engoliu todas objeções. E eu diria o seguinte. Em primeiro lugar, há uma incoerência das esquerdas quando elas dizem o seguinte: se nós, no processo de representação, devemos ampliar essa representação, ir além da representação parlamentar, então, reforçar essa negociação direta com os organismos da sociedade civil me parece a conseqüência imediata dessa posição. Portanto, reclamar que o governo e as sindicais comecem a negociar separadamente não significa isso de forma nenhuma que o Congresso está sendo posto de lado. Significa que outros mecanismos de representação e de formulação de interesses começam a aparecer na sociedade brasileira, eu acho isso extraordinário.

José Genoino: Até porque o Congresso se omitiu num determinado momento.

José Arthur Giannotti: Bom, mesmo se ele não tivesse se omitido.

José Genoino: Claro, você tem razão, até porque... aí é interessante, Giannotti, um problema. Como você tem sido um estudioso da questão da representação política, a relação do presidente Fernando Henrique Cardoso com o Congresso Nacional é uma relação que eu critico. Uso e abuso de medida provisória, o rolo compressor em determinadas questões que não tem cabimento, uma base parlamentar desorganizada programaticamente. Como o governo não dá destaque a alguns itens da reforma política? Você não acha que isso é uma lacuna nesse processo de modernização do país?

José Arthur Giannotti: Eu acho.

José Genoino: Por exemplo, o sistema eleitoral, essa questão da reforma do poder judiciário, essa questão da representação do Congresso, não que seja iniciativa do governo, mas não é uma grande negociação com o Congresso?

José Arthur Giannotti: Eu pergunto o seguinte. Você que conhece bem o Congresso. Se o governo tivesse entrado, posto, ou melhor, dado prioridade a essas questões, ele teria conseguido manter alguma base parlamentar para as outras reformas? Veja só. Um problema que é absolutamente fundamental é a sub-representação do sul do país. Eu queria saber se nós colocássemos essa questão hoje, que celeuma nós teríamos e que, de certo modo...

José Genoino: Racha a base parlamentar do governo.

José Arthur Giannotti: Não só racha a base parlamentar do governo, nós vamos ter simplesmente aí dois ou três anos de discussão do problema político e não fazemos mais política. Portanto eu não sei se o governo está tão errado assim em deixar essas questões para depois e começar a reforma pela borda e comê-la como se fosse um mingau.

Fernando de Barros e Silva: Giannotti, qual a sua posição a respeito de reeleição? Da emenda da reeleição?

José Arthur Giannotti: Do ponto de vista da própria lógica dessa Constituição, nós sabemos perfeitamente que essa Constituição foi inicialmente organizada para ser parlamentarista, de repente houve uma virada, ela virou presidencialista; os quatro anos eram para ser postos como primeira etapa e depois parar na reeleição. Isso ficou barrado, portanto essa questão precisa ser colocada ou, ao menos, poderia ou deveria ser colocada ao nível teórico, mas acontece que ela não vai ser nem colocada e nem discutida no nível teórico. Ela vai ser discutida essencialmente como o quê? Como um confronto de forças políticas.

José Genoino: Aí, Giannotti, como é que fica o problema? E você, como filóloso, a idéia do Bobbio [Norberto Bobbio (1909-2004), cientista político italiano] que é fundamental, é que as regras do processo não podem ser alteradas durante o jogo. Há a estabilidade das regras. Se altera a reeleição para quem já está exercendo o mandato, prefeitos, governadores e presidentes, isso não é uma incoerência em quem - na sua concepção, [com] que eu concordo - dá tanta importância à legitimidade da representação política e das regras? Quer dizer, a reeleição para o futuro tudo bem, mas para os atuais detentores de mandato não chega a ser um casuísmo?

José Arthur Giannotti: Eu acho que é casuísmo, mas também é casuísmo defender a idéia de que a reeleição só vale para os próximos mandatos porque também isso, além de argumento, tem interesses muito precisos.

Oliveiros S. Ferreira: Mas Giannotti, você deve ter...

José Arthur Giannotti: Deixa eu terminar. O que nós devemos lembrar é que nós não estávamos num sistema de estabilidade das regras, nós estávamos num processo de extrema mudança da própria Constituição, que inclusive previa uma mudança depois de cinco anos, uma mudança que foi impossível de ser discutida por casuísmos políticos, o resultado....

José Genoino: [interrompendo Giannotti] Principalmente por iniciativa dos governadores que queriam a reeleição para 1994.

José Arthur Giannotti: Claro, isso. O que acontece é o seguinte, Genoino. Acusar o governo de casuísta em relação à reeleição é...  Acho perfeitamente claro e justo, desde que se acuse os oponentes de casuístas, quando não querem a reeleição dos atuais mandatos, porque a situação virou de tal forma casuística que nós vamos ter mesmo uma discussão casuística e um confronto de forças.

Daniel Piza: Por que ninguém pensa num plebiscito?

José Arthur Giannotti: Porque eu não creio que um plebiscito possa decidir questões dessa ordem. O plebiscito pode ser uma forma de consulta que pareça popular e no fundo ela pode ser extremamente autoritária. Isto é, nós, num plebiscito, por uma questão em que detalhes de representação vão ser decididos, vamos dar uma enorme importância ao casuísmo da mídia, uma enorme importância aos líderes que virão dizer aquilo que lhes interessa publicamente.

Daniel Piza: Mas isso faz parte do jogo político.

José Arthur Giannotti: Da mesma forma que faz parte do jogo político decidir isso pelo parlamento. Então eu acho o seguinte, eu acho o seguinte...

Daniel Piza: Mas não é mais legítimo uma vez que tem esse jogo de casuísmos?

José Arthur Giannotti: Eu digo o seguinte. Do ponto de vista do direito, seria importante separar a discussão...

Oliveiros S. Ferreira: [interrompendo Giannotti] Exatamente, é isso que eu ia perguntar. O Saulo Ramos disse que, do ponto de vista do direito constitucional, votar agora e o agora significa até outubro, a emenda de reeleição, é impossível, porque a Constituição determina que as regras para uma eleição deverão ser feitas...

José Genoino: Um ano antes.

Oliveiros S. Ferreira: Um ano antes. Então, até outubro tem que estar pronta a emenda e a lei.  É possível Genoino? [risos]

José Genoino: Não é possível.

José Arthur Giannotti: Bom, neste caso é o seguinte...

Esther Hamburger: Então vamos mudar um pouco de assunto. [risos]

José Genoino: Só se for com muito casuísmo.

José Arthur Giannotti: Se o governo for nessa, então o Supremo [Tribunal Federal], que de vez em quando tem que se mostrado de forma mais independente, que corte a lei. A situação entrou para um casuísmo de todos os lados, e eu como analista não vou cair e dizer esta situação...

José Genoino: [interrompendo Giannotti] A diferença, Giannotti, é que o casuísmo para o momento em que o povo vai eleger o governante sabendo que ele tem direito à reeleição, é diferente do momento em que o governante está no mandato, porque o povo vai eleger um sabendo que ele tem direito à reeleição. A legitimidade do mandato está resguardada no ato da eleição do futuro candidato que vai disputar a reeleição. Essa é a diferença básica.

José Arthur Giannotti: Essa diferença, a meu ver, é casuística também. [risos]

Oliveiros S. Ferreira: Isso é o que se chama vã filosofia.

José Arthur Giannotti: Você sabe muito bem que a maioria do eleitor quando vota não vota pensando nos quatro anos ou nos cinco anos. Ele vota numa forma de delegar poder a uma pessoa que vai resolver questões; da sua legitimidade, ele está pouco ligando se este mandato é de "n" [referindo-se a um número indefinido de] anos. Você sabe que é essa a situação e que, portanto, o resto é casuísmo.

Esther Hamburger: Eu queria mudar um pouco de assunto. Você podia falar um pouco sobre o seu interesse em estudar a moral. Tem nesse dossiê que a gente recebeu [referindo-se ao documento entregue pela produção do programa aos entrevistadores] uma entrevista no JB [Jornal do Brasil] que é bem interessante, que fala do exarcerbamento do individualismo, do narcisismo no mundo contemporâneo, que fala do escancaramento da intimidade no espaço público e de como que a moral é estabelecida em cada relação. Você podia falar um pouco disso?

José Arthur Giannotti: Não, calma, calma. Você está apressando o meu pensamento, e ele é sempre vagaroso. Pelo menos a tese que eu estou tentando sustentar é que, ao contrário das situações de moralidade onde valia, onde tinha vigência a moralidade clássica, não é possível hoje determinar um único princípio moral que valha para todos os comportamentos. E que essa distinção entre o bem e o mal, hoje, está polarizada por três pontos. Um ponto é o da intimidade, o ponto da relação estritamente pessoal em que o outro não aparece como uma pessoa organizada, como tendo um papel, mas que você o aceita como tal como se ele fosse uma fissura do mundo, como uma angústia, como queria o Kierkegaard [Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855), filósofo dinamarquês que criou os conceitos de Estado estético, Estado ético e Estado religioso para melhor entender o homem de seu tempo] . Essa é uma forma extrema de moralidade. O outro ponto da moralidade é a amizade, em que nós temos papéis organizados, mas papéis de tal forma em que aparece afeto, aparece interesse e aparece uma coisa muito extraordinária na amizade moderna. Primeiro, ela não está inteiramente ligada à virtude, nós podemos ser amigos de pessoas não virtuosas, uma coisa que era absolutamente inconcebível na moral antiga. E nós admitimos até ser amigos de pessoas que mantém conosco uma amizade por interesse, diferente da amizade que nós mantemos. E temos um outro ponto, que é muito importante, que é a moralidade pública. Todas essas, principalmente as duas formas de moralidade, são muito ligadas a um determinado tipo. O juízo moral não é o juízo que se faz como juízo científico, em que a gente diz “é correto”, “é incorreto”, a partir de processos de verificação. Nós sempre temos no juízo moral a apresentação de um tipo, isso a gente sabe desde Aristóteles. Para julgar moralmente eu preciso ter a figura de Péricles como o sábio, o homem prudente que é capaz de agir desta ou daquela maneira, isto é, nós só agimos moralmente em relação a um determinado tipo de homem.  No caso da moralidade pública isso é levado à exacerbação, porque nós não julgamos que este ou aquele comportamento de uma pessoa que está na praça pública seja moral ou imoral, se nós não projetarmos um determinado tipo ou vários tipos, hoje, daquilo que corresponde ao homem público. Nós pedimos que o deputado tenha um determinado comportamento e é em relação ao tipo deputado que as ações do Genoino vão ser julgadas ou não. Pede-se que o intelectual que venha à praça pública tenha um tipo de comportamento e que esse comportamento seja julgado em relação a esse tipo e assim por diante.

Matinas Suzuki: Professor Giannotti, sobre essa questão, o senhor recentemente foi muito corajoso ao defender publicamente um fato da sua vida privada.

José Arthur Giannotti: Não defendi não, eu expliquei.

Matinas Suzuki: Não defender, expor publicamente, desculpe, um fato que estava relacionado à sua vida privada e houve uma manifestação bastante corajosa de sua parte. O mundo contemporâneo, o senhor acha que perdeu muito  essa fronteira entre o público e o privado? Partindo desses três raciocínios que o senhor estava fazendo, se desfigurou demais, é difícil perceber o limite, a margem e o rio nessa questão?

José Arthur Giannotti: Não, eu acho que, de fato, não há margens. O que existe, a meu ver, são dois vetores contraditórios e muito fortes. Em primeiro lugar, uma enorme defesa da privacidade, e todos nós não estamos dispostos a abrir mão da nossa privacidade. Todos nós não. Existem narcísicos praticantes, que se despem publicamente e o fazem da forma mais despudorada. Mas uma boa parte das pessoas que nós conhecemos ou nós sabemos que existem, estão muito cientes de que a vida privada é um valor que deve ser preservado. Em compensação, nós temos um outro vetor, o vetor que é da desprivatização da vida pessoal. E a mídia nesse ponto de vista tem exercido um papel extremo de invasora da privacidade. Programas como Aqui Agora [telejornal sensacionalista então exibido pelo SBT] ou certos programas desse Sílvio Santos são elementos, são aríetes na privacidade das pessoas. Eu passei agora umas semanas na Itália e fiquei absolutamente abismado com o baixo nível da televisão italiana. E, em segundo lugar, como aparece uma televisão que apela, sobretudo, para o baixo ventre, e é tudo melodramático, tudo é de tal forma operístico que até mesmo o anúncio de uma comida de gato é feita pelo melodrama.

Esther Hamburger: Giannotti, deixa eu falar.

José Arthur Giannotti: Deixa eu terminar um pouquinho. Eu nunca vi, a não ser em alguns momentos muito especiais, em programas brasileiros, uma invasão da privacidade como eu vejo na televisão italiana nos últimos dias. Há esse conflito, e esse conflito vai atender a um certo compromisso. E é importante que a gente saiba como defender a nossa privacidade, é importante saber quais são as regras morais da mídia e dos outros invasores.

Esther Hamburger: Do jeito que você está falando da mídia parece que não existe uma cumplicidade com as pessoas que participam dos programas, e vão lá e...

José Arthur Giannotti: Há certas pessoas, como dizem os narcísicos profissionais, que adoram ter os seus 15 minutos de celebridade e que são capazes de se despir em público, o que eu digo é o seguinte. O que nós não podemos é simplesmente generalizar esse comportamento e imaginar que toda a população esteja sob esse impacto.

José Genoino: Você vê algum caminho para institucionalizar garantias de direitos individuais no sentido do indivíduo, dos direitos individuais na relação com o Estado e na relação com o privado? Você vê algum caminho para se institucionalizar normas de preservação dos direitos individuais nesse sentido?

José Arthur Giannotti: Eu não sei qual é o receituário disso, mas evidentemente, por exemplo, eu não gostaria de chegar aos exageros do sistema jurídico americano, em que tudo passa por processos e por julgamentos no tribunal. Mas eu tenho a impressão de que se nós tivermos um sistema jurídico mais atento às nuances das nossas individualidades, e que nós possamos pedir aos juízes que venham defendê-las, eu tenho a impressão que nós ganharemos muito mais.

Fernando de Barros e Silva: Giannotti, sua amiga e primeira-dama, Ruth Cardoso [esposa do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso], defendeu, a semana que passou, no Programa Livre [exibido pelo SBT, no período de 1991 a 2001], do Sérgio Groisman, a descriminalização da maconha. Duas questões. Eu queria saber a sua posição e se você acha que é um avanço que a primeira-dama do país defenda publicamente essa posição?

José Arthur Giannotti: Acho que é um avanço que a primeira-dama defenda essa posição.  Essa descriminalização não é simples. Eu gostaria de ver como é que outros lugares, que tiveram essa experiência, resolveram o problema e quais outros problemas aparecem. Isto é, eu acho que simplesmente o fato de nós nos propusermos a descriminalizar  o uso de determinadas drogas é um avanço para a discussão e para a solução. Não significa que nós tenhamos que imitar este ou aquele país e passarmos para uma total liberação.

Matinas Suzuki: Professor Giannotti, o senhor que refletiu bastante sobre a questão do trabalho, alienação do trabalho e também estudou bastante Marx, nós tocamos numa questão que tem uma base conjuntural no Brasil, mas também nós sabemos que no mundo é um fenômeno que se manifesta de uma maneira chamada estrutural, que é a questão de que, com o aumento da produtividade da eficiência na economia, criou-se uma gama enorme de bens de consumo que não são necessariamente bens de primeira necessidade ou artigos necessários à sobrevivência do homem, criando, nesse processo, uma brutal e até agora insolúvel força de desempregados no mundo. Essa eu acho que é uma das questões contemporâneas que mais tem desafiado os economistas, os partidos de esquerda, os sindicalistas etc e tal. O senhor tem refletido sobre essa questão, o que o senhor acha desse processo, o senhor acha que há alguma solução engendrada nesse processo para esse tipo de...?

José Arthur Giannotti: Esse processo é altamente complicado, está ligado a superfícies particulares das economias, está ligado a determinados momentos do próprio processo do desenvolvimento e assim por diante. Em geral, eu gostaria de dizer o seguinte. Em primeiro lugar, a enorme produtividade do trabalho hoje fez com que se tornasse possível nós trabalharmos muito menos e termos muito mais lazer. A enorme diversificação dos produtos fez com que nós pudéssemos ter uma relação de consumo que não seja simplesmente uma relação de se chafurdar nas inutilidades. O fato de nós termos uma cultura à disposição, nós termos uma história da música, tudo isso ao meu ver traz uma virtualidade enorme para uma futura civilização. Não significa que nós tenhamos sabido resolver essas questões, pelo contrário. O shopping center continua a ser um dos símbolos da imbecilização humana, mas eu acredito que, como o velho Marx, o desenvolvimento do capital é contraditório; ao mesmo tempo que ele pode criar as forças mais terríveis de dominação, ele também libera. E eu vejo, portanto, nessa forma de consumo moderno e na forma de desperdício do trabalho moderno, virtualidades que permitem que novas formas de civilização apareçam, e isso é importante assinalar.

José Genoino: Giannotti, dentro desse ponto em que Marx analisou... o exército de reserva no século XIX, hoje não tem mais exército de reserva, tem um exército de deserdados que não são reservas de nada. É o apartado socialmente, não tem identidade, não tem emprego, não tem onde morar. Como enfrentar esse batalhão, essa horda humana de gente que está excluída, e vai para o morro, é narcotráfico, é crime organizado, é na rua... Como que é esse problema, porque não é mais exército de reserva, como o velho Marx dizia? É um exército de excluídos que nunca vão se incluir, como é que resolve esse problema?

José Arthur Giannotti: Eu perguntaria o seguinte. Antes de como, quem vai enfrentar. Essa é a questão maior.

Oliveiros S. Ferreira: O intelectual e o político.

José Arthur Giannotti: Isso eu não creio.

Oliveiros S. Ferreira: O intelectual escreve sobre o assunto e o político põe em prática.

José Arthur Giannotti: Isso. Eu não tenho...

José Genoino: Você continua ortodoxo com a forma marxista, né?

Oliveiros S. Ferreira: Exatamente, eu num primeiro lugar....

José Arthur Giannotti: Mas eu sempre desconfiei...

Oliveiros S. Ferreira: O excluído não é exército industrial de reserva.

José Arthur Giannotti: Eu sempre desconfiei que o Oliveiros, da nossa geração, foi o mais marxista alienista, pelo menos trotskista ele sempre foi. [risos] Da mesma maneira que esse exército de excluídos do sistema, esses deserdados do sistema capitalista estão sem horizonte, eles começam a tecer entre eles formas diferentes de sociabilidade. Nós temos isso. Eu não creio, não me passa pela cabeça, talvez por otimismo, que a gente vá ser uma enorme Índia sem nenhuma solução. É impossível que o mundo, embora caminhe para isso, não encontre formas diferentes de sociabilidade, de representação e de forma política de pressão para que esses excluídos apareçam na cena internacional.

José Genoino: Aí eu sou otimista como o intelectual; como político, eu sou otimista com o seu pensamento, concordo com ele.

Esther Hamburger: Eu queria falar um pouco de universidade que está acabando o programa e a gente não falou. Está em discussão uma lei nova de diretrizes e bases para a qual Darcy Ribeiro [(1922-1997), antropólogo, escritor e político brasileiro, notabilizou-se por trabalhos desenvolvidos nas áreas de educação, sociologia e antropologia] fez um substitutivo, propondo que 51 % do corpo docente seja composto de professores com título de mestre ou doutor, e agora o senador...

Oliveiros S. Ferreira: Isso caiu.

Esther Hamburger: É isso que eu estou querendo discutir. Isso aí caiu e os cursos de extensão foram equiparados ao título de mestrado e doutorado. Como é que você vê isso aí?

Matinas Suzuki: Eu só queria pedir permissão para lembrar que essa questão também é enviada aqui pelo nosso telespectador Márcio Campos, de Curitiba.

José Arthur Giannotti: Eu acho que o governo, com as suas razões, retardou bastante a questão da reforma universitária. Não só a questão da reforma universitária está atrasada, mas tem uma questão maior ainda que são questões de financiamento de pesquisa e que estão, a meu ver, extremamente à margem da preocupação fundamental do governo hoje. Ele não pode enfrentar todos os problemas, mas eu como intelectual, peço mais pressa para a solução dessas questões. O ministro [da Educação] Paulo Renato conseguiu formular de uma maneira mais ou menos precisa o que fazer com o ensino básico, e se nós conseguirmos implementar algumas dessas decisões, nós, em dez anos, teremos uma boa reforma da educação no Brasil. Antes disso é ingênuo pensar que se possa fazer alguma coisa. Sobra a questão das universidades; questão delicada e que não pode ser tratada às pressas. Porque simplesmente meter o pau nas universidades privadas ou sacrificar as universidades federais porque elas não têm um desempenho comparável às três universidades paulistas, que todos nós sabemos são responsáveis por 50% da produção científica do país, é primeiro impor um determinado modelo de universidade que pode valer para determinadas situações ou determinadas regiões, mas não pode valer para todo país. Segundo lugar é não reconhecer que a universidade, hoje, no mundo moderno, tem funções muito diversas, inclusive de formação profissional, e que infelizmente  essa tarefa tem sido cumprida basicamente pelas universidades privadas. Então eu acho que nós precisamos...

José Genoino: Deixa eu fazer uma ligação entre a previdência e a universidade. O que você acha da aposentadoria especial para professor universitário?

José Arthur Giannotti: Eu sou contra.

Matinas Suzuki: Professor, também essa é a pergunta do telespectador Jairo de Souza Araújo Júnior, que é, imagino, daqui de São Paulo.

José Arthur Giannotti: Eu estou aposentado - só fazendo um parêntese - eu estou aposentado desde 84, da Universidade de São Paulo.

José Genoino: Que vigor intelectual, hein!

José Arthur Giannotti: Eu tenho impressão que a universidade me perdeu, pelo menos eu deixei de encher o saco de muita gente na universidade. [risos] É verdade que eu não consegui tirar o pipoqueiro da faculdade de filosofia, mas eu tenho a impressão que eu poderia ter mudado alguma coisa. Acontece que a lógica da aposentadoria individual não é a lógica social, e eu me aposentei e fui para o Cebrap. Agora, eu não acredito que colegas meus ou alunos meus, que estão hoje no vigor da sua vida intelectual, possam ser descartados da vida da universidade.

Daniel Piza: Giannotti.

José Arthur Giannotti: Espera, deixa eu voltar à questão da reforma universitária. Está em curso não só a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Foi um desastre, isso sim, essa equiparação dos cursos de...

Oliveiros S. Ferreira: Especialização.

Esther Hamburger: Extensão universitária com mestrado e doutorado.

José Arthur Giannotti: Isso, se não cair no Congresso, há possibilidade de remediar.

Oliveiros S. Ferreira: Não, desculpe. O projeto original era da Câmara [dos Deputados], foi emendado no Senado...

José Arthur Giannotti: Então não volta mais.

Oliveiros S. Ferreira: A Câmara vai ou aprovar ou rejeitar in totum [na sua totalidade].

José Genoino: Ou rejeita parte.

José Arthur Giannotti: Então só tem uma solução agora: é que o novo Conselho Federal de Educação.

Oliveiros S. Ferreira: Mas está na lei.

José Arthur Giannotti: Não.

Oliveiros S. Ferreira: Está na lei que foi aprovado.

José Arthur Giannotti: Regulamenta o que seja a...

Oliveiros S. Ferreira: Mas está na lei que foi aprovada pelo Senado.

José Arthur Giannotti: Mas não, mas está regulamentado o que é o curso...

Oliveiros S. Ferreira: Vai ser regulamentado o que é o curso de...

José Arthur Giannotti: Então nós temos que apertar o que sejam os cursos.

Oliveiros S. Ferreira: É preciso que a Câmara aprove.

José Arthur Giannotti: É preciso apertar, portanto há possibilidade. Mas a questão da reforma universitária vai entrar em pauta e é preciso que isso não seja simplesmente enfiado pela goela abaixo das universidades. As universidades precisam ser convencidas a aderir ao novo sistema, é preciso que haja um racha político na universidade para isolar a corporação e a fim de que a reforma seja ela mesma um processo de reformação das vidas acadêmicas, isso é fundamental. Portanto nós temos aqui uma tarefa absolutamente essencial para os próximos meses.

Matinas Suzuki: Professor Giannotti, infelizmente nosso tempo está acabando, eu gostaria só de fazer uma última pergunta, que é a seguinte: o senhor é pai de um dos mais talentosos e jovens pintores que a gente tem no Brasil, que é o Marco Giannotti. Para um filósofo, é uma realização ter um filho artista?

José Arthur Giannotti: Para um filósofo, antes de tudo, é uma realização ter o Marco como filho, mas não é só o Marco que eu tenho como filho, eu tenho uma enteada que é como filha e tenho dois netos, que são netos. Para um filósofo, ou para uma pessoa qualquer que não precisa ser filósofo, ter conseguido fazer uma família a partir dos pedaços dos meus amores em toda essa minha longa vida, se não é uma realização, eu diria, é um dom.

Matinas Suzuki: Professor Giannotti, eu gostaria muito de agradecer a sua presença aqui. Tenho certeza de que, apesar da sua relutância em vir ao nosso programa, foi de muita utilidade e certamente nossos telespectadores aprenderam muito. Eu acho que os filósofos ajudariam muito o país se aparecessem mais aqui no nosso programa.

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