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Memória Roda Viva

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Abílio Diniz

21/9/1987

Um dos empresários mais importantes do país fala da economia brasileira, dos rumos da política, do papel de sua classe e do Plano Cruzado

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Augusto Nunes: Boa Noite. Está começando, aqui, mais um programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo. Nosso entrevistado de hoje é o empresário Abílio dos Santos Diniz. Abílio dos Santos Diniz é um dos homens mais qualificados, neste momento, para falar sobre a situação da economia brasileira. Abílio Diniz é membro do Conselho Monetário Nacional,. Mais importante ainda, é ele o líder do grupo Pão de Açúcar [Companhia Brasileira de Distribuição, é a maior empresa do ramo varejista de todo o Brasil. Além de Abílio, é controlada pelo grupo francês Casino. A empresa é dona de quatro grandes redes de supermercados no país. O grupo iniciou suas atividades em 1948 com a fundação da Doceria Pão de Açúcar]. O grupo Pão de Açúcar hoje abrange 590 lojas em 19 estados brasileiros e 34 em Portugal, dá emprego a 60 mil pessoas e faturou, só no mês passado, seis bilhões de cruzados. Abílio Diniz é também um dos mais íntimos amigos do ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira [economista e cientista político brasileiro. Foi ministro da Fazenda de abril de 1987 a dezembro de 1987. Foi ministro da Administração Federal e Reforma do Estado de 1995 a 1998. Em ambas ocasiões o presidente era Fernando Henrique Cardoso]. Por essas e outras razões, nós o convidamos para sentar-se ao centro desta Roda Viva, formada pelos seguintes entrevistadores: Guilherme Veloso, jornalista e diretor da revista Exame; Alberto Tamer, editorialista do jornal O Estado de S. Paulo e comentarista econômico da rádio Jovem Pan; Rick Turner, correspondente, em São Paulo, da revista The Economist; Gustavo Corrêa de Camargo, repórter da sucursal de São Paulo do Relatório Reservado; Ricardo Setti, editor regional do Jornal do Brasil, em São Paulo; Jorge Escosteguy, editor executivo da revista Isto É; Antônio Carlos Ferreira, jornalista da TV Cultura; Adriano Campos, diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor [Idec]. Também estará conosco, acompanhando o programa e registrando alguns dos momentos do programa com os seus cartoons, o cartunista Paulo Caruso. Doutor Abílio Diniz, o senhor passou, em um período de tempo relativamente curto, da condição de..., e a expressão foi cunhada pelo senhor em entrevistas recentes, da condição de inimigo público número um, o homem que remarcava os preços no começo do Plano Cruzado, à condição de amigo íntimo do atual ministro da Fazenda, membro do Conselho Monetário Nacional. E voltou a ser visto, pelo governo, como um empresário que merece e deve ser ouvido. Como é que o senhor se sentiu na condição anterior, como é que o senhor se sente agora e por que essa mudança? Houve uma mudança tão brusca num período de tempo, insisto, relativamente curto?

Abílio Diniz: Olha, porque a vida é assim. As coisas acontecem independente daquilo que a gente imagina de como deveria ser. O primeiro Plano Cruzado foi uma surpresa para mim. Aliás, primeiro e único. Eu acho que nós nunca teremos mais condição de editar alguma coisa parecida com o Plano Cruzado. Realmente, no Plano Cruzado houve uma série de coisas que me traumatizaram pessoalmente, coisas que nem vale a pena lembrar, a não ser que algum dos presentes queira maiores esclarecimentos, eu também não tenho nenhum problema em dar. Agora, eu fiquei muito tempo parado e muito tempo... Eu que sempre participei, principalmente desde 1979, da vida pública, procurando dar uma contribuição de acordo a minha visão que eu tinha sobre a economia do país. Eu, passar além da minha empresa e participar um pouco da vida pública, eu fiquei cerca de 15 meses calado, após o início do Plano Cruzado...

Augusto Nunes: [interrompendo] O senhor se sentia muito magoado?

Abílio Diniz: Me desculpe, só para explicar. Não, não foi por mágoa. Fundamentalmente,porque eu acho que muito faz quem não atrapalha. Quer dizer, eu discordei, desde o início, da concepção, da elaboração do Plano Cruzado e principalmente depois, da sua administração. Agora, acreditava ainda nos homens que estavam lá. Eu acho que uma forma de você cooperar quando você discorda e você acha que o material humano tem alguma chance de levar as coisas a bom termo é você, pelo menos, ficar calado, falar única e exclusivamente com eles e não transmitir a sua opinião para fora.

Augusto Nunes: Agora, o senhor só não me revelou o estado de espírito em uma situação e na atual.

Abílio Diniz: Após o Plano Cruzado, é evidente que o meu estado de espírito não era bom. Após o Plano Cruzado, de repente, eu me vi quase que transformado em inimigo público número um. Por quê? Porque as coisas acontecem assim, porque a emoção que cercou o Plano Cruzado foi muito grande, uma série de coisas contribuíram para isso. E eu acredito que, naquela altura, eu fui colocado como bode expiatório no sentido bíblico, no sentido em que se coloca... se tira o mal de um grupo e se coloca numa determinada pessoa ou num outro pequeno grupo, até para as pessoas se sentirem mais aliviadas. Eu acho que houve um movimento coletivo, houve uma série de coisas, evidentemente que o estado de espírito não era bom. O estado de espírito, neste momento, eu não vou dizer para vocês que seja excelente. Eu acho que nós estamos vivendo ainda os traumas do Plano Cruzado. Nós estamos vivendo ainda [gesticulando] as conseqüências do Plano Cruzado. Estamos administrando uma série de dificuldades. O país precisa administrar uma série de dificuldades que nós temos pela frente, não apenas no campo econômico. Eu acho que nós temos dificuldades seriíssimas no campo político. Eu acho que a Constituinte, os nossos congressistas, que nós elegemos e que estão aí...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Doutor Abílio...

Abílio Diniz: Eu já falo com você, Tonico [Antônio Carlos Ferreira], um minuto só. Eu acho que os nossos congressistas, neste momento, não estão dando demonstração clara de que são capazes de fazer uma Constituição. O que nós temos lá, quer dizer, o que já tem de emendas para entrar[...], o que está programado e as primeiras coisas que estão faltando... acho que são seriamente preocupantes. Desculpe, Tonico.

Augusto Nunes: Desculpe, antes da sua pergunta, desculpe...

Antônio Carlos Ferreira: Não, é que antes de passar para esse tema político, eu queria continuar no mesmo tema...

Augusto Nunes: [interrompendo] Não, sem dúvida, eu só queria registrar que estão conosco alunos da Fundação Getúlio Vargas, convidados pela produção.

Antônio Carlos Ferreira: Doutor Abílio, eu ainda queria voltar nessa questão ainda do Plano Cruzado, para ficar bem claro. Essa sua reentrada na cena política, depois de um ano e meio de um ostracismo auto-imposto, essa sua reentrada, a meu ver, está muito ligada - a menos que o senhor diga que não - mas está muito ligada, ainda, a uma acusação muito séria que foi feita ao seu grupo na madrugada que antecedeu a implantação do Plano Cruzado, que foi a da remarcação dos preços. Eu acho que essa reentrada do senhor vai ser muito difícil de ser feita se o senhor não falar claramente sobre isso. O que é que foi que aconteceu naquela madrugada, afinal?

Abílio Diniz: Mas eu disse a você que eu não tenho nenhum problema de falar, aliás, a você não, a todos, que eu não tenho nenhum problema de falar sobre isso. O que aconteceu naquela madrugada foi uma madrugada absolutamente normal. Nós e outras redes de varejo, o nosso nível de remarcações diárias, naquela altura, era de 600 remarcações de atualizações de preços, tal a velocidade da inflação. Quer dizer, não aconteceu absolutamente mais nada do que acontecia todos os dias. Os preços eram atualizados nessa velocidade, entende? Então, não aconteceu absolutamente nada. Agora, daí para se imaginar que eu que passei a noite - cheguei antes das 8 horas da noite no Ministério da Fazenda, a chamado do ministro Dílson Funaro, passei a noite no Ministério da Fazenda - que daí eu pudesse telefonar para alguém, que pudesse telefonar para 600 gerentes em vários estados do país e que pudesse determinar determinadas remarcações ou coisa parecida, eu acho que aí passa para o campo da ficção.

Antônio Carlos Ferreira: O senhor confirmaria a versão que correu na época, não sei se ela é verdadeira, de que o senhor, quando soube, no dia seguinte, que teria havido esta remarcação, digamos, normal, que é feita normalmente em todo supermercado, que é a remarcação dos preços que se faz normalmente na madrugada, que o senhor chegou naquele dia, no dia seguinte de manhã, e deu uma bronca generalizada a todos os seus diretores de não terem imaginado, não terem tido a sensibilidade de que isso poderia ser interpretado de uma maneira diferente, enfim, houve essa...

Abílio Diniz: [interrompendo] Essa é a mais pura ficção. Isso é uma fantasia sem pé nem cabeça. Aliás, o que houve de fantasias naquele tempo, o que houve de histórias absolutamente insustentáveis... Acontece o seguinte, que eu tenho uma coisa que é muito clara, acusações não faltaram, gratuitas [pontuando com os dedos], intencionais, de todo o tipo, está certo? Agora, nós não tivemos, nada, nenhuma prova, nenhuma condenação, absolutamente nada, está certo, absolutamente nada. Havia afirmações que o SNI [Serviço Nacional de Informações. Criado em 1964 com o objetivo de supervisionar e coordenar as atividades de informações no Brasil e no exterior] estava levantando não sei o que, que a Polícia Federal levantou mais não sei o quê. Não aconteceu absolutamente nada, o que houve foram fantasias. Vocês precisam entender o seguinte, eu até compreendo - me falam muito em mágoa, vocês me falam - eu até compreendo o que aconteceu, entende? Quer dizer, com a população, não foi apenas conosco. Aconteceu comigo porque eu tinha uma exposição pública maior, o nosso grupo é o maior, então são aqueles que chamam mais atenção sobre si. Mas o supermercado, o varejo, é onde as pessoas, os consumidores, constatam realmente a elevação do custo de vida e constatam a deterioração dos seus salários. Muito mais do que nos bancos ou em qualquer outro lugar. Quem é que vai identificar a elevação de preços com a Volkswagen, ou com a Ford [montadoras de veículos] ou com a fábrica, quer dizer, um negócio que o sujeito passa na frente de vez em quando, olha uma vez na vida outra na morte? As pessoas constatam realmente a deterioração de seus salários no momento que vão fazer as suas compras. Então, houve um movimento coletivo e houve um movimento de euforia, porque se vendeu o cruzado como o final de todos os males do nosso país. O que se fez com a população desse país durante o cruzado, a meu ver, foi algo totalmente injusto e que o país não merece. Porque o que nós demos de ilusão para as pessoas, o que nós tiramos depois, o que nós frustramos essas pessoas com o final do cruzado... O que se tirou de esperança dessas pessoas é algo muito sério. Eu acho que você pode tirar qualquer coisa das pessoas menos a esperança. Hoje tem muita gente que não acredita e que diz: “Ora, eu não sei o que é que vai fazer o ministro Bresser, isso e aquilo, fez outro congelamento. Hoje, eu não acredito em mais nada”. Para se vencer essa síndrome do Plano Cruzado, hoje, isso é uma das dificuldades no Brasil.

Gustavo Corrêa de Camargo: Doutor Abílio, agora, concretamente, quer dizer, o Augusto falou sobre qual o seu estado de espírito agora, não é? Existem alguns dados assim hoje, como é que nós estamos agora? As vendas do comércio estão caindo, a produção industrial está em queda livre. Os salários, segundo dados do Banco Central, estão voltando aos níveis de 1984, nem 1985 é mais. Quer dizer, como é que nós estamos agora, está bem, como é que é?

Abílio Diniz: Não. Eu acho que nós temos que olhar como é que nós estávamos em abril. Eu acho que em abril nós estávamos muito mal. Eu acho que o tal chamado Plano Bresser [foi criado em 1987, depois que Bresser Pereira assumiu o Ministério, para tentar controlar a inflação. Foi instituído o congelamento de preços, dos aluguéis e dos salários], naquela altura... Eu quero deixar bem claro aqui para vocês, eu não tenho procuração do Bresser para falar sobre ele, o que eu falar é por mim. Por acaso - quer dizer, não é por acaso, a gente não é amigo de ninguém por acaso. Eu sou amigo dele, gosto dele, aprecio, mas não tenho procuração para falar sobre ele. Agora, nós temos que olhar como é que nós estávamos em abril e maio. Nós estávamos numa recessão profunda. O que está acontecendo de desaquecimento agora, ao nível do comércio, indústria, comparado com o que estava acontecendo em abril, é brincadeira. Eu acho que um termo feliz, é um termo até usado pelo ministro Bresser, que diz que a economia está morna, realmente está morna. Se quiser, nós podemos enfileirar uma série de dados aí depois para chegar nisso. Muito bem. Nós estávamos numa recessão profunda. Nós estávamos numa deterioração salarial, porque o tal gatilho repunha... Você tem que olhar sempre... Quando nós olhamos salário, nós temos que olhar fluxo e não a contabilidade. Nós temos que olhar o momento [em] que o salário é pago. Nós estávamos numa deterioração salarial enorme, em virtude da inflação muito alta. Nós estávamos com uma inflação apontando para alguma coisa acima de 30%, o que analisado é bem mais do que 1000% ao ano. Nós estávamos na maior crise financeira que este país já atravessou, com uma inadimplência no setor financeiro da ordem de 38%, isso comprovadamente por todo o sistema financeiro. Bom, esse era o cenário que nós tínhamos em abril, maio, começo de junho. Muito bem, o ministro Bresser fez o tal Plano Bresser. Eu acho que esse Plano Bresser não devia chamar Plano Bresser, devia chamar plano anti-caos, ou pré-plano. Porque ele fez um plano, a meu ver, que lhe possibilitou chegar no curto prazo. Porque não adiantava você fazer, naquela altura, um plano macro-econômico altamente consistente se você não conseguia chegar no dia seguinte, tal era a situação.

Gustavo Corrêa de Camargo: Por enquanto está chegando na semana que vem, não é?

Abílio Diniz: Muito bem, você vê o seguinte, você vê, em termos de brincadeira inclusive, qual era a brincadeira que se fazia com o ministro Bresser logo no começo? Era CDB [Certificado de Depósito Bancário. Títulos emitidos por bancos resgatáveis em prazo determinado]. CDB de 60 dias, ninguém achava que ele vencia, que ele passaria mais do que 60 dias. Muito bem. Ele fez o plano, fez uma coisa que, a meu ver, teve muita coragem. Porque depois do Plano Cruzado, você reeditar um congelamento, ter a coragem de reeditar um congelamento, das pessoas acreditarem o mínimo que você vai levar aquilo para frente. Todo mundo sabia, como aconteceu, que ninguém ia fiscalizar nada porque estavam todos decepcionados com o que tinha acontecido.

Gustavo Corrêa de Camargo: E as tabelas da Sunab [Superintendência Nacional do AbastecimentoA Sunab controlava os preços congelados pelo Plano Bresser (e pelo Plano Cruzado) e os publicava na conhecida "tabela da Sunab"] também aumentando os preços, estimularam muito logo de início.

Abílio Diniz: Não. Mas veja o seguinte, até isso, entende, até isso... Houve inúmeras dificuldades, porque os preços estavam todos se ajustando. Teve um momento de alta inflação com os preços relativos se ajustando. Muito bem, teve a coragem de fazer o congelamento. Dentro do congelamento, tomou uma série de medidas coerentes com ele, está certo? Levou isso para frente e, paralelamente, fez uma coisa que eu sempre defendi e que sempre ataquei em governos passados. Eu sempre atacava o ministro Delfim [Antônio Delfim Neto. Foi ministro da Fazenda durante os anos de 1967 e 1974] porque ele dizia, em tom de brincadeira, que ele era míope e ele não enxergava em longo prazo, por isso ele preferia administrar no dia-a-dia. Eu sempre achei que um país como o nosso tinha que ter um plano de médio e longo prazo. Eu acho que o Bresser fez, seguiu essa linha, não é que seguiu porque foi para lhe fazer a vontade, quer dizer, eu acho que ele seguiu coerentemente com os seus pensamentos. Então, paralelamente a um plano emergencial, ele tocou um plano macroeconômico. Nesse plano emergencial anti-caos, resultados imediatos. A inflação caiu de 35%, vamos dizer, caiu para 3%, está certo? Forçada ou não, por um congelamento, mas caiu para 3%. A taxa de juros, que chegava a 1500%, despencou para alguma coisa ao redor de 200%, depois subiu um pouquinho. Nós podemos ver até os movimentos, porque que ela subiu, certo? Bom, mudou a política salarial [gesticulando]. Sem dúvida nenhuma, num primeiro momento, com a inflação caindo, houve ganho por parte do trabalhador, num primeiro momento. Depois, evidentemente que se a inflação retorna, a perda vem. E tirou, com a taxa de juros muito mais baixa, tirou as empresas dessa monumental inadimplência em que estavam a maior parte delas. Porque as empresas, no final do ano passado, pagavam 30% de juros ao ano. E, de repente, em maio, junho deste ano passaram a pagar 30% de juros ao mês.

Alberto Tamer: Senhor Diniz, tudo o que o senhor está dizendo, senhor Diniz, aconteceu exatamente igual ao Plano Cruzado. A inflação também caiu nos dois, três primeiros meses. Também a taxa de juros caiu, tudo de uma forma artificial. O ministro Bresser Pereira, ao apresentar o seu plano, tomou como base dois elementos chaves: controle dos gastos do déficit público, é essencial, e investimento. Investimento principalmente no setor privado. O déficit público não está controlado, está explodindo, e o Plano Bresser começa a fazer água seriamente. Se antes se falava em CDB, hoje o mercado fala em overnight [aplicações financeiras realizadas em um dia que têm resgate no dia seguinte]. Antes eram 60 dias, hoje o mercado não aposta na permanência do ministro por mais do que uma semana, dez dias. Hoje, o próprio presidente da República está agindo exatamente como sempre agiu: quando quis tirar o ministro, chama um outro técnico para falar, manda um ministro dar entrevista contra o próprio ministro. Outro dia, não por acaso, o secretário do Ministério do Planejamento criticou, severamente, o plano do ministro Bresser, disse que era imoral o plano de negociação da dívida etc. Então, nós estamos numa situação que não é muito diferente. O que há agora é uma recessão que não houve antes. Então, eu pergunto ao senhor: o senhor acredita que, passados esses três meses, com a falta de apoio nítido que o ministro Bresser sofre hoje do governo e, eu diria mais, do próprio presidente José Sarney, que quer ficar cinco anos a qualquer preço, a qualquer custo [o então presidente José Sarney aconrdou com a Assembléia Constituinte que seu mandato seria de cinco anos]. O senhor acredita que é possível que ele agora formule um plano? Porque ele sabe que esse acabou. O senhor acredita que é possível que se formule um plano econômico?

Abílio Diniz: Meu caro amigo Tamer, a quem tanto eu respeito como jornalista e, como conhecedor da economia, você me começar dizendo que esse plano está mais ou menos igual, você falou que está igual ao primeiro Plano Cruzado, quer dizer, não é para a tua inteligência, quer dizer, você é muito mais inteligente do que isso. Todo o resto nós vamos conversar depois, agora que está completamente diferente...

Alberto Tammer: [interrompendo] Não, eu não disse que ele está igual, eu estou dizendo que os resultados que o senhor está apresentando como sendo grandes resultados foram resultados que foram apresentados também pelo senhor Dílson Funaro, de tristíssima memória, dizendo que o plano estava dando certo. O juro caiu? Caiu. A inflação caiu? Caiu. Depois, a previsão de inflação, agora, já é galopante novamente, a partir de outubro, novembro...

Abílio Diniz: [interrompendo] Não é verdade, meu caro Tamer, não é verdade, não é verdade. O Plano Cruzado ficou com os preços absolutamente debaixo de controle, até praticamente final do ano, quando se fez o tal Cruzado 2 [que decretou o fim do congelamento de preços], ou coisa parecida, de triste memória também, já que você usou essa expressão - está certo - quando se aumentou a gasolina, carros e cigarros, como se isso não extravasasse para outros preços. Manteve os preços rigorosamente debaixo de um controle severíssimo, apontou como causa da inflação não o déficit público ou qualquer outra coisa ou demanda ou custos, as causas normais que estão nos livros textos de economia, mas apontou os especuladores como os grandes responsáveis pela inflação e que, se isso estava eliminado, então a inflação tinha desaparecido do país. Ativou o consumo de uma forma absolutamente irresponsável, elevou os salários a nível que nós não suportávamos, que nós não poderíamos ter. Nós gostaríamos de ter - eu gostaria de entrar, depois, até nessa parte de salários. Um país que tem um salário mínimo de 50 dólares por mês é um negócio realmente muito sério. Mas para que nós possamos aumentar salários, nós temos que aumentar realmente a renda nacional, promover uma certa distribuição, promover uma série de coisas e não, simplesmente, aumentar doidamente, como nós aumentamos, aumentando o consumo, desestimulando a poupança, fazendo com que todo o dinheiro fosse para consumo. Nós não tínhamos produto nem sequer para exportação e muito menos para o mercado interno, você se recorda bem disso. Agora, o congelamento foi feito no dia 12 - vou falar só sobre o congelamento - ele foi feito no dia 12 de junho, nós estamos hoje pouco depois do dia 12 de setembro. As pessoas não se dão conta de que a inflação está baixa e da quantidade de preços que já foram flexibilizados e muitos deles liberados.

Augusto Nunes: Aliás, doutor Abílio, desculpe, o telespectador Nelson Gomes, da Lapa, ele pede que o senhor traduza para o povo brasileiro o significado dessa palavra, flexibilização. Como o senhor mencionou agora, eu queria que o senhor fizesse um curto parêntese dizendo o que é que significa isso na política econômica.

Abílio Diniz: Olha, eu faço com o maior prazer, quer dizer, eu faço segundo aquilo que eu entendo que é flexibilização. A flexibilização não se trata de flexibilizar um preço, apenas, a flexibilização é de muitos preços, é a flexibilização de um congelamento, uma das preocupações...

Augusto Nunes: [interrompendo] É permitir o aumento.

Abílio Diniz: Exatamente. Uma das preocupações desta equipe econômica foi a de que o congelamento não resolve problema de inflação nenhum, ele só serve para conter a chamada inflação inercial. Num determinado momento, você tem uma roda que está girando em altíssima velocidade e você espeta [gesticulando] uma cunha no meio dessa roda e breca, trava de repente, está certo? Muito bem, se você não elimina as outras pressões essa roda, mais cedo ou mais tarde, ela começa a girar novamente no mesmo sentido. Então, o congelamento só faz isso, entende?, quer dizer, é um mecanismo, é uma coisa quase que mecânica que atua no sistema de preço. Uma das preocupações dessa equipe econômica foi saber isso claramente e saber que não podia manter os preços reprimidos por muito tempo. Eles deram um prazo de, no máximo, 90 dias para esse congelamento e se preocuparam a, desde o momento zero, a já começar a soltar alguns preços. Tanto que soltaram alguns até antes do congelamento, porque estavam reprimidos e estavam defasados. Então, flexibilização não é de um preço apenas, flexibilização é, fundamentalmente, eu vou usar um termo economês aí, enfim, é de um acerto de preços relativos. Então, quer dizer, você vai soltando os preços, gradativamente, para nós podermos voltar à economia de mercado, que eu acredito e acho que a maior parte das pessoas que estão aqui acreditam, se não todos, voltarmos à economia de mercado com os preços realmente liberados, sobre controle e com inflação baixa.

Ricardo Setti: Eu queria voltar um pouco na pergunta do Tamer, no aspecto seguinte: como é que o senhor enxerga a situação de apoio ao ministro Bresser? Ou desapoio? Quer dizer, dentro do governo, dentro do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], quer dizer, como é que o senhor analisa a solidão terrível em que muitos vêem o ministro Bresser, em matéria de apoio?

Alberto Tamer: Eu diria...

Ricardo Setti: [interrompendo] Eu acho que isso é um ponto central aí, para...

Alberto Tamer: [interrompendo] Eu diria uma solidão agressiva, com relação ao ministro Bresser, levando cacetada por tudo quanto é canto, a começar pelo Palácio, pelo senhor Murad [Jorge Murad, então secretário especial de José Sarney].

Ricardo Setti: Antes do programa começar, Tamer, o Augusto Nunes lembrava o seguinte: quando o ministro Bresser viaja para o exterior, o PMDB, e uma parcela considerável do governo, se comporta como se ele fosse uma entidade abstrata, [como se] ele estivesse viajando por conta própria, quer dizer, não fosse um membro importante, fundamental, do governo, ele é tratado como se... Até uma questão que surgiu agora há pouco: Plano Bresser deveria ser Plano Sarney. Se é um plano adotado pelo governo do presidente José Sarney, porque se chama Plano Bresser? Então, eu queria recolocar a questão de como o senhor enxerga... [a questão] do apoio ou a falta dele.

Abílio Diniz: Ou a falta dele. Mas veja o seguinte: as coisas são curiosas. Esse país é de contrastes. Algumas pessoas estavam comigo, agora um pouquinho antes de começar o programa, e você por acaso não estava Ricardo, mas algumas pessoas, o Tonico estava, o Veloso estava também. E vocês viram na televisão, o Tamer, todos vocês estavam lá e viram na televisão, nós estávamos vendo em um monitor ali, um jornal qualquer, em que o ministro Bresser estava lá no meio dos senadores. Inclusive, o Chiarelli [Carlos Alberto Chiarelli. Eleito deputado federal e, em 1982, senador da República. Foi ministro da Educação de 1990 a 1991] dando entrevista, dizendo que o ministro tinha sido muito feliz no Senado e tinha sido muito convincente, muito franco. Aliás, ele disse a verdade porque ele é mesmo, até excessivamente, franco. E parece, dá impressão, quer dizer, que o pessoal estava até pegando uma carona, quando começam a entender... O que aconteceu? Há duas semanas atrás, com ele... porque hoje certas coisas começam a ficar um pouquinho mais claras.

Antônio Carlos Ferreira: No parlamento parece que o ministro Bresser não tem tantos problemas. O problema dele é com a administração e com a Presidência da República mesmo, com o porta-voz da presidência iniciando o que o pessoal chama de fritar o ministro.

Abílio Diniz: Será? Eu não sei, viu.

Alberto Tammer: E o presidente da República pedindo o parecer isolado do senhor Mário Henrique Simonsen [(1935 – 1997), foi um economista, professor e banqueiro brasileiro. Foi ministro da Fazenda de 1974 a 1979], fazia isso com o Funaro.

Abílio Diniz: Veja o seguinte, veja o seguinte.

Gustavo Corrêa de Camargo: Será? Só um minuto, o senhor perguntou: “Será?” Podia citar dois episódios aqui. Um que foi o vazamento, a antecipação, da proposta dele, que seria levada aos Estados Unidos. E o outro episódio, agora, recente, também esse das ZPEs [são distritos industriais criados para a instalação de empresas voltadas essencialmente para o mercado externo, que operam com regime fiscal, cambial e administrativo diferenciado em relação às demais empresas do país] aí. O ministro da Fazenda acerta com o presidente da República que não vai haver Zona de Processamento de Exportação e tal, e aí o outro ministro, no mesmo domingo em que saiu a entrevista do porta-voz criticando o PMDB e falando... O ministro vai ao programa e anuncia que vai sair, sim. O senhor, José Hugo Castelo Branco [(1926 – 1988), foi ministro da Indústria e Comércio do governo Sarney], anuncia que vão sair as ZPEs por decreto e que está acabado o assunto [todos falam ao mesmo tempo].

Augusto Nunes: Eu queria que você deixasse o doutor Abílio responder.

Abílio Diniz: O Tamer, eu faço questão, vai lá Tamer, vai lá [risos].

Alberto Tamer: Os salários das empresas estatais estão sendo reajustados contrariamente à política do ministro Bresser.

Augusto Nunes: Agora o senhor [referindo-se ao entrevistado] se lembra de todas as perguntas [risos].

Abílio Diniz: Essa aí você tem que refazê-la de novo, porque essa precisa entrar num capítulo à parte, está certo? Essa aí tem que entrar no capítulo do déficit público, do elenco de medidas contra o ataque ao déficit público. Aí nós então analisamos, entendeu? Acho que nós temos que ficar primeiro no negócio do apoio, da história, quer dizer, se o Palácio [do Planalto] vazou ou deixou vazar, não deixou vazar. Da história das Zonas de Processamento de Exportação, está certo? Esse negócio das ZPEs, que são as zonas de exportação prioritárias, a história não é bem assim. Inclusive, tanto quanto eu conheço, não foi tratado com o presidente que isso não seria feito ou coisa parecida. O ministro Bresser entende, dentro da cabeça dele, eu posso até discordar mas pelo menos essa é a versão, ele entende que seria melhor, em vez de você fazer pequenos núcleos, tipo Manaus ou coisa parecida, junto às cidades, seria melhor que você dimensionasse uma grande zona, tipo Nordeste ou coisa parecida e dissesse: “olha, daqui para cima, dessa linha para cima, vale tudo. Nós vamos estudar o que nós vamos fazer nesse pacote”. Essa era a idéia do ministro Bresser e, tanto quanto eu sei, ainda continua sendo até hoje. O acerto que ele fez não foi com o presidente, o acerto que ele fez de estudarem em conjunto, inclusive, com o doutor Miguel Ethel [empresário e amigo de Jorge Murad] - que também assessora o Palácio, vocês falaram no ministro Mário Henrique, mas também que o Ethel também assessora - de se fazer um estudo maior, um estudo mais amplo, para se ver o que se poderia fazer em termos de Nordeste para melhorar, para se fazer plataformas de exportação. E, de repente, ele foi um pouco atropelado nesse negócio, mas não foi, tanto quanto eu sei, não foi pelo Palácio. Agora, vamos voltar na história da dívida externa. Porque se passaram aí, desde o dia em que o ministro Bresser esteve com o Baker [James Baker, então secretário de Estado dos EUA], que foi o grande dia - o dia em que todos acharam que ele levou um puxão de orelhas, e coisa e tal - passaram-se aí uns quase 15 dias, amanhã faz 15 dias, acho que foi uma terça-feira. E, pouco a pouco, quer dizer, as coisas vão, vai se desenrolando o novelo, fica-se sabendo o que é que aconteceu, como é que foi aquilo, o que aconteceu ali. Porque a primeira idéia era de que o ministro era um total irresponsável. Criou uma brincadeirinha de cortar a dívida pela metade, imagina quem é que vai aceitar esse negócio, não é? Não consultou ninguém e levou esse negócio lá para fora. Bom, pouco a pouco, foi-se dando conta que houve um vazamento, proposital ou não. Veja, é perigoso a gente fazer essas afirmações. Proposital ou não, houve um vazamento. Agora, nessa altura do vazamento o ministro tinha duas alternativas: ou ele negava a história, visto que aquilo era uma coisa que estava ainda na cabeça das pessoas do grupo de trabalho, ou ele negava isso, saia fora - aí ia ter que sair com meias verdades e aqueles subterfúgios de quem sabe alguma coisa que realmente está acontecendo, que é contrário ao estilo dele, ou então ele vai em frente. A meu ver, como homem público, ele tem que ter um pouco mais de jogo de cintura, ele não podia ir em frente. Ele teria que, naquela altura em que o plano não estava detalhado, ele tinha que parar e tinha que ficar no discurso que ele fez em Viena, discutir politicamente a coisa. Na hora, ele resolveu levar a coisa para frente, vazou, vazou, agora nós vamos embora, está certo? Bom, nada disso tinha sido preparado internamente, eu acho que o país precisaria estar preparado para aquilo que ele se propunha fazer. Nós precisávamos entender, nós brasileiros precisávamos entender... porque não sei se vocês repararam nesse negócio, nós somos 140 milhões de entendedores de dívida externa, de déficit público, de tudo nesse país.

Augusto Nunes: Sem contar a assessoria que está lá no Palácio do Planalto.

Abílio Diniz: Sem contar tudo. Mas escuta, mas espera, mas nós somos... Augusto, somos ou não somos 140 milhões de entendedores de tudo? O que nós entendemos menos é o que nós entendemos mais. Entendo que é o futebol, quer dizer, hoje nós estamos entendendo pouco de futebol, mas estamos entendendo de déficit público, estamos entendendo de dívida externa, estamos entendendo de uma série de coisas. Cada um tem uma idéia na cabeça. Então, a primeira coisa que chocou no tal Plano Bresser, foi à história de dizer: “Mas como é que vai trocar, qual é o banqueiro? Será que os sujeitos são tão burros lá fora, que vão trocar uma dívida que hoje vale 100, por outra que vale 70, ou 60 ou coisa parecida? Como é que se tem coragem de propor um negócio desse, de nós já participarmos do deságio”. Na realidade, não era nada disso. Primeiro, a história não era sui generis, nem sequer original era. A idéia do Bresser, que parece para muitos ainda que saiu da cabeça dele, cabeça de um sujeito louco, estabanado, que muita gente diz, a idéia não é original, já foi feita na Bolívia, de triste memória, se você me permite aí ficar usando suas palavras, meu caro Tamer.

Gustavo Corrêa de Camargo: O Brasil já fez isso também.

Abílio Diniz: O Brasil já fez isso no passado. Mas veja, o fato mais recente é o da Bolívia porque, inclusive, os títulos da Bolívia estavam sendo negociados com um deságio de cerca de 80, 85%. Portanto valiam, na realidade, 15% de face. Muito bem. Eles trocaram, converteram boa parte da dívida da Bolívia em bônus, conseguiram o aval do Banco Mundial. O Banco Mundial deu e a Bolívia, que estava com uma inflação de cerca de 30000% ao ano, se submeteu às regras do Banco Mundial. Desceu para uma inflação aí, me corrija o Tamer, que deve ter esse negócio na cabeça ainda, desceu para alguma coisa ao redor de 30, 40% de inflação, que eu acho que é uma bela performance. Só que jogou 50% da população economicamente ativa no desemprego. Agora nós, brasileiros, podemos fazer isso sem cocaína, que é o caso da Bolívia? A Bolívia jogou tudo na economia clandestina. E nós?

Augusto Nunes: Antes de chamar uma pergunta da dona Maria do Carmo Pavan, presidente da Associação Brasileira das Donas de Casa, eu queria que o senhor fosse mais... foram tantas as perguntas que acho que o senhor deixou de ser conclusivo a respeito da pergunta do Ricardo Setti, [sobre] a solidão do ministro Bresser. Até que ponto preocupa o senhor e que tipo de conseqüências vai gerar esse negócio?

Abílio Diniz: Eu não estou preocupado com essa chamada solidão. Eu não acho que haja uma solidão tão grande. Eu acho que a permanência [sendo interrompido], desculpe, Tonico. A permanência do ministro Bresser à frente do Ministério está ligada fundamentalmente ao sucesso ou insucesso que ele vai ter. Em matéria de dívida externa, tudo o que aconteceu há 15 dias atrás, na medida em que as pessoas entenderem que, se ele tiver sucesso agora, nessa saída lá fora, quando ele apresentar aí realmente, quer dizer: “Eu não vou apresentar bônus com nenhum valor menos do que 100%. O que eu vou apresentar é juros menores, o que eu vou propor é pagamento de juros menores”. Porque nós, Brasil, não temos condição de pagar, de suportar o pagamento de juros que está sendo programado, mesmo no plano macro econômico do Bresser. Muito bem. Isso aí é que vai dar um certo deságio, porque você paga juros menores e você traz o principal ao valor presente e você chega a um certo deságio. Eu acho que o que vai acontecer com o ministro Bresser, nesse momento, o apoio que ele poderá vir a receber... e que, nesse momento, que ele tem pequeno [apoio], nós vimos na televisão agora, que já tem algum. Porque lá, pessoal, os senadores estavam lá dando apoio para ele. Vai depender fundamentalmente do sucesso ou do insucesso na parte externa. Aqui na parte interna, fundamentalmente, na parte de inflação. Ele não pode terminar de sair desse congelamento com uma inflação muito alta. Nesse ponto, ele está conseguindo. Porque nós tivemos 3%, agora, 6%, estamos apontando nesse mês, o nosso índice aponta para alguma coisa ao redor de 5,5%, 5,3%. O IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] já disse que vai dar alguma coisa ao redor de 6%. Se nós passarmos o pior mês, que vai ser outubro, com alguma coisa ao redor de 7%, 8% ou coisa parecida, eu acho que ele sai desse congelamento tendo derrubado uma inflação de 30%, para menos de 10%. Eu acho que isso é que vai lhe dar sustentação, isso é o que vai lhe dar mais apoio ou menos apoio e vai lhe dar adesão.

Augusto Nunes: Doutor Abílio, eu queria aproveitar para chamar agora a pergunta da dona Maria do Carmo Pavan, presidente da Associação Brasileira das Donas de Casa, que vai entrar por aqueles monitores.

Maria do Carmo Pavan [em pergunta gravada]: Doutor Abílio, durante o Plano Cruzado, as mercadorias sumiram da prateleira como por encanto, privando o consumidor de usá-las. Agora, eu ouvi uma declaração do presidente da associação dos supermercados dizendo que alguns atacadistas e algumas indústrias já estão querendo cobrar ágio dos seus produtos e que os supermercados não vão comprá-los, faltando, logicamente, esses produtos para o consumo. O senhor não acha que a associação dos supermercados deveria vir a público dando os nomes dessas indústrias e desses atacadistas?

Abílio Diniz: Dona Maria do Carmo, eu penso que isso não resolve o problema. Eu penso que se estas indústrias estão querendo cobrar mais caro é porque estão tendo problemas reais de rentabilidade [gesticulando], algumas delas até devem estar no prejuízo. O fato do varejista, do comerciante, não comprar, quer dizer, é uma defesa para que ele também não tenha prejuízo. Nós temos que entender que o que está nos pressionando por trás, que a indústria quando está nos pressionando, também está com problemas, provavelmente, de prejuízo. Principalmente no momento onde há uma economia morna como a que nós estamos vivendo. O que eu gostaria de dizer à senhora é o seguinte: eu acho que nós estamos no final da tal chamada flexibilização. Eu acho que nós temos que chegar, agora, com um pouco de paciência, e é possível que alguns poucos produtos faltem. A senhora deve saber melhor do que ninguém, porque convive com isso diariamente, que comparativamente com o período do Plano Cruzado, as faltas que existem hoje são insignificantes. Talvez nós tenhamos agora, durante o mês de outubro, um pouco mais de faltas, tenhamos um pouco mais de elevação de preços, porque é o pior momento. É o pior momento da flexibilização, é o pior momento de sairmos dessa camisa de força que é o congelamento e tentarmos voltar à economia de mercado. Eu acho que se nós conseguirmos sucesso, se o governo conseguir sucesso agora, durante o mês de outubro, nós passaremos isso e não haverá problemas de ágio nem de falta de mercadoria, que tanto trabalho dá às donas de casa, tanto trabalho dá ao consumidor.

Augusto Nunes: Doutor Abílio, o senhor Eduardo Laye, de Interlagos, pergunta se em tempos de inflação mais alta o supermercado tem mais ou menos lucro. E o senhor Valter, da Vila Mariana, pergunta o que é que o senhor acha da idéia dos produtos já saírem das fábricas com o preço impresso, se isso não seria útil no combate à inflação? Eu queria que o senhor respondesse essas duas perguntas.

Abílio Diniz: Primeiro, é extremamente difícil administrar uma empresa com uma inflação muito alta. Não são apenas os supermercados ou qualquer empresa varejista, são empresas, qualquer empresa, seja ela do setor primário, secundário, terciário. Em um período alto de inflação é realmente muito difícil a administração da empresa. Quanto à marcação dos preços já no produto, em termos de inflação, não ajuda muito. O chamado código de barras, como é conhecido em outros países mais evoluídos, depois [da compra] as caixas registradoras fazem a leitura ótica direta dos produtos, há uma simplificação muito grande, muito mais rapidez na frente de caixa, quer dizer, isso seria excelente, não é? Agora, normalmente, isso é possível ser feito em países de inflação mais baixa. Se nós conseguirmos colocar a nossa inflação num patamar realmente mais baixo, com os preços mais estáveis, é evidente que esse será o caminho. Isso para a indústria será um acréscimo insignificante, para o comércio será um ganho e para o consumidor será uma festa, porque a rapidez para terminar a sua compra será excelente.

Adriano Campos: Existe uma idéia de que uma rede de supermercados do porte do Pão de Açúcar utiliza alguns expedientes para aumentar a sua margem de lucro, entre eles a possibilidade de usar aumentos os preços dos produtos básicos diferenciados em zonas de baixa renda e de alta renda. Os produtos básicos passam a custar mais caro nas regiões de baixa renda, onde efetivamente o mix de produtos é menor, a população tem menos poder aquisitivo, portanto compra mais esses produtos básicos. Esses mesmos produtos podem ser vendidos a preços até acessíveis para chamar a dona de casa nas regiões de alta renda. Ou seja, para tentar uma margem de lucro melhor para o supermercado ele, de certa forma, desfavorece ao consumidor de baixa renda exatamente naqueles produtos mais essenciais para ele. Isso é verdade? Isso é uma acusação feita aos supermercados, feita ao Pão de Açúcar inclusive, até o ministro Delfim chegou a tocar em coisa parecida.

Abílio Diniz: O meu amigo, ministro Delfim, adorava falar uma porção de gracinhas contra a gente, entende? Quer dizer, da mesma forma também eu as retribuía muitas vezes. O que existe é o seguinte: olha, veja bem, eu não sou político. Eu até gostaria de contar depois, se sobrar tempo, como é que é a história da minha entrada na vida pública, se é que pode se chamar isso, ser membro do Conselho Monetário Nacional, fazer palestras, participar um pouco daquilo que está acontecendo no país, se é que pode se chamar isso de participação na vida pública. Eu não estou interessado aqui, entende, em fazer realmente demagogia. Mas uma coisa que, realmente, sempre me chocou é que justamente as pessoas menos abastadas, de rendas mais baixas, que moram nas periferias das cidades, justamente essas pessoas sempre pagaram mais caro do que as pessoas mais ricas, que moravam nos lugares melhores de todos os grandes centros urbanos do país. Bom, por quê? Porque os grandes aparelhos, nós chamamos de aparelhos, quer dizer, as grandes lojas, as melhores lojas, que vendiam mais barato, se encontravam onde o poder aquisitivo era mais alto e onde o retorno sobre o investimento... porque o investimento ainda, aqui no Brasil em termos de construção civil, em termos de equipamento, é um investimento muito pesado, embora nós estejamos, tecnologicamente, ao nível dos países mais adiantados, em matéria de varejo o investimento é pesado. Então, os melhores aparelhos se localizavam nas melhores zonas, nas zonas de melhor poder aquisitivo. O que acontecia? Os ricos pagavam um preço mais baixo, os pobres da periferia pagavam um preço mais alto. Isso foi uma coisa que a mim, sempre me incomodou, sempre me preocupou. E nós começamos, em 1979, justamente, a nossa empresa começou em 1979, com uma rede que é uma cópia, enfim, no varejo é muito difícil se inventar alguma coisa. Nós copiamos isso fundamentalmente da Audi, alemã. São lojas, vamos dizer assim, de sortimento limitado, lojas de pouco serviço, de investimento muito mais baixo e que podiam, então, pelo investimento mais baixo, pela ausência de serviço, ser colocada junto da população de poder aquisitivo mais baixo, com um mínimo de sucesso. E nós começamos isso, uma experiência pioneira, em 1979. Hoje, eu digo com orgulho, com satisfação, temos mais de 300.

Adriano Campos: A expansão continua? Porque eu acho que ela parou em São Paulo. Eu não vi mais a criação de novas empresas.

Abílio Diniz: Veja, nós continuamos, nós continuamos. A expansão do Pão de Açúcar, mesmo nos piores momentos, tem continuado seguidamente. Só para lhe dar uma idéia, no ano passado, nós investimos 60 milhões de dólares. No momento do Plano Cruzado, total falta de confiança no país e no momento econômico que nós estávamos vivendo, está certo?, nós investimos e investimos pesados. Investimos muito em boxes, justamente nesse tipo de loja, não é? Então, realmente, esse tipo de loja, ele acaba ainda vendendo mais barato do que lojas grandes situadas em zonas de poder aquisitivo mais alto. Agora, o normal não era isso. O normal era que o mais rico pagava o preço mais baixo e o mais pobre, aquele da periferia, acabava pagando o preço mais alto.

Adriano Campos: Quer dizer que a iniciativa privada, ela assim, de uma certa forma, ela pode suplementar, já que o governo, ele não vem tendo ultimamente, uma ação em nível de levar alimentação, digamos, mais barata à população? Parece que o cruzado, eu acho que isso é típico, é sensível nessa passagem do governo. No primeiro momento houve um plano de emergência em que o governo tinha como objetivo também levar. Houve o Plano Cruzado, parou qualquer tipo de programa social do governo e agora se mantém, pelo contrário, quer dizer, os programas sociais de alimentação etc. O governo me parece que não está tendo nenhum entusiasmo em continuá-los.

Abílio Diniz: Olha, eu sou fundamentalmente pela iniciativa privada. Eu acho que tudo aquilo que nós pudermos deixar a cargo da iniciativa privada o governo deveria deixar, está certo? A distribuição, seja de alimentos ou seja de bens, é extremamente complexa. O que existe de logística por trás é também, realmente, de uma complexidade muito grande. E o governo está aí, nós estamos vendo, quer dizer, o governo é mau administrador. Se você viu o que nós fizemos o ano passado, você deve saber bem disso, o que nós fizemos em matéria de importações o ano passado é um negócio que não dá para acreditar, realmente, não dá para acreditar.

Augusto Nunes: Falando da venda de algumas estatais, doutor Abílio, a pergunta do Danilo Giroto, de Matão, está tocando no assunto, queria introduzir. O senhor acha que o governo devia vender algumas estatais pelo menos?

Abílio Diniz: Eu acho que o governo deveria vender todas as estatais do setor produtivo, está certo? Evidentemente, para vender, ele tem que resolver o problema do endividamento dessas estatais. Deveria fechar as empresas que são inviáveis e deveria ficar com empresas que realmente são empresas que competem ao setor público. Tipo empresas prestadoras de serviços, fundamentalmente.

Adriano Campos: Vai uma questão, só suplementando: o que se sente hoje no discurso dos empresários, de uma forma geral, pela desestatização, o que eu acho até correto, quer dizer, o modelo se esgotou do governo de certa forma, transferir o valor para as empresas privadas, no início dos anos de 1980. Agora, quer dizer, efetivamente, qualquer dinheiro investido pelo governo, na maior parte das estatais, isso representa uma perda muito maior do que esse dinheiro investido. No período de 1970, 1960, houve um importante repasse de recursos, muito mais que nas áreas sociais, porque nas áreas sociais, efetivamente, o governo nunca gastou dinheiro nenhum, mas para as empresas privadas o governo transferiu valores, recursos. Vai uma pergunta ao nível de abastecimento propriamente dito. Houve, e é uma questão que também está no ar, houve nesse período - o período de 1960, 1970, não sei exatamente o momento - um aporte de capital importante ao Pão de Açúcar enquanto contribuição do governo para, não sei talvez, para transferir valor, ou as perdas de empresas que estavam à falência, como Eletroradiobras, como Superbom [antiga rede de produtos alimentícios que pediu falência em 2006]? Ou seja, o governo ajudou a concentração do capital na área de abastecimento, especificamente no Pão de Açúcar?

Abílio Diniz: Não, nem em relação ao Pão de Açúcar, nem em relação a nenhuma outra empresa.

Adriano Campos: Da área de abastecimento?

Abílio Diniz: Da área de abastecimento que eu tenha conhecimento, evidentemente. Mas tanto quanto eu conheço, e acho que conheço razoavelmente esse campo, nunca houve nada, nunca houve nenhum aporte de capital. Você teve aporte de capital no setor siderúrgico, você teve aporte de capital, enfim, para bens de capital, você teve inúmeras empresas se desenvolvendo com juros subsidiados dentro de um plano desenvolvido. Fundamentalmente isso foi na década de 1970, fundamentalmente no governo Geisel que isso aconteceu. O BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, criado em 1952 com autonomia administrativa e jurídica], naquela altura BNDE [entidade que precedeu o BNDES e que estava sob jurisdição do Ministério da Fazenda], aportou capital a inúmeras empresas do setor privado dentro de uma idéia de que seria o setor privado que deveria se desenvolver e não o setor estatal. Na parte de comércio, tanto quanto eu conheço, não houve nada, absolutamente nada. No nosso caso, especificamente Eletroradiobras, o que houve foi pura e simplesmente o contrário, quer dizer, nós chegamos, colocamos a nossa posição com muita clareza, de que realmente era uma temeridade nós comprarmos aquela empresa naquela altura. Houve uma pressão bastante grande, equacionou-se alguns problemas de curtíssimo prazo, de crediário, e naquela altura nós não tínhamos praticamente know how nenhum e não tínhamos nenhum suporte nessa área. E pronto, tocamos para frente. Eu vou lhe dizer uma coisa: foi alguma coisa que tocamos há 15 anos atrás, deu certo, mas eu não sei se faria outra vez, entende? Acho que foi, realmente, um arrojo, não apenas meu, enfim, mas de toda a empresa, um arrojo muito grande. Mas eu não conheço em nenhum setor, nada, no nosso setor de varejo, nenhum aporte de capital.

Adriano Campos: Talvez compras de arroz um pouquinho grande.

Abílio Diniz: Bom, mas aí é fundamentalmente... [risos].

Augusto Nunes: Eu peço licença ao senhor e aos nossos entrevistadores para um curto intervalo. O programa Roda Viva volta daqui a pouco.

Augusto Nunes: Voltamos ao programa Roda Viva com o empresário Abílio Diniz, líder do grupo Pão de Açúcar. Antes que eu aborde um assunto que tem se mostrado campeão em relação à curiosidade dos nossos telespectadores, o jornalista Guilherme Veloso vai fazer uma pergunta.

Guilherme Veloso: Está ligado ao nosso último bloco. Eu queria, não é uma pergunta, uma pequena provocação. Antes eu queria dar uma informação, que eu acho que interessa inclusive ao telespectador e está ligado a essa pergunta. Se você me permite um pequeno comercial da revista Exame.

Augusto Nunes: Por favor, à vontade.

Guilherme Veloso: Na próxima semana nós vamos estar divulgando a nossa edição Melhores e Maiores, que traz um ranking das maiores e melhores empresas do país. E o Pão de Açúcar é a maior empresa de capital privado nacional, ele já era na última edição, inclusive melhorou uma posição, ele é a quarta incluída entre as 500 maiores privadas e a primeira de capital nacional. Ligado a isso, o senhor falou que o governo deveria vender, para começo de conversa, as estatais produtivas que são, digamos, o filé mignon da história. Então, eu queria lhe perguntar: tem quem compre na iniciativa privada? Segundo: o Pão de Açúcar seria comprador? E a provocação é a seguinte: no momento, o Pão de Açúcar está vendendo, acabou de vender inclusive a Sandiz [lojas de departamentos] para o grupo Susa, que é ligado ao grupo Vendex [tinha empresas no Brasil como Sears, Dillars, Drogasil e Ultralar], holandês.

Augusto Nunes: Ah, Guilherme, é exatamente esse o assunto que despertou intensa curiosidade da parte dos telespectadores. Eu vou ler para o senhor algumas cartas, todas essas dizem respeito a esse assunto. Os alunos da Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, perguntam: se a venda da Sandiz pode ser interpretada como começo de uma crise do grupo Pão de Açúcar. [sendo interrompido] Não, por favor. Só deixe eu completar a leitura das cartas. O Francisco Jales, de São José do Rio Preto, pergunta se é verdade que a Sandiz foi vendida para que se injetasse dinheiro no Pão de Açúcar, que estaria sofrendo a forte concorrência do grupo Carrefour [rede internacional de hipermercados francesa]? Outros telespectadores, como o José dos Anjos, do Butantã, Alberto Suete, da Vila Mariana, querem saber simplesmente porque foi vendido e qual foi o preço? Nós temos a informação de que o senhor vendeu por 60 milhões de dólares, o que equivale a todo o investimento do ano passado, um bom dinheiro. “Se o senhor está tão otimista com o país, porque vendeu a rede de loja Sandiz?”, pergunta de Laércio Nicolau, e assim por diante. Querem saber também como é que o senhor pretende aplicar esse dinheiro, pedem conselhos. São candidatos a aplicadores. O Nelson Gomes quer saber, simplesmente, porque foi vendido. Matias Mansan, do Parque da Lapa, a propósito dos 60 milhões de dólares e de outras cifras ligadas ou Pão de Açúcar, pergunta se o senhor não sente nenhum remorso por ganhar tanto dinheiro às custas do pobre consumidor brasileiro? [risos]

Abílio Diniz: Olha, eu começo pela última. Pode parecer excesso de pretensão, eu não sinto remorso nenhum. Eu sinto uma enorme satisfação daquilo que eu, que nós contribuímos para a modernização do sistema de abastecimento nesse país. Acho que nós fomos pioneiros, acho não, tenho certeza, nós fomos pioneiros. Desde o ano de 1959, quando nós iniciamos a parte de supermercados, nós introduzimos o primeiro hipermercado no Brasil. Nós introduzimos essas lojas de sortimento limitado, podendo ir chegar até à periferia, às zonas mais longínquas. Eu sinto um orgulho, inclusive, do dever social cumprido. Agora, em relação a Sandiz, acontece o seguinte: a Sandiz representava em faturamento, no grupo Pão de Açúcar - no grupo Pão de Açúcar não, na Companhia Brasileira de Distribuição, que é quem tem as lojas, nós temos outros negócios - representava 4,7% do faturamento. Realmente, era muito pouco expressivo. Nós recebemos uma proposta muito interessante, por parte dos holandeses, para comprar essa parte, que representava 4,7% das nossas vendas. Há alguns anos atrás, por volta de quatro anos atrás, nós perdemos para os holandeses a compra da Sears. Quando os americanos saíram do Brasil, nós disputamos junto com os holandeses a compra da Sears e perdemos. Perdemos, olha, talvez por inabilidade nossa, perdemos porque... eu acredito que perdemos, fundamentalmente, porque eles pagaram lá fora, e nós já estávamos, nós Brasil, já estávamos com problemas de dúvida, se pagaríamos, se poderíamos pagar ou não poderíamos pagar. Enfim, àquela altura, nós já tínhamos a Sandiz, não pudemos acrescentar e somar mais. A Sandiz foi sempre um negócio que nós tivemos, que era pouco expressivo no grupo, recebemos uma boa oferta. Eu acho que, como empresários que somos, não vamos vender o nosso negócio fundamental, o nosso negócio principal, não é? Até porque nenhum de nós não está nem na idade nem com intenções de botar pijama e ir para casa. Então nós simplesmente vendemos esse pedacinho, quer dizer, foi um negócio normal, como qualquer outro.

Augusto Nunes: Onde é que o senhor pretende aplicar esse dinheiro?

Abílio Diniz: Bom, nós temos um plano de expansão bastante ambicioso para o ano que vem, dentro dos segmentos que nós já temos e mais um que nós estamos iniciando agora com a Shell [empresa fornecedora de combustível], que é uma joint venture para lojas de sortimento reduzido, loja de conveniência, chamadas lojas de conveniência. Aliás, isso aqui é quase que notícia exclusiva para dar no programa de vocês. Então, nós pretendemos seguir com nosso programa de expansão dentro do ramo que nós já estamos. Temos muita coisa para fazer.

Guilherme Veloso: Doutor Abílio, eu queria só voltar, retomar a posição inicial que eu fiz, porque a questão é a seguinte: como foi colocado antes, se discute muito, no passado, certas compras de empresas, inclusive públicas, ou certas transferências para o setor privado que, em vários casos, foram feitas ou com crédito subsidiado ou em condições, realmente, altamente favoráveis. Então, eu queria que o senhor explicasse, que quando o senhor fala em vender empresas produtivas, quer dizer, em que condições o senhor acha que isso deveria ser feito, de que forma? Quer dizer, é com crédito subsidiado, é a preço de mercado? Isso vale para uma empresa nacional, estrangeira? Quer dizer, como deveria ser feita essa privatização, como parece que é o objetivo?

Abílio Diniz: Olha, Guilherme, tenho que reconhecer que eu falei mais em tese do que na prática. Na prática, é muito difícil o governo diminuir a estatização através de uma privatização. Eu acho que o governo tem que diminuir a sua participação na economia, como Estado empresário, ele tem que diminuir através não do aumento das empresas. Esse é o primeiro ponto. E isso está no Plano Bresser. Isso é um negócio importante. O Plano Bresser prevê um aumento de investimento. De agora até 1991 ele prevê que o setor privado, que hoje está investindo alguma coisa ao redor de 12%, que passe a investir cerca de 17%. Então há um aumento de 5%. E os setores públicos, que ele pretende recuperar a capacidade de poupança e de investimento no setor público, o setor público aumentaria de 7,3%, para 7,5%. Então, você veja que o crescimento do país se dá em torno do setor privado. Eu acho que é mais por aí. Porque, primeiro, para se conseguir [gesticulando], realmente, uma privatização das empresas públicas, o governo teria que saneá-las, certo? E para sanear as empresas, você sabe muito bem que o endividamento que essas empresas têm, tanto externamente quanto internamente, é praticamente inviável. Então, nós temos que diminuir a participação do Estado na economia como Estado empresário, nós não estamos nem falando em ingerência no caso do Estado gestor. Nós temos que diminuir através do não aumento. E isso está no Plano Bresser.

Antônio Carlos Ferreira: Doutor Abílio, o senhor acabou de falar que o senhor sente orgulho de ser acionista e é o principal executivo do primeiro grupo nacional do país. Portanto, o senhor é uma pessoa de grande patrimônio pessoal. Eu gostaria de tocar num assunto que, às vezes, é pouco tocado no Brasil, que é a questão também da atividade social do empresário. Como que um empresário pode também ajudar e contribuir a resolver a crise, as crises pelas quais o Brasil passa? Inclusive o ministro Bresser, que o senhor tem defendido aqui neste programa, ele acha que a principal causa da inflação é exatamente uma causa política e social. Ele diz que é o conflito distributivo, esse sim que é a grande causa da inflação brasileira, e não tanto o déficit público. Embora reconheça que isso também seja uma causa inflação ele acha que isso não é o principal nem o fundamental no momento. O que existe no Brasil é uma grande luta social pela repartição da riqueza nacional. Então, eu gostaria de saber qual é o papel do empresário? Eu acredito que se o Brasil falir nesse momento, não for para frente, não conseguir ser aquele país que todos acham que algum dia será ou que pode ser algum dia, seria uma falência das elites no país. Eu acho que as elites brasileiras têm falhado em resolver,também em participar, não que elas tenham que resolver a situação do país, mas em participar ativamente nas soluções dos problemas nacionais. Acho que inclusive essa causa inflacionária que o ministro Bresser tem levantado, que é a questão distributiva, é uma causa muito importante. Qual é o papel, então, eu pergunto, do empresário na solução desses problemas nacionais?

Abílio Diniz: Tonico, eu acho que sua colocação é extremamente importante. Eu acho que os empresários no Brasil já se omitiram muito do processo político, do processo social, do processo econômico, da vida que nós levamos. Acho que houve uma época, acho não, tenho certeza, houve uma época em que o nosso papel foi extremamente importante, que foi por volta de 1978, 1979, quando nós começamos a pressionar e alertar para a necessidade de uma abertura e de voltarmos a um regime democrático. Qual foi, quantitativamente, a nossa participação, é difícil de nós avaliarmos. Agora, sem dúvida nenhuma, houve uma participação importante dos empresários...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Mas o senhor reconhece que, neste momento, os empresários estão um pouco ausentes.

Abílio Diniz: Mas eu estou fazendo uma retrospectiva para chegar no teu ponto. Nós já tivemos, então, no passado, momentos de maior atuação social. Eu reputo esse movimento, por volta de 1978, Manifesto dos Oito [documento assinado por importantes empresários criticando a política econômica do governo Geisel], que vocês se recordam. Eu acho que esse movimento foi extremamente importante para o processo de abertura nesse país. Muito bem, posteriormente e principalmente durante o governo Figueiredo [João Baptista Figueiredo (1918 – 1999), foi um general militar. O último presidente do Brasil do regime militar], os empresários tenderam a ficar muito mais acomodados. Eu acho que agora, neste momento, face aos problemas que estamos vivendo em todos os campos, problemas econômicos, problemas políticos e problemas sociais, onde entram os conflitos distributivos como você está falando. Eu acho que os empresários estão se conscientizando que não dá mais para ficar administrando nosso pequeno mundinho, ou seja, a nossa empresa, a nossa casa, a nossa família a nossa circunstância.

Guilherme Veloso: O senhor acha que dá mais para fazer política como o Antônio Ermírio de Moraes [empresário, engenheiro e industrial brasileiro, proprietário do grupo Votorantim. Foi candidato ao governo de São Paulo em 1986, mas ficou em segundo lugar], por exemplo? O empresário deveria partir para uma militância política tipo Antônio Ermírio, por exemplo?

Abílio Diniz: Quando ele parte, como o Antônio, para uma militância política, ele deixa na realidade de ser empresário. Ele até se afastou da sua empresa, está certo, e foi ser político. É uma outra coisa. Eu acho que os empresários podem atuar como empresários.

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Só um minuto, nós estávamos conversando sobre a atuação do ministro Bresser no exterior. O ministro Bresser levou uma proposta que foi achincalhada nos Estados Unidos pelo Baker. E a impressão que eu senti, aqui no Brasil, apesar da proposta... eu também não vou concordar com certos termos dela, em fixar 50% da dívida para transformar em títulos etc, quer dizer, fixar um número que deveria ter aqui dentro. A estratégia geral da proposta do ministro Bresser é uma estratégia razoável que tem sido defendida no mundo inteiro pelos maiores especialistas do mundo. O Baker não aceita, porque o Baker tem um outro plano, que é o plano dele, que não deu resultado nenhum até agora. É por isso que ele não aceita, e está lá defendendo os interesses dos bancos estrangeiros. O que nós sentimos aqui no Brasil é que não houve uma reação de apoio ao ministro Bresser quando ele sofreu aquela situação constrangedora no exterior. Não houve apoio de ninguém. Eu não vi empresários saindo, falando em defesa dos princípio das renegociação que o ministro Bresser estava levando para fora. Eu não vi nada. Vi o contrário, todo mundo quieto, todo mundo parado. Onde houve alguma coisa, alguma notícia, alguma informação, alguma opinião sobre isso, foi opinião exatamente contrária, dizendo que o ministro está louco, está todo mundo arrebentado.

Augusto Nunes: Tonico, por favor, Só um segundinho. Eu queria depois garantir a pergunta do Jorge Escosteguy. Logo em seguida da resposta do doutor Abílio.

Abílio Diniz: Nós precisamos esclarecer esse ponto do papel de empresário. Eu acho que o empresário está mais atuante nesse momento, em relação... veja, Tonico, vamos lá. Em relação ao episódio Bresser e a saída dele para o exterior, quer dizer, existe um negócio aqui neste país, do qual vocês todos fazem parte. Eu não estou fazendo nenhuma crítica, mas quem mais forma opinião são os veículos de comunicação, é quem mais forma opinião. Todos os veículos de comunicação deram uma versão do que aconteceu lá fora...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] O senhor, por exemplo, não pertence ao conselho de um grande veículo de comunicação que é O Estado de S. Paulo...

Abílio Diniz: Eu não. Você está enganado. Eu não pertenço, nunca pertenci ao conselho do O Estado de São Paulo. É um equívoco. O equívoco é irrelevante. Acontece o seguinte...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Na Gazeta, o senhor participou.

Abílio Diniz: Cheguei a participar da Gazeta, mas não sou mais. O que acontece é o seguinte: eu chego a perguntar de que lado nós brasileiros, inclusive a imprensa brasileira, de que lado nós estávamos? Se nós estávamos jogando a favor do Baker ou se nós estávamos jogando a favor do Bresser. O que é que nós queríamos? Nós queríamos fazer aquilo que o Baker determinava? Nós estávamos torcendo pelo Baker, nós estávamos torcendo pelos credores internacionais ou nós estávamos torcendo por um homem que teve a ousadia de, de repente, levantar a questão e de dizer uma coisa que eu já disse ao Ricardo Setti, de tentar parar a brincadeira? Porque é uma brincadeira entre credores e devedores. Os credores dizendo que vão receber, os devedores dizendo que vão pagar. Todo mundo em um jogo de faz de conta e todo mundo sabe que não é nada disso que vai acontecer. Tudo bem, o Bresser teve a coragem de tentar romper com isso. Politicamente, não se trata de dar calote, não se trata de negar a dívida, não se trata de romper, de fazer confrontações, não. Ele partiu, realmente, para uma análise fria e tentando fazer uma proposta. Aqui dentro, a impressão que nós tínhamos é que todo mundo torcia pelo time contrário. Você está dentro do estádio de futebol...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Inclusive os empresários, suas organizações, seus sindicatos, não saíram em defesa de nada [sendo interrompido]. Quando a gente escuta empresários, como repórter aqui no Brasil, a gente vai ouvir empresário, ele fala: “Cortar déficit público e vai ao FMI [Fundo Monetário Internacional]”. É só isso que a gente escuta. Só.

Abílio Diniz: Muito bem, déficit público. Você me aponte um ministro da Fazenda que fez propostas tão concretas como o ministro Bresser tem feito, ultimamente, em termos de cortar déficit público.

[...]: Por que é que não funciona?

Abílio Diniz: Não funciona porque, nesse ponto, o ministro Delfim tinha toda a razão, todo mundo é a favor de cortar gastos desde que seja do vizinho, o seu não, está certo?

Alberto Tamer: O senhor acredita que no momento que o ministro Bresser Pereira não pode cortar o déficit público, que ele é enfrentado publicamente na imprensa por outros ministros e não tem nenhum apoio dos empresários na luta contra o déficit público, ao contrário, os empresários agora estão brigando contra a política salarial porque querem vender mais... Então eu lhe pergunto: o senhor não acha que é hora, com toda a dignidade, de dizer: “Senhores, vão embora, até logo, porque do jeito que está, não dá”.

Abílio Diniz: Eu não acho, Tamer.

Jorge Escsoteguy: Ele não está falhando no que é fundamental, praticamente, no plano dele?

Abílio Diniz: Não. Eu não acho que ele esteja falhando no que é fundamental no plano dele. Veja o seguinte: ele fez um programa de corte do déficit público, de combate ao déficit público, como eu não conheço e qualquer um que esteja aqui, me digam qual foi o outro ministro da Fazenda que fez um programa igual a que ele levou para o presidente?

[...]: Roberto Campos [(1917 – 2001), foi um economista, diplomata e político brasileiro. Foi deputado federal, senador e ministro do Planejamento durante o regime militar. É um ícone histórico do pensamento econômico liberal e anti-estatal.]

Abílio Diniz: Espera, espera aí, [abre os braços] não vamos voltar ao Roberto que foi há 20 anos atrás. [risos] Se for para falar do doutor Roberto, nós vamos ficar a noite inteira aqui falando dele e falando bem. Muito bem, não houve... Pelo menos, então, vamos saltar vinte anos, dá para saltar vinte anos, quase vinte anos, 19? [ri] Não houve nenhuma proposta concreta de corte em déficit público [sendo interrompido]... Espera aí, hoje o entrevistado sou eu, Tamer, amanhã, você senta aqui e fala quanto você quiser. Está certo? Hoje você vai fazer pergunta. Não houve nenhuma proposta concreta de corte de déficit público, como é que foi levado ao presidente Sarney, há vinte dias atrás e em seguida levada ao conselho monetário, proibindo os bancos oficiais de emprestarem para as empresas estatais. Este programa de corte foi uma violência, não se podia emprestar para os estados e municípios, não se podia emprestar para as próprias estatais, havia uma série de cortes que deviam ser feitos pelos próprios ministérios. O que aconteceu? A tal história do déficit público, que a nação toda se levanta e quer que seja cortado o déficit público, o que não é bem o déficit público... A nação quer que sejam cortados os gastos do governo, está certo? Porque cortar o déficit público aumentando os impostos, a nação não quer. Ninguém quer resolver o déficit público desse jeito. E não têm duas formas de resolver, ou você corta despesas ou você aumenta imposto. Você sabe muito bem disso. Foi levado isso, os ministros disseram que não iam cortar porque no ministério deles ninguém podia fazer nada, não dá para fazer nada. Os governadores e prefeitos imediatamente se levantaram e disseram que estava tudo em ordem, que não podiam cortar coisa nenhuma, que o déficit era um déficit financeiro, quando isso é uma falácia, o negócio não é assim. Aí, Tamer, você está nervoso, calma. Praticamente todos se levantaram dizendo: “Não, nós não podemos cortar nada, não podemos cortar gasto nenhum”. Voltamos à história: todo mundo a favor de cortar gasto desde que seja do vizinho, nosso não. E quem é que se levantou para defender o ministro Bresser nessa altura? Ninguém. Agora, quanto ao déficit público, todo mundo é contra. Para defender quem estava atacando o déficit público, não. Agora, voltando de novo ao papel do empresário. Eu acho que o empresário está mais consciente. Ele está, pelo menos, altamente preocupado com o que está acontecendo com o campo político e o que está acontecendo na Constituinte. Eu acho que o que está acontecendo na Constituinte é muito grave, é realmente muito grave, muito sério. Vocês, com certeza, todos sabem disso, mas acho que é bom, porque esclarece os telespectadores que não têm isso claro. As Constituições, quanto mais curtas, melhores para o país. Deve-se remeter os pontos mais controvertidos para a legislação comum e para as legislações complementares. Vocês sabem o tamanho do projeto da nossa Constituição. Vocês sabem algumas coisas que lá estão inseridas. Para você ter uma idéia, a Constituição americana foi feita com sete artigos [sendo interrompido]. Depois foram colocadas 24 emendas ao longo do tempo. Os termos que nós estamos tentando analisar na Constituição sem o menor esclarecimento aos nossos 140 milhões de brasileiros, nós queremos mudar o regime de governo para presidencialismo, parlamentarismo. Parece torcida de futebol. Pergunta para um: “o quê, que você é?” “Eu sou parlamentarista”. “O quê, que você é?” “Eu sou presidencialista”. O que nós estamos tentando fazer, em termos de reforma agrária é um negócio terrível. As pessoas nem sabem o que estão fazendo. Um negócio de reforma agrária parece brincadeira, as pessoas ignoram. Está aí o anuário, o último anuário estatístico do IBGE que foi publicado agora, recentemente, referente a 1985, saiu em 1986...

Augusto Nunes: [interrompendo] Senhor Abílio, só peço que... o senhor Henrique tem uma questão também...

Abílio Diniz: [interrompendo] Espera aí, tenho que entrar nesse negócio aí. Nós somos um país essencialmente urbano. A nossa população mora nas capitais. Nós temos que tratar fundamentalmente o nosso problema mais sério. É um problema de desenvolvimento urbano, é um problema habitacional, é um problema de saneamento básico. E nós estamos tratando aí de terra produtiva e improdutiva, de minifúndio e latifúndio. Cerca de 5% da população americana mora na zona rural. 95% moram nas capitais. Nós estamos caminhando para isso, e os países hoje modernos caminham para isso, nós nos esquecemos desse negócio. Nós temos que ter é aumento de produtividade, realmente aumento de produtividade na terra e não continuar com essa história que tem que fixar o homem na terra.

Augusto Nunes: Doutor Abílio, por favor. Eu vou fazer uma pergunta, peço que o senhor responda de forma ainda mais sucinta, em seguida passamos à pergunta do Rick Turner. O cônsul da Bolívia, em São Paulo, acaba de telefonar aqui para a TV Cultura, está assistindo ao programa, ele pede ao senhor, maiores explicações sobre a afirmação de que à Bolívia pagou parte, pelo menos, de sua dívida externa com cocaína.

Abílio Diniz: Eu admiraria até que se, por acaso, o cônsul da Bolívia está nos ouvindo agora, que não reagisse dessa forma. Realmente são coisas que todos nós sabemos que existem, mas são coisas que não devem ser abordadas. Eu peço desculpas ao cônsul da Bolívia.

Rick Turner: Apenas queria colocar para o senhor, essa é uma visão ingênua, essa que ouvi de vários empresários de dizer que agora é a hora do empresário começar a fazer política no Brasil. Eu sei porque eu estou há dez anos no Brasil e eu sinto que, desde que eu estou aqui, eu sempre vi o empresário fazendo política. Apenas que a política se fazia no regime militar de forma fechada, já que era um regime fechado, se fazia principalmente na ante-sala do ministro Delfim. Por exemplo, os grandes beneficiários do sistema, do regime, sempre foram os empresários. Eu cito bens de capital, que o senhor mesmo citou, a petroquímica, onde o CDI [Certificados de Depósitos Interfinanceiros, permite que os bancos emprestem dinheiro e o tomem emprestado de outras instituições] existe, basicamente, para enfiar a empresa nacional em tripartite onde ele não tem, muitas vezes, nem o dinheiro, muito menos tecnologia, mas a empresa estrangeira que tem tecnologia não consegue licença para fazer alguma coisa nesse país se ela não se associa ao empresário nacional. Eu cito reserva de mercado que, agora, tem um grande lobby empresarial contra, mas tem um forte lobby dentro da Abicomp [Associação Brasileira das Indústrias de Computadores e Periféricos], que existe somente porque a reserva de mercado está aí. Quer dizer, o empresário critica, e tem uma choradeira fantástica contra a empresa estatal, a participação do Estado, mas em última instância o empresário nacional é o grande beneficiário desse sistema que foi montado aí. Agora, eu sinto que se ele passou a ter que fazer política, como o senhor diz, o que realmente acontece é que agora ele está meio perdido porque o jogo é diferente, o jogo é aberto agora e ele não sabe fazer esse jogo. A Constituinte está aí. Talvez o grande exemplo do lobby moderno, por mais que a gente possa desprezá-lo - ou pelo menos pode discordar - mas o Caiado [Ronaldo Caiado, político brasileiro ligado aos grandes agricultores] é um grande lobista empresarial moderno de direita, mas um grande lobista. Quer dizer, está se fazendo um novo tipo de política, mas eu não concordo. Eu acho que o empresário sempre fez, como ele fez, aliás, um golpe de Estado de 1964, como ele fez política ao longo dos anos.

Abílio Diniz: Eu acho que você está confundindo, um pouco, política com lobby, com benefícios.

Rick Turner: Lobby é política.

Abílio Diniz: Eu acho que você está colocando tudo dentro de, vamos dizer assim, dentro de uma mesma caixa.

Rick Turner: O senhor não falou em política partidária, especificamente, não é?

Abílio Diniz: Não. O que eu falei, especificamente, entende, quer dizer, foi de problemas políticos, problemas sociais e problemas econômicos [pontuando com os dedos], foi isso especificamente que eu falei. Agora eu vejo, hoje, os empresários muito atuantes, muito preocupados e procurando interferir, vamos dizer, em termos de Constituição. Você vai à Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], de onde eu sou membro do Conselho de Economia, você vai à Fiesp, o presidente da Fiesp te faz um relato de todos os constituintes com quem ele já falou, já conversou e já dialogou e, de todas as facções ideológicas, você vê o empresariado, hoje, tentando interferir. Você vê o empresariado com idéias a respeito de parlamentarismo com idéias a respeito de presidencialismo, você vê os empresários procurando realmente atuar, deixar o seu pequeno mundinho, porque há uma... O dia que nós sairmos da nossa empresa completamente e formos ser políticos, sem nenhum demérito à classe política, só que nós mudamos de lugar, nós mudamos de posição. Você falou agora no Antônio Ermírio. O Antônio Ermírio assumiu uma determinada posição, quer dizer, saiu, saiu candidato, perdeu, não importa, isso é outra coisa, mas o importante é nós não perdermos a nossa condição de empresário, continuarmos no nosso papel fundamental, continuarmos trabalhando para a produção desse país, procurarmos atuar nesse país e transformá-lo em um país melhor e mais digno, isso que eu acho que é importante. Porque se você considerar certas coisas que estão acontecendo aí... [sendo interrompido] por favor, não me interrompa agora, Augusto, que eu vou fazer realmente... Existem coisas nesse país, entende, quer dizer, que chocam. Chocam. Quando você faz comparações com outros países, você que é correspondente do The Economist, quando você faz comparações entre nós, Brasil, e outros países, e vê o potencial que nós temos, a dimensão que o Brasil tem e o que aconteceu conosco nos últimos 35 anos. Vamos pegar um período longo, desde 1950, comparativamente com uma série de outros países...

Augusto Nunes: Só não compare com a Bolívia, doutor Abílio [risos].

Abílio Diniz: Eu não vou mais comparar com a Bolívia porque o embaixador, o cônsul, está me ouvindo aí.

Antônio Carlos Ferreira: Mas aqui em São Paulo têm cônsul de todos os países [risos].

Abílio Diniz : Tem cônsul de todos os países, mas não tem problema nenhum. São dados do Banco Mundial. Nós, de 1950 para cá, nós aumentamos, nós crescemos a nossa renda per capita em três vezes. Ao passo que Coréia cresceu seis, Taiwan cresceu seis, o Japão, que é um grande exemplo, cresceu oito. Nós estamos ficando cada vez mais para trás, nós estamos deixando de fazer coisas e mesmo incluindo nisso aí o período do milagre econômico, onde nós crescemos a taxas recordes no mundo. E nós continuamos ficando para trás, por quê? Porque nós estamos sem coragem de fazer propostas realmente ousadas como essas que estão sendo feitas agora, de pegar o Bresser... Não estou defendendo o Bresser porque seja meu amigo, não, porque realmente ele teve a coragem de dizer: “Olha, aqui tem uma brincadeira nessa história aí. Vamos cair numa realidade, vamos enfrentar essa realidade. Eu não consigo pagar. Eu, Brasil, não consigo pagar os juros”. Se ele foi estabanado, se a proposta devia ter sido melhor elaborada, o Tonico falou: “Eu não concordo com o negócio dos 50%, coisa e tal”. Eu acho que não dá mesmo, 50% não cabe, entende?, quer dizer, tem que ser um pouco menos e tal. O bônus deve ser voluntário, alguma coisa desse tipo também, é por aí. Se ele foi estabanado é outro papo, mas ele teve a coragem de dizer: “Olha, nós temos que sair dessa”. Nós temos, da nossa população economicamente ativa nós temos 42% dessa população que ganha menos de um salário mínimo. E o nosso salário mínimo são 50 dólares. Quer dizer, isso é o Brasil, essa é a realidade do Brasil. E depois nós temos uma concentração de renda ou uma distribuição de renda tão má que faz com que 5% da população brasileira ganhe acima de 10 salários mínimos e com isso concentre toda a renda [todos falam ao mesmo tempo]. Eu acho que a gente tem que ter a coragem de enfrentar esses problemas estruturais. Nós precisamos deixar de pensar no Bresser, temos de pensar no dia de hoje. Acho que ele merece apoio porque ele está tendo coragem de tentar mudar [todos fala ao mesmo tempo].

Rick Turner: Doutor Abílio, apenas queria colocar que quando eu cheguei no Brasil, há dez anos atrás, não apenas empresas nacionais, mas também muitas multinacionais, há vinte vinte anos que a política era exclusivamente um jogo fechado e que muitas multinacionais nem tinham um departamento de assessoria de imprensa. Você ligava para os caras e não tinha ninguém para falar com você, por quê? Porque eles não precisavam da imprensa. Porque fazer política era outra coisa, dez anos atrás. Fazer política hoje... e o empresário está acordando que fazer política hoje é outra coisa, mas não que ele não faz política, apenas ele está fazendo outro jogo.

Abílio Diniz: Não, é que hoje ele faz política. Hoje ele faz a política que eu acho que realmente interessa para o país, porque hoje ele está consciente. Eu acho que o empresariado nacional... você pode dizer até, você pode dizer que os empresários estão com medo. Eu acho que estamos, sim. Nós estamos com medo do país que nós vamos deixar para os nossos filhos, nós estamos com medo do que vai acontecer daqui a cinco anos, três anos, dois anos, dez anos, não sei quando. Nós estamos com medo do que pode virar este país. Você pode dizer que o empresário está agindo assim porque o que o está impulsionando é o medo. Não importa. Não importa, mas eu acho que está atuando hoje, realmente, com uma preocupação social, com uma preocupação da má distribuição de renda que nós temos neste país, da miséria absoluta que nós temos nos bolsões de pobreza do Nordeste. Eu acho que o empresário, hoje, está consciente disso.

Antônio Carlos Ferreira: Eu tenho dúvidas dessa afirmação do senhor de que o empresário está tendo essa participação ativa que se exigiria até dele, principalmente diante de um país de uma distribuição de renda tão ruim como o Brasil. Eu acho que não tem isso exatamente pelo o que o Rick disse, que há um despreparo, inclusive, dos empresários, que ficaram vinte anos sem democracia. E no primeiro, segundo ano de democracia já começam a desesperar-se com a Constituinte. Eu mesmo vi, na resposta do senhor com relação à reforma agrária, um certo desespero: “Estão aprovando uma proposta totalmente errada de reforma agrária, isso não atinge ninguém”. Mas digamos que atinja 10% da população. 10% do Brasil, hoje, da população brasileira, são 14 milhões de pessoas. É uma Venezuela, é um outro país, é um país inteiro. São três Bolívias, com a autorização do nosso cônsul boliviano. Então, eu acho que os empresários, no Brasil, o senhor vai me desculpar, essa é uma afirmação minha, o senhor colocou as suas afirmações. Eu acho que a classe empresarial no país ainda não está preparada para a democracia. Nesse momento de críticas tão grandes aos políticos, e eu acho que elas são na maior parte das vezes cabíveis, eu acho que também cabe o outro lado, uma crítica aos empresários, já que... eles não estão acostumados com a democracia.

Abílio Diniz: Muito bem [todos falam ao mesmo tempo]. Espera, espera, espera, eu tenho que responder ao Tonico.

Jorge Escosteguy: Eu vou complementar a pergunta do Tonico, apenas complementando, até para não ficar uma impressão, quer dizer, quando começou o programa o senhor mesmo fez questão de dizer que não tinha procuração para defender o ministro Bresser.

Abílio Diniz: E não tenho mesmo.

Jorge Escosteguy: Apenas gostava dele e gosta muito, tanto que o defendeu muito bem. Mas, em compensação, fora o ministro Bresser não sobrou mais nada. Quer dizer, o senhor começou com o Plano Cruzado, passou pelo governo que não administra, os governadores e prefeitos que sabotam o controle do déficit público, as estatais que devem desaparecer, de tabela, alguma coisa na Bolívia, a imprensa que não soube noticiar a proposta do ministro Bresser, os políticos que não estão sabendo fazer uma Constituinte e até os brasileiros, que ficamos, de repente, do lado do Baker e não do ministro Bresser. Então, quer dizer, o senhor baixou uma visão muito pessimista. Queria, sem qualquer provocação, perguntar: então, qual é a solução, diretas já com Bresser na cabeça ou o país não tem solução? [todos falam ao mesmo tempo]

Abílio Diniz: Nós vamos fazer uma festa aqui. Eu vou deixar... Todo mundo fala e depois sobra para mim. Vamos lá.

Alberto Tamer: A minha está dentro. O senhor não acha que até uma reunião de ministros, aliás, eu quero fazer uma retificação a sua afirmação que ninguém reagiu. O Estado de S. Paulo, quando o ministro Bresser foi boicotado pelos ministros, O Estado de S. Paulo reagiu, no jornal em editorial, e eu pessoalmente em um artigo assinado com o título: “Ministro Bresser, saia.” Eu dizia a ele que ele tinha sido boicotado, estava sozinho, isolado, não podia fazer nada, devia ir embora, porque não havia nada...

Abílio Diniz: [interrompendo] Escuta, mas isso não é forma de ajudar.

Alberto Tamer: Então, eu lhe pergunto o seguinte: são os ministros do presidente, se os ministros do presidente revelam é porque o presidente deixa. O senhor não acha que está na hora...

Abílio Diniz: [interrompendo] Mas essa não é a solução, dizer: “Ministro Bresser, saia.” Não é a solução, quer dizer, solução é dizer: “Vamos dar apoio a esse homem que está tentando combater o déficit público”. Pois se O Estado de S. Paulo é um dos baluartes da luta contra o déficit público, vamos dar apoio a quem está tentando combatê-lo.

Alberto Tamer: Nós fizemos, nós estávamos... Agora, eu lhe pergunto, se esses ministros do presidente Sarney boicotam, se o presidente Sarney boicota... porque no dia seguinte, ele chamou o Archer e acertou com o Archer [Renato Archer, político, então ministro de Ciência e Tecnologia] e tornou-se pública a notícia, para que ele lhe levasse os nomes dos [...] que ele ia aceitar, ia admitir. Se o próprio presidente faz isso, porque ele quer apenas ganhar os votos na Constituinte por cinco, seis, sete, oito ou dez anos, não sei quantos que ele quer ficar... Então, o senhor não acha que a solução seria dar um jeito para que esse presidente saia, haja uma eleição dia primeiro de janeiro e acabe com tudo isso e vamos corrigir o país de novo? Será que ele não está demais?

Abílio Diniz: Olha, Tamer, você precisa, para chegar no presidente Sarney, você tem que analisar, realmente, as opções que você tem agora, nesse momento e nesse momento de perturbação. Eu voto com você. Você me falou que eu dei uma visão extremamente pessimista. Eu não acho que eu dei uma visão pessimista, eu acho que eu tenho uma visão extremamente otimista deste país. Eu estou é profundamente irritado com a quantidade de coisas que nós temos deixado de fazer. Evidentemente, que a solução não é "diretas já com Bresser" na cabeça, como você falou. O Bresser não tem a menor condição, não é político, não tem jogo de cintura. Como todo mundo está vendo, ele é um bom técnico, é realmente um sujeito capaz, que entende de economia, ponto. Quer dizer, é por aí, então não é esse negócio. Eu gostaria de voltar aqui ao Tonico e à participação dos empresários. Você disse que os empresários não estão preparados para discutir...

Antônio Carlos Ferreira: [interrompendo] Eu noto, nos empresários, uma certa impaciência com os resultados da Constituinte, que ainda nem chegou a resultado algum.

Abílio Diniz: Bom, eu tive bastante paciência em ouvir atentamente à sua exposição, o que você falou dos empresários. Agora, você vai ter a paciência de me ouvir, está bom? Eu te diria que se os empresários não estão preparados para discutir política, neste momento no Brasil, ou para conviver com o regime democrático. Eu diria que provavelmente ninguém está preparado, neste país, para viver com o regime democrático. Isso é normal, e nós não devemos nos desesperar por isso, porque isso aconteceu, inclusive, em outros países. Eu queria fazer, e eu acho que ainda dá para gastar um ou dois minutos, eu queria fazer uma pequena declaração de como é que eu entrei nessa chamada vida pública. Porque eu vivi a chamada Revolução dos Cravos [golpe de Estado militar que derrubou o governo de inspiração fascista que governava Portugal desde 1926. O levante foi liderado por oficiais militares de nível médio], em Portugal, em 1974, que não passou de um golpe de Estado. E depois vivi a Revolução em 1975, final de 1974, quando começou o Período Gonçalvista [O Período Gonçalvista refere-se ao momento em que Vasco Gonçalves foi primeiro-ministro de Portugal, de julho de 1974 a setembro de 1975]. Vi o que aconteceu naquele país [Gonçalves nacionalizou bancos e empresas privadas e organizou eleições] . Tenho feito afirmações contrárias ao parlamentarismo agora, tiradas, inclusive, das experiências que eu vivi lá, por acaso. Quer dizer, tínhamos empresa lá e vivi aquilo de perto, está certo? E lá também, quando se saiu de um período de cinqüenta anos de ditadura, bem maior do que o daqui e muito mais fechado, está certo? Houve uma desorganização total e o país caminhou radicalmente para a esquerda e depois houve um caminhamento natural, mais para o centro, para um socialismo, o que permanece até hoje e que está hoje colocando o país, felizmente, quer dizer, como um dos expoentes da Europa, em termos de crescimento. Nunca poderá ser um expoente em termos absolutos porque é muito pequeno, tem muito poucos recursos. Então, nós não estamos preparados, na realidade. Nós saímos de vinte anos de um período, vamos dizer assim, militar onde, eu acho que a atuação dos empresários foi importante para o processo de abertura. Talvez nós não estejamos, realmente, totalmente preparados. Agora, não estamos nós, não estão os políticos preparados, está certo? É uma coisa quase que surrealista o que está acontecendo, quer dizer... Tonico vamos com calma, não é? Porque eu tive calma de te ouvir. É quase que surrealista essa história, está entendendo? Nós acabamos com o colégio eleitoral [corpo de deputados que elegia indiretamente o governante militar durante a ditadura], demos grandes vivas porque acabamos com o colégio eleitoral e, de repente, vamos criar outro. Porque o brasileiro não vai mais eleger o presidente, mas ele pensa que o presidente é quem é o importante, mas se nós fizermos o parlamentarismo nós vamos eleger quem não interessa. Nós vamos eleger os congressistas, fazer um colégio eleitoral, para que eles elejam depois, realmente, aqueles que vão governar. Muito bem, o país não está sendo esclarecido sobre os grandes temas nacionais. O país, eu não vejo os políticos saírem e dizerem: “Olha eu sou parlamentarista, por isso, por aquilo e por aquilo”. Aliás, eu quero fazer uma declaração, eu acho que todos os três regimes, parlamentarismo, presidencialismo, o híbrido, todos eles podem funcionar, o que eles necessitam é de pré-requisitos. Há um problema aqui no nosso país, é que com a atual estrutura político-partidária, nós estamos arriscados, em um parlamentarismo iniciado já, imediatamente, a termos um gabinete por semana, que vai ser um caos, esse é o problema. Eu não vejo um político esclarecendo isso, eu não vejo o governo esclarecendo a população, os nossos 140 milhões de entendidos em dívida e déficit público, eles também seriam entendidos em Constituição. Eu não estou apavorado com a reforma agrária. Eu estou é preocupado com o nível de desinformação que a população tem e com o que se pretende fazer em termos de reforma agrária, por quê? Porque isso dá voto, porque isso é popular? Eu acho que nós temos que parar com as coisas que são populares. Eu acho que nós temos que olhar mais para o Brasil, nós temos que olhar para o país em que nós estamos vivendo. É isso que nós temos que fazer. Eu não estou vendo isso por parte dos governantes, em termos de esclarecimento público. Se os empresários estão ou não preparados, Tonico, não sei, até concordo com você, talvez não estejamos. A democracia é um negócio difícil de você conviver, realmente, e, normalmente, leva um certo período para você se adaptar a ela, para você se ajeitar com ela.

Rick Turner: O que o senhor achou da proposta do Mário Amato [ex-presidente da Federação e Centro de Indústrias do Estado de São Paulo entre 1986 e 1992], no fim do Plano Cruzado, quando já estava um desastre, mas quando ele veio a público para falar da desobediência civil. 

Abílio Diniz: Eu acho isso muito mal. Eu acho que o Mário falou no desespero, é evidente.

Rick Turner: Mas estava fazendo política.

Abílio Diniz: Mas espera um pouquinho. Estava fazendo política, mas era diferente, entende? Ele estava fazendo uma política típica de empresário. Ele estava na base: “Olha, não agüentamos mais”, quer dizer, "tem que acontecer alguma coisa", isso foi este ano, já agora...

Rick Turner: O que é que ele deveria ter feito naquela hora? O que é que o senhor teria feito se o senhor estivesse na presidência da Fiesp naquela hora?

Abílio Diniz: Essa sua pergunta vai requerer algum tempo pelo seguinte: o ano passado foi um ano completamente diferente deste. As empresas ganharam muito dinheiro no ano passado porque houve um crescimento enorme, tanto da massa global de salários como no salário médio real. Houve um crescimento enorme do consumo interno. As empresas, praticamente com o aumento de vendas cobriram todos os seus problemas internos, realmente, de custo. É claro que teve... houve exceção em tudo, não é? Então, no ano passado, o que é que o Mário Amato deveria ter feito? Eu acho que ele deveria ter feito o que ele fez. Ele ficou quieto, quer dizer, deixa andar. Pelo lado empresarial, deixa andar, pelo lado empresarial. Agora, eu acho que pelo lado político, vendo o que estava acontecendo para o país, nós deveríamos ter nos manifestado. Aliás, eu posso dizer o seguinte: eu não me manifestei publicamente, mas me manifestei através das pessoas competentes, contrário àquilo que estava acontecendo. Porque estava claríssimo que nós íamos bater na parede. Isso era evidente. Agora, como presidente de uma federação, Fiesp, com cento e tantos sindicatos por trás, todo mundo ganhando dinheiro... Ele, na realidade, não podia atacar demais, quer dizer, ele tinha que ficar ali vendo, não era o papel dele, ali, de sair tipo Dom Quixote, lutando contra o mundo.

Jorge Escosteguy: Não é um comportamento semelhante ao que o senhor criticou dos políticos, de que certas discussões ou certas coisas são populares, a mercadoria seria o voto?

Abílio Diniz: Não é nem popular. O papel do Mário Amato é um papel difícil. Na realidade, ele representa aqueles sindicatos todos. Se os seus sindicatos estão satisfeitos para ir lutar contra o governo por uma ideologia e dizer: "Olha, nós vamos bater na parede”. Ele [Amato] está indo contra aqueles que estão satisfeitos com aquilo que está acontecendo [sendo interrompido]. Espera um pouquinho...

Alberto Tamer: Então, ele segue os errados? Ele é o líder, ele tem que liderar.

Abílio Diniz: Espera um pouquinho, espera um pouquinho, é diferente de quem faz política com as pessoas todas tristes, com os salários diminuindo, com o poder aquisitivo caindo cada vez mais, com a miséria aumentando em inúmeros estados. Com tudo isso você sentir que as pessoas estão assim e não felizes porque se estão ganhando dinheiro, ao contrário do caso da Fiesp...

Jorge Escosteguy: No Plano Cruzado as pessoas estavam felizes, estavam achando que tinha acabado a inflação, estavam consumindo? Tinha a questão dos salários, tinha o gatilho...

Abílio Diniz: [interrompendo] Mas espera um pouquinho. No Plano Cruzado, durante uma boa parte do Plano Cruzado houve uma enorme ilusão neste país e as pessoas se iludiram. Nós estamos falando do papel do Mário Amato versus o papel que o Tamer está colocando agora, que é o papel do político. O político faz... é claro que toda a regra tem uma exceção, eu não sou contra a classe política, estou respondendo uma pergunta do Tonico, estamos todos despreparados, talvez. Isso leva algum tempo para se acomodar...

Antônio Carlos Ferreira: É claro que algumas pessoas têm uma responsabilidade maior. Um empresário como o senhor, que é o controlador da maior empresa privada brasileira, tem uma responsabilidade caso o Brasil se inviabilize economicamente, uma responsabilidade maior do que um homem comum. Embora todos os brasileiros sejam iguais perante a lei o poder de fogo que o senhor tem é muito maior do que a pessoa que vai simplesmente comprar alguma coisa num supermercado Pão de Açúcar. Por isso que eu acho, minha tese atual, no momento, é de que eu acho que a elite brasileira, formada por políticos e empresários, está falhando na resolução do problema. Não a população que está indo lá, pedindo, às vezes coisas descabidas no Congresso, na Constituinte. Estão exercendo seu papel abertamente, levando suas propostas, mesmo que sejam descabidas, um pouco fora da realidade, mas estão lá, abertamente, lutando e batalhando. Acho que o papel dos políticos e dos empresários é de ver isso como os nossos primeiros passos para a democracia real.

Abílio Diniz: Olha aqui, Tonico. Você me conhece, você me conhece pelo menos há uns sete, oito anos, ou coisa parecida, quando você fazia entrevista na Globo, coisa e tal. Você me conhece há muito tempo. Quanto à minha pessoa, eu estou absolutamente tranqüilo. Eu acho que cumpro o meu papel, dentro das minhas idéias, com a minha convicção, está certo? Tentando fazer, com o pouco que eu possa fazer, tentando contribuir alguma coisa para este país. Quanto aos empresários em geral, o que eu afirmo aqui é que há, neste momento, uma conscientização maior. Sou honesto para dizer: pode ser fruto e resultante do medo, pode ser. Mas há uma conscientização, não importa de onde vem, mas há uma conscientização.

Augusto Nunes: Doutor Abílio, alguns telespectadores vislumbram alguma contradição entre que o senhor está dizendo e os preços praticados pela rede Pão de Açúcar. Dizem aqui alguns telespectadores como Rodrigo Mota, do Jardim Paulista, Lívia Soares, de Moema, Roberto dos Reis, de Campinas, todos dizem que o Pão de Açúcar pratica preços muito acima dos concorrentes e perguntam por quê.

Abílio Diniz: Só três?

Augusto Nunes: Só três, mas é uma amostragem.

Abílio Diniz: Eu acho fantástico, entende? Olha, essa parte... É evidente que quem se expõe na vida pública, como eu tenho me exposto... Aliás, vocês não pensem que é fácil você administrar uma empresa, conviver com as responsabilidades, inclusive perante os acionistas que, felizmente, são a minha família, mas conviver com a responsabilidade de administrar a empresa e se expor publicamente. A quantidade de inimigos que você acaba tendo pelo caminho é muito grande. Porque, principalmente quando eu me orgulho de ter sido, talvez, o empresário que mais apoio deu ao doutor Tancredo [Tancredo Neves] para que ele viabilizasse a sua candidatura, o Tamer deve lembrar bem disso porque ele estava muito ligado ao senador Roberto Campos, que estava muito ligado ao Paulo [Paulo Maluf, concorreu com Tancredo Neves pela presidência em eleição indireta]. Quantos inimigos eu fiz por aí por andar ajudando a viabilizar a candidatura do doutor Tancredo? A única tristeza que eu tenho é que ele não chegou sequer a governar. Quantos inimigos eu não ganhei com isso? Agora, eu acho que este é o papel do empresário. Eu acho que nós temos que enfrentar os inimigos na certeza de que estamos fazendo muito mais amigos do que inimigos, numericamente são maiores, um número muito maior.

Augusto Nunes: Você quer fazer uma pergunta?

Adriano Campos: Não. Eu acho que essa questão toda seria uma aprendizagem, a democracia [como] uma aprendizagem, a questão da Constituinte é uma aprendizagem, não tem dúvida, o Plano Cruzado foi uma aprendizagem. Uma pesquisa do Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, indica que 31% dos paulistas e 33% dos cariocas, além de outras questões, pretendem se filiar às associações de consumidores. Houve um aumento brutal no período do Plano Cruzado da consciência, principalmente da classe média, com relação aos seus direitos de consumidor. Como é que o senhor vê essa questão, hoje, desse consumidor mais exigente e nos próximos anos, em termos de consciência mesmo de consumidor? E como é que ele vai atuar, hoje, exigindo dos supermercados...

Abílio Diniz: [interrompendo] Eu acho extremamente importante o papel que vocês estão fazendo em organizar as associações de defesa do consumidor. Você sabe muito bem que isso existe nos países mais avançados do mundo. Você sabe que há legislações protegendo, os avanços que essas associações conseguiram, isso é extremamente importante. A única coisa que eu condenaria era se isso fosse deturpado, fosse tentado tirar benefícios políticos, porque aí dá o maior partido do país, o partido do consumidor. Com exceção dos trinta e poucos milhões de brasileiros que vivem a leste do mercado de consumo, o restante são todos. Mais de cem milhões de brasileiros são consumidores, quer dizer, então dá o maior partido político do Brasil. Então, desde que isso seja feito de uma forma técnica, de uma forma saudável, de uma forma realmente em benefício do consumidor, isso é uma necessidade. Eu aprovo inteiramente.

Augusto Nunes: Doutor Abílio, o senhor falou da existência de inimigos mas o senhor não disse se, de fato, os preços do Pão de Açúcar são mais altos que os preços dos concorrentes. São?

Abílio Diniz: Olha, a minha família toda compra no Pão de Açúcar. Eu acho que se, por um acaso, fossem mais altos eles comprariam nos concorrentes.

Guilherme Veloso: Doutor Abílio, voltando aí à discussão anterior, o senhor não acha que, talvez até por falta dessa vivência democrática - e o senhor deu exemplo muito bom de Portugal - não há também inclusive por parte de uma parcela do empresariado, às vezes, um certo saudosismo do passado recente mais autoritarista, mas onde as coisas funcionavam, entre aspas, melhor. Quer dizer, não há uma certa saudade, se o Tamer me permite usar de novo, do Golbery [do Couto e Silva (1911-1987), chefe da Casa Civil no governo de Ernesto Geisel (1974-1979), teórico militar contrário à linha-dura mas importante na articulação do Golpe de 1964], de triste memória, pelo menos foi o que ele representou. Uma saudade do general Urutu [veículo blindado produzido pela estatal Engesa e desenvolvido nos anos 1970. Símbolo do regime militar]. Quer dizer, naquele exemplo... [sendo interrompido] se levantou a questão do déficit. Se deu o exemplo do Campos. Quer dizer, o Campos realmente resolveu o problema só que com o general Urutu do lado, aí é muito mais fácil. Quer dizer, quando os governadores chiam hoje eles chiam porque eles têm uma representação política, mal ou bem, quem vai julgar é o povo votando daqui a quatro anos, vai reelegê-los ou não. Eles agem em nome disso, e é uma pressão política legítima. É normal o governador, os prefeitos... os próprios ministros, em última análise. Não tem isso também, quer dizer, essa falta de prática leva a esse saudosismo aí de dizer: “Bom, antes pelo menos a coisa funcionava, não tinha democracia, mas funcionava”.

Rick Turner: Eu vi outro dia, no carro de alguém andando pela cidade aí, um negocinho escrito com um desenhinho do Delfim dizendo: "Ah, eu era feliz e não sabia".

Augusto Nunes: Doutor Abílio. Desculpe, Tamer, nós estamos no ar desde nove e meia, são onze e vinte e cinco e essa é a última pergunta do nosso programa, a última resposta [sendo interrompido]. Não dá tempo Tonico, não dá tempo.

Antônio Carlos Ferreira: Só para complementar um pouquinho, porque...

Augusto Nunes: Então, rapidamente.

Antônio Carlos Ferreira: Porque eu sei qual é a resposta que o doutor Abílio vai dizer. Vai dizer que em 1978 e 1979 os empresários saíram em defesa da democracia, o que é uma verdade. Só que os empresários saíram no final, já no momento em que o regime militar estava totalmente deteriorado. Acho que os empresários, aqui, brasileiros, estão um pouco acostumados com o momento bom dos regimes militares, quando a coisa estava indo bem, quando a coisa começa a degringolar, porque os empresários estão acostumados...

Abílio Diniz: [interrompendo] O Tonico está impossível, ele resolveu responder à pergunta do Veloso por mim, por mim. Tonico [ri].

Augusto Nunes: Doutor Abílio, o senhor só tem dois minutos, é a última resposta do programa. Tamer, infelizmente, nós não temos tempo.

Alberto Tamer: Só duas três palavras, três palavras.

Augusto Nunes: Então, três segundos para você.

Alberto Tamer: Obrigado. O senhor não acredita que, complementando o Veloso, que o Sarney descobriu isso e já chamou os militares?

Abílio Diniz: Não, eu não acredito.

Augusto Nunes: Doutor Abílio Diniz.

Abílio Diniz: Realmente, eu não acredito e, olha, eu vou dizer mais, eu não acredito que os empresários tenham a ilusão de que em um país de 140 milhões de habitantes, em um país que tem o Nordeste, em um país que tem zonas de pobreza absoluta semelhantes à Índia, eu não acredito que alguém possa pensar que nós podemos vir a resolver os nossos problemas com um regime completamente fechado. Não dá, é evidente que, economicamente, se nós tivéssemos um general lá, entende, quer dizer, batendo com o punho na mesa, fazendo tudo aquilo tecnicamente que deveria ser feito, coisa e tal, em um curtíssimo prazo, muita coisa ia acontecer e ninguém ia chiar. Os órgãos de comunicação também não iam poder dizer tudo aquilo que queriam, aquela história toda que nós conhecemos. Muito bem, mas não é possível, hoje, nós conseguirmos conviver com esses 140 milhões de brasileiros dentro de um caldeirão fechado. Nós temos que conviver com eles em um regime de abertura, em um regime de diálogo e tentando fazer um país melhor. É isso, Veloso. Eu não acredito que o empresariado não esteja consciente disso, hoje.

Augusto Nunes: E aqui termina o nosso Roda Viva com o empresário Abílio Diniz. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às 9:25 da noite, entrevistando o ministro Aureliano Chaves. Boa noite.

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