Gabriel Chalita
5/8/2002
Chalita faz uma análise do processo evolutivo do conceito de escola e cita educadores famosos na história para corroborar suas teses em relação à educação pública


Paulo Markun: Boa noite. Ele administra uma estrutura que cuida do destino de seis milhões de brasileiros, algo assim como o estado de Pernambuco ou como muito país no nosso mundo. Ele também pretende capacitar, valorizar e incentivar o professor, mas também quer que o professor cobre mais a si mesmo como educador, porque acha que os alunos precisam ser seduzidos para a educação. Para discutir essas idéias e esse desafio, o Roda Viva entrevista esta noite Gabriel Chalita, o jovem secretário da Educação do estado de São Paulo.
[Comentarista]: Tudo na vida do paulista Gabriel Isaac Chalita começou muito cedo. Aos 15 anos de idade ele já era professor; aos 19, vereador e presidente da Câmara Municipal da cidade natal Cachoeira Paulista. Formado em direito e filosofia, fez mestrados em direito e ciências sociais e doutorados em direito, comunicação e semiótica. Aos 33 anos de idade, já publicou mais de trinta livros, a maioria na área de direito, filosofia e educação. Entusiasmado com a profissão de ensinar e ainda dando aulas, ele quer valorizar e capacitar melhor os professores da rede estadual de ensino público em São Paulo. Há quatro meses na Secretaria Estadual da Educação, ele era secretário da Juventude do governador Geraldo Alckmin desde o ano passado [2001]. Gabriel Chalita comanda uma das maiores estruturas da administração pública paulista. A Secretaria da Educação de São Paulo tem 320 mil funcionários - sendo que duzentos mil são professores -, seis mil escolas e seis milhões de alunos, um orçamento anual de 7,5 bilhões de reais, quase o orçamento do estado de Pernambuco. Nessa estrutura toda, se não falta tamanho, também não faltam problemas. Ao assumir o cargo em maio último, o novo secretário anunciou prioridade ao combate à violência nas escolas, anunciou programas de capacitação e motivação de professores e defendeu a Progressão Continuada como melhor forma de ensino hoje no mundo. Implantada em 1998, a Progressão Continuada, que é a aprovação automática de alunos no ensino fundamental, criou polêmica, chegou a ser acusada de permitir a aprovação de alunos que aprendiam pouco ou quase nada. O secretário diz que o sistema é mal interpretado, precisa ser aperfeiçoado e ter o apoio do professor, que é a figura central desse processo. O professor precisa ter suas necessidades atendidas e precisa também mudar a forma de lidar com os jovens, motivar e seduzir os alunos para a educação. A escola pública, na visão de Gabriel Chalita, não deve ser mais a escola que só passa informação, ela precisa ser formadora de cidadania, ensinar mais valores sociais aos alunos e dar a eles uma visão mais crítica do mundo.
Paulo Markun: Para entrevistar o secretário da Educação nós convidamos José Maria dos Santos, editor-executivo do Jornal da Tarde; Mário Volpi, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef-Brasil; Âmbar de Barros, vice-presidente da Andi, Agência de Notícia dos Direitos da Infância; Gabriela Athias, repórter especializada na cobertura de políticas públicas e investigação na área social, com foco na infância e na educação; José Cerchi Fusari, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP; e Gilberto Nascimento, colunista do jornal Diário de São Paulo. [Programa transmitido ao vivo, que permitiu a participação do telespectador via telefone, fax e internet] Boa noite, secretário.
Gabriel Chalita: Boa noite.
Paulo Markun: O senhor tem um mandato, se o governador Alckmin [Geraldo Alckmin foi vice-governador nos dois governos de Mário Covas, de 1994 a 2001, tendo assumido o governo em 2001 devido ao falecimento de Covas, e eleito governador em 2002] não for reeleito, um mandato curto de secretário da Educação. Neste período curto, o que o senhor imagina que dê pra fazer? Qual seria, assim: “Tudo bem, eu vou sair da Secretaria e vou deixar isso feito”?
Gabriel Chalita: Olha, eu acho que é uma série de questões que são importantes dentro desse conceito educacional de São Paulo. Talvez o mais importante seja a figura do educador. Quando a gente pensa nos números que foram apresentados agora, inclusive, no Roda Viva, o tamanho que é a rede pública do estado de São Paulo, as complexidades, as várias vocações de cada região do estado de São Paulo, a gente acaba encontrando diferentes alunos que vêm um pouco do tipo de família que tem em cada região, do tipo de problema que tem em cada região. Então, eu acho que o grande foco deve ser nessa formação do professor, não é a linha pedagógica, não é a visão educacional e nem o aspecto conceitual que determina a qualidade da sala de aula, o que determina é quem está na sala de aula, é o educador. Eu acho que o investimento que nós estamos fazendo, o investimento que esse governo está fazendo é enorme, e tudo que se investiu em termos de construção de escolas, construção de salas de aula, de equipamentos informacionais, de bibliotecas, de expansão de quadras cobertas, tudo isso é bastante importante. Agora, sem dúvida nenhuma, o que dá esse diferencial, o que forma uma rede melhor, o que transforma esses alunos, o que prepara melhor esse aluno é o papel dos educadores. Eu acho que essa é a primeira grande questão. A segunda é transformar essa escola cada vez mais numa escola cidadã, como um desafio mundial, não uma escola que passe informações apenas, que traga algum tipo de conteúdo para ser trabalhado com esse aluno, mas uma escola aberta para a comunidade em que os pais participem, em que exista uma efetiva contribuição da comunidade escolar dentro dessa fundamentação da escola. E o terceiro, que era a segurança na escola, que eu acho que é um programa que já vem dando certo, nós abaixamos muito o índice de violência escolar. Nós elegemos essas três prioridades por determinação do próprio governador para trabalhar nesse período deste ano.
Paulo Markun: Nesse período do mês de junho, de julho, aliás, a Secretaria fez uma pesquisa junto aos professores. Já existe algum resultado parcial disso aí?
Gabriel Chalita: Nós mandamos uma ampla pesquisa para analisar várias questões ligadas à educação: Progressão Continuada, o Saresp, os núcleos de capacitação, a questão da informática, como é que ele enxerga a rede na qual ele trabalha, e a gente está recebendo essas pesquisas de volta e tendo uma ampla participação dos professores nessas respostas, e aprendendo com isso. Eu acho que a rede que tem essa quantidade de professores... e alguns que estão na rede há vinte anos, trinta anos, merecem respeito. Então, daí a nossa grande preocupação em democratizar essas decisões frente à Secretaria.
Âmbar de Barros: O senhor quer dizer com isso que o governo, que a gestão da Rose Neubauer [secretária da Educação do estado de São Paulo entre 1995 e 2002, na gestão de Mário Covas e Geraldo Alckmim] foi uma gestão autoritária que não ouviu os professores?
Gabriel Chalita: Eu acho que cada secretário tem um perfil. A Rose é uma técnica extraordinária e trouxe grandes avanços na educação do estado de São Paulo e priorizou algumas medidas. A questão da Progressão Continuada eu acho que foi uma das grandes bandeiras que ela implementou na Secretaria - e a gente concorda plenamente com essa bandeira -, a questão da reorganização escolar...
Entrevistador: Mas que não vem funcionando a contento, secretário [ao fundo].
Gabriel Chalita: ... a questão de reorganização escolar, que dividiu as escolas de primeira a quarta séries e as outras da quinta ao terceiro ano; um grande trabalho de organização da merenda escolar; nove mil, quase dez mil salas, aliás, de aulas, foram construídas nesse período; investimento de descentralização da escola; questão do repasse dinheiro para a APM, que foi inaugurada em 95 com repasse de 45 milhões, o ano passado se repassou 180 milhões de reais para as APMs, isso dando uma cara de descentralização da educação. Eu acho que a gente vem com outra postura agora, mais nessa questão humana-educativa.
Âmbar Barros: O senhor acha que oito meses dá tempo? Porque eu fico me perguntando: como o senhor é professor, foi professor e sabe que as mudanças no sistema são muito difíceis e lentas, o que o senhor vai poder fazer em oito meses que a administração anterior não fez em sete anos?
Gabriel Chalita: Olha, primeiro eu acho que o tempo é algo que deve ser vivido intensamente. Quando eu estive lá na Secretaria da Juventude, que era um outro desafio, aliás, nós estivemos juntos aqui no programa do Roda Viva, eu acho que muita coisa melhorou na Febem. O tempo que a gente passou lá já vinha de uma evolução, de um conceito que o governador Mário Covas estava trabalhando e o governador Geraldo Alckmin [ver entrevista Roda Viva com Alckmin] pegou isso como grande bandeira sua também. Mas eu acho que os programas de teatralidade que foram desenvolvidos, os programas educativos que nós conseguimos implementar lá, esse conceito de um outro olhar para esse jovem, a empregabilidade dele, tudo isso foi feito em sete meses, oito meses também, dando continuidade a essa questão política. Então, eu acho que o tempo ele faz com que a gente possa devolver projetos bastante interessantes. Recuperar a auto-estima do professor começa com uma teleconferência que atinge a rede toda, com visitas a diretorias regionais, com um canal imediato de comunicação. E acho que esses sete anos não foram perdidos para a Educação, muito pelo contrário, acho que São Paulo conseguiu se reestruturar. A questão da quantidade de alunos na sala de aulas, os índices mostram qual era a porcentagem de jovens que nós tínhamos na escola e qual a porcentagem que a gente tem hoje, quer dizer, você ter hoje 99,6% das crianças na escola, isso é um algo considerável, não dá para dizer que não houve esse aumento quantitativo. E é fundamental. Se uma criança está na escola, ela está produzindo, ela está evoluindo de alguma forma, então eu acho... [sendo interrompido]
Gabriela Athias: Agora, secretário, essa sua atitude mais conciliadora do que a da sua antecessora, o senhor tem feito reuniões com muitas pessoas, inclusive pais, de uma certa forma não facilita a reeleição do governador Geraldo Alckmin?
Gabriel Chalita: Olha, Gabriela, eu acho que a gente tem que trabalhar intensamente fazendo o melhor. Quando a gente visita essas diretorias regionais, isso eu acho que é alguma coisa interessante naquele plano de segurança quando se falou muito na questão da polícia na porta da escola, dos zeladores, da contratação de vigias, dessa melhoria do espaço, eu insistia muito de que se o educador mudasse a postura ele conseguiria diminuir o índice de violência. E foi o que nós mais investimos nesse período, a questão da teleconferência, das capacitações nas diretorias regionais. Eu sinto que a rede tem tido uma receptividade ótima. A gente não tem tido nenhum tipo de problemas com as entidades de classe ligadas ao magistério, à educação, e tem sido muito interessante esse contato por tudo aquilo que a gente está vendo que acontece nas escolas. Às vezes a gente pega alguns casos isolados: “Ah, tal escola tem problemas altos de analfabetismo, tal escola o professor bateu no aluno, tal escola...”. Aí você pega uma outra escola em que eles estão aprendendo ópera, outra escola em que o coral é fantástico, outra escola que está numa periferia e foi toda reconstruída pela comunidade. Se não sair da Secretaria para visitar isso, não se entende a Educação do estado São Paulo.
Gabriela Athias: Não, veja, eu fiquei pensando assim: a gestão anterior foi uma gestão muito técnica, a rede teve muitos avanços, falta um monte, mas a rede avançou muito, a Progressão Continuada, a reorganização da rede... enfim. Agora, foi uma gestão que teve muitos problemas de comunicação com os professores, uma gestão que teve muitas greves, que enfrentou problemas diversos, de toda natureza, nessa coisa da educação. E agora, a poucos meses da eleição, vem o senhor, que é muito mais dócil, que é muito mais gentil, que é muito mais elegante com os professores. Então eu fiquei pensando: será que não tem um fundo eleitoreiro em toda essa mudança de postura da Secretaria?
Gabriel Chalita: Olha, eu acho assim, quer dizer, o governador Geraldo Alckmin está há pouco tempo governando o estado de São Paulo, e um governador tem que colocar as pessoas da sua confiança. Eu conheço o governador há muito tempo, sempre tive o maior respeito por ele, desde a época em que era deputado estadual, federal, quando eu, aliás, era professor da rede pública, o convidei para dar uma palestra na escola. E aí nasceu uma amizade, um respeito, e logo que ele assumiu, ele me convidou para ir para Secretaria da Juventude, também não pensando em questões eleitoreiras, isso aí era no passado, não é? Então, você está formando a Secretaria da Juventude e ele conhecia o jovem que ele achava que tinha perfil para ir para lá. Quando a professora Rose resolveu se afastar, na eventualidade de uma candidatura, eu acho que ele foi buscar alguém que tinha um perfil próximo ao perfil dele, alguém que comungava dos mesmos ideais, dos mesmos objetivos em termos de educação, não é?
Mário Volpi: Secretário, em relação à metodologia, o senhor relativizou um pouquinho a importância da metodologia focalizando a questão do professor como principal agente dos processos educativos. Entretanto, se a gente for considerar o debate público hoje sobre a forma de ensinar, as discussões sobre teorias do conhecimento, sobre os processos de ensino e aprendizagem, tem um super debate - até quase que massificado - sobre a importância do construtivismo, da participação do indivíduo na geração do saber, e o Brasil é até uns dos países que produziu mais essa discussão da "pedagogia do oprimido", através do Paulo Freire... E o que me chama atenção é que todos os processos educativos que se leva adiante no sistema de ensino público no geral - e aqui no estado de São Paulo o senhor acaba de repetir isso - está muito fundamentado na sala de aula, em construir salas de aulas, em ter equipamentos, em ter o professor... Então, me parece que essa base é saliva, giz e quadro verde - que as pessoas insistem dizer que é negro, mas é verde, não é? - continua sendo a base do sistema de educação, quer dizer, não está colocada essa questão na metodologia aqui para a Secretaria de Educação do estado de São Paulo? Quer dizer, é apenas a capacitação de professores ou é a necessidade de mudar o processo, a relação que existe entre o educador e o educando?
Gabriel Chalita: Olha, é muito interessante isso que você colocou, Mário. Eu acho assim, se a gente pegar as grandes teorias educacionais contemporâneas, houve um tempo em que nós tivemos algumas revoluções nessa questão, alguns conceitos novos que surgiram: a questão da vinda do construtivismo, o sociointeracionismo com Vygotsky. Hoje a gente tem, assim, algumas linhas... você pega Philippe Perrenoud [sociólogo e professor suíço que coloca em seus livros que o desenvolvimento de competências nos alunos é a chave da educação moderna - ver entrevista Roda Viva com Perrenoud], que é um suíço que está fazendo um trabalho enorme com essas habilidades múltiplas do professor; o Hernández [Fernando Hernández, educador espanhol construtivista que defende a substituição das disciplinas tradicionais por projetos temáticos que permitam a interação entre a teoria e a prática], na Espanha, que também tem conceitos interessantes com essa metodologia de projetos, com esses novos enfoques educativos; o Edgar Morin [pensador francês, um dos mais proeminentes do século XXI. Sua obra trata do pensamento complexo exigido pela modernidade e é, por vezes, considerada bastante polêmica. Por solicitação da Unesco, organizou um conjunto de reflexões para se repensar a educação na atualidade, intitulado Os sete saberes necessários à educação do futuro, publicado em 2003 - ver entrevista Roda Viva com Morin], trabalhando essas teorias complexas; todos eles em linhas diversas vão focalizar no educador. Não que a sala de aula seja a única alternativa educativa, mas à medida que você está discutindo o sociointeracionismo, em que, por exemplo: você vai numa cidade do interior em que há um circo na cidade e pega fogo no circo; e aí o professor preparou uma aula de ciências e ele não quer falar sobre o fogo do circo. O sociointeracionismo diria: “Aproveite essas experiências do cotidiano e traga para a sala de aula”. A gente pega Morin falando, por exemplo: “Como é que você vai estudar o saber de forma compartimentarizada? Você está lá estudando várias questões estanques que não dialogam, não conversam, mas quem faz o diálogo? Quem educa”. Então, você tem opções educativas, você tem olhares educativos de uma visão do século XXI em que precisa essa formação. É aquilo que diz o artigo 205 da Constituição Federal: você precisa preparar o ser humano, preparar o cidadão e preparar alguém para o mercado de trabalho. Agora, quem opera isso é o educador.
Mário Volpi: Mas é um educador em uma comunidade educativa, que tem um diretor, que tem um coordenador pedagógico, que tem um professor, quer dizer, essa estrutura...
Gabriel Chalita: Claro, com certeza! É a família dialogando junto.
Mário Volpi: Mas essa estrutura não está em questão? Quer dizer, é essa estrutura mesmo: é uma sala de aula, uma escola isolada, na maioria das vezes, das demais políticas... ? Quer dizer, você tem fome e a escola dá merenda; aí você tem violência, a escola combate a violência; aí você tem deficiência visual e a escola distribui óculos. Quer dizer, quando a escola vai fazer o processo inverso? Ao invés de ser aquela que vai resolver os problemas da sociedade, é aquela escola cidadã, à que você se referia no início, que é aquela que vai ajudar a comunidade a resolver os seus problemas, mas provocando as demais políticas públicas, convocando as demais políticas públicas e atuando de uma forma integrada? Eu gostaria de entender um pouco como é que a estrutura da política de Educação do estado pensa essa perspectiva?
Gabriel Chalita: Eu acredito que é o seguinte...
José Cerchi Fusari: Eu queria intervir um pouco nesta questão...
Gabriel Chalita: Pois não.
José Cerchi Fusari: Porque eu acho que está em jogo a questão da concepção da educação e concepção de escola. Qual é a função social da escola no mundo contemporâneo, na sociedade brasileira contemporânea? Eu acho que essa concepção é extremamente importante sob o ponto de vista político, sob o ponto de vista pedagógico, na orientação de uma política educacional, seja da nação, do estado ou do município, não é? Porque é muito ambígua essa complexidade. Por exemplo, a escola é muito vista ainda como redentora da humanidade. Então, falta óculos, você dá óculos; falta comida, você dá merenda e, na conjuntura atual, nós temos que recuperar a essencialidade. Qual seria, na sua opinião, essa essencialidade do papel da escola? Tendo em vista a cidadania, formação para criticidade, para um exercício de intervenção na realidade, como o senhor veria essa questão?
Gabriel Chalita: Eu queria fazer uma rápida análise desse processo evolutivo do conceito de escola, já que se fala em concepção educativa, não é? Se a gente pegar um pouco a origem dessa discussão de autonomia lá na Grécia, com Sócrates, eu acho que é um exemplo bastante interessante. Quando ele dá o exemplo da mãe dele como parteira, e dizia que a dona Fenareta, que era parteira, não fazia uma criança, ela ajudava a criança a vir ao mundo... porque o processo educativo é um processo de gestação, de você fazer com que o ser humano tenha capacidade de se autogovernar, esse era o grande conceito que nascia dessa cidadania na visão socrática. Se a gente vai para a Academia Platônica, os discursos, embora aquele caminho, o mundo das idéias... Mas a discussão de Platão, quando ele passava até pelos conceitos de amor da época - o amor Eros, que era o amor carnal, amor sexual; o amor Fátrias, o amor companheiro; o amor Ágape, que era o amor pela humanidade -, ele dizia que era preciso trabalhar na academia essa habilidade das pessoas de enxergarem o mundo por meio daquilo que elas aprendiam. Quando a gente vai para Aristóteles, na Ética Nicômaco, que ele está escrevendo para o filho dele, que é um tratado sobre felicidade, ele está tratando exatamente sobre uma educação que ele comparava com a medicina e dizia que o médico precisa conhecer cada um dos seus pacientes antes de dar o medicamento e o educador deveria fazer isso com o seu educando também. A gente dá um pulinho na Idade Média e pega a escola de Carlos Magno, a escola de Abelardo, as discussões éticas que geravam de uma escola crítica e significativa, os temas que estavam sendo tratados nas escolas eram temas do cotidiano e isso dava essa visão dinâmica da escola. Na Idade Moderna, alguns movimentos educativos, alguns sonhadores em educação trabalharam um pouco esse conceito de uma escola mais aberta, até que vem a escola inglesa, no final da Idade Moderna, começo da Idade Contemporânea, que começa a tentar construir uma homogeneização do ensino. Eu acho que esse é o grande problema e é o grande problema que a escola hoje tem que trabalhar contra essa visão. À medida que se colocam os alunos enfileirados em carteiras com uniformes, chama-se por números e não por nome, inventam-se as matérias de forma absolutamente separadas e sem conversarem, e cada um trabalha uma habilidade especifica, quer dizer, esse aluno fica absolutamente perdido. Então, por que eu tenho que estudar o que é oração coordenada, o que é oração subordinada, por que eu tenho que estudar fórmula de trigonometria, por que eu tenho que saber o que é dígrafo? Não que eu não tenha que saber o que é isso, mas de repente todo esse processo educativo ficou totalmente desencarnado da realidade, aí a discussão da pedagogia da autonomia de Paulo Freire. Eu estou inserido numa sociedade com uma série de valores instrumentais na sociedade contemporânea, eu estou vivendo numa época em que o aluno que está com seis ou sete anos de idade, começando a chegar no ensino fundamental já assistiu cinco mil horas de televisão e eu estou discutindo o que é a "patanada". Então, não é significativo esse tipo de aprendizagem para ele. Agora, isso exige, primeiro, uma postura de que tipo de aluno nós queremos formar, que tipo de escola a gente quer formar e, depois, como atingir esse ideal. Aí que passa pelo educador. E o educador não é só o professor, é o funcionário da escola, é o diretor de escola, é a visão que esse diretor da escola tem. Como é que eu trabalho com a questão da exclusão dentro dessa escola?
Paulo Markun: Secretário, é uma fantástica problemática, não é? Agora, como é que coloca essa problemática numa estrutura que tem 230 mil professores, seis milhões de alunos, seis mil escolas, em que necessariamente a uniformização, a padronização, a verificação de algum tipo de aprendizado tem que acontecer? Tem que verificar se o professor foi lá, se faltou ou se não faltou, se a carteira tem carteira, se a mesa tem mesa.
Gilberto Nascimento: Secretário...
Gabriela Athias: Quer dizer, continuando o que o Paulo fala - desculpa, Gilberto -, se costuma falar muito que os alunos são - frase sua - “diamante a ser lapidado” e que “a saída da educação é pelo afeto”. Então, a minha pergunta é: como se transformar isso em política pública, quer dizer, como fazer o afeto?
Paulo Markun: Como é que lapida em massa? [Risos]
José Cerchi Fusari: Como personalizar? Como se operacionaliza isso, concretamente?
Gilberto Nascimento: Eu queria só complementar então, para complicar um pouquinho mais. Dentro dessa estrutura, o Diário de São Paulo publicou ontem uma reportagem que tem escolas - são escolas rurais, na verdade -, inclusive na região onde o senhor nasceu, na região onde mora o governador também, tem professora que é obrigada a fazer faxina e ainda fazer a merenda dentro da escola. E na questão, complicando aí também um pouquinho mais, a questão da Progressão Continuada, nós fizemos reportagem mostrando casos de alunos matriculados nas sexta, sétimas séries, e não era que não entendiam um pouco não, completamente analfabetos, não liam nada, absolutamente nada! E eu queria saber o que se conseguiu fazer concretamente para se mudar essa realidade e como é que se consegue...?
Gabriel Chalita: Vamos trabalhar os dois temas, não é? Essa primeira questão, de como é que a gente coloca isso na prática, eu acho que são desafios, é um processo. Esse governo investiu profundamente nessa questão da infra-estrutura, o que era algo importante você acabar com filas enormes na porta de escola, resolver o problema de vagas e tal. Aí a gente vai para a linha da educação afetiva, que um dia um jornalista até perguntou: “Essa coisa que o senhor inventou de educação afetiva... ?”. Isso aí era de Sócrates também. Sócrates que falava que passava informação de muitas formas, mas [para] educar você tinha que tocar na alma desse educando, e você conseguia recuperar esse aluno. E eu fui professor de escola pública e vi isso na prática. Como é fácil você burilar, você trabalhar, você lapidar - melhor dizendo -, esse aluno, valorizando, olhando para ele, chamado...
Gabriela Athias: O senhor disse “fácil”?
Gabriel Chalita: É fácil, é fácil. À medida que você vai desarmado para sala de aula, desarmado psicologicamente, [que] você não vai com síndrome de autoridade, de que o professor está em cima de um tabuleiro e que o aluno está lá embaixo, que o aluno está ali para te agredir... Porque quando o professor está com baixa auto-estima, ele entra na sala e o aluno está fazendo assim [virando o rosto de um lado para o outro, como a gestualizar uma negação], ele acha que é contra ele. O aluno, às vezes, tem um tique nervoso e ele pára a aula porque acha que o aluno está querendo aborrecê-lo, não é? Então...
Gabriela Athias: Secretário, a gente...
Gabriel Chalita: Deixa só eu concluir a idéia. Então, quando esse professor vai desarmado e ele está envolvido dentro desse processo, ele acaba conseguindo realizar aquilo que é um milagre da educação, é de passar informação, de passar conteúdo, e de, de repente, não ter a preocupação de que: “Olha, vou fazer com que os meus alunos sejam especialistas em toda essa questão que eu preciso passar para ele”, mas de que “eu vou passar valores para esse aluno”. Se um professor começa a passar postura, valor, ele olha no olho do aluno... Olha, eu repito que essa diminuição do índice de violência nas escolas deve-se muito a essa nova visão do trabalho que o professor está tendo na sala de aula. E não é difícil. É claro que, quando você fala de deficiência cognitiva, demora mais tempo, mas a emocional é rápida. Mas ela é rápida, só que é terapêutica. Então, você faz uma ampla capacitação, o professor vai com muita vontade de dar aula, vai entusiasmado, vai aberto, mas chega um ponto que volta no cotidiano e aquilo se perde. Por isso, ela [a capacitação] tem que ser continuada. E aí vem: eu acho que há duas grandes formas de capacitação; talvez três grandes formas de capacitação: uma que é essa de teleconferência em que se consegue atingir toda a rede, os 230 mil professores. Outra...
José Maria dos Santos: Secretário...
Gabriel Chalita: Pois não.
José Maria dos Santos: Eu queria só - dentro do que o senhor está dizendo -... O senhor disse que o educador tem que ser aperfeiçoado, não é? Então, vamos ver, no que precisa ser aperfeiçoado? O senhor está dizendo de teleconferências, [mas] no conjunto, no que ele precisa ser aperfeiçoado?
Gabriel Chalita: Exatamente, e para falar do que ele precisa ser aperfeiçoado vamos pegar a sua colocação da Progressão Continuada também.
Gilberto Nascimento: É. Dentro dessa estrutura precária, como se consegue tudo isso? Um resumo de tudo.
Gabriel Chalita: A Progressão Continuada, nos países em que ela foi colocada, ela deu trabalho sempre, porque ela trabalha com um mito que é o professor, de poder. Então, antigamente se virava para um aluno e falava assim: “Olha, fica quieto senão eu te dou zero”; agora você não pode fazer mais isso, porque ele fala: “Se ele dá zero, não vai me reprovar”. Então, esse conceito de trabalhar por ciclos, trabalhar pelo sucesso e não pelo fracasso, faz com que o professor precise ter algumas especificidades. Um adolescente não agüenta ficar cinco horas sentado na sala de aula, então você precisa sair para o pátio, tem que utilizar a sala de informática que foram colocadas em todas as escolas de quinta série ou ensino médio com mais de quinhentos alunos... Então, tem que trabalhar com sucata, tem que trabalhar com outros conteúdos que saiam dessa questão “sala de aula”. E há muitas escolas que fazem isso, há muitas escolas na rede pública que trabalham. Claro que, com 6.100 escolas, a gente vai encontrar escolas que não estão desenvolvendo esse trabalho e escolas modelares, escolas que não têm uma pichação, porque toda a comunidade se envolveu para melhorar, para reconstruir essa escola. E na mesma rua há escolas com problemas. As duas escolas receberam a mesma verba do estado, uma conseguiu desenvolver isso de forma razoável, outra não. Então quando a gente pega...
José Maria dos Santos: Qual é a verba do estado para as escolas?
Gabriel Chalita: É o que eu disse, com relação à APM, por exemplo, nesse ano passado foi repassado para as APMs 180 milhões de reais. Isso dá um contingente bastante interessante para essas escolas. Aí, depende do número de alunos que essa escola tem. Mas quando a gente pega a Progressão Continuada, eu acho que a evolução que o estado pode fazer é sob o ponto de vista de avaliação. Hoje, o Saresp está trabalhando com quarta e oitava série o sistema de avaliação do estado de São Paulo, [mas] ele deve ser feito em todas as séries e ser um instrumental externo de avaliação que ajude a correção da rota. Não é que vai reprovar na primeira série, é muito ruim para o aluno com sete anos de idade ser reprovado, é muito ruim para um aluno de oito anos de idade ser reprovado, então é melhor que esse aluno se desenvolva de uma forma interessante. [Na Progressão Continuada] ele tem um ciclo para que ele possa se aperfeiçoar. Para ele vai ser melhor no seu desenvolvimento profissional. Então, essa reprovação pode levar a um aumento de evasão, à saída dele da escola, a um sentimento, a uma experiência de fracasso. Eu acho que essa experiência, que não é uma experiência só do Brasil ou de São Paulo, é uma experiência mundial. Como é que a gente trabalha com esse conceito de uma educação mais sedutora, mais envolvente e que não trabalhe fracasso, mas trabalhe sucesso?, que é o conceito da Progressão Continuada.
Paulo Markun: Vieram aqui duas perguntas por fax, secretário, relacionadas à mesma região de Votorantim. Maria J. F. Guimarães, pergunta: “Por que a Secretaria da Educação propõe uma linha de ação baseada no afeto e mantém nas diretorias de ensino uma administração autoritária, arbitrária, com vícios da administrarão anterior?" E diz: “Por que as denúncias de desmandos administrativos das diretorias de ensino nunca são apuradas e nem chegam a alguma conclusão”. Ela menciona o caso da diretoria de ensino de Votorantim que, segundo ela, já é do seu conhecimento. Na mesma linha, Regina Célia Arantes de Almeida, representante da Comissão de Pais de Alunos de Votorantim pergunta se a Secretaria continua mantendo a reorganização das escolas iniciadas anteriormente ou se ela, que já separou as escolas de ensino fundamental das escolas de ensino médio, quer unir essas escolas novamente. E ela cita também um caso específico de duas escolas lá de Votorantim, que é a escola Professora Alice Rolin, ensino fundamental, e a Professor Daniel Verano, que é de ensino médio.
Gabriel Chalita: Olha, com relação aos dirigentes de ensino, nós temos hoje no estado de São Paulo 89 dirigentes regionais, e a postura que a gente passa aos dirigentes é de que eles sejam abertos, que eles recebam as entidades ligadas à educação, que eles visitem as escolas, que eles conversem com os pais, que eles tenham uma relação interessante. Porque eu acho que à medida que você está no cargo a serviço do povo, você tem que estar aberto a ouvir críticas, a discutir e nem sempre dizer “sim”. Nós mudamos vários dirigentes de ensino desde que a gente assumiu a Secretaria de Educação, e a gente tem um parâmetro nessas mudanças que é até esse Centro de Atendimento ao Professor, em que a gente vai analisando e aí ao educador da rede como um todo, e a gente vai analisando se as reclamações aos dirigentes do ensino elas são focadas num pequeno grupo de pessoas, que de repente discorda de algum tipo de atitude política do dirigente ou se isso é alguma coisa que contaminou a rede no sentido ruim: as pessoas se sentem mal-tratadas, não se sentem bem recebidas... Eu digo que o mínimo que se espera da Secretaria de Educação é que todo mundo seja educado. Então, a postura do dirigente de ensino tem que ser a postura de alguém educado. Ele pode discordar, pode ser firme. Então, casos específicos... pode ser que de repente uma professora não goste do dirigente, isso não significa que o dirigente não seja bom. E a gente está o tempo todo ouvindo essas colocações da rede e discutindo com eles os melhores caminhos para cada uma dessas regiões.
Paulo Markun: Quanto por cento do tempo do senhor é ocupado com isso? Porque isso deve dar um trabalho danado!
Gabriel Chalita: É, eu tenho viajado muito, visitado muitas diretorias regionais. Até nesse plano de segurança, uma das grandes questões que a gente colocou é visitar a região, poder discutir a respeito da política educacional que a gente acredita e dessa nova postura que deve ter o educador dentro da sala de aula, que é uma postura que o mundo leva a essa conclusão dessa formação diferenciada que um professor deve ter, de alguém que não pare de estudar, que não pare de se desenvolver. Agora, problemas a gente tem o tempo todo, eu acho que quem está em um cargo como esse tem que estar aberto a ouvir críticas, ter a humildade de corrigir aquilo que pode estar dando errado e, de repente, alguma coisa que deu certo há dois anos hoje não dá certo; o que deu certo há um ano, hoje não dá certo.
Âmbar de Barros: Mas, efetivamente, o senhor vai continuar com o processo de municipalização?
Gabriel Chalita: Eu acredito que sim.
Âmbar de Barros: O que o senhor vai fazer de concreto? Porque eu vou dizer uma coisa para o senhor, é difícil a gente discordar das coisas que o senhor diz, porque é tudo muito bonito, mas o que eu sinto - e eu conheço bem a rede e trabalho com projetos, com escolas, acompanho - é que há uma enorme distância entre a sua teoria e a prática do sistema, que não é culpa sua, está aí, é um enorme de um sistema. Então, eu queria que o senhor fosse um pouco mais concreto e desse exemplos, quer dizer, o senhor é a favor da municipalização? Ótimo. O senhor vai dar continuidade, vai fazer o quê?
Gabriela Athias: O senhor vai fazer o Saresp de novo?
Âmbar de Barros: É, o senhor é a favor, ficou evidente que o senhor é a favor da Progressão Continuada, no entanto, o senhor reconhece que tem sérios problemas. E os próprios professores ouvidos em pesquisas, estes professores com os quais, felizmente, o senhor diz que não tem nenhum problema, que é um milagre, porque a administração anterior tinha inúmeros problemas que foram resolvidos assim [abre os braços em sinal de desleixo]...
Gabriela Athias: Inclusive, por causa da Progressão Continuada que eles não gostavam.
Âmbar de Barros: Muitos professores detestam a Progressão Continuada! Então, o senhor não tem problemas com eles, o senhor gosta da Progressão Continuada e os alunos continuam chegando à quinta série sem ler e escrever. Quer dizer, o que de concreto o senhor vai fazer para aprimorar? Se é que o senhor gosta do sistema.
Gabriel Chalita: Vamos lá.
José Cerchi Fusari: Na mesma linha, eu acho que quando... na valorização, por exemplo, é preciso ouvir a rede. Uma das queixas que nós escutamos ao longo desses sete anos, mas queixas absurdas da rede, era de que os professores não eram ouvidos, os diretores não eram ouvidos, os coordenadores não eram ouvidos. E eu acho importantíssimo quando o senhor coloca que é importante ouvir. Agora, de concreto, na linha do concreto, quer dizer, como que é possível, o que está sendo feito para que de fato...? Porque eles reclamam muito de que as decisões são centralizadas e a execução [é] descentralizada. Cabe à rede, sempre, eternamente executora, e as decisões [de] que a rede não participa, não discute e nem concorda... a rede não tem acesso! Como, então, concretizar, como viabilizar isso?
Âmbar de Barros: Vamos lá no concreto...
Gabriel Chalita: Vamos lá, vamos lá no concreto. Olha...
Âmbar de Barros: ... o que o senhor está pensando para fazer com essas crianças que vão ser promovidas e que precisam evidentemente de um reforço, de um trabalho extra?
Gabriel Chalita: O que nós já estamos fazendo? Nós tivemos um Fórum sobre Progressão Continuada no mês de maio e desse fórum participaram USP [Universidade de São Paulo], Unesp [Universidade Estadual de São Paulo], Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e PUC [Pontifícia Universidade Católica]. Nesse fórum participaram todas as entidades ligadas à Educação, todas elas, Apeoesp [Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo], Apase [Sindicato dos Supervisores do Magistério no Estado de São Paulo], Afuse [Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação], Udemo [Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo], Undime [União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação], CPP [Centro do Professorado Paulista]. Todas elas participaram e todas elas tiveram espaço para colocar tudo que pensavam em relação à Progressão Continuada. Qual foi a conclusão do fórum, quer dizer, isso não está no plano das idéias, está no concreto. Houve um fórum e lá estavam quatrocentos educadores de todas regiões do estado e livremente falando o que quiseram falar sobre Progressão Continuada, nenhuma entidade da Educação, nenhuma - nem a Apeoesp, que é a entidade dos professores e o CPP, as duas - discordou de que a Progressão Continuada é o melhor sistema de ensino que pode desenvolvido no estado de São Paulo, no Brasil ou no mundo, o trabalho com ciclo. Então, veja, o que eles pontuaram foram algumas sugestões e essas sugestões começaram a ser acatadas.
Âmbar de Barros: Então, o que senhor vai fazer?
Gabriel Chalita: Por exemplo, o Saresp é uma das sugestões, que o Saresp não seja o elemento fundamental para a aprovação do aluno.
Paulo Markun: Vamos só explicar, secretário, porque estamos falando para o Brasil inteiro...
Âmbar de Barros: É, as pessoas não sabem.
Gabriel Chalita: Saresp é o sistema de avaliação que acontece no estado de São Paulo. Ele acontecia na quarta e na oitava séries, e agora a sugestão é que ele aconteça em todas as séries, mas que ele não seja um fator fundamental de aprovação. Quem aprova deve ser o Conselho de Classe e não o Saresp, então não é a nota que o aluno tira. Isso é absolutamente concreto, quer dizer, com elemento de uma ampla discussão da rede. Foi interessante, todos falaram o que quiseram falar, educadores de vários partidos políticos estiveram juntos numa discussão de algo que tem a ver com eles. Outra sugestão concreta...
Âmbar de Barros: Deixa eu ...Eu tenho uma dúvida...
Gabriel Chalita: Não, espera aí...
José Cerchi Fusari: Perfeitamente. O senhor está falando do seminário?
Gabriela Athias: Eu também.
Âmbar de Barros: Eu tenho uma dúvida: se o Saresp passa a ser anual, isso significa que então a reprovação pode voltar a ser entre um ano e outro?
Gabriel Chalita: Não, eu acabei de explicar isso. O Saresp ele passa a ser um instrumental de reprovação ou aprovação, quem aprova ou não é o Conselho de Classe.
Âmbar de Barros: No final do ciclo, como ele é hoje?
Gabriel Chalita: É, no final do ciclo, e quem aprova é o Conselho de Classe, são os professores daqueles alunos que vão aprová-lo ou não. E será no final do ciclo. Só que o Saresp passa a ser um instrumental que não tem mais cor, não tem escola com cor, que é uma sugestão da rede, mas ele passa a ser... [sendo interrompido]
José Cerchi Fusari: Aliás, uma medida salutar. É um absurdo essa classificação que a Secretaria implantou, absolutamente absurda, deprimente avaliar as escolas colocando várias cores. Eu achei, assim, salutar essa medida.
Gabriel Chalita: É, não tem mais para a gente não ter...
Gabriela Athias: Os alunos vão ser identificados, secretário?
José Cerchi Fusari: Discriminatório.
Gabriel Chalita: Não, para a gente não ter problemas de discriminação, estigmatização.
Gabriela Athias: Não?
Gabriel Chalita: Deixa só eu concluir essa resposta.
Âmbar de Barros: É, para a gente saber quais são essas medidas.
Gabriel Chalita: Então, quer dizer, isso é concreto: Saresp em todas as séries, quem aprova não é o Saresp, mas é o Conselho de Classe. Outra medida importante: os Núcleos de Capacitação de Professores passam a ser 89 núcleos. Toda diretoria de ensino começa a ter o Núcleo de Capacitação de Professores descentralizado, então a gente tem uma ampla capacitação com questões emocionais, com questões sociais, com questões gerais da rede e todos os problemas serão pontuados e a Diretoria Regional de Ensino, junto com um núcleo de professores que existe naquela diretoria regional, propõe a capacitação e ela é feita no local. Uma outra questão é um aperfeiçoamento dos parâmetros curriculares, um aperfeiçoamento daquilo que deve ser dado para os alunos. A gente chegou à conclusão que matérias - entre aspas chamadas cidadãs, porque todas as matérias deveriam ser chamadas cidadãs - como filosofia, sociologia, psicologia, eram matérias importantíssimas de estar no currículo do ensino médio. Questão da educação fundamental, de primeira a quarta série, que trabalha profundamente com a alfabetização, é hoje - e hoje não, isso já era dado antes, no governo anterior - dada por um professor, por um único professor, a gente separa educação artística e educação física, então você tem um professor de educação artística, que trabalha arte, e de educação física, que trabalha esporte, não é?
José Cerchi Fusari: Já tem isso.
Gabriel Chalita: Não, essas são as conclusões o seminário e são conclusões que a gente está implementando, quer dizer, algumas... os 89 [Núcleos de Capacitação] agora; o Saresp já; a mudança da grade curricular não dá para mexer no meio do ano... Mas essa discussão com o Conselho [de Classe]...
Âmbar de Barros: Agora, secretário, da municipalização o senhor não falou ainda.
Gabriela Athias: Se o Saresp não identifica o aluno e o senhor tem um resultado assim, por exemplo: 10% dos alunos da quarta série são analfabetos. Se o Saresp não identifica o aluno, como o senhor vai saber qual aluno que não sabe ler, nem escrever e precisa de reforço?
Gabriel Chalita: A escola identifica. Você tem o Saresp que é feito por todos os alunos da rede. Cada escola recebe de todos os alunos o seu processo de avaliação. O que a gente não quer fazer é estigmatizar a escola. À medida que você coloca uma cor na escola, fala assim: “Olha, esta escola é vermelha, porque esses alunos não tiveram o índice de aprovação que deveriam ter no Saresp”. O Saresp é “um” instrumental de avaliação, mas não pode ser o único.
Gabriela Athias: Mas internamente...
Gabriel Chalita: Internamente, sim.
Gabriela Athias: A professora vai saber que os alunos João, Maria e José não sabem ler e nem escrever?
Gabriel Chalita: Exatamente. Aluno por aluno. Mas aí é o Conselho de Classe que vai trabalhar. Você chega em uma sala e fala assim: “Olha, nesta sala você tem dez alunos com problemas de alfabetização”. Aí você vai ver o perfil dos alunos, olha, mas a gente, a gente está em um conceito de educação inclusiva, a gente está querendo trazer alunos com síndrome de Down, alunos com deficiência visual, deficiência auditiva, alunos com qualquer tipo de problema... enfim, necessidade especial para essa mesma sala de aula. Então, de repente, esse aluno que não consegue desenvolver sua habilidade cognitiva, ele está desenvolvendo a social e é ótimo. É melhor ele estar na mesma sala de aula e não ser segregado, mesmo que ele não saiba decor os nomes dos rios...
Gabriela Athias: Mas a questão é outra, não é?
Mário Volpi: Mas a escola vai esperar um ano para saber que o garoto não está aprendendo, é isso?
Gabriel Chalita: Não, o Saresp é “um” instrumento de avaliação.
Mário Volpi: Tá [está bem].
Gabriel Chalita: Você tem avaliação todo dia. O conceito da Progressão Continuada é uma avaliação diária. O contato do professor com o aluno é um contato de avaliação.
[Falam simultaneamente]
Mário Volpi: Mas e quais são, então...? Porque está se falando aqui em índices altos de adolescentes que têm dez, 11 anos que estão há quatro, cinco anos na escola e ainda não aprenderam a ler e escrever. Quais são as medidas que se vão tomar...? [Sendo interrompido]
Gabriel Chalita: Essas são questões pontuais. Uma coisa importante que nós estamos trabalhando na educação, porque às vezes vem o caso a pergunta do Gilberto: “Lá em Pindamonhangaba tem um problema da escola rural”, e esse é um tipo de colocação que para a rede não interessa tanto. Para a rede, o que interessa é o seguinte: temos 6.100 escolas; se você quiser no seu jornal fazer uma reportagem com uma escola, sempre você vai achar uma escola com problema.
Mário Volpi: Não, não, mas a minha preocupação não é...
Gabriel Chalita: Se você chegar...
Gilberto Nascimento: ... cerca de oitocentas escolas nessa situação das escolas rurais.
Gabriel Chalita: Não, você tem oitocentas escolas rurais, mas não em oitocentas escolas, porque, veja, você vai em cidade que tem 12 alunos na escola rural, como é que você resolve...? Às vezes, chega os pais desses alunos e não querem que ele vá estudar em uma outra escola em hipótese nenhuma, [e] você tem 12 alunos naquele local, quer dizer, você vai colocar quatro professores para 12 alunos? O estado não agüenta isso. Se for fazer isso em todas as regiões rurais, então você prepara aí esse professor para que ele tenha habilidades múltiplas para trabalhar com esse tipo de aluno. Aliás, quem deveria assumir esse aluno deveria ser a prefeitura, não o estado. De primeira a quarta série a responsabilidade é da prefeitura.
[Falam simultaneamente]
Gilberto Nascimento: Mas, de qualquer maneira, um professor que é obrigado a fazer merenda, a fazer faxina, ele consegue depois caminhar em busca de uma escola ideal?
Gabriel Chalita: Ele consegue... Veja que a resposta do professor é: “Às vezes os pais me ajudam a fazer”, e eu acho que não há crime nisso, não. Eu acho que nós temos professores valorosos na rede que, de repente, ele está com 12 alunos, é uma região absolutamente carente, você não tem outros funcionários e ele dá o máximo dele para fazer um bom trabalho. Às vezes a gente tem uma visão assim: a escola que vai lá e pega uma escola construída como uma escola de lata. Então, o estado não tem nenhuma escola de container, diferentemente daquilo que foi mostrado que havia na prefeitura de São Paulo. No estado de São Paulo não tem nenhuma. Mas tem uma escola de lá específica em uma área invadida, que foi invadida, quer dizer, não tem onde construir escola, aí você chega e faz uma reportagem naquela escola.
Gilberto Nascimento: Mas e o... ?
Gabriel Chalita: Deixa eu concluir. Você quer retirar aquela escola, chega o pai daquela comunidade e mãe daquela comunidade e diz: “Olha, eu não quero que retire a escola, porque meu filho vai ter que ir um quilômetro adiante”, e não há outro terreno para construir. Então, às vezes, a gente não pode ter uma visão simplista. Eu vou em tal lugar, vejo o problema e acho que a rede toda tem esse problema.
Gilberto Nascimento: Correto. Mas ouvindo o senhor, o senhor falou em um estado com os recursos que tem, com as condições que tem - são sete bilhões - não deveria ter escola de lata, não deveria ter escolas, por exemplo, nessas condições.
Gabriel Chalita: Então, como você resolveria esse problema? Você tem uma favela que foi totalmente invadida, uma área de manancial que foi totalmente ocupada por uma favela, o que você vai fazer?
Gilberto Nascimento: Nesse caso eu concordo. Você não tem nem a permissão para a construção de, sei lá.
Gabriela Athias: Talvez transporte escolar seja uma boa solução. Transporte escolar.
Gabriel Chalita: Vai convencer os pais do transporte escolar.
Gabriela Athias: Mas aí cabe.
Gabriel Chalita: Porque a gente coloca os pais para isso. Mas não pode ser uma medida impositiva, Gabriela. Você chega em uma região de uma favela, de periferia, aí você precisa ouvir aquela comunidade. E há um tempo de amadurecimento dessa visão educacional. Não é assim: “Olha, eu vou fechar essa escola e colocar um ônibus”.
José Cerchi Fusari: Eu gostei de ouvir, não pode ser uma medida impositiva, mas aí são dois pesos e duas medidas, porque a gente tem um repertório de avaliação da Secretaria da Educação, quando convém não tem que ouvir nada e implanta-se, como foi o caso de alguns aspectos da reforma, não é? Em outras situações: “Então não, agora nós vamos ouvir”. Então, é muito contraditória essa política de quando convém ouve, quando não convém, não ouve. E me preocupa a questão da inclusão, porque eu sou favorável à inclusão, acho um avanço a inclusão, mas quando a gente pensa em colocar na escola um aluno com deficiência visual, com deficiência auditiva, eu tenho clareza - porque eu tenho quilometragem de escola pública -, eu acho isso interessante, uma tese oportuna, mas me preocupa as condições objetivas de trabalho, de formação inicial, de formação de serviço, de carreira, de salário, me preocupa. Que professor que vai lidar bem criança no caso com 35, 40, 45 alunos em sala de aula? Então, são questões que afligem o professorado no estado de São Paulo, que é o estado de ponta, o Brasil inteiro está assistindo a gente neste momento.
Gabriela Athias: Tem mais uma coisa. Por exemplo, o senhor fala das comunidades, eu vou dar o exemplo de Paraisópolis, porque é um exemplo emblemático de falta de espaço, as escolas são complicadas... E lhe digo mais: eu estou muito acostumada em ouvir comunidades e ir conversar em muitas, em diversas. O senhor acredita que uma comunidade que, se eu for lá e propor para eles: “Aqui não há escola, mas vai ter um ônibus escolar”, que a mãe sabe quem é o motorista, que a mãe sabe onde o ônibus vai chegar, vai levar o seu filho para que, daqui a dois quilômetros, ele vai para uma escola de qualidade, que o seu filho vai efetivamente estudar e aprender, ela vai dizer não? Eu nunca vi essa situação, secretário. Não vai ser vetada.
Gabriel Chalita: Vai dizer não.
Gabriela Athias: Não vai, secretário.
Gabriel Chalita: Ela vai chegar e mostrar a casa dele e vai falar assim: “Olha, essa escola que estão dizendo que é de lata é muito melhor que a minha casa. E aqui o meu filho sai, eu estou vendo ele chegar da escola e eu não quero que ele saia de perto de mim”.
Gabriela Athias: Secretário, o que o senhor ouviu até hoje dizer sobre os transportes é assim: que ninguém sabia que horas o ônibus chegava - são pequenas questões - para onde o ônibus ia, se era seguro ou não era. Porque as famílias pobres também se preocupam com seus filhos!
Gabriel Chalita: Claro.
Gabriela Athias: Moram na favela, mas ali para eles é um lugar seguro. É bom que se diga, para eles ali é um referencial de segurança.
Gabriel Chalita: Por isso que eles querem que fiquem ali.
Gabriela Athias: Mas, secretário, faça essa experiência, lhe sugiro. Ofereça um ônibus de qualidade e veja se eles preferem uma escola melhor.
Gabriel Chalita: A gente tem feito. Veja, nós estamos tirando, destruindo e demolindo várias dessas escolas, estamos tentando acabar com elas mesmo, mas onde a gente não localiza... E, às vezes, a distância é de um quilômetro: “A gente vai construir lá, vocês vão escolher juntos o terreno”, e existe essa resistência. Eu acho que não tem que brigar, acho que tem que se convencer, tem que unir, tem que integrar, e essa comunidade aos poucos vai sendo convencida disso. O processo educacional, no meu conceito, não pode ser impositivo. Com relação à municipalização...
Âmbar de Barros: Obrigada! [Risos]
Gabriel Chalita: ...eu acho que é muito difícil alguém ser contrário à municipalização, ao conceito de municipalização.
Âmbar de Barros: E o que o senhor vai fazer? Como o senhor vai fazer?
Gabriel Chalita: O que eu vou fazer é dar continuidade ao programa de municipalização.
Âmbar de Barros: Qual a sua meta até o final do ano?
Gabriel Chalita: Eu acho que essa questão da municipalização, primeiro ela passa por um conceito bastante interessante, que nenhum município é obrigado a municipalizar. Ele tem uma ampla discussão na Câmara Municipal. Então, a Câmara Municipal que discute com a comunidade se ela deve municipalizar ou se ela não deve municipalizar. Quais são os instrumentais complicados? Porque aí você tem cidades e cidades, tem problemas e problemas com relação à municipalização. A meta, não dá para falar em meta este ano, porque a gente está proibido de municipalizar no período eleitoral, que é um tipo de convênio assinado com a prefeitura.
Âmbar de Barros: Ah, você não vai poder fazer nada até o final do ano.
Gabriel Chalita: É, a meta é implementar principalmente esse conceito de passar para o município a educação fundamental, se a gente consegue passar de primeira a quarta série, o Estado cuida melhor da escola de jovem, o Estado tem uma cara bastante definida do tipo de trabalho que a escola vai desenvolver. E o conceito de reorganização que, aliás, um telespectador havia perguntado, ele é correto. Você colocar uma escola de criança de primeira a quarta série e uma escola que vai de quinta série ao ensino médio é muito mais fácil de se trabalhar. O tipo de quadra, o tipo de sanitário, o tipo de instrumentos de trabalho, de material pedagógico da escola de primeira a quarta série é diferente de escola de quinta série a escola de ensino médio. Hoje, as escolas já são construídas dessa forma. Eu acho que o grande trabalho de reestruturação e reorganização da rede já foi feita em relação a isso. Aí não é meta de dar continuidade, é meta das novas escolas que estão sendo construídas, serem construídas respeitando essa visão: “Olha, escola de criança de primeira a quarta série, preferencialmente cuidada pelo município, escola de quinta série a oitava série, ensino médio, com um perfil jovem”.
Âmbar de Barros: Deixa eu pegar um gancho, que eu tenho interesse então, que eu acho que faz sentido isso que o senhor está dizendo, e aí eu lhe pergunto:como anda o seu programa de profissionalização de jovens e o que o senhor pretende fazer para ampliar? Porque ele parece uma boa idéia, mas ele é extremamente tímido diante do volume de jovens que precisariam receber uma profissionalização, um apoio para encontrar o primeiro emprego, enquanto ainda fazem a escola. O senhor podia falar um pouquinho o que é, quantos atualmente são atendidos e se o senhor pretende ampliar e quanto até o final do ano?
Mário Volpi: Deixa eu agregar só uma perguntinha em relação a essa então? Nós temos uma média no Brasil de 33% dos adolescentes de 15 a 17 anos que estão no ensino médio. Quer dizer, deviam ser pelo menos 90% não é? E o estado de São Paulo, embora tenha índices melhores que os demais estados do país, tem índices também muitos baixos de adolescentes entre 15 e 17 anos que estão no ensino médio.
Gabriel Chalita: Saltou de 70 a 94 % em oito anos.
Âmbar de Barros: 94%? Adolescentes, não.
Mário Volpi: Não, não, adolescentes não. Adolescentes de 15 a 17 anos no ensino médio, no ensino médio, do total...
Gabriel Chalita: Ah, do ensino médio...
Mário Volpi: Eu não tenho o dado preciso agora, não vou inventar um dado, mas é em torno de menos de 50%, com certeza.
Gabriel Chalita: Muitos deles estão no ensino fundamental.
Mário Volpi: Então, tem um problema de defasagem na relação série-idade que é um problema nacional da qualidade do ensino. A Âmbar levanta a questão da profissionalização e eu queria entender como a política estadual de educação está pensando no garoto que tem 15 anos e está na quarta série, que são mais do que a gente imagina. Então, a profissionalização por muito tempo foi tratada como um... [sendo interrompido]
Gabriela Athias: São 53% no Brasil.
Mário Volpi: 53%?
Gabriela Athias: Que estão abaixo da série que deveriam estar. Têm 15 anos e estão na quarta série [por exemplo].
Mário Volpi: Não, mas o dado é diferente. Adolescentes de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio.
Gabriela Athias: Então, 53%.
Mário Volpi: É menos de 53%. São 33%.
Âmbar de Barros: É menos. Em nível nacional é bem menos, 34%...
Gabriela Athias: Os que estão atrasados...
Mário Volpi: Mas voltemos aqui ao tema do adolescente de baixa renda, da baixa escolaridade, da importância da profissionalização. Como a política de educação está tentando responder a esse problema que é um problema nacional?
Âmbar de Barros: Números, eu queria números. Números objetivos.
Gabriel Chalita: Olha, eu acho assim, são duas perguntas ali, não é? Você gosta de números, não é?
Âmbar de Barros: Nossa, eu gosto de "pé no chão", porque teoria...
Gabriel Chalita: É, mas precisa das duas coisas. Se você não tem sonho, a educação não existe. Se você não tem capacidade de olhar para o horizonte e falar assim: “Olha, preciso tocar na alma desse pessoal, preciso trabalhar com a sua relação familiar, preciso trazer os pais para estarem em coral de pais e filhos, em cursos de violão de pais e filhos, em passeio ciclístico...”. São detalhes tão pequenos, mas isso faz a educação. Às vezes, não são só os números que fazem. Os números estão a nosso favor. Eu acho que o investimento que está sendo feito no ponto de vista quantitativo é enorme, mas a questão da qualidade passa por um aspecto às vezes que transcende a questão numérica. Mas com relação ao problema profissão, hoje tem cinquenta mil jovens no estado de São Paulo, só na Secretaria da Educação...
Gabriela Athias: Uma tragédia... [ao fundo]
Gabriel Chalita: ...trabalhando com a questão do problema profissão, do projeto "Profissão" que trabalha com várias áreas.
Âmbar de Barros: Conta um pouquinho o que é.
Gabriel Chalita: ...desde turismo, informática, tecnologia, teatro. Então, esse jovem fica durante um ano fazendo um tipo de trabalho que é uma profissionalização e é um auxílio para que, além do ensino médio, ele tenha um empurrão para o seu mercado de trabalho.
Âmbar de Barros: Ele vai para o ensino médio de tarde ou de noite, por exemplo, e aí ele recebe uma capacitação em uma área num outro turno, é isso? Na mesma escola ou em outro lugar?
Gabriel Chalita: Depende, pode ser em outra escola, pode ser em outro lugar, aí é uma parceria com a Fundação Paula Souza, com o Sesi, com Senac, dependendo do curso que é oferecido.
Âmbar de Barros: Eles são encaminhados para diferentes lugares?
Gabriel Chalita: Eles são encaminhados para diferentes lugares. Em alguns locais, dependendo, acontece na própria escola. Alguns cursos são no período contrário o dia todo, quer dizer, todos os dias da semana, outros três vezes por semana, duas vezes por semana...
Âmbar de Barros: E esse aluno recebe uma bolsa para fazer esse curso?
Gabriel Chalita: Não.
Âmbar de Barros: Ele não recebe nenhum recurso, ele só recebe o acesso a... ?
Gabriel Chalita: Exatamente.
Âmbar de Barros: E ele não paga nada por isso?
Gabriel Chalita: Ele não paga e ele tem um instrumental a mais.
Âmbar de Barros: E são cinquenta mil hoje?
Gabriel Chalita: São cinquenta mil.
Âmbar de Barros: E o senhor pretende ampliar?
Gabriel Chalita: É, existe já no orçamento do ano que vem um aumento aí de pelo menos mais trinta milhões de recursos empregados nessa área, quer dizer, então você coloca que serão pelo menos mais oitenta mil alunos no Programa Profissão na Secretaria da Educação, porque aí tem a Secretaria da Ciência e Tecnologia, que tem as Fatecs, que tem tecnologia em todas as áreas, não é?
Âmbar de Barros: Eu não quero monopolizar, mas eu fico pensando em uma coisa. O senhor realmente dirige uma secretaria muito grande, muito complicada, muito complexa, o senhor disse que deu aula desde pequeno, desde muito jovem deu aula e aí o senhor conhece o sistema muito melhor do que eu. E eu fico imaginando, eu ia ficar descabelada, e o senhor me parece aí muito tranqüilo, muito... O que tira o seu sono?
Gabriel Chalita: Olha, muita coisa... [risos]
Âmbar de Barros: O que te tira o sono? Qual é o seu... a pergunta é essa: o que tira o sono do senhor?
Gabriela Athias: Como secretário, não é, Âmbar? [Risos]
Âmbar de Barros: Como secretário!
Gabriela Athias: Como secretário, não é, Âmbar? [Risos]
Âmbar de Barros: Como secretário!
Gabriel Chalita: Às vezes eu fico muito preocupado com a injustiça sob o ponto de vista profissional, sob o ponto de vista político, não é? Quando eu ouço um “achismo” muito grande de vários núcleos de pessoas... isso sentia na Febem, na Secretaria da Juventude, sinto na universidade. Quando eu vejo pessoas que não contribuem, que não dão a mínima parcela de melhoria da própria sociedade na qual elas vivem e só jogam pedra, isso me deixa profundamente irritado. Eu acho que uma proposta educacional envolve uma série de questões. Eu queria voltar, aproveitando essa questão do sono, em uma experiência que eu tive há dois anos, a Gabriela estava falando das dificuldades de dar aula na escola pública. Eu comecei dando aula em escola pública, depois fui ser diretor de escola particular, fui assistente do Montoro [André Franco Montoro (1916-1999), uma das figuras mais importantes da política brasileira. Foi ministro do Trabalho e Previdência Social no governo de Tancredo Neves, entre 1961 e 1962, governou o estado de São Paulo entre 1983 e 1987 além de ter sido um dos mentores da campanha Diretas Já. Foi professor na Faculdade de Direito da PUC] na PUC, e há dois anos voltei para dar aula na escola pública. Tive uma experiência ótima. Eu voltei como professor voluntário, periferia de São Paulo, para fazer um trabalho que eu estava escrevendo um livro de filosofia e eu queria ver como estava a linguagem do aluno do ensino médio da escola pública. E foi uma experiência fascinante. Comecei a dar aula no segundo ano do ensino médio e aí alguns alunos do terceiro ano começaram a me pedir para dar aula de filosofia para eles também, que já é uma coisa muito legal, alunos de curso noturno. E aí eu dizia assim: “Vamos conversar no intervalo sobre alguns temas de filosofia. Vocês querem conversar sobre o quê?” E aí uma menininha lá: “Vamos falar sobre amor”. E o amor é um tema profundamente filosófico. E eu me lembro de que a gente falava de histórias de Tristão e Izolda e contava histórias... E um dia a gente estava falando sobre Sóror Mariana do Alcoforado [(1640-1723) Beja, Portugal], para alunos de escola pública! Sóror Mariana foi uma freira que se apaixona por um soldado. Esse soldado faz uma aposta com outro de conquistar a freira mais bonita do convento, e aí ele acaba conseguindo conquistá-la e ela se apaixona por ele. Para ela, era uma grande história de amor; para ele, foi uma aposta. E aí ele vai embora e ela fica praticamente louca. Aí a madre permite que ela escreva cartas de amor para ele. Ele nunca respondeu as cartas e depois que ela morre ele manda publicar todas as cartas. E eu me via em uma escola da periferia de São Paulo, sentado no chão, discutindo sobre cartas de Sóror Mariana do Alcoforado, e aqueles alunos ávidos por essas questões! Eu acredito profundamente no jovem, acho que o jovem é assim. Quando a gente estigmatiza o jovem é péssimo. Você olha e fala: “O jovem é aquele que gosta de sites macabros, jovem gosta de agressividade, só de violência, jovem gosta de...”. Não é verdade! Ele precisa ser conquistado, ser envolvido. Se eu, educador, entro com uma postura “aqui mando eu, eu mando nesta sala, eu vou dizer o que vocês vão aprender, eu vou decidir a história de vocês”, você não tem protagonismo juvenil, que é a grande discussão do século XXI. Agora, deixa esse jovem jogar capoeira na escola, faz uma fanfarra com esse jovem, realiza um festival de teatro, ele fica o dia inteiro ensaiando, porque é concreto, é o que o Hernández falava na educação da Espanha, quer dizer, se você quer trabalhar com a juventude, dá projeto, enfia projetos para esse jovem e desafie. Quando jovem é conquistado, ele é envolvido nisso, quando ele tem esses desafios ele faz coisas fantásticas. O Exupéry [Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), aviador, escritor e ilustrador francês. Foi piloto na Segunda Guerra Mundial e publicou livros e artigos em revistas relacionados a guerras e à aviação. No entanto, sua principal obra foi O pequeno príncipe, clássico da literatura infanto-juvenil que se tornou o livro francês mais vendido no mundo e o terceiro mais traduzido. Faleceu quando sobrevoava o mar Mediterrâneo em missão. Seu corpo jamais fora encontrado], autor d´ O pequeno príncipe [1943], dizia assim: "O que é um professor do seu aluno? Você quer que ele seja um livro que caminha ou você quer que ele tenha alma?". Eu acredito nisso. Eu acho que esse sonho é fundamental. E se o professor não tiver essa visão, ele não consegue educar.
Âmbar de Barros: A gente acha que as escolas têm que ser responsabilizadas, porque quando o aluno falha, se o aluno não tem sucesso, evidentemente a culpa não é dele, como o sistema faz crer. Todo mundo acha que “o aluno que não aprende” é culpa do aluno. É culpa de um grupo, de uma equipe. Aquele aluno falhou porque a professora não conseguiu ensinar, porque a supervisora não supervisionou, porque a diretora não dirigiu, porque o dirigente...
Gabriela Athias: Porque o pai dele não emprego, porque a mãe dele não tem remédio, porque falta comida na casa dele.
Âmbar de Barros: Bom, mas não importa, Gabriela. O problema é que o profissional de educação é um eterno resmunguento, ele resmunga e reclama de tudo: “Eu não consigo ensinar, porque... eu não consigo ensinar porque ele não comeu, eu não consigo ensinar porque o pai é separado, eu não consigo...”, e ninguém é responsabilizado. Então, não tem uma palavra em português infelizmente, a gente não tem, precisa inventar, que é a tal da accountability. Quer dizer, quem é responsável e quem será responsabilizado pela falência?
José Maria dos Santos: Âmbar, eu queria completar sua pergunta.
Âmbar de Barros: Isto é uma coisa que a gente queria que o senhor dissesse aqui: como o senhor vai responsabilizar? Além de ficar muito amigo dos professores, que é uma maravilha! [Risos]
José Maria dos Santos: Eu queria complementar, secretário, porque é o seguinte: por que no mesmo bairro há escolas pixadas e há escolas bonitas? Por que há escolas que abrem aos domingos e outras que fecham aos domingos?
Gabriel Chalita: Ótimo. Eu acho o seguinte: se a gente tem 230 mil professores na rede, a gente tem um grupo de professores totalmente de braços cruzados, autoritários, problemáticos, complicados, concordo plenamente.
Âmbar de Barros: É a maioria ou a minoria?
Gabriel Chalita: A minoria.
Âmbar de Barros: É a minoria.
Gabriel Chalita: A minoria da rede é assim. A maioria não é assim. A maioria da rede faz um trabalho fantástico. Eu estou acompanhando de perto essa questão com as escolas.
Âmbar de Barros: Se fizessem [a maioria], os resultados seriam outros, secretário. O senhor me desculpe.
Gabriel Chalita: Não, desculpa, mas esses resultados quando são analisados... Quando se faz uma pesquisa com alunos, são amostragens pouco científicas, às vezes, essas amostragens. Por isso que a gente quer analisar agora todos os alunos. Quando a gente faz pesquisa com escolas, é [com] todas as escolas; vai pesquisar professores, é [com] todos os professores, para você ter um retrato mesmo. A gente tinha uma quantidade de falta muito grande de professores. Tinha na rede, por exemplo, chegou a ter uma época em que a gente tinha vinte mil faltas de professores/dia, então, claro que alguns por motivos sérios mesmo, por problemas de saúde, mas muitos que iam, enfim, ao dentista toda semana, o que é algo problemático. Tem seis mil faltas/dia ainda, o que é um número elevado, deveria ser menor do que isso. Então, tem pessoas que estão mais preocupadas em jogar pedra e não fazem absolutamente nada, tem diretores que são fechados, têm uma postura autoritária, que não têm diálogo com a comunidade, mas eu tenho absoluta certeza de que isso é minoria. Você tem escolas que são centros de excelência, não é? E esse mesmo problema que tem na escola pública, acho importante de se colocar, tem na escola particular também. Também tem diretores ditadores na escola particular, tem problemas de professores, tem índices problemáticos de alfabetização em escola particular. Então, o problema da educação... [sendo interrompido]
Âmbar de Barros: Mas eles não são pagos com o meu dinheiro, secretário, então deixa pra lá, isso é problema do pai que escolhe!
Gabriel Chalita: Tudo bem, mas o problema da educação não é um problema da rede pública, é um problema da Educação. Hoje a Educação olha para o jovem e diz assim: “Eu não sei o que fazer com esse jovem!”. O jovem hoje é fruto da internet. Quando eu fiz faculdade de pedagogia, não se falava em internet, então não fui preparado para isso. Na minha faculdade, eu não fui preparado para trabalhar com o conceito de Progressão Continuada, eu não tinha que falar com questões ligadas ao jovem hoje de um mundo informacional, que de repente você tem um jovem apático, porque ele tem relações cibernéticas, não reais. Quer dizer, tudo isso exige uma postura de uma capacitação e de uma força de vontade enorme! E aí vem a colocação do José Maria, [de] que se tem no bairro uma escola que é um primor, que conseguiu abrir para a comunidade, que tem Ongs que participam desse trabalho - Ongs seríssimas que a gente tem pelo estado de São Paulo todo -, universidades, clubes de serviço, e um diretor que está aberto, um diretor que está há bastante tempo na escola. E histórias de escolas em Itaquera que, de repente, era uma escola totalmente abandonada e foi toda recuperada e não tem uma pixação na escola. Você vê o aluno tendo aula de flauta, de... [sendo interrompido]
Âmbar de Barros: E que ingredientes têm essas escolas?
Gabriel Chalita: Muita responsabilidade do diretor da escola, não é? Tem uma força, por isso vem sempre na pessoa, não é?
Âmbar de Barros: Liderança?
Gabriel Chalita: Exatamente, uma abertura. E, às vezes, o diretor da escola que fecha, ele não faz isso por mal, ele faz por uma má formação, ele faz por medo. Eu vou abrir a escola no final de semana e se der um problema na minha escola, o que eu faço?
Gilberto Nascimento: E o que faz, secretário, por exemplo, um caso que aconteceu recentemente aqui em Pinheiros, de uma secretária de escola que tacou fogo em um piano que tinha há não sei quantos anos lá na escola, que era um bem e tal, e que depois quer expulsar o aluno porque depois ele vai lá e bota no jornal, no boletim criado pelo grêmio da escola, se manifesta contra isso e é ameaçado de expulsão? O que se faz aí, por exemplo?
Gabriel Chalita: É um absurdo, tem que afastar a secretária [e não o aluno]. Quer dizer, mas a gente pega assim, a gente tem dez mil secretárias de escola, aí você tem um problema com essa secretária, com outra secretária, e alguns problemas...
Gilberto Nascimento: Mas como é que se lida com essa situação, como é que se trabalha isso, que tipo de...?
Gabriel Chalita: Com capacitação. Você tem que se envolver no pessoal, não tem outra alternativa. Os professores que estão na rede, grande parte deles são concursados, você não pode a qualquer ação desses professores mandar embora, falar assim: “Esse professor não é bom, vou trocar; esse diretor não é bom, vou trocar”. Se o diretor cisma de que não vai abrir escola, ele não vai abrir escola. Então, o que você tem que se fazer? Envolver. Daí a questão da amizade, parece ser uma coisa poética, mas é absolutamente concreta. Se o professor respeita a liderança que tem o secretário na relação com ele, quer dizer, “Olha, eu estou acreditando nessa linha. Eu acho que vou conseguir melhorar minha relação com os alunos. Eu acho que vou fazer minha escola mais aberta, eu acho que vai ser bom”. Se ele acreditar nisso, ele está mudando a postura; se ele não acreditar, não existe política impositiva nenhuma que mude a postura do diretor.
Gabriela Athias: Agora, secretário, apesar do discurso do afeto, de tudo, o que se fez em algumas escolas para conter a violência foi colocar câmera para vigiar os alunos. O que aconteceu nessas escolas? Falhou o diálogo, a comunidade não veio...?
Gabriel Chalita: Gabriela, eu acho que é uma coisa assim, o que nós estamos tentando respeitar é a autonomia da escola. Então, o que aconteceu? Aliás, as câmeras começaram a ser colocadas já com a professora Rose, não é?
Gabriela Athias: Sim.
Gabriel Chalita: A maior parte delas foi colocada na gestão da professora Rose. Mas o que foi feito naquela época também? Como você tem o conselho de escola, a APM, e você tem alguns problemas que surgem nessas escolas, então chegou-se à conclusão... E, depois que a gente colocou o plano de segurança, chegou-se à conclusão de que várias medidas poderiam ser oferecidas para essa escola. Qual foi o nosso discurso? O que vai melhorar a escola é a parte pedagógica. Vamos investir em esportes; Parceiros do Futuro, que é um programa extraordinário, que abre escolas em finais de semana, que eram 110 escolas e hoje são 400 escolas, e há outras que abrem sem o Parceiros do Futuro também; vamos investir na questão da cobertura de quadras... O governador autorizou cem milhões de reais para esse programa de seguranças nas escolas. A maior parte desse valor em capacitação, em investimento no professor. Alguns pais e algumas escolas queriam muito a colocação de câmeras e achavam que esse era... porque em escolas particulares tem câmeras.
Paulo Markun: Hoje em mais da metade das escolas tem câmeras.
Gabriel Chalita: Hoje mais da metade dessas escolas tem câmeras. Então, o que a gente fez? Respeitou a APM e o conselho de escola, “quer colocar câmera? A gente vai colocar câmera; quer zelador na escola?”, depende do conselho de escola ter zelador ou não na escola. Então, nenhuma escola teve a imposição de receber um zelador. Algumas escolas têm um trabalho ótimo com os zeladores, outras não tinham esse trabalho tão interessante com os zeladores. Então, coloca naquela em que a escola tivesse autonomia. O programa do hino nacional a gente lançou no mutirão da cidadania - e eu acho que é fantástico trabalhar conceitos de cidadania – [para] que a escola voltasse a trabalhar como hino nacional uma vez por semana e trabalhasse fatores de convivência com esses alunos. Não houve um decreto criando isso, foi uma sugestão. Nós fizemos uma pesquisa na rede e 95% das escolas colocaram o hino nacional. E não foi imposto, foi uma conquista. Agora, quando você vai respeitando essas escolas... Zelador, muitas existiam... “Ah, mas e se o zelador começar a brigar com o diretor da escola?”. “Não, quem vai escolher o zelador é o diretor da escola com a APM. Vocês escolhem o perfil do zelador, quer policial militar como zelador?”. Tem gente que é contra, tem gente que é a favorável. Deixa a escola decidir, deixa a escola errar, se ela coloca... [sendo interrompido]
Gilberto Nascimento: Mas há casos em que a escola tenta tirar e não consegue. Eu sei de pelos menos uma.
Gabriel Chalita: Que a escola, junto com o Conselho, quer tirar?
Gilberto Nascimento: Sim, que já tentou e não conseguiu!
Âmbar de Barros: Não conseguiu? Como assim, Gilberto?
Gilberto Nascimento: Se fez a reclamação, o conselho não quer a manutenção daquela pessoa lá dentro e não conseguiu porque alguém do governo disse que ia ficar lá e ficou. E o cidadão chegou a sair e voltou.
Âmbar de Barros: Mas eu, felizmente, percebo que o senhor acha que a saída não é câmera, não é polícia, não é...
Gabriel Chalita: Não, eu acredito profundamente na medida pedagógica interna da escola.
Âmbar de Barros: Na sua visão... o senhor sabe que não adianta.
Gabriel Chalita: E eu acho que a escola pode transformar em realidade.
Paulo Markun: E o senhor acha que esses 57% que caiu no índice de violência das escolas estaduais de maio para junho é resultado da mudança da cabeça do professor?
Gabriel Chalita: Exatamente. É resultado de teleconferência, de capacitação, de discussão sobre política de abertura de escola no final de semana, trazer a comunidade. Se a gente pegar só nessa ampliação das quatrocentas escolas e toda a preparação que houve dessas escolas para receber parceiros do futuro, envolvimento de pais dentro dessa escola... Quando você muda a postura... e, veja, às vezes as pessoas dizem assim; “Mas em dois meses você muda a postura do educador?”. Em um dia você muda! Se você faz uma teleconferência, reflete profundamente... E alguns professores querem receitas. É claro que, em termos educacionais, não há receita pronta, mas é um detalhe. Vira para o seu aluno, começa a olhar no olho dele e começa a chamá-lo pelo nome. Ele começa a ter um comportamento diferente. As questões de fundo, as questões cognitivas, a gente não consegue mudar em um dia, uma semana, um mês, um ano, isso é uma bagagem de formação que falta.
Paulo Markun: Eu queria mencionar duas perguntas aqui que têm a ver com a postura, a mudança de postura e que, digamos, cobram de alguma forma do secretário mais participação ou mais abertura. Uma é de Mauro Alves da Silva, que é coordenador da COEP - Comunidade de Olho na Escola Pública -, que diz o seguinte: “Parece-nos que o secretário só tem tempo para receber as corporações, porque desde 18 de abril solicitamos uma audiência e até hoje não fomos recebidos. Por que ainda hoje a comunidade não pode adentrar nas escolas, será que o secretário esqueceu sua tese de doutorado?”. E outra pergunta na mesma linha é de Caroline...
Gabriel Chalita: Espere aí, de que conselho que é?
Paulo Markun: Comunidade de Olho na Escola Pública, ele é coordenador e tem aqui a cópia desse movimento Comunidade de Olho na Escola Pública que congrega mais de vinte entidades, criada em 77 e relacionam uma série de reivindicações e pede uma audiência com do senhor. Então, já está aqui pedida de público.
Âmbar de Barros: Já está concedida, não é, secretário? [Risos]
Paulo Markun: E Caroline Miles, eu acho que é o nome dela, pergunta assim: “Eu gostaria de saber se o secretário sabe que há apenas duas horas de aula em média nas escolas e não cinco horas, como dito, e pergunta se o senhor vai receber os membros da UPAEPSP [risos] - o que tem de entidade ligada a professor e ao movimento de escolas é muito grande -, União Nacional de Pais e Amigos das Escolas Públicas, “já que o secretário não nos recebeu no dia 19, embora estivesse marcado a reunião há mais de dois meses e uma hora de "chá de cadeira" e, ainda por cima, desmarcou através de um assessor a reunião marcada para o dia 21 de agosto”. O senhor vê que esse negócio de abrir participação... [rindo]
Gabriel Chalita: É, mas eu acho fundamental isso. Eu acho que as pessoas têm o direito de reclamar, de colocar, de posicionar. Nós temos recebido todas, não é? Agora, há muitas entidades, então muitas vezes é uma entidade regional, é uma entidade... aí eu não recebo, quer dizer, tem um dirigente regional daquela região que vai receber a entidade. E tem uma série de outras pessoas na Secretaria que têm condições de atender. É uma questão do próprio grupo saber o tipo de reivindicação que ele vai desenvolver. As grandes entidades, aquelas que congregam mesmo, as entidades registradas, reconhecidas, todas essas estão sendo atendidas constantemente. E mais do que isso, elas estão sendo envolvidas no processo. Quando a gente discute parâmetros curriculares, grades curriculares, mudança, aperfeiçoamento, todas elas estão sendo chamadas para todos esses eventos, não é?
Paulo Markun: Só para registrar, como nós fazemos regularmente aqui, nós vamos entregar para o senhor todos os e-mails, as mensagens recebidas, porque muitas vezes são de reivindicações específicas, que não cabe aqui responder, até porque a gente tem uma limitação no número de perguntas, mas elas serão encaminhadas para que o senhor faça melhor uso.
Gabriel Chalita: E uma coisa que eu acho importante para colocar, é que a gente tem o site da Secretaria da Educação, que hoje é um canal direto com funcionários, com servidores, com professores e a gente até insiste que eles passem para - que é educacao.sp.gov.br - que eles passem justificativas, críticas, problemas, e todas essas pessoas encontram respostas.
Paulo Markun: O senhor poderia repetir o site?
Gabriel Chalita: educação.sp.gov.br. Educação sem o til e sem o cedilha.
Gabriela Athias: Secretário...
Gilberto Nascimento: Secretário, eu queria voltar para um outro assunto, das crianças que estão fora da escola, embora São Paulo tenha um percentual pequeno de crianças fora da escola.
Gabriel Chalita: 0,4%.
Gilberto Nascimento: Mas numericamente isso é um número significativo, não é? Ele é comparável com alguns estados que têm percentuais altos, mas numericamente eles se aproximam do estado de São Paulo. Quais são as estratégicas básicas que a Secretaria está desenvolvendo para atrair essas crianças para a escola, uma vez que, quem sabe que colocando câmeras não seja a saída para transformar a escola em um espaço atrativo, não é?
Gabriel Chalita: É, a gente vai fazer, novamente - isso não é a primeira vez que se faz - a matrícula conjunta entre prefeituras e o estado. Então, nós pretendemos fazer - agora é período eleitoral, então a publicidade é um pouco mais complicada - com uma prestação de serviços, insistindo aos pais, investindo nessa questão de que o pai matricule seu filho, que ele leve seu filho à escola. É um índice muito pequeno se a gente considerar o Brasil todo e se considerar os índices de países absolutamente desenvolvidos, não é? São Paulo chega aos 99,6%, quer dizer, 0.4% em idade escolar não está no ensino fundamental. Então, eu acho que... claro o caminho é você conseguir a totalidade desses alunos.
José Cerchi Fusari: Isso na matrícula, mas depois durante o ano tem evasões também, obviamente, que...
Gabriel Chalita: É, a evasão do ensino fundamental hoje no estado ela está em média em torno de 4%. Ela caiu de 9,5 para 4%, que é um índice bastante interessante. Agora, é claro que aí há problemas sociais, problemas de violência doméstica, problemas... Quer dizer, há outros fatores que transcendem um pouco a questão escolar, não é? E claro que precisam fazer parte disso. Eu tenho dito que a gente precisa implementar uma coisa que deu certo na Espanha também que é o chamado Escola da Família, trazer essa família para próximo da comunidade, que é algo em que você vai acompanhando um pouco mais esses pais. E com mecanismos mais sedutores, tem que envolver e seduzir os alunos e também os pais. Se você chama os pais para participarem da escola só para a reunião ou dar bronca nos pais, eles não participam da escola. Você começa a criar programas, não é? E há escolas que já desenvolvem isso. Você tem programas de corte e costura aos sábados para mães daquela escola. Então, é um tipo de convivência que esse aluno está praticando esporte e a mãe está na escola fazendo alguma coisa. A escola tem que estar aberta, acho que esse conceito de abertura de escola é fundamental.
[Falam simultaneamente]
José Cerchi Fusari: Secretário, eu quero colocar de novo uma questão do conceito de concepção de escola, porque, veja, eu acho que a escola é parte integrante do social, não é? Ela reflete em si todas as contradições sociais, portanto nós temos dentro da escola um conjunto de problemas que estão sufocando de certa forma a questão da especificidade, que é o ensino e a aprendizagem, a questão do conhecimento, a questão da democratização do conhecimento. Então, eu acho que essas medidas de urgência que nós estamos vivendo com a violência, com múltiplas carências, envolvimento da família, amigos da escola, esse conjunto todo, a questão cultural, tem banda na escola, tem judô, tem caratê, abre para esporte é interessante, porque nós estamos vivendo uma conjuntura de uma ampliação da concepção de educação escolar. Mas a ampliação dessa concepção não pode, em hipótese alguma, perder de vista aquilo que é fundamental, porque o aluno das camadas populares ou ele tem acesso ao conhecimento de qualidade, ao currículo diferenciado... Esse processo de aprendizagem, propriamente dito, o único espaço dele é a escola. Então, nesse sentido eu acho que... E quando nós falamos - gostaria de ouvi-lo - a respeito da capacitação, qual é a proposta da Secretaria para a capacitação, eu gostaria de ouvir em relação a essa especificidade, por exemplo, eu gosto de ouvir o olho do olho, o respeito, a linguagem, ouvir o aluno. Eu acho isso um componente importante, mas a essencialidade o aluno tem que aprender, a escola tem que ensinar significamente, trazendo os elementos da realidade. Eu me preocupo, por exemplo, com os alunos que estão nesse processo da implantação da reforma em São Paulo, da Progressão Continuada, esses alunos que concluíram o ensino fundamental foram certificados, eles têm certificados e não têm o mínimo de qualificação. Eu pergunto: quem vai se responsabilizar por essa criatura que tem nome, que tem pai e que tem mãe.
Gabriel Chalita: Vamos lá. Vamos lá. Então é o seguinte, eu diria que a gente tem que trabalhar três habilidades na escola. Uma habilidade é cognitiva, é a questão do conhecimento que você coloca. Eu não lembro mais o que é seno, coseno e tangente. Talvez tivesse sido importante aprender o que é seno, coseno e tangente. Eu vejo o Rubem Alves [(1933-) escritor poeta e professor de educação] no seu livro com uma educação romântica de forma fascinante trabalhando porque engessaram tanto na gramática o seu conhecimento literário e que, de repente, ele viu quanto tempo ele demorou para entender a beleza do que era a literatura. Então, eu não me lembro de alguns elementos cognitivos, eles são importantes principalmente se eles forem significativos. Mas eu acho que a habilidade cognitiva tem que ser trabalhada, porque esse aluno precisa ser alfabetizado, precisa ter noções do país em que ele vive, precisa ter contato com o conteúdo que vai prepará-lo para estar em outros elementos.
José Cerchi Fusari: O senhor é um exemplo vivo.
Gabriel Chalita: Deixa eu terminar.
José Cerchi Fusari: Olha o conhecimento que o senhor está demonstrando nesta roda e olha como o senhor se apropriou desse conhecimento com competência, como o senhor sabe lidar com esse conhecimento nesta roda...
Gabriel Chalita: E aluno de escola pública, comecei na escola pública. Então, mas essa é uma das habilidades: a cognitiva. Então, ela precisa ser trabalhada de forma mais envolvente também, ela tem que ser sedutora.
José Cerchi Fusari: Sim.
Gabriel Chalita: Eu digo o seguinte, Clarice Lispector, uma literata fantástica!
José Cerchi Fusari: Isso eu também concordo. Concordo.
Gabriel Chalita: Eu sou fascinado por ela. Aí pega um professor e vai sugerir aos alunos que leiam Paixão segundo GH, da Clarice Lispector. Qual é a história da Paixão segundo GH - grosso modo, não é?, sem reduzir a obra de Clarice - mas é aquela empregada que vai embora, a mulher vai limpar o quarto da empregada e aí vê que o quarto está limpo e tem uma barata. Ela não sabe o que faz com a barata, se ela pisa na barata, se ela fecha a porta da barata e fica naquela dúvida. Aí ela lembra que em algum lugar disseram que antes de ela vir ao mundo já existia barata, que depois que ela morrer a barata vai continuar, se houver bomba atômica continua a barata... E são duzentas páginas, ela e a barata. E, no final, ela come a barata. Aí você imagina um aluno sendo introduzido pela Clarice Lispector por isso. Agora você pega a Macabéa, a própria Clarice Lispector, A hora da estrela. A Macabéa, que estava grávida de felicidade, que tinha saudade do futuro, elementos da literatura que são fascinantes e que, de repente, essa visão cognitiva começa a ser significativa. Eu vou para a química, eu entro em uma cozinha para trabalhar os instrumentais químicos e é envolvente levar esses alunos para uma cozinha e falar: o que é química dentro dessa cozinha? Então eu acho que mesmo a habilidade cognitiva tem que ser totalmente repensada, e ela vai ser repensada pela postura, sim. Se você for amigo do aluno ele vai te ouvir, ele vai te respeitar, vai haver uma troca. Então, toda essa bagagem cultural você pode trocar em miúdos para o aluno. Você não precisa criar o mito da matemática, o professor dá a matemática.
Gabriela Athias: Secretário, me desculpe, isso acontece em cinquenta escolas de São Paulo, nas particulares.
Gabriel Chalita: Não, não. Deixa eu continuar. Você chega com um professor e vai trabalhar matemática, tinha aquele mito da matemática e o professor já começava a dizer que era impossível aprender matemática, mas essa é uma habilidade. Você tem habilidade social e habilidade social tem que estar na escola, não é transformar a escola em um ativismo, mas as grandes questões, as relações interpessoais precisam passar para a escola. Quando você fala da questão do trânsito, do respeito ao direito do outro, da liberdade, da postura que você tem em sociedade, isso tem que sair da escola. A questão ambiental passa pela escola, você não vai melhorar o meio ambiente se não for pela escola. Isso tudo... [sendo interrompido]
José Cherchi Fusari: Então...
Gabriel Chalita: Só para concluir. Segundo: a habilidade social, quer dizer, é preciso que esse envolvimento comunitário tenha o desenvolvimento social desse aluno. E a terceira é a habilidade afetiva. Esse aluno tem que ser preparado inclusive para mudar de emprego várias vezes, para experimentar o fracasso, para estar diante de uma situação de violência e não agir dessa forma, para trabalhar os seus elementos de agressividade, o seu protagonismo, quer dizer, são três habilidades que trabalham juntas, e o professor tem que ter essas três dimensões. Claro que não basta ele ficar sorrindo e ser amigo do aluno se ele não tem conteúdo. É obvio...
José Cherchi Fusari: Mas eu acho que tem... [ao fundo]
Gabriel Chalita: ...que esse conteúdo tem que ser incentivado, aperfeiçoado e de forma significativa. O que não tem sentido é esse aluno obrigar a decorar uma série de coisas que ele não sabe para que serve, como funciona, o que ele vai fazer com aquilo e ele tem que decorar. Por que ele tem que decorar? Porque ele tem que decorar.
Âmbar de Barros: Maravilha!
Mário Volpi: Secretário, deixa eu lhe dar um...
Gabriel Chalita: Você pega uma obra literária, e aí... [sendo interrompido]
Âmbar de Barros: A sua missão é contaminar esses duzentos mil professores do estado com essa sua visão...
Gabriel Chalita: Exatamente. Exatamente.
Âmbar de Barros: ...e fazer com que isso seja realidade nas escolas. Em oito meses o senhor não fará isso.
Gabriel Chalita: E não dá para ter essa visão pessimista.
Âmbar de Barros: Talvez em oito anos ou dez anos ou 12 anos.
Mário Volpi: Não, mas eu queria acrescentar aqui uma...
Gabriel Chalita: Mas é preciso lançar sementes. À medida que se lança essas sementes, discute essas questões com os professores e começa a mostrar um norte nesse processo reflexivo: “Olha, educação se faz dessa maneira, a gente não está reinventando a roda, o mundo está discutindo a educação”. Quando a gente fala dos problemas educacionais do Brasil, eu participei há dois anos de um congresso em Saint Illinois, nos Estados Unidos, quer dizer, há numerosos congressos discutindo com isso e que os educadores do mundo estão um pouco perplexos. Quando se fala de violência, de droga, dos problemas ligados ao jovem... Aí você pega escolas que estão voltando com a questão da disciplina. Olha a discussão na Inglaterra há um ano atrás da palmatória! Quer dizer, você tem correntes de todos os lados, mas o mundo está refletindo sobre isso, porque o mundo mudou rápido demais. E aí é uma coisa que eu acho fascinante na educação, que é a seguinte constatação: o avanço tecnológico, o avanço científico foi tão grande e o ser humano provou tanto a sua inteligência para chegar aonde chegou e não consegue provar a inteligência em questões básicas, essenciais, de relação humana. Se você muda a sua relação na escola, você tem uma outra cara de escola.
Gabriela Athias: Secretário, ninguém discute isso. A gente só está colocando aqui que essa realidade é uma realidade de escolas privadas, inclusive poucas escolas privadas na cidade de São Paulo consegue esse nível se excelência que o senhor...
Gabriel Chalita: Não é verdade, não é verdade! Isso é um preconceito com escola pública. Você vai encontrar escola pública que tem o mesmo nível ou nível melhor do que muitas escolas privadas.
Gabriela Athias: Sim, mas são pouquíssimas, secretário.
Gabriel Chalita: Então vamos melhorar, vamos ampliar.
Gabriela Athias: A gente está falando aqui de um sistema. Agora eu queria...
Mário Volpi: Mas eu acho que tem um consenso em relação a tudo isso que a gente deseja da escola. Agora, eu acho que também tem um consenso aqui...
[...]: Da distância da realidade [ao fundo].
Mário Volpi: ...pelo menos um meio consenso que os resultados que nós temos no país hoje, em relação aos indicadores sociais no campo, principalmente da adolescência e da educação, são resultados bastante complicados do ponto de vista da qualidade, não é? Só para dar uma idéia, nós fizemos uma pesquisa nacional com adolescentes e observamos que 62% dos adolescentes afirmaram que aquilo que eles aprendem na escola não ajuda a entender a realidade. Não ajuda a entender, a se situar na sociedade. Então, vejam bem, eles não reclamaram... [sendo interrompido]
Gabriel Chalita: Se você fizer essa pesquisa mundial, Mário, vai ser semelhante. Isso não é um problema...
Mário Volpi: Não!
Gabriel Chalita: Claro! O que é isso!
Mário Volpi: Nós fizemos essa pesquisa, essa pesquisa chama-se... [sendo interrompido]
Gabriel Chalita: A Unesco fez agora um trabalho de violência escolar. Ela analisou as escolas de Alemanha, analisou as escolas de Israel... A problemática da educação do mundo está por esse caminho.
Mário Volpi: Não. Essa pesquisa chama-se “A voz dos adolescentes”. Ela foi desenvolvida no Leste Europeu, foi desenvolvida em cinco países da América Latina, foi desenvolvida em alguns países da África, e isso chamou a atenção: que, no Brasil - especialmente no Brasil - essa pesquisa que foi concluída agora, em abril deste ano, lançada na semana passada, no Brasil, especialmente, a reclamação dos adolescentes não é com relação ao professor. A relação com o professor... ele [o adolescente] disse assim: “Ela é boa em geral, com problemas com alguns professores”. A reclamação foi em relação ao espaço físico da escola e aos conteúdos das aulas. As aulas são chatas, monótonas, repetitivas e o conteúdo não ajuda a entender a sociedade, inclusive nós estamos até preparando uma análise comparativa dessas pesquisas, porque chama a atenção essa preocupação do adolescente, que é um fator absolutamente positivo, de querer da escola que a escola lhe ajude a entender a sociedade.
Gabriel Chalita: Nós vamos fazer uma pesquisa agora com seis milhões e cem...
Mário Volpi: Mas eu acho que esse desafio não é só um desafio para a Secretaria do Estado de São Paulo.
Âmbar de Barros: Mas os professores estão perdidos, não é? Os professores também estão muitos perdidos.
Gabriel Chalita: A gente está fazendo uma pesquisa agora com seis milhões e cem mil alunos da escola pública, pedindo que eles e os pais respondam esse questionário, exatamente para que a gente tenha a cara mesmo da escola pública. É claro que a gente respeita todas as organizações que trabalham com esses elementos de pesquisas comparativas, que trabalham com essas análises que são desenvolvidas, mas a gente tem uma preocupação de saber o retrato disso. Eu tenho visitado escolas... [sendo interrompido]
Mário Volpi: Mas o senhor concorda que o resultado final, por exemplo, hoje, que nós temos um problema... [sendo interrompido]?
Gabriel Chalita: Concordo.
Mário Volpi: ...que nós temos um problema com a juventude, com a adolescência...
Gabriel Chalita: É óbvio.
Mário Volpi: ...que é uma juventude é uma juventude letrada, mas não é uma juventude capaz de ler atrás das palavras.
Gabriel Chalita: Exatamente. E é um problema que não é só a escola que tem. É um problema que a família também tem, porque os pais não são leitores, então eles têm problemas com relação à leitura. Talvez eles não tenham conteúdo necessário para instigar o seu filho a desenvolver esse tipo de conhecimento, de conteúdo. Então, você tem todo o problema que cerca uma série de fatores. Não houve um envolvimento necessário para isso. Hoje a gente vê algumas escolas da rede pública fazendo piqueniques literários, quer dizer, esse aluno está sendo formado de uma outra maneira. Aí você fala assim: “Ah, mas são algumas escolas que fazem assim”, como algumas escolas que têm outro tipo de problema.
Paulo Markun: Secretário...
Gabriel Chalita: Pois não.
Paulo Markun: Nosso tempo está acabando, mas tem aqui na nossa pesquisa muito restrita dos telefonemas, e-mails e fax recebidos, há uma pergunta recorrente, nós tivemos uma grande quantidade de participação, uma participação muito intensa dos telespectadores, as respostas serão encaminhadas, mas a mesma pergunta, com pequenas modificações, que eu vou fazer como última pergunta ao senhor. Marizilda Ribeiro, professora aqui de São Paulo, pergunta se o senhor não acha que, com uma classe de 45 alunos, é difícil o professor ensinar. Luís Daline, Mogi Guaçu, se o senhor considera quarenta alunos em uma sala de aula a solução para o problema da infra-estrutura. Roberto Pereira, de Guarulhos: “Professor, sobre a questão do número de matriculados, há possibilidade de reduzir os alunos em sala de aula? Simone Ribeiro, de Ibitinga, São Paulo, professora: “Como o professor pode ser responsável por falhas na educação, se ele se depara com salas de aula com mais de 35 crianças?" Cristiane Torres, de Bauru: “Como é possível sonhar, se enfrentamos diariamente salas de aulas lotadas, uma jornada de trabalho que não permite ao professor dedicar as horas na escola discutindo propostas com os colegas?” E Edilene, vice-diretora, concorda com o secretário quando diz que o sucesso da educação está quando o professor consegue conquistar o aluno, concorda também que se acabaram as filas, mas pergunta: “Como se pode atingir o sucesso se as salas ficam superlotadas dificultando até mesmo a fala do professor, porque sabemos que existem até 52 alunos em cada sala?
Gabriel Chalita: O conceito que a gente trabalha em sala de aula com número de alunos é: de ensino fundamental, primeira a quarta série, 35 alunos; quinta a oitava série, quarenta alunos; ensino médio, 45 alunos; não é? Eu acho que esse número poderia ser menor até. Houve uma preocupação muito grande de atender essa demanda. É um número que está muito próximo ao número das escolas particulares. Aliás, há escolas particulares que trabalham com um número maior do que esse. O ensino médio se consegue acabar trabalhando com até 45 alunos, a dificuldade está maior com o processo de alfabetização, que talvez com uma quantidade menor de alunos você consiga desenvolver um trabalho melhor. Eu acho que essas questões estão bastante abertas e são bastante tranquilas de serem trabalhadas em termos de rede pública. Há reivindicações de várias linhas, há números que se discutem em termos internacionais que é o ideal e que não foge muito desses números não, giram em torno de 30, 35, 40 alunos. Não é algo tão diferente daquela necessidade que se tem na prática. Eu acho que o professor ele tem um grande desafio nas mãos, não é? Eu tenho dito que, por melhor que seja a escola, ela nunca consegue suprir a carência de uma família ausente. Então, esse desafio de se trabalhar todos esses valores ou essa falta de valores é enorme. A gente sabe que o trabalho de professor é penoso, a gente não quer jogar toda a responsabilidade que existe sobre o processo educativo na figura de quem educa, mas se ele não é o problema, ele é a solução. Trabalhar com suas habilidades, trabalhar com sua competência, trabalhar com seu carisma para que ele consiga envolver esses alunos dentro de um projeto educacional em que ele acredite, eu acho que é uma grande alternativa e é a única alternativa para a melhoria da nossa sociedade. Quer dizer, tudo passa pela educação, os valores, a ética, a postura, o respeito, a construção desse ser humano passa pelo tipo de valor que ele recebe na rede pública. E o professor, muitas vezes, ele fica sendo um modelo, um ícone, um exemplo para esse aluno. Um exemplo a ser olhado, a ser seguido. Eu acho que, quando o professor começa a recuperar a sua auto-estima, a perceber a sua importância, a liderança que ele pode desenvolver, ele consegue ajudar muito o aluno a percorrer sendas muito mais tranquilas no seu desenvolvimento humano.
Paulo Markun: Secretário, nosso tempo realmente acabou, mas eu acho que ainda dá uma última questão. O senhor tem, na sua formação, uma passagem pelo seminário, e isso fica mais ou menos nítido nessa atitude que o senhor tem tranquila de devolver as bolas e tocar para adiante [rindo]. A Âmbar falou sobre as coisas que lhe tiram o sono. Eu tenho certeza que quem passou pelo seminário, vive das coisas que lhe tiram o sono, mas também daquelas que ele acredita que dá para fazer. Qual é, assim, quando o senhor está perdendo o sono passa pela sua cabeça que dá para fazer?
Gabriel Chalita: Olha, eu acho assim, primeiro que para mim é uma honra ser secretário da Educação do estado de São Paulo. Eu acho que isso, na época da juventude, já tinha sido fantástico poder estar de perto de jovens da Febem, poder ver alguns se recuperando, poder ver a transformação de cada um deles e na [Secretaria da] Educação, para mim, é um privilégio. Eu acho que o seminário foi uma boa escola de respeito, de educação. Aliás, meu pai começou a vida dele trabalhando em escola pública, como servente de escola pública, e me ensinou muito essa questão da educação. Foi crescendo na vida, foi feirante, fez uma série de coisas, mas eu acho que esses valores familiares, que a gente vai recebendo, vão nos dando uma visão daquilo que a gente pode brigar pelos nossos ideais, ser assertivo, ser objetivo, mas sem perder esse respeito, esse afeto pelas pessoas. O seminário para mim foi muito interessante, a formação filosófica ajuda muito a compreender a diversidade, a compreender pessoas que estão em momentos diferentes, que estão em bandeiras diferentes, não é? E o desafio é fantástico. É aquela coisa de acreditar em missão mesmo. Eu acho que, se a gente está em algum cargo, é porque a gente tem que fazer o melhor que a gente puder fazer nesse cargo. A gente pode errar, voltar, ouvir, dialogar, mas eu acho que essa responsabilidade que o governador Geraldo Alckmin me passou, para essa equipe toda que trabalha com educação... E é esse detalhe de ir, de ouvir o funcionário de escola, de conversar com o professor, de visitar a escola, de estar junto da realidade e mostrando que a gente pode ajudar. Às vezes eu fico muito preocupado só com analistas que ficam sentados em seus escritórios com ar condicionado e não vão à periferia. Eu acho que o trabalho é ir lá, sair de gabinete e ver a prática e parar de ficar sonhando com coisas que não são reais. Eu acho que isso que a gente está fazendo é real. A proposta do governo do estado de São Paulo para a educação é clara, concreta, e passa pela grande construção dessa escola cidadã, dessa visão de uma escola aberta, democrática, envolvente.
Paulo Markun: Obrigado pela sua entrevista, secretário, obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. Nós voltamos na próxima segunda-feira às dez e meia da noite com mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda.