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Memória Roda Viva

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Jarbas Passarinho

29/7/1996

Concedida na época em que o caso Lamarca foi reaberto, nesta entrevista o coronel afirma ser injusta a fama do general Médici, e diz não se arrepender de várias atitudes tomadas durante a ditadura militar

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Matinas Suzuki: Boa noite. Ele foi ministro por quatro vezes, governador e senador pelo Pará. Agora, está lançando um livro de memórias: Um híbrido fértil [autobiografia que focaliza sua transição da carreira militar para a política]. No centro do Roda Viva está o coronel da reserva, Jarbas Gonçalves Passarinho.

[Comentarista]: "Atenção Brasil, atenção Minas Gerais, as tropas do segundo exército já sitiaram o estado da Guanabara" [englobava o território da cidade do Rio de Janeiro; criado logo após a mudança da capital para Brasília em 1960; com essa frase, o programa jornalístico Repórter Esso - Testemunha Ocular da História - transmitido pelas rádios Tupi, Record e Nacional - anunciava a tomada de poder pelos militares]. A trajetória política de Jarbas Passarinho começou em 1964, quando era chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia e participou do golpe que depôs o presidente João Goulart [(1919-1976); eleito democraticamente permaneceu na presidência de 1961 a 1964, quando foi deposto por um golpe de estado]. Três meses depois, o coronel Jarbas Passarinho foi nomeado governador do Pará: “Nos termos do artigo segundo e seus parágrafos, o Ato Institucional número 5 [AI-5], de 13 de dezembro de 1968, fica decretado o recesso do Congresso Nacional a partir desta data”. No auge da repressão, Jarbas Passarinho foi um dos signatários do AI-5, que trouxe censura, prisões, cassações e outros abusos, que resultaram em torturas, desaparecimentos e mortes. Jarbas Passarinho justificou o AI-5 como uma forma legítima de defesa do governo: “Do ponto de vista desses que defendem que não devia haver nem um tipo de defesa, era chamar o [Carlos] Marighella [(1911-1969), opositor ao regime militar, foi militante do Partido Comunista do Brasil (PCB), fundou a organização revolucionária Ação Libertadora Nacional (ALN), ao sair do PCB, com o objetivo de lutar contra a ditadura militar por meio da luta armada] e entregar o poder a ele, chamar o meu querido amigo [José] Genoino [nos anos 70 lutou na Guerrilha do Araguaia, movimento marxista de combate à ditadura militar brasileira; foi deputado federal e, em 2002, eleito presidente do Partido dos Trabalhadores (PT)], por exemplo, entregar o poder a ele, mas não era o caso”. A participação nos governos militares continuou. Foi ministro do Trabalho de [Artur da] Costa e Silva [(1899-1969), segundo presidente do regime militar, conhecido por instaurar o AI-5], da Educação no governo [Emílio Garrastazu] Médici [(1905-1985), presidente do Brasil de 1969 a 1974, exerceu violenta repressão aos opositores do regime militar] e da Previdência Social, no período de João [Baptista de Oliveira] Figueiredo [(1918-1999), último presidente do regime militar]. Mesmo fazendo parte do regime, Jarbas Passarinho não escapou do policiamento interno. Um relatório do Serviço Nacional de Informações (SNI) [organismo criado logo após o golpe militar, em 1964, com o objetivo de espionar, controlar e centralizar as informações no Brasil e exterior; em nome da segurança nacional catalogava e fichava aqueles que eram considerados inimigos do Estado], divulgado só em 1989, colocava em dúvida a fidelidade de Passarinho, acusando-o de favorecer grupos de esquerda. A ficha, com nove páginas, diz que em 1967, já como ministro do Trabalho, ele continuava mantendo contato com subversivos. Com a redemocratização, e já no governo Collor [Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito diretamente depois do regime militar, governou o Brasil de 1990 a 1992;  denúncias de corrupção em seu governo levaram à instauração de um impeachment e culminaram na renúncia à presidência], o então senador Jarbas Passarinho voltou ao governo como ministro da Justiça. Em 1993, presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito, que puniu os anões do orçamento [como ficaram conhecidos congressistas brasileiros que, no final dos anos 1980 e início dos 1990, se envolveram em fraudes com recursos do orçamento da União]. Em 1994, tentou ser novamente governador do Pará, desta vez pelo voto, mas perdeu. Afastado da vida pública, Jarbas Passarinho decidiu contar em livro sua versão da história recente do Brasil.

Matinas Suzuki: Bem, para entrevistar essa noite o ex-ministro Jarbas Passarinho, nós estamos aqui com uma bela bancada de entrevistadores: o Marcelo Rubens Paiva, que escreve na Folha de S. Paulo e também está lançando um livro, Não és tu, Brasil; o jornalista Augusto Nunes, diretor de redação do jornal Zero Hora de Porto Alegre - aliás, Augusto Nunes foi uma das pessoas que me antecedeu na mediação do Roda Viva e, como o programa está completando dez anos, vamos nos lembrar que o Augusto esteve aqui ; o deputado federal, Fernando Gabeira; o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira; o cientista político Bolívar Lamounier; o jornalista Ricardo Kotscho, diretor de jornalismo da rede CNT; e o jornalista Luis Weis, que é articulista político. Boa noite, ministro.

Jarbas Passarinho: Boa noite.

Matinas Suzuki: Ministro, qual foi o propósito do senhor ao escrever essas memórias? Militares não gostam muito de revelar o passado ou a intimidade da vida como o senhor coloca nesse livro.

Jarbas Passarinho: Isso é uma revelação que você me faz que eu não sabia. Participei da vida militar 28 anos e não sabia, pelo contrário, conheço as memórias de Juracy [Magalhães (1905-2001), militar, conhecido pela intensa repressão que exercia nos diversos cargos políticos que ocupou: senador, deputado federal, governador da Bahia em três mandatos - o primeiro deles por nomeação do presidente Getúlio Vargas -, e ministro da Justiça e Relações Exteriores em 1964. No regime militar foi responsável pela censura aos meios de comunicação. Suas memórias foram publicadas em O último tenente - Juracy Magalhães, de Jose Alberto Gueiros] [...].

Matinas Suzuki: [interrompendo] ...mas os militares que vão para a vida pública, não é?

Jarbas Passarinho: Mas esses foram.

Matinas Suzuki: Esses sim, mas é o que estou falando.

Jarbas Passarinho: Não, eles foram.

Matinas Suzuki: Esses sim, eles se colocam.

Jarbas Passarinho: O meu propósito foi... achei que era o momento de dar um testemunho enquanto ainda [há] sobreviventes, entre os personagens que trato no livro. Senão, teria que apelar para o meu amigo Chico Xavier [(1910-2002), médium brasileiro e divulgador do espiritismo no país] para pedir a psicografia, não é? Para informar sobre determinadas pessoas que eu cito no livro. Alguns, evidentemente, foram diálogos só entre mim e um presidente, por exemplo, como é o caso do Costa e Silva e tudo mais. Aí é questão de credibilidade. Preferi essa epígrafe de Leão XIII [(1810-1903), papa de 1878 até a data de sua morte], que diz que quem se propõe a escrever uma biografia deve seguir duas leis da história: a primeira é não ousar mentir; a segunda é ter a coragem de dizer toda a verdade. Tenho a convicção de que mentir, não menti, mas quanto ao resto, vou silenciar.

Luiz Weis: Coronel, aliás, coronel, governador, ministro, senador. A essa altura da vida, como é que o senhor gosta de ser chamado?

Jarbas Passarinho: Vou retificar um pouco o que o Matinas disse, ele me chamou de coronel da reserva. Já estou tão velho que sou reformado [risos].

Luiz Weis: Mas o senhor não respondeu a minha pergunta: o que é que lhe faz mais calor na alma, ser chamado de político?

Jarbas Passarinho: Olha, fui militar por vocação.

Luiz Weis: Isso é uma pré-pergunta, é só para introduzir uma outra.

Jarbas Passarinho: Foi porque houve ocasiões em que fui me despedir de antigos instrutores meus e ouvia deles assim: “Fui militar, porque a minha família não podia me manter em escolas e pagar a minha educação”. Fui um menino pobre e meus irmãos tiveram uma parte abastada da vida do meu pai [Inácio de Loiola Passarinho], que perdeu o que tinha conseguido no Acre. Fui estudante de cursos de escolas públicas e da biblioteca municipal de Belém, mas a minha vocação era militar. Eu tinha vocação militar, embora já tivesse uma certa tendência para a área política, porque fui presidente do diretório secundarista, orador da escola militar da minha turma e  presidente da Sociedade Acadêmica Militar, que era um tipo de super diretório da escola militar do Realengo [bairro do Rio de Janeiro]. Gosto muito da minha parte militar, fiquei muito entusiasmado pela tribuna parlamentar. A tribuna parlamentar me agradou muito, sempre. Relativamente à parte executiva, ela exerce um fascínio que, sobre a área parlamentar, é preponderante. No executivo é como uma semeadura, você acompanha aquilo até a colheita do fruto. Na área parlamentar não é bem assim.

Luiz Weis: Bom, deduzo que devo chamá-lo de coronel. Coronel Passarinho, o senhor passou a vida em um planeta que mudou, que subitamente se evaporaram todas as suas referências. O senhor é um guerreiro frio, passou a sua vida em um universo dominado por bipolaridade, segurança nacional... O senhor se considera ideologicamente um desempregado hoje?

Jarbas Passarinho: Não, li um livro muito interessante, que dizia... aquele [...], era muito importante. Realmente, a partir do momento em que a União Soviética deixou de existir, houve um desmoronamento que nunca pensei, na minha vida, que eu viesse a ter vida suficiente para testemunhar um desmoronamento daquele, sem ser cruento. Subitamente, parecia que, de fato, a partir do momento em que a União Soviética desmoronava, que desaparecia a razão de ser da luta, mas para mim, não. Nunca achei que a queda do Muro de Berlim [em 1989], que o desmoronamento do império soviético, significasse o grande elogio ao capitalismo liberal. Sempre combati o capitalismo liberal. Talvez aquilo a que o Matinas se referiu, de eu ter recebido algumas críticas, há outras que cito no livro, até a nossa amiga Moema Santiago [ex-deputada que teria sabido que o ministro Passarinho era visado pelo governo militar durante sessão de tortura] me autorizou a dizer isso, que eu seria possivelmente uma pessoa visada, também, por ser parte de um processo violento.

Luiz Weis: Não há limites para a insânia, não é, coronel?

Jarbas Passarinho: Não há. Então, de qualquer maneira, sempre me defini por achar que eu vivia em uma sociedade injusta que precisava ser corrigida. Só não acreditava que devesse corrigi-la, dinamitando-a. Essa era a minha diferença. Então, não me sinto desempregado.

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Senador.

Jarbas Passarinho: Pois não.

Manuel Alceu Affonso Ferreira: O senhor diz no seu livro, e diz com razão, eu acho, que o civil não tem o monopólio da inteligência, assim como o militar não tem o monopólio da lealdade. O senhor considera que esse seu perfil híbrido, mistura de militar, de civil... o senhor foi um anfíbio, o presidente Castelo [Castelo Branco, presidente do Brasil de 1964 a 1967 e um dos articuladores do Golpe de 64] o chamava assim, não é?

Jarbas Passarinho: É, fugi do anfíbio porque, imagina você se o meu livro fosse [ao invés de] Um híbrido fértil, fosse um sapo fértil [risos].

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Mas, enfim, nessa relação, o senhor hoje em dia, e revendo um pouco aquilo que foi o testemunho inicial, o senhor se arrepende pelo AI-5? O senhor tem um perfil intelectual, o senhor levou cacetada da polícia de Vargas, não é? [Getúlio Vargas (1882-1954), governou o Brasil de 1930 a 1934, no governo provisório, de 1934 a 1937, no governo constitucional. Foi eleito pelo Congresso Nacional de 1937 a 1945 no Estado Novo e de 1951 a 1954 pelo voto direto] O senhor tem arrependimento disso?

Jarbas Passarinho: Levei cacetada da polícia de Magalhães Barata [(1888-1959), um militar brasileiro que tomou o governo do Pará como interventor entre os anos de 1930 a 1934. Concentrou poderes quase que absolutos, em sua gestão].

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Magalhães Barata.

Jarbas Passarinho: O Vargas muito pouco, porque não cheguei à altura de poder ser oponente a ele. Escrevo no livro, e repito, uma frase que foi tomada por parte, onde se diz, e fui eu o único brindado, porque Magalhães Pinto [(1909-1996),  deputado federal, senador, fundador da União Democrática Nacional (UDN) e governador do estado de Minas Gerais de 1961 a 1966] assinou o AI-5, mas era sempre o assinante do Manifesto dos Mineiros, não é? [carta aberta publicada em 1943 e assinada por importantes nomes da intelectualidade do estado de Minas Gerais em defesa da democracia e do fim do Estado Novo, regime ditatorial comandado por Vargas]. O Hélio Beltrão [(1916-1997), ministro do Planejamento do governo Costa e Silva e da Previdência Social, no governo Figueiredo] assinou o AI-5 e era o filho do velho Heitor Beltrão, o grande liberal da UDN etc. Talvez tenha sido a única pessoa que, naquela ocasião, diferente do vice-presidente Pedro Aleixo [na chapa de Costa e Silva pela Aliança Renovadora Nacional, em 1966; colocou-se contra o AI-5 e foi impedido de assumir o cargo de presidente, mesmo quando Costa e Silva adoeceu, pois teve seu mandato extinto por um outro Ato Institucional], que teve a coragem ou a ousadia ou, pelo menos, a sinceridade de falar em ditadura. Ele disse: “A mim me repugna, senhor presidente, enveredar pelo caminho da ditadura, mas se eu não tenho alternativa, às favas os escrúpulos de consciência”. Oppenheimer [Robert Oppenheimer (1904-1967), físico norte-americano, diretor do Projeto Manhattan para o desenvolvimento da bomba atômica] tinha escrúpulos de consciência. Oppenheimer entregou a fórmula da bomba atômica à União Soviética. O que está escrito no livro do general Pavel Sudoplatov [militar soviético que escreveu o livro The memoirs of a unwanted witness-asoviet  spymaster, em 1994, onde faz revelações sobre o caso Oppenheimer], que era a segunda pessoa do Beria, não é? [Pavel trabalhava para Lavrenti Beria (1899-1953), chefe de serviço de segurança e da polícia soviéticas durante a Segunda Guerra;  foi muito próximo à Stalin, ajudando a criar o mito do chefe, como explora a autora Amy Knight na obra Beria: o lugar tenente de Stalin] Por que entregou? Porque achou que era preciso haver um equilíbrio entre os Estados Unidos, detentores da bomba, e a União Soviética que não teria. Achei que no AI-5... no livro publico o que chamo de causas remotas, causas recentes e o detonador. O detonador só se fala nele, é o menos importante de tudo. É o discurso do Márcio Moreira Alves [jornalista e político brasileiro; é lembrado como o provocador do AI-5, ao proferir, como deputado, um discurso no Congresso que ficou conhecido como "pinga fogo"], do Marcito, não é? E não se fala que naquele discurso, ele: “Ah, foi um discurso de pinga fogo”. Tive  três mandatos no senado, sei o que é pinga fogo, qualquer de nós sabe o que é pinga fogo e ninguém dá importância. O Gabeira está lá no Congresso e vê que ninguém dá a menor atenção para o que ele está falando de "pinga fogo". Aproveitaram. Aquilo foi, talvez, um pretexto, sem dúvida nenhuma, mas quando ele escreveu, no momento em que ele escreveu isso, ele disse que "o exército era um valhacouto de gângsters" [um esconderijo de gângsters] e foi isso que, naturalmente, levou à exacerbação do processo. Mas não seria só aquilo que levaria ao AI-5. Todas as causas anteriores, todas elas que vêm, inclusive já a do Marighella, já existiam, inclusive aqui em São Paulo.

Ricardo Kotscho: Ministro, queria pegar um tema bem atual, a reabertura dos casos. O senhor falou do Marighella e o Lamarca  agora. [Carlos Lamarca (1937-1971), ex-militar que desertou e se tornou um dos mais importantes opositores da ditadura militar no país e foi morto pelo major Cerqueira; na ocasião desta entrevista foi reaberto o processo contra o exército no Ministério da Justiça; no mesmo ano, 1996, foi concedida a anistia a Lamarca, afastada a hipótese de deserção, e sua família indenizada; entretanto, muitos representantes dos movimentos de esquerda brasileiros não consideraram o ato como um reconhecimento efetivo da responsabilidade do Estado no caso]. Em entrevista recente ao Estadão [referindo-se ao jornal O Estado de S. Paulo], o senhor falou assim: “Isso é mexer em ferida muito séria”. O senhor previa dificuldades com os militares? Queria saber exatamente isso.

Jarbas Passarinho: Poxa, mas me permita dizer, como é que eu não fujo do AI-5? Admiro as pessoas que assumem as suas responsabilidades, não fujo do AI-5. Em 1964 [sendo interrompido], nem falo em 1964, porque 1964 foi, evidentemente, uma ação de tal natureza preponderante na sociedade civil também, não tenho mais porque explicar.

Ricardo Kotscho: [interrompendo]... foi por isso que levantei, tem uma seqüela ainda.

Jarbas Passarinho: Agora sim, isso tem atingido muito, inclusive a área da reserva.

Ricardo Kotscho: De que forma? O senhor poderia explicar melhor como é que isso, como é que os militares reagem diante desse fato?

Jarbas Passarinho: Pelo seguinte, no caso especial do Lamarca. No caso do Lamarca... porque o exército sempre teve esse princípio, inclusive o pai do general Figueiredo [o deputado federal Euclides Figueiredo (1883-1963)] que, quando foi exilado em Buenos Aires, a família passou a receber a pensão como se ele [tivesse sido] dado como morto, o exército sempre tratou dessa maneira. E assim está sendo tratado o Lamarca, inclusive ele hoje é coronel, a família recebe os proventos de um coronel. Bom, como o Lamarca, para o exército, muita gente pensa que é apenas a mágoa do exército por ele ter sido desertor. Prestes foi desertor [Luís Carlos Prestes (1898-1990),  militar e secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro; com o fim do Estado Novo foi anistiado e elegeu-se senador], embora não tenha levado os fuzis, não importa. Mas o problema fundamental do Lamarca é o que se deu aqui em São Paulo, no Vale do Ribeira, foi quando ele, cercado, recebeu a proposta do tenente Alberto Mendes Júnior, da Polícia Militar de São Paulo, para oferecer-se como refém e deixar que os seus soldados feridos [...] porque ele atirava muito melhor. O grupo dele atirava muito melhor do que a Polícia Militar e que o exército, porque tinha dificuldade, inclusive não tinha dinheiro para pagar bala e para evacuar os seus soldados feridos. Ele aceitou, o tenente ficou seu prisioneiro desarmado. Na hora que o cerco se estreitou, este tenente foi amarrado em uma árvore, foi amordaçado e foi morto a coronhadas. A sua cabeça foi esfacelada a coronhadas dadas pelo capitão Lamarca e seus companheiros. E isso é que mais profundamente ofende hoje a vida militar.

Luiz Weis: Ofende a vida militar o fato de pessoas que não pegaram em armas terem sido mortas sob tortura em independência do exército brasileiro?

Jarbas Passarinho: Ofende, ofende.

Luiz Weis: Mas eu não percebi nenhuma vez, de sua parte, e o senhor se pronunciou, já, contra a tortura, uma veemência comparável a essa.

Jarbas Passarinho: Não com veemência. Você colocou o problema agora em gradação, não é? Em primeiro lugar, quero responder ao início do seu à parte. Quando você diz: “Ofende mesmo”, ofende. Houve pessoas que não participaram disso. Eu usava dizer com a minha mão, esta mão [levanta a mão direita]: não tenho nem o sangue dos inimigos, que prometeram me matar, inclusive. Hoje já não ponho mais assim [uma só], porque isso é do Fernando Henrique [que em sua campanha para presidente da República em 1995 usava a mão direita indicando as ações de seu governo, se eleito], ponho as duas [mãos], não é? Então, de fato, não participei. Então, não quer dizer que com isso eu deva estar dizendo: sou bonzinho e os outros não prestam. Não, assumi a responsabilidade dos ônus e dos bônus, é isso que procuro escrever no meu livro.

Augusto Nunes: É sobre isso que eu queria fazer uma pergunta e te devolver a bola. Hoje, o senhor continua achando que o país, eventualmente, precisa recorrer à ditadura para que a ordem seja restabelecida e depois seja retomado o caminho democrático ou não?

Jarbas Passarinho: Não, não, Augusto, de jeito nenhum. Nem achava naquele momento. Tanto que eu disse que não tinha alternativa. Porque é que eu tinha escrúpulos? Porque eu tinha entrado no processo de 1964, 1963 para 1964, baseado na doutrina social da igreja, não era a teologia da libertação [escola que surgiu na década de 70, em contraposição às outras teologias da Igreja Católica, com grande ênfase na luta pela transformação social] porque não existia o que chamo de sociologia da libertação [sendo interrompido]. Então, para mim era Maritain [possivelmente Jacques Maritain (1882-1973), pensador católico francês]... que é Estado livre. Maritain, que foi objeto de discurso meu no Clube da Aeronáutica, no programa que acabou sendo a única coisa [de] que, talvez, me arrependo na minha vida, quando me perguntaram de, através de um discurso, ter chegado a contribuir... estou talvez me dando muita importância, de contribuir para a deposição do Getúlio e, conseqüentemente, [para] o seu suicídio. Nunca defendi que a ditadura, por exemplo, fosse necessária para o aumento do desenvolvimento nacional, nunca... você nunca me viu com veemência responder isso. O que você não sabe, talvez, é o que se possa fazer dentro do regime que se encontrava. Você encontrará nesse livro cartas minhas ao presidente Médici, onde eu falava exatamente da tortura, do que aconteceu, e ele me deu inteira razão e tomou providência. Onde falei da evasão, por exemplo, do Ibrades [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento].

Luiz Weis: Coronel, mas nunca lhe ocorreu um gesto de ruptura com um regime? Fossem quais fossem as suas razões de ser, afrontava aquilo que o senhor como cristão talvez mais prezasse, que é a dignidade, a santidade da pessoa humana?

Jarbas Passarinho: Você me poderia fazer essa pergunta, como se ela já fosse uma sentença de julgamento, se eu estivesse, evidentemente, participando, vendo e me omitindo. Eu não tinha participação nisso, porque o ministro civil não tinha.

Luiz Weis: Absolutamente, não estou dizendo isto. Eu estou dizendo que o senhor poderia ter rompido e preferiu não romper.

Jarbas Passarinho: Não, eu poderia ter feito o que fiz. Na hora, a única vez... Estive aqui nesta cidade de São Paulo e daí um dos aborrecimentos que tive com a SNI, foi quando um colega seu, que é o Reali Júnior [Epídio Reali Júnior, jornalista], que depois foi para Europa [como correspondente da rádio Jovem Pan], ele me perguntou se havia tortura no Brasil. Eu era ministro e respondi, admiti, disse que havia tortura. Só que eu não entendia que fosse uma tortura como uma tática de atuação, uma...

Luiz Weis: [interrompendo] Era um epifenômeno, era uma coisa colateral?

Jarbas Passarinho: Não, não era colateral. Só admiti que ela não fosse uma diretriz de governo e, conseqüentemente, ela se dava como o caso que eu citei, da moça que foi apanhada lá em Brasília. Eu tinha saído muito bem do Ministério do Trabalho com elogio no  jantar de oito confederações, duas das quais dirigidas por notórios esquerdistas, você sabe disso. Por causa disso fui procurado, porque a moça que sofreu a tortura era [...] estudante da UnB [Universidade de Brasília] e bancária. Então, me procuraram. Fui ao presidente Médici, ele prendeu o sargento que deu o choque magnético, demitiu da função que ele tinha e mandou para a fronteira. Prendeu o major que era o responsável direto. Eu acho que era esse o meu papel e não o papel de chegar lá e: “não, eu vou embora porque está havendo tortura no meu país”. Eu tomei conhecimento de um, então, eu quero poupar a minha biografia e eu vou me retirar, que era o que talvez você me sugere nesta pergunta.

Luiz Weis: Não, eu estava sugerindo um ato político de denúncia que revertesse uma tendência brutal.

Bolivar Lamounier: Senador, eu li as 600 páginas do seu livro, aliás, com muito prazer. Eu fiquei com a impressão, talvez equivocada, que o senhor tem grande conhecimento, documentou e analisou várias manifestações do pensamento de esquerda, mas talvez não tenha dado a mesma atenção, a mesma meticulosidade, ao pensamento militar. Quer dizer, afinal de contas foram inúmeras ocasiões, em 1953, 1954, 1955, 1956, 1961, mesmo em 1981, o senhor se refere à crise militar, ao risco do general Figueiredo, no episódio do Riocentro [Em meio a um processo de abretura política, foi feito um ataque à bomba no Pavilhão Riocentro, durante uma comemoração do dia do trabalhador que reunia mais de 20 mil pessoas.  A bomba seria instalada no edifício, mas explodiu antes da hora, no estacionamento, matando um sargento e ferindo um capitão. O governo culpabilizou os integrantes dos movimentos radicais de esquerda, evidenciando a tentativa de justificar uma nova onda de repressão]. Quer dizer, isso me leva a crer, então, que essas intervenções, que esse intervencionismo, não refletem um comportamento apenas reativo, como o senhor disse. Existe alguma coisa na própria mentalidade militar que também é, de certa maneira, um vírus autoritário. Eu não sei se o senhor se deteve suficientemente sobre esse aspecto.

Jarbas Passarinho: Não, o meu respeito pelo cientista social e cientista político que é Lamounier, me leva a dizer que eu estou um pouco chocado com a conclusão, porque eu...

Bolivar Lamounier: [interrompendo] Não, eu coloquei uma indagação.

Jarbas Passarinho: Já é melhor. Não tendo sido conclusão, já é melhor. Eu fui presidente do diretório acadêmico militar, o que é que nós fizemos contra, inclusive, algumas pressões militares? Nós fizemos o trabalho pela entrada do Brasil na guerra. Nós fazíamos as nossas reuniões com alguma dificuldade, o governo se dividia, naquela altura, o Getúlio Vargas, que eu acho que foi um homem sempre siderado pelo poder, um caudilho, aquele negócio do caudilho bem orientado e simpático, mas...

Luiz Weis: [interrompendo] Déspota esclarecido.

Jarbas Passarinho: Déspota esclarecido e que, naquele momento, tinha inclinações nítidas. Eu fiz discursos na escola militar em Realengo, no Rio de Janeiro, a favor da entrada da guerra, a favor do Brasil na entrada da guerra. Fui para uma unidade que deveria ser expedicionária. A guerra acabou antes e a minha segunda divisão não entrou em guerra. Naquela ocasião, tínhamos no exército vários generais que defendiam positivamente a questão democrática. No livro do Juracy ele conta isso,  o [...] Então, não diria que o exército fosse [...] primeiro, li em um trabalho de mestrado, não é mestrado, é mais que mestrado, é de doutorado, que dizia: “Os políticos, os partidos militares do Brasil...”. Eu não vi partido militar no Brasil. Os militares se dividiam. Se dividiam porque a nossa origem, que o Alfred Stepan [cientista político que estuda os problemas da transição democrática em países que enfrentaram regimes ditatoriais; organizou a obra Democratizando o Brasil] traduz muito bem, é uma origem de classe média e média baixa. Eu, quando entrei para a escola militar, filho de um operário, de um mecânico, de uma mãe de letras primárias, eu tive três generais reprovados no concurso que eu passei. Então, daí eu amava o exército e sabia que o exército realmente recrutava pelo mérito e democraticamente. Eu não vi algum viés autoritário da formação militar.

Marcelo Rubens Paiva: Mas, senador, no ano passado, o Robert MacNamara [além de ocupar este cargo, Robert foi o quinto presidente do Banco Mundial de 1968 a 1981], que foi secretário de Defesa dos Estados Unidos [de 1961 a 1968], durante a Guerra do Vietnã lançou uma biografia em que, pela primeira vez, ele admitia que havia exagero da avaliação do governo americano em relação à necessidade da Guerra do Vietnã. Isso foi um grande furor nos Estados Unidos, ele foi entrevistado na CNN [Cable News Network, rede de televisão norte-americana que transmite notícias 24 horas por dia] e chorou em frente ao repórter. Depois, ele foi a um debate na Universidade de Harvard [uma das instituições de ensino e pesquisa mais antigas dos Estados Unidos e com uma das maiores dotações orçamentárias do mundo] e foi acusado pelos estudantes, que diziam: “Quer dizer que o meu pai morreu por uma guerra inútil?”; e ele pediu desculpas à nação. No seu livro, que eu também li, eu tinha essa expectativa de que houvesse alguma autocrítica ou alguma referência a certos exageros cometidos, mas pelo contrário, o senhor defende os vários governos pelos quais o senhor passou, defende a necessidade do AI-5, chega a dizer, inclusive, que é injusta a fama do general Emílio Médici de ser o patrocinador da tortura no Brasil. Não há quase nenhum pedido de desculpas à nação pelo que se cometeu. Quer dizer, na sua opinião não houve nenhum tipo de exagero, o AI-5 era necessário? Quer dizer, não havia maneira de combater o chamado terrorismo pelas vias democráticas? O senhor mesmo diz que o Médici retardou um pouco a abertura porque havia 60 guerrilheiros no Araguaia, quer dizer, 60 guerrilheiros do PC do B [Partido Comunista do Brasil] foram suficientes para retardar quase 20 anos a retomada da democracia no país? Não há nenhum tipo de balanço que o senhor faz e em que foi um momento, um período da história em que os militares se prenderam no regime autoritário e deixaram 100 milhões de brasileiros esperando anos e anos pela democracia?

Jarbas Passarinho: Bom, eu espero que o senhor não desejasse que eu chorasse também diante de uma universidade, que chegasse para chorar e pedir desculpas no momento do equívoco. Veja bem que diferença de comportamento, não é? Um país que era um dos condôminos do mundo, os dois condôminos do mundo eram aqueles, e participava da teoria do dominó e achava que qualquer país, por pequeno que fosse, uma vez dominado por um regime comunista, aquilo seria, no fundo, uma agressão à democracia mundial e, conseqüentemente, à segurança dos Estado Unidos. Muita coisa do que o senhor acaba de dizer, eu teria conflito permanente com a sua posição, permanente. Em primeiro lugar, quando eu me refiro ao presidente Médici, eu faço o que eu acho justiça com ele. Eu mostrei um exemplo em que levei a ele um caso e ele tomou providência imediata. Tem o outro que é o livro do embaixador, que era o ministro das Relações Exteriores, o embaixador Mário Gibson Barbosa [(1918-2007)], que cita a mesma coisa em uma reunião de ministério. Há o livro do filho do general Médici, que pode dizer que é suspeito, porque é filho do general Médici. Bom, quer dizer, nesse caso eu não diria que há uma suspeição e que seja definitiva, onde ele diz que se demitiu, demitiu um ministro, que eu sei qual era o ministro, que foi o ministro Melo, da Aeronáutica, onde exatamente houve o maior tipo de tortura realizada, as mais duras foram feitas, e justamente o presidente Médici fez isso. Muito bem, porque eu acho que o que a mídia faz em geral, e esse é o objetivo do meu livro? Eu não pedi desculpas no livro pelo o que aconteceu no país, pelas coisas que eu tivesse feito. Eu assumo, como disse, a responsabilidade, porque acho uma covardia inominável o que eu vejo hoje dos "heróis retroativos". Eu chamo hoje de "heróis retroativos" aqueles que eu vi ficarem palidecidos complemente, dentro da Câmara, dentro do Senado, na hora em que ficavam com medo de uma cassação e agora diz assim: “Eu combati a ditadura, eu combati os militares”. Combateram coisa nenhuma, eu estava lá e sei que não é verdade. Agora, eu assumo a responsabilidade disso. Dou-me muito bem com as matrizes da esquerda, com as filiais nem tanto. As filiais já não são a mesma coisa comigo. Bom, então, quando o senhor diz que eu tento tirar do general Médici... Por que ele foi o responsável? Pois quem começou a abertura para mim foi o general Médici, aí vai escandalizá-lo. Para mim, quem começou foi exatamente ele, no momento em que ele destruiu a guerrilha urbana, que era a guerrilha do Marighella, porque aquela [...] que diferente de admitir que nós estaríamos extrapolando, aumentando muito a importância do que aconteceu, aquilo ali não, aquilo aconteceu com o pessoal que veio lutar no Brasil. Eu ontem li uma entrevista, que o senhor deve ter lido, na Veja, de um rapaz novo, tinha 17 anos quando participou disso e disse que matou dez. Ele disse que matou dez, inclusive um que era seu companheiro de partido, que achou que fracassou em uma determinada reunião e ele fez o chamado justiçamento. Então, eu admito que no contexto político que nós vivíamos, e aí é que eu lhe daria razão em partes e em muito pequena parte da sua colocação, é dizer que se nós tivéssemos possibilidade de democraticamente vencer sem precisar partir daquela ditadura, a que nos referimos ainda há pouco e que o Augusto também chamou a atenção. O exemplo, você viu, o exemplo italiano, o exemplo italiano não precisa de...

Luiz Weiz: [interrompendo] Alemão, espanhol, irlandês. Temos vários exemplos.

Jarbas Passarinho: Mas que diferença [sendo interrompido]... O espanhol já nem digo mais, já nem digo tanto.

Fernando Gabeira: No Peru, existem... No México.

Marcelo Rubens Paiva: Não é melhor combater pelas vias democráticas?

Jarbas Passarinho: Hoje, hoje eu diria que sim. Hoje eu diria que não há dúvida que, se nós pudéssemos...

Marcelo Rubens Paiva: [interrompendo] Por que na época não se pensava assim?

Jarbas Passarinho: Porque não se pensava, porque nós vivíamos o auge da Guerra Fria. O auge da Guerra Fria, naquela altura, é que se fazia isto. Você vê, hoje eu tenho um relacionamento pessoal com o Gabeira, pessoal no sentido de [que] nós nos respeitarmos, mas quando eu li o livro do Gabeira, quando ele diz assim: “Se eu batesse e entrassem lá na casa onde estava o Elbrick..., porque o Elbrick seria morto" [Charles Burke Elbrick, embaixador dos EUA no Brasil que foi seqüestrado durante a ditadura militar; ato assumido pela Dissidência Comunista Universitária da Guanabara (também denominada de MR8) e  que visou a denúncia dos  crimes da ditadura e a libertação de 15 presos políticos; Fernando Gabeira participou do seqüestro - ver entrevista com Gabeira no Roda Viva]. Eu acho, eu pessoalmente achei, que o Gabeira jamais mataria uma mosca. No entanto, você veja também, é o escrúpulo da consciência. Então, porque não se considera também... Getúlio deu o golpe e não houve qualquer tipo de resistência dessa natureza. Foi a primeira vez que se fez, no país, uma resistência que começou logo depois do golpe de Estado. Não teria havido 1964, eu afirmo, garanto e sustento esse ponto de vista, não teria havido 1964, se não tivesse havido o problema da agressão à disciplina e hierarquia militar, o problema dos marinheiros sobre tudo e dos sargentos da Aeronáutica.

Fernando Gabeira: Eu vou lhe fazer uma pergunta que escapa um pouco, porque eu não quero apenas recordar, eu quero falar também de uma parte da sua intervenção que tem repercussão no pressente, terá no futuro e envolve o pensamento militar. Qual foi a sua participação na demarcação das terras dos Ianomâmi. Na sua opinião, a existência de índios na fronteira das nações indígenas representa um perigo para a segurança nacional ou não? Isso tem sido um debate muito intenso lá no Congresso, inclusive com posições militares não oficiais, mas algumas posições militares contrários. Como é que o senhor vê?

Jarbas Passarinho: Qual foi a minha posição em relação à demarcação? Vital. Me permita, se for cabotinismo, admita como tal, se não for, admita a verdade. Não fora eu ministro da Justiça do presidente Collor, como o ministro da Guerra, que tinha sido cadete, quando eu era tenente, como o ministro da Marinha, que tinha sido capitão de tenente, quando eu era chefe do Estado Maior na Amazônia, dificilmente essa demarcação teria sido feita. Eu me metia a gato mestre, Fernando Gabeira. Fui estudar até antropologia cultural para caracterizar, porque a reação era brutal. Bom, e sobretudo, porque aí [sendo interrompido], o meu exército, desde que eu participe dele... é fácil vender ao exército a idéia de nacionalismo, muito fácil. Então, todo mundo se considera nacionalista, a ameaça está ai, o mundo está ai, a Amazônia é um problema nesse sentido. Então, a minha conclusão era de que era absolutamente correto fazer a demarcação. Criei grande resistência, na medida em que levei ao presidente os decretos para a anulação dos decretos do governo do presidente Sarney [José Sarney, presidente do Brasil de 1985 a 1990], como o ministro do Exército na época, que era totalmente contrário à demarcação. Ai entra talvez, um pouco, porque o Marcelo pergunta sobre... Veja, como é o contexto político e histórico do momento, não é? Então, hoje se dá grande importância à algumas organizações não governamentais, porque algumas querem, realmente, que haja a nação Ianomâmi, algumas defendem esse ponto de vista, nunca foi o meu ponto de vista.

Fernando Gabeira: Eu sei.

Jarbas Passarinho: Eu acho que o fato de existir uma etnia do lado de lá e do lado de cá é tão perigosa que não tem perigo nenhum. Nós temos a mesma coisa já no Peru e na Colômbia. Nós temos, em menor extensão territorial, áreas demarcadas com etnias existentes de um lado e de outro da fronteira do Peru e da Colômbia. Então, eu acho absolutamente correto ser feito. Acho que o governo, as pessoas que consideram que o país está ameaçado, não leram a Constituição. O artigo 20 da Constituição diz categoricamente: “São bens da União...”, elenca os bens da União e o último diz assim: “As terras indígenas”. As terras indígenas não são as terras dos índios, as terras são bens da União. Agora, os índios têm, pelo artigo 231 da Constituição, eles têm exatamente o usufruto da utilização daquilo, não é? Bom, o meu ibope caiu a zero na área do Comando Militar da Amazônia, tenho certeza disso. Mas sustentei meu ponto de vista, já debati na Câmara e no Senado sobre isso. Acho que é uma estupidez, porque nós temos a garantia quanto à segurança do Brasil de nós não temos de desmembrar o Estado duas vezes: Primeiro, porque pelo artigo 20 as terras são da União; Segundo, porque estão na fronteira. A fronteira declara que na faixa de 150 quilômetros de extensão, o predomínio da União é total. Agora, por que é que não fazem a exploração racional? Por que, por exemplo, eu enfrentei os parlamentares de Rondônia, de Rondônia não, de Roraima? Porque índio não vota, quem vota é o garimpeiro. Então, aí é mais importante sustentar a posição do seu eleitor, não é? Mas se fizer lá a exploração definitiva como deve fazer, racional, sem essa forma perversa que se fez... Só a área do Catrimani [Alto do rio Catrimani, situado no estado de Roraima] perdeu 50% da sua população por gripe, quando juntou a Perimetral Norte, feita pelo meu amigo Andreazza [Mário Andreazza (1918-1988), foi ministro dos Transportes nos governos Costa e Silva e Médici e ministro do Interior durante o governo de Figueiredo], com o levantamento do Radam Brasil, que provou a existência dos minérios [o Radam foi um projeto de levantamento de informações sobre o relevo brasileiro, baseado em imagens de radar, que identificou jazidas de minérios na Amazônia e promoveu uma corrida do ouro em terras indígenas; foi desenvolvido pelo Ministério de Minas e Energia e fazia parte do Plano de Integração Nacional (PNI) dos governos militares, bem como a construção da Perimetral Norte (1973-1976)]. Então, esse é um ponto importante, defendi. Houve momentos até que eu recebi, de uma pessoa que eu nunca esperava e foi lá me cumprimentar em um debate desses, foi o deputado, seu colega hoje, o Arouca [Sérgio Arouca (1941-2003), médico e político comunista brasileiro]. Por isso é que eu digo que na matriz eu vou bem, na filial é que não.

Luiz Weis: Coronel, me permita voltar um pouco, com ironia, à política dos brancos. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dez anos, tirando os setores que integram aquilo que a gente chama ali de margem lunática da política, são razões absolutamente irreconciliáveis com a razão humana. A esquerda no Brasil, na América Latina toda e no mundo, fez uma profunda autocrítica e assumiu, de novo salvo as exceções de praxe, a democracia como valor universal, aquela que sobrepõe e tal. O senhor diria que aconteceu o mesmo com aqueles que combateram simetricamente a esquerda, com seus antigos companheiros de farda, com aqueles que fizeram do anticomunismo a sua razão de ser e, em nome disso, mandaram às favas escrúpulos de consciência, o senhor acha...

Jarbas Passarinho: [interrompendo] Isso é provocação [risos].

Luiz Weis: Claro, claro. Não seria justo.

Jarbas Passarinho: Porque você está misturando alhos com bugalhos.

Luiz Weis: Eu não estou não, eu não estou, não.

Jarbas Passarinho: Você está misturando "Passarinho com tucano" [risos].

Luiz Weis: Não, não.

Jarbas Passarinho: Não é bem isso.

Luiz Weis: Não, veja bem, eu quero saber concretamente o seguinte: um lado reconheceu que a democracia é um valor universal e não partilhava unanimemente essa idéia, eu quero saber: o outro lado também reconhece isso hoje?

Jarbas Passarinho: Também reconhece. Tanto reconhece que para surpresa sua, por exemplo, a doutrina da Escola Superior de Guerra passou a defender firmemente não apenas a democracia, mas a democracia representativa que, como nós sabemos, por exemplo, do ponto de vista marxista [conjunto de idéias filosóficas, econômicas, políticas e sociais elaboradas por Karl Marx e que interpretam a vida social conforme a dinâmica de luta de classes e prevê a transformação da sociedade de acordo com as leis do desenvolvimento histórico e sistema produtivo] ela é posta em dúvida. Então, a democracia representativa que hoje está em crise, a gente admite que existe crise mundial da democracia representativa, hoje é tese da Escola Superior de Guerra do Brasil.

Marcelo Rubens Paiva: Mas vocês achavam que o Brasil corria o risco de se tornar uma nação bolchevique [palavra de origem inglesa que significa “majoritário”. Assim foram chamados os aliados de Vladimir Lenin (1870-1934), um dos responsáveis pela revolução russa de 1917. Lenin era do Partido Comunista russo, que acabou influenciando os outros partidos comunistas de todo o mundo], quer dizer ou o golpe em 1964, ou isso foi um motivo para um golpe de uma elite, de um grupo social, de um grupo econômico, para tirar do poder um outro grupo econômico?

Jarbas Passarinho: Não, não foi. Acho que a visão ai é um pouco limitada, me desculpe. Havia, quem viveu, você é muito novo, você é jovem. Naquela altura se falava em um movimento internacional. Levava-se muito em consideração aquela frase de Lenin quando brigando com Trotsky [Leon Trotsky (1879-1940), foi um intelectual marxista e revolucionário ucraniano. Fundou o Exército Vermelho. Desempenhou um importante papel político para a União Soviética como ministro de Negócios Estrangeiros],  ele disse: “Não, o caminho para Londres passa por Pequim e pela África”. Nós já estávamos no Caribe, né, com um país que era um pensionista da União Soviética, que era Cuba. Houve, sim, um exagero, provavelmente, dentro dessa perspectiva completa de natureza histórica, de que uma guerrilha dirigida, não, não pelo Sobral Pinto [Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893-1991), jurista brasileiro, defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar e o Estado Novo], não pelo Brossard [Paulo Brossard Pinto, advogado e jurista brasileiro; foi senador, ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral], mas exatamente pelo Marighella.

Luiz Weis: Ou a repressão dirigida não por um "passarinho", mas por um Sílvio Frota [( 1910-1996), foi um general do exército brasileiro e ministro do Exército durante o governo Geisel. Frota representou a linha-dura do regime militar brasileiro].

Jarbas Passarinho: Por quem?

Luiz Weis: Por um Sílvio Frota.

Jarbas Passarinho: Não diga isso, o Sílvio Frota não merece esse insulto de jeito nenhum.

Luiz Weis: Não?

Jarbas Passarinho: Este homem nunca admitiu a tortura no primeiro exército, nunca.

Luiz Weis: Mas e o golpe que ele tentou aplicar no presidente Geisel?

Jarbas Passarinho: Nunca, não. Espere aí, agora deixe eu defendê-lo. Ele, para a Etiene, eu não conheço essa moça.

Luiz Weis: Etiene Romeu [Inês Etiene Romeu, foi perseguida durante a ditadura militar junto com Lamarca]. 

Jarbas Passarinho: Essa aí, que a Moema Santiago me autorizou a escrever no livro. Quando ela estava em uma das torturas disseram: “O próximo que vai vir para cá é esse ministro da Educação”, que era eu, ameaçado por um desses que você disse que ficam deformados e fanáticos. Eles praticaram tortura em Petrópolis, porque o general Frota dava incerta nas prisões no primeiro exército no Rio de Janeiro. Ele nunca admitiu a tortura, ele é um direitista e direitista radical, mas nunca admitiu a tortura.

Matinas Suzuki: Ministro, eu não tive tempo de ler perguntas do nosso telespectador. Então, eu pediria licença para a nossa bancada para abrir esse bloco. Curiosamente eu tenho aqui duas perguntas sobre o mesmo tema. O Amando Vazone, que é do bairro de Interlagos, aqui de São Paulo e o Paulo Soares, que é daqui de São Paulo também, eles fazem uma pergunta que inverte um pouco a situação do primeiro bloco, ou seja, perguntam para o senhor: “Por que o senhor acha que os jornalistas são tão de esquerda no Brasil”? Se os jornalistas são de esquerda no Brasil?

Jarbas Passarinho: Porque eles pensam que são mais inteligentes que a direita. A regra geral tem sido essa. Eu tive a oportunidade de, como ministro, ter relacionamento permanente com eles. Acho que o problema está, em grande parte, no que talvez filosoficamente nós devêssemos identificar no pensamento do Jean-François Revel [autor de obras conhecidas mundialmente, como O conhecimento inútil, Nem Marx nem JesusA tentação totalitária; definindo-se como um intelectual de direita teve entre seus grandes temas "a luta contra as mentiras da esquerda"]. Ele diz que a esquerda fascina, na medida [que], exatamente, ela traz a idéia de uma humanidade fraterna. Ela trouxe a idéia, com o Marx, por exemplo, de um humanismo que nunca se deu nas áreas dominadas pelos supostos regimes marxistas. A direita é tida sempre, e até agora mesmo nosso presidente, que foi o meu colega 11 anos no Senado, que diz que não disse, que esqueceu-se o que escreveu, e algumas pessoas maliciosamente dizem que ele disse. Ele acha que a direita se caracteriza por exatamente admitir a desigualdade, e a esquerda exatamente por não admiti-la. De maneira que os jovens, de um modo geral, são fascinados por essa tese. O que eu acho, e no livro eu procuro falar, às vezes até em conseqüência disso, eu faço uma crítica ao Geisel, na medida em que defendo o Médici. Não, eu faço o raio x. O Médici exigiu que reabrisse o Congresso, podem dizer: “É uma farsa”, bem, mas ficou lá a gente falando, ficou lá o colega seu, o deputado do Rio de Janeiro, o Maciel [Marco Maciel], que só se referia a ele dizendo: “Esse general que usurpou o poder da República, esse general que senta na cadeira que não merece”. Nunca foi cassado, o general Médici não cassou um congressista. O presidente Geisel cassou, inclusive, o [...], não é? Se houve alguma cassação por delito de consciência, não aconteceu no governo do Médici. Se o Genoino está vivo lá, ao lado de Fernando Gabeira, como deputado, foi preso no período em que se combateu, que se combateu a guerrilha do Araguaia, no governo Médici. Se outros estão procurando as ossadas dos desaparecidos, foi no governo Geisel. O Geisel que fez aquela modificação da Constituição, a partir do momento que quis impor a Lei da Magistratura [Lei Orgânica da Magistratura Nacional], que foi repelida. Aí veio o Pacote de Abril, que o Brossard chamava: “Os constituintes do riacho fundo”.

Fernando Gabeira: Mas no seu livro há uma referência de que o Geisel não era muito simpático à sua atuação, não há aí também um desequilíbrio?

Jarbas Passarinho: Mas não há. No meu ponto de vista, posso lhe garantir o comentário. Tenho muito respeito pessoal por ele, acho que talvez fosse, dos cinco generais, o que intelectualmente era o mais bem dotado. Agora, o que acho é que é injusta a comparação, porque ele pode começar uma abertura a partir do momento em que o Médici assumiu a responsabilidade do grande vilão e esmagou, especialmente, um partido que pagou sem dever, que foi o Partidão [Partido Comunista Brasileiro (PCB)]. O Prestes era contrário à luta armada, mas todo mundo queria pegar o pessoal do Partido Comunista, porque já tinha ficha, já sabia quem era e foi quem pagou mais caro. Este jovem, que eu não conheci, que fez essa entrevista para a Veja, diz inclusive, o que acho que é um pouco de bazófia dele, que o Marighella não lutou, que quem lutou foram eles, que tinha 17 anos, até um garoto de 14 anos etc e tal. O que sinto é o seguinte: o presidente Geisel, quando fez o Pacote de Abril, invalidou o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] de chegar ao poder, porque criou senador biônico [senadores eleitos indiretamente, por um colégio eleitoral; como os outros cargos também intitulados biônicos, o de senador tentava manter o regime ditatorial no poder]. Não obstante é muito bem tratado pela imprensa [abre os braços] [todos falam ao mesmo tempo].

Matinas Suzuki: Luiz, vamos respeitar um pouquinho a ordem. O Manuel Alceu estava antes.

Jarbas Passarinho: Muito bem tratado. E aí é que é a história da imprensa, por isso é que eu digo: ela prefere caracterizar um como vilão e o outro como não sendo e não levam em consideração o raio x.

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Senador.

Jarbas Passarinho: Sou eu [risos].

Manuel Alceu Affonso Ferreira: É o senhor. Senador, o senhor enfrenta Cuba hoje à noite, quer dizer, o senhor disputa a audiência do jogo Brasil X Cuba, de Vôlei. Portanto, enfrenta Cuba mais uma vez.

Matinas Suzuki: E é um jogador de vôlei também, não é?

Manuel Alceu Affonso Ferreira: E é um jogador de vôlei.

Jarbas Passarinho: Fui.

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Quebrando um pouco...

Jarbas Passarinho: [interrompendo] Também reformado [risos].

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Quebrando um pouco a harmonia da bancada, que é uma bancada de jornalistas, o advogado lhe faz três perguntas curtas e grossas: primeiro, pena de morte, qual é o seu pensamento? Segundo, qual é a melhor Constituição brasileira ou qual foi a melhor Constituição republicana brasileira? Em terceiro lugar, já que se falou no Pacote de Abril, [conjunto de leis outorgado pelo presidente Geisel que fechou, temporariamente, o Congresso Nacional] é justa a representação constitucional que impõe limite de 70 deputados a um estado?

Jarbas Passarinho: Bom, o senhor está, em primeiro lugar, provocando a minha capacidade de retenção [risos]. Três perguntas de uma vez, mas vou respondê-las. Primeiro, sou contra a pena de morte, não sou favorável. Acho que erro judicial basta um para liquidar completamente a possibilidade de que isso possa ser justiça; segundo, a melhor Constituição, para mim, é a Constituição de 1946 reformada, no que tange, ao problema da ordem econômica pela Constituição de 1967; terceiro, final...

Manuel Alceu Affonso Ferreira: [interrompendo] A representação.

Jarbas Passarinho: A representação foi conseqüência do Pacote de Abril, para poder dar ao nordeste e norte mais força.

Luiz Weis: Uma representação mais que proporcional.

Jarbas Passarinho: Por isso é o que eu digo, não estou fazendo injustiça ao presidente Geisel. O Fernando Gabeira sugeriu ali que eu estou tirando uma forra [risos], mas não é o caso não, viu.

Fernando Gabeira: As relações pessoais que me contam.

Jarbas Passarinho: Às vezes pode até influir, mas no momento não influía.

Manuel Alceu Affonso Ferreira: De forma que a representação política, impondo esse limite de 70 deputados, é injusta?

Jarbas Passarinho: Acho injusta, acho injusta, profundamente injusta.

Ricardo Kotscho: Por favor, agora é minha vez, o senhor esperou educadamente.

Matinas Suzuki: Agora é o Ricardo, depois o Bolivar, pronto.

Ricardo Kotscho: A última função pública importante que o senhor exerceu, até agora, foi como presidente da [Comissão Parlamentar de Inquérito] (CPI) do orçamento. Está na lembrança de todo mundo, ficou conhecida como a CPI dos anões. Ao final dessa CPI, o senhor defendeu mudanças estruturais para impedir a corrupção no orçamento. Agora, esses dias, ainda recentemente, na semana passada, falou-se novamente na manipulação do orçamento. Eu queria saber do senhor... pelo que li, o momento mais difícil da sua vida foi presidir essa CPI do orçamento. Colegas seus entravam chorando no gabinete. É possível, um dia, acabar com a manipulação do orçamento nesse país? É possível acabar com a corrupção institucionalizada que existe até hoje?

Jarbas Passarinho: Não, deixa eu ver se respondo pela ordem também do raciocínio. Primeiro, foi, de fato, na minha experiência parlamentar, foi a mais difícil de todas, extremamente difícil. Cortar na própria carne não é fácil, é muito difícil. Vi pessoas chorando, vi pessoas desabando. Houve um momento em que cito no livro a minha quarta-feira negra. Quando vi chegarem para nós [que], a partir do presidente do Senado até lá embaixo está todo mundo de rabo preso, foi a expressão utilizada, chula, mas foi essa. Acho que a CPI cumpriu o seu papel, a imprensa não foi justa conosco. Nós fizemos 18 indicações para cassação, dez foram feitas, quatro se anteciparam e fizeram, que o máximo que o parlamento pode fazer é cassar o mandato. Agora, cadê o Ministério Público? Tudo o que foi enviado lá em relação ao dinheiro. Doutor, o senhor que é advogado, não é? Cadê o Ministério Público? [risos]

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Eu sou advogado, não promotor.

Jarbas Passarinho: Eu sei, mas o advogado tem um relacionamento permanente com ela. Só se pode ser advogado porque acredita na Justiça, se não, não seria advogado. Eu fui militar porque acreditei no meu canhão de artilharia, hoje é peça de museu, mas de qualquer maneira, na época, foi. Bom, então esse foi o primeiro ponto.

Augusto Nunes: Mas por que a imprensa foi injusta? Desculpe, só atalhando, só para o senhor explicar melhor.

Jarbas Passarinho: Porque dizia que dava em pizza [sinônimo de impunidade].

Augusto Nunes: Mas o senhor está generalizando. Eu acho que tudo o que foi feito foi noticiado.

Jarbas Passarinho: Eu concordo com você, retiro. Eu digo parte da imprensa foi, porque era toda hora: “Vai dar em pizza”. Meu amigo [...], eu gosto dele, toda hora que ele abria aquela boca dele era: “Pizza”, e não era bem isso, não é? [sendo interrompido] Bom, por outro lado, se fez o que? Modificou-se - vou chegar ao final da pergunta do Kotscho - completamente o problema, veja que apareceu até o bônus para as eleições. Começou a haver uma modificação em relação à apropriação da verba. Agora, decepcionante para você, meu amigo. A pergunta que você me fez, a minha resposta é dolorosa. Ninguém, ninguém vai impedir essa manipulação, porque quando ela não for feita na Câmara, quando ela não for feita no Senado, é feita no Ministério. Ela é feita no Ministério do Planejamento, ela é feita no Ministério da Fazenda. As pessoas vão lá e já obtêm direto a mensagem que vai vir para o Congresso votar, quem tem força vai lá e consegue. Então, falo [em] manipulação nesse sentido, não a manipulação dos "sete anões", que foi complemente diferente, era participação, um percentual violento, é outra coisa.

Augusto Nunes: Mas em outros países isso não ocorre. O que é que precisa ser feito para acabar?

Jarbas Passarinho: Não sei, será que não ocorre Augusto?

Augusto Nunes: O senhor imagina que não?

Jarbas Passarinho: Não sei.

Bolivar Lamounier: Eu gostaria de trazer outra pergunta, assim, para o cenário contemporâneo, a que nós nos referimos. O senhor foi governador de estado e foi quatro vezes ministro. Chamou minha atenção que, só no final do seu livro, mais exatamente na página 541, é que o senhor tem uma reflexão global sobre o Estado brasileiro, quer dizer, o gigantismo, o estadismo, as disfunções do modelo exageradamente intervencionista que nós tivemos. Foi realmente no período recente, a partir do início dos anos 1990, que o senhor pensou dessa maneira ou foi apenas a construção da sua narrativa que o levou a isto?

Jarbas Passarinho: Eu devo confessar a minha insuficiência intelectual, realmente ela foi.

Bolivar Lamounier: Não, não é essa a minha implicação.

Jarbas Passarinho: Porque, me lembro, por exemplo, que quando servi lealmente ao meu malogrado príncipe das Alagoas [referindo-se a Collor], não é?

Luiz Weis: Que era um sapo [risos].

Jarbas Passarinho: E vi, em um determinado momento, ele botar o dedo assim em riste para os presidentes de empresas estatais e dizer: “O Brasil não é refém dos senhores”. Aí pensei no ministro do Figueiredo, 1984. Tenho isso de memória, pode ser que eu me engane, Augusto, mas é por pouco, havia três orçamentos, não é?

Bolivar Lamounier: Sim, fiscal, monetária.

Jarbas Passarinho: O fiscal, que era o único que passava pelo governo com sete anões, pelo parlamento com sete anões, havia a monetária e havia a das estatais. Eu, na Previdência, entrava na fiscal e nas estatais. Orçamento do Brasil, 26 trilhões de cruzeiros em 1984. Bom, eu era o segundo orçamento, Previdência Social, tinha 16 trilhões, e terceiro era São Paulo. Aí, entrei nas estatais. Quando entrei nas estatais - que o governo é inadimplente crônico na Previdência é uma das causas da [...] Previdência - , também, a dificuldade é o déficit do governo, 66 trilhões, 63 trilhões das estatais. Bom, então aí me dei conta de que realmente nós tínhamos chegado a um capitalismo de Estado. Era brutal porque era mais do que o Brasil, era quase duas vezes e meia o orçamento brasileiro. Também me lembrei de um homem brilhantíssimo, que foi o presidente do Mobral [Movimento Brasileiro de Alfabetização] comigo sem receber um centavo, que foi Mário [Mário Henrique Simonsen (1937-1997), economista, professor e banqueiro; ministro da Fazenda do Brasil durante o governo Geisel e do Planejamento durante o governo Figueiredo; presidente do Mobral de 1969 a 1974].

Bolivar Lamounier: Mário Henrique Simonsen.

Jarbas Passarinho: Mário Simonsen. Depois a coisa mudou e é uma das minhas frustrações maiores, foi o desastre do Mobral. Eu vivia falando, eu não sou pedagogo, tenho uma filha que é, e me baseava no que Mário Gibson Barbosa [diplomata brasileiro, no governo de Médici foi ministro das Relações Exteriores] me dizia: “Costa Rica alfabetizou todos os seus analfabetos e perdeu-os todos pelo processo pedagógico da regressão”. Quem não continua escrevendo, vai no recenseamento, fala, mas não escreve, lê, mas não escreve. Então, nessa altura, eu me lembrava de que Mário Simonsen falava na lei dos espaços vazios. Até pensei que ele era de cavalaria, porque o que era isso?  Tive a prova em um almoço, na casa do presidente da Federação das Associações Comerciais do Brasil, parece que um empresário de café solúvel, não é?

Luiz Weis: Moraes Coimbra [...].

Jarbas Passarinho: Não, não era ele, era um outro [sendo interrompido], eu troquei de atividade.

Fernando Gabeira: Ah sei, entendi.

Jarbas Passarinho: Era Tancredo Neves, Brossard, Roberto Antoni Braga - que eu considero uma grande cabeça do PMDB na ocasião, hoje é socialista - o Antônio Ermírio de Moraes [empresário e dono do grupo Votorantin com intensa participação na vida política nacional], e eu fiz a pergunta para o doutor Antônio, então, que tinha se descoberto, por acaso, o Carajás, que foi um pouso de emergência de um helicóptero, foi em uma clareira que era só minério de ferro. Perguntei ao doutor Antônio Ermírio: pode a empresa particular brasileira [...]  a empresa privada brasileira pode tratar disso? São quatro bilhões de dólares. E ele disse: “Não, nós não temos capacidade”. Aí que entrava o Mário, o Mário dizia: “Tem que haver uma participação do Estado, porque senão o espaço fica vazio”.

Ricardo Kotscho: Mas quando o senhor fala nesse aparato estatal, fica parecendo que não foi o regime de 1964 que criou exatamente esse processo estatal.

Jarbas Passarinho: Não, não foi só, não foi só.

Ricardo Kotscho: Mas daí foi que se desenvolveu mais.

Jarbas Passarinho: Mas foi, você tem admiração pelo doutor Getúlio, tem?

Ricardo Kotscho: Não.

Jarbas Passarinho: Não tem. É pena, porque se tivesse, eu ia atacar um pouco mais [risos] [todos falam ao mesmo tempo].

Luiz Weis: Há décadas atrás, nem o mais ingênuo dos "focas" da profissão [jargão utilizado no meio jornalístico para identificar o jornalista iniciante] iria perguntar ao coronel Jarbas Passarinho qual era, a juízo dele, o maior adversário, o maior problema de segurança nacional. Mas o tempo passou e hoje o comunismo acabou. Hoje, qual é a ameaça que o senhor identificaria à segurança nacional do Brasil?

Jarbas Passarinho: Olha, vai ser uma pergunta que eu...

Luiz Weis: [interrompendo] É o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra], a globalização, o capital especulativo?

Jarbas Passarinho: Não, você está querendo me dar cola, me faz a pergunta e me dá a cola [risos].

Luiz Weis: Questão de múltipla escolha. Nenhuma das anteriores?

Jarbas Passarinho: Para que questão de múltipla escolha? Bem, eu ia dizer a você que aprendi cedo que não há perguntas comprometedoras, não há perguntas indiscretas. Há respostas comprometedoras, você quer uma. A minha preocupação hoje é com a globalização.

Luiz Weis: Em que sentido?

Jarbas Passarinho: O MST... é porque acabo de ver, o que você viu, o que acontece com a Argentina, não é? Eles conseguiram baixar a inflação, muito bem. Abriram menos do que nós, têm uma reserva fraca de 17 bilhões de dólares, das quais devem gastar agora três em compra de dólar, para evitar o problema do peso [referindo-se à moeda da Argentina], e sucatearam a indústria. O meu receio, na globalização, é a partir do momento em que eu vejo a sucessão de empresas brasileiras particulares entrarem em crise econômica e começarem a entrar em concordatas e falências, por exemplo, Metal Leve [empresa que fabrica pistões e em 1996 foi comprada pela  Mahle] para mim me preocupou.

Luiz Weis: Mas nesse sentido, coronel, a idéia, a noção de privatização selvagem seria uma grande bobagem?

Jarbas Passarinho: Não, selvagem seria, embora não temos, não temos nada contra os índios.

Luiz Weis: Não, porque o senhor pertence a um partido que defende a privatização do setor elétrico, a privatização do setor de petróleo, não é mesmo? O senhor é companheiro de partido do senhor Roberto Oliveira Campos [(1917-2001), economista e diplomático brasileiro; deputado federal, senador e ministro do Planejamento de Castelo Branco], enfim, que tem uma relação com o Brasil que não me parece que seja similar a sua. Estou intrigado um pouco com essa discrepância.

Jarbas Passarinho: Mas você era muito mais simpático em 1970, quando você me entrevistou pela primeira vez [risos].

Luiz Weis: Mas em 1970 tinha o AI-5, coronel [risos].

Jarbas Passarinho: É, o Roberto, gosto muito do Roberto, admiro muito. Até na Constituinte eu dizia para ele: Roberto, você é o mais erudito de todos nós e é o menos inteligente. Ele ficava bruto comigo: “Mas, por quê?”. E eu dizia: porque tem uma coisa muito simples. Você escreve a sua participação. O meu querido amigo Delfim [Antônio Delfim Netto, foi ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento], por exemplo, não vi nunca o Delfim na tribuna. Não sei se agora ele vai, não sei. O Roberto ia para a tribuna defender e escrevia a participação dele, escrevia sempre com maneira a passar de cinco minutos. O Ulysses [referindo-se a Ulysses Guimarães] era implacável, com quatro minutos o Ulysses tocava a campainha e dizia: “Resta um minuto para o tempo de Vossa Excelência” e a esquerda se assanhava, vinha para ali, para a frente do microfone, como acontece, e ficava esperando. Ele normalmente passava dos cinco [minutos] e começava a ser vaiado, antes dos cinco ele era vaiado e ai continuava falando. Era vaiado e em seguida gongado, porque havia o toque da campainha. Dizia para ele: você é erudito, mas não é inteligente, porque se você fosse inteligente, fazia o seu discurso em quatro minutos. Então, nem tudo o que o Roberto defende eu defendo, ao contrário. Quando passei a ele a presidência, quando passei a ele a liderança do partido... porque o meu partido era curioso, fui líder de 41 senadores no Arena [Aliança Renovadora Nacional, foi um partido político criado com o objetivo de manter o regime conservador], depois fui líder no PDS [Partido Democrático Social, novo nome do Arena, depois que o pluripartidarismo foi legalizado novamente no Brasil], já eram 36. Houve o segundo efeito Maluf [Paulo Maluf, prefeito e governador de São Paulo, secretário dos Transportes e deputado federal pelo estado] e nós ficamos com 12, houve o terceiro efeito Maluf, ficamos com dois, era o Roberto Campos e eu. O Roberto queria ser candidato no Rio de Janeiro a deputado, passei então a liderança para ele, porque o líder sempre fala um pouco mais, aparece mais. Ele viajava muito, dava muita conferência fora, um dia que ele chegou no Brasil, eu disse: pára, Roberto, fala com a bancada, e ele disse: “A bancada sou eu” [risos]. É o caso do Gabeira, não é [risos]?

Fernando Gabeira: É, igual a minha.

Jarbas Passarinho: Quando passei a ele a liderança, ele fez um belíssimo discurso a meu respeito, mas duas, imediatamente duas restrições profundas, ele não me perdoava ter sido favorável à Petrobras e ter sido ministro da Previdência. Então, nem tudo que o Roberto escreve você tem razão de dizer que é o que penso.

Fernando Gabeira: Sobre essa questão da Petrobras, queria fazer uma pergunta, mas eu vejo que o Matinas tem...

Matinas Suzuki: [interrompendo] Pode terminar de fazer, depois eu faço.

Fernando Gabeira: O senhor, em um determinado momento da sua vida, foi uma espécie de espião a serviço da Petrobras, não da Petrobras ainda, mas a serviço da observação de um homem...

Bolivar Lamounier: [interrompendo] Espião, no bom sentido.

Fernando Gabeira: No bom sentido, um Walter Link [geólogo estadunidense contratado por Juracy Magalhães para trabalhar na Petrobras e acusado de espionagem para o governo dos EUA].

Jarbas Passarinho: Quero ver aonde que ele quer chegar [risos].

Fernando Gabeira: Um Walter Link, um homem que veio ao Brasil estudar a situação do petróleo no Brasil e era considerado como um grande inimigo do país. E o senhor acompanhou o homem, foi atrás, esteve ao lado dele, um pouco em intenção de reportar também aos seus superiores, não é? Qual a sua visão daquele momento? Quer dizer, o Brasil tinha petróleo e ele enganou ao Brasil naquele momento ou ele foi enganado também pela circunstância?

Jarbas Passarinho: Bela pergunta, Fernando Gabeira, eu vejo que você não leu o livro.

Fernando Gabeira: Não, não li todo.

Jarbas Passarinho: Porque tenho um capítulo inteiro sobre isso. Uma das maiores injustiças praticadas com Walter Link foi exatamente essa. Fala-se, no relatório dele, ele foi mais otimista no relatório de que cinco geólogos brasileiros e geofísicos. O que ele escreveu até hoje, até hoje, não foi desmoralizado.

Fernando Gabeira: É verdade.

Jarbas Passarinho: Ele nunca disse que nós não tínhamos petróleo, nunca. Ele salientou a restrição para determinadas áreas da Bahia e do Sergipe, foi contra as áreas paleozóicas ou pré-paleozóicas, que ele achava que dificilmente se poderia ter, deixou todos esses trabalhos feitos voltados para o mar. Ele foi para Barreirinha, ele foi para Marajoara, ele furou até, mas naquele tempo...

Fernando Gabeira: [interrompendo] E o senhor atrás.

Jarbas Passarinho: Não havia... Ele era um homem sarcástico. Eu pago o preço de ser considerado um homem irônico e não sou, não é? Então, ele meio... fui apresentar o major no Acre, ele ia fazer a campanha da geologia do Acre. Chega lá nessa ocasião, ele me viu major da ativa, e eu arranhava um pouco de inglês com o que Deus me deu e a pronúncia honrosa da boca do rio Amazonas, não é? Então, fui para lá, ele me viu major e não entendeu. Os cinco maiores geólogos o mundo, contratados por 500 mil de dólares, por Juracy Magalhães pagava 100 mil dólares por ano. Ai me chamou de general: “General” [fala com sotaque americano] e eu, imediatamente, chamei: “Marshall [George Catlet Marshall (1880-1959); um dos secretários dos Estados Unidos, idealista do plano Marshal, de reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à segunda Guerra Mundial]” [risos]. Mas ele estava ligado na hierarquia militar, até o fim da vida me escreveu. Fiz esse relatório porque ele disse coisas duríssimas. Espontaneamente, quando terminamos a viagem eu disse: Mister Link, o senhor contou o que quis dizer, não fiz nenhuma pergunta, mas eu sou oficial do estado maior do exército brasileiro. Eu estou aqui porque acho que há uma razão de ter um oficial aqui. Vou escrever um relatório a seu respeito e eu vou datilografar. Fiz isso, ele perguntou: “O que deve acontecer?” E eu disse: Acho que o senhor vai ser chamado para confirmar ou não o que eu disse. No meu entender, se o senhor confirmasse o que disse, devia ser demitido, pagando-se o que fosse preciso pagar. Porque o senhor não trabalha pelo monopólio, o senhor trabalha para o monopólio, mas não pelo monopólio. Porque a tese dele era essa liberta, maior liberta, quanto mais, melhor, era a tese da competição. Ele tinha razão, era uma tristeza, eu defendi a Petrobras de unhas e dentes. Naquele tempo fui monopolista histórico, lutei na escola militar, na escola do estado maior do exército brasileiro. Por isso e acho que foi uma das mais profundas injustiças feitas com este homem. Só para lhe mostrar o lado humano dele, ele levou do Brasil três filhos adotivos, um desfigurado por acidente com fogo.

Matinas Suzuki: O Cláudio Cordeiro é aqui do Morumbi e o Paulo Eduardo Dias Melo é de Suzano. O Cláudio pergunta se as Forças Armadas Brasileiras estão preparadas para defender a soberania nacional hoje? O Paulo Eduardo pergunta qual seria, na sua visão, o papel que o exército deveria cumprir hoje na sociedade? Eu acho que esse é um tema que volta à discussão.

Jarbas Passarinho: A primeira coisa é fácil de responder, se elas não estiverem preparadas para defender a soberania nacional, precisa ser fuzilada logo, não é? Porque não teria sentido. O que é que a soberania nacional hoje pode estar sendo ameaçada? As guerras de conquistas desapareceram. O que há hoje, isso sim, daí falei um pouco na colaboração, a possibilidade de hoje é outra, de outra natureza.

Luiz Weis: A droga?

Ricardo Kotscho: A droga, ministro, não é?

Luiz Weis: O narcotráfico.

Ricardo Kotscho: O crime organizado.

Jarbas Passarinho: Exatamente. Agora, colocar as Forças Armadas como defesa de segurança nacional na luta contra o narcotráfico, eu acho isso extremamente perigoso, muito perigoso. Acho que não é o papel delas e não deve ser feito isso.

Ricardo Kotscho: Ministro.

Luiz Weis: Alguma interferência das Forças Armadas na contenção da violência urbana?

Jarbas Passarinho: É, indiretamente só.

Luiz Weis: Como assim?

Jarbas Passarinho: Como houve aquela do Rio que você testemunhou, Luiz, e no fim... o patriotismo, aqueles paraquedistas chegaram lá, botaram aquela bandeira bonita lá e, no outro dia, estava aquilo ocupado, porque não é o papel deles.

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Mas, senador, por que é perigoso para o exército enfrentar o tráfico? Por que é perigoso?

Jarbas Passarinho: Porque, primeiro, não é o papel para o qual o exército se preparou. Ele não está preparado para isso; segundo, ele sairia da sua atividade, que seria característica típica de defesa de fronteira e defesa de ordem interna, com algo que deve ter, no meu entender, um tipo de atividade específica, direta e treinada para isso. Agora, o que está acontecendo com os nossos irmãos poderosos do norte? Como eles não conseguem diminuir o consumo lá, eles então resolvem entrar na área de produção. Por causa disso, então, aparecem coisas que começam a gerar estranheza, manobras, possibilidades de fronteiras. Isso começa a criar determinadas suspeições, eu não embarco nelas com facilidade, mas também não descarto.

Augusto Nunes: Ministro, eu tinha 19 anos em dezembro de 1968 e o senhor sabe que a minha geração viveu com medo dos militares. O senhor acha que quem tem 18 anos hoje também vai voltar a ter medo dos militares? O exército ainda mudou muito, com o fim da guerra fria acabou com as preocupações que o exército tinha, o que é que mudou no perfil do exército brasileiro de lá para cá?

Jarbas Passarinho: Mas eu não acho muito justo dizer que se vivia com medo, com medo dos militares. O que havia é o seguinte, por exemplo, uma coisa que me pega diretamente de vez em quando, o tal 477, não é? [decreto 477, criado em 1969, durante o período da ditadura militar, para definir quais eram as infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares] Um milhão de estudantes universitários, antes de eu chegar ao Ministério da Educação, aplicaram 239 vezes. Cheguei ao Ministério e falei primeiro com o presidente Médici e disse que eu não gostaria de ter aquele decreto. Ele mandou ouvir o Conselho de Segurança, era secretário do conselho o general Figueiredo, que era o chefe da Casa Militar, foram contrários, acharam que era cedo para fazer a revogação. Então, o que fiz eu? E aí arranjei uma complicação para mim, chamei para mim todos os casos, porque a defesa se exauria no momento em que a punição era confirmada. Se o reitor aplicava o 477 ou o diretor de faculdade isolava, ali morria, mas se ao contrário, absolvesse, teria de recorrer, foi o que fiz. Como não houve absolvição nenhuma, jamais, o Tárcio Dutra assinou. O que é que aconteceu? Eu disse, então: nesse caso quero ser a segunda instância. Disse desde logo: olha, não aplico, disse aos reitores, não vou confirmar nenhuma punição que seja aplicada a não ser em pessoas indiscutivelmente comprometidas com partidos que visam a conquista do poder pela luta armada. Algumas pessoas me condenam e acho engraçado porque são pessoas que admiram Prestes. O Prestes, quando houve a chacina daquela Praça da Paz Celestial [foi uma série de manifestações na China lideradas por estudantes, de diferentes grupos, que ocorreram em 1989, contra o governo do Partido Comunista considerado repressivo e corrupto. Os protestos seguiam em forma de caminhadas pacíficas pelas ruas de Pequim. Acabou ocorrendo um confronto direto entre os manifestantes e o governo. O número de mortos não foi divulgado com precisão], ele disse: “Governo que não se defende, não merece ser governo”. E uma pessoa de quem eu tenho um livro, por isso que falo na matriz, Fernando, às vezes me refiro a você aqui, porque é o parlamentar do momento e que está aqui, não é? Então, um homem que admirei muito, esteve comigo em contato, me deu um livro A Constituição inacabada, por Florestan Fernandes [(1920-1995),  sociólogo e político brasileiro, um dos fundadores do PT], com uma belíssima dedicatória a mim, ele também disse naquela ocasião: “O governo tem que se defender”. Mas era engraçado. Engraçado, as pessoas acham que nós estamos exagerando.

Augusto Nunes: Só queria ouvia a resposta sobre a mudança do perfil do exército, hoje é muito diferente?

Jarbas Passarinho: A segunda pergunta seria negativa, não há, não há a menor razão de ter acontecido isso.

Augusto Nunes: Não, mas sobre o perfil do exército.

Jarbas Passarinho: Mas não há.

Augusto Nunes: Até por ganharem muito mal, nada mudou?

Jarbas Passarinho: Não.

Augusto Nunes: Não?

Jarbas Passarinho: Não, eu não teria nem um tipo de receio desse, acho até o contrário, que não seria bom continuar pagando tão mal.

Matinas Suzuki: Agora, ministro, emendando um pouco com o Augusto, havia um telespectador perguntando ao senhor sobre qual deve ser o papel das Forças Armadas na sociedade?

Jarbas Passarinho: Você fez essa pergunta, essa não é fácil de responder no momento. Presidi uma comissão na Constituinte e foi um debate imenso sobre isto. Há os que não aceitam, especialmente o grupo da esquerda, não aceita que o papel das Forças Armadas esteja ainda, também, relacionada com o que eu acabei de dizer, a defesa da ordem interna. Mas houve uma modificação no texto, o texto não fala mais agora em autoridades constituída, mas sim constitucionais e que as Forças Armadas só são chamadas, só podem ser chamadas, por um dos três poderes e não apenas agora do poder executivo. Depois houve uma lei complementar que mostrou que não podia ficar os três poderes. Amanhã o legislativo chama, o executivo chama, o que é que o exército vai fazer? As Forças Armadas, não só o exército, marinha e aeronáutica. Então, acho que o papel que está na Constituinte é o que eu defendo.

Fernando Gabeira: Eu queria fazer uma pergunta, bom, voltando um pouco atrás. Enquanto ministro do governo militar, o senhor manteve alguns contatos, se não secretos, pelo menos não publicados pela imprensa, com intelectuais do Rio de Janeiro. O que o senhor pretendia com esses contatos? Quer dizer, na sua intenção ,qual era a possibilidade de estabelecer uma ponte entre o governo militar e esses intelectuais? E o senhor estava sozinho ou havia um grupo que pensava que era importante taticamente esse encontro?

Jarbas Passarinho: Meu caro deputado, eu não tomei a iniciativa, eu realmente fui procurado. As pessoas que me procuraram disseram exatamente o que é que se esperava desse encontro e havia, naquela altura, uma grande esperança de que nós pudéssemos começar um trabalho de confraternização da sociedade brasileira, havia. E houve, possivelmente, quem exagerou pensando que eu pudesse ter um papel mais forte do que na verdade eu poderia ter tido. Então, eu me lembro de encontros com intelectuais, com artistas de teatro e, inclusive, o meu amigo Altair Lima [(1936-2002), ator brasileiro], onde eu brinquei, digo aí no livro que ele queria que eu financiasse [...], ai não, assim também é demais, está achando que o coronel está ficando burro?

Fernando Gabeira: E enquanto as relações com cinema novo, não?

Jarbas Passarinho: Também foi boa, tem aí o pessoal que hoje já está com os filhos fazendo, como os Barretos [referindo-se à família do cineasta Luiz Carlos Barreto, prdutores e diretores de cinema], por exemplo, o nosso relacionamento foi muito bom. E não foi com o objetivo de conquistar simpatias, era de abrir uma brecha.

Fernando Gabeira: Mas o SNI soube desses encontros e houve dificuldade para o senhor?

Jarbas Passarinho: Eu não era uma pessoa, talvez, tão bem vista do SNI do governo Médici, isso é que é o curioso. Para mim, o SNI sempre foi mais sombrio, eu diria isso, mas talvez porque houve muita gente que me acusou. Vivi uma vida muito curiosa, quando estudante secundaria no Pará, fui considerado comunista. Depois, colegas do Gabeira na Constituinte me chamava de coronel fascista, mas que depende das circunstâncias, cada um dá o rótulo que quiser. Acho que não mudei muito a minha posição, quando tentaram me cooptar para o integralíssimo, quando presidente do diretório secundaria, cheguei até ir a algumas reuniões, era bonita aquela história de o Brasil ser um país independente, não ter apenas a independência política, ter a independência econômica, mas eu não gostava daquele negócio de...

Ricardo Kotscho: [interrompendo] E como é que o senhor se define?

Jarbas Passarinho: Eu me defino como um reformista. Eu divido três categorias em filosofia política: você tem os revolucionários, você tem os conservadores e você tem os reformistas, eu sou reformista.

Luiz Weis: Razão tinha o SNI em fichá-lo, como fichou, ao julgar daquela perspectiva.

Jarbas Passarinho: Não, SNI também não era bem o que vocês pensam, vi muita gente no SNI que não era tão, tão...

Luiz Weis: [interrompendo] O senhor diz que não era a face mais sombria, não era a face mais verdadeira do regime?

Jarbas Passarinho: Não, não era, não. Você está enganado. SNI do Médici eu não tive o menor problema com ele. Eu era ministro do Trabalho e ele era do SNI. Todas as pessoas que eu indiquei, eu não tive problema. Eu, por exemplo... Outro dia foi ministro da Educação um senhor do governo do Itamar, que acho que tem uma letra a mais no nome, não é, Murílio [Murílio Hingel] eu pensei que era Murilo. Quando a diretora, que era a professora Brito, veio a mim e disse: “Olha, o SNI está impugnando”, e eu disse: mas vem cá, mas não impugnou no passado. Perguntei: ele lhe serve? “Serve”. Está atuando corretamente? “Está”. Para mim também, mantenha e deixe comigo. Então, é esse aí... é que você talvez gostasse que eu saísse de lá e fizesse um discurso contra e fosse preso e hoje estivesse talvez recebendo aqui uma homenagens de outra natureza.

Luiz Weis: Talvez tivesse abreviado uma trajetória da história do Brasil, só isso.

Fernando Gabeira: Uma homenagem de outra natureza, mas está recebendo uma homenagem.

Marcelo Rubens Paiva: Senador, porque a história política brasileira é tão conturbada? Nunca houve um período de estabilidade como hoje, até que nós estamos relativamente vivendo. Depois, um dos quesitos para se considerar um país democrata é o controle civil das Forças Armadas, coisa que eu acho que nunca houve no país. Você acha que os militares brasileiros, hoje, eles estão preparados para um controle civil, para o civil mandar neles? Se houver um civil mandando neles, muda alguma coisa?

Jarbas Passarinho: Bom, vamos começar pelo começo, mas de saída logo aproveitando a última: Calógeras [João Pandiá Calógeras (1870-1934), primeiro civil a exercer o cargo de ministro da Guerra na história do Brasil] foi ministro do Epitácio [Epitácio Pessoa (1865-1942), presidente da República entre 1919 e 1922], ministro Civil e do Exército [e], se não recebeu, pelo menos se conformou tranqüilamente no passado. Agora, por que é que nós temos uma história conturbada? No livro no Nixon [Richard Nixon (1913-1994),  presidente dos Estados Unidos de 1969 a 1974], chamado Leaders, ele conta um encontro que teve com o governador Marín, não é daqui de São Paulo, é o governador Marín [Luis Muñoz Marín] de Porto Rico. Conversando sobre a posição dos latinos, o Marín disse a ele: “Presidente, o senhor não está... o senhor não conhece os latinos. Nós latinos gostamos: ou de muita liberdade sem autoridade; ou de muita autoridade sem liberdade”. Então, isso é um defeito, talvez, nosso, de natureza genética, [ou] sei lá o que, [de natureza] sociológica, no mínimo. Bom, [em] segundo [lugar], a França, no século passado, teve 14 Constituições, Marcelo, 14 Constituições. Nesse século, enfrentou uma coisa que está lá no artigo 16 da Constituição da França que, se hoje [fosse] mantido, seria considerado aqui como uma Constituição fascista.

Bolivar Lamounier: De acordo.

Jarbas Passarinho: Não é? Plenamente de acordo com o que está dizendo o nosso professor, plenamente de acordo. Bem, e enfrentou a questão da Argélia, enfrentou a descolonização da maneira como fez etc. E tenho a impressão que os anglos saxônios, que não são lá grande coisa também, vejo [que] aí tem os estudante de ginásio do Pará, que estudaram que [as] guerras religiosas tinham acabado no século XVII, estou vendo aqui, não é? A Inglaterra, o Ira, a Irlanda. Aí você vê, daqui a pouco, do lado dos muçulmanos, a área dos enclaves do Bálcãs. Então, também é turbulência para tudo o que é lado. Tenho lido esse livro, lia esse livro, que eu tinha me referido [...] uma das coisas mais fantásticas para mim é verificar no Brasil, por exemplo, [que] os trotskistas se entenderam bem com [os] stalinistas, não é? Ele conta como recebeu a ordem do Stalin para matar o Trotsky e não teve escrúpulo de consciência não, Luiz Weis, não teve, não. Fez todo o trabalho realizado, pegou o [...], que tinha sido um antigo combatente na Espanha, filho de um aristocrata, levou para lá, a primeira tentativa foi errada com outra pessoa, a segunda ele foi e matou com uma picareta de alpinista. Ninguém fala em indenização.

Luiz Weis: Opa, que salto, hein, coronel. O senhor ganha medalha de ouro só em salto triplo [risos].

Jarbas Passarinho: Agora sou eu, agora sou eu.

Ricardo Kotscho: Queria lembrar um episódio um pouco mais recente, uma conferência que o senhor fez, em março de 1994, no Jockey Clube do Rio, [em] que o senhor disse que era feliz e não sabia, referindo-se aos tempos da ditadura que o senhor chamava de suave regime autoritário.

Jarbas Passarinho: Era brincadeira.

Ricardo Kotscho: Queria perguntar para o senhor se essa sua ligação, talvez nostálgica e suave, ao regime autoritário, explica a sua derrota, poucos meses depois, na eleição para governador do Pará?

Jarbas Passarinho: Não [sendo interrompido], vamos chegar às duas coisas. Primeiro... Você fala no Jockey, eu não tenho nada com o Jockey, aquilo lá foi uma reunião que foi feita em um auditório que parece que era do Jockey.

Ricardo Kotscho: É isso, isso.

Jarbas Passarinho: O Pará é tão bom, o Pará tem um Jockey Clube que é no décimo quinto andar de um edifício [risos].

Manuel Alceu Affonso Ferreira: E a corrida é lá mesmo [risos].

Jarbas Passarinho: Não tenho nenhuma vocação para esse tal de Jokey Clube; segundo, eu dizia que era feliz e não sabia no problema nosso da conquista econômica, do avanço que tivemos e daquilo que... ainda hoje eu me rendo à teoria do João Paulo dos Reis Veloso [economista brasileiro, ministro do Planejamento durante os governos de Médici e Geisel], que mostra - o professor Bolivar certamente acompanha isso - ele mostra que aquela questão da perversidade da distribuição da renda nacional, ela se agrava sempre em todo o país emergente. Todo o país que começa a tirar pessoas, por exemplo, que trabalham sem esse salário monetário, por exemplo, Marajoara, recebia o quê? Está aqui uma casa, cria boi, cria porco, cria galinha, de tantos bezerros tu ganhas um etc. Não entrava aquilo no salário monetário. Quando entrou no salário monetário, entrou pela base, que foi o projeto do Ferrari.

Manuel Alceu Affonso Ferreira: Do Rio Grande do Sul.

Jarbas Passarinho: É, então, o João Paulo Veloso [economista brasileiro, ministro do Planejamento durante os governos de Médici e Geisel] mostrava que o nosso êxito de trazer de quadragésimo sétimo lugar da economia brasileira para a oitava economia brasileira... Ouvi o discurso do presidente da Alemanha sobre isso, o presidente da França [...]. Saudei o presidente da França no Congresso, na Câmara dos Deputados, na reunião de Congresso, falava sobre isso. Havia o defeito, evidentemente, da quebra da distribuição de renda. Desde 1982, mais de 80% do PIB [Produto Interno Bruto] nacional estava nas mãos da oposição e dos militares e agora aparecem as relações aí, e nós estamos no antepenúltimo lugar do mundo. Então, essa história de dizer distribuição de renda etc, temos que ter um certo cuidado na maneira de analisá-la. Bom, você diz que eu era feliz e não sabia, por quê? Porque tinha uma inflação baixa, chegamos a uma inflação baixa e conseguimos, portanto, fazer com que houvesse a possibilidade de empresas poderem fazer seus investimentos com segurança. O país cresceu e levou aquela frase do presidente Médici, quando viu o nordeste sofrendo, quando disse: “A economia vai bem, mas o povo vai mal”, esse é um ponto da primeira pergunta, a segunda escapei.

Ricardo Kotscho: A que o senhor atribui a sua derrota na última campanha eleitoral para governador do Pará. Tem a ver com essa vinculação com 1964?

Jarbas Passarinho: Não, há duas coisas fundamentais, primeiro, a mim mesmo, fui o pior candidato de mim mesmo. Eu não era candidato, não gostava, não queria ser o candidato. Fui para prestar um serviço por gratidão, acho que gratidão é uma dívida que  não pago nunca, pago 200 vezes e não consigo pagar. Então, houve um período em que eu era candidato, fizemos uma aliança com Jáder Barbalho [governador do Pará de 1911 a 1994, ministro da Previdência Social de 1988 a 1990] e vim a ser candidato ao Senado, achando que a minha mulher tinha sido bem operada pelo meu querido amigo Paulo Niemeyer [neurocirurgião, (1914-2004)], que me garantiu que tinha tirado todo o tumor cerebral, aí aceitei participar. Aceitei participar e ganhei a eleição não indo lá, porque dois meses depois veio a recidiva e fiquei... fui ao Jáder e disse: "olha, não sou mais candidato, vou passar os últimos dias ao lado da minha mulher"; e ele disse: “Não, eu não fiz aliança com PSD, com o PDS. Fiz aliança com o seu nome, quero apenas que o senhor mantenha o nome”. Eu ganhei sublegenda, sozinho ganhei das três sublegendas de competição comigo, guardei isso como uma gratidão porque em política é raro isso. Bom, depois acho que, quando o Marcos Freire [(1931-1987), político brasileiro que exerceu dois mandatos de deputado federal e senador; morreu em um acidente aéreo quando era ministro da Reforma Agrária] morreu, liguei para o Sarney, contei a história que tinha uma coligação e lembrei de que ele dizia que ia resolver o problema fundiário do Brasil. O pior ponto de todos era o Pará, no Bico do Papagaio, aquele era o pior, e que o Jáder tinha saído muito bem, o Jáder foi ministro, ministro da Reforma Agrária. Se fosse negócio de [...] estava zero a zero, estava empatada a partida. Quando chegou agora, depois da CPI do orçamento, inclusive, tive uns três meses e três dias de televisão todo o dia, foi uma divulgação muito grande no Brasil e o Jáder foi muito honesto, ele chegou para mim e disse: “Olha, o senhor tem melhor condição do que eu para o Senado, o senhor ganha de mim no Sul do Pará e no baixo Amazonas, mas se nós não tivermos um bom candidato à governador, nós vamos os dois ser arrastados para baixo”, então, o candidato do PMDB dele estava em sexto lugar, e eu não queria ir. Tenho 14 netos, todos em Brasília, o camarada que me atacou lá tem razão, perdi o cotidiano do Pará, perdi realmente o cotidiano do Pará. Eu ia para a televisão e uma jornalista de Brasília ficou lá fazendo cobertura e disse: “Mas, não conheço o senhor, o senhor é de Brasília? E eu ia para lá e não tinha vocação.

Ricardo Kotscho: E hoje o senhor faz o quê ministro, além de escrever esse livro e de ser um espectador não engajado?

Jarbas Passarinho: Eu posso concluir, posso concluir? Bem, então eu era um mau candidato e exploraram até isto. Isto que ficou. Digo: sou um homem sem ódio, não tenho ódio na minha vida, tenho mágoas, às vezes as mágoas ficam, mas nunca fui capaz de ter ódio. Levantaram contra mim na campanha: “Ele gosta tanto do Pará que enterrou a sua mulher em Brasília”, isto foi usado como argumento contra mim. Bom, a outra razão fundamental foi o vendaval tucano. Foi a primeira vez que e o Lula ficamos juntos. Cada vez que o Fernando subia, o Lula caía e eu caía com o Lula.

Matinas Suzuki: Ministro, o nosso programa infelizmente está chegando ao fim e gostaria de fazer duas perguntas.

Jarbas Passarinho: Infelizmente para você, para mim não [risos].

Matinas Suzuki: Mas para o nosso telespectador, infelizmente. Gostaria de fazer duas perguntas rápidas para o senhor, a primeira é a seguinte: se a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos optar -  parece que deve sair na quinta-feira o parecer da Comissão -, optar por responsabilizar o Estado, no caso do Lamarca e também, possivelmente, no caso do Marighella, o senhor acha que haverá alguma reação militar?

Jarbas Passarinho: Bom, a área da reserva não se conforma com isso em hipótese alguma, porque acha que emboscada é uma atividade de natureza militar que mostra até inteligência. Agora, prender um preso, ter um preso que está desarmado e submetê-lo a torturas, aumentar a violência é outra coisa complemente diferente. Agora, apanhar um homem perigoso, um homem que atirava muito bem, que matou como mostrei aqui, esse caso do tenente de São Paulo, que com um tiro ele acertava à distância qualquer um dos que se opusesse a ele, ser apanhado dormindo e ser atirado, chama-se a isso emboscada. Então, um grupo desse da reserva que viveu aquilo se ressente muito até achando que ele já tenha condição de coronel.

Luiz Weis: Ou seja, no caso dos seus oficiais da reserva, seus colegas de reserva, como diria aquele filósofo alemão de quem o senhor não deve gostar muito: “Os mortos governam os vivos”.

Jarbas Passarinho: Ainda bem que você lembra disso, porque durante muito tempo esse filósofo dominou o exército. Foi exatamente. Não é Augusto Comte [filósofo francês] que você esteve se referindo? [risos]

Luiz Weis: É um filósofo alemão.

Jarbas Passarinho: Ah não, alemão não, essa frase conheço de Augusto Comte.

Luiz Weis: Não, é do Marx.

Jarbas Passarinho: Ah, também.

Luiz Weis: E do Marx.

Jarbas Passarinho: E aí, a impressão que eu tenho é que já foi dada a decisão, inclusive pelo ministro do Exército, a decisão cabe exclusivamente à comissão.

Matinas Suzuki: Ministro, agora eu estou sendo informado de que o Brasil está ganhando por nove a seis de Cuba no primeiro set apertado. O que é que o senhor está achando da seleção de vôlei do Brasil masculino, já que as meninas estão indo muito bem?

Jarbas Passarinho: Estou muito alegre com a tristeza do Fidel [Fidel Castro].

Matinas Suzuki: Tá bom, ministro. Gostaria muito de agradecer a presença do senhor esta noite no Roda Viva, agradecer bastante a nossa bancada de entrevistadores. Tenho certeza que este programa tem importância para a sociedade brasileira. Gostaria muito de agradecer a sua participação e a sua atenção e lembrar que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, sempre às 10:30 da noite. Até lá, uma boa semana para todos e uma boa noite.

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