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Memória Roda Viva

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Inezita Barroso

2/3/1998

Um passeio pela música caipira e pelas tradições musicais de raiz brasileiras capitaneado pela pesquisadora, professora, cantora e apresentadora que, aos 73 anos, é um riquíssimo arquivo vivo que continua explorando e divulgando o folclore sertanejo

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Matinas Suzuki: Boa noite! O nosso programa de hoje vai conversar sobre um dos lados mais ricos da cultura brasileira. No centro do Roda Viva, a cantora, folclorista e nossa companheira aqui da TV Cultura, Inezita Barroso.

[Comentarista]: [em off, enquanto passa imagens de Inezita Barroso] Embora pouca gente saiba, ela tem uma sólida formação. Licenciada em biblioteconomia pela USP [Universidade de São Paulo], estudou também música, balé e danças folclóricas e literatura brasileira. Deu aulas de música popular e folclore no Brasil e no exterior, mas acabou conhecida em todo país por cantar música regional ou, como dizem outros, música caipira. [Inezita canta "Marvada pinga", de Laureano] Na verdade, este é apenas um dos muitos gêneros artísticos que ela domina. Inezita Barroso, paulista da Barra Funda, tem seu nome  associado a lembranças da infância de muita gente que cresceu ouvindo as suas cantigas. [Inezita canta "Lampião de gás", de Zica Bergami] O repertório dessa cantora, que começou a gravar em 1953, equivale a um autêntico mapa da canção brasileira. Tem praticamente todos os ritmos e manifestações, da moda de viola ao gênero pastoril, da folia de reis ao bumba-meu-boi, passando da singeleza da canção praieira e da sofisticação das obras de autores como Hekel Tavares e Mário de Andrade. Atuou por vários anos no cinema, no rádio e na tevê. Ganhou, entre outros, o prêmio Saci como melhor atriz, em 1955, pelo filme Mulher de verdade, de Alberto Cavalcanti, sem falar em seis troféus Roquette Pinto. Primeira cantora a gravar a famosa "Ronda" de Paulo Vanzolini [zoólogo e compositor, um dos grandes nomes do samba paulista - ver entrevista com Vanzolini no Roda Viva], figura constante em programas de música popular brasileira na Rádio e TV Cultura e na Rádio USP, Inezita ganhou este ano uma bela homenagem prestada no carnaval pela escola de samba Pérola Negra [a Pérola Negra canta o tema "Inezita Barroso, uma trajetória de sucesso"].

Matinas Suzuki: Bem, para conversar esta noite com Inezita Barroso, nós convidamos o jornalista, crítico e produtor musical Zuza Homem de Melo; o jornalista Luiz Antônio Giron, que é crítico musical também e trabalha na Gazeta Mercantil; o compositor e intérprete Tom Zé; o compositor e parceiro de Inezita em seu mais recente CD, Renato Andrade; o produtor musical Moraes Sarmento - Moraes, muito obrigado pela sua presença, uma das pessoas mais importantes na história do rádio e da televisão -; e o jornalista Assis Ângelo, pesquisador da música popular brasileira. O Roda Viva é - deixa eu achar aqui o meu papelzinho, que eu troquei - é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. Se você quiser participar deste programa, faça suas perguntas pelo telefone (011) 252-6525. (011) 252-2625. Se você preferir o fax, o telefone é (011) 3874-3454. 3874-3454. E o nosso endereço pela internet é rodaviva@tvcultura.com.br. rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite, Inezita Barroso.

Inezita Barroso: Boa noite! É um grande prazer estar aqui!

Matinas Suzuki: O prazer é todo nosso! Como é que você se sentiu sendo homenageada por uma escola de samba paulistana?

Inezita Barroso: Foi uma beleza, me senti muito emocionada, muito contente. O samba era lindo, a letra muito bonita, a bateria deles é excelente. Eu gostei demais, demais, e arrastei toda a família, todos os amigos. [risos] Fizemos um bloco muito animado.

Matinas Suzuki: Está certo. Inezita, são quantos anos de carreira, quantos discos?

Inezita Barroso: 44 anos de carreira; completo em maio agora. E discos, está perto de setenta, já.

Matinas Suzuki: Setenta?

Inezita Barroso: É.

Matinas Suzuki: Os dois últimos são estes: O Caipira de fato - voz e viola, [de] Inezita Barroso e Roberto Corrêa, que estou mostrando aqui, produzido pelo Pelão e lançado pela RGE; e o outro, [de] Inezita Barroso e Roberto Corrêa, Voz e viola, também produzido pelo Pelão. E eu lembro que, neste disco aqui [o segundo], tem uma música chamada "Festa de peão", de Bezerra de Menezes, que é lá da minha querida Barretos. Quem vai fazer a primeira pergunta para a Inezita?

Zuza Homem de Melo: Posso fazer?

Matinas Suzuki: Zuza, então, faz.

Zuza Homem de Melo: Eu tenho impressão que eu vou representar todos nós aqui, que estamos ansiosos em saber a sua visão do que acontece hoje em dia na música sertaneja. Você, que tem - caipira, sertaneja, enfim, a nomenclatura, como dizia o falecido Capitão Furtado [Ariovaldo Pires (1907-1979), um dos pioneiros da difusão da música caipira, nos anos 1930 e 1940], variava. Quer dizer, o que, dessa diferença que existe hoje em dia, tão comentada, do que se diz, enfim...

Inezita Barroso: É, para mim são duas estradas. Uma começou antes, que é a caipira, e depois houve um atalho. E as estradas são paralelas apenas; não se misturam e não vão se misturar nunca até o fim, são paralelas.

Zuza Homem de Melo: Qual é a sua posição em relação a essa chamada evolução da música sertaneja e que justifica o cross over, enfim, uma porção de adesão de instrumentos, de ritmos e de pessoas que, vamos dizer, não têm o background chamado caipira?

Inezita Barroso: Olha, são duas coisas tão diferentes que não dá para a gente... O caipira é uma coisa. Isso não vai morrer nunca e não vai aceitar nunca as inovações, as coisas eletrônicas, nunca. É uma música quase religiosa para eles, sagrada. A música caipira é sagrada para o caipira.

Zuza Homem de Melo: Você acha que essa idéia de urbano e não-urbano é válida?

Inezita Barroso: Acho, porque caipira urbano é meio esquisito. [risos] Caipira é essencialmente rural.

Matinas Suzuki: Mas, Inezita, como é que você explica, você sendo uma paulista e sendo uma das grandes porta-vozes da música caipira? Como é que esse urbano e esse rural se misturam? 

Inezita Barroso: Se misturam, sim, porque eu freqüentei muito... Os meus tios eram fazendeiros, na maioria. Minha mãe tinha dezoito irmãos, os homens quase todos fazendeiros. Então, eu freqüento fazenda e estou ligada a esse tipo de música - da viola, principalmente - desde seis anos de idade. E eu não tenho 15, né? [risos]

Assis Ângelo: Inezita, o interesse principal hoje e há muito tempo da música caipira, e especialmente folclore, data de quando? [Desde os] seis anos, mas qual foi a influência que você teve - parentes, amigos, inimigos -, como é que entrou o folclore na sua vida? Eu pergunto isso, inclusive, pelo seguinte. É sabido - pouca gente sabe e certamente você saberá; quem me contou essa história foi o Paulo Vanzolini. Ele hoje até me lembrou por telefone, dizendo: "Olha, a Inezita, a Inês" - como [ele] chama você -, "ela já fez muito negão decente lá do Rio de Janeiro - nos morros cariocas e no Salgueiro, principalmente – chorar [com] ela cantando músicas do Noel Rosa." Por isso, a primeira pergunta, sobre como entrou o folclore na sua vida - a música caipira autêntica, de raiz, como se diz - e como você não abarcou o samba, o samba de Noel Rosa

Inezita Barroso: Olha, eu acho que, sendo música brasileira e boa, a gente pode cantar tudo. Boa: música, realmente, com letra, com poesia. O folclore entrou antes de tudo na minha vida pelo contato com as folias de reis [grupos coreográfico-musicais religiosos que cultuam em geral eventos relacionados com o nascimento de Jesus Cristo: o próprio nascimento, o aparecimento dos Três Reis Magos ou a vinda do Espírito Santo], as festas de São João, os catiras [dança de origem indígena, também chamada cateretê], que eu ouvia na fazenda. E, para me arrastar de volta para São Paulo, era muito difícil. A minha primeira paixão foi a viola. Então, como folia, como catira e como tudo isso é folclore, entrou primeiro. Depois, eu, tendo nascido em São Paulo capital e convivendo com outras pessoas, colegas de colégio e tudo, a música que dominava era a popular - não tinha ainda esse prestígio, a música caipira e a folclórica. Então, eles viviam à parte.

Assis Ângelo: Então foi espontâneo? Você não teve alguém na família que a induzisse a seguir por esse caminho do folclore, da música de raiz brasileira?

Inezita Barroso: Não, não tive.

Assis Ângelo: Foi por espontaneidade?

Inezita Barroso: Não teve nenhum cantor na família, a não ser a minha avó paterna, que era uma cantora muito boa, mas amadora e não se exibia em lugar nenhum.

Assis Ângelo: E o Noel Rosa? É paixão, o Noel Rosa? Foi paixão, também, para você?

Inezita Barroso: Também, também.

Assis Ângelo: Também.

Moraes Sarmento: Inezita - um minutinho, Assis -, logo no início, falou-se tanto em música caipira, música sertaneja. Existem tantas incompreensões com relação ao que é música caipira e o que é música sertaneja. Como você é mestra no assunto, eu gostaria que você nos respondesse: o que é música caipira e o que é música sertaneja? Ou qual a diferença que existe entre as duas?

Inezita Barroso: A música caipira é anterior. E é ligadíssima à parte folclórica, é uma música que vem de religião, vem de jesuítas, vem de índios. É bem, bem antiga. A viola é um instrumento que foi tocado aqui bem no começo do Brasil. E, depois, apareceu, bem mais tarde, a sertaneja. Eu estou dizendo "sertaneja", esta que chamam agora de "música sertaneja", não a música nordestina, que é chamada "sertaneja" também, com toda a propriedade - porque você diz "sertão", "sertão" do Ceará, "sertão" da Paraíba - e, aqui em São Paulo nunca se usou esse nome, muito menos para música.

Moraes Sarmento: E essa chamada "música sertaneja" veio aqui para o sul, particularmente para o Rio de Janeiro em meados da década, começo da década de 30, não é? Bando de Tangarás [grupo formado em 1929 por Noel Rosa, Braguinha e Almirante que misturava samba, marcha e gêneros sertanejos, como embolada e catira, incluindo a reprodução da gramática], essa gente.

Inezita Barroso: Exatamente. Depois, reforçadíssimo por Luiz Gonzaga [(1912-1989), cantor, compositor e sanfoneiro pernambucano, o "rei do baião", um dos maiores responsáveis pela introdução dos gêneros musicais nordestinos no Rio de Janeiro] e outros. Então, essa é a verdadeira sertaneja, porque "sertão" era um termo nordestino. E aqui em São Paulo você não diz "vou para o sertão de Campinas", você nunca falou assim.

Moraes Sarmento: E nem vou permitir isso, não é, Zuza? [risos]

Inezita Barroso: Olha, que eu tenho um pezinho lá também! [risos]

Matinas Suzuki: Renato.

Renato Andrade: [em toda a entrevista, ele fala sempre bastante sorridente, num estilo mais conversado e íntimo, gesticulando e com um pouco de sotaque caipira paulista] Dá licença para eu dar um aparte? Inezita, eu vou na mesma pergunta. Nós somos colegas, né? Como é que nós estamos hoje, hein? Como... Música sertaneja, música caipira e música de raiz: bom, eu conheço autores de música raiz, conheço esses meninos que estão cantando bonito aí, mas eu quero saber: como é que estamos hoje?

Inezita Barroso: Olha, o caipira continua intacto. Isso é uma paixão, é uma religião, é uma fé, está dentro dele. Na hora que você solicitar, ele põe pra fora. Igualzinho, com aquela violinha mesmo, você sabe disso...

Renato Andrade: Sei... Mas eu quero observar o seguinte. Com esse povo aí - eu não preciso de citar, né? Eu falei "esse povo"... -, está entrando muito na vida da gente, não é isso?

Inezita Barroso: É...

Renato Andrade: A música de raiz que eu falo é, repetindo, Raul Torres [1906-1970], Serrinha [Antenor Serra (1917-1978)], Caboclinho [Marino Rabelo] e Rielinho [Osvaldo Rielli] [os últimos três formaram um trio nos anos 1940]; você... [Ludwig van] Beethoven [(1770-1827), alemão, um dos maiores compositores da história da música ocidental, autor da Nona sinfonia]: ninguém vai acabar com Beethoven nunca, não é? Não é isso?

Inezita Barroso: É.

Renato Andrade: Mas, então, esse povo atrapalha muito a gente; você sabe disso, não é?

Inezita Barroso: Acho que não... Eu acho que não, porque as estradas não cruzam, jamais vão se cruzar, são coisas diferentes.

Renato Andrade: Sei...

Luiz Antônio Giron: Mas eu tenho uma pergunta a fazer, que é a seguinte. Você falou que são duas estradas simultâneas, paralelas, que não se cruzam. Mas essa música, que agora é chamada "sertaneja", quando é que ela apareceu? Você consegue reconhecer qual foi o momento em que isso aconteceu e por que aconteceu? Você consegue perceber isso?

Inezita Barroso: Década de 50...

Luiz Antônio Giron: Por quê?

Inezita Barroso: Quando eu comecei em rádio, ela começou a aparecer. Agora, por quê... Talvez um jeito de interpretar a música da maneira deles.

Luiz Antônio Giron: Mas não é por influência, talvez, de outros ritmos...?

Inezita Barroso: Nós sempre tivemos influência de outras coisas externas, sempre. Mas nunca perdemos a nossa identidade. E acho que agora a gente está perdendo.

Luiz Antônio Giron: Então, você acha que existe uma área da música popular do interior, ou da sertaneja, que não é a natural, seria uma música artificial?

Inezita Barroso: Exatamente. E acho até mais: que não devia chamar-se "sertaneja", deviam achar um outro nome para esse tipo de música. Ela não é nem popular, nem sertaneja, nem caipira, nem "raiz", não é nada. Então, deviam por um nominho bonito nela...

Luiz Antônio Giron: "Breganejo", por exemplo.

Inezita Barroso: Não, não vamos escangalhar, porque tem gente que canta muito bem dentro desse campo.

Matinas Suzuki: Você acha que tem bons cantores aí?

Inezita Barroso: Acho. Tem gente com muito boa voz. Apenas, eu acho, que a música está perdendo, porque os versos lindos que faziam João Pacífico [João Batista da Silva (1909-1988)], Raul Torres [nos anos 1930, a dupla criou um novo estilo de música sertaneja, a toada histórica, com versos declamados antes do canto], não tem mais, é um que copia do outro, o outro copia do outro e repete e repete e repete... As duplas, mesmo: tem três ou quatro que a gente acha as melhores, o resto é cópia. E durante anos: faz uns cinco, seis, sete anos que se copia. Por que copiar? O artista cria, não copia!

Matinas Suzuki: Agora, Inezita, posso inverter um pouco a pergunta?

Inezita Barroso: Pode...!

Matinas Suzuki: Essa explosão desse tipo de música, que está associado a um tipo de comportamento que também apareceu recentemente na história da nossa cultura, ele é mais, talvez, até urbana do que rural, embora use roupas e estilização e coisas rurais, mas é mais até urbano do que...

Inezita Barroso: É isso que está errado.

Matinas Suzuki: ...mais até urbano do que propriamente rural. Agora, ele não trouxe como um sub-produto ou uma conseqüência uma volta de interesse pela viola, uma volta de interesse pela verdadeira música sertaneja?

Inezita Barroso: Não.

Matinas Suzuki: Você não consegue identificar isso, você acha que não houve, dentro do bojo desse processo não houve...

Inezita Barroso: Não, não. Não trouxe nada.

Moraes Sarmento: O interesse aí é só comercial?

Inezita Barroso: É só comercial.

Moraes Sarmento: O interesse aí é só comercial.

Inezita Barroso: É.

Moraes Sarmento: Mas, aí, ele está perguntando outra coisa, eu acho que...

Inezita Barroso: Se trouxe alguma coisa de novo.

Tom Zé: Ele está tentando argumentar em forma de pergunta. Desculpe eu estar aqui advogando por você - pelo amor de Deus, né?

Matinas Suzuki: Por favor!

Tom Zé: Mas, em todo caso, como eu acho que ele tem razão, que o fato dessa coisa fabricada fazer muito sucesso e puxar [com] muita força em sua direção, chamou a atenção para a música caipira reconhecida como tal, porque ela ficou um pouco abandonada e... É como na Copa do Mundo: a gente sempre torce pelo time lá da Índia, da África e tal. E, aí, muita gente que não tomava partido passou a distinguir que havia uma música sertaneja - perdoe, uma música caipira -, cujas regras e tipo de procedimento formal eram diferentes dessa coisa. Porque hoje se chama mais de "brega", né?

Moraes Sarmento: Então é "breganejo".

Tom Zé: Desculpe, eu não estou querendo botar na sua boca, querida. Sei que você, desde a primeira pergunta dele, que você é o Itamaraty mais rigoroso que já conheci.

[risos]

Inezita Barroso: Não, realmente eu não acho isso. Eu acho que, em vez de acrescentar, tirou. Tirou chance de muita gente, muitas duplas boas que ficaram afastadas. Então, era uma coisa assim: se não tiver teclado, guitarra e bateria, não é moderno, não é sertanejo. Então, eles mesmos se rotularam. Quer dizer, você não combate. Quem sabe passa...

Zuza Homem de Melo: Você, neste caso, está, provavelmente, querendo se referir ao fato de que os jovens que teriam uma tendência a esse tipo de música se sentem um pouco desiludidos e desamparados e sem o estímulo para poder seguir uma carreira dentro do estilo estritamente caipira ou...

Inezita Barroso: Mas, graças a Deus, apareceram muitos violeiros. Cada vez mais e muito violeiro moço!

Zuza Homem de Melo: Moços?

Inezita Barroso: Com boa voz, cantando coisa boa, com letra boa, compondo coisa boa. Então, parece que esse arremedo de uma dupla para outra tende a acabar.

Matinas Suzuki: Por falar em jovens, Inezita, o Marcos José de Menezes, de 21 anos, de Salvador, nos manda um e-mail dizendo o seguinte: gostaria de parabenizá-la pelo seu programa, ao qual costumo sempre assistir aos domingos. E ele pergunta: “Qual o motivo da mídia não se interessar em divulgar a música de raiz? Ela só divulga esse estilo pejorativo que chamam de ‘sertaneja’, mas não conta a história peculiar da vida dos sertões no Brasil, como a verdadeira música sertaneja.”

Inezita Barroso: É, o sertanejo, ele não tem essa volúpia de aparecer, de fazer sucesso, de gravar, não tem. Isso é uma coisa, assim, mais urbana, é o sucesso, é aparecer na televisão. E a mídia ajuda muito esse tipo de coisa. A mídia é essencial a ele. Agora, andar na contra-mão da mídia a vida inteira, acho que sou só eu... [risos]

Luiz Antônio Giron: Inezita, como tem sido a sua relação com as gravadoras?

Inezita Barroso: Recentemente, maravilhosa. Eu já tinha muitos discos gravados, parei de gravar espontaneamente porque eu quis, porque as gravadoras davam a entender que, na época, cinco anos atrás, para gravar um disco eu tinha que me dobrar à guitarra e à bateria. Então eu disse assim: "Não quero. Se vocês quiserem gravar só com violão e viola, eu faço." "Ah, não, porque precisa enriquecer..." "Então não conversem comigo."

Luiz Antônio Giron: Eles achavam, então, que os arranjos tinham que ter essa determinada formatação de guitarra, teclado e etc?

Inezita Barroso: Exatamente.

Luiz Antônio Giron: Isso não está acontecendo com o samba também, o novo pagode?

Inezita Barroso: Está, está acontecendo, e é normal que aconteça. Mas, olha, o samba, de qualquer forma, ele é o grande salvador, viu? Toda hora que a nossa música está escorregando no funil, aparece uma modalidade de samba e salva. 

Luiz Antônio Giron: E como você vê esse samba contemporâneo aí, tipo É o Tchan, Raça Negra...?

Inezita Barroso: Bem comercial, bem comercial. Então, acho que a coisa perdura por si, a coisa boa, a coisa sincera, a coisa feita com inteligência, com vontade. É um sentimento que é posto de dentro para fora, e os outros são o inverso.

Luiz Antônio Giron: Agora, a gente tende a falar "mídia", mas acho que muito dos rumos da música se deve às gravadoras, às produtoras de shows e etc.

Inezita Barroso: Também. Também.

Luiz Antônio Giron: Você não acha que as gravadoras é que teriam esse papel, vamos dizer assim, de dar um caminho para que as pessoas sigam de alguma maneira a classe artística?

Inezita Barroso: Não sei. Uma que vende, as outras todas vão atrás. Porque o cara não monta uma gravadora para perder dinheiro. Então, a primeira condição é ganhar dinheiro. Que não é o ideal do caipira. Não é, ele pouco está ligando se vender 20 mil, 400 mil.

Luiz Antônio Giron: Agora, o ideal do Cornélio Pires que, em 29, começou a gravar, qual era? Porque ele gravou numa gravadora grande, não foi?

Inezita Barroso: Divulgar, mas ele gravou quase particularmente, não queriam gravar com ele.

Assis Ângelo: Aliás, rigorosamente... Eu lembro que, há uns dois anos, eu fiz uma coleção, uma série de discos caipiras autênticos, se posso dizer assim, Som da Terra, da [gravadora] Continental [lançada em 1994], e esta série foi aberta exatamente pelo Cornélio Pires. E o Cornélio Pires foi rigorosamente o cara que chegou, foi procurar a gravadora e a gravadora disse "não", riu da cara dele - isso em 1929, um pouco antes - e aí ele deu meia-volta, foi para a casa e trouxe - isso diz a lenda -, trouxe uma caixa de dinheiro e falou: "Quanto custa? Aqui está." E assim ele fez 52 discos de 78 rotações - portanto, com duas músicas cada disco. E, depois, o sucesso foi tão grande que, em seguida, o Raul Torres, pela RCA, fez a mesma coisa. A turma do Cornélio foi imitada, e de uma forma muito boa, pela RCA Victor, que já não existe. Quer dizer, então, eu acho que o grande marco, na verdade, na música caipira no Brasil, foi o Cornélio Pires.

Inezita Barroso: Agora, tem um detalhe. O Cornélio Pires se desdobrava em várias personalidades: conferencista, folclorista, artista...

Assis Ângelo: Contador de “causos”...

Inezita Barroso: ...poeta, era tudo. Ele tinha chance de fazer aquelas famosas palestras dele e comprou esses discos para ilustrar essas palestras. Então, ele vendia os discos. Agora, não é qualquer um que faz isso. É penoso. A pessoa junta um dinheirinho, vende uma casa, vende um carro para imprimir cem discos, mil discos, e depois? Sai que nem um mascate com eles embaixo do braço?

Renato Andrade: Inezita, uma pergunta aqui. Hoje, alguma gravadora consegue sobreviver com viola?

Inezita Barroso: Você deve saber mais do que eu. Um violeiro desse...! [risos]

Renato Andrade: [Após algumas palavras faladas junto com Inezita] Eu quero me referir à música de raiz. Porque quem sobrevivia com isso era a Continental e foi vendida, né?

Inezita Barroso: Não sei...

Assis Ângelo: É multinacional, agora. É a Warner.

Renato Andrade: Warner! Então, eu fico sentindo a decadência da música de raiz, que está, assim, parece que pálida, né?

Inezita Barroso: Mas, aqui... Eu preciso salvar isso que você falou! [risos] A RGE gravou, gravou.

Renato Andrade: Você é a grande advogada da nossa cultura, da nossa música, em seu programa Viola, minha viola.

Inezita Barroso: A RGE me convidou para gravar um CD no ano passado com o nosso colega, Roberto Corrêa [violeiro, compositor e pesquisador]. E, neste ano, mais um. Quer dizer, são músicas...

Renato Andrade: Não há dúvida, mas não está aquela coisa avassaladora como era no tempo que tinha Tião Carreiro [José Dias Nunes (1934-1993)], Moreno e Moreninho [João e Pedro Cioffi, dupla caipira dos anos 1950]... Aquilo passou, aquela fase. Porque teve uma época em que as gravadoras viviam superlotadas...

Inezita Barroso: É. Isso foi suplantado por outros gêneros.

Renato Andrade: E eu conseguir gravar viola e é uma dificuldade. Gravadora nenhuma sobrevive de talentos, né? “O Renato é bom violeiro?” “É.” “Vende?” “Não.” “Então, não quero.” “Aquele ali é ruim?” “É.” “Vende?” “Então, eu quero.” O retorno rápido. Então, é esse o problema.

Matinas Suzuki: O Tom Zé queria falar alguma coisa.

Tom Zé: [Põe as mãos no rosto e depois fala olhando para baixo, para as mãos sobre a mesa] Eu queria pedir uma coisa, rapaz; não sei nem se isso é indelicado; mas, enfim, [agora, fala sorrindo] eu estava vendo Inezita aqui, emocionada com o anúncio de um programa no qual ela é o objeto de todas as coisas, de toda a atenção, de todas as perguntas, e um programa que é um pouco, também, uma homenagem, na verdade - não é, Inezita? -, é uma honra estar aí e tal... E eu sinto uma pena da gente não poder conversar como se a gente estivesse na beira de um fogão, na fazenda do seu tio, digamos assim, e puxar coisas desse gênero, ao invés da gente só ficar falando mal de gravadora... Qualquer artista que a gente entrevista, a gente geralmente fala isso, né?

Inezita Barroso: Não, vamos falar à beira do fogo! [risos]

Tom Zé: Pois é, né?

Matinas Suzuki: Pode começar!

Zuza Homem de Melo: Inezita, eu queria que você, tendo a experiência de programa de rádio e de TV e uma longa experiência em cada um dos dois casos, desse a sua visão sobre a forma como essas duas maneiras de comunicação atingem o público no Brasil; contasse para a gente como é o seu feedback em relação a esses dois tipos de comunicação.

Inezita Barroso: É, para o gênero que eu tenho feito, vamos ser justos, de música caipira, de viola e tudo isso, o rádio atinge mais. Eu faço um programa de rádio na Cultura [o Estrela da manhã], das cinco da madrugada até às sete, diário, e você não pode imaginar a quantidade de cartas e de público, assim, super-heterogêneo. Criança de sete anos, nove anos, mal sabe escrever, pedindo música de Tonico e Tinoco [João Salvador Perez (1917-1994) e José Perez, nascido em 1920, dupla caipira que fez sucesso a partir dos anos 1940], Tião Carreiro e Pardinho [Antônio Henrique de Lima (1932-2001); formou com Tião Carreiro uma dupla em 1954]. E alguns assíduos. Guardo todas, tenho dez, doze cartas, as crianças mandam o retratinho. Então, atinge direto.

Zuza Homem de Melo: Vindos de todos os lugares?

Inezita Barroso: De todos, do Brasil inteiro. Até do Paraguai já recebi carta e tudo.

Zuza Homem de Melo: E o fato do programa ser às cinco da manhã, não é uma hora, dentro da cidade...

Inezita Barroso: Não.

Zuza Homem de Melo: ...imprópria e, ao mesmo tempo, dentro do interior, absolutamente apropriado?

Inezita Barroso: Eu pensei que fosse isso, mas engano meu: sabe, tem muita criança que acorda cedo para ir para a escola e fica ouvindo e acaba gostando. Tem muito pai que vai levar o filho para o colégio e ouve no carro. Tem muito motorista de praça que ouve, que trabalha a madrugada inteira. Ouve-se nos hospitais, os enfermeiros, os médicos - os doentes, até. Teve um que levou o radinho enrolado escondido, passando mal à beça, mas ele levou o radinho para não perder o Estrela da manhã, que é uma coisa que emociona muito a gente. E televisão também. Nós temos um público cativo naquele Teatro Cultura que não é fácil.

Zuza Homem de Melo: Há quantos anos?

Inezita Barroso: 18. É, muita gente já morreu daquele grupinho [risos] e, aí, crescem outros e vêm vindo, vêm vindo. Naquele auditório dá briga toda semana para entrar.

Tom Zé: Inezita, eu tenho tendência para achar que você está mentindo [sorri] quando você diz esse negócio aí. [Inezita também sorri] É claro que estou usando a palavra aqui com toda delicadeza possível, embora de todo modo seja indelicado, mas só para esquentar um pouquinho. [fala lentamente e pensativo, às vezes olhando para cima] Isso de que o caipira absolutamente não quer fazer sucesso [franze o cenho]...

Inezita Barroso: Não é que não quer fazer sucesso...

Tom Zé: Sim, sim, sim, desculpe.

Inezita Barroso: Ele encara a música dele como uma religião, como arte, mesmo. Veja as folias de reis quilométricas. Aquilo não cabe num disco, ninguém vai gravar aquilo. Ele faz por conta própria, para homenagear os Santos Reis, por exemplo. O outro faz uma folia do Divino para homenagear o Divino Espírito Santo; ele também não faz no tamanho certo para caber no disco. [risos] É uma manifestação, é uma explosão dele. Ele tem necessidade de pôr isso para fora. E outra coisa bonita: ele torna-se autor anônimo. Ele não diz: "Eu que fiz!" Você nunca ouviu dizer "uma folia de reis do sr. Manuel da Silva do bairro tal", nunca. Ele mostra para cinco, seis amigos, é aceita na comunidade a música e ele cai fora.

Matinas Suzuki: Inezita, o Rubens Pereira, que é aqui de São Paulo, ele diz: "Todos sabem que a música 'Ronda' é um verdadeiro hino da música popular brasileira. Você foi a primeira cantora a gravar essa música que, posteriormente, teve centenas de regravações, quase todas com sucesso. Curiosamente, porém, você não faz uso do mérito de ter lançado essa verdadeira obra de arte." Ele pergunta por quê.

Inezita Barroso: Porque eu segui a carreira caipira, né? Do outro lado de "Ronda" tinha a "Moda da pinga" [também chamada "Marvada pinga"], que faz um sucesso brutal até hoje. Não existe recital em que eu não cante e que eles já não comecem pedindo a "Moda da pinga" antes do programa [inaudível].

Matinas Suzuki: Como é que foi que você gravou? O Vanzolini te mostrou a música como? Como é que chegou a você essa música?

Inezita Barroso: Nós tínhamos um grupo grande de estudantes que freqüentavam a minha casa. E não tinha ninguém rico assim para fazer grandes programas no sábado, então ia todo mundo lá para casa sábado ou domingo, gente que tocava piano, tocava violão, tocava cavaquinho, pandeiro. E as músicas não eram estritamente folclóricas, era tudo. Por isso que a gente tomou conhecimento de tudo: sambas, desconhecidos até, tinha um pessoal do Rio que ia muito lá em casa. E era uma festa, era o dia inteirinho cantando. E o Paulo mostrou o samba dele. Nós tínhamos um pianista, amigo nosso também, já falecido, Túlio Tavares, e o Túlio se interessou e falou: essa música é linda, só que ela está meio quebrada, vamos pôr no piano, vamos fazer direitinho, escrever uma partitura. E ficou o "Ronda". E eu tinha ido para o Rio para gravar a "Moda da pinga" e gravei "Ronda" do outro lado.

Tom Zé: E o episódio do Monteiro Lobato [(1882-1948), grande escritor brasileiro, famoso por suas histórias infantis, como as do Sítio do Picapau Amarelo, e por seus contos sobre temas brasileiros] ter feito aqueles maus modos com o Jeca Tatu, teve alguma música sua sobre...

Inezita Barroso: Não, não são maus modos, nada, ele estava se defendendo, ele ganhou bem para fazer isso. [risos] Ganhou muito bem, era um anúncio de um fortificante. Então, o caipira, coitado, tinha amarelão, tinha maleita e tinha o diabo, todas as doenças, tinha bicho de pé. Aí, como num milagre, ele tomava aquele fortificante e ficava lindo de chapeuzinho e botas.

Tom Zé: Puxa, eu não sabia disso, não.

Renato Andrade: O Monteiro Lobato que usou o personagem. Ele é o emblema do caipira brasileiro, o Jeca Tatu. Então, ele quis mostrar o problema socioeconômico, sociocultural. Está no quarto volume...

Tom Zé: Mas foi o reductio ad absurdum [estratégia de demonstração que tenta provar uma afirmação mostrando que o seu contrário leva a uma contradição] mais bem feito que eu já vi na história da lógica. Porque, por exemplo, eu li o episódio, li e tomei conhecimento, como se ele tivesse agredido toda a espécie do Jeca...

Inezita Barroso: Absolutamente!

Tom Zé: ...e depois tivesse pedido perdão publicamente e tal.

Inezita Barroso: Não, não, não.

Renato Andrade: A propósito - desculpe -, ele está no volume IV de Urupês. É o nome da obra.

Inezita Barroso: É.

Renato Andrade: Mas ele quis mostrar é o parasita. A palavra "urupês" é o que eles chamam de cogumelo, orelha-de-pau. Preguiçoso. Tanto que, quanto eu faço meus shows, eu falo: "Não sou o Jeca Tatu, não, eu sou o capiau." [inaudível] Porque o outro é o preguiçoso, é o orelha-de-pau. [risos]

Inezita Barroso: Foi um momento assim talvez, digamos, infeliz, mas foi bom para ele, foi bom para ele, e ele continuou escrevendo coisas de caipira, né? Toda obra infantil dele foi...

Tom Zé: E quando o Flávio Cavalcanti [(1923-1986), jornalista e apresentador de TV] quebrava um disco caipira por semana daquela maneira tão... imitando cronista de futebol, vou dizer: "estapafúrdia".

Inezita Barroso: Mas não foi só nisso que resultou. Resultou uma coisa muito má, que é homem do interior de São Paulo ter tido vergonha de ser chamado de caipira, por causa da criação do Jeca Tatu.

Assis Ângelo: Inezita...

Tom Zé: Ah, sim - desculpe -, a Inezita ainda estava falando do outro episódio, do episódio Monteiro Lobato.

Inezita Barroso: Sim, sim, sim. Então, criou-se uma vergonha, uma coisa. Você dizer "caipira", era uma mulher mal vestida, era um cara sem dente, todo ruim e todo doente. Então, criou-se um mito assim, que durou muito tempo e está durando ainda em alguns lugares.

Assis Ângelo: Eu queria, para não ficar muito distante, quando foi abordada "Ronda" - "Ronda", como se sabe, naturalmente, é um clássico da música brasileira -, também te acompanhou um time da pesadíssima: [Zé] Menezes [José Menezes de França, nascido em 1921], Bola Sete [Djalma de Andrade (1923-1987)], Garoto [Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955)] [os três violonistas, sendo Garoto também grande compositor], um time realmente muito grande. Mas tem uma curiosidade nessa música, nessa gravação: a princípio, você não ia gravar essa música...

Inezita Barroso: Não.

Assis Ângelo: A princípio, era a "Moda da pinga".

Inezita Barroso: É, a "Moda da pinga", eu fui preparada para gravar, mas, como foi o meu primeiro disco, não estava acreditando muito. São Paulo era a província musical...

Assis Ângelo: Foi gravado no Rio?

Inezita Barroso: Foi gravado no Rio, nos estúdios da RCA no Rio. E eu cheguei para gravar a "Pinga". Gravei a "Pinga", fiquei livre da "Pinga", [risos] e do outro lado? Não tinha o outro lado preparado.

Assis Ângelo: A [cantora] Márcia, ela grava a "Ronda" [em 1977], que você gravou - que você lançou, na verdade, porque a primeira gravação é sua, no dia 23 de agosto de 1953, não é?

Inezita Barroso: Você sabe mais que eu. [risos]

Assis Ângelo: E, anos depois, a Márcia regrava essa música. Mas falta um verso lá dentro, na sua gravação ou na gravação dela. Porque não é exatamente igual.

Inezita Barroso: Não, não falta verso nenhum.

Assis Ângelo: Não?

Inezita Barroso: Não, não.

Assis Ângelo: E outra curiosidade que eu gostaria que você esclarecesse é com relação à "Moda da pinga". Parece que existem alguns versos do Paulo Vanzolini, também.

Inezita Barroso: Isso foi uma outra brincadeira que a gente fez. Porque na "Moda da pinga" só faltava sair morte. A música que faz sucesso...

Assis Ângelo: Todo mundo era dono...

Inezita Barroso: Todo mundo é dono. Todo mundo é dono. “É minha!...” Então, eu ia cantar no interior, tinha... A "Moda da pinga" é de antes de mim; já tinham gravado aos pedaços, nunca aquela versão que eu gravei. Porque são vários pedaços. E o cara bem moço dizia: “Você não pôs o meu nome, eu sou o autor da 'Moda da pinga'”. Então, saiu tanta briga, mas tanta briga, jornal, todo mundo em cima, que o Paulo disse: “Vamos fazer uns versos extras e eu registro esses versos e daí acaba com essa palhaçada, porque todo mundo é autor da ‘Moda da pinga’, o que é isso?" E fez e muito bem feitos. E eu gravei outra vez. Eu gravei quatro vezes a "Moda da pinga", para caber tudo.

[...]: Quais são os versos do Paulo?

Inezita Barroso: Do Paulo, são ótimos, é: “Cada vez que eu caio, caio diferente / Meaço pá trás e caio pá frente”. E mais um... Eu gravei dois dos dele, muito bons.

Assis Ângelo: E apareceu o dono também desses versos?

Inezita Barroso: Claro, o dobro! [risos] Apareceu o dobro de gente.

Moraes Sarmento: E todos querendo direito autoral, viu?

Tom Zé: [citando a letra de "Moda da pinga", lendo num papel] "Pego o garrafão e já balanceio"...

Inezita Barroso: Esta é dele, esta é dele...

Tom Zé: ..."que é pá mor de ver se tá memo cheio". Você sabe continuar? Desculpe, estou só ajudando...

Inezita Barroso: Acho que eu não sei, de tanto que eu já cantei [risos].

Matinas Suzuki: Por falar na "Moda da pinga", Leila Cordeiro, do Tatuapé, aqui de São Paulo, diz o seguinte: "Sou mãe de uma criança de 13 anos que teve contato com a sua música há duas semanas e ficou encantada com seu trabalho. O que você sente quando vê uma criança de São Paulo, em contato com computadores e vida moderna, encantada com a 'Moda da pinga'?"

Inezita Barroso: É aquela chama interna de que a gente já falou. Essas coisas ficam aquecidas e brotam de dentro da criatura. Não é imposto, não é de fora para dentro, é de dentro para fora. Então, uma criança dessa pode sentir essa chama que eu senti, também, eu nasci aqui.

Matinas Suzuki: O Paulo da Silva, do Tremembé, pergunta: "Como você classifica o cantor e compositor Almir Sater?"

Inezita Barroso: Um ótimo violeiro, um ótimo cantor, no estilo dele, [do] Mato Grosso.

Matinas Suzuki: Marcelino José de Oliveira, do Itaim: "Quais os cantores que você admira na atualidade?"

Inezita Barroso: Agora vocês vão levar um susto, porque eu admiro muito um cantor popular, Emílio Santiago.

[Três segundos de silêncio total]

Matinas Suzuki: Original! O Márcio Silva, de Santo André: "Qual o papel que Tonico e Tinoco representaram no início da música sertaneja?"

Inezita Barroso: Um papel absoluto, maravilhoso, todo mundo foi no rastro deles. Como dupla caipira, perfeita, não tem defeito. Você não pode apontar um defeito na dupla: escolha de repertório, timbre de voz - aquela voz anasalada e ardida, como o pessoal chama, é uma coisa dos nossos ancestrais. É uma coisa dos índios, porque os índios não permitiam que as mulheres tomassem parte nas festas e aquela voz aguda fazia falta. Então, o homem faz a voz aguda.

Matinas Suzuki: Daí viria a necessidade da dupla, uma voz mais masculina e uma voz mais aguda?

Inezita Barroso: Exato. Uma mais aguda e outra mais grave. E outra coisa: também vem da igreja, dos jesuítas, a mania de cantar em vozes nas missas. Então, isso ficou. O caipira adora duas vozes, três vozes, quatro.

Zuza Homem de Melo: E por que a terça [distância entre as alturas de dois sons correspondente, por exemplo, à distância entre as duas primeiras notas da música "Baião", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira; é também a distância predominante entre as duas vozes que cantam juntas nas duplas caipiras] é que domina?

Inezita Barroso: Porque, [para] você cantar em duas vozes, tem que ser terça.

Zuza Homem de Melo: Mas porque não há o intervalo de quarta [distância, por exemplo, entre as duas primeiras notas do Hino Nacional Brasileiro], de quinta [distância, por exemplo, entre as duas primeiras notas do tema principal do filme 2001: Uma odisséia no espaço], por que terça? É o mais tradicional?

Inezita Barroso: É o mais tradicional.

Zuza Homem de Melo: É uma questão de tradição e de fidelidade?

Inezita Barroso: É. No coral, você sempre ensaia a terça. Depois que vêm as outras vozes [inaudível].

Matinas Suzuki: É uma peculiaridade brasileira, essa? A dupla cantando terça é uma peculiaridade da música cantada no Brasil, você conhece isso?

Inezita Barroso: Não, em Portugal tem muito. Tem muito. A terça, né?

Renato Andrade: Desculpe...

Inezita Barroso: Diga.

Renato Andrade: Nós estamos falando em terça aí, né? Geralmente, a música sertaneja, música de viola, é baseada em dois intervalos: terça e sexta [distância entre as duas primeiras notas de, por exemplo, "Hi Lili Hi Lo” ou da segunda parte de "El día en que me quieras"], que os eruditos chamam de décima e que [inaudível] chamava "terça caipira". Então, os outros intervalos... Outro dia estive observando a música japonesa. Você não sabe se é menor ou maior, dá muita quarta e muita quinta [pois os modos maiores e menores são caracterizados pelas terças, que podem ser maiores (duas primeiras notas de "Baião") ou menores (duas primeiras notas de "Assum Preto", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira); mas, na música japonesa as terças são raras e predominam as quartas e quintas], mas a música sertaneja é terça e sexta. E há quem diga que o ouvido caipira evoluiu, porque, na Idade Média, a sexta era dissonante e eu gosto! [risos]

Assis Ângelo: E hoje o que impera é o vibrato de cabra, né? [vibrato: técnica de oscilação da voz rapidamente para cima e para baixo, ao invés de manter as notas sempre constantes] Que coisa horrorosa, né?

Inezita Barroso: Não, eu chamo de "esquadrilha da maleita". [risos]

Zuza Homem de Melo: De onde que você acha que vem essa tendência para o exagerado vibrato?

Inezita Barroso: Ah, eu não posso afirmar, pode ser do Chupa-Cabra [criatura monstruosa do imaginário popular da época que fez parte do cotidiano durante algum tempo]. [risos]

Tom Zé: Derrotamos o Itaramaty, agora...

Assis Ângelo: Ô Inezita, na sua visão, dentro desses... modismos, vamos dizer assim, da sua visão particular como cidadã, vamos dizer assim - não como artista, propriamente -, você salvaria alguma dessas duplas, desses meninos aí novos?

Inezita Barroso: Eu já disse que eles têm vozes lindas...

Assis Ângelo: Mas, é pouca gente, também...

Inezita Barroso: ...agora, eles estão exagerando nas letras, aquilo... fica meio feio, meio ruim, né?

Assis Ângelo: Agora, mudando um pouquinho, você também andou alguns anos por Minas Gerais e algumas cidades lá, especialmente quando Juscelino Kubitschek [presidente do Brasil de 1955 a 1961, em cujo governo foi construída Brasília], estava aí vivo, naturalmente... Você fez seresta com ele também, né? É um lado pouco conhecido da sua carreira.

Inezita Barroso: Fiz, fiz. Porque nesse tempo, nessa década de 50, eu trabalhei muito com Hervé Cordovil [compositor popular, pianista e maestro mineiro, nascido em 1914], um grande maestro, um grande músico, infelizmente não tão reconhecido como deveria. E ele era muito amigo dos mineiros todos, do Juscelino principalmente, que ainda era governador de Minas [de 1951 a 1955], não era, nem pensava em ser presidente. E os amigos dele que incensaram e tal. E o Hervé disse: "Ah, vou levar você para conhecer uma turma maravilhosa em Belo Horizonte." E lá fomos nós, conhecemos toda essa turma e, inclusive o Juscelino.

Assis Ângelo: E saía à noite com o violão, aquele monte de...?

Inezita Barroso: Saía, em Ouro Preto...

Assis Ângelo: Você, inclusive?

Inezita Barroso: Juscelino no meio do bando, aquelas ladeiras todas, violão, aquela estudantada toda...

Moraes Sarmento: Inezita, um instantinho só, por favor. Inezita, Juscelino cantava seresta?

Inezita Barroso: Cantava.

Moraes Sarmento: Chegou até a gravar, não é verdade?

Inezita Barroso: Gravou.

Assis Ângelo: O Téo Azevedo [cantor, compositor, violeiro, repentista, declamador de poesia matuta, escritor, folclorista e produtor fonográfico] produziu um disco muito bonito de serestas dele. Ele no estúdio. Inclusive, tem uma história, a repressão na hora, ele queria todo mundo lá. E é um disco muito bonito, ele falando e declamando e depois cantando. Ele canta duas músicas.

Moraes Sarmento. É verdade.

Inezita Barroso: E tocava bem violão, ele foi aluno do Dilermando Reis [(1916-1977), grande compositor e um dos mais importantes violonistas brasileiros]. Chegou a tocar bem. Agora, ele amava esse estilo de música. E uma vez até eu dei um fora e vou contar para vocês. Eu estava em casa e ligaram para mim: "É Inezita?" Falei: "É." "Aqui é o Jussa" – era o apelido dele, Juscelino era "Jussa" ou "Nonô", os mineiros sabem – "Aqui é o Jussa." E eu falei: "Ah, você é um vagabundo! Você não tem o que fazer? Vá caçar sapo!" E bati o telefone. Ligou de novo: "Escuta, estou dizendo que aqui é o Juscelino." Aí eu já comecei a amansar. "Não fica brava não, eu estou ligando porque eu queria dar uma reunião aqui no Palácio" – já era presidente – "e queria chamar o conjunto Madrigal [possivelmente o Madrigal Renascentista, coral belo-horizontino formado em 1956 pelo maestro Isaac Karabchewsky e que cantou na inauguração de Brasília em 1960] e você para a gente fazer uma noitada aqui." Aí, a tonta aqui comprou o maior vestido a rigor, um saltão, me arrumei e, quando eu chego no Palácio, começaram a abrir as portas, assim, e não tinha ninguém. Aí - aqueles guardas perfilados -, eu disse: "Onde é que está o presidente?" "Ah, lá pra dentro". Eu fui entrando, né, me arrumando para entrar num salão cheio de gente chiquíssima. E ele estava sem sapato, de meia, com os pés cruzados, assim, numa mesinha; falou: "Vai entrando, minha filha, pode tirar o sapato, que eu sei que você morre de dor no pé, também." [risos] Foi uma noite ma-ra-vi-lho-sa! O conjunto Madrigal veio de avião de Belo Horizonte. Só eles, eu e o Juscelino. Dona Sara [esposa de Juscelino] deu uma olhadinha lá numa hora... Foi até às três da manhã, todo mundo cantando e tocando, foi muito bom.

Matinas Suzuki: Inezita, nós vamos fazer um pequeno intervalo e a gente volta daqui a pouco com a segunda parte da entrevista com Inezita Barroso. Até já.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Nós voltamos com Roda Viva, que entrevista a cantora, compositora, pesquisadora - o que mais, Inezita? [risos] - Inezita Barroso. Você pode participar deste programa fazendo perguntas pelo telefone (011) 252-6525. (011) 252-6525. O número de nosso fax é (011) 3874-3454. 3874-3454. E o nosso endereço na Internet é rodaviva@tvcultura.com.br. rodaviva@tvcultura.com.br. Zuza queria fazer uma pergunta.

Zuza Homem de Melo: É, queria dar uma virada de assunto e saber da sua... O Matinas falou várias coisas e não citou que você também trabalhou em cinema. Eu queria que você falasse um pouco dessa fase em que o cinema brasileiro tinha, vamos dizer, várias peculiaridades, da qual você participou.

Matinas Suzuki: Ô Zuza, teve um telespectador que mandou uma pergunta sobre isso, sobre o cinema e sobre o TBC [Teatro Brasileiro de Comédia, influente teatro em São Paulo], só que eu não vou encontrar aqui agora, então peço desculpas. Mas está feita a pergunta.

Zuza Homem de Melo: Está certo.

Inezita Barroso: Bom, o TBC era um centro de artes espetacular. Franco Zampari [(1898-1866), industrial italiano, principal fundador do TBC] - o nome do Teatro Cultura era Franco Zampari - era um idealista, ele trabalhou muito pelo teatro paulista, principalmente. E inventaram - eu vi nascer o Vera Cruz [o mais importante estúdio cinematográfico brasileiro dos anos 1950, fundado em 1949 por Franco Zampari e Ciccilo Matarazzo] -, inventaram ele, o Abílio Pereira de Almeida [(1906-1977), ator e diretor de teatro, um dos fundadores do TBC] e outros. Eu vi a planta dos estúdios da Vera Cruz no papel, ainda! "Vamos fazer cinema!" - era uma coisa incrível, incrível, era uma loucura! "Vamos fazer um cinema sério!" - porque eles achavam que cinema tipo teatro de revista, só com música, como se fazia no Rio, era uma coisa leve demais; eles queriam argumentos, assunto, queriam fazer um cinema de verdade. Então, eu vi nascer tudo isso. E conseguiram até um certo ponto. Aí, tudo encalha no dinheiro, né? Encalha no dinheiro e encalhou na distribuição também: é um filme caríssimo, cuidadíssimo, com elenco enorme, artistas bons; aí, apresenta cinco dias no cinema e entra um de caubói no lugar. Então...

Zuza Homem de Melo: E você recebeu, teve alguma percepção na sua carreira de que alguma coisa mudou durante esse período em que você atuou no cinema?

Inezita Barroso: Bastante, bastante. Sabe o que foi muito bom? A gente ter contato com técnicos estrangeiros. Eram ingleses, franceses, alemães, vinham todos para trabalhar na Vera Cruz. Então, era muito sério o trabalho, o deles e o da gente. Eles eram muito exigentes, principalmente os ingleses. E grandes diretores, como o [Alberto] Cavalcanti [(1897-1982), um dos fundadores do estúdio Vera Cruz], que veio para o Brasil especialmente para se fixar aqui, apesar de ser brasileiro [Cavalcanti morou muito tempo na Europa e naturalizou-se francês; voltou ao Brasil no fim dos anos 1940]. Fez sucesso demais lá na Europa e veio dar uma mãozinha. E eu cheguei a filmar com ele Mulher de verdade, com o qual ganhei o Prêmio Saci de cinema como melhor atriz.

Zuza Homem de Melo: E você era atriz?

Inezita Barroso: Eu sou a atriz principal do filme.

Zuza Homem de Melo: Não, antes disso, eu digo. Você tinha experiência como atriz?

Inezita Barroso: Não. Tinha sabe o quê? Teatro infantil. A gente fazia muito, porque aqueles estudantes que freqüentavam a minha casa, como eu contei, nos sábados, a coroação desses sábados era uma bela pizza para vinte pessoas com guaraná. [risos]

Zuza Homem de Melo: Como até hoje, né?

Inezita Barroso: É, até hoje. Então, criou-se uma amizade muito grande. Quem freqüentava essa turma? Na maioria estudantes de direito. Era o Paulo Autran, era o Clóvis Garcia, era o Renato Consorte...

Zuza Homem de Melo: Estava o teatro todo lá.

Inezita Barroso: Todos, estava o teatro inteiro lá.

Tom Zé: Maurício Barroso, também?

Inezita Barroso: Maurício, meu cunhado! Maurício incentivava muito, ele foi um grande ator do TBC. Todos dessa época. Quem adorou a gente foi o Vittorio Gassman [(1922-2000), ator e diretor do cinema italiano], essa gentinha [risos].

Assis Ângelo: Nessas reuniões surgiram muitas músicas inéditas que eram cantadas lá com você. Tinha o Zé do Norte [Alfredo Ricardo do Nascimento (1908-1979), cantor, compositor, poeta e folclorista paraibano, autor de "Sodade, meu bem, sodade"], o próprio Paulo Vanzolini [fala junto com Inezita]

Inezita Barroso: O Zé do Norte foi muito, muito. Eu tenho até gravado em gravador de fio as coisas do Zé do Norte. Tenho até hoje, foi passando.

Assis Ângelo: E músicas do Paulo Vanzolini, até hoje também inéditas, que você gravou naquela época, não é isso?

Inezita Barroso: Não, não gravei, tem muitas inéditas ainda, dele.

Assis Ângelo: Que, certamente, ele nem lembra.

Inezita Barroso: O Lupcínio Rodrigues [(1914-1974), compositor gaúcho, autor de "Felicidade" e "Esses moços"]. Então muita gente freqüentou...

Assis Ângelo: Agora, Inezita, tem uma coisa curiosa, que é o seguinte: mulher no disco, principalmente fazendo jingle político, é uma raridade - hoje, inclusive, até hoje -, mas você, nos anos 60, você fez algumas coisas, até junto com Luiz Gonzaga. Tem um disco em que você...

Inezita Barroso: Eu?!

Assis Ângelo: É! [risos] Você cantando [cantando] “Eu vou votar em JB” [JB: José Bonifácio Coutinho Nogueira (1923-2002), candidato ao governo de São Paulo em 1962, quando foi tocado esse jingle (foi eleito Ademar de Barros); foi também o primeiro presidente da Fundação Padre Anchieta, dirigiu a TV Cultura de 1969 a 1972 e fundou a EPTV de São Paulo]. Lembra disso?

Inezita Barroso: Não.

Assis Ângelo: É um disco com Jorge Veiga [(1910-1979), sambista carioca], são quatro artistas participando. Então, vou lhe mostrar esse disco!

Inezita Barroso: Eu quero, faço questão. JB para mim é uísque!

Moraes Sarmento: Eu quero aproveitar esta oportunidade e comunicar a todos os companheiros aqui da mesa que, antecipadamente, eu quero parabenizar você, porque no dia 4 de março você estará soprando mais uma velinha. Quantos aninhos? Mostra os dedinhos! [risos]

Matinas Suzuki: Seu amigo, hein, Inezita?

Inezita Barroso: 37; é só você inverter. [risos]

Moraes Sarmento: O que eu quero dizer e desejar de coração a você: muitas felicidades e que você seja feliz diariamente, inclusive domingos, feriados, dias santos, pontos facultativos, dias de folga e que tenha muita saúde. Não é uma sugestão, é uma intimação. Um abração para você.

Inezita Barroso: Obrigada!

Matinas Suzuki: Inezita, o Elias Rodrigues, da Paraíba, pergunta o seguinte: por que o seu programa não toca mais a viola repentista nordestina?

Inezita Barroso: Bom, eu não sei.

Matinas Suzuki: Não sabe?

Inezita Barroso: Não, não. A gente gosta muito de música nordestina, também, e tem levado muita coisa; mas, na maioria, forró. Agora, eu não sou produtora do programa, eu não interfiro na produção. Muita gente pensa que eu que convido e eu que levo; não sou eu. Então, às vezes, eu encaminho alguém, digo: "Olha, este aqui é bom." Mas não passo disso, não sou xereta, de jeito nenhum.

Luiz Antônio Giron: Inezita, pegando o gancho do Matinas, eu me lembro de uma coisa: você tem contato não só com o folclore paulista, do interior de São Paulo; você fez pesquisas por todo interior do Brasil, né?

Inezita Barroso: Foi.

Luiz Antônio Giron: Queria que você contasse um pouquinho disso, também. Sobre esse teu contato com outros folclores: nordestinos... Você gravou um disco muito importante de danças gaúchas e até hoje é um disco muito importante no Rio Grande do Sul.

Assis Ângelo: Nunca relançado.

Luiz Antônio Giron: Nunca relançado e muito bonito.

Assis Ângelo: Dez polegadas.

Inezita Barroso: Dez e doze. Doze foi com uma orquestra.

Luiz Antônio Giron: E até hoje muito executado no Rio Grande do Sul.

Inezita Barroso: É. Ele foi adotado até, pelo governo, como material de ensino de colégio, centros de tradição.

Luiz Antônio Giron: E eu ia te perguntar isso: nessas pesquisas que você fez em todo o Brasil, você percebe um ponto de ligação entre esses folclores regionais? Existe uma identidade realmente brasileira em tudo isso?

Inezita Barroso: Existe.

Luiz Antônio Giron: [gesticulando] Por que isso? Queria que você falasse um pouco dessa...

Inezita Barroso: Existe, é uma coisa muito séria. Locais, assim, que você nem imagina, você encontra uma coisa deslumbrante, maravilhosa, séria, sabe? Outras manifestações que ninguém cita em livros ou revistas e tal... "Mas o que é isso? É uma coisa muito linda!" O Nordeste, para mim, foi o paraíso. Eu fui para ficar uns três dias, para fazer uma pesquisa em Pernambuco, e fiquei dois meses. E acabei cantando pela primeira vez como profissional em Recife.

Assis Ângelo: Agora, por outro lado, você... Quer dizer, das coisas da terra, das músicas, do folclore, você, naturalmente, é uma das principais ou, talvez, a maior representante do Brasil. Você também esteve sempre junto com poetas, com escritores, com Clarice Lispector [(1920-1977), escritora nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira], por exemplo. Até hoje você participa de uma tertúlia [reunião literária] aqui em São Paulo, a Pensão Jundiaí [grupo de amigos que se reúne mensalmente], da Mariazinha Congilio. Quer dizer, você está sempre junto, também, de intelectuais. Eu queria que você falasse também da Clarice Lispector, do Ascenso Ferreira [(1895-1965), poeta pernambucano]...

Inezita Barroso: Exatamente. A Clarice eu não conheci, assim, muito de perto. É uma coisa, assim, meio ruim para mim, porque a Mariazinha Congilio dá essas reuniões maravilhosas às terças-feiras e terça-feira é dia que eu dou aula na faculdade lá na Mooca; então, quando eu chego, o jantar já acabou. Mas, às vezes, a gente conversa bastante por telefone, [ela] me apresenta a outros poetas e recebo livros de todos eles, escritores, poetas.

Assis Ângelo: Ascenso Ferreira, por exemplo. Esses poetas, você...

Inezita Barroso: Ah, esse eu conheci bem de perto em Pernambuco. Nessa época.

Assis Ângelo: E aqui também em São Paulo, no Teatro Cultura Artística...

Inezita Barroso: É, eu fiz até um show com ele...

Assis Ângelo: Olha, que beleza...

Inezita Barroso: É verdade, no pequeno auditório do Teatro Cultura Artística, da Nestor Pestana. Fiz um show com ele e um outro que foi João Villaret [(1913-1961), ator português], eu e a [atriz] Tônia Carrero.

Assis Ângelo: Grande declamador português, não é? Aliás, você uma vez você me contou que um dos seus grandes sonhos era ir em Portugal, cantar em Portugal. Já foi?

Inezita Barroso: Já, já, este eu já realizei. Muito bom, muito bom! O público conhece tudo desse repertório brasileiro. De cantigas, toadas, canções, eles respondem tudo, sabem o estribilho de tudo. [Até] criança... Eu cantei quase um mês numa feira luso-brasileira, patrocinada aqui pelo Ministério do Trabalho. Me mandaram para essa feira; eu me apresentava toda noite lá. No primeiro dia, eu estava morrendo de medo. "Mas o que eu vou cantar aqui em Portugal?" Aí cantei a "Colcha de retalhos", do Raul Torres, e veio abaixo, aquilo lá! No dia seguinte, eles começaram a chegar mais e a pedir outras coisas... "Maringá", eles sabiam inteira, "De papo pro ar", "Fiz a cama na varanda"... Coisas do Brasil inteiro. E um dia eu fiquei surpreendida, mesmo: uma menininha de uns dez anos veio com um embrulhinho, assim, abriu e eram uns cinco discos meus, cinco LP. "Eu trouxe para a senhora autografar." Foi uma emoção...

Renato Andrade: Eu não vou seguir a ordem, não, porque eu não gosto de roteiro. [muito sorridente] Vou falar é outra coisa, já. Falar do Viola, minha viola, vamos?

Inezita Barroso: Vamos! Eu não acabei a pergunta dele, mas oportunamente a gente vai...

[vários falam ao mesmo tempo]

Tom Zé: [inaudível] ...sobre esse negócio que ele perguntou, mas tudo bem. Me desculpe querido, continue.

Renato Andrade: Tinha um vereador lá da minha região que falava: "O senhor tem a palavra"; eu: "Não, eu engulo a palavra, o senhor pode falar." [risos] Então, vamos falar de Viola, minha viola... Você, eu considero um patrimônio; nos países socialistas, seria tombada, né?

Inezita Barroso: [risos]

Renato Andrade: Que, a propósito, esse programa já esteve até... em Marselha ou na França?

Inezita Barroso: Na França.

Renato Andrade: Pois é. Foi exibido lá na Fundação Pompidou, não é isso?

Inezita Barroso: É.

Renato Andrade: E fale sobre ele, um pouquinho do Viola, minha viola.

Inezita Barroso: O Sarmento sabe bem [risos].

Renato Andrade: Quantos anos...

Inezita Barroso: Nós fizemos um programa inteiro em francês. Foi uma tourada.

Renato Andrade: Certo. [inaudível, fala junto com Inezita] passou apertada lá, de tanto fazer biquinho, "oui, oui, oui"...

Inezita Barroso: Horas e horas gravando em francês. O filme que ia representar o Brasil e sua música regional.

Matinas Suzuki: E vocês fizeram o programa também em francês, é isso?

Inezita Barroso: Fizemos o programa inteiro em francês.

Matinas Suzuki: Inteirinho em francês.

Inezita Barroso: Porque era para ser exibido lá.

Renato Andrade: Inezita, o famoso Teatro Solis, em Montevidéu...

Inezita Barroso: Montevidéu...

Renato Andrade: ...em que você esteve...

Inezita Barroso: Eu estive.

Renato Andrade: ...e ganhou, também... [hesita] Eu faço [inaudível] de araque, eu não tenho roteiro, agora eu tiro da cabeça. E o Disco de Ouro da Globo...

Inezita Barroso: Ganhei, eu tenho quase 200 prêmios.

Zuza Homem de Melo: Falando em prêmios, conta um pouco da história dos momentos que você viveu num dos prêmios que, durante a época em que você trabalhou na TV Record, era o mais ambicionado, que era o Roquette Pinto, e todos aqueles programas com a participação, com a presença do público. Foi uma fase, para você...

Inezita Barroso: O Roquette Pinto foi um prêmio muito importante. A gente ganhava sete vezes, sete anos e depois tinha que sair. Na sétima vez era de ouro, era diferente o papagaio.

Zuza Homem de Melo: Você participava quase sempre como a estrela da apoteose do Roquette Pinto. Eu me lembro, porque eu fazia o programa. [risos]

Inezita Barroso: Exatamente. Com aquelas grandes orquestras, Gabriel Migliore [(1909-1975), maestro e compositor paulista], Hervé Cordovil, vários maestros, Ciro Pereira [maestro e compositor gaúcho], uma porção de gente muita boa. E as festas do Roquette Pinto eram faraônicas, era uma coisa linda, você se sentia muito bem. Muito bonito. E valeu, viu?

Zuza Homem de Melo: E para a música brasileira...

Inezita Barroso: Era muito importante.

Zuza Homem de Melo: Você sente falta de coisas assim na televisão?

Inezita Barroso: Sinto muita falta, principalmente das orquestras. Como é que você pode cantar um "Funeral do Rei Nagô" [música de Hekel Tavares (1896-1969), compositor, maestro e folclorista alagoano] com violão, né? Um "Banzo" [música de Hekel Tavares e Murilo Araújo], um tema afro-brasileiro pesado, daqueles lindos... com violão ou com conjuntinho de guitarra e tecladinho? Não dá, né?

Matinas Suzuki: Inezita, o Sérvulo Esmeraldo, de Fortaleza, manda um abraço para você, está com saudades e manda um abraço para o Zuza.

Zuza Homem de Melo: Um abraço, Sérvulo.

Matinas Suzuki: E pergunta se o Jararaca e Ratinho [José Luís Rodrigues Calazans (1896-1977) e Severino Rangel de Carvalho (1896-1972), músicos e humoristas alagoanos, que faziam música tradicional nordestina e música caipira paulista] e o Manezinho Araújo [Manoel Pereira de Araújo (1913-1993), músico, jornalista e pintor pernambucano] não seriam referências para você também.

Inezita Barroso: Ah, foram, foram sim. Jararaca e Ratinho eu toco até hoje na rádio. Tem muitos pedidos no programa de rádio da Cultura, na AM. E o Manezinho Araújo, eu conheci bem, era uma criatura linda, linda, doce, maravilhosa. Convivi bastante com ele aqui em São Paulo e no Rio.

Tom Zé: Também é nordestino, né?

Inezita Barroso: É.

Assis Ângelo: Pernambucano.

Tom Zé: E já que Jararaca e Ratinho também são do Norte - eu estou tão curioso daquela pergunta do Giron de que aparências têm os folclores das regiões diversas do Brasil... Desculpe...

Inezita Barroso: Certo. Olha, cada um tem a sua peculiaridade, cada região do Brasil é um mundo, isso daqui é imenso, e é difícil você dizer que um xote, por exemplo, nordestino é igual a um xote gaúcho, cada um tem as suas influências. [xote: dança de salão para pares; também se refere a certo ritmo nordestino, como na música "Severina xique-xique", de João Gonçalves e Genival Lacerda; e também a um ritmo gaúcho] Não deixa de ser um xote, mas tocado de maneira diferente, o andamento diferente, as letras diferentes. Tem uma relação, mas não é igual, porque não está massificado.

Tom Zé: É nesse sentido, Giron, que você estava perguntando?

Luiz Antônio Giron: É, eu queria saber se, nessas suas viagens pelo Brasil, como você via essas diferenças e como é que você recolheu esse material, se foi gravando, se for cantando e aprendendo a tocar, aprendendo a cantar, como foi essa experiência do Sul ao Norte?

Inezita Barroso: Vou te dar um exemplo, porque nesse tempo não tinha gravador de pilha, não existia ainda, isso foi em 56, 57, por aí. Não existia, nem pequenininho. Era deste tamanho [afasta os braços], ligado a uma bateria ou numa tomada. Quando era dentro de casa, era... Eu perdi muita coisa por causa disso. Mas eu escrevo música na pauta e tal, e eu saía com o livrinho de música atrás do camarada e escrevendo, porque não tinha jeito de guardar, só escrevendo. E eu estava numa ocasião no interior da Bahia, perto de Jequié, e tinha um camarada varrendo o terreiro assim, como se fosse vassoura de palha, espalhando uma poeirada. Era um posto de gasolina e eu parei para abastecer o jipe. Eu fiz 7.200 km de jipe recolhendo coisas. E o cara cantando um negócio maravilhoso e eu atrás dele e ele jogando poeira e eu escrevendo quase de joelhos e consegui pegar quase inteira. E era, se não me engano, um tema de capoeira, mas era no interior da Bahia, onde... A capoeira é mais querida em Salvador, na capital. Então, numa região onde não havia quase influência afro e o cara cantando um tema de capoeira! Então, era assim... [cantando] "Se a piaba nada, eu quero nadar / se a andorinha voa, eu também quero avoar / Menina diga a seu pai que faça as conta comigo / e se não tiver dinheiro, que pague a conta contigo". E eu lá, quase de quatro atrás dele, e ele não acabou de cantar a música, porque parou um Fenemê [caminhão da empresa FNM], que era um... [separa bem os dois braços] [risos] - FNM, na Bahia é Fenemê.

[...]: No Brasil todo.

Inezita Barroso: E parou um bicho desse - tcháá, tchááá! - e o cara ficou meio assustado com a vassourinha dele e ele me viu lá atrás... E o motorista desceu, o caminhoneiro: "Que é que a senhora está ouvindo aí?? Isso é porcaria!" E pegou a antena e ligou na Rádio Nacional do Rio de Janeiro e me cortou o barato. É difícil recolher. Agora, com gravador, assim, tudo combinadinho, é muito bom.

Matinas Suzuki: Você tem um grande arquivo, Inezita?

Inezita Barroso: Tenho, tenho. Muita coisa ainda que não foi adaptada: pregões, cantigas de ninar, cantigas de roda. Aquela música que apareceu na novela, que a Elba canta, eu recolhi aquilo em 55 no interior da Bahia. [provavelmente, trata-se da música "Ciranda da rosa vermelha", adaptada por Alceu Valença, gravada por Elba Ramalho em 1997 e tema da novela A indomada, do mesmo ano]

Matinas Suzuki: Mas você vem fazendo um trabalho de re-sistematização desses arquivos; como é?

Inezita Barroso: É, eu tenho tudo organizadíssimo, mas, para adaptar... não sei, precisa ser bom, tipo Babi de Oliveira [Idalba Leite de Oliveira (1908-1993), compositora erudita baiana], gente assim. E, para fazer uma coisa que não condiz com a força do estribilho, eu prefiro guardar o tema puro, curtinho, talvez algum dia saia alguma coisa.

Assis Ângelo: Inezita, você falou a respeito de "Ronda", contou a história de “Ronda”, como foi gravada e tal, quatro vezes você gravou...

Inezita Barroso: Não, a "Pinga" eu gravei quatro vezes.

Assis Ângelo: Ah, perdão. "Lampião de gás", como é que surgiu? Que é outro clássico, é outra música que você emplacou, como se diz. gora, a a mim me parece também que é um tema popular.

Inezita Barroso: É... [fala ao mesmo tempo que Assis Ângelo] ...com a orquestra do Hervé Cordovil, foi o meu primeiro LP grande, de doze polegadas, e tinha...

Assis Ângelo: 1958?

Inezita Barroso: Cinqüenta e se... é, começo de 1958. E apareceu uma senhora muito elegante, muito bonitona, muito chique, assim: "Olha, eu fiz uma música para você." E eu olhei, achei estranho, porque, geralmente, compositora era de outro tipo... Aí, ela abriu um papel assim, uma letra deste tamanho, e falou: "Ah, falando do lampião de gás, que eu morro de saudade dele e tal. Você lê aí a letra e está aí a partitura." Aí o Hervé falou: "Me dá aqui, deixa eu ver." E passaram-se uns dez dias e eu estava gravando no estúdio da Record o meu primeiro LP de doze polegadas e, como era o de doze polegadas, faltou uma música. E eu estava péssima, com febre de 39, gripada, com nariz fanhoso, daí Hervé disse: "Falta uma música! Eu tenho que entregar isso! Como é que vai ser?" "Olha, eu não sei, eu não sei, estou me sentindo mal." "Não! Vai gravar a música daquela senhora! 'Lampião de gás'." "Hervé, eu não sei nem se cor a coisa..." "Não, vai cantar lendo." E tinha um coralzinho, o Coral de Ouro da Record, e [ele] falou: "E vocês vão fazer um contracanto assim, ó:" [cantando] "Lá-rá-rá-rá". E o coral ensaiou ali na hora e foi praticamente de ouvido, a gravação do "Lampião de gás".

Assis Ângelo: Aliás, como "Ronda", né? Não teve ensaio.

Inezita Barroso: Não, só o regional [ou seja, o grupo de instrumentistas], que era de cobra, só cobra, que ensaiou direitinho.

Tom Zé: Mas que sorte dessa criatura, hein? Como é o nome dessa autora?

Inezita Barroso: Zica Bergami.

Tom Zé: Puxa, que santo bom!

Inezita Barroso: Ela é uma boa compositora!

Tom Zé: Eu estou precisando do seu sangue, viu? [risos]

Assis Ângelo: Agora, essa música, portanto, quase que você não gravava, né? E teve uma que você não gravou e também fez um sucesso e virou também um clássico, que, coincidentemente, é do Paulo Vansolini, que é a "Volta por cima". A você foi oferecida essa música, pela primeira vez... Não?

Inezita Barroso: Eu não me lembro que tivesse sido oferecida a mim. São detalhes que a gente não se lembra.

Moraes Sarmento: A letra não cabia na interpretação de mulher. Não era para mulher.

Inezita Barroso: É, não era, mesmo...

Assis Ângelo: Era um samba, também.

Inezita Barroso: Não estava gravando na época...

Moraes Sarmento: Quem criou esse samba foi o Noite Ilustrada [Mário de Souza Marques Filho (1928-2003), cantor, compositor e violonista mineiro] em 1963.

Inezita Barroso: Muito bem!

Moraes Sarmento: O maior sucesso do Noite Ilustrada até hoje. 63.

Renato Andrade: Ô Inezita, eu lembro aqui de perguntar: Eu noto que, na minha região, cada cidade tem uma folia de reis, ali é uma coisa, ali é outra. Inclusive em literatura: Guimarães Rosa [(1908-1967), considerado o maior escritor brasileiro do século XX] fez em Sagarana. Mas é regional, é coisa dali. Se você fizer uma pergunta de folclore no país, você fica louco.

Inezita Barroso: Fica.

Renato Andrade: Porque o folclore vai desde Vitalina[?] até o Brejão [em Pernambuco], você fica doido.

Inezita Barroso: E da folia de reis tem muita coisa, dentro...

Renato Andrade: Reisados e congados... [ambos são conjuntos de danças dramáticas e folguedos; o reisado é realizado durante o Natal; os congados, também em outras datas religiosas e originam-se de elementos africanos e ibéricos]

Inezita Barroso: Jeito de tocar a viola...

Renato Andrade: Jeito de tocar a viola...

Inezita Barroso: Uma porção de coisas.

Renato Andrade: Você veja no Nordeste. No Nordeste, a propósito, a viola não é usada para solo, não é?

Inezita Barroso: Não.

Renato Andrade: É usada para acompanhar os repentistas [repente: estilo musical nordestino caracterizado por um diálogo em versos improvisados na hora], que [César] Guerra-Peixe [(1914-1993), compositor, maestro e musicólogo; incluía elementos folclóricos nas suas composições eruditas] chamava de uma "réplica do jogral".

Assis Ângelo: Pois é, e é medieval, isso.

Renato Andrade: É.

Assis Ângelo: Do tempo antigo.

Inezita Barroso: Agora, esses repentistas, eu conheci muitos no interior de Pernambuco, eles eram verdadeiros gênios.

Assis Ângelo: São, né...

Inezita Barroso: São.

Assis Ângelo: O Cego Aderaldo [Aderaldo Ferreira de Araújo (1878-1967), cearense] é inesquecível.

Inezita Barroso: Cego Aderaldo...

Renato Andrade: [fala junto com os outros] ...inspirou muito no Cego Aderaldo.

[Vários falam ao mesmo tempo]

Renato Andrade: Guerra-Peixe...

Inezita Barroso: Então, tinha gente que me chamava para ver a mulher paulista - a "mulé paulista". Pegava meu violão lá e tocava para eles e tal. Aí, não sei que cidadão lá, isso numa cidade minúscula, falou: "Canta, canta alguma coisa de Noel Rosa". E eu cantei uma música que foi pouquíssimo gravada do Noel Rosa, que se chama "Nuvem que passou".

Zuza Homem de Melo: É lindo, Francisco Alves [(1898-1952), compositor e um dos maiores cantores populares brasileiros]

Inezita Barroso: Não é lindo? Pouquíssimo regravada.

Zuza Homem de Melo: Lindíssima, essa música, lindíssima.

Inezita Barroso: A música, maravilhosa. No fim, ele diz assim: [cantando] "O amor é um pecado e quem não ama é pecador." Eu estava: "O amor é um pecado..." e o cidadão pulou por cima da mesa: [cantando gritando] "E quem não ama é um pecador!!!". [risos] Ele nunca tinha ouvido a música e eu achei sensacional, aquilo apareceu assim, de repente.

Assis Ângelo: E não era repentista...

Inezita Barroso: Era, era repentista.

Renato Andrade: Nós estamos falando em repentista... Lá em Ipanema, tinha dois lá batendo viola e cantando. Tom Jobim [(1927-1994), um dos fundadores da bossa-nova e um dos maiores compositores populares brasileiros, autor de "Garota de Ipanema"] entrou no meio com a flautinha - "fififi..." - e ele [um dos repentistas] falou: "Se o senhor fosse afinado, o senhor vinha com nóis!" [risos]

Inezita Barroso: Ótimo!

Zuza Homem de Melo: Inezita, como é o seu dia-a-dia? Outro dia você estava me contando que você dá aulas e tal. E tem um... Enfim, valeria a pena você contar todas as suas atividades, ou pelo menos as principais.

Inezita Barroso: É uma loucura, realmente é uma loucura.

Zuza Homem de Melo: Eu fiquei impressionado.

Inezita Barroso: Eu só não tenho tempo para viver, o resto está tudo por aí. Não, não, segunda eu gravo rádio de manhã, dois programas, de duas horas cada um. Depois, à tardezinha, eu tenho o coral da faculdade, que estou formando, já. Está bem bonzinho, já estão cantando em três vozes, está chique à beça. Depois, na terça, eu tenho rádio outra vez de manhã e tenho faculdade à noite - e aí é aula levada a sério e tal até às onze da noite.

Zuza Homem de Melo: Você dá aula para onde?

Inezita Barroso: Aula de folclore brasileiro no turismo. E quarta-feira é o dia de gravar a TV. Então, é aquele negócio de embonecar, pentear cabelo, fazer maquiagem, escolher a roupa; aí, eu vou para lá às duas horas e fico até a hora que Deus quiser, acabar de gravar e tal. E, na quinta-feira, agora a gente tem gravado duas vezes por semana e na outra não tem. É a mesma dança, só que, aí, é de manhã e tem dois programas de rádio para gravar. E por aí vai. E sexta-feira eu vou para o interior, tem show, tem palestras, muitas patrocinadas pela Secretaria de Cultura.

Zuza Homem de Melo: Você faz muitos shows?

Inezita Barroso: Muito, muito. Shows e aulas, série de aulas, 25 horas de aula e você fala, fala, fala... E vou fazer este ano muito, já está tratado.

Zuza Homem de Melo: Já está programado?

Inezita Barroso: Já está programado.

Matinas Suzuki: Inezita, Míriam Nascimento pergunta se você exerceu a função de bibliotecária.

Inezita Barroso: [risos] Eu fui uma bibliotecária muito malandra, porque todo o estágio do curso - a USP funcionava na Praça da República; filosofia, no terceiro andar, e tinha uma biblioteca sensacional - e eu passei todo o estágio [assim]: chegava lá adiantada, batia fichinha na máquina que nem louca e ia ler tudo aquilo que eu não tinha em casa, que era o [escritor e pesquisador de folclore] Mário de Andrade [1893-1945], todo esse pessoal. Eu lia o dia inteiro e aprendi muito. E, aí, aprendi a gostar de muita gente que eu não conhecia. Depois, eu trabalhei um mês só como bibliotecária. Achei horrível, porque, você ficar trancado sem querer num lugar, para mim não dá, eu adoro sol, praia, ar livre.

Matinas Suzuki: E a Geysa Maria Pavan de [inaudível] pergunta se alguma das suas netas tem tendência a continuar sua carreira.

Inezita Barroso: Por enquanto eu não senti. Eu gostaria muito e quis que a mais velha aprendesse piano, mas não queria, queria arquitetura e está se formando em arquitetura. Na segunda, também dei uma forçadinha, dei um violão de presente, mas o violão [ficou] rolando lá às traças; está estudando medicina, está no segundo ano de medicina. E a terceira, eu ainda não dei o bote nesta...

Matinas Suzuki: Não?

Inezita Barroso: Não. Esta, pode ser que aceite, porque ela quer estudar direito, gosta de poesia, gosta de ler. De repente, pega no breu.

Matinas Suzuki: Moraes Sarmento, por favor.

Moraes Sarmento: Inezita, uma pergunta talvez até tola, mas, já que você leciona em várias faculdades [sobre] folclore, naturalmente você deve ter uma classe constituída de tantas e tantas jovens, - portanto, jovens. Como é o comportamento desse pessoal no decorrer da aula que você dá?

Inezita Barroso: A primeira aula é uma tragédia, porque elas querem entender como é que uma artista é uma professora de faculdade. Aí, elas ficam assim meio bobas, meio apavoradas. Mas daí, na segunda aula, já vai maneirando; na terceira; e daí eu arrebanho a classe toda para uma pesquisa e, aí, vira folia. Aí, elas amam. Agora, em maio, nós temos a Festa de Santa Cruz, tradicional, em Carapicuíba. Então, elas se dividem em vários carros, elas e eles, e vai todo mundo para Carapicuíba. Dançam a dança de Santa Cruz e eu exijo trabalho de tudo isso, fotografam, uma beleza. No fim do ano, está todo mundo amando a matéria.

Moraes Sarmento: Que bom!

Assis Ângelo: Inezita, você não tem nenhuma música de sua autoria. Você gravou muita coisa com muita gente, tem gravado e continua gravando; se Deus quiser, vai continuar durante cinqüenta mil anos ainda. Mas você nunca compôs nada, não é isso?

Inezita Barroso: Para quê? Tem tanta coisa linda! Tanta coisa linda no folclore para a gente cantar e ainda faltam tantos para gravar e cantar!

Assis Ângelo: Você é como a Elis Regina [(1945-1982), uma das maiores cantoras populares brasileiras], aliás: vocês duas nunca compuseram nada, mas o que gravaram de coisa dos outros...!

Inezita Barroso: Mas é ótimo! É ótimo, dos outros.

Assis Ângelo: Ou seja, você é cantora, mesmo!

Inezita Barroso: Cantora, mesmo.

Renato Andrade: Não sei se você sabe, judeu não compõe, não, ele toca o que o outro compôs. O Raves, ele fala: "Eu não! Não vou arrumar trabalho com isso, não!"

Assis Ângelo: Dá trabalho, né?

Inezita Barroso: Eu gostaria de gravar, sim, alguma coisa bonita que está por aí - dos outros - e gostaria que a RGE me desse essa chance novamente, através do Pelão, né, que fez uma força danada e conseguiu. Fazia muitos anos que não gravava, mas achei uma beleza a atitude dele e da RGE, também.

Assis Ângelo: Artisticamente, você conseguiu, até hoje, já realizar todos os seus projetos, sonhos, vontades? Alguma coisa que você deixou de fazer na música, por exemplo, conhecer algum... ou cantar junto com alguém, com Tom Zé, por exemplo...

Tom Zé: Ô, querido, já que você falou o meu nome, eu queria entrar numa pergunta dele.

Inezita Barroso: Vamos fazer uma dupla, Tom Zé?

Tom Zé: Tá certo! [colocando as mãos em forma de prece e olhando para cima] Ô, meu Jesus, já pensou, eu chegando em Irará [cidade natal de Tom Zé, na Bahia] dizendo: "Cantei com Inezita Barroso!" Ah, minha filha, aí eu vou ser nome de rua. Mas veja, Inezita, ele estava perguntando se você tinha realizado um sonho e alguma coisa nessa direção. Aí, eu emendo e boto a minha pergunta no seu carro de boi. E pergunto assim: se sua mãe e seus avós, a família Ayres...

Inezita Barroso: Aranha e Ayres.

Tom Zé: Isso, [lendo num papel] Almeida e Ayres de Lima e tal. Se eles hoje voltassem a protestar com você de você tomar essa carreira - ou melhor, você diria a eles o quê sobre o tempo em que eles protestavam por você entrar nessa carreira?

Inezita Barroso: “Vocês não sabiam o que estavam perdendo!” [risos] Não, no final, eles já aderiram a tudo. O meu pai amava. Só que ele chorava muito, ele era muito emotivo; então, ele ia assistir e acabava chorando. Minha mãe também, só que a família da minha mãe não tinha jeito: aprenderam de tudo, bandolim, harpa, piano, violino, bandola, um monte de coisa, e ninguém tocou e ninguém cantou. E eu aprendi a cantar e a tocar, música urbana, principalmente, escondida atrás de um sofá, enquanto a minha tia madrinha tomava aulas de violão, seriíssimo, por música. Porque tinha que ser por música - de ouvido, era profissão de vagabundo. Aí, ela largava o violão lá, não estudava e eu chegava lá e tocava tudo, por cima de violão [fazendo gesto de quem se debruça por cima de um violão, maneira considerada errada de tocar]. Um dia, me pegaram e não deu outra.

Moraes Sarmento: Você começou a tocar violão com que idade?

Inezita Barroso: Sete anos.

Moraes Sarmento: Com sete anos você tocava violão?

Inezita Barroso: É. E viola, escondida na fazenda, porque menina não tocava viola.

Moraes Sarmento: E piano?

Inezita Barroso: Piano, com nove. Comecei com nove, fiz três cursos de piano. Não foi inútil, porque eu faço os arranjos com música e depois eu passo para o violão de ouvido.

Zuza Homem de Melo: E os sonhos não realizados de que o Assis falou?

Inezita Barroso: Ah, os sonhos. Eu não sou de sonhar muito, não. Eu já sonhei muito tempo atrás. Numa ocasião, esteve aqui um conjunto de dança e de canto, uma coisa linda, italiano, folclórico, chamava-se Carosello Napolitano.

Zuza Homem de Melo: Eu me lembro disso.

Inezita Barroso: Não é do seu tempo... [risos]

Zuza Homem de Melo: Já ouvi falar disso.

Inezita Barroso: Olha, foi um sucesso, foi uma coisa brutal no Teatro Municipal. Eu fui todas as noites. E o meu sonho dourado era fazer uma coisa dessa com as danças e músicas brasileiras. Mas nunca consegui.

Assis Ângelo: Como o Moraes tomou iniciativa de lhe fazer uma pergunta indiscreta, perguntar a sua idade...

Moraes Sarmento: Não, não perguntei, não... Eu falei aquela hora...

Assis Ângelo: Sutilmente, né...

Inezita Barroso: Quê, gente, a Folha publica todo dia. [risos] E certo!

Moraes Sarmento: Naquela hora, quando eu disse: "Mostra os dedinhos", não era para ela dizer a idade dela.

Assis Ângelo: Bom, então, pegando esse carro de boi aí, montando em cima dele, você separou-se do seu marido porque ele não queria que você fosse artista, que optasse por seguir a carreira de artista?

Inezita Barroso: Não, foi o contrário! Foi o contrário!

Moraes Sarmento: Essa é pior...!

Inezita Barroso: Eu só comecei a cantar e tocar profissionalmente por causa dele. Depois de casada.

Assis Ângelo: Está vendo como dizem besteira por aí? Só para esclarecer...

Inezita Barroso: Não, ele apoiou muitíssimo, muitíssimo. Era uma família cearense, de Fortaleza, e muitos músicos na família, muita gente interessada. E, aí, eu levei um susto, porque... Ceará e Pernambuco, quando eu vi que você podia trabalhar em teatro, cantar em rádio, eu falei: "Ai, pode, que beleza!" Aí, comecei a cantar profissionalmente, coisa que aqui foi difícil de a família aceitar. Mas, como eu estava casada, não tinha que dar satisfação.

Assis Ângelo: Nunca ninguém te impôs nada, na verdade? Seja artisticamente, tipo gravadora, nenhuma gravadora impôs: "Eu quero que você grave isso..." "Não quero e não gravo", nunca você abriu nenhuma concessão?

Inezita Barroso: Nunca.

Moraes Sarmento: Fora Hervé Cordovil com o "Lampião de gás".

Inezita Barroso: É, mas tinha que acabar o disco e era interesse nosso, pelo amor de Deus...!

Moraes Sarmento: Aliás, bendita hora em que você gravou "Lampião de gás". Você é a única cantora que tem direito de interpretar essa valsa. A única!

Assis Ângelo: Aliás, essa música foi gravada em japonês em disco de 78 rotações, não foi?

Inezita Barroso: Foi. Em japonês.

Assis Ângelo: Pelo menos isso aí, você conhece, né? O seu disco, você não conhece... [risos]

Inezita Barroso: É, mas essas coisas são ótimas, são passagens muito boas da vida da gente.

Assis Ângelo: E Luiz Gonzaga, Inezita? Você teve uma vivência também muito boa com ele, vocês cantaram juntos...

Inezita Barroso: Cantamos juntos, fizemos duas, três vezes o Teatro das Seis e Meia no Rio. Uma coisa de louco! De louco! Porque são dois extremos e o pessoal queria ver como é que funcionava. Norte e Sul no palco, assim. Numa das vezes, o Gonzaguinha [Luís Gonzaga Júnior (1945-1991), compositor e cantor, filho de Luiz Gonzaga] entrou também e cantou umas duas ou três músicas com ele. Na outra vez, foi com a Banda de Pífanos [de Caruaru, grupo de tocadores de pífano, espécie de flauta doce rústica, que toca música tradicional nordestina].

Assis Ângelo: Ele era realmente muito grande, né, Inezita... Inclusive, eu estive agora lá em Assaré, no Ceará, estive conversando com Patativa [do Assaré, Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002), poeta e um dos maiores repentistas brasileiros], e a primeira coisa que o Patativa me disse, quando cheguei e entrei na casa dele e fui conversar, a primeira coisa: "Assis, como era grande o Luiz Gonzaga, né, e nem sabiam, e olha o tamanho da grandeza."

Matinas Suzuki: Por falar em Patativa, o Sérgio Ribeiro, do Crato, pergunta o que você acha do Patativa do Assaré.

Inezita Barroso: Amo de paixão. Amo de paixão. Acho grande, grande poeta popular, uma pessoa maravilhosa. Eu tive oportunidade de entrevistá-lo por três vezes, ele esteve São Paulo. O Assis está fazendo um trabalho sobre isso.

Assis Ângelo: Patativa do Assaré, o poeta do povo, esse é um livrão.

Inezita Barroso: Deve mesmo, vai ser uma beleza.

Matinas Suzuki: Eu vou aproveitar, olha, fui reunindo um monte de perguntas aqui sobre o que você acha de fulano e cicrano, vamos fazer um... Está bom?

Inezita Barroso: Está bom!

Inezita Barroso: O Márcio, de Santo André, pergunta qual o papel de Tonico e Tinoco na música sertaneja.

Inezita Barroso: Ah, já falei, foram os pioneiros, maravilhosos, imortais.

Matinas Suzuki: O Jurandir Seraglim: que você falasse "dos meus maiores ídolos", parará... de José Fortuna [(1923-1983), cantor e compositor de música caipira, ator e autor teatral] e Goiás [Gerson Coutinho da Silva (1935-1980), compositor e cantor de música caipira e radialista mineiro; formou dupla sertaneja com Miguelinho; os dois foram os primeiros artistas de Goiás a gravar discos (ele mudou-se para Goiás aos 20 anos)].

Inezita Barroso: Excelentes, excelentes, o José Fortuna foi um grande poeta, também.

Matinas Suzuki: O José Carlos Matias, da Bela Vista, diz que vê seu programas e tal, e pergunta por que você nunca citou o Elomar [Figueira de Melo, cantor, compositor e violeiro baiano, conhecido por resgatar nas suas músicas os estilos musicais e o falar tradicional do sertanejo].

Inezita Barroso: Não sou eu que não cito, a gente cita. Agora, o Elomar vive numa concha, ele é um caramujo. Você diz: "Vem aqui!" e ele põe a cabecinha de fora e volta pra dentro. Ele não vem. Ele esteve aqui no teatro, no Sesc Pompéia; a gente fez o diabo para levar pro Viola e tudo, mas não conseguiu.

Matinas Suzuki: O Osvaldo Machado, de Belo Horizonte, pergunta: "Em que gênero você encaixaria Rolando Boldrin?"

Inezita Barroso: É, é...  caipira. Caipira.

Matinas Suzuki: A Neide Matsumoto, aqui de São Paulo: se você conhece o Antônio Nóbrega [cantor e dançarino, trabalha sobre os gêneros tradicionais nordestinos com composições próprias e de outras pessoas, muitas vezes com interpretações cênicas - ver entrevista com Nóbrega no Roda Viva] e o que você acha do trabalho dele?

Inezita Barroso: Eu vi o Antônio Nóbrega na entrega do Prêmio Sharp, gostei muito.

Matinas Suzuki: O Luís Pereira, do Parque Anhanguera: o que você acha do José Fortuna e o que você achou, também, da dupla Chitãozinho e Xororó [José Lima Sobrinho e Durval de Lima, dupla sertaneja, começou cantando música de raiz e depois passaram à vertente mais urbanizada das grandes gravadoras] ter gravado as músicas dele?

Inezita Barroso: Olha, Chitãozinho e Xororó, quando tinham dez, onze anos de idade, eram excelentes, gravavam só isso. Não tinham tremedeira e não tinha nada. Eram ótimos, eu fui muito fã deles, de "Fogão de lenha" e de outros sucessos deles. Muito bonito.

Matinas Suzuki: O Urupécio Bezerra, de Recife: "Qual a influência do Waldemar Henrique [(1905-1995), compositor paraense; suas canções resgatavam gêneros tradicionais amazônicos; autor de "Uirapuru", interpretada por Zizi Possi em 1993] na sua música?"

Inezita Barroso: Ah, esse é outro deus para mim, ao lado de Hekel Tavares, dois deuses da música folclórica adaptada, dos temas folclóricos adaptados. Muito bons, muitos bons, cada um no seu gênero.

Matinas Suzuki: O Vagner Bossi pergunta se você acha que o sucesso da Helena Meirelles pode estimular as gravadoras a investirem em artistas regionais? [Helena Meirelles (1924-2005), cantora, violeira e compositora tradicional sul-mato-grossense, foi conhecida por suas guarânias, pela seu toque de viola e pelos "causos" que costumava contar em suas apresentações; foi descoberta com mais de 60 anos, tendo sido apresentada pela própria Inezita Barroso, e começou a fazer grande sucesso nacional aos 70]

Inezita Barroso: Acho. Também é uma coisa muito séria, Helena Meireles, muito séria, muito pura, muito espontânea, toca um estilo de viola que é tocado só naquela região, onde ela é mestra. É um tipo de viola que... Não se pode comparar estilos, é uma coisa muito difícil, muito... Você dizer que um toca com palheta, "está errado", outros tocam com os dedos... Não é errado, é o jeito da região, e acho que ela executa isso com maestria. 

Matinas Suzuki: O Jeferson Barroso, ele faz uma pergunta aqui que é a seguinte: "Em que álbum que você interpreta a canção ‘Serra da Mantiqueira’? Porque eu preciso achar muito esse disco."

Inezita Barroso: Olha, acho que eu vou cantar qualquer hora no Viola, minha viola e ele grava, porque esse disco está esgotado há muito tempo. Chamava-se Eu me agarro na viola, é um disco da década de 50. 59, por aí.

Matinas Suzuki: Falando nisso, você está fazendo algum trabalho para pegar seus velhos discos e passar tudo para CD e esse tipo de coisa, para quem não... No caso do nosso amigo, que não tem como...?

Inezita Barroso: Posso ser indiscreta?

Matinas Suzuki: Pode.

Inezita Barroso: Estão fazendo por mim. Só que a escolha do repertório não é minha. Então, outro dia, eu estava passando na rua e tinha uma loja de discos; e olhei e falei: "Nossa, que moça parecida com a minha filha!" E fui chegando perto e era eu! Faz uns 20 anos que eu tirei aquela foto. "Ué, CD? Não gravei CD nenhum..." E olhei o repertório e estava tudo lá. O mais interessante é que já saíram uns quatro nessa base e não recebi um tostão por isso. Salvando a RGE, [da qual] estou recebendo direitinho; pretendo ficar lá.

Matinas Suzuki: Está certo. O José Zantarello, de Osasco, faz uma pergunta... "Por que a maioria das letras das músicas sertanejas são tão tristes?"

Inezita Barroso: Porque o sertanejo é um triste. É um triste há muitos séculos. As músicas são recatadas, tristes, são fatos autênticos, verídicos e acontecidos na região. Porque eram um tipo de jogral ambulante, os primeiros sertanejos. Então, pegava a viola, pendurava no arreio do cavalo e ia embora, nômade. Parava numa aldeinha e ele cantava um fato acontecido na região dele, e aquilo juntava gente... Era sempre um fato triste, porque alegre, mesmo, não acontecia nada, a não ser as danças, que são jocosas, são alegres, são rápidas. Mas era sempre uma tragédia, um caso de ciúme, uma moça que tomou veneno porque os pais não queriam deixar casar com aquele rapaz... São todas assim, trágicas. E a melodia já se adapta do mesmo jeito, porque elas são muito suaves; [é] quase pobre, a melodia da moda de viola, para dar chance da letra ressaltar, dele contar cantando o que ele quer contar.

Matinas Suzuki: Inezita, nós chegamos ao final do nosso programa, infelizmente. Eu queria te agradecer muito a sua presença hoje à noite aqui no Roda Viva e queria dizer que eu recebi, aqui, dezenas de manifestações através de fax, da internet e de telefonemas de pessoas congratulando você e parabenizando pela entrevista e por seu trabalho. Então, eu não pude ler todas as manifestações enviadas, mas todas serão entregues para a Inezita, está bom? Gostaria de agradecer a nossa bancada de entrevistadores, agradecer a presença do Moraes Sarmento aqui no nosso programa, agradecer a sua atenção e lembrar que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira às dez e meia da noite. Até lá! uma boa semana para todos e uma boa noite!

Inezita Barroso: Quero me despedir convidando todo mundo para comparecer ao Teatro do Sesc Pompéia. Dia 13, 14 e 15, estarei lançando este CD mais novo, Caipira de fato. Aqui no Sesc Pompéia.

Matinas Suzuki: Então todo mundo no show da Inezita...

Inezita Barroso: Dias 13, 14 e 15 de março.

Matinas Suzuki: E uma boa noite para todos!

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