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Memória Roda Viva

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Hebe Camargo

17/8/1987

Hebe distribui críticas a políticos e críticos culturais, elogia amigos, agradece os fãs e fala da vida e da família numa amostra do estilo que faz sucesso há décadas na televisão brasileira

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Augusto Mendes: Está começando agora mais um programa Roda Viva apresentado pela TV Cultura de São Paulo. [Programa transmitido ao vivo] Nossa entrevistada de hoje é muito conhecida de todos vocês, trata-se da apresentadora de TV Hebe Camargo, do Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT. O sucesso de Hebe Camargo não é novidade, já faz muitos anos que milhões de brasileiros conhecem e aplaudem essa mulher de gargalhadas imensas, sorrisos largos, comentários francos e uma simpatia irresistível. Mas, nos últimos tempos, Hebe Camargo parece decididamente na moda: deu entrevista de página inteira para o jornal Folha de S. Paulo, outras para as Páginas Amarelas da revista Veja, é o tema da reportagem de capa da revista Afinal, que está nas bancas, e seu programa na TVS [como era chamado o SBT antes de 1987] tem batido em audiência nas últimas semanas a TV Globo. Para saber por que isso está acontecendo e para conhecer melhor este mito da televisão brasileira, nós convidamos Hebe a colocar-se no centro de uma roda viva formada pelos seguintes jornalistas: Sonia Goldfeder, da revista IstoÉ; Boris Casoy, da Folha de S. Paulo; Giba Um, colunista da Folha da Tarde; Ruy Castro; Ricardo Kotscho, do Jornal do Brasil; José Roberto Paladino, da revista Afinal, Otávio Mesquita, da TV Manchete, apresentador do programa Perfil; e Leão Lobo, colunista de TV da Folha da Tarde. Como sempre, alguns momentos deste programa serão registrados pelo traço do cartunista Paulo Caruso. Hebe Camargo, por que você acha que neste momento você está tão na moda?

Hebe Camargo: [Risos] Bom, se a voz sair... [risos] pela emoção de estar num programa tão sério, tão importante – eu, inclusive, queria pedir desculpa pela voz muito rouca. Eu não sei. Eu não sei nem responder, porque de repente eu fui muito procurada por essas revistas todas, não é? E eu disse: “Será que alguém falou que eu ia morrer?” [Risos] Será que alguém disse que eu estou com uma doença muito grave? E, de repente, todo mundo está querendo me prestar homenagem ou ficar com um arquivo ou alguma coisa arquivada a meu respeito, porque me parecia realmente uma coisa assim de sonho, não é? De repente, todos os jornais, revistas, e de repente eu aqui no Roda Viva, que é um programa que eu assisto. Não sei... eu fiquei rouca inclusive, porque tive que dar...

Augusto Mendes
: Muita entrevista?

Hebe Camargo: Entrevistas de coisas que eu não fiz, apenas porque eu estava no local onde aconteceu um fato lamentável, mas em vez de sair o nome das pessoas que foram os protagonistas, saiu o meu nome no jornal, então eu fui a pessoa que todo mundo procurou. Eu não sei explicar para você, Augusto, nem para você telespectador, se eu estou na moda. Se eu estou, eu me sinto realmente muito feliz de estar; se eu estou sendo procurada porque vou morrer [risos], eu posso dizer que morro em paz comigo mesma, porque morro num momento em que eu estou de bem com a vida. Eu acho que se a gente morrer de bem com a vida, deve ser uma coisa muito boa, a gente deve ter entrada lá - ou no céu ou não sei aonde - melhor em paz, não é? Eu estou em paz comigo mesma. Se eu for morrer, vocês guardem, inclusive, o tape, porque não é todo mundo que tem, não! [Risos]

Augusto Mendes
: Hebe, eu acho que você está sendo tão entrevistada porque está mais viva do que nunca, é exatamente por isso. Agora, inclusive queria lembrar aos telespectadores, que depois falaremos desse incidente ao qual se referiu a Hebe, que nos deixou a todos certamente muito curiosos. Mas antes disso, Hebe, eu queria te perguntar o seguinte: você disse, numas dessas várias entrevistas concedidas recentemente, que sua carreira é composta de fases freqüentemente muito diferentes entre si. Esta sua fase atual se caracterizaria por qual traço? Você tem sido muito comentada, o seu programa na TVS tem sido muito comentado, porque você aborda assuntos incluídos entre os velhos tabus na sociedade brasileira: temas como homossexualismo, aids, tudo isso. Você tem feito comentários, como sempre muito francos e, eventualmente, muito duros, sobre a situação econômica política, brasileira. Você acha que essas mudanças na tua postura como apresentadora de TV é que provocaram mais essa onda em torno de Hebe Camargo?

Hebe Camargo
: Eu acredito que sim, porque eu sempre fui uma pessoa que tive muito contato com povo, não é? Nos bairros... Os meus programas, antigamente, eram feitos nos bairros, eu fiz muitos shows em todo o Brasil, então, sempre tive muito contato com o povo. Então, eu sou uma pessoa que participei sempre muito diretamente da situação de dificuldade do brasileiro. Mas, a mim, me pareceu que, ultimamente, a coisa vem se agravando. E eu sou muito cobrada justamente por isso, porque, antigamente, eu fazia um programa meio assim, mais no oba-oba: “Que bonito, gostoso, tudo azul, cor-de-rosa”, na base do show, [para] saber mais da vida do artista. Era um tabu falar que o artista era casado! Imagine se público soubesse que Roberto Carlos era casado! Nossa senhora, o mundo vinha abaixo! Então, o meu programa antigamente era assim, era mais sobre a vida do artista. De repente, eu comecei a ver e a sentir, até na minha própria correspondência, que os pedidos que chegavam a mim já não eram os mesmos que chegavam quando eu fazia os shows, quando era uma coisa muito alegre, muito gostosa até de ver em casa. Que os problemas estavam sendo muito graves, eram chefes de família que estavam pedindo pelo amor de Deus... Porque o telespectador tem uma imagem da gente muito engraçada, eles acham, por exemplo, que se eu entrevisto um governador, ou um ministro ou um deputado, que a gente tem um contato permanente com essas personalidades. Eu não tenho, eu não tenho nem contato permanente com o dono da emissora na qual eu trabalho, que é o Sílvio Santos.

Boris Casoy
: Hebe, Hebe...

Hebe Camargo: Diga, Boris.

Boris Casoy: Essas posições que você tem assumido... [sendo interrompido]

Hebe Camargo: Em primeiro lugar, eu sou católica! [Risos]

Boris Casoy: E acredita em Deus! [Riso] Hebe, essas posições que você tem assumido ao longo da sua carreira, posições corajosas, algumas afirmações que têm chocado os políticos mais ortodoxos, não têm custado a você pressões - não esse tipo de pressão direta, [de] que você pode ser pessoalmente cobrada -, mas pressão através dos donos das emissoras, dos diretores de programas? Eu acredito que os políticos que sofrem alguns ataques de pessoas que vão ao seu programa, eles reagem. Eu gostaria que você contasse aos telespectadores algumas dessas pressões. Eu não acredito que elas não tenham existido.

Hebe Camargo: Eu sempre tive por norma não mentir, nem para o meu telespectador, muito menos para você, Boris, e para vocês. Eu sempre uso e sempre usei a verdade. Talvez, esse até, Nunes, seja o fator de eu estar em evidência até agora, porque o público vai conhecendo a gente e vai sabendo que a gente não tem coragem... eu não tenho coragem, por exemplo, de mentir para o meu público. Se eu disser para vocês que no Sistema Brasileiro de Televisão eu sofri nesse um ano e meio que eu estou lá alguma espécie de pressão pelas atitudes que todo mundo disse que são corajosas... Mas a mim não me parece que sejam corajosas, são sinceras. Eu acho que são atitudes que eu tomo que acho que uma dona de casa comum, se tivesse o veículo que eu tenho, ela diria a mesma coisa que eu digo. Porque eu não digo como política, porque não sou. Eu não digo postulando nenhum cargo político que jamais serei e jamais aceitaria. Eu digo como uma mulher comum, uma mulher que ouve, em qualquer canto que eu vou, a dona de casa, a mãe de família reclamando. Então, nunca sofri esse tipo de pressão da emissora, mas eu sofri, sim, pressão lá do [Palácio do] Planalto. E eu não posso mentir, não posso chegar aqui na TV Cultura e dizer: “Não, nada! Foi tudo bonitinho, bacaninha”.

Boris Casoy: Neste governo, Hebe?

Hebe Camargo: Neste governo. Num programa que, aliás, o Giba estava presente. Nós estávamos falando justamente sobre os constituintes, e eu cheguei num momento e disse: “Eu gostaria muito que os constituintes se preocupassem com a situação dos aposentados”, que é muito triste. Os aposentados ganham uma aposentaria que realmente não sei, eles são verdadeiramente milagrosos. E o Giba usou um termo não àqueles que estão lá agora, mas aos que saíram e que, antes de sair, se preocuparam em fazer com que a aposentaria deles fosse gorda, tão gorda quanto desses que estão sendo falados agora, que estão sendo chamados de marajás e que têm realmente salários fantásticos.

Augusto Mendes
: Quais foram os termos que o Giba usou?

Giba Um: Eu me lembro que era “esses...”

Augusto Mendes: Ou você prefere nem lembrar? [Risos]

Giba Um: Não, eu lembro, imagina. “Esses relapsos, esses...” - eu não me lembro, Hebe – “... que estão saindo, que tiveram...”.

Hebe Camargo
: “Que se preocuparam...”. Mas não foi “se preocupar”, porque eles também não iriam se preocupar com isso...

Giba Um: Não, usei umas coisas mais pesadas.

Augusto Mendes
: Mas como foi essa pressão Hebe? Alguém te ligou? Como é que funciona isso?

Giba Um: É isso que eu ia perguntar!
 
Hebe Camargo
: Não, foi o seguinte! Nada! Eu falei: “Olha, eu acho que eles deveriam se preocupar realmente com os aposentados, mas eu acho que eles não estão preocupados nem com a nova Constituição e muito menos com a população”. O que eu falei foi isso. “Eles estão é preocupados em eleições”, porque realmente eu só ouço falar em eleição, eu não ouço falar em mais nada, eu não ouço falar em salários, em emprego...

Giba Um: Você acredita que façam uma boa Constituinte, uma boa Carta Magna nova?

Hebe Camargo: Eu não entendo, eu espero que façam. Para isso eles foram eleitos pelo povo. Eu não sei, não entendo nada!

Augusto Mendes: Hebe, a propósito, a...

Hebe Camargo: Mas espera, deixa só eu terminar!

Augusto Mendes
: Por favor.

Hebe Camargo: Isso é muito importante que fique bem claro.

Augusto Mendes
: Por favor.

Hebe Camargo
: No dia seguinte, eu recebi um telefonema de Brasília, de um colega jornalista, dizendo: “Hebe, você sabia que você vai ser processada pelo doutor Ulysses Guimarães”? Eu falei: “Eu? O que eu fiz?”.

Leão Lobo
: Hebe, foi um colega jornalista, você disse?

Hebe Camargo: Um colega jornalista.

Leão Lobo: Quem é? Você pode dizer?

Hebe Camargo: Posso falar, é o Alexandre Garcia que mora em Brasília. Aí eu disse: “Mas, por quê? O que eu fiz?”. “Ah, porque foram dizer para ele que você o chamou de pilantra no seu programa”. Eu falei: “Olha, isso não pode, não procede porque isso não faz parte do meu vocabulário. Eu não chamaria! Mesmo que fosse eu não chamaria!”. Porque também não sou tão ignorante como as pessoas, como algumas pessoas, imaginam que eu seja. Eu jamais chamaria o doutor Ulysses de pilantra, e nem citei o nome do doutor Ulysses. Mas eu soube que uma senhora deputada constituinte foi no ouvido dele dizer que tinha que processar porque era um absurdo eu falar sobre os constituintes da maneira como eu falei, que eu estava denegrindo o Congresso. Aí, eu fiquei realmente surpresa, porque eu disse: “Como eu estou denegrindo, se eu estou apenas falando uma coisa em favor de uma população que sequer foi lembrada durante a campanha eleitoral?”. Os aposentados não foram lembrados, certo? Os candidatos não se lembraram de falar.

Ricardo Kotscho: Eu queria voltar um pouco à pergunta anterior...

Augusto Mendes
: Ricardo, só aproveitar, antes da sua pergunta, e depois Ruy Castro, que também estava querendo falar, e o Otávio. Tem uma pergunta de uma telespectadora que se prende ao tema, a Regina Vanilda Rodrigues, de Santo Amaro. [Ela] pergunta o que você está achando do governo Sarney. Você poderia resumir sua opinião sobre o governo atual.

Hebe Camargo
: Eu acho que o governo do presidente Sarney está muito tumultuado, eu acho que ele não... Eu não sei, eu vejo que ele não tem assim, autoridade. De vez em quando, de repente, ele pega e vem para a televisão e diz: “Brasileiros e brasileiras...”. Aí fala que agora ele vai mandar... Mas, de repente, já não é mais ele. Agora, inclusive, nem posso falar mais hoje, porque nem é ele o presidente, porque ele está no México. O presidente hoje é doutor Ulysses. Então, eu acho que realmente nós estamos muito sem... nós estamos meio órfãos. Eu, como brasileira, me sinto meio órfã, porque de repente você vai querer falar com o presidente Sarney e ele está no México, ou de repente ele está atendendo a Xuxa! [apresentadora de programa televisivo infantil] [Risos]

[Falam simultaneamente]

Hebe Camargo: Aí pára tudo, o país pára, ninguém mais trata dos problemas da população porque a Xuxa foi lá! [Risos]

José Roberto
: Só um esclarecimento! Com relação a esse programa [de] que o Giba participou, você disse que sofreu pressão do Planalto? Você falou do Palácio do Planalto?

[...]: Não, ela não falou do Planalto, região geográfica do Planalto.

Hebe Camargo: É, inclusive mandaram buscar porque meu programa é ao vivo.

José Roberto Paladino: É que eu achei estranho porque você ofendeu ou teria ofendido o Congresso!

Hebe Camargo: É, os constituintes, não é?

Augusto Mendes: Hebe só para...

Hebe Camargo: Mas não vejo ofensa em você pedir que se preocupem com aposentados.

Giba Um: Mas eles chegaram a requisitar o tape? Perdão, perdão [dirigindo-se a um dos entrevistadores que foi interrompido por sua questão]

Hebe Camargo: Eles mandaram buscar o tape, e eu soube o que doutor Ulysses falou durante quinze minutos na Hora do Brasil a meu respeito. Eu disse: “Meu Deus do céu, eu estou ficando muito importante, porque... na Hora do Brasil!...” [risos] “...quinze minutos falando a meu respeito!”. Então, vamos convir: eu acho que realmente eles não estão preocupados com os problemas do povo, porque ora bolas, falar de Hebe Camargo? Vamos falar dos problemas da população, certo? Eu realmente fiquei chocada! A palavra é esta: chocada.

Augusto Mendes
: Hebe, só para completar a roda, queria que Ruy Castro fizesse a pergunta, depois Otávio e Sonia Goldfeder. Ruy Castro.

Ruy Castro: Hebe, você, na chamada Velha República – que aliás é a atual, só que com outro nome -, você fazia também certo tipo de denúncia e teve também certos tipos de problemas?

Hebe Camargo: Eu tive um probleminha uma vez com Juca Chaves [músico e compositor famoso por seu repertório satírico e politizado, o qual lhe custou muitos problemas com a censura nos anos de 1960 e 1970. É conhecido como o "menestrel do Brasil"], e eu nem lembro o que foi porque o Juca sempre foi muito irreverente, não é? Eu nem lembro porque faz muito tempo... Eu fui chamada na censura, fui muito bem tratada e tudo, mas disseram: “Olha, não pode, porque onde é que se viu?”. “Mas não fui eu que falei!”. Aí eles disseram: “Mas você é responsável porque você, como comandante do programa, é responsável”. Eu disse: “Assumo a responsabilidade e a dos seus convidados”. O Plínio Marcos [(1935-1999) dramaturgo - ver programa Roda Viva com Plínio Marcos (1988)] também sempre ia aos meus programas nessa época de repressão, que já não são vinte, são 24 anos [risos]... E também tivemos problemas por causa do Plínio, porque o Plínio sempre foi, sempre falou tudo o que quis... O meu programa sempre foi uma tribuna, eu sempre convidei as pessoas de todas as tendências, de todos os partidos. Então, às vezes eu fico surpresa e digo: “Realmente ou eu sou muito ignorante, como alguns dizem, ou muito burra... porque, de repente, eu fico sabendo que na Globo o Lula não aparece há cinco anos! Não permitem o Lula entrar. Por que não? No meu programa o Lula vai. O Jair Meneghelli, da CUT, vai [Jair Meneghelli foi metalúrgico do ABC paulista do mesmo grupo de Lula. Foi o primeiro presidente da Central Única dos Trabalhadores - CUT -, deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores e presidente do Conselho Nacional do Sistema de Serviço Social da Indústria - Sesi no governo Lula]. Agora, eu dou é puxão de orelha nele porque não sou contra a greve, eu já fiz greve, eu já fui líder de greve, aí as pessoas diziam: “Hum, o que a Hebe está fazendo aqui na greve, ela ganha bem, tem carro bonito!” [risos]. Não entenderam que eu estava ali dando força, certo? Se eu estou bem, eu quero que todo mundo fique. Eu liderava a greve... [sendo interrompida]

Ruy Castro
: Você vai aderir à greve quinta-feira? Você vai aderir à próxima greve?

Hebe Camargo
: Não acho que seja um grande momento para fazer greve geral. Acho ridículo esse abandono aí, essa coisinha aí que não dá... 250 cruzados não dá para coisa nenhuma! Isso é enganação, como é enganação esse congelamento... Desculpa, eu não sei se vai acontecer, se eu vou sair daqui e vou direto para casa ou se... [risos]

[Falam simultaneamente]

Hebe Camargo
: Amanhã disseram que não vai ter sol, [então] não tem perigo, eu não vou ver o sol quadrado.

[Falam simultaneamente]

Augusto Mendes
: Otávio Mesquita.

Hebe Camargo: Mas eu acho que é pura enganação esse negócio de dizer que os preços estão congelados porque não estão mesmo. Não me pergunte preço de nada, porque o que eu comprei hoje, amanhã o preço vai ser outro, então eu não sei que preço é. [Referência ao Plano Cruzado]

Otávio Mesquita: Hebe, me conta uma coisa. Eu tive o prazer... [sendo interrompido]

Hebe Camargo: Espera aí porque eu não terminei de falar! [Risos] E aí o Meneguelli... Melhorei da rouquidão, vocês viram? [Risos]

[...]: Está esquentando.

Hebe Camargo: O Jair Meneguelli foi ao nosso programa e estava incitando os companheiros lá do ABC a estragar os carros, que... não sei de onde eram, da Ford, se não me engano... [fecha a boca com uma das mãos e faz expressão de susto] Pode falar Ford [ainda comprimindo os lábios com a mão]?

Augusto Mendes: Pode.

Hebe Camargo: Então, eu falei para ele: “Jair, pode fazer a greve, eu não sou contra a greve, mas não faça com que os seus companheiros vão riscar os carros, ou vão tirar peças, estragar o carro. Isso não é um bom exemplo, você está agindo mal”. Quer dizer, era como se fosse uma mãe puxando a orelha de um filho. Não é?

José Roberto Paladino: A mãezona, como você mesmo... [rindo]!

Hebe Camargo: Pois é, a mãezona que hoje está aí na capa da revista! Eu não agredi o Jair Meneguelli, eu não fui contra a greve. Eu acho que a greve tem... eles têm que ter o direito de reivindicar, é ridículo realmente o que eles ganham, o trabalho que eles fazem é muito grande. Eu não entendo muito esse negócio de empresa, mas eu acho que, o empresário, chega um momento [em] que ele pode ganhar menos, certo? Ele pode ganhar menos para pagar um pouco mais para as pessoas, por mais que o empresário vá pagar para os empregados, tem que pensar que ele já teve uma fase maravilhosa, que ganhou muito. Então, pode até dar um tempo para melhorar a vida desses empregados e entrar numa conversa: “Vamos conversar, vamos entrar num acordo”. Eu não sei por que o governo tem que interferir! Eu estou falando isso, gente, tudo como leiga, como dona de casa! Por que o governo tem que interferir e não permitir que o empresário, se ele quer dar um bom aumento, por que é proibido? Deixa o empresário dar esse aumento.

Ricardo Kotscho
: Mas, Hebe, esses problemas sempre existiram: a miséria no Brasil, problemas de salário e tudo isso. E, na época da ditadura militar, eu não lembro seu programa ser tão crítico e tão próximo da realidade como é hoje. Você se tornou a grande estrela da televisão brasileira neste momento, neste país que nós estamos vivendo. Queria saber se antes você não falava desses problemas na realidade porque você não queria, se não tinha dado um estalo na sua cabeça ainda, ou se você não podia porque era proibida pela censura? O que mudou: a Hebe Camargo, o Brasil? O que melhorou e o que piorou nesses quarenta anos de carreira?

Hebe Camargo
: 43.

Leão Lobo: Eu queria só emendar com ele, porque você falou dessa coisa de mãezona, de dar puxão de orelha, e que eu acho até que você tem todo direito. Mas fico preocupado porque eu acho assim: você é pessoa tão fascinante, tão apaixonante... [risos] Eu sou assim, apaixonado mesmo. E, às vezes, eu fico muito preocupado quando você fala isso, porque eu acho assim, que aquela senhora de casa que vê você falando e que é fascinada por você, será que ela percebe, será que ela tem visão tão geral do mundo para perceber que você está dando só um puxão de orelha ou se ela vai ficar contra o Jair Meneghelli porque está querendo fazer greve, ou uma coisa assim?

Hebe Camargo: Não porque eu falo com muita clareza, Leão, eu não tenho uma linguagem intelectual, sabe?

Leão Lobo
: Pois é.

Hebe Camargo: Eu, quando eu vejo alguém falando sobre política, quando eu vejo os ministros dando explicações, se eu não entendo, eu digo: “Minha telespectadora não vai entender”. E se eu entendo, se ele é claro... porque eles têm uma linguagem muito enrolada...

Leão Lobo: Claro

Hebe Camargo: Eles falam uns termos, eles inventam uns termos que eu digo: “O que é isso? Não sei o que é isso!”. Agora, quando a linguagem eu entendo, eu digo: “Isso eu posso falar porque minhas espectadoras vão entender”.

Leão Lobo: Eu quis juntar minha pergunta com a dele...

[Falam simultaneamente]

Hebe Camargo: Agora, quando eu disse para Jair Meneguelli, eu disse: “Não risque, não mande os meninos riscarem os carros”, ele sabe e a dona de casa entendeu, porque eles estavam estragando... Seria a mesma coisa que nós entrarmos aqui agora e começar a arrebentar câmera e arrebentar os spots, etc e tal, porque nós não estamos satisfeitos com aquilo que nós estamos recebendo aqui, certo? O enfoque...

Leão Lobo: Concordo com você...

[Falam simultaneamente]

Ricardo Kotscho: Só queria que ela respondesse a minha pergunta, porque não foi respondida.

Sonia Goldfeder: É, responde a pergunta dele.

Augusto Mendes: Só para coordenar um pouco mais a conversa, depois da resposta do Ricardo, queria pedir que a gente ouvisse o Otávio, a Sonia, e aí eu teria algumas perguntas de telespectadores que estão telefonando aqui, com... [sendo interrompido]

Sonia Goldfeder
: Olha, a minha pergunta realmente complementa a do Ricardo, tá? Ele colocou que se mudou a Hebe, mudou o Brasil, e eu perguntaria se você teve uma certa pressão da produção dos seus programas para atacar nessa linha mais liberal?

Hebe Camargo: Absolutamente não, nada de pressão. Nem da emissora e nem da minha produção. Nós temos um contato lindo, eu e a minha produção. E eu digo sempre que estou muito feliz no SBT, justamente porque quando eu fui para lá, a imagem do SBT era de que era proibido falar em política. Ninguém podia falar porque o Sílvio Santos badalava todos os governos, certo? Ele continua fazendo o programa dele, ele é dono de emissora, faz o programa dele de domingo e badala quem ele quiser, certo? Agora, eu não. Ele nunca chegou para mim e disse: “Hebe, não fala mal do Sarney! Hebe, não fala mal do ministro [da Fazenda, Dílson] Funaro”. Nada! Eu jamais... se eu disser para você eu estou mentindo para você, eu não posso mentir. Ele nunca disse: “Não fale isso!”. Eu falo tudo o que o meu coração sente.

Sonia Goldfeder
: Mas é o contrário [do] que ele estava colocando... Ele diz: “Faça críticas, seja mais liberal, porque temos necessidade de um público...” ?

Hebe Camargo:
Não, não, na minha produção não! Nós nos encontramos, trocamos idéias e a gente diz: “Meu Deus, vamos falar sobre isso!”, porque eu a semana inteira quando eu ando pelas ruas, quando eu vou no cabeleireiro, ou vou na quitanda, ou eu vou fazer uma compra... [sendo interrompida]

Ricardo Kotscho
: Mas, Hebe, você sempre teve esse contato com o povo. Como é que te deu este estalo de levar essa realidade para a televisão, para o teu programa?

Hebe Camargo: Porque de repente essas pessoas ficam pedindo para eu falar! Não a minha produção nem a emissora para a qual eu trabalho, as pessoas.

Leão Lobo
: Porque no tempo da Record... [ao fundo]

Boris Casoy: Ricardo, eu acho que você comete uma injustiça na sua pergunta.

Augusto Mendes
: Sugiro que você faça sua pergunta [sobrepondo a fala de Casoy]

Boris Casoy: Eu gostaria de dar um testemunho. A pergunta do Ricardo parte de um princípio de que a Hebe somente agora teria partido para as críticas. Eu quero dar um testemunho, não é fato!

[...]: É verdade!

Boris Casoy
: Realmente não é fato! Conscientemente ou não, alguns dizem que sim, outros que não, outros dizem que eram gafes da Hebe. Durante a ditadura militar a Hebe fez as críticas que ela vem fazendo hoje.

Ricardo Kotscho
: Mas não como hoje, com essa realidade aparecendo na televisão.

Boris Casoy: Hoje talvez ela tenha mais liberdade, mas durante um certo momento da distensão e da abertura [política], eu diria que a Hebe ganhou espaço até na imprensa pela coragem com que eram colocados os temas dentro dos programas dela. Eu queria rememorar, os programas dela eram vistos como programas ingênuos de dona de casa. De repente a Hebe começa a colocar, já no tempo do general Geisel, o presidente, e depois o general Figueiredo, algumas coisas não que apareciam na televisão, evidentemente com tudo o que era possível na época. Mas na época era um grande avanço! Então, eu tenho a impressão de que tem um pouco de injustiça embutida de dizer que houve uma mudança agora, porque naquela época a Hebe avançou muito e passou a ser fruto de atenção dos estudiosos em política, sociologia, dos intelectuais, e passou a freqüentar as páginas políticas dos jornais. A Veja era política através das páginas de lazer. De repente a Hebe ganha espaço. A Hebe, que era uma alienada, repentinamente está politizada nos programas já da TV Bandeirantes. Eu queria lembrar a vocês que a gente comete injustiça dizendo que Hebe mudou...

Ricardo Kotscho
: Eu fiz uma pergunta para que ela respondesse [riso]!

Boris Casoy: Eu não sei se isso é uma coisa deliberada ou não, mas que não mudou, não mudou.

[Falam simultaneamente]

Augusto Mendes: Um minuto só! Registrada a opinião do Boris e registrada a opinião do Ricardo - isso ficou claro para os telespectadores-, eu queria que Otávio Mesquita fizesse uma pergunta.

Hebe Camargo
: Depois eu queria até um testemunho do Ricardo sobre um fato acontecido ainda na Rede Bandeirantes, que você de repente foi me entrevistar... Você me permite, porque já que estamos falando nisso... ?

Augusto Mendes: Lógico, lógico

Hebe Camargo: [Continuando]... talvez até por ingenuidade, eu vi no telejornal um acontecimento que me apareceu lindo: uma comunidade dividindo... uma senhora dizendo assim: “Nóis ganhemo cinco - ainda eram cruzeiros- cinco mil cruzeiro, nóis demo um para essas muié e ficamo com quatro. Nóis compremo cinco quilos de arroz, demo dois para ela e fiquemo com três”. Eu achei aquilo uma coisa fantástica! Eu imediatamente liguei para a televisão e disse: “Peça este VT, porque eu quero saber onde é esse lugar! Eu quero levar arroz, feijão, pão, pó de café, açúcar”.Não tinha dentro de mim, ali naquela coisa bonita que eu vi, nenhuma conotação política. Foi o gesto de solidariedade que eu estava sentindo entre as pessoas humildes, coisa muito rara de a gente ver, especialmente nos dias de hoje, entre as pessoas de uma classe mais privilegiada. E fui movida mesmo, não foi nem a álcool, fui movida a gasolina, mas da melhor! Telefonei para os meus amigos: “Você me dê pão, me dê açúcar, vamos comprar...” Peguei um carro e lá fomos! Era longe à beça. Sei lá, era para lá de Sapopemba! Sapopemba ainda não era muito conhecido, porque não era época de eleição [riso]. Chego lá com o carro - eu tinha que registrar aquilo para provar com as pessoas que colaboraram com as coisas que eu estava entregando, certo?... Fui feliz da vida! Vocês não podem imaginar a alegria que estava dentro de mim. Chego lá, era uma igreja. E eu pedi: “Olha, o padre tal poderia...? Diga que é a Hebe Camargo que está aqui, eu trouxe um caminhão aí de coisas, etc e tal”. “Não, o padre não está”. Eu disse: “Como não está? Então quem pode atender?”. “Não, não tem ninguém, não pode atender. O que a senhora quer?”. Eu falei: “Não, é porque eu vi uma coisa bonita ontem e eu vim trazer uma colaboração, porque eu achei lindo o gesto de solidariedade. E eu queria participar”. “Não, a senhora quer é aparecer!”. Eu disse assim: “Como quero aparecer? Eu não preciso aparecer, eu tenho um programa que eu apareço toda semana, para que eu vou agora lá em Sapopemba para aparecer?”. “Não, mas se a senhora quisesse colaborar poderia colaborar fazendo melhor participando das palestras”. Eu disse: “Olha, desculpe, mas palestra não vai encher barriga dessa gente, o que eles estão precisando é de arroz, de feijão, de pão, de leite, de pó de café, etc e tal”. E aí começou uma polêmica entre um garoto de uns vinte anos e ele assim com um dedo no meu nariz [apontando o dedo para frente], que, aliás, tem sido comum as pessoas assim, com o dedo no meu nariz, me fazendo cobranças de coisas que eu não devo. Eu sou amiga de alguém e aí [dizem:] “Não pode ser amiga!” [repetindo o gesto de apontar o dedo para frente]. Por que não posso? É um direito que eu tenho. E outras cobranças: “Ah, porque você foi - não é irritante, depois eu vou lembrar o termo -... Bom, o garoto assim no meu nariz [repetindo o gesto]. Eu disse: “Não é possível, eu vim trazer um...”. “Não, nós não precisamos das suas coisas!”. E começou a formar um punhado de gente que precisava daquelas coisas, que queria, que estava com fome, que queria receber aquilo. Aí eu disse: “Tudo bem, não tem problema, o senhor não quer, tudo bem”. Aí fomos... as próprias pessoas diziam: “Vamos um pouquinho lá mais para baixo, dona Hebe, e a senhora entrega”. Aí fomos um pouquinho lá para baixo e entregamos para cada pessoa um tanto de coisa, etc e tal. Mas eu voltei muito triste! Eu disse: “Será que eu entendi mal? O que aconteceu? Meu Deus do céu, será que ele está achando que eu quis fazer demagogia?

Leão Lobo: E talvez seja uma postura política deles, não é?

Hebe Camargo: E, dentro de mim, realmente não existia nada de político. Era mesmo um gesto de solidariedade que me tocou profundamente. Aí, me mandaram o Kotscho fazer uma entrevista, e disseram para mim assim: “Tome cuidado porque este jornalista é fogo! Ele é fogo!”. Eu já fui tremendo para falar com o Kotscho, como eu vim hoje para cá porque disseram que aqui era um pau-de-arara [referência ao objeto utilizado nas prisões para tortura, principalmente de presos políticos, visando arrancar confissões] - eu até quase derrubei [esbarrando no copo de água ao lado da cadeira]. E aí chega uma doçura de jornalista, uma doçura de jornalista que é Ricardo Kotscho, que é uma pessoa que tem preocupações como eu tenho. As pessoas dizem: “Mas como, você está muito bem de vida, você mora bem, você é bem casada, você está numa posição maravilhosa, ganhando bem”. Eu digo: “Ah, muito bem, você quer que eu fique, ponha uma venda nos olhos?” Para mim seria uma maravilha, extremamente tranqüilo ficar alienada realmente dos problemas, mas eu não consigo. Realmente eu não consigo.

[...]: Agora, Hebe, a pergunta que eu ia fazer...

Hebe Camargo: E o Kotscho me explicou o que na realidade eu não tinha entendido.

Ricardo Kotscho: Era no Parque Santa Madalena, não é? Era cinco por dois, cinco famílias ajudavam duas família.

Hebe Camargo: É, exato, mas era coisa meio política, não era, Kotscho?

Ricardo Kotscho: Era um negócio organizado pela Igreja [Católica], da pastoral. [As pastorais são organizações internas à Igreja Católica com fins de ajuda à setores espéficos da sociedade como, pobres, crianças, presidiários, etc, e tiveram atuação bastante politizada, inclusive ligada a partidos políticos]

Hebe Camargo
: Agora, por que a Igreja não me deixou dar alimento?

Ricardo Kotscho
: Aí eu não sei quem que te atendeu lá, como é que funcionou isso.

Hebe Camargo
: O padre não quis me atender.

Ricardo Kotscho
: Porque a idéia é boa.

Leão Lobo: Talvez fosse uma questão de postura de política

Hebe Camargo: Sim, mas o padre poderia me atender, ora! Engraçado! Mesmo que eu tivesse uma outra... mesma que eu não fosse católica, ele tinha... eu acho que o padre tem obrigação, ele tem obrigação de atender [apontando o dedo indicador para frente de forma agressiva].

[Falam simultaneamente]

[...]: Não, claro.

Augusto Mendes
: Hebe, vamos voltar aos tempos do autoritarismo. A pergunta do Otávio Mesquita [riso].

Otávio Mesquita
: Hoje [não está] brincadeira! Hoje você está importante, você viu só como está? O pessoal está perguntando tudo hoje. Então a Hebe engata uma segunda [marcha] e vai embora!

Hebe Camargo: Mas estão com todo o direito.

Otávio Mesquita
: Mas eu queria voltar um pouco mais no passado com relação ao trabalho, ao prazer que eu tive de trabalhar com você na TV Bandeirantes, época então em que eu dirigia um departamento comercial da emissora. Eu sempre notei que você, antes de entrar nos seus programas, você fica extremamente nervosa, o que é normal. E recentemente eu estive no SBT, nos bastidores do seu programa, e notei que esse nervosismo seu sempre acompanha você. E a pergunta que eu faria seria o seguinte: qual seria a sua maior insegurança quando você entra para fazer seu programa? E complementando essa pergunta, um pouco de curiosidade que eu tenho, qual a maior gafe que você cometeu até hoje?

Hebe Camargo
: Cometo sempre, Otavinho.

Otávio Mesquita
: Mas a maiorzinha. [Risos]

Hebe Camargo: Não sei...

Otávio Mesquita
: Estou curioso para saber [riso]. Com relação à insegurança, você...

Hebe Camargo: O nervoso é normal, é a responsabilidade, cada dia que passa... Por exemplo, se alguém vier falar para mim o índice de audiência que deu na semana anterior, eu morro! Se eu imaginar o número de pessoas que está acompanhando aquele programa, eu não tenho, eu acho que eu... Eu faço em nome do padre [faz o sinal da cruz em frente ao peito] e vou para casa, eu não tenho coragem, porque a televisão é uma coisa tão fantástica, a gente nunca sabe o que você está passando. Com relação ao negócio de fazer a cabeça [influenciar a opinião pública], um dia desses um moço de um restaurante, de uma churrascaria, um maitre, chegou e disse: “Minha filha tem sete anos”... Eu tinha aparecido [no programa] com uma rede [indicando com as mãos de que a rede estava prendendo seu cabelo em um coque] toda de lantejoula. E ele disse: “E ela foi para o cabeleireiro e quis fazer o cabelo igual - sete anos! - e quis comprar uma botinha igual da Xuxa [risos], e qualquer coisa igual do Bozo”. [palhaço de programa televisivo] Eu falei: “Vai ficar um misto de Hebe, Xuxa e Bozo, como será que ela vai ficar?” [Risos] Então, de repente, você tem que se dar conta de que realmente se o número de telespectador aumenta, aumenta sua responsabilidade.

Otávio Mesquita
: Você fica nervosa ainda?

Hebe Camargo
: Fico, fico extremamente nervosa. Mas quando eu entro no palco, me acalmo pelo seguinte: eu nunca prometi para ninguém fazer programa cultural, porque senão eu estaria numa outra emissora e não seria nem eu, não é? Eu ficaria por trás dos bastidores, talvez carregando um cabo, ou fazendo qualquer coisa, mas não um programa cultural, porque às vezes me cobram. Aliás...

Giba Um
: Mas você continua considerando seu programa de entretenimento?

Hebe Camargo:
Não, não é de... tem tudo! Tanto que, no último programa do mês, a gente sempre leva uma coisa mais amena, um show, alegria... porque a gente não pode estar levando só o peso das coisas que a população está reclamando e necessitando, certo? A gente vê reportagens, eu acompanho muito a programação da [TV] Cultura, vejo todos os telejornais, e vejo as coisas que são mostradas nos hospitais. Os hospitais estão falidos, não tem nada, não tem algodão, não tem esparadrapo, não tem gase, não tem Novalgina, não tem cama! As pessoas estão sendo atendidas nos corredores. Isso me assusta! Então... mas se a gente for fazer isso toda semana... Vamos falar de aids. É um assunto que... ainda a população não se conscientizou da gravidade do assunto da aids. Então, às vezes eu até brinco para poder falar mais seriamente sobre a aids. Eu disse: “O que precisar...”. Inclusive, se precisar falar diretamente, fazer gestos, tudo, porque é necessário para explicar, porque tem muita gente não que sabe nem o que é isso, certo? Camisinha, não sei se pode falar camisinha na TV Cultura... [Olhando para os lados assustada, tapando a boca com uma das mãos. Risos]

Augusto Mendes: Aliás, Hebe, os teus telespectadores estão telefonando estão se referindo àquele seu comentário segundo o qual você já não tem mais idade para usar a palavra “bumbum”, você usa a outra mesmo.

Hebe Camargo
: Certo.

Augusto Mendes
: Então perguntam se você teve problemas com telespectadores ligando para a tua casa para reclamar... Esta é a pergunta, por exemplo, de Murilo Guedes, da Lapa. Outros telespectadores... [sendo interrompido]

Hebe Camargo
: Posso responder já?

Augusto Mendes: Vou fazer só mais duas perguntas e você responde de uma vez. Outros perguntam, vários aqui como Irineu de Almeida, Joel Alves de Lapa e Irineu de Almeida, de São Caetano: por que você defende os homossexuais no seu programa? Então, primeiro o episódio do bumbum, e segundo, por que você defenderia os homossexuais.

Hebe Camargo
: O episódio do bumbum... realmente eu achei até engraçada a indignação de algumas pessoas porque eu falei essa palavra.

Augusto Mendes
: Pode falar. [Risos]

Hebe Camargo
: Não, em respeito à TV Cultura. Não que... [Risos]

Augusto Mendes
: A TV Cultura é uma senhora... [Levanta o braço à frente de seu corpo como a pegar um objeto, mas fecha a mão rápida e bruscamente. Risos]

[...]: Pode falar, a [TV] Cultura é jovem! [Risos]

Hebe Camargo
: Em respeito, para não indignar tanto essas “senhouras” que se sentiram tão... [Risos]

[...]: Se quiser eu falo [ao fundo].

Hebe Camargo: ... que ficaram numa indignação tão grande que eu disse: “Mas por quê? Você é uma pessoa tão aberta para a vida, vê as coisas assim...”. “Não, porque você não pode, com essas roupas maravilhosas, essas jóias, bem casada, morando numa casa...”. E eu digo: “O que a casa...”. Aliás, tem até um negócio... [Risos] Engraçado, isso [sim] não pode dizer, não é? [Risos] O que tem que ver... não é? Com o que cobre o... [indicando para trás], não é? [Risos] E me estranhei, eu disse assim, eu comecei a procurar a causa daquela indignação, porque não era possível ficar indignada porque no meu programa - nosso programa, porque o programa não é meu, nós temos uma equipe -... De repente, essa indignação. Quando, às 19 horas... Até a que apareceu no nosso programa era muito mais bonita [risos], era mais... rechonchuda, era... Você viu?

[...]: Vi.

Hebe Camargo: Não era mais bonita?

Otávio Mesquita
: Sou suspeito para falar [risos], mas era uma gracinha, uma gracinha [posicionando a língua entre os dentes para pronunciar a letra c]! Não, mas era bonita, era bonita. [Risos]

Hebe Camargo: Então, não era mais bonita? Até aparece na Globo... Então, é o tal negócio: na Globo pode, no SBT não pode. Preconceito é contra o bumbum ou contra o SBT? Eu não entendi, honestamente, eu não entendi aquilo. Por que eu não posso falar? Eu não sou diferente de ninguém.

Giba Um: Mas como você localiza essas pessoas, são senhoras conservadoras, classe média, são senhoras pudicas, são senhoras... Que tipo de gente que é que reclama desse tipo de comportamento?

Hebe Camargo
: Olha, o que eu estranhei foi justamente a indignação da pessoa com quem eu falei, que é uma pessoa até que eu estimo muito, por isso estranhei, gosto muito e ela me fez um comentário muito forte sobre isso. Eu estranhei porque eu disse: “Eu tenho feito umas coisas outras que poderiam te indignar muito mais, porque eu acho que eu fico indignada quando eu vejo crianças, homens também, seminus nas ruas, porque não têm roupa para vestir. Hoje, inclusive, está muito frio lá fora e não sei como é que estão essas crianças. O que pode indignar você, telespectadora, que ficou tão indignada porque eu falei a palavra ao invés de dizer “bumbum”... porque veja que ridículo com esta idade falando “bumbum” [altera o tom da voz], tem cabimento uma coisa dessas, gente? [Risos] Vocês não acham? É profundamente ridículo eu falar “bumbum”! Então...

Giba Um: Eu só espero que em algum próximo programa você não coloque em discussão a palavra "piu-piu", ou "periquita", porque aí depois pode ter alguma complicação... [Risos]

Boris Casoy
: Eu queria voltar.... [sendo interrompido]

Augusto Mendes: Boris, só para completar a resposta para o...

Hebe Camargo: Ah, do homossexualismo!

Augusto Mendes
: Por que defenderia o homossexualismo?

Hebe Camargo
: Por que não defender? Por quê? Eles são piores que a gente ou não? Eles escolheram ser assim? São seres humanos iguais à gente. Eles têm pai, têm mãe, irmãos, trabalham, pagam os seus impostos. Por que você tem que... ? [Sendo interrompida]

José Roberto Paladino: Mas você não acha que você, como uma formadora de opinião, defendendo, você poderia estar...

[...]: Proliferando?

José Roberto Paladino: Que seja [riso]! Mas pelo menos você estaria...

Hebe Camargo: Não, não, meu queridinho. O fato de eu falar não vai mudar. Ou as pessoas nascem assim ou não nascem, não é porque a Hebe Camargo falou. “Ah, a Hebe Camargo falou então, ah, que maravilha, vou ser!” falando com voz nasalada. Risos] Não! Quem tem que ser é, e pode se manifestar...

Leão Lobo: Você acha que as pessoas nascem assim?

Hebe Camargo
: Olha, eu tenho muitos amigos homossexuais, pessoas com quem eu aprendo muito. São pessoas educadas, maravilhosas, com uma cultura que eu gostaria com ter e não tenho. Tenho profundo respeito - eles por mim e eu por eles – e eu converso muito, justamente por causa desse tipo de pergunta que as pessoas fazem, e eles me dizem: “Não, a gente já nasce. Às vezes passa um tempo, demora um tempo para se manifestar, e mais tarde, alguns vão se manifestar muito mais tarde”. Eu não posso, eu não estou fazendo a cabeça de ninguém.

José Roberto Paladino: Hebe, só uma coisa: por que você faz questão de enfatizar uma pseudo incultura sua? Você, por acaso, já participou de alguma sessão na nossa Assembléia Constituinte, que representa a média [risos, embora o entrevistador mantenha-se sério] da cultura brasileira - pelo menos deveria assistir. Eu acho que você tem muito mais cultura que você mesmo... ou isso é uma estratégia de marketing, esta sua... ?

Hebe Camargo: Não, não é. É porque, geralmente, quando eu leio coisas a meu respeito, de pessoas que não sei com que intenção dizem que eu sou burra, analfabeta, inclusive nessa revista que saiu, Afinal, tem uma jovem que se chama Cora, Cora não me lembro o...

[...]: Cora Ronai.

[...]: Cora Ronai.

Hebe Camargo: Como?

[...]: Cora Ronai.

Hebe Camargo: Ronai.

José Roberto Paladino: Ronai [corrigindo a pronúncia do nome, cuja sílaba tônica é a primeira e não a segunda, como dito pelos entrevistadores].

Hebe Camargo: Ronai [concertando a pronúncia]. Ela disse que ela não entende como é que ela tenta ver os meus programas e do Sílvio Santos e que ela não consegue. Ela é crítica de televisão. Eu acho que ela está errada, ela deveria ser crítica de literatura. Minha cara, você não é obrigada a assistir o meu programa e nem eu sou obrigada a fazer um programa de cultura porque eu não sou... eu sou uma pessoa que gosta da vida, que admira o ser humano, que se puder ajudar eu ajudo, mas atrapalhar eu jamais atrapalho. Agora, você dizer que não entende, e que nem é por causa de preconceito, não sei o quê, mas você é extremamente preconceituosa. Agora, não me cobre isso, eu não tenho obrigação de saber tudo, e quando eu não sei, eu pergunto, eu não tenho vergonha de perguntar. Agora, você está no lugar errado, você não deveria ser crítica de televisão, não [apontando com o indicador para a câmera]. Vai num...

Boris Casoy: Hebe, Hebe... [sobrepondo a fala da entrevistada]

Augusto Mendes: Hebe, eu peço que você ouça o Boris e depois o Ruy Castro, que está fazendo sinal.

Boris Casoy
: Hebe, eu queria voltar um pouco à política, porque eu acho que é um momento em que a gente pode falar de política com muita franqueza. Eu queria saber com toda franqueza e honestidade o que você acha de cada um desses três nomes: Jânio Quadros, Orestes Quércia [político histórico do PMDB, foi governador de São Paulo e enfrentou processos de enriquecimento ilícito] e Paulo Maluf.

[...]: [Risos] É a minha pergunta!

Augusto Mendes: Hebe, aproveitando então, alguns telespectadores como Luís Camargo, de Santa Cecília, e Jaime de Souza, da Vila Mariana, perguntam se você... Um pede que você explique o seu apoio ao Maluf; e o outro, se ganhou algum dinheiro, algum tipo de favor para apoiá-lo na eleição presidencial.

Hebe Camargo
: Acho que ela confundiu a pessoa que está aqui hoje no Roda Viva. Eu não preciso de dinheiro do senhor Paulo Maluf, eu nunca fui nos palanques para fazer campanha do senhor Paulo Maluf, eu não fiz campanha do senhor Paulo Maluf, eu não fui para o palanque gritar: “Vote Maluf”. Eu não fiz campanha do Maluf nos meus programas, eu nunca disse nos meus programas: “Sou malufista, vou votar”. Vocês nunca ouviram falar isso. Um jornalista me ligou do Rio de Janeiro e me perguntou: “Nós estamos fazendo uma enquete entre artistas e gostaríamos de saber em quem você vai votar”. Eu disse: “Que maravilha, nós estamos numa democracia, viva a democracia!”. E falei: “Vou votar no Paulo Maluf”. Caiu o mundo em cima de mim. Foi a única coisa que eu fiz. Com o direito da democracia, o meu candidato era o Maluf. Agora, eu nunca fui para... nunca recebi dinheiro. Não preciso nem do dinheiro do Paulo Maluf, nem do dinheiro do Quércia, nem do dinheiro do Sarney ou do presidente Ulysses, eu não preciso, porque eu sou uma mulher... Quem foi o...? Foi o Luís... que perguntou se eu preciso do dinheiro?

Augusto Mendes: Um minutinho [buscando a anotação nos papéis sobre a bancada].... Senhor... Senhor Luís Camargo, de Santa Cecília.

Hebe Camargo
: Não é parente. [Risos] Luís, eu vou contar uma coisa para você. Eu sou uma mulher que trabalha desde os 14 anos com carteira de trabalho. Assinada. Está velha... já troquei! Eu ganhava 340 cruzeiros em 1944, e toda minha vida eu trabalhei e ganhei. Fazia shows no Brasil inteiro, sempre. A minha vida sempre foi assim, trabalhando. Eu não preciso de dinheiro de político, graças a Deus. E vou mais além, eu tenho um marido que está muito bem, é um empresário que está também sofrendo com o momento político. Todo dia, quando ele chega, eu digo: “Meu bem, vendeu alguma coisa?”. Eu digo: “Como foi o dia hoje? Está bom, está vendendo?”. Ele disse assim: “Vendendo está, o que não está é ninguém comprando”. [Risos] Porque, graças a Deus, ele também tem um bom humor como eu. Realmente, desde fevereiro que ele não vende nada porque o país está numa expectativa, sabe? Está todo mundo em expectativa! Vamos ver o que vai acontecer para você trabalhar. Ninguém está vendendo nada, as lojas estão paradas, ninguém está comprando coisa nenhuma, quem está comprando está comprando o essencial para comer, para o seu dia-a-dia. Agora, meu caro Luís Camargo, que não é meu parente, nem do meu marido Lélio eu preciso do dinheiro dele! Porque eu sou uma mulher que, como trabalhei a vida inteira, e graças a Deus me preocupei um pouco com meu futuro, e graças a Deus estou trabalhando numa emissora que paga rigorosamente em dia, rigorosamente em dia, e ganho muito bem para seu governo, ajudo muito o país com o que eu pago de imposto, eu sou descontada na fonte, muito dinheiro na fonte, porque ganho bem, e ainda estou pagando as oito parcelas além daquilo que já é descontado, que está ajudando os presidentes viajarem para o México, para os ministros irem lá para todos os lugares, para pagar os ordenados dos marajás que ganham e não recebem, que poderia até este dinheiro dos marajás ser para educação, para alimentação, para a saúde do povo. Eu sou uma grande contribuinte, viu, meu querido? Eu não preciso, não, de dinheiro de nenhum desses candidatos, de nenhum político, e falo olhando dentro dos seus olhos [apontando para a câmera] como olho dentro do olho de cada um deles, porque se algum dia eu precisasse, para sobreviver, ganhar dinheiro para apoiar alguém, eu me retiraria daqui, eu ia lavar roupa, eu ia... [sendo interrompida]

Leão Lobo
: Você se recusou a ser política, não é? Recusou a proposta...

Hebe Camargo: Recusei a ser política!

Augusto Mendes: Hebe, a pergunta do Boris...

Hebe Camargo
: Não estou ofendida com a pergunta do Luís não, viu?

Augusto Mendes
: A pergunta do Boris não foi inteiramente respondida, o que você pensa, resumidamente, do Maluf, do Jânio...

Hebe Camargo
: Ah, é! Do Jânio...

Boris Casoy: ... do Maluf e do governador Orestes Quércia.

Augusto Mendes: Isso! E do Jânio, que você perguntou?

Boris Casoy: Jânio, Orestes Quércia e Paulo Maluf.

Hebe Camargo
: O Jânio eu acho um grande ator, ele é engraçado. [Risos] A gente não pode perder uma participação do Jânio, porque ele é muito engraçado, não é?

Sonia Goldfeder: Sem cobrar ingresso, não é? [Risos. A entrevistada mantém-se séria]

Hebe Camargo: Não precisa cobrar ingresso. E ele inventa umas coisas, ele é tão inteligente que ele inventa uma coisas e está permanentemente no noticiário. Quando ele [fala]: “Não aceito!” [risos], “Imprensa não entra!” [imitando a fala peculiar de Jânio Quadros], no dia seguinte, pá! Ele está em todos os jornais: “O Jânio Quadros não deixou...!”. “Agora eu vou fazer umas garagem embaixo do jardim” [imitando novamente a fala do político]. [Risos]. No dia seguinte, pá! Está nos jornais [risos]. Agora diz que inventou um negócio aí de pagar pedágio: pura demagogia! Ele quer é notícia, ele quer polêmica! Ele não admite que você faça crítica. Se fizer crítica: “Não permito que faça crítica!” [reproduzindo o sotaque de Quadros].

Otávio Mesquita: Ele já falou das imitações que você faz dele?

Hebe Camargo
: [Ainda imitando Quadros] Nem sei se ele falou, agora, se me falou também não me interessa. [Risos] Porque eu acho que... eu tiro férias uma vez por ano e ele já tirou umas duas ou três! [Risos] E na estação que eu trabalho são trinta dias só, na estação que ele trabalha é quarenta e daí para frente! [Risos. A entrevistada pára a imitação] Ele é engraçado, ele é muito engraçado, é muito inteligente hein, muito inteligente! Para você ver que ele está... ele é maneiroso, não é? Ele não apóia, ele não "desapoia". Nem sei se existe essa palavra, mas também, depois quando eu ouvi um dia lá de Brasília uma senhora falando “cidadões”, eu posso também dizer "desapoia", não é? [Risos]

Otávio Mesquita: Ele já foi ao seu programa, Hebe?

Hebe Camargo
: O Jânio? Foi, foi antes de ser prefeito. Depois eu comecei imitar e fazer crítica, [e como] ele não admite crítica, disse assim: “Não vou mais não, essa senhora não me convide que eu não irei!” [imitando Quadros. Risos. A entrevistada dá de ombros]

Boris Casoy
: E o Maluf?

Hebe Camargo
: Ah, o Maluf! O Maluf, eu acho que ele é prepotente. Eu acho...

Augusto Mendes: Imita o Maluf, por favor. [Risos]

Hebe Camargo
: Será que eu sei imitar? [Risos] “Minha cara Hebe, minha cara Hebe, você viu o que estão falando de mim, minha cara?” [imitando Maluf. Risos] Eu falei: “Não liga, doutor Paulo, é assim mesmo”. “Não, mas é preciso. Você não quer ser minha senadora?”. Falei: “Não, doutor Paulo, absolutamente. Eu conheço meus limites”. “Mas você vai ter uma votação...”. Agora já estou falando nortista! [Risos] Mistura um pouco de árabe, mas eu acho realmente...

Boris Casoy:
Convidou mesmo você para ser senadora, Hebe? E verdade isso?

Hebe Camargo
: Convidou, mas eu já fui convidada por tudo quanto é partido.

Augusto Mendes
: Você aceitaria, Hebe, disputar um cargo político?

Hebe Camargo: Eu posso dizer para a população que fique tranqüila. [Risos], fique absolutamente tranqüila, eu não sou uma pessoa que vai e volta, não. Não sou cheque sem fundo. [Risos] Que, aliás, hoje está tão... está cheio aí de cheque sem fundo, vai e volta! Eu fui já convidada para ser vereadora, deputada, vice-prefeita, senadora e outras coisas tais. Eu conheço as minhas limitações e eu sei até onde eu posso chegar. Eu não poderia jamais trair o meu público que acredita tanto em mim. Porque, quando no meu programa, eu não faço nenhum planejamento para fazer essas coisas que as pessoas me cobram: “Mas como, de repente você mudou? De repente você está falando de política?”. E você [dirigindo-se a José Roberto] agora acabou de dizer que pensa que eu falo... que eu sou... que eu não tenho cultura, se isso é uma coisa meio de... Como é que você falou? Qual foi o termo que você usou?

José Roberto Paladino: Estratégia de marketing.

Hebe Camargo: Estratégia de marketing! Não é, não. E quando eu vou também, que eu levanto do meu banquinho do bar do cenário do meu programa e vou para frente, é uma coisa maior. E aí, de repente, meu coração bateu, lembrei daquele carinha que está lá na avenida vendendo uma fruta, uma flor, ou uma coisinha e diz:...


Augusto Mendes: Hebe...

Hebe Camargo: ...“Ô dona Hebe, a senhora viu, olha aí, meu dinheirinho único que eu tinha o fiscal veio aí e levou tudo, e agora eu não tenho”.

Augusto Mendes
: Hebe...

Hebe Camargo
: O fiscal está sempre ao lado contrário, onde o fiscal... [sendo interrompida]. Diga, meu querido [vira-se para Mendes, para quem estava de costas]

Augusto Mendes: Hebe, peço desculpas, mas você conhece melhor que eu as limitações de tempo. Nós temos que fazer um ligeiro intervalo. O Roda Viva volta daqui a pouco com Hebe Camargo.

Hebe Camargo
: Não é censura não, é? [Risos]

[intervalo]

Augusto Mendes: Antes de retomarmos a conversa com Hebe Camargo, o Roda Viva informa que acaba de morrer no Rio de Janeiro o poeta Carlos Drummond de Andrade. Nós todos registramos e lamentamos a morte de um grande brasileiro e um dos maiores nomes da literatura brasileira em todos os tempos. Continuamos o Roda Viva com Hebe Camargo. O Boris Casoy, pede que a sua pergunta tenha resposta completada. Pode refazer a pergunta.

Boris Casoy
: Faltava Hebe, a sua análise sobre o Quércia.

Hebe Camargo
: Eu só queria falar que o coração do Drummond não resistiu, e eu comentei, quando na semana passada, a filha morreu, eu comentei com as pessoas assim: “Como deve ser... É muito mais duro para um pai e uma mãe perder um filho do que filho perder pai e mãe”. Evidentemente que eu sofri terrivelmente quando eu perdi meu pai e a minha mãe, mas para um pai, nests altura, perder uma filha, eu tinha quase certeza que isso ia acontecer. E a gente realmente... foi uma coisa muito forte que aconteceu agora entre nós [apontando os entrevistadores]. Foi um silêncio total e um amargor interior, porque com a morte do Drummond a gente vai se sentindo assim, cada vez mais pobre, e já de um país tão pobre, de pessoas tão cristalinas. Então, realmente, a gente lamenta profundamente. O país está realmente de luto. Mas...

Boris Casoy: Aliás, Hebe, um parêntese, além da morte do Drummond, o Brasil perdeu, recentemente, na sexta-feira um companheiro nosso de trabalho da Folha de S. Paulo.

Hebe Camargo: Cláudio Abramo.

Boris Casoy: Cláudio Abramo, que participou muitas vezes do Roda Viva.

Hebe Camargo
: É verdade. Um homem brilhante.

Boris Casoy
: Em poucos dias, o Brasil perde duas personalidades, dois intelectuais brilhantes. Extremamente lamentável. É a vida ou é a morte.

Hebe Camargo: É verdade.

Boris Casoy
: Mas o Roda Viva continua, Hebe. Você nos deve uma resposta sobre nosso querido governador Orestes Quércia.

José Roberto Paladino: “Nosso” é fala sua! [Risos] Vamos fazer outro parêntese. [Risos]

Hebe Camargo
: Eu não sou ninguém, eu sou uma pessoa muito simples, mas que vê as coisas. E eu acho que, a partir do momento... Eu gostaria até de falar diretamente para ele [apontando para a câmera], não sei onde ele possa estar agora. Não sou ninguém para dar conselho para ninguém, mas eu acho que como governador eu presenciei recentemente um momento do senhor governador Orestes Quércia e eu acho que você pode ser contra ele, a favor, seja lá o que for, eu não sou “quercista”, todo mundo sabe, ele sabe. Mas, governador, o senhor é o governador do estado de São Paulo. Quando o senhor for em determinado lugar, não entre sozinho da maneira que o senhor entrou, com a simplicidade com que o senhor entrou, para que o senhor se faça respeitar como governador, ainda que as pessoas presentes não fossem favoráveis ao seu mandato. O senhor se expõe, o senhor se expôs demais, e acho que como governador não tinha necessidade disso.

[...]: Você está falando de uma circunstância específica, isso aconteceu?

Hebe Camargo: Aconteceu, eu assisti.

[...]: O que foi?

Hebe Camargo: E eu fiquei constrangida, porque afinal de contas é o governador de São Paulo, e assim deve ser respeitado.

Boris Casoy: Hebe, o governador é simples ou faz gênero, na sua opinião? Há muita gente que acha que ele faz gênero de simples.

Hebe Camargo
: Não sei analisar, eu não sou analista.

[Falam simultaneamente]

Hebe Camargo: Mas eu acho... [Risos. Hebe e os entrevistadores riem devido ao bombardeio de perguntas que a entrevistadora sofreu] Eu acho que, como governador, ele tinha que ter realmente uma postura de governador, eu acho que... Não... Por exemplo, eu acabei de dizer que o Maluf é prepotente, o Maluf tem uma postura prepotente, e eu posso falar isso porque eu sou malufista. Agora, eu acho que o Quércia não pode ser nem tanto nem tão pouco. Ele é o governador, ele tem que ser respeitado como governador.

[...]: O que aconteceu, pelo amor de Deus?

Hebe Camargo: Você cale a boca! [Risos]

[...]: Esse é o incidente que você falou ou esse é outro?

Hebe Camargo
: Não, não. Foi uma coisa que eu acho... Eu [enfaticamente] fiquei constrangida! Tanto que eu imediatamente levantei e disse: “Boa noite, senhor governador”. E ele ainda falou: “Oi Hebe”. Ele ficou também constrangido! Então eu acho que é... é a tal mãezona - desculpe governador, eu agora dei uma de mãezona [olhando para a câmera]. Não faça isso não. Se é um gênero, não faça, seja governador em todos esses momentos.

Boris Casoy:
Mas conta, pode contar.

Hebe Camargo
: Não devo falar.

Ricardo Kotscho
: Hebe, eu queria mudar um pouco de assunto, tentar fazer uma pergunta que talvez a Hebe Camargo fizesse. Você, agora há pouco falou do [seu] marido, do Lélio. Eu vi um programa teu, há umas duas ou três semanas atrás, não sei o tinha acontecido, você fez muitas críticas durante o programa, inclusive algumas imitações [Hebe dá uma gargalhada]. Eu queria saber como é que a família reage a isso. Você fala muito da família, dos parentes, e principalmente do Lélio, teu marido. Como ele reage quando você faz imitações dele no seu programa? Quando você chega em casa, como é isso?

Hebe Camargo: Ele adora! [Risos] O dia [em] que não falo, ele: “Por que não falou em mim?” [imitando a voz rouca do marido. Risos]. Ele adora! Seu eu der uma entrevista e não falar, ele vai dizer: “O que aconteceu?” [imitando o marido] Ele deve estar lá em casa agarrado na televisão. Mas ele adora, ele adora quando sai na coluna do Giba [risos], e quando sai nas revistas... Quem não gosta? Quem não gosta?

José Roberto Paladino
: Hebe, você tem filho, Marcelo, que por sinal nasceu na época dos Marcelo, porque eu também tenho um. Como foi educado esse filho: para frente, quadrado, conservador, progressista? As palavras estão muito em voga hoje.

Hebe Camargo: O Marcelo no começo era uma criatura extremamente tímida e eu tinha até um certo bloqueio para conversar com ele por causa dessa timidez. Mas no decorrer do tempo ele foi se desenvolvendo, e a própria vida foi, foi... modificando. Porque a vida mudou muito também. No tempo que ele nasceu, há 21 anos atrás - ele vai fazer 22 agora em setembro -, era tudo realmente muito mais... Eu era muito... não que eu fosse aquela mãe repressiva. Não, de jeito nenhum. Pelo contrário, eu até dizia muito para a [atriz que ficou famosa também como apresentadora de programa televisivo] Lolita Rodrigues, porque a Lolita era uma super mãe, eu falei: “Eu não sou”, porque eu sempre dei... eu queria que o Marcelo, sabe [gestua como a empurrar algo para frente com as costas das mãos]... que fosse... que ele fosse para onde ele quisesse. Agora, é evidente, como mulher, como mãe, nos tempos de hoje, eu tenho as preocupações de um filho que sai e a gente não sabe se volta. A preocupação que eu tenho com marido, porque meu marido foi assaltado às cinco horas da tarde, levou cinco coronhadas na cabeça depois que os bandidos... Ah, não é para falar bandido [tapando a boca com uma das mãos]! No programa da última semana, disse que não pode falar bandido. É... como é...?

Sonia Goldfeder: Contraventor.

Giba Um: Contraventor, delinqüente?

Hebe Camargo: Não, é re...

[...]: Reeducando.

Hebe Camargo: Reeducando! Os estupradores, os assassinos [risos] são reeducando. Não pode falar bandido.

Augusto Mendes: Ruy Castro.

Ruy Castro: Hebe...

Hebe Camargo: Diga.

Ruy Castro: ... você que adora se classificar como a dona de casa, como a mãezona, como uma pessoa muito simples, como uma pessoa também relativamente inculta, etc e tal, mas você, ao mesmo tempo, se rebelou contra uma pessoa que você classificou de preconceituosa, e agora você acabou de dizer que gostaria que seu filho se deslanchasse, você foi procurada por várias revistas para pousar nua. E, agora te vendo pela primeira vez, na vida real, eu vejo que as revistas tinham toda razão. [Risos]

[Falam simultaneamente]

[...]: ...um joelhinho!

[...]: No início do programa ela disse que é católica mas se esqueceu de dizer que também é casada! [Risos]

Ruy Castro
: Ué...

Hebe Camargo
: Não, mas eu não sou frisson, eu tenho espelho na minha casa, meu querido. Então, você está vendo a partinha boa [apontando para um de seus joelhos que descansava sobre o outro, por ter as penas cruzadas]. [Risos]

Augusto Mendes: Hebe....

Hebe Camargo
: As ruivinhas, ó! [Risos]

Augusto Mendes: Hebe, eu queria embarcar alguns telespectadores na pergunta do Ruy. Laudemir da Silva, de Ribeirão Preto quer saber: por que você não aceitou pousar nua quando foi convidada? E Marcos César de Souza, da Vila Ema, pergunta se você se acha um símbolo sexual e faz um... [close em Hebe, que dá uma gargalhada]... um comentário que é o seguinte: “Sempre elegante e mostrando as belas pernas”, reticências.

Hebe Camargo
: Só o pedaço que está bom! [Risos] Imagine eu, símbolo sexual nesta idade, é muito engraçado, não é? É super engraçado.

Augusto Mendes
: Você foi convidada por quais revistas? Por que você recusou?


Hebe Camargo: Eu fui convidada, em princípio, pela... Houve até uma briga entre a Playboy e a Status. Eles brigaram. Um queria primazia... Aí eu falei: “Mas o que é isso, gente? Onde é que vocês estão com a cabeça?”.

[...]: Quanto eles ofereceram?

Hebe Camargo
: Nem falaram em dinheiro! Veja que porcaria de nu que ia ser! [Risos] Ninguém falou “Oferecemos tanto”. Agora, o Brizola já disse aqui neste programa: “Minha Neuzinha? Eles foram oferecer dinheiro para Neuzinha? Ainda se fosse para posar sem ganhar, até que eu ainda podia pensar, mas como, Neusinha, nua? Não, não” [imitando o político falando]. Quer dizer: Neusinha [apontando para a câmera], sem ganhar pode posar, porque o seu pai declarou aqui no Roda Viva que o que ele acha pejorativo é você ganhar para posar. Para mim, ninguém ofereceu. Agora, mesmo que oferecessem milhões, eu sei das minhas...

Augusto Mendes
: Qual a sua idade?

Hebe Camargo: 58, dia oito de março eu vou fazer 59. A revista Afinal errou [apontando para Paladino. Risos], disse que eu vou fazer sessenta. Eu faço...

José Roberto Paladino
: Não, 58, nós dissemos, 58.

Hebe Camargo: Ah, não! Disse que, se eu renovasse meu contrato com o SBT, eu iria terminar com sessenta anos.

José Roberto Paladino: Exatamente.

Hebe Camargo: Dia oito de março, hein! Pode mandar... [Risos]

Leão Lobo: Hebe, já que nós entramos nesse assunto íntimo, eu queria pedir licença a você para tocar numa questão íntima, principalmente com esta coisa das mulheres. Eu senti o tempo todo aqui no programa que as mulheres têm muito problema com você, principalmente pela sua beleza, essas coisas... Todas as coisas mais agressivas... [sendo interrompido]

Hebe Camargo: Onde é que estão vendo essa beleza, hein, gente?

Leão Lobo
: Ah, está aí [apontando para Hebe]! [Risos]

Hebe Camargo
: Está aí e mostrou a perna! [Risos]

Leão Lobo
: Ah, olha só que joelhinho! Então, todas as mulheres, eu sempre senti que houve uma coisa quase de inveja da mulher, em geral, com você. Você pode até negar isso, mas... Então, eu queria voltar um pouco no tempo. Eu soube - inclusive eu vou tocar nisso, te peço licença para tocar nisso, porque eu acho importante para mostrar a coisa.

Hebe Camargo: Que coisa? [Risos] Depende que coisa que é para mostrar, não é? [Risos]

Leão Lobo
: A questão, vamos dizer, dos amores, essa coisa toda. Quando você começou sua carreira, você teve um grande amor, por isso eu posso falar aqui, porque foi uma coisa...

Hebe Camargo
: E depois, foi no meu passado, não tem problema.

Leão Lobo: Exatamente. Foi o Luizão, o Luís Ramos, da Folha de S. Paulo. Você teve um romance bonito, inclusive - pelo que me parece, pelo que eu sempre li -, e alguém comentou outro dia, disse assim: “A Hebe, a carreira dela foi antes e depois do Luizão”. Então, eu fiquei pensando assim... Mas aí quando eu vi as suas declarações todas, antigas, falando sobre o caso, era uma coisa de muito amor. E, hoje em dia, todas as moças que fazem televisão, têm sempre um padrinho, então, o Pelé e tal. Então, eu queria saber se você acha que na televisão de hoje a mulher precisa de um homem poderoso para poder fazer sucesso.

José Roberto Paladino: E eu queria complementar Hebe, só com uma coisa, embarcando na canoa dele: o que você acha do amor hoje?

Hebe Camargo: [Pausa] Está bem diferente o amor hoje, não é? Eu fui muito prejudicada na minha carreira, nessa ocasião, por ter gostado do Luiz. Mas eu não gostei dele porque ele era um dos diretores, certo? Eu gostei do homem Luiz, independente do que ele era. Porque mesmo... ele ainda no era homem de televisão, nem de rádio, era de jornal. Eram três irmãos da empresa Folhas. Era Luiz, José e João, doutor João Ramos, que ainda hoje, não sei se ele ainda é deputado, senador, acho que não, não se reelegeu. José Nabantino morreu e o Luiz também morreu de desastre, mas muito tempo depois. Nunca me prevaleci do fato dele ser, mais tarde, um dos três. Pelo contrário, fui muito prejudicada, porque quando a empresa Folhas vendeu as Folhas para o Grupo Frias, a rádio Excelsior se tornou Rádio Nacional - isso eu até já contei aqui na TV Cultura, no programa Jogo da Verdade -, foi vendida e se tornou Rádio Nacional. Veio, então, o Victor Costa, do Rio de Janeiro, assumir. Então houve a transação e o público, na transação, me levou de roldão - até rimou! Eu não estava na transação, eu não fiz parte, eu não fui amante do Victor Costa como muita gente supunha e até hoje muitas pessoas ainda perguntam. Eu não fui amante, não. Eu era grande amiga da Ismênia dos Santos, que foi mulher do Victor, e sou amiga até hoje da família, do que sobrou ainda da família, que é uma irmã da Ismênia, a Diamantina, que vive de uma miserável aposentaria - aproveito para falar mais uma vez aos senhores constituintes -, a sobrinha Sonia Bandeira, e... e nunca fui amante. Mas o Victor gostou de uma loira que tinha cabelo da mesma cor do meu, tinha um corpo escultural que eu não tinha, porque eu nunca tive corpo bonito, eu sempre tive uma cintura meio grossa, um busto desse tamanho [indicando com as mãos grande dimensão], que eu não sabia que hoje, em 1987, ia ser sucesso! [Risos]

Leão Lobo: Mas na época também era sucesso!

Hebe Camargo
: Não, era feio. Eu cortei, agora não dá para repor [segurando os seios com as mãos], não é? Mas...

Leão Lobo: Você só fez plástica no busto?

Hebe Camargo: Fiz plástica no busto, fiz meia aqui no rosto [indicando a boca e a região ao redor dela, em direção às orelhas]... Todo mundo diz: “Não, ela já deve ter feita umas trezentas!”.

Leão Lobo: É por isso que eu estou perguntando [riso].

Hebe Camargo: As pessoas falam que eu tenho oitenta anos, setenta [risos]. Eu digo: “Deixe que falem, mas falem de mim!” [riso]. Eu nunca menti minha idade. Eu morro de rir, porque a hora que morrer e sair lá o necrológio – é bonito, não é?: necrológio!: “Hebe Camargo morreu aos sessenta, ou oitenta, ou 58, sei lá”. Vão dizer: “Coitada, não é que ela falava a verdade e a gente não acreditava”! [Risos] Eu acho bobagem esse negócio da gente ficar mentindo a idade, para quê? A idade está dentro da gente.

Leão Lobo: Mas e essa questão das moças... ?

Hebe Camargo: Muito bem, você perguntou o negócio das moças. Eu não acho que as mulheres têm inveja de mim, eu sou muito querida pelas mulheres. Veja, não sei quantas estão aqui [apontando para as convidadas, no balcão superior do estúdio] e estão me olhando, me conhecem de muito tempo, mas eu não vejo em nenhuma delas um olhar de inveja.

Leão Lobo: Mas quando você colocou o umbiguinho de fora no programa, que eu achei um barato...

Hebe Camargo: Aí houve uma gritaria, aí houve uma gritaria! Eu não sei por quê!

Leão Lobo
:  Então!

Boris Casoy: Eu queria saber sua posição sobre o aborto. O que você pensa do aborto?

Hebe Camargo: Eu acho o aborto uma coisa muito pessoal, não sei. Acho uma coisa tão delicada.

Boris Casoy: Mas você legalizaria o abordo, se dependesse de você?

Hebe Camargo: [Pausa] Olha, é uma coisa extremamente delicada falar sobre isso, porque dá impressão que a gente vai dizer “legalizaria” e vai sair todo mundo abortando feito louco: “Oba, legalizou, vamos abortar!”.

Boris Casoy: Aborto é um fato, Hebe, ele existe.

Hebe Camargo: Eu sei, mas é que acontece o seguinte, o que as pessoas têm que pôr na cabeça é que não é pelo fato de legalizar uma coisa que você vai ser obrigada a fazer, você vai abortar se você, sei lá... é uma coisa muito pessoal. É a mesma coisa que o jogo, por exemplo. A legalização do jogo, tem muita gente: “Não, porque não pode!”. Para mim, pode legalizar o quanto quiser, eu sou uma pessoa que não joga, não acho a menor graça.

Ruy Castro: Você já fez algum aborto?

Hebe Camargo: Eu fiz, fiz justamente porque achei que era uma coisa muito delicada esse filho ter irmã de um mesmo pai com uma outra mulher, outra irmã com outra mulher, outra irmã com outra mulher... Essa criança ia ficar com uma cabeça tão louca, que ela ia ficar sem saber...: “Que mundo em que eu estou?”, certo? Naquela época. Então, eu acho que é uma coisa muito pessoal. Eu não aconselho as pessoas a fazerem. Eu não aconselho, acho que é uma coisa que cada um tem que saber o que deve fazer, é uma coisa de conscientização própria, não... 

Ruy Castro
: Você não acha que está exagerando um pouco nesta colocação? Porque, por exemplo, o divórcio foi legalizado no Brasil há alguns anos e nem por isso a população inteira saiu querendo se divorciar. Não alterou estatisticamente em nada.

José Roberto Paladino: Não, eu acho que alterou sim! A estatística diz que 60% dos casamentos, depois de dois anos, chegam ao fim.

[...]: Eu queria voltar um pouco...

Hebe Camargo: Divórcio, divórcio, o que muda na vida das pessoas? Do desquitado, por exemplo? O divórcio, que segurança que te dá? Eu vejo famílias se digladiando por causa de heranças, que são divorciadas e etc e tal, com papel... Desaparece documento, desaparece testamento, inventam mil coisas, então do que adianta o divórcio? Essas coisas, desculpe se estou sendo um pouco...

Giba Um: Hebe, nós estamos aqui há mais de uma hora, somos oito homens, uma mulher, entrevistando...

Hebe Camargo: A mulher sempre sai perdendo!

[...]: Programa machista. [Risos]

Giba Um: É! Entrevistando uma mulher que não quer entrar na política. Como é que a Hebe Camargo vê as mulheres brasileiras que estão na política? Como você vê uma Beth Mendes, uma Ruth Escobar, uma Maria Cristina Tavares, qual é o seu ponto de vista sobre a atuação dessas políticas brasileiras?

Hebe Camargo
: Eu tenho lido muita reclamação com relação ao trabalho da secretária Beth Mendes, tenho lido muita crítica. Eu não sei se ela não está dando conta do recado. Eu gostaria até de não falar porque um dia eu cometi o pecado... Beth Mendes, eu te peço perdão porque eu te ofendi quando eu disse que você se elegeu por uma, por um número imenso de votos, uma legião enorme, não sei nem quanto foi... setenta [dirigindo-se aos entrevitadores]? Não sei, foi um negócio assim, uma coisa fantástica. Para a Constituinte! Certo? Para defender os direitos da mulher lá na Constituinte. De repente, o governador Quércia convida-a para ser secretária da Cultura, porque ela foi cabo eleitoral do Quércia. Ela, primeiro, tinha uma filosofia, ela era do PT [Partido dos Trabalhadores]. Como não estava servindo muito o PT, ela passou para o PMDB e passou a ser o cabo eleitoral do governador Orestes Quércia que, na ocasião, era candidato. E eu cometi o deslize de dizer que ela deve ter desapontado aqueles milhões de telespectadores que votaram nela para a Constituinte, porque ninguém votou na Beth Mendes para secretária da Cultura! Ela ia defender os direitos da mulher. E ela ficou ofendidíssima, ela foi numa televisão aí, numa rádio, acabou comigo! Então eu disse: “Meu Deus, eu não tenho direito de fazer pelo menos uma pergunta?”. Porque as pessoas que votaram nela devem ter se sentido traídas, porque não votaram para a secretária.

Giba Um
: E a Ruth Escobar?

Hebe Camargo: A Ruth Escobar foi no meu programa, eu também perguntei sobre o trabalho dela como presidente do Conselho de Defesa do Direito da Mulher e ela enrolou, enrolou, não disse nada! Aí começou a falar no tempo “dos vinte anos de repressão...” [imitando o sotaque português, de Portugal, de Escobar. Risos]... “porque é preciso... não é possível neste país, porque você tem que se lembrar que vivemos no militarismo, não sei o que lá, e nesse tempo ela estava boa, estava viajando e...”. Não me venha contestar, porque eu tenho testemunhas [apontando para a câmera]! Eu só falo as coisas quando eu posso... bater lá!

Ricardo Kotscho
: Mas, Hebe, não tem nenhuma mulher que se salva nessa relação toda?

Hebe Camargo: Tem, tem uma do PT, a Irma Passoni. Eu acredito. Eu não sou do PT, mas é uma mulher que trabalha, ela tem lutado, é uma coisa fantástica esta mulher, trabalha não sei quantas horas por dia.

Augusto Mendes
: Hebe, eu preciso fazer algumas perguntas dos telespectadores.

Hebe Camargo
: Eu não tenho nada contra a Ruth Escobar, não! Mas ela pensa que eu falo porque eu era malufista: “Eu vim no programa mas eu não sabia que a Hebe era malufista!” [imitando o sotaque do política. Risos]. Mas eu não estava falando em Maluf, eu estava falando dos direitos da mulher, que agora tem uma mulher fantástica lá - não sei se ela é parente da Pitangui -, Jandira Pitangui, formidável! Nada tem nada que ver com o Maluf! Tudo tem que pôr o nome do Maluf, não é? [Risos] Antigamente o Maluf era o coitado, tudo o que acontecia de errado era o Maluf! E agora é a CUT, você reparou? Tudo o que acontece de errado é a CUT, botam a culpa.

Augusto Mendes
: Hebe, e a Marta Pinheiro, de Ribeirão Preto, pergunta primeiro se você se preocupa com a preservação das espécies animais, e observa que você tem no seu traje uma pele de animal, e pergunta se isso não estaria dando um mau exemplo.

Hebe Camargo
: Não fui eu que matei o bichinho [mostrando o cachecol de pele amarrado na alça da bolsa]! [Risos] Olha, minha querida, quando eu comprei já estava morto, já estava costurado, e vou dizer para você uma coisa... [Risos]

[...]: Hebe...

Augusto Mendes: Se você quiser responder agora, depois eu te faço a outra.

Hebe Camargo
: Espera, deixa eu completar! Eu adoro bichinho. Galinha, na minha casa, só entra morta e depenada, porque se a coitada entrar com pena e ciscando lá...

Augusto Mendes: Envelhece lá!

Hebe Camargo: Não, vira da família! Passa... é cama e cozinha! [Risos] Não adianta, vira da família! Não morre de jeito nenhum! Agora este aqui, não fui eu que matei, meu amor!

Augusto Mendes
: Hebe, outra pergunta: “Como você se sente sendo a artista que mais tem jóias no Brasil?

Hebe Camargo
: Eu me sinto extremamente feliz, porque eu não roubei. Isso aqui que você está vendo [apontando para o colar] não foi roubado! Isso aqui [apontando o anel de uma das mãos], ainda está faltando umas prestaçõezinhas para pagar, mas é pouco. Esta aqui [apontando o outro anel da outra mão]...

[...]: Não é bijuteria, não é?

Hebe Camargo
: Não é bijuteria, não. Eu já usei muito. No começo da minha carreira eu usava bijuteria e ficava tão feliz quanto [com] tudo isso que você está vendo. Eu não roubei nenhuma dessas coisas e tudo foi comprado com meu dinheiro, com meu trabalho. Não é nem de amante!

Leão Lobo
: Você tem uma idéia do valor das jóias todas que você tem?

Hebe Camargo
: Eu não tenho essa coisa assim, que todo mundo pensa, não!

Leão Lobo
: Pois é, porque falam tanto.

Hebe Camargo: Tenho, graças a Deus, muita coisa.

Boris Casoy
: Hebe, você está falando do começo da sua carreira, eu queria saber onde anda a cantora Hebe Camargo!

[Falam simultaneamente]

Hebe Camargo: A cantora, com essa barbaridade, como ela vai arranjar...?

Augusto Mendes: Por que você não canta mais, Hebe?

Ricardo Kotscho: Hebe, você já fez imitação, já quase chorou, riu “pra” burro, fez de tudo aqui, só falta cantar!

Boris Casoy
: Ricardo, a Hebe não canta há muitos anos publicamente. Eu queria saber por quê. A Hebe Camargo iniciou a carreira dela como cantora, era conhecida como cantora e agora tem a imagem desvinculada, agora ela é a apresentadora Hebe Camargo. Eu queria saber porque ela não canta mais, o que aconteceu?

Hebe Camargo: Porque você está vendo esta voz? Já imaginou esta voz cantando, que horror? Eu não posso judiar os meus telespectadores. Eu adoraria...

[Falam simultaneamente]


Boris Casoy: Você perdeu a voz como cantora?

José Roberto Paladino: Na entrevista que você deu para a [revista] Afinal, você disse não que canta e nem é cantada mais. [Risos] Antigamente, no início da carreira, você era muito cantada?

Leão Lobo: Mas você foi muito cantada hoje!

Otávio Mesquita
: Olha, me conta uma coisa: com relação à televisão dos dias de hoje, você que acompanhou toda a evolução da televisão, você acredita que as televisões, as emissoras estão abertas a uma nova linguagem em termos de apresentadores, de pessoas que começam televisão, que começam a fazer televisão? Você acha difícil ingressar nesta carreira que você, que até o Salomão Schwartz diz que você é a primeira-dama da televisão? Eu queria que você desse sua opinião a respeito disso.

Sonia Goldfeder: Posso fazer um adendo, a única mulher aqui? [Risos] Porque quando começou o programa, acho que ainda não estava no ar, você falou: “Nossa, sábado o país parou porque a Xuxa foi visitar o presidente!”, com ar bastante crítico, não é?

Hebe Camargo: Não, pelo amor de Deus, eu adoro a Xuxa!

Sonia Goldfede
r: O que você acha da Xuxa, este novo símbolo sexual infantil brasileiro?

Hebe Camargo
: Adoro a Xuxa, aquele chumaço [referindo-se ao rabo de cavalo em cima da cabeça que a Xuxa usava no início da carreira como apresentadora infantil]! Só ela que pode usar aquilo, [que pode usar] qualquer coisa, se ela botar um abacaxi, um chuchu aqui, ela fica linda, porque ela é linda.

Sonia Goldfeder: Ela é uma nova Hebe Camargo?

Hebe Camargo
: Imagina! [Risos] O que é isso? Quem sou eu?

Giba Um: E do “Xarney” ? [Risos] O que você acha? Era bom que no ano que vem ele fosse embora ou ficasse?

Hebe Camargo: Eu acho o bigode do Sarney um pouco grosso demais. O bigode.

Otávio Mesquita: Mas o que você acha da televisão, da... ?

Hebe Camargo: Não fala o que você acha que tem uma resposta, hein.

Otávio Mesquita: Pode falar, vale tudo aqui! [Risos]

Hebe Camargo
: Não. O que eu acho do Sarney?

Otávio Mesquita: Não, não. O que acha dessa nova linguagem, de repente... a dificuldade de novos apresentadores de televisão começarem a fazer televisão nos dias de hoje. Quer dizer, qual a dificuldade que tinha no passado e tem hoje, de novos talentos em televisão?

Hebe Camargo: Você vai perguntar isso para eles, eu já estou saindo.

Otávio Mesquita
:Mas então, já que está saindo, você conhece...

Hebe Camargo
: Não, pelo seguinte: se eu estou tendo dificuldade nesta altura da minha vida e ainda tem gente que me critica porque eu tento acompanhar, porque mudou tudo, mudou tudo, mudou... Olha o desenho ali, que gracinha, adoro estes desenhos [referindo-se à charge de Caruso sendo exibida, em que Hebe aparece sentada no centro da roda equilibrando em uma mão uma maçã muito grande, na qual se lê “POLÍTICA” e da qual sai um verme]! [Risos] Os desenhos, as caricaturas, eu amo! Se eu não acompanhasse a mudança, se eu não acompanhasse a linguagem, eu não estaria na televisão ganhando muito bem. Certo?

Leão Lobo: Quanto você ganha?

Ricardo Kotscho: Você é uma pessoa que se expõe muito, não é? Deixa eu só [como a pedir licença a Lobo]... seguindo o caminho aí...

Leão Lobo: Aproveita e pergunta quanto ela ganha... [ao fundo]

Ricardo Kotscho
: Depois você diz também quanto é que ganha, porque todo mundo quer saber. [Risos] Você é pessoa que se expõe muito, essa tua verdade que você coloca no vídeo, e é muito criticada e muito elogiada por isso. Qual foi a crítica que mais te magoou na vida toda, Hebe?

Hebe Camargo
: [Pausa] Você sabe - que coisa engraçada -, eu pensei que eu tivesse vacinada contra crítica, porque chega uma certa hora da sua vida que você até passa a conviver, certo, com essas coisas. Mas eu cheguei à conclusão que ainda não estou. Mas é evidente que existem críticas e críticas, não é? Uma crítica que... Helena Silveira, por exemplo, me criticava de uma maneira tão primorosa, que eu dizia: “Meu Deus do céu eu preciso acertar porque ela tem razão”. Porque ela criticava com uma absoluta certeza, delicadeza, orientando mesmo para que eu pudesse fazer melhor. E tem algumas críticas que você de repente lê e diz: “Onde é que está a chave da coisa”. Certo? Então, isso magoa, não porque eu estou sendo criticada, porque eu acho que todos nós, às vezes, temos um dia que...

Ricardo Kotscho
: Mas teve alguma crítica em especial que te marcou profundamente, Hebe?

Hebe Camargo
: Ah, eu sou permanente criticada. Outro dia chegou um recorte de Curitiba acabando comigo, mas era matéria paga. Porque, de repente, o meu programa - o meu programa é ao vivo -, e chegou o prefeito de lá. E eu nem sabia que ele ia participar do programa. Então, chegou alguém da produção e disse: “Olha, o prefeito vai ter que entrar porque chegou, disse que veio só fazer uma visita para você”. Mas para ele fazer visita só e não responder nenhuma... não fazer uma perguntinha, não é? Eu estava preocupada com esse negócio do desemprego, que está todo mundo dizendo que não tem desemprego, que está tudo uma maravilha. O negócio é dito assim: “[Iniciando a frase com um riso cínico] Não tem desemprego, está tudo ótimo!”. A gente está vendo o pessoal sendo mandado embora... [sendo interrompida]

Giba Um: Este sorriso aí o quê era? Uma imitação do Bresser? [Risos]

Hebe Camargo
: [Pausa] É!

Augusto Mendes: Hebe, nós temos uma pergunta, que você vai poder acompanhar por aqueles monitores, da Perpétua Lopes, que é do seu fã-clube.

Hebe Camargo: Eu não terminei uma pergunta do... [olhando ao redor, para os entrevistadores]

Giba Um
: Dá tempo ainda, tudo bem.

Hebe Camargo: Depois eu... ?

Augusto Mendes: Isso. E é uma pergunta ligada ao que o Ricardo Kotscho tinha perguntado, queria que [o VT] entrasse agora.

[VT com pergunta de Perpétua Lopes]: Gostaria de saber qual a sua maior emoção e qual a sua maior frustração no palco?

Hebe Camargo
: [Abaixa a cabeça, contendo o choro] Ô Perpétua, logo você? Poxa! A minha vida é uma vida cheia de emoções, você deve imaginar. Eu, às vezes, mal tenho tempo de ser aquela pessoa que você admira, que você acompanha, a Hebe Camargo estrela, para você. Você, que desempenha um trabalho extraordinário. Bonita como você é, feirante, você levanta às três, quatro horas da manhã, infalivelmente às terças-feiras você está sentadinha lá como está sempre o Flávio, como está a Dora, a santa Virgínia, aquele público cativo. E, às vezes, eu não tenho nem o tempo de ser a estrela que vocês admiram e querem. Vocês me fazem estrela, [por]que eu não sou. E essa emoção de estar todas as terças-feiras com o público, que me dá esta grande emoção, que me corta agora a voz - porque quando eu fico nervosa, me dá uma rouquidão fantástica. Quando eu estou realmente ali, é evidente que eu estou falando da minha carreira, eu tenho emoções dentro de casa com a minha família, com meu filho, com o Lélio, como eu tenho também tristezas, como tenho brigas, desentendimentos. Agora, a emoção de carreira realmente é aquele momento [em] que eu entro em cena e é aquela entrega total. Eu disse até, é como se fosse um ato de amor, eu estou tendo uma relação sexual, sabe? Com o público, com o Brasil. E aquela vontade desse relacionamento, desse ato sexual ter um final de gozo extraordinário, quando eu transmito, quando eu digo aqueles problemas que eu coloco e que eu realmente gostaria que fossem resolvidos, que eu acho que podem ser resolvidos, porque o país é bárbaro, eu adoro o Brasil, e eu fico tão triste quando eu vejo os estrangeiros que ajudaram a construir esta maravilha, de repente numa reportagem, num telejornal, eles lá no Consulado dizendo que vão embora. Ou é uma portuguesa, ou um italiano, ou é um polonês, ou é um... sei lá. Essas pessoas todas que ajudaram querendo ir embora... Porque eu nunca vi isso, e as pessoas estão indo embora. Então isso me tritura, como brasileira que sou, porque eu adoro, eu adoro o Brasil. Eu posso ir para qualquer lugar do mundo, eu não acho nenhum lugar do mundo melhor nem mais bonito. Às vezes - o Lélio vai agora ficar triste comigo -, ele adora, no fim de ano, a gente ir ou para Nova Iorque... Passamos um réveillon maravilhoso, gostoso, feliz, jogando serpentininha desse “tamaninho” assim – não sei por que os de lá eram desse tamanho [indicando uma rodela entre o polegar e o indicador. Risos entre os entrevistadores], os daqui eram grandes. O Giba até estava presente! Bonito, alegre, Paris, todo mundo diz: “Meu Deus!”... E eu falo essas coisas e as pessoas às vezes ficam chocadas: “Não é verdade, ela está fazendo é onda”. Não é onda! Eu preferiria mil vezes ficar aqui num cantinho, numa praia, num pé no chão, ou num sitiozinho, vendo galinha, criando galinha, no Pantanal, que é uma coisa deslumbrante, deslumbrante o Pantanal! E então, quando eu vejo os estrangeiros querendo sair do Brasil, porque o Brasil está realmente atravessando uma crise que eu nunca vi, é muita, muita gente junto perdendo emprego. Sabe? E, de repente, você se sente impotente, por mais que você ajude, às vezes você se sente pequena para você poder atender os pedidos de todas as pessoas. Eu não posso também estar falando e nem ajudando todo mundo que eu gostaria. Você [apontando para um dos entrevistadores] sabe que tem uma pessoa que amanhã vai atravessar um momento extremamente difícil. Eu não vou dizer o nome, mas olha, eu cobro isso das televisões, eu cobro isso do governo, porque as pessoas pagam toda uma vida o INPS, pagam antecipadamente e, na hora que precisam, não têm o benefício que foi pago antecipadamente. E tem uma pessoa que amanhã vai passar um momento muito difícil, que não está na televisão, não sei por que, e que se for depender do INPS, vai perder a pessoa mais amada que ela tem, porque o INPS não vai suprir a necessidade que ela tem. Eu peço desculpas de estar falando sobre isso [chorando, pega um lenço e assoa o nariz], não gostaria... E sei que ela está vendo, quero que ela não esteja vendo, por favor. Mas eu acho que ela não precisaria atravessar este momento que ela vai atravessar. E eu disse para ela: “Fique tranqüila, você tem muito mais amigos do que você imagina”. É mais... Então, é por isso que de repente eu fico cobrando do governo, porque eles prometem tudo antes, eles falam que vão cuidar dos problemas de previdência. Eu vi o próprio ministro chorar como eu estou chorando agora, eu acreditei nele, eu falei: “Ele está chorando porque estão fazendo uma cobrança e não deve ser verdade o que estão falando dele”. De repente, eu leio no jornal que ele vai construir, não sei, trezentos e tantos apartamentos ou casas em Brasília, o mesmo ministro que chorou porque falaram uma inverdade, segundo ele, que o prédio que ele fez custaria tanto e que ele pagou tanto. Mas é um prédio majestoso! Será que há necessidade disso? Será que esses apartamentos que vão ser construídos não deveriam estar atendendo às necessidades dessas pessoas que já pagaram, que já levaram uma vida inteira pagando e de repente podem correr o risco de perder uma pessoa que está, que está num estado de desespero porque não tem o dinheiro para pagar um médico que vai fazer essa operação? E é um direito que ela tem, esse médico deveria ser pago! Então, é tudo isso que de repente toma conta de mim. E você pode até estar dizendo: “Mas ela está com jóia, está com isso, está com aquilo, por que ela não dá a jóia?”. Se resolver eu dou, eu não estou precisando dar a jóia porque eu ainda tenho dinheiro para ajudar, mas eu estou ajudando um monte de pessoas, eu não posso... Daqui a pouco eu tenho que vir aqui para pedir para mim. Na medida do que eu posso eu estou ajudando, mas não sou eu que tenho que ajudar. Você [apontando para a câmera], é você, que está no governo, é você, que é ministro, você que é presidente, você que é governador, você que é deputado, que vai nas ruas, que faz demagogia nas favelas. Na época que você precisa do voto, você vai aonde quer que seja necessário ir. Depois de eleito, nunca você recebe essas pessoas que precisam [elevando o tom da voz]! Você se esquece da cara deles! Você não tem este direito. Vocês têm que abrir as portas e deixar que a população participe realmente. Agora, essa população que paga tem que ser atendida, não pode ficar... Quem tem dor não pode esperar, dor não agüenta! Uma criança que tem uma dor de ouvido não agüenta esperar para ser atendida daqui a quinze dias. Uma pessoa que tem que amputar uma perna porque está com gangrena não pode esperar ter o dinheiro ou arranjar o dinheiro para poder internar. E é uma pessoa que pagou a vida inteira o INPS. Porque não tem o dinheiro do benefício do INPS se ela pagou? É um dinheiro que saiu dela? Saiu do seu ordenado, é um dinheiro que sai antes que ela receba. É o único dinheiro que sai antes. E para onde vai? Para onde vai? Vai fazer prédios. Agora estão querendo fazer aí uma nova Câmara. Para quê? Se vereador só... eu soube que vereador só é vereador para dar nome de rua, para dar medalhinha para cidadão. Para que gastar dinheiro em medalha, vai pagar quem pagou! Para que prédio, se nesse que está aí vocês não fazem nada? Para que mais prédios, mais andares, para quê? Ou eu estou dizendo alguma inverdade? Não é! Vocês não fazem coisa nenhuma, vocês estão a fim de agradar o prefeito. Vocês estão a fim de querer cargos. Se vocês pensarem um pouco que vocês foram eleitos por pessoas que realmente precisam, vocês teriam um pouco de vergonha na cara! E se for este o meu último programa, eu não estou nem aí, porque toda semana, quando eu vou fazer o meu programa e que eu tenho que dizer alguma coisa que é o meu coração que está falando, eu vou, digo, e falo: “Se hoje for o último, estou feliz, porque fiz uma coisa em favor das pessoas”. Sem ser candidata, sem fazer promessa. Porque não prometo para ninguém que vou fazer, que vou falar e ajudar, mas na medida do que eu posso eu ajudo. E nunca deixei de ajudar as pessoas que precisaram nesse momento. Agora, vocês tomem vergonha na cara! Vê se vocês trabalham por este povo, se vocês querem ser reeleitos! E também não entendo porque é que ficam querendo ser reeleitos sempre. Dêem oportunidades para os outros, para aqueles que querem realmente fazer alguma coisa. Porque se vocês estão só pensando em cargo: “Quero ser vereador, agora quero ser deputado, agora...”, porque aí vai acumulando inclusive aposentadorias, que eu também não consigo entender isso. Aposentaria para mim é uma só, você paga até um determinado tempo, de dinheiro, sei lá, e recebe uma coisa minguada. Aí, de repente, um outro está lá falando: “Eu recebo uma aposentaria de oitocentos mil cruzados, mas eu mereço!”

[...]: Está na lei!

Hebe Camargo: Todas as pessoas que trabalham e que recebem aposentadoria merecem porque trabalharam a vida inteira. Não vem "botar banca" de dizer: “Porque trabalhou e merece”, porque todos os aposentados trabalharam um dia. Os que não trabalham estão aí, sendo presos porque estão assaltando, estão matando, estão estuprando, estão se voltando para o tóxico. E por quê? Onde está esse tóxico, essa cocaína toda que dizem que vale uma fortuna? Está guardada? Está guardada para quê? Para continuar aí, incentivando...? Então, para que campanha para dizer para as pessoas para não serem viciadas? A gente quer ajudar, eu quero ajudar as pessoas, mas eu corro o risco de ser presa por traficante se eu for ajudar algum amigo que, por acaso, venha a ter o vício. Eu corro esse risco. Que espécie de campanha é essa contra o tóxico? Que está tudo guardado ali para pesquisa. Pesquisar o quê? Temos é mesmo que ver... vamos botar na praça pública, vamos queimar. Mas aí, o dinheiro, como é que faz? Desculpe... Eu fui além do que eu devia e nem respondi a pergunta da Perpétua.

Leão Lobo: Hebe, no seu programa da semana passada você abriu o programa falando com a câmera assim, direto, como você estava fazendo agora, emocionada, e disse uma série de coisas. E o telefone da minha casa em seguida não parou. Pelo menos umas vinte pessoas durante o programa ligaram para mim para saber o que você estava falando. E eu até desconfiava o que era, mas eu acho importante você colocar aqui, porque muita gente...

Augusto Mendes: Aliás, vários telespectadores ligaram fazendo esta...

Leão Lobo: Esta mesma pergunta?

Augusto Mendes: Este mesmo tipo de curiosidade.

Hebe Camargo: Porque eu estava triste?

Leão Lobo: Isso.

Hebe Camargo: Porque eu estava... Eu não estava triste, eu estava magoada, porque se a gente faz alguma coisa a gente é criticada ou mal interpretada. Se a gente não faz, a gente é criticada. Eu, eu fiz uma coisa pensando que eu estava fortalecendo uma classe de jornalistas. Um grupo de brilhantes jornalistas, jovens, como vocês, vocês [apontando os entrevistadores], da nova geração, fazendo um trabalho sério, bonito, respeitável, informativo, muito bem feito. De repente, não houve um entendimento entre a direção da emissora por causa do bendito salário. E eles não tiveram sequer a oportunidade de se despedir daquele público que eles formaram durante um ano, [em] que eu estava incluída, eu era telespectadora. Eu vibrava com aquele trabalho, eu aplaudia aquele trabalho. E quando eu estava em casa num dia de grande cansaço, porque não é só um programa de televisão que eu faço. Eu atendo, na medida do que eu posso, as pessoas. Eu tenho casa, eu tenho família, a minha família também precisa de mim. E, de repente, eu ligo a televisão para ver e o grupo não estava lá. Tinha uma partida de tênis. Eu sabia que eles iam se despedir no dia 31. Aí, eu achei aquilo uma afronta, não só para com o grupo, mas com para com o telespectador, não dar sequer a oportunidade deles dizerem: “Tchau, até qualquer lugar, a gente se vê”. Porque oportunidade não falta aos valores. Eu digo sempre para as pessoas, sem intenção de dar conselho, porque não sou ninguém para dar conselho: antigamente, os atores tinham muito medo de sair da Globo, e depois perderem o prestígio. E eu sempre dizia: “Se você tiver realmente valor não tenha medo de sair porque você será tão grande em qualquer lugar que você for, não é a Globo que te faz grande, é você que é, você que é bom”. E alguns não tiveram medo, saíram, e a Globo precisou. A Maitê [Proença] está voltando agora, o Guarnieri, Fernanda Montenegro - divina, gloriosa, maravilhosa -, Paulo Autran, e tantos outros. Os grandes valores saíram e não deram a menor bola, e voltaram porque são grandes, acreditam neles, não é porque é a Globo. E esses meninos, eu imediatamente telefonei para a [Silvia] Popovic [apresentadora de televisão], eu falei: “Popovic querida, eu quero prestar uma homenagem pra vocês!”. Homenagem! Eu não queria tirar o lugar de ninguém pra levar... Seria maravilhoso se eles pudessem ir também lá, enriquecer o jornalismo do SBT, mas não passou em nenhum momento da minha cabeça tirar ninguém de lá para levar a equipe, em momento nenhum, seria um... seria uma coisa... uma incoerência. Se eu estou querendo um emprego para as pessoas, ia querer desempregar a equipe de uma emissora [de] que estou com a camisa vestida? E levei todos. E prestei a minha homenagem, eu falei: “Não vamos tocar no nome da emissora porque de repente vocês podem até voltar. Não vamos fechar as portas, porque eu acho que a gente sempre deve sempre sair de um lugar deixando as portas abertas”. E nem se tocou no assunto. Todos eles foram elegantíssimos. No final do programa, cada um deu o seu ponto de vista, se despediu, elegantemente: “Até qualquer momento”. E eu fui mal interpretada pelos meus companheiros, por alguns, achando que eu queria que eles fossem e que, com aquele gesto, eu estava denegrindo o jornalismo do SBT. Aquilo me magoou realmente, eu estou abrindo meu coração, porque não adianta, eu não sei esconder as coisas. Da mesma maneira que eu dou aquela gargalhada escandalosa quando você disse: “Primeira-dama” - dama não ri daquele jeito! A primeira-dama sempre foi Sonia Ribeiro, que não teve também homenagem que deveria ter merecido. Passaram um tapezinho medíocre quando eles têm um arquivo imenso de grandes participações da Sonia em grandes festas do Roquete, em shows. E não recebeu também. A grande dama da televisão foi, indiscutivelmente, a Sonia Ribeiro.

Augusto Mendes
: Hebe...

Hebe Camargo
: Então, foi por causa disso que eu estava naquele estado e voltei a ficar, porque eu fiz uma coisa com a alma mais pura do mundo.

Augusto Mendes: Infelizmente mesmo, nós temos que encerrar o nosso programa, porque a TV Cultura vai transmitir daqui pouco o jogo de basquete feminino das seleções do Brasil e México nos Jogos Panamericanos. Acho que nós tivemos tempo para conhecer um pouco melhor a grande apresentadora Hebe Camargo. Acho que este teu tocante monólogo, de alguns minutos atrás, respondeu a várias perguntas que nós faríamos e que os telespectadores fariam e fizeram, e gostaria só de passar, de devolver a palavra a você, para nestes instantes finais do programa, você passar algum recado sobre algum assunto que você eventualmente gostaria de ter abordado e não pôde. Acho que nós todos gostamos muito dessa conversa, e os telespectadores ainda mais. Hebe Camargo.

Hebe Camargo
: Eu só queria pedir desculpas neste momento, dessa comoção que tomou conta de mim. Eu estava temerosa de vir no Roda Viva, que eu assisto, eu sou uma grande admiradora deste programa. Eu até perguntei para o simpático motorista que foi me buscar: “Está frio mesmo ou eu estou tremendo de medo?” Porque eu tinha muito medo de vir, de ser encostada na parede e de me perguntarem coisas que eu, talvez, eventualmente, não soubesse responder. Mas eu estou muito bem, me sentindo muito feliz de ter estado com uma equipe tão maravilhosa, e realmente entre amigos que me pouparam. E eu trouxe uma chave aqui de ouro [exibindo uma pequena chave de ouro], que eu ganhei um dia de pessoas... Eu gostaria até de deixar bem claro, a única coisa que eu não gosto é de ser usada. Às vezes as pessoas usam a gente, não é? E, às vezes, a gente não sabe. Eu ganhei um dia uma chave de ouro que abria uma porta. Esta chave hoje não tem nenhum valor, ela não abre nem fecha. A porta foi fechada na minha cara como foi fechada a porta do padre quando eu fui levar os alimentos lá, ingenuamente, pensando que não era uma coisa política. Essa chave, apesar de ser de ouro, não tem nenhum valor, porque eu fui usada enquanto havia um interesse, ou enquanto pensavam que a velha Hebe estava velha demais. De repente, a velha Hebe vem até no Roda Viva e sai nas revistas, e como esta lindeza do Augusto Nunes diz: a Hebe virou moda! Que bom! Esta chave vai ser dada em benefício de alguém.

Augusto Mendes: Aqui encerramos nossa entrevista com a apresentadora Hebe Camargo. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira às nove e vinte e cinco da noite.

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