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Rodolpho Gamberini: Boa noite. Nós estamos começando neste momento mais um Roda Viva o programa de entrevistas e debates da TV Cultura. Esta noite como nosso entrevistado no Roda Viva está o professor Pietro Maria Bardi, diretor do Masp, o Museu de Arte de São Paulo. Para participar desta nossa conversa, deste nosso Roda Viva desta noite, estão aqui: Carlos Von Schmidt, editor da revista Artes; Aldemir Martins, artista plástico; Darcy Penteado, artista plástico; Milton Mesquita, também artista plástico; Maria Bonomi, artista plástica; Francesc Petit, publicitário e artista plástico; Radha Abramo, crítica de arte; Olney Krüse, crítico de arte também; e Tereza Cristina de Barros, repórter e apresentadora da TV Cultura. [Programa ao vivo] Professor, o senhor está à frente do Masp, é o fundador do Masp [e] já há quase quarenta anos que o senhor dirige o museu.
Pietro Maria Bardi: Quarenta anos.
Rodolpho Gamberini: De 1947 a 86.
Pietro Maria Bardi: Exato.
Rodolpho Gamberini: O senhor considera sua missão cumprida?
Pietro Maria Bardi: Bom, naturalmente uma missão nunca é cumprida. Ela sempre continua. Resta saber se nos próximos anos nós conseguiremos declarar que a missão, de verdade, foi boa.
Rodolpho Gamberini: O que falta, o que o senhor acha [que falta] para cumprir essa missão?
Pietro Maria Bardi: Bom, naturalmente quando existia o senhor Assis Chateaubriand, ao qual me permito já de mandar dar um alô, as coisas eram muito fáceis, porque com o senhor Chateaubriand era possível realizar qualquer coisa. Se precisava de um dinheiro para comprar um quadro, precisava [de] um dinheiro para ter uma sala no velho museu, aliás, um andar no velho museu, então se falava com ele e pronto. Dava um telefonema e tudo era feito. Hoje em dia, nós temos passado na Avenida Paulista... as dificuldades são numerosas, especialmente do ponto de vista econômico. O Chateaubriand fundou uma sociedade civil sem fim lucrativo, não quis fundar uma fundação. Essa sociedade foi reconhecida em 1952 pelo Getúlio Vargas [presidente da República entre 1930 a 1945 e de 1951 a 1954] como uma sociedade de utilidade pública. Então, nós vivemos, depois de cerca de vinte anos, de pequenas doações, de pequenos trabalhos que eu consigo fazer no museu como a bilheteria para os concertos, para o cinema, para os cursos, para obras de restauro que se fazem para terceiros... Alguma ou outra doação se recebe quando, não digo alugamos, mas quando nós emprestamos a nossa sala e temos um reconhecimento que nos paga um pouco de luz, um pouco de contínuos. Agora, é extraordinária. E, bem ou mal, bem ou mal até hoje eu consigo dar a este museu uma situação financeira que não é das melhores, aliás, diria que é das piores [risos], mas quando às vezes precisou algum dinheiro no caixa, eu tirei do meu bolso pessoal... [sendo interrompido]
Rodolpho Gamberini: Radha Abramo, a crítica Abramo, está querendo...
Pietro Maria Bardi: Devo declarar também, para desmentir vários boatos, que aqui a cidade é mesmo de boato, os boatos vão um depois do outro, um depois do outro, se multiplicam, entende?
Rodolpho Gamberini: Que boatos? A que boatos o senhor se refere?
Pietro Maria Bardi: Ao caixa do museu. A última vez, foi há sete, oito meses atrás, porque estava numa situação muito crítica. Eu dei do meu bolso 450 milhões de cruzeiros. Bom, então, um pouco com uma convenção, um pouco com outra armadilha, vamos dizer, um pouco pensando sempre no Chateaubriand, porque com o Chateaubriand nós éramos declarados uma dupla. E fomos, de fato, uma dupla. Uma dupla também do ponto de vista financeiro, porque o nosso museu precisava de dinheiro e, quando precisa de dinheiro, alguém deve sustentar.
Rodolpho Gamberini: Por favor, professor...
Pietro Maria Bardi: Com o Chateaubriand, repito, era muito fácil, porque o Chateaubriand vivo resolvia qualquer problema, para lhe dizer, a esta espécie de tribunal [referindo-se ao programa com seus entrevistadores] que aqui está a me julgar. [Risos]
Rodolpho Gamberini: Mas é um tribunal amistoso. A Radha Abramo quer fazer uma intervenção.
Pietro Maria Bardi: Nós já fizemos algum ato que não é verdadeiramente um ato para um museólogo, e sim um ato de um comerciante, porque eu sempre declarei que fui comerciante de arte, que fui mercante de artes, nunca neguei isso porque é o meu sustento de vida. E fizemos alguma coisa, algum ato como o fato de comprar quadros, à crédito, por milhões de dólares, e a uma certa altura precisávamos pagar esses milhões de dólares. Os milhões de dólares eram nada menos que quatro milhões de dólares, que nós devíamos para pagar, que nós já tínhamos comprado à crédito no exterior. Então, eu tive a idéia de dizer ao Chateaubriand: “Veja doutor Assis, o senhor veja de fazer um empréstimo, um empréstimo para nós pagarmos esta quantia porque sempre temos pressões, pressões, pressões”. Eram contínuas, às vezes até telegráficas, para pagar. Chateaubriand me disse textualmente: “Veja, aqui ninguém me empresta um cruzeiro”. Eu digo: “Mas veja, um cruzeiro é pouco”.
Darcy Penteado: Professor, eu posso fazer uma intervenção? Eu gostaria de dizer, então, lembrar que o senhor foi quem primeiro teve o problema da dívida externa no Brasil, não é?
Pietro Maria Bardi: Sim.
Darcy Penteado: Pelo jeito o senhor enfrentou muito antes dos nossos governos aqui.
Pietro Maria Bardi: A dívida externa, não como Chateaubriand, em dupla, nós combinamos assim: “Veja, doutor Assis, o senhor faça um empréstimo nos Estados Unidos”. Todo mundo corria atrás dos Estados Unidos e os Estados Unidos dava dinheiro para indústria, para uma coisa ou outra. Mas será difícil que nos dê dinheiro para um museu? De fato nós fomos a Nova Iorque, os dois, a dupla, e enfrentamos o senhor [David] Rockfeller, que era presidente do Chase Manhattan Bank, e lhe pedimos um empréstimo de quatro milhões de dólares. O Chateaubriand falando com seu inglês, eu com a papelada de fotografia, de quadro, de coisas, para demonstrar que se tratava de um empréstimo bastante justo, bastante honesto e, finalmente, conseguimos. Rockfeller nos encaminhou com um diretor, em breve, para não dar demais detalhes, nós saímos do Manhattan Bank com um empréstimo de quatro milhões de dólares com o qual liquidamos todas as dívidas feitas justamente para formar o primeiro núcleo da nossa Pinacoteca.
Carlos Von Schmidt: Professor, o senhor foi avalista desse empréstimo?
Pietro Maria Bardi: Como?
Carlos Von Schmidt: O senhor avalizou o empréstimo? O senhor ficou como responsável?
Pietro Maria Bardi: Naturalmente eu fui, vamos dizer, o responsável pela avaliação das coisas que se tinha comprado, de todas as coisas que se tinha comprado, [por]que o boato local do tempo dizia que eu tinha feito um museu de obras falsas e isso aqui é bom de dizer, para desmentir essa gente que deu via a esse boato. Alguém que publicou até em jornais do Rio e já se tinha a necessidade, antes de falar com o Rockfeller, de demonstrar que não se tratava absolutamente de um fato criminoso, mas se tratava efetivamente de compra de quadro de uma certa importância.
[...]: Professor, qual é o valor hoje dessa coleção?
Pietro Maria Bardi: Bom, eu penso que o valor que nós temos em balanço da coleção é de quinhentos milhões de dólares. Devo declarar, a honra de alguém que fez essa Pinacoteca, que se gastou os famosos quatro milhões de dólares, dos quais já disse, e mais alguns milhões de dólares que Chateaubriand tirou de um e outro ricaço da cidade e até do país. Eu me lembro que um dia o Chateaubriand chegou de Goiás e me disse: “Tirei cinqüenta mil dólares de um fazendeiro de Goiás para comprar um Cézanne” [Paul Cézanne (1839-1906), artista impressionista francês]. Eu digo: “Mas como o senhor conseguiu?”.
Aldemir Martins: Já foi confiscado o boi nessa época! [Risos]
Pietro Maria Bardi: Como?
Aldemir Martins: O boi já foi confiscado nessa época!
Pietro Maria Bardi: Sim, lógico. [Risos] E, naturalmente, nós conseguimos formar essa Pinacoteca. Em 1953, a situação dos boatos era tão grave que eu fui ao Chateaubriand e disse: “Doutor Assis, o senhor deve processar, no mínimo, a gente que publicou essas coisas em jornais cariocas”. O Chateaubriand me disse: “Eu não faço processo neste país”. Ele, que era professor de direito! Escutei ele e ainda me disse: “Invente uma qualquer coisa para resolver esse problema”. Eu disse: “Veja, estou já com um convite do governo francês para levar cem obras da coleção, que nós já fizemos, para Paris e expor em Paris”. Chateaubriand me disse: “Mas o senhor consegue?”. E eu: “Deixe comigo!”. Mandei centena, fiz um lifting [técnica de restauração], fiz a embalagem de cem quadros de toda a Pinacoteca, carreguei e, sem seguro nenhum [risos], sem seguro nenhum levei para o Rio. E lá carreguei num navio misto argentino e desembarquei no Le Havre [porto marítimo na cidade de Le Havre, na França]. O Le Havre já era um acordo com o diretor do [Museu do] Louvre, que era nesse tempo o Germain Viatte. Mas combinamos de expor tudo na própria L’Orangerie do Louvre [museu construído no reinado de Napoleão III, em frente ao Louvre e ao lado do Museu Jeu de Pomme]. O idiota, este aqui, este acusado hoje dessa melhor companhia [risos], corre à embaixada do Brasil: “Que quer o senhor de nós?”. “Veja, eu estou aqui com uma exposição do senhor Chateaubriand e tal”. “O que quer de nós?”. Digo: “Quero dos senhores que convidem o presidente da República francesa para inaugurar a minha exposição”. Naturalmente, porque são diplomatas, não me disseram que era louco! Bom, então me deu um pontapé ideal e eu fui embora da embaixada. Mas os meus amigos de Paris - porque, afinal, eu era nesse tempo um europeu -, falei com um amigo bastante influente que eu tinha em Paris, [que] me disse: “Deixe conosco, deixe conosco!”. Alguns dias depois o tal me telefona e diz: “Veja, o presidente Auriol [Vincent Auriol, presidente da França no período de 1947 a 1954, foi o primeiro presidente da Quarta República Francesa] e a senhora dele, a senhora Auriol, vão inaugurar sua exposição dia tal, às onze horas na L’Orangerie, no Louvre. Naturalmente, que [eu] deveria fazer? Eu corri a um telefone, e procuro Chateaubriand. Chateaubriand um pouco estava no Recife, um pouco em São Paulo. Encontro o Chateaubriand pelo telefone: “Doutor Assis, pega o primeiro avião e corra em Paris, porque o presidente Auriol vai inaugurar nossa exposição”. O Chateaubriand disse: “Pois non, pois non, pois non” [imita Chateaubriand respondendo com ironia e descaso]. O Chateaubriand não veio, porque o Chateaubriand pensava que eu brincava, entende? Sobre...
Rodolpho Gamberini: Não acreditou no senhor? [Risos]
Pietro Maria Bardi: Dias depois, o Chateaubriand chegou com lágrimas aos olhos e disse: “Porque o senhor não insistiu?”. “Mas doutor Assis, eu não posso brincar com o presidente da República francesa em um telefone internacional de Paris!". "É verdade! Que besta que fui! Por que eu não fui?”. De fato, veio o Auriol e a senhora Auriol no L’Orangerie. O Bardi, o Bardi, este acusado, [risos] acusado [apontando aos entrevistadores]!
Radha Abramo: Mas não é acusado!
Pietro Maria Bardi: O Bardi deu boas-vindas, naturalmente em francês, ao presidente Auriol, em nome do Brasil! Devo declarar, mais uma vez, publicamente, como já declarei várias vezes, inclusive agora no meu livro 40 anos de Masp [lançado em 1986, foi uma edição comemorativa dos quarenta anos do Museu de Arte de São Paulo], que foi editado pela Crefisul [o Banco Crefisul patrocinou a edição do livro], que a essa inauguração não estava presente nem um diplomata brasileiro, nem um contínuo do consulado, ninguém! Eu era o único brasileiro, um brasileiro bem novo, bem novo, [sorri e gesticula, porque na realidade ele estava há bem pouco tempo no Brasil] que deu boas-vindas ao presidente. O presidente, muito culto, viu quadro por quadro, chegou até a ver um grupo de quadros que nós temos, que pertencia ao Castelo de Versalhes [construído pelo rei Luís XIV na segunda metade do século XVII. Inicialmente se tratava de uma residência temporária da corte. Em 1682, Luís XIV transferiu o governo para lá, motivando a edificação de uma cidade nas proximidades do castelo. Em 1789, a família real foi forçada a voltar à capital e, cinqüenta anos depois, o castelo foi transformado em museu de história]. Nós temos cinco quadros que pertenciam ao Castelo de Versalhes e o presidente Auriol me disse francamente: “Veja se dá para fazer uma troca, porque estas obras do filho de Luis XV devem voltar ao gabinete do delfim [epíteto dado ao primogênito dos reis da França, desde 1349, que presumidamente seria o herdeiro da coroa. Por extensão, as famílias burguesas na França também chamavam o filho único, que seria o herdeiro, de delfim] que são da porta do gabinete do delfim, que agora está vazia”.
Maria Bonomi: Delfim, filho do rei?
Carlos Von Schmidt: Delfim, filho do rei. [Risos]
Rodolfo Gamberini: Professor, professor...
Pietro Maria Bardi: Naturalmente eu digo, nós somos, eu sou brasileiro, nós somos gente que está nascendo no campo de uma Pinacoteca, vamos até dizer, “deu uma banana” [expressão usada quando se quer dizer que não deu importância e que o pedido foi negado] às autoridades francesas!
Radha Abramo: Professor Bardi, eu tenho visto inúmeras telas do museu e inúmeras exposições importantes, exposições feitas na Europa, que circulam pela Europa inteira como obras do museu. Eu acho que por aí já fica desfeita essa imagem, de que o senhor se magoa tanto, de que as obras adquiridas tivessem algum problema, porque os museus na Europa, com os curadores que fazem essas exposições que são inúmeras, não iriam, de maneira nenhuma, solicitar obras do Museu de Arte de São Paulo se não fossem obras originais e de boa qualidade para representar nas suas exposições.
Maria Bonomi: Visto que elas não foram pintadas no Brasil. Elas saíram de lá para cá e daqui voltaram.
Radha Abramo: Exatamente.
Maria Bonomi: Quer dizer, não cabe tua observação. É outra colocação.
Pietro Maria Bardi: Veja, a exposição que nós fizemos no L’Orangerie, foi a consagração naturalmente do Museu de Arte de São Paulo. Logo nós fomos chamados em Londres para expor nada menos que na Tate Gallery toda a nossa coleção. Fomos em Berna, fomos em Bruxelas, fomos em Milão.
[...]: Japão.
[...]: Paris.
Pietro Maria Bardi: Apresentamos sempre a coleção que nós planejamos de fazer, que foi consagrada pela crítica, pelos historiadores da Europa e depois pelos historiadores da América, porque a última exposição que nós fizemos foi justamente no Metropolitan Museum de Nova Iorque [The Metropolitan Museum of Art, também chamado de "Met", localizado no Central Park, foi fundado em 1870 por um grupo de empresários, artistas e intelectuais estadunidenses e é um dos maiores e mais importantes museus do mundo], o qual o diretor desmontou cinco salas do Metropolitan para expor os nossos cem quadros. Aliás, depois eu juntei um quadro de Rafael [Raffaello Sanzio (1483-1520), renascentista italiano, famoso pelos afrescos das salas do Vaticano, que se destacam entre outras obras famosas], um quadro que eu penso que seja o quadro mais importante da nossa coleção. E também em Nova Iorque tivemos uma consagração, [por]que a nossa coleção era alguma coisa de muito sério. E como todo mundo, sempre quando vem um repórter, no nosso museu, me pergunta: “Qual é o valor, o valor, o valor?”. É, falam sempre de dinheiro! Nós, tendo gasto sete ou oito mil dólares, hoje temos uma coleção que em um leilão de Sothebys [a mais antiga e conceituada casa de leilões do mundo] pode alcançar além de meio bilhão de dólares!
Rodolpho Gamberini: Professor Bardi, o senhor...
Radha Abramo: Professor uma coisa...
Pietro Maria Bardi: Fale mais alto, menina! [Risos]
Radha Abramo: Pois não. Obrigada pelo menina. Eu acho o que senhor pode me chamar de menina, porque nós nos conhecemos desse tempo.
Pietro Maria Bardi: Sou jovem, mas ainda galante!
Radha Abramo: Obrigado.
Maria Bonomi: Ainda bem que o senhor está...
Radha Abramo: Professor, eu acho que com essa pequena história que o senhor conta sobre o museu, dá para o expectador perceber a importância do seu trabalho, a importância da aquisição das obras que hoje são consagradas... [sendo interrompida]
Pietro Maria Bardi: A importância, veja... Como?
Radha Abramo: ... no Brasil e fora do Brasil.
Maria Bonomi: A importância da sua escolha, porque houve uma peregrinação sua para escolher essas obras, eu sei ainda da parte do professor de Nova Iorque, histórias de toda a construção dessa coleção. O senhor atribuiu essa indiferença grotesca à ignorância que existia em matéria de arte - usei o passado - naquele tempo, no Brasil ou há fatores políticos entre Assis Chateaubriand e outros jornais que de repente foram dirigidos contra o museu?
Pietro Maria Bardi: Veja Maria, naturalmente quando nós começamos com Chateaubriand a fazer este museu, em 1946, [por]que o Chateaubriand teve a idéia, eu sempre ponho na frente o senhor Chateaubriand, porque eu fui um simples ajudante de ordem dele.
[...]: Professor, eu não concordo.
Pietro Maria Bardi: Quando, em 1946, se pensou de fazer um museu, o Chateaubriand chamava esse museu de arte antiga e moderna. Eu digo: “Doutor Assis, não deve fazer arte antiga, moderna. Arte é uma só, vale a antiga, a moderna, a futura”. E o Chateaubriand consentiu de dar a esse museu o nome simples de Museu de Arte.
Maria Bonomi: E a reação em volta disso?
Pietro Maria Bardi: E nesse tempo não existia nada em São Paulo, porque não existia nenhuma galeria comercial, não existia nada. Eu me lembro de ter ido a um antiquário que se chamava Florestano, em frente ao cemitério da Consolação, um grande armazém. E falava italiano, era filho de italiano, e ele me disse: “O senhor, o que quer?”. Eu digo: “Veja se tem alguma obra que possa servir para o nosso museu!”. “Mas que museu? Aqui nem se fala de museu e nada”. Mas eu descubro um belíssimo quadro, um belíssimo quadro, eu digo: “Veja, este quadro quanto vale?”. Disse-me: “Veja, para o senhor este quadro não vale nada, pegue e leve para o museu”. Porque não se dava importância a nada. Eu me lembro de ter visitado um redator muito importante dos diários no Rio, que é o Frederico Barata, e vejo um belíssimo quadro que eram Cinco moças de Guaratinguetá [óleo sobre tela, 92 x 70 cm, 1930] de Di Cavalcanti [ (1897-1976), um dos mais famosos pintores brasileiros]. Eu digo: “Veja, doutor, penso que seu quadro poderia ser bem interessante para nosso museu”. “Pode levar!”. Nós levamos, em 1946, 1947, eu levei quantidade de obra das casas, entende?
Maria Bonomi: O pessoal nem sabia...
Pietro Maria Bardi: Porque não...
Maria Bonomi: A importância das obras que tinha.
Pietro Maria Bardi: Não dava importância nenhuma, não dava importância nenhuma.
Radha Abramo: Entretanto, mas entretanto tinha...
[...]: Acredita que dão até hoje?
Pietro Maria Bardi: Como?
[...]: O senhor acredita que dão até hoje?
[...]: Mas hoje tem a Lei Sarney.
Pietro Maria Bardi: Naturalmente tudo agora mudou.
[...]: Eu acho que não mudou nada, acho que continua tudo igual.
Pietro Maria Bardi: Tudo agora mudou, porque quando se fala de arte, se fala de dinheiro. Quanto vale? Quanto não vale? Cada noite tem um leilão, cada semana se abre uma galeria.
Aldemir Martins: Seis exposições numa noite, seis exposições, seis exposições em uma noite. Estréia?
Pietro Maria Bardi: Seis exposições numa noite! E nesse tempo não existia nada.
[...]: Nada!
Pietro Maria Bardi: E nós procuramos bem ou mal, aproveitar - diria - dessa ignorância. O Chateaubriand tinha doado um quadro a um banqueiro daqui. Então, indo para casa, disse: “Eu vejo um esplêndido Portinari, que é o Lavrador”. [O Lavrador de café, óleo sobre tela 100 x 81 cm, 1939]”. E digo: "Mas, veja, isso aqui é um quadro que poderia ser interessante para o museu: “Pode levar! Pode levar.”
[...]: Que bom!
[...]: Professor...
Pietro Maria Bardi: E levava o quadro assim... Nós temos no museu 16 Portinari e não um, 16! Me lembro de ter ido com o Chateaubriand na Rádio Tupi, no auditório da Rádio Tupi. Vejo uma série de seis Portinari e a série da Bíblia, de Portinari [oito painéis datados de 1942 a 1944]. Eu digo: “Doutor Assis, o senhor tem um Portinari aqui no auditório da rádio?”. “Sim, pode levar. Um caminhão, e leva Bardi!”.
Rodolpho Gamberini: Senhor Bardi, pelas suas últimas respostas, a gente percebe que o acervo do Masp, hoje, é muito valioso. Tem a pergunta de uma telespectadora que ligou aqui, ela chama Rosana Riso, ela mora no Tatuapé, aqui na capital, e quer fazer a seguinte pergunta para o senhor. Ela disse que há informações que as obras do acervo do Masp não estão seguradas e se estão seguradas, assim como o tombamento do prédio, ele é genérico, ele não especifica quais são as obras que o Masp tem lá dentro, ou seja, no caso de um sinistro, que a gente não quer que aconteça, evidentemente, não saberia quais as obras que tem lá dentro e quais não tem, como é que o senhor explica essa situação?
Pietro Maria Bardi: As obras do Museu de Artes de São Paulo não são seguradas porque o seguro, quem pagaria, quem pagaria este seguro? Nós seguramos as obras somente quando nós emprestamos a outro museu. A semana passada...
Rodolpho Gamberini: Só para transporte das obras?
Pietro Maria Bardi: Nós emprestamos cinco Cèzanne, não um, cinco Cèzanne ao museu de Tóquio, e o seguro foi de vinte milhões de dólares. E nesses dias vai para o Louvre o nosso Fragonard [Jean-Honoré Fragonard (1732-1806), pintor e retratista francês foi um dos últimos expoentes do período rococó e um dos mais antigos precursores do impressionismo], que vai com um milhão de dólares. Tenho vergonha de dizer que é um quadro que eu comprei por dez mil dólares.
[...]: Professor...
Rodolpho Gamberini: Ninguém no Brasil se interessa em pagar esse seguro? Não há como pagar esse seguro?
Pietro Maria Bardi: Não, veja, eu fiz qualquer esforço para obter o seguro. A única coisa que pude fazer de pôr em cada andar de noite um guarda, de fazer um contrato com uma sociedade de alarme em caso... é a única coisa que eu pude fazer com os meios que nós temos, entende?
Maria Bonomi: O senhor acredita que se essas obras fossem roubadas, elas não poderiam ser revendidas?
Pietro Maria Bardi: Acredita no quê?
Maria Bonomi: É possível, caso uma obra dessa seja roubada, ela não seria revendida, porque são tão conhecidas...
Radha Abramo: E são todas documentadas, e tem toda... tem fotografias, não é possível que seja roubada.
Pietro Maria Bardi: Veja, nossas obras são todas documentadas, todas publicadas, já passaram em muitos museus como obras com as atribuições perfeitas.
Maria Bonomi: Quer dizer o melhor seguro dessas obras é o conhecimento universal que se tem delas, é isso.
Pietro Maria Bardi: Veja, o melhor seguro, em fato de dinheiro, de uma obra de arte, é de ver, de conservar ela bem. Me parece que no museu nós conservamos a nossa obra.
Darcy Penteado: Mas isso não impede de um sinistro, não é?
Radha Abramo: Mas existe um seguro, o seguro geral existe contra fogo, contra inundação etc.
Darcy Penteado: Mas não compensa qualquer... mas não compensa o preço de uma obra talvez, compensaria?
Radha Abramo: Não, mas essa questão, eu tenho a impressão que não se coloca porque existe um seguro contra fogo, contra água, enfim, todos os seguros possíveis contra a instituição.
[...]: É que Deus é brasileiro.
Maria Bonomi: As catástrofes.
Radha Abramo: Agora, as obras como são vastamente, amplamente documentadas, catalogadas, reproduzidas de todos os meios, é muito difícil pensar em alguém que possa se apropriar de alguma tela.
Darcy Penteado: Roubar não, mas eu digo um acidente.
Rodolpho Gamberini: Professor, professor, mas nos principais museus...
Pietro Maria Bardi: Em quarenta anos, nós não temos nenhum problema com desaparecimento de obras, com risco de obra, porque felizmente temos um público muito ordenado [em dezembro de 2007, ladrões invadem o Masp e levam quadros de Picasso e de Portinari. As obras de arte foram recuperadas em janeiro de 2008].
Rodolpho Gamberini: Senhor Bardi, nos principais museus do mundo a situação é a mesma, os quadros não têm seguro também?
Pietro Maria Bardi: Como?
Rodolpho Gamberini: Nos principais museus do mundo, nos museus de Nova Iorque, nos museus de Paris, nos museus de Tóquio, os quadros também não têm seguro? É desnecessário ter o seguro?
Pietro Maria Bardi: O senhor fala dos Estados Unidos, os Estados Unidos é outra coisa. Quando pensa que tem um único museu que pode gastar a custo de obras, aquisição de obras setenta milhões de dólares, em um ano, quando pensa que o Metropolitan tem cada ano seis milhões de visitantes. Lá...
Rodolpho Gamberini: Os números são outros.
Pietro Maria Bardi: ... lá é um fato completamente fora do nosso círculo.
Carlos Von Schmidt: Professor, mesmo assim, no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, foi queimado um Portinari que nunca se tomou conhecimento no Brasil e que até hoje não foi reposto.
Pietro Maria Bardi: Bom, este é um fato que eu ignoro, eu não sei, entende?
Rodolpho Gamberini: Professor...
Radha Abramo: Eu gostaria de levantar um problema que é o seguinte: o senhor disse que, quando o senhor chegou aqui, a população não tinha hábito de ver obra de arte. Entretanto, as casas de inúmeras famílias que tinham status econômico melhor tinham esses quadros, tanto é que esses quadros, muitos deles foram para o Museu de Arte de São Paulo. Agora, eu queria também lembrar que na Pinacoteca... existia a Pinacoteca do estado com obras de artistas brasileiros esplêndidos que depois o senhor, inclusive, há muitos deles, o senhor conseguiu comprar para o Museu de Arte. Então, o problema que eu queria levantar é o seguinte: eu tenho a impressão - aliás, eu não quero afirmar-, mas eu tenho a impressão [de] que o que o senhor trouxe para o Brasil, para São Paulo, com o Museu de Arte, foi mais uma mudança de comportamento, que fez com que as pessoas prestassem mais atenção e pudessem estudar, porque foram os cursos do museu, exatamente, os vários cursos que o senhor fez, que despertou à população mais jovem a respeito da importância da obra de arte, da cultura. O que o senhor me diz disso?
Pietro Maria Bardi: Veja Radha, para você ver, em 1947, quando nós abrimos o museu - era menina e não pode lembrar- , mas o nosso museu foi aberto com uma sala mais importante dedicada à exposição didática de história de arte.
Radha Abramo: Pois é, mas isso é que eu quero dizer.
Pietro Maria Bardi: Fizemos de tudo para...
Aldemir Martins: O curso de fotografia, o curso de design, tinha sessão de pintura...
Maria Bonomi: Os critérios de formação da coleção foram didáticos, professor? O senhor percebeu que o Brasil era um país doente de ausência de arte clássica, então o senhor terminou...
Pietro Maria Bardi: O Brasil era um país novo, novo a esse tipo de problema, apesar de que existiam duas instituições, aliás, três instituições muito importantes: o Liceu de Artes e Ofícios, que funcionava muito bem ainda no seu tempo - e hoje sei que funciona ainda muito bem-; a Pinacoteca do Estado, que finalmente agora instituiu também as exposições periódicas; existia também o Museu do Ipiranga, do ponto de vista histórico, um museu muito importante, especialmente para a história de São Paulo.
Maria Bonomi: A pergunta é o critério da formação da coleção.
Pietro Maria Bardi: Chegava-se com um novo museu de tipo completamente diferente, que além de apresentar obra, instituía a escola. Nós começamos com escolas, escolas e em três anos, nos primeiros três anos nós recrutamos cerca de mil alunos, tinha escola de música, nós fizemos a primeira orquestra juvenil que tocou...
Maria Bonomi: Minha primeira exposição foi em uma coletiva no Museu de Arte em 1952.
Pietro Maria Bardi: Nós instituímos a primeira escola no Brasil de design, fizemos a primeira escola no Brasil de propaganda, que é atual escola que se chama de [Escola] Superior de Propaganda e Marketing.
[...]: Os cursos de gravura.
Pietro Maria Bardi: Nós fizemos de tudo, mas eram todas coisas feitas para formar uma mentalidade.
Maria Bonomi: Perceber as obras que o senhor estava trazendo, no fundo foi um preparatório para conseguir consumir e divulgar as obras que seriam um acervo do museu, havia um critério assim.
Carlos Von Schmidt: Professor o senhor disse que foi um mero ajudante do Chateaubriand, eu não concordo com isso porque o Chateaubriand teve um olho incrível para encontrar o senhor. Como isso aconteceu?
Pietro Maria Bardi: Veja, neste livro que é de agora, 40 anos de Masp, eu conto como eu encontrei o Chateaubriand, porque o Chateaubriand pela verdade me deu carta branca porque disse: “Eu não entendo de mercado”. Pode ser que o Chateaubriand me escolheu, porque eu sei ver se uma obra é de tal autor, ou se não é de tal autor, mas repito, eu não sou um professor de nada, não sou um crítico de arte, então, é verdade que eu não sou nem inscrito na Associação de Críticos de Arte. [Risos]
[...]: Ele sempre diz isso. [Risos]
Radha Abramo: Mas professor o primeiro curso de história da arte que eu fiz, foi com o senhor.
[...]: Que nós fizemos.
Radha Abramo: Nós todos fizemos.
[Falam simultaneamente]
Pietro Maria Bardi: Naturalmente.
Radha Abramo: E vou lhe dizer uma coisa...
[...]: O senhor é responsável por parte de todos que estão aqui.
Pietro Maria Bardi: Eu aproveitei, aproveitei de ser um professor, mas eu não sou um professor de nada! Juro [risos] que não sou professor de nada! Eu fiz a primeira classe primária, a segunda classe primária, foi a terceira classe primária, repeti a terceira, repeti mais uma vez pela terceira vez! E depois me deram um pontapé, eu sai da escola e praticamente me engenhei a ser um...
Radha Abramo: Um grande jornalista.
Pietro Maria Bardi: Um autodidata.
Radha Abramo: O senhor exerceu a profissão de jornalista durante muito tempo.
Pietro Maria Bardi: Naturalmente...
Radha Abramo: E foi um dos maiores experts naquela ocasião em arquitetura, porque o senhor trabalhava muito com arquitetura.
Pietro Maria Bardi: Eu fico... De juventude...
Maria Bonomi: A gente sabe tudo do senhor!
Radha Abramo: Eu conheço a sua vida professor! [Risos]
Rodolpho Gamberini: Senhor Bardi, entre as várias pessoas que gostariam de fazer perguntas para o senhor, nós gravamos algumas perguntas, eu gostaria que o senhor respondesse agora uma pergunta gravada do artista plástico Aguilar [José Roberto Aguilar], a pergunta entra por ali, naqueles monitores ali em cima, vamos ver, ele vai fazer a pergunta para o senhor.
[VT de José Roberto Aguilar ]: A pergunta é mais ou menos a seguinte, a gente conseguiu fazer várias bienais, muitas bienais aconteceram, mas o poder, o poder de levar a arte brasileira para fora, o poder de barganhar influências, de fixar uma dignidade artística, um intercâmbio maior não aconteceu até agora. Talvez esta mentalidade de receber tudo e dar tudo e não ter a suficiente dignidade, ou a suficiente segurança de impor um intercâmbio artístico. O que o senhor acha disso?
Pietro Maria Bardi: Bom, naturalmente eu fiz o que pude fazer para projetar o nosso museu no exterior. E consegui, como eu disse, em 1953, com uma série de exposições que deram a volta na Europa e nos Estados Unidos. Hoje, nós já fizemos grandes exposições no Japão, nós fomos muito bem aceitos para a exposição e, neste momento, nossa coleção, que é a coleção de todos os bronze de Edgar Degas [(1834-1917), pintor e escultor francês, cuja coleção constituída por 73 peças escultóricas em bronze revela o seu fascínio pelo movimento, com destaque para a Bailarina de quatorze anos, espécie de ícone do Masp], que temos a coleção completa, está sendo apresentada no Campidoglio [Piazza del Campidoglio, cujo calçamento geométrico foi projetado por Michelangelo e onde se encontram os Museus Capitolinos] em Roma, na sala em honra dos Orazi e Curiazi [ou Horácios e Curiácios, evocando o combate entre três jovens romanos - os irmãos Horácios - e três albanos, os irmãos Curiácios, inimigos de Roma. O último dos irmãos Horácios, sobrevivente, consegue astuciosamente matar os três Curiácios. O vencedor volta para Roma e ao encontrar sua irmã chorando pela morte de um dos Curiácios, por quem era apaixonada, mata-a por ter interpretado esse sentimento como uma traição à Roma. O crime foi perdoado]. Já foi exposta em palácios, agora vai para Milão, é pedido para o museu de [...], é pedida para o museu de Munique, é pedido nada menos, senhor tribunal [risos], para o museu Marmottan [museu que abriga todo o acervo de Monet, com 165 obras, além das obras de outros pintores famosos], de Paris [exclamações de surpresa entre os entrevistados], porque a coleção que nós temos de todos os bronze de Degas nunca foi vista em Paris, completa, e nós temos a coleção competa! Isso aqui foi, que chamam os italianos, de alzata dispare [um negócio desigual], porque eu, em 1947, sempre com Chateaubriand, porque sempre dizia a ele que eu queria comprar para o museu, nós compramos a preço de banana a coleção completa dos bronze de Degas, como [também] compramos essa grande coleção Imbert de porcelana e de cerâmica italiana da Renascença [coleção de cerâmicas maiólicas, originárias de Maiorca, cientificamente muito importante pela quantidade de peças do período Arcaico, século XIV, ao Storiato, séculos XVI-XVII, proveniente de diversos centros de produção, de Itália, como Florença, Siena, Cafaggiolo, Veneza e Faenza Urbino. São peças assinadas, datadas ou marcadas com armas e brasões de importantes proprietários, como os Médicis e os Picolomini], que está na Pinacoteca, como conseguimos comprar muitas obras que, com o tempo, se valorizaram. Naturalmente, esse arquivo, o jeito nosso era de mostrar que o país tinha uma posição em museologia não indiferente, tanto aqui como na Pinacoteca, de como o fato de instrução, como o fato de difusão cultural, nós conseguimos fazer essa escola, fazer o primeiro desfile de moda.
[...]: Brasileira?
[...]: De moda brasileira.
Pietro Maria Bardi: O primeiro foi de Christian Dior [(1905-1957) estilista francês que revolucionou o vestuário após a Segunda Guerra Mundial e criou o estilo dos anos 50, copiado por mulheres do mundo inteiro]. Foi quando eu pedi, através de Christian Dior, para obter um traje desenhado pelo Salvador Dali [(1904-1989), espanhol, mestre da arte surrealista], que ainda está na nossa coleção, depois.
[...]: O manequim preto, não é?
Pietro Maria Bardi: Depois, tentei ingenuamente lançar a moda brasileira.
Aldemir Martins: Com manequim negro.
Pietro Maria Bardi: Como?
Aldemir Martins: Com manequim negro, que não tinha acontecido.
Pietro Maria Bardi: As coisas que nós fizemos no nosso museu foram numerosas, foram várias, foram... Pode ser mais não de um museólogo, porque não sou absolutamente museólogo, mas de um jornalista que aproveitava de ver várias manifestações e, inclusive, quando mais se via um museu de faz exposição de um jornal, nós fizemos a exposição do Jornal da Tarde, uma das exposições mais importantes que nós tivemos como [em termos de] adesão de público, entende? E neste momento eu estou projetando as exposições do próximo ano, que são projeções muito importantes porque a primeira será uma exposição que eu tive da IBM de todos os desenhos de Leonardo para máquina transformados em maquete, em maquete funcional [IBM - Institute Busines Machine - empresa que fabricou o primeiro computador do mundo, patrocina 32 maquetes confeccionadas pelo modelista ítalo-americano Roberto Guatelli e que foram construídas a partir dos desenhos de Leonardo Da Vinci]. E nós, no próximo ano vamos fazer grandes exposições, espero poder fazer o centenário da imigração italiana, porque eu me sinto um tal de imigrado, será uma exposição muito importante, vamos fazer uma grande exposição de design, vamos fazer uma exposição da propaganda juntamente com a Escola Superior de Propaganda e Marketing, vamos fazer uma série de exposições que consagraria um pouco todo o trabalho que nós fizemos, seja na Sete de Abril [antigo endereço do Masp], em um andar, depois num segundo andar, depois no terceiro andar, depois num quarto andar, até dar o golpe que nós demos no Adhemar de Barros [(1901-1969), interventor do estado de São Paulo entre 1937 e 1941, indicado por Getúlio Vargas; governador de São Paulo entre 1947 e 1951, e prefeito de São Paulo entre 1957 e 1961], que quando eu vi que ia destruir o clube lá do Trianon [antigo clube na Avenida Paulista onde eram realizadas festas, bailes e eventos da alta sociedade paulista], eu disse para doutor Assis: “Doutor Assis, nós vamos fazer o museu lá”. “Mas como assim?”. “Veja, o senhor consiga o território, depois nós vamos saber”.
Rodolpho Gamberini: Senhor Bardi, aproveitando...
Pietro Maria Bardi: Com o Chateaubriand, nós fomos lá.
Rodolpho Gamberini: Senhor Bardi, aproveitando, eu queria o senhor continuasse nessa linha, mas tem uma pergunta de um telespectador, o senhor Carlos Alberto Soares, do Tucuruvi, que entra exatamente nessa linha, o senhor disse que o senhor Assis Chateaubriand conseguia doações das pessoas mais ricas da sociedade em dinheiro. Como ele conseguia isso, será por causa do poder que ele tinha por causa da imprensa que ele tinha na mão, a imprensa mais importante na época? Como é que foi ests caso mais específico do Adhemar e como ele trabalhava os ricos para dar dinheiro ao museu?
Pietro Maria Bardi: Veja, o Chateaubriand era um prepotente.
Maria Bonomi: Os fins justificam os meios.
Rodolpho Gamberini: Deixa ele responder. [Risos]
Pietro Maria Bardi: Ele era um prepotente. Nós fomos com o Edmundo Monteiro, que era do Diários Associados, que hoje é o atual presidente do museu, [ao] Adhemar de Barros para pedir ao Adhemar de Barros não só o Trianon, não, mas [para] que o próprio município construísse um museu para nós com dona Lina [Lina Bo Bardi, esposa de Pietro Maria Bardi, arquiteta]. Feito lá o projeto, nós [o] apresentamos ao Adhemar de Barros. O Adhemar de Barros se vê que não entendia muito de arquitetura, pensava que era um projeto do Oscar Niemeyer, com dona Lina presente, entende? [Risos]
Rodolpho Gamberini: Nem explicando ele não entendeu?
Pietro Maria Bardi: Bem ou mal, sendo secretário de obra dele o José de Figueiredo Ferraz, que foi um extraordinário engenheiro que deu vida, que deu a situação estática do nosso museu, [e] sendo secretário de Finanças - esse, que agora é o chefão do Bradesco-, Amador Aguiar...
Rodolpho Gamberini: Amador Aguiar?
Pietro Maria Bardi: ... [a gente] conseguiu começar a fazer esse museu, que durou para três, três "eras prefeito" [três mandatos de prefeito: Adhemar de Barros, Francisco Prestes Maia e Vicente Faria Lima], finalmente o último prefeito, que foi o Faria Lima. Nós tivemos a idéia de convidar a rainha Elisabeth para inaugurar o prédio. As obras foram muito...
[...]: Aceleradas?
Pietro Maria Bardi: Acabadas. A rainha Elisabeth veio para inaugurar o prédio, sempre [em] merecimento do senhor Chateaubriand, porque o Chateaubriand foi embaixador em Londres e a rainha tinha muita simpatia por ele, que era um brasileiro muito culto, muito inteligente e muito espirituoso.
Radha Abramo: Professor, qual o projeto que o senhor não conseguiu realizar ainda?
Pietro Maria Bardi: Bom, naturalmente, os projetos que eu não consegui fazer são inúmeros, porque de vez em quando vem na cabeça "Vamos fazer isso!", mas nós, para fazermos coisas, precisamos sempre de um patrocinador, porque sem o patrocinador nós não podemos fazer nada em nosso museu.
Rodolpho Gamberini: Senhor Bardi, eu vou pedir sua licença e todos que estão participando do Roda Viva para a gente fazer um intervalo pequenininho e daqui a pouquinho a gente volta e continua a conversa. Até já.
[intervalo]
Rodolpho Gamberini: Nós voltamos então com o Roda Viva, programa de entrevistas da TV Cultura. [...] Pietro Maria Bardi, diretor do Masp, nosso entrevistado desta noite. Senhor Bardi, a próxima pergunta eu gostaria que o senhor respondesse ao Olney Krüse, crítico de arte, por favor.
Olney Krüse: Num país como o Brasil, onde nem mesmo uma simples...
Pietro Maria Bardi: Antes de tudo a minha homenagem, [por]que você veio de gravatinha, todo vestidinho muito bem! [Risos] Bravo, bravo! [Aplausos]
Olney Krüse: Professor, eu tenho dificuldade em falar, em organizar meu pensamento verbalmente. Então, fiz minha pergunta por escrito, mas antes tem uma pequena introdução, é a seguinte: num país como o Brasil, onde nem mesmo uma simples atriz popular, eu falo de Fernanda Montenegro, quis ocupar o cargo de ministro da Cultura, o último a ser preenchido no governo da Nova República do presidente José Sarney, é muito confortador saber [que] na origem da festa de hoje estão dois grandes jornalistas: Assis Chateaubriand e Pietro Maria Bardi. O senhor, aos setenta, jornalista, ainda hoje, começou com 17 anos. Tenho muito respeito por esse lado do senhor também! Foram eles que criaram o Masp, sem nenhum medo de assumir os problemas da cultura num país onde ela não é valorizada, digo festa porque estamos aqui reunidos em torno da celebração dos quarenta anos do Museu de Arte de São Paulo, o nosso querido Masp, o museu de arte ocidental mais importante da América Latina e a festa é dupla não apenas para lembrar que foram dois jornalistas que o fundaram, um fato sempre pouco lembrado ou intencionalmente omitido e porque somos nós, jornalistas, quase a maioria aqui nesta noite. Isto posto, peço licença a todos os companheiros para também agradecer ao professor Bardi antes de lhe fazer três perguntas, a inclusão no seu livro de 40 anos do Masp de dois fatos marcantes da história do museu nos quais eu estou envolvido como jornalista e dos quais eu muito me orgulho: os vinte anos do Jornal da Tarde. Pela primeira vez no mundo se fez isso, e a mostra de 1984, porque nem a culta Alemanha que é muito mais culta do que nós, de onde vem esta palavra com este significado [referindo-se aos múltiplos significados da palavra cultura], tem um museu com oitocentas peças catalogadas como tem o senhor. Primeira pergunta: Em 18 anos de amizade, convívio profissional com o senhor eu nunca o ouvi falar de Deus em nossas inúmeras entrevistas. Como é que o senhor vê Deus? O senhor nunca falou de Deus. Eu queria saber o que o senhor pensa de Deus, porque o resto eu já sei demais.
Pietro Maria Bardi: Veja, é um fato tão, tão imenso, tão histórico, tão novo, tão futuro, que praticamente não seria, não saberia o que pensar, entende?
[Falam simultaneamente]
Olney Krüse: O senhor é um homem religioso?
[Falam simultaneamente]
[...]: É uma pessoa modesta.
Olney Krüse: O senhor é um homem religioso? Nós nunca falamos sobre isso, o senhor é um homem religioso, professor?
Pietro Maria Bardi: Veja, eu me casei duas vezes, não me casei na igreja. Aqui, ser religioso ou não, não sei. Porque nasci e repito, fui autodidata, me formei sozinho, me formei sozinho e, na verdade, nunca tive tempo de pensar no além de lá [levanta o braço e gesticula reforçando o sentido do “além”]. Só, e já dei dois “alô” ao Chateaubriand, porque eu penso que...
[...]: Está ouvindo...
Pietro Maria Bardi: Alguma coisa deve estar em cima de nós, não é? [levanta o braço e gesticula indicando acima]
Olney Krüse: Segunda pergunta professor, eu nunca vi o senhor doente, o senhor tem 87 anos e o senhor nunca ficou mais de uma semana longe do Masp, eu queria que o senhor contasse para gente o segredo dessa vitalidade do senhor?
Pietro Maria Bardi: Bom, eu naturalmente tive a sorte de não ter nunca um resfriado, uma dor de cabeça.
Olney Krüse: Sim.
Pietro Maria Bardi: Essas coisas que parecem que são tão comuns, pode ser que seja um jeito de vida ,que eu faço muito regular, que não fumo, não bebo, durmo cedo, me levanto cedo, trabalho o dia todo, bom, naturalmente penso que isso aqui seja, também, uma compensação de ter feito sempre coisas regulares.
Olney Kruse: Terceira e última pergunta, esta é provocadora, quem é o maior pintor brasileiro vivo? O paulista José Antônio da Silva [(1909-1996) destacou-se com seu estilo ingênuo primitivo-figurativo, também apontado por alguns críticos como tendo um caráter expressionista] ou o italiano Alfredo Volpi [veio para o Brasil ainda criança e se tornou um artista famoso com destaque para o seu trabalho Bandeiras e mastros].
Pietro Maria Bardi: Veja, eu tenho grandíssimo respeito para o Volpi, segui o Volpi depois de quarenta anos da escola que tinha do grupo de Santa Helena a sua transformação que chamam de geométrica, mas que eu absolutamente não posso definir geométrica, tenho grande respeito para isso, menino.
Olney Krüse: José Antônio da Silva?
Pietro Maria Bardi: José Antônio da Silva que eu mesmo descobri, perto...
Olney Krüse: Porque uma vez o senhor me disse... Há cerca de oito anos atrás o senhor me disse que ele era o maior pintor brasileiro vivo. É uma perguntinha boba esse negócio de maior ou melhor, mas existe e eu queria...
Pietro Maria Bardi: Eu digo tantas coisas, não é, quando eu digo...
Olney Krüse: Entre os dois, professor Bardi, bem objetivo, entre os dois, o Volpi ou José Antônio da Silva?
Pietro Maria Bardi: Bom, a minha...
Olney Krüse: É a resposta do senhor.
Pietro Maria Bardi: A minha preferência é para o José Antônio da Silva, porque...
Olney Krüse: Muito obrigado.
Pietro Maria Bardi: ... porque ele é uma expressão popular.
Olney Krüse: Se a produção me permite, Rodolpho, eu acho que o Masp está fazendo quarenta anos e a gente está aqui também por isso, mas eu trouxe uma surpresa para o professor, não sei como ele vai reagir, e acho... O presente seria para o telespectador. Há alguns anos atrás, não sei se quatro ou cinco, a Sabina de Libman [curadora e crítica de arte], amiga comum nossa que dirige arte aplicada, editou, sob a forma de gravuras, um álbum de desenho do professor Bardi. Está aqui, se você quiser mostrar, presente para o telespectador durante o nosso...
Rodolpho Gamberini: Camargo, cadê o Camargo [assistente de palco].
Pietro Maria Bardi: Já esqueci.
Olney Krüse: Mas eu acho que seria simpático mostrar o lado desenhista do professor, durante o nosso encontro, debate aqui.
Rodolpho Gamberini: Vamos mostrar.
[...]: Por favor.
[...]: Vamos mostrar, então!
Olney Krüse: Muito obrigado, sobretudo pela última resposta que o senhor me deu.
Pietro Maria Bardi: Me envergonho de ter desenhado...
Rodolpho Gamberini: Por favor, abra professor, enquanto o senhor vai abrindo... O Camargo abre para o senhor, em seguida a gente mostra. O Darcy tem uma pergunta para fazer para o senhor.
Darcy Penteado: Bardi, a minha pergunta mais ou menos completa a do Olney. É o seguinte: eu acho que você é uma pessoa que não tem idade, eu também acho que eu não tenho, como nenhum de nós, a idade é apenas um registro civil. A imagem que o espelho nos mostra, às vezes, é meio contundente, mas é uma imagem que o espelho está dizendo que nós temos, nós não somos obrigados a acreditar, não que seja por vaidade, mesmo caso seu, eu sinto isso. Eu, por exemplo, sinto que a minha idade é a idade de um menino que eu sempre fui, pode ser de um menino milenar. Bom, agora, você realmente, você se fixa numa idade sua dentro de você, não àquilo que o espelho te diz, ou você tem uma idade determinada que você considerou sua idade ideal e parou ali, ou você prefere não ter idade? É um pouco teórica, um pouco vaga.
Pietro Maria Bardi: Eu penso que a idade nunca se pára, quando [se] continua trabalhando o dia todo e vai para frente, não tem idade.
Darcy Penteado: Mas você, por dentro, tem qual idade: 18 anos, cinco, vinte, 35 ou a idade do seu registro civil?
Pietro Maria Bardi: Veja, eu tenho oficialmente 87 anos. Tenho 87 anos, vivi bastante, com vida muito difícil no começo, porque eu venho de uma família pobre. Quando eu fiz a Primeira Guerra Mundial e me nobilitei, eu fiquei vestido de militar ao longo de um mês, porque não tinha o dinheiro para me fazer um traje de burguês, entende? Então, comecei a trabalhar. Hoje, dizem que eu sou uma pessoa não rica, mas...
[...]: Riquíssimo! [risos]
Pietro Maria Bardi: Com algum dinheiro que tenho, justamente porque fiz o mercado de arte, porque eu tenho, ainda, essa possibilidade de ver se um quadro é de tal autor ou se não é. Justamente como aconteceu com o Rafael [na época houve muita crítica alegando que a obra era falsa, que não era um quadro do pintor renascentista Rafael Sanzio], eu tive a idéia de comprar o Rafael completamente inédito e de mostrar eu mesmo que se tratava de Rafael. Hoje, o nosso Rafael está em todas as monografias de...
[Falam simultaneamente]
[...]: Professor Bardi, estão mostrando seus desenho.
Rodolpho Gamberini: Vamos mostrar o desenho do professor.
Pietro Maria Bardi: É uma...
[...]: Professor, qual a avaliação que o senhor faz deste desenho seu que o senhor está vendo aí.
Rodolpho Gamberini: O senhor se acha um bom desenhista?
Pietro Maria Bardi: Estão mostrando esse negócio? Por quê?
[...]: Tinha labirintite.
[Risos]
Pietro Maria Bardi: Porque devo até declarar...
Rodolpho Gamberini: Deve declarar...
Pietro Maria Bardi: ... que a primeira representação de TV neste país foi feita por este sujeito [bate no peito, indicando que se tratava dele mesmo] com o Chateaubriand, que chegou de Nova Iorque com um implante de televisão e, nós montamos no nosso museu, na rua Sete de Abril, um gabinete de televisão com um televisor no saguão do Diário, naturalmente em branco e preto. E nós encontramos o frei mexicano Mojica [(1895-1974) cantor, ator e compositor musical. Após a morte de sua mãe, resolveu dedicar-se à vida religiosa. Participou da implantação da TV Tupi – PRF3, a primeira emissora do Brasil, em 1950, e conseguiu arrecadar fundos para suas obras religiosas], que cantou alguma canção. Esse foi o primeiro espetáculo de televisão.
Milton Mesquita: É verdade que Chateaubriand... tinha três câmeras, o Chateaubriand pegou uma garrafa de champagne e chegou numa câmera e “pum” [reproduzindo o movimento e o som de se quebrar a garrafa em uma das câmeras]: "Declaro inaugurada a televisão brasileira", e começou com duas? É verdade que ele quebrou uma câmera na inauguração com uma champagne? Esta história eu vi contada pelo [ator] Lima Duarte [ver entrevista com Lima Duarte no Roda Viva, onde ele conta o episódio].
Pietro Maria Bardi: Não, não...
Milton Mesquita: O senhor não entendeu?
Pietro Maria Bardi: Veja, eu já disse que sou meio surdo.
[...]: Já meio manco.
Milton Mesquita: Eu falo um pouco rápido. Quando inauguraram a televisão brasileira, tinham três câmeras e o Chateaubriand, ao inaugurá-la, pegou uma garrafa de champagne e bateu numa das câmaras e começou... Quem contou isso foi o Lima Duarte.
Pietro Maria Bardi: Veja...
[...]: Tudo fofoca!
[...]: Boato, boato.
Milton Mesquita: Será que estava fora de foco?
Pietro Maria Bardi: Porque não se vai fazer uma deste show [sugerindo que se faça um programa sobre Chateaubriand], dedicado ao senhor Chateaubriand. Eu, veja, eu posso dar dados inéditos sobre o Chateaubriand, o único que sabe bem a vida do Chateaubriand, entende?
Milton Mesquita: E o Lima Duarte também.
Pietro Maria Bardi: Naturalmente, o Chateaubriand era um homem único, pense em um tal que chega com um implante de televisão, lança televisão e vira dono dos primeiros dois canais que operaram no Brasil!
Francesc Petit: Professor, uma pergunta, o Aguilar fez uma pergunta aqui, hoje à noite, eu acredito que não foi respondida. É sobre a projeção do artista brasileiro no exterior. Por que não houve, ou por que não há uma projeção da arte brasileira no exterior? Então, eu queria lhe fazer uma pergunta baseada na pergunta do Aguilar. O senhor não acha que outro conterrâneo seu, muito importante também, acredito que seu amigo, o Ciccillo Matarazzo fez esta função de projetar o artista brasileiro no exterior?
Pietro Maria Bardi: Veja, eu tive grande respeito e grande amizade com o Ciccillo Matarazzo, somente que quando o Ciccillo Matarazzo me disse que lançava uma bienal de arte internacional, eu disse: “Mas como o senhor pode lançar?”. “Ah sim, eu fui em Veneza, peguei o regulamento de Veneza e aplico o regulamento de Veneza.” Eu disse: “Mas veja, o regulamento de Veneza é 1895, faça uma outra coisa, faça uma coisa diferente, faça uma coisa errada mas que seja uma coisa original, uma coisa brasileira.” E ele continuou a fazer essas bienais, aliás, eu dei um dos meus golpes ao Ciccillo, porque quem deveria fazer o museu no Trianon era o Ciccillo, então, é verdade que mandou fazer um projeto por um arquiteto carioca. Mas o Ciccillo não sabia o que eu por acaso sabia, que o território do Trianon era um belvedere [terraço elevado, pequeno mirante ou pavilhão do qual se avista um vasto panorama] e, na doação que alguém fez para o município, do território, era implícito de fazer, de manter o belvedere, então, que eu secretamente disse à dona Lina: “Faça uma coisa no alto e salve o belvedere”. E o Ciccillo dessa coisa, adoeceu. E nós conseguimos, do município, de fazer.
Francesc Petit: Mas uma pergunta professor, aqui nós estamos diante de alguns premiados da Bienal de São Paulo. E eles melhor do que ninguém poderiam dizer como são respeitados no mundo inteiro por serem premiados da Bienal de São Paulo, ou seja, foi um grande movimento que projetou o pintor brasileiro no exterior, não foi?
Pietro Maria Bardi: Bom, naturalmente a Bienal, na minha idéia, tem um erro fundamental, porque é feita com um regulamento de 1895. Eu pensava que poderia ser feita uma bienal com um regulamento, até errado, mas que fosse paulista de 1948, 49, quando ele começou com as bienais. As bienais foram, em certos anos, muito importantes, muito inteligentes e deram a possibilidade a São Paulo de ver o que se fazia no exterior. Vários artistas nossos foram premiados lá, parabéns para esses artistas, o Ciccillo fez um fato muito importante para São Paulo e São Paulo hoje é conhecida fora, não só pelo Museu de Arte em São Paulo, mas também pela Bienal Internacional, em São Paulo, que se faz de dois anos em dois anos. Repito, pela terceira vez, com um regulamento copiado da Bienal de Veneza, de 1895. Felizmente agora vejo que a Sheila Lerner [1948, foi curadora da 18ª Bienal em 1985 e da 19ª também] em vez de copiar Veneza, copia um pouco Veneza, porque o fundamento é de Veneza: de pegar, de pedir a cada nação que mande as coisas que acham melhores [um curador decide que obra deverá ser enviada] e um pouco é de Kassel [Alemanha, é um dos mais importantes eventos de arte, internacional, do mundo]. Kassel é um exposição que é de quatro anos em quatro anos [na verdade é de cinco em cinco anos].
[...]: É pesquisa, é outra coisa!
Pietro Maria Bardi: Na minha opinião, a Bienal de São Paulo é tudo dinheiro jogado fora!
Radha Abramo: Professor, sou eu, o senhor...
[...]: Deixa o Aldemir falar um pouco.
Aldemir Martins: Agora chegou a minha vez. O Petit falou dos premiados. A projeção que nós temos como premiados de São Paulo é na premiação de Veneza, porque toda premiação na América do Sul e na América do Norte que não passar pela Europa, esta premiação tem só valor de 50%, o meu prêmio e o prêmio da Maria são prêmios dados pela Bienal de Veneza, também, que dá uma triagem ao exterior para ser considerado também um grande artista. A Bienal de São Paulo é o caminho, foi uma escada que foi usada por nós para chegarmos até Veneza, chegar até Veneza, chegar à Europa e chegar possivelmente ao mundo, porque se não fosse a Bienal de Veneza, nós continuaríamos pintores paulistas, verdade ou não?
Maria Bonomi: São enfoques diferentes professor, porque o museu Masp trouxe, digamos, toda arte de peso, trouxe toda a tradição para o Brasil e a Bienal trazia o que era experimental no momento. E ela tentou fazer, está tentando fazer, tanto assim que Guernica [quadro de Picasso, de 1937] não veio para o Masp, mas veio para a Bienal [para a Segunda Bienal]. Então, houve muita arte, não tão consagrada como a que está no Masp e isso ficou muito claro, o Masp entrou, digamos, na importância cultural do país pelo peso das obras que aqui estão, que são obras indiscutíveis.
Francesc Petit: O que eu quis falar não era sobre o que a Bienal trouxe que é muito importante, mas eu queria responder ao que o Aguilar perguntava que foi a projeção que a Bienal deu para vocês, para você e para o Aldemir, o senhor Tàpies [artista catalão Antoni Tàpies, um dos maiores expoentes da arte foi premiado na Bienal Internacional de São Paulo em 1953] tem o maior orgulho do mundo de dizer que é premiado da Bienal de São Paulo. O Pontes tinha o maior orgulho do mundo de dizer...
Maria Bonomi: Ele respondeu, o Aldemir respondeu, quer dizer, foi um trampolim para a gente, realmente, o Masp nunca visou este tipo de situação.
[...]: Eu estou com Maria Bonomi, porque eu acho...
Aldemir Martins: Perguntaram tanto ao senhor qual o melhor pintor, qual o melhor isso e aquilo, eu vou ser advogado do diabo, qual é o pior pintor brasileiro? [Risos]
Pietro Maria Bardi: Pior? Um tanto assim, [gesticula indicando que tem muitos] assim!
[Risos]
Pietro Maria Bardi: Tem, tem! Tem, hoje, eu penso que só em São Paulo existam dois mil pintores.
Aldemir Martins: Maus?
Pietro Maria Bardi: Péssimos! Naturalmente são todos...
[...]: E os críticos de arte professor!
Rodolpho Gamberini: Professor, o senhor está falando dos maus pintores de São Paulo, o senhor disse que não gosta dos seus trabalhos, eu queria mostrar mais um pouquinho. A gente tem possibilidade de mostrar mais um pouquinho para ver a sua opinião sobre seu trabalho, vamos mostrar um pouquinho. Mostra.
Maria Bonomi: Dos mortos ou dos vivos, quem foi o que mais entendeu e apoiou o Masp, professor? Mesmo dos críticos mortos, ou críticos vivos, quais os que mais apoiaram e perceberam?
Pietro Maria Bardi: Veja, eu não critico os meus colegas, são todos muito bons...
Maria Bonomi: Mas quem lhe estendeu a mão e quem jogou pedra? Vamos lavar a roupa professor, quem estendeu a mão e quem lhe jogou pedra. Teve muitos que jogaram pedra por causa de dor de cotovelo, todo mundo queria ser o professor Bardi naquele momento e quem foi que ajudou o senhor, no fundo? Quais foram os críticos que perceberam a importância cultural do Masp, que puseram isso na imprensa?
Pietro Maria Bardi: Veja eu costumo não criticar meus colegas, entende?
Maria Bonomi: Não é criticar, agradecer.
Pietro Maria Bardi: Tem crítico de arte em São Paulo, acho excelente, muito bom, aqui nós temos nossa Radha, que um tempo se pegava a Folha de S. Paulo para ver os seus artigos, depois há uma certa altura desapareceu.
Radha Abramo: Está no Diário Popular, professor.
[...]: Quem?
Pietro Maria Bardi: Desapareceu!
Pietro Maria Bardi: E hoje vejo na Folha de S. Paulo artigo que, publicamente digo, que não me interessa nada. Então, é verdade que na própria Folha, na terceira página nos debates da Folha, eu fiz uma bronca, uma bronca [crítica, reclamação], justamente para quanto se faz de fato de arte nesse importante jornal.
Rodolpho Gamberini: O Milton Mesquita.
Milton Mesquita: Professor, falando em dar bronca, o senhor lembra aquela vez na outra eleição que o senhor deixou recado no meio do Masp? [contra as pichações políticas, Bardi escreveu a palavra "merda" na parede externa do Masp]
Pietro Maria Bardi: Quê?
Milton Mesquita: Na outra eleição, na eleição anterior o senhor escreveu uma coisa no Masp, este ano valeu, não estão pichando tanto o Masp.
Pietro Maria Bardi: Naturalmente, isso aqui são, alzata de gênio, como é que se diz, a alzata de gênio? Como é que se traduz? A alzata de gênio em italiano.
Maria Bonomi: Em italiano é ... Em português...
[...]: Professor Bardi...
Pietro Maria Bardi: Explosão.
Maria Bonomi: É uma explosão.
Aldemir Martins: Professor Bardi...
Maria Bonomi : Um desabafo.
Aldemir Martins: O senhor que está tão jovem e lutando tanto ainda em favor do museu, existe um murmúrio que tem dois candidatos a sua substituição, o senhor já preparou esses candidatos ou não?
Pietro Maria Bardi: Veja, em uma entrevista que dei ontem que saiu ontem, domingo...
[...]: No Caderno Dois do Estadão.
Pietro Maria Bardi: No Caderno Dois, disse que São Paulo é uma cidade de onze milhões de habitantes, obviamente deve ter um que será o meu sucessor, não?
Rodolpho Gamberini: Quem o senhor gostaria que fosse?
Pietro Maria Bardi: Ainda não encontrei, ainda não.
[...]: Por quê?
Rodolpho Gamberini: Quem o senhor gostaria que fosse?
Pietro Maria Bardi: Quê?
Rodolpho Gamberini: Quem o senhor gostaria que fosse o seu sucessor?
[...]: Não sabe?
Pietro Maria Bardi: Veja, a direção de um museu, como o Museu de Arte em São Paulo não é uma direção só qualquer. Precisa ficar lá dez horas por dia, precisa se interessar pela limpeza, precisa se interessar pela parte administrativa, pela parte, vamos dizer, museológica, da conservação, são muitos problemas que precisam de ter uma certa experiência. Não só, depois o cargo de diretor do Museu em São Paulo não é retribuído. Então, acho que precisa se encontrar um voluntário que diga: “Eu faço isso de graça.”
Rodolpho Gamberini: Se o senhor pudesse escolher seu sucessor, ou eleger o seu sucessor, usando o jargão de política, o senhor escolheria quem?
Pietro Maria Bardi: Veja, neste momento não escolheria ninguém, deixaria ao meu primeiro assistente que é o Luiz Adarqui, que está comigo depois de 35 anos, de continuar a rotina do museu.
Rodolpho Gamberini: Professor, outra...
Milton Mesquita: Continuaria a rotina, ele continuaria a rotina, mas quem seria o novo Bardi, quem traria um sangue novo, quem acharia outro Assis Chateaubriand?
Pietro Maria Bardi: Bom, naturalmente eu sempre digo, eu espero de encontrar um outro senhor Assis Chateaubriand, não?
Aldemir Martins: Mas o senhor está usando o mesmo método que o Assis usou para acabar com o Diários Associados.
Pietro Maria Bardi: Você sabe, eu muito me espelho no doutor Assis Chateaubriand.
Aldemir Martins: Pois é, ele não deixou o sucessor e liquidaram o Diários Associados.
Pietro Maria Bardi: Quê?
Aldemir Martins: Ele não deixou um sucessor e liquidaram o Diários Associados em quatro anos. O medo que eu tenho, eu estou falando essas coisas, porque eu tenho a preocupação que o museu persista, que o museu continue.
Pietro Maria Bardi: Veja Ademir, eu amanhã, que é terça-feira, terça-feira amanhã?
Aldemir Martins: Terça-feira.
Pietro Maria Bardi: Vou pensar nisso e vou inventar um sucessor.
Aldemir Martins: Invente um sucessor, mas o sucessor inventado é melhor do que nenhum.
Maria Bonomi: Eu sugiro três para substituir o senhor, tem que pôr três pessoas para ocupar o seu espaço.
Aldemir Martins: Tudo solteiro não é?
Pietro Maria Bardi: Como?
Radha Abramo: Solteiro, solteiro...
Maria Bonomi: Por quê?
Aldemir Martins: Tudo solteiro, porque doze horas no museu, não há mulher que resista, não agüenta mulher nenhuma! [Risos]
Pietro Maria Bardi: Veja, sucessor...
Maria Bonomi: Tem as musas do museu.
Aldemir Martins: As musas do museu.
Pietro Maria Bardi: A sucessora do cargo de diretor do museu pode ser também uma mulher.
[...]: Claro.
[...]: Eu não sou machista não, eu adoro mulher! [Risos]
Pietro Maria Bardi: Veja, eu não tenho nada contra as mulheres, aliás, são minhas aliadas.
Maria Bonomi: O problema de capacidade professor, aquilo o que senhor cobre e preenche, precisaria realmente de três pessoas, um grande museólogo, depois precisaria um grande político, que o professor é muito político também e um homem de muitos contatos que ele tem, porque a credibilidade dele internacional é a mesma de certos ministros que chegam em certos países e os bancos se abrem, os museus se abrem para o professor. Isso é coisa...
[...]: E as editoras.
[...]: Os ministros ficam quatro anos, o professor está há quarenta, não se trata de bajular, é verdade, quarenta anos!
Maria Bonomi: Então, eu acho que...
Aldemir Martins: Eu também gosto dele, para bajular.
Pietro Maria Bardi: Mas nós vamos encontrar uma mulher bacana que pega tudo nas mãos.
Maria Bonomi: Não, um triunvirato professor, tem que ser três.
Radha Abramo: Tem que ser três.
[...]: Tem que ser 11, um goleiro e dez!
Pietro Maria Bardi: Como?
Aldemir Martins: Um goleiro e dez para jogar.
Rodolpho Gamberini: Professor, entre nós temos mais uma pergunta gravada entre as muitas pessoas que gostariam de fazer perguntas para o senhor, dessa vez a pergunta é do artista plástico, também, Gregório Gruber. E entra mais uma vez por ali a pergunta, eu gostaria que o senhor respondesse, vai entrar por ali.
[VT de Gregório Gruber]: Professor Bardi eu gostaria de saber, na sua visão, quais são os fatores positivos de ser um artista jovem no Brasil hoje e fazer uma comparação com a época que o senhor chegou no Brasil?
Pietro Maria Bardi: Bom, naturalmente em quarenta anos, eu acho que eu fiz um passo muito forte, um passo muito importante. Seja para o trabalho que nós fizemos no Masp e seja também, devo reconhecer, pelo trabalho que se fez nas bienais, não? Para dizer, confirmar publicamente, que eu e o Ciccillo éramos bons amigos, quando Ciccillo quis fazer o Museu de Arte Moderna, que era antigamente uma cópia do nosso museu, ele veio e me disse: “O senhor pensa que eu posso pedir os locais ao Chateaubriand?”
[...]: O espaço para...
Pietro Maria Bardi: Muito bem, eu aprovei. Então, se viu que no mesmo prédio da rua Sete de Abril, 230, existia o Masp e atrás, no fundo, o Museu de Arte Moderna.
[...]: E o barzinho.
[...]: O barzinho.
[...]: Com o Artur.
[...]: Com Artur.
[...]: E o barzinho com o Artur.
Pietro Maria Bardi: Não soube? Chamava: o museu do Bardi e o museu do bar!
[Risos]
Rodolpho Gamberini: Professor Bardi tem uma pergunta de uma telespectadora, Mônica Martins, da cidade de São Roque, aqui em São Paulo, ela se refere a um tema que o senhor tocou rapidamente em uma das perguntas anteriores, eu acho que é um tema, é uma coisa importante para o senhor esclarecer. O senhor mesmo comparou a freqüência de público dos museus de Nova Iorque com os museus de São Paulo, a freqüência nossa é irrisória como o senhor mesmo disse, baseado nisso porque o Masp não funciona mais tempo, por que não fica aberto mais tempo, se ele funciona no horário comercial, praticamente hoje, porque ele não fica aberto mais tempo para que mais pessoas possam vê-lo?
Pietro Maria Bardi: Bom, o Masp funciona muito a seu modo, que é um modo muito curioso, entende? Não é bem, eu sempre digo que não se trata de um museu, mas se trata de um museu num museu. Porque se faz, nesse museu, tantas coisas que fogem da praxe da museologia. E naturalmente se faz o que se pode fazer com os recursos que nós temos, com uma economia absoluta, porque todo esse prédio enorme funciona com quarenta funcionários em tudo, guardas, contínuos, limpadores, assistentes, quando temos na nossa São Paulo um museu, um centro de tipo, o centro que estava na Vergueiro, não?
Rodolpho Gamberini: Centro Cultural.
Pietro Maria Bardi: Que tem 560 funcionários, entende? Isso aqui aprendi em um artigo do Jornal da Tarde.
Tereza Cristina de Barros: Professor Bardi, para o grande público, professor Bardi.
Pietro Maria Bardi: Tem, tem entidade que tem muito dinheiro e entidade que tem nada de dinheiro: Nós!
Darcy Penteado: Eu gostaria de acrescentar só uma coisa, porque a Mônica Martins é minha conterrânea lá de São Roque...
Rodolpho Gamberini: Você a conhece?
Darcy Penteado: Claro. Ela talvez não, mas eu conheço todo mundo de lá. Mas eu acho o seguinte, então Mônica, o problema também não é questão de horário, porque em todos os museus tem horários, nenhum museu fica aberto até onze, meia-noite, quer dizer, os horários são realmente restritos, agora o problema é que os museus do mundo todo cobram entradas e existe principalmente isso, um interesse muito grande, muito maior do que existe em São Paulo, em visitar museus. E isso, infelizmente, é nosso problema cultural. Quer dizer, na Europa as pessoas freqüentam museus também. Aqui, considerando a população de São Paulo, este gigante, a visitação do museu teria que ser muito maior e não é, eu acho que o problema é justamente cultural, quer dizer, não existe esta...
[...]: Aquela moça tem uma pergunta lá em cima.
[...]: Tem uma pergunta lá em cima.
[...]: Aquela moça tem uma pergunta.
[...]: Tem uma moça desesperada lá em cima. [Risos]
[Falam simultaneamente]
Radha Abramo: Eu acho, eu conheço a maioria dos grandes museus do mundo. E conheço a população que vai nessa grande maioria e, sinceramente, eu acho que o Museu de Arte de São Paulo é um dos museus que tem uma grande visitação. E acontece que o Masp tem a característica de abrigar jovens, então, é uma população jovem muito grande que em geral a pessoa que trabalha e tal, não vai ao sábado e domingo etc. Encontra muita gente, mas que não pode perceber a massa de juventude que é a característica do Masp e que é, na minha opinião, a matéria-prima que fez com que o Masp se tornasse essa grande instituição que é pelo apoio, pela necessidade e a presença do jovem dentro do museu. O Masp é um dos museus mais visitados que eu conheço e eu conheço muitos.
Rodolpho Gamberini: Professor Bardi.
[...]: Aquela moça tem uma pergunta.
Rodolpho Gamberini: Professor Bardi a Tereza Cristina gostaria de fazer uma pergunta.
Tereza Cristina de Barros: Professor Bardi. Aqui, eu queria fazer a seguinte...
Pietro Maria Bardi: Mais alto!
Tereza Cristina de Barros: Bem mais alto. [Falando mais alto] O senhor acha que para o grande público continua aquela imagem de que o museu é coisa chata e de elite? Ou isso já foi quebrado?
Pietro Maria Bardi: Me traduza. [Risos]
Rodolpho Gamberini: Por favor, Tereza repita a pergunta.
Tereza Cristina de Barros: Vou ver se eu consigo ir alto. Professor eu queria saber se o senhor acha que para o grande público continua aquela imagem de que museu é uma coisa chata e de elite? Ou se essa imagem já foi quebrada, na prática, pelos museus?
Pietro Maria Bardi: Veja, o Masp funciona não como uma rotina pré-estabelecida. O Masp cada dia, tem sempre, uma proposta nova, uma idéia, uma possibilidade de fazer uma nova exposição, de fazer um curso, de ir ao auditório, apresentar música ,até popular. Cinema, dar cursos, isso é uma... E conduzir, o Masp não é como conduzir um museu de caráter geral, é um museu onde precisa cada dia inventar alguma coisa, ser sempre, vamos dizer, um pouco para frente.
Tereza Cristina de Barros: O senhor acha que os museus de uma forma geral tem feito isso?
Pietro Maria Bardi: Bom, eu vejo que os outros museus de São Paulo, até a Pinacoteca, imitaram de nós o sistema de fazer exposições temporárias, nós chegamos a fazer quatro, cinco, exposições temporárias, cada mês. Então, só que leva uma certa atividade e leva também um certo público, um certo público que, pouco a pouco, vamos formando. Mas, devo declarar que o Museu de Arte de São Paulo, ainda não tem a visitação que deveria ter. Tem a visitação quando eu faço uma exposição das gravuras de Picasso, eu esperava cinqüenta mil visitas, às vezes, já foram 150 mil, porque o nome de Picasso repercutiu de tal jeito que todo o mundo foi fazer fila pagando 15 cruzeiros para ver a exposição.
Rodolpho Gamberini: Senhor Bardi. O senhor aqui já respondeu a várias perguntas, não respondeu a pelo menos uma que eu lhe fiz duas vezes, algumas outras pessoas aqui também fizeram. Está ali um dos seus desenhos, eu gostaria que o senhor falasse do seu trabalho como artista?
Pietro Maria Bardi: Como?
Rodolpho Gamberini: O seu desenho está ali, nós vamos mostrar agora o seu desenho, gostaria que o senhor falasse do seu trabalho como artista, como desenhista. O que senhor acha do seu trabalho? Nós estamos mostrando agora, neste momento.
Pietro Maria Bardi: Eu não sou um artista. Ele é o...
Olney Krüse: Isso foi uma homenagem para o senhor, não foi uma coisa pública, editada, as pessoas conhecem pouco. Eu achei...
Pietro Maria Bardi: Veja, eu em juventude, aos vinte anos fiz muitas coisas, fiz muitas coisas, até fiz um jornal humorístico na cidade de Bérgamo. Então, fazia até sua caricatura, fazia caricatura, depois...
Rodolpho Gamberini: Deixou isso?
Pietro Maria Bardi: Perdi esse jornal, me transferi para Milão, fui redator de Il Secolo di Milano, do Corriere Della Sera e não fiz mais nada, depois, muitos anos depois, encontro um diretor do Corriere Della Sera com o qual eu briguei, fiz uma caricatura dele que fiz volta [publicou várias vezes] em vários jornais italianos. Bom...
[...]: Professor...
Pietro Maria Bardi: Mas isso não é ser artista, artista é quando... o artista faz o dia todo, possivelmente a noite toda, mas não quando faz um desenho assim, qualquer... Foi a Sabina [Sabina de Libman, crítica de arte e curadora] que há certa altura fez este álbum, que o Olney levou aqui, improvisadamente.
Olney Krüse: Mas o senhor fez colagens também professor...
Pietro Maria Bardi: Para me xingar. [risos]
Olney Krüse: As colagens da época do Mussolini. [Benito Mussolini, ditador italiano, criador do fascismo, governou antes e durante a Segunda Guerra Mundial, formando o chamado Eixo juntamente com a Alemanha nazista e o Japão. Foi morto ao final da Guerra]
Pietro Maria Bardi: Como?
Olney Krüse: Colagens da época do Mussolini.
Pietro Maria Bardi: Bom... [Risos]
Olney Krüse: Tem uma foto, está no livro dele! Ele mostrando a colagem para o Mussolini.
Pietro Maria Bardi: Veja, aqui eu deveria contar tudo da minha vida, entende.
Olney Krüse: O senhor fez colagens, fez desenho, fez pintura.
Pietro Maria Bardi: A minha vida começou aos 17 anos, aos 17 anos eu publico, em uma grande editora de Milão, Avante, o meu primeiro livro. Estava com 17 anos, tenho vergonha, até este momento, de evocar esse livro, que é dedicado a um filósofo inglês, Jeremy Bentham [(1748-1832) representante da escola moralista inglesa, defendeu a moral utilitarista que buscava evitar o infortúnio sem comprometer o bem-estar coletivo], o qual eu, menino, adorava ler esse tal e me espelhava muito nesse filósofo inglês que aos três anos falava correntemente o inglês, aos onze anos era comentarista das obras de Fenelon, e no fim dos anos de 1700 era a personagem mais importante da Inglaterra. Eu, namorando esse filósofo, descobri que um autor italiano da mesma época, Giandomenico Romagnosi [(1761-1835)], tinha publicado as suas obras em italiano, li um famoso ensaio dele sobre as colônias, era um inglês contra o colonialismo. Então, eu publiquei, esse meu primeiro trabalho. De lá para cá, fiz muitas coisas, e a última justamente é esse livro, 40 anos de Masp, que é uma reportagem sobre todo esse trabalho, que fiz unicamente com o Chateaubriand, até que o Chateaubriand foi vivo, e depois me botei nos ombros este museu, que ainda hoje está ainda, de vez em quando publico algum livro, nunca perdi o vício, a mania de ser jornalista... e na revista Senhor, depois de anos, eu faço cada semana uma página.
[...]: Eu queria falar uma coisa sobre isso.
Rodolpho Gamberini: Só um lembrete, só um lembrete Petit, eu gostaria que você fosse extremamente breve porque nós estamos terminando o programa.
Francesc Petit: Uma perguntinha rápida e do momento.
Pietro Maria Bardi: Sim.
Francesc Petit: Dos candidatos para governador de São Paulo, qual o senhor gostaria que ganhasse para ajudar o museu?
Pietro Maria Bardi: Veja, eu não penso que um governador deva ajudar o museu, penso que um governador deva cuidar do estado.
Milton Mesquita: Professor Bardi em quem o senhor gostaria de dar o próximo golpe, o senhor já deu um golpe no Adhemar o senhor quer dar em quem agora?
Pietro Maria Bardi: Obviamente eu vou votar o dia quinze para...
Aldemir Martins: Não professor Bardi, eu quero saber o próximo golpe. Não o voto, o golpe, o senhor deu um golpe no Adhemar para conseguir o Masp e, agora, o próximo golpe, qual seria que o senhor gostaria de dar?
Pietro Maria Bardi: Veja, é de encontrar um Chateaubriand. [risos]
Rodolpho Gamberini: Ele não vai então.
Aldemir Martins: Fica difícil porque não existe mais jagunço, o único jagunço ficou beato, que era o Julião, o Julião lá no Recife. Não tem mais jagunço, acabou o jagunço, acabou o Chateaubriand.
Pietro Maria Bardi: Encontro...
Maria Bonomi: Professor posso perguntar uma coisa, desculpe, o senhor publicou um artigo onde o senhor sugere ao senhor Roberto Marinho [dono da Rede Globo], não estou sugerindo que seja o novo Chateaubriand...
[...]: É melhor o filho dele que é mais moço.
Maria Bonomi: Sugeriu a ele que fizesse esse horário Globo cultural etc, etc. Achei um artigo da maior importância. Alguém percebeu, alguém lhe falou sobre esse artigo, houve alguma resposta, é um apelo belíssimo, é uma consideração, uma indagação?
Aldemir Martins: Não existe, a Globo tem ódio de cultura, o pessoal que dirige, o Boni [foi, durante muito tempo, vice-presidente de operações estratégicas da emissora, considerado o “todo poderoso” da Globo], esse pessoal todo que dirige a Globo...
Maria Bonomi: Mas veja bem, o Chateaubriand era um homem que ficou e permaneceu por causa do museu, será que toda essa gente não está sentindo a possibilidade? Quer dizer, essa expressão cultural que é o museu é permanência do Chateaubriand no tempo.
Aldemir Martins: Maria você sempre teve dinheiro, nunca se preocupou com dinheiro, mas esse pessoal que trabalha na Globo foram todos muitos pobres, todos eles querem dinheiro, querem dinheiro. Eu vou contar uma história do Chateaubriand. O professor Bardi está contando muita história eu vou contar uma.
Pietro Maria Bardi: Maria...
Rodolpho Gamberini: Deixa o professor responder.
Pietro Maria Bardi: Veja, você falou do Marinho. Quando existia o Chateaubriand não se batizava quadro na casa do...
Aldemir Martins: Roberto Marinho.
Pietro Maria Bardi: Do Marinho, no Rio. Eu tentei várias vezes escrever a ele, se podia dar uma mão, vamos dizer, com a TV Globo, não? Para o nosso museu, nunca recebi resposta. Se vê que a carta da gente é importante, acaba com um secretário, o secretário decide se informa o padrão.
Aldemir Martins: Exatamente. É o secretário que decide.
Pietro Maria Bardi: Então, se vê que esse secretário nunca informou o patrão e nunca tive mais também...
Maria Bonomi: No seu artigo, falou da maior importância.
[...]: Eu já ouvi falar dessa história do Marinho.
Pietro Maria Bardi: Que ajuda inúmeras instituições, não?
Rodolpho Gamberini: Senhor Bardi, eu agradeço muito a sua entrevista, mas infelizmente nosso tempo está esgotado.
Pietro Maria Bardi: Mas eu não falei nada.
Rodolpho Gamberini: Falou bastante, falou bastante.
Aldemir Martins: Mais dez minutos, mais dez minutos! Não vale a pena?
Rodolpho Gamberini: Mais dez minutos a nossa programação estará em outro. Eu quero...
Aldemir Martins: Cultura, mas quando se fala em cultura...
Rodolpho Gamberini: Durante uma hora e vinte minutos ou mais, nós começamos às dez e vinte, nós falamos de cultura.
Aldemir Martins: Imagina se você trabalhasse, se fosse funcionário público.
Rodolpho Gamberini: Eu agradeço muito a presença de todos vocês neste programa. O senhor quer falar?
Pietro Maria Bardi: Corte muitas coisas, ah!
Rodolpho Gamberini: Como?
Pietro Maria Bardi: Corte muitas coisas!
Rodolpho Gamberini: Não é possível cortar está tudo no ar. O programa é ao vivo.
Pietro Maria Bardi: Eu disse também alguma besteira?
Rodolpho Gamberini: Não disse besteira nenhuma. Como eu disse então, está terminado aqui o Roda Viva de hoje!
[Aplausos]
Rodolpho Gamberini: Nós voltamos segunda-feira que vem às dez e vinte da noite. Boa noite, obrigado.
Em 1992, Pietro Maria Bardi publicou seu 50º e último livro. No mesmo ano, perdeu a mulher, Lina Bo Bardi, arquiteta com projetos famosos, inclusive o do Masp. Em 1996, afastou-se do comando do museu, onde ficou por 43 anos. Morreu em 1999 pouco antes de completar um século de existência, deixando os bens acumulados pelo casal para duas fundações.