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Memória Roda Viva

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Hugo Acero

29/10/2007

Atual consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento fala dos projetos bem-sucedidos de combate à violência e à criminalidade em Bogotá, na Colômbia

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Heródoto Barbeiro: Olá, boa noite. Segurança pública não é uma questão só de polícia e justiça. Nas áreas onde a violência ocorre é preciso entrar com todas as instituições e fazer melhorias [nas áreas de] saúde, educação, transporte e saneamento. O problema da segurança é municipal e as autoridades precisam se envolver e assumir essa responsabilidade. São idéias de um sociólogo que reverteu as estatísticas de homicídios, chacinas e seqüestros em Bogotá, capital da Colômbia, e que já foi considerada cidade símbolo da violência na América do Sul. Hugo Acero é convidado de hoje do Roda Viva. Foi coordenador de segurança e convivência de Bogotá por 9 anos [e] atualmente é consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. A experiência de combate à criminalidade em Bogotá chamou a atenção do mundo pelo resultado obtido – queda de 80 % da criminalidade num período de menos de 10 anos– e chamou a atenção também para as idéias do colombiano Hugo Acero Velásquez, sociólogo com especialização em convivência urbana e em gestão de crises e terrorismo. Hugo Acero coordenou o programa de políticas públicas de segurança durante a gestão de três prefeitos em Bogotá, de 1995 a 2003 e se tornou referência no debate sobre a segurança urbana.

[Comentarista]: A violência na Colômbia começou a crescer nos anos 1960, com o surgimento da guerrilha de esquerda das Farc – Forças Revolucionárias da Colômbia, do ELN - Exército de Libertação Nacional e, depois, dos grupos paramilitares de direita para combater os guerrilheiros. Com o fim da Guerra Fria, a luta armada perdeu a motivação política. Guerrilheiros e milicianos entraram em crescente envolvimento com o narcotráfico e o conflito civil no país se tornou cada vez mais complexo e sangrento, causando mais de duzentas mil mortes em quatro décadas. Enquanto forças federais cuidaram do combate à guerrilha, principalmente nas áreas rurais, nas grandes cidades a atenção se concentrou na ação de criminosos. O plano que Hugo Acero coordenou em Bogotá foi montado com base em informações confiáveis sobre os focos e tipos de crime em cada região da cidade. E, além da polícia e justiça, envolveu as áreas de saúde, educação e outras para atacar todos os fatores que afetavam a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos. O plano começou com um acordo político: esquerda e direita decidiram se unir no combate ao crime e a questão da segurança foi assumida como responsabilidade do prefeito e do governador. A verba necessária veio do aumento de impostos: uma taxa obrigatória, junto com o IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], e outra opcional, na conta telefônica. Com mais dinheiro, a prefeitura investiu na urbanização de favelas e melhorias em bairros pobres, além de programas educacionais e sociais. O investimento na polícia aumentou cinco vezes. Mais infra-estrutura, mais inteligência, com a criação de um sistema único de informações, combate à corrupção e expulsão de policiais corruptos, aumento de salários e capacitação de novos policiais, com melhor nível de escolaridade, retomada da autoridade nas cadeias. O porte de armas foi proibido na cidade. E os bares passaram a fechar mais cedo, a uma hora da manhã. A prefeitura desenvolveu programas de melhoria da convivência urbana com mais educação, incentivo às condutas cívicas e participação da sociedade no plano. A violência no trânsito foi combatida com aplicação de multas pesadas e maior exigência de respeito aos pedestres. No final de nove anos, os resultados foram os seguintes: queda de 70% na taxa de homicídios, de 65% nas mortes em acidentes de trânsito, de 35% nos demais delitos e aumento da auto-estima dos moradores da cidade. Hugo Acero, ao se tornar referência na questão da segurança pública, tem dedicado parte de suas atividades ao debate de idéias que podem mudar o cenário em zonas de conflito e violência. Ele esteve recentemente em São Paulo, onde participou de um projeto do Itaú Cultural, um encontro de líderes de ações culturais destinadas a mudar a vida de comunidades em situação de risco ou vulnerabilidade.

Heródoto Barbeiro: Para entrevistar o sociólogo Hugo Acero, nós convidamos o jornalista Percival de Souza, escritor e comentarista da TV Record; Bruno Paes Manso, repórter do Jornal O Estado de S. Paulo; Miriam Guindani, criminóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretora de projetos de extensão comunitária na área do Complexo da Maré [conjunto de favelas localizada no bairro de Bonsucesso, Zona Norte do Rio de Janeiro]; o professor Oscar Vilhena, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e diretor jurídico da Conectas, organização internacional de defesa dos direitos humanos; o jornalista Gilberto Dimenstein, que é colunista do jornal Folha de S. Paulo; o jornalista Renato Lombardi, jornalista da TV Cultura; Túlio Kahn, coordenador de análise e planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Temos também a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV para todo o Brasil. Como o programa de hoje está sendo gravado, não podemos contar com a participação dos telespectadores.

Heródoto Barbeiro: Doutor Acero, boa noite. Inicialmente, eu gostaria de perguntar ao senhor se a legalização das drogas hoje mundialmente distribuídas contribuiria para diminuir a violência, principalmente nos países onde ela se destaca cada vez mais, como Colômbia, Venezuela, Brasil e outros. O que o senhor pensa disso?

Hugo Acero: Boa noite. Bem, você já começou com uma pergunta direta... Com relação às drogas, enquanto não forem legalizadas de maneira universal, é preciso continuar o combate a elas. É preciso continuar a combatê-las, não só no tráfico internacional, mas também no consumo interno. Acho que nisso os prefeitos têm um papel importante. No fim, acho que o mundo vai ter de reconhecer que estamos perdendo essa luta. Foi-se o tempo em que havia poucos milhares de usuários nos EUA, na Europa e nos nossos países. Agora isso aumentou mil vezes, assim como se multiplicaram a produção e a distribuição. No fim todos os países vão ter de discutir a possível legalização das drogas, mas essa é uma decisão que não pode ser unilateral, precisa ser uma discussão multinacional, quase no âmbito da ONU [Organização das Nações Unidas], que permita tomar decisões. Acho que foi grande demais o crescimento do consumo, da distribuição e da produção de drogas e é um problema grave. Agora, creio que é uma discussão para a qual não estamos prontos, mas é preciso começar. É necessário discutir, falar sobre as conseqüências. Saber até onde uma medida, como a legalização das drogas, pode mesmo ajudar na redução da violência. No caso colombiano acho que foi assim. Acho que a Colômbia sofreu demais com o fenômeno da produção, da distribuição e também do consumo de drogas em termos de violência e delinqüência. Acho que a legalização – que não pode ser unilateral, não pode ser de um único país, mas deve ser uma discussão internacional– acabaria beneficiando muito a Colômbia em termos de violência e redução da criminalidade. Como a droga é ilegal e é rentável, como é um instrumento de violência na Colômbia, sua legalização ajudaria, no caso colombiano, a reduzir a violência.

Percival de Souza: Professor, o seu trabalho na Colômbia é visto com admiração, curiosidade. O seu trabalho coloca o tema segurança pública de uma maneira diferente, numa vitrine que todos estão observando. O senhor já esteve em vários lugares do Brasil e o seu trabalho – eu queria fazer essa pergunta ao senhor – é centrado na municipalização e em um planejamento de trabalho que, no caso da Colômbia, por exemplo, chega até o ano de 2015. Pelo que o senhor viu do nosso país, nosso Brasil, aqui, a política de segurança é estadual, ela costuma mudar de quatro em quatro anos com raras exceções. A nossa Constituição não outorga ao município essa competência de segurança pública. E [n]esse planejamento, uma parte preventiva e outra coercitiva, também o nosso país deixa a desejar. Por isso eu pergunto: com a sua experiência lá e o que o senhor já viu aqui, no nosso Brasil, o senhor acha que a sua proposta de trabalho é um modelo para nós ou é apenas uma referência?

Hugo Acero: Creio que, digamos, Bogotá e várias cidades colombianas tiveram referências internacionais na redução da violência e da delinqüência, que foram reduzidas de maneira crítica, ou seja, adaptando-se à realidade colombiana. Talvez a única situação original que tivemos em Bogotá, nesses últimos dez anos, tenha sido a cultura cidadã. É um desenvolvimento teórico bem importante que veio com a Cultura da Legalidade [programa de governo municipal cuja ênfase recai sobre a participação popular e a melhoria da infra-estrutura urbana], promovida em Palermo por Leoluca Orlando [prefeito de Palermo entre 1985-1990 e 1993-2000. Seu governo é caracterizado por uma oposição ferrenha à máfia italiana e iniciativas de administração popular], contribuindo para a mudança do comportamento cidadão. O resto nós aprendemos. Aprendemos com programas preventivos de outros países, inclusive do Brasil, programas policiais com outras polícias, de Nova York, de Madri, de Barcelona e da polícia chilena, no caso latino-americano. Aprendemos sobre as prisões com os Estados Unidos e outras cadeias que vêm fazendo trabalhos importantes. É um programa que vai da prevenção até a coerção, das questões de convivência às de controle de delito. Acho que – complementando a pergunta que você fez–, cada vez mais, as autoridades locais têm um papel importante. O Brasil vai ter de discutir o papel dos prefeitos na questão da segurança e dar a eles mais responsabilidade, porque são eles que, de certa forma, vivem o problema de maneira direta e o conhecem em seus municípios. Não se deve esperar para essa discussão começar. Ela vai acontecer, certamente se chegará lá. Acho necessário estabelecer um nível de coordenação mais alto.

Gilberto Dimenstein: Mas você recomendaria que o controle da polícia fosse do prefeito? Porque, até onde eu consegui entender, na Colômbia a polícia é nacional. Nós não temos uma polícia nacional como vocês têm. E, em algumas cidades como Medellín e como Bogotá, a polícia nacional é controlada ou influenciada fortemente pelo prefeito. Você defenderia que, na América Latina ou, então, no Brasil, o prefeito tivesse uma força maior no policiamento? Não só em questões sociais?

Hugo Acero: Creio que é preciso avançar na questão da coordenação. Quando olho para o Brasil e para o México, vejo que há várias polícias que não se coordenam, que têm problemas de coordenação, não só a polícia, mas também o sistema judiciário e os organismos de controle, que fazem o controle de maneira específica. Há muito pouca coordenação. Nessa linha eu diria que... principalmente para os prefeitos, eles não seriam os chefes absolutos das polícias, mas haveria coordenação – e a falta dessa coordenação geraria conseqüências–. Digo isso por causa do Equador, onde os prefeitos também não têm responsabilidades políticas no trato da segurança. Embora lá, como na Colômbia, exista uma única polícia, eles não têm nenhuma autoridade para dar ordens a essa polícia. No entanto, houve progresso em duas frentes. Numa discussão que ocorreu no Congresso, o Equador determinou que prefeitos poderão colaborar com as polícias e instituições nacionais de justiça para melhorar a segurança. Também vem acontecendo uma discussão importante para ver até onde os prefeitos, no caso do Equador, podem começar a ter certa incidência sobre o trato da polícia localmente. Acontece que essas polícias locais, que vêem, por exemplo, a venda de drogas bem de perto, que a sentem e sabem que ela está acontecendo, muitas vezes dizem "não é um problema nosso, é da polícia federal" ou [dizem que] alguma outra polícia que tem de assumir esse problema. Enquanto isso, o narcotráfico e outros problemas de violência e delinqüência crescem por causa dessa divisão. Creio que se deve buscar um nível de coordenação que permita aos prefeitos coordenar e trabalhar com todas as autoridades de segurança e justiça. Incluir todos os programas de prevenção e convivência [para] que eles conduzam, localmente, na organização da cidade. Sem essa coordenação, haverá uma conseqüência a enfrentar. Na Colômbia, o comandante que não trabalha com os prefeitos pode ser avaliado pelo prefeito e essa avaliação afeta a carreira do comandante. E, nesse caso, se trata de uma polícia nacional. O prefeito deve avaliar seu comandante de polícia uma vez por ano. As ordens, ele impõe por meio do comandante. O prefeito não dá ordens à polícia na rua. Ele se coordena com o comandante e é esse comandante que estabelece, digamos, as ordens e hierarquias.

Oscar Vilhena: O senhor falou em vários momentos, não só hoje, aqui, no começo da sua explicação, mas também nas suas entrevistas, que o elemento fundamental de mudança foi a formação de uma cultura cidadã. E é evidente que uma cultura cidadã parte do pressuposto de um alto grau de confiança dos indivíduos nos atores estatais, em especial na polícia, que têm um contato direto com ele. Mas a corrupção e a violência talvez sejam elementos que dificultem a construção dessa cultura cidadã, dificultem a construção dessa confiança na polícia. Quais foram os passos fundamentais – eu gostaria [de] que o senhor me explicasse– tanto para a redução da corrupção na polícia... e para que houvesse uma polícia menos violadora de direitos na Colômbia?

Hugo Acero: No caso colombiano, em 1991, a polícia nacional tinha 17% de credibilidade. Era uma polícia com alto grau de corrupção e de violação dos direitos humanos, tudo denunciado por instituições nacionais e internacionais. Em 1991, o presidente decidiu reformar a polícia nacional, dizendo que "ou ela mudava ou acabava". E isso foi feito com uma comissão de gente muito atuante no país. Ele disse: "Ajudem-me a pensar na polícia que precisamos. Trago todos os especialistas do mundo que vocês queiram, mas me digam de que polícia a Colômbia precisa. Vocês me dão as idéias e eu as transmito. Será um projeto de lei e o Congresso decidirá como transformar essa polícia nacional". E, efetivamente, foi o que se fez. Houve cortes, saíram mais de 17 mil policiais, desde policiais de rua até altos oficiais. Foi dada carta-branca ao chefe de polícia para tirar qualquer policial por qualquer falta ou, pelo menos, faltas graves e isso ajudou a melhorar a polícia. Temos problemas, mas a polícia hoje tem 70% de credibilidade. É uma polícia que espera, até 2012, 85% de credibilidade. É uma polícia que sofreu mudanças internas, na área administrativa, incluiu profissionais, chamou sociólogos, antropólogos, advogados e médicos para fazer parte da polícia. E os uniformizou. Muitos profissionais ingressam na polícia. Ela também incluiu as mulheres. Hoje 15% dos policiais colombianos são mulheres. Esse é um papel muito, muito importante. O papel da mulher dentro da instituição foi importante. Mas também se chamou a atenção dos cidadãos para que denunciassem os excessos de força por parte da polícia em termos de violação dos direitos humanos, assim como os casos de corrupção. E os cidadãos souberam responder ao chamado. Ainda falta maior consciência cidadã para continuar controlando a polícia. Não é apenas um controle interno, administrativo e jurídico, mas também um controle social. Foi o que fizemos com os guardas de trânsito, que eram e são da polícia em Bogotá. Um controle maior, que permite ao cidadão denunciar a atuação do policial, em certo nível de corrupção, ou também a denúncia contra outros cidadãos, que tentam corromper a polícia. Houve um processo importante que precisava acontecer e esse processo de transformação da polícia com certeza pode servir para mudar a polícia em outros países.

Bruno Paes Manso: Doutor Acero, eu já, como jornalista, acompanhei o [Enrique] Peñalosa [prefeito de Bogotá entre 1998 e 2001], quando ele veio aqui ao Brasil, o próprio Antanas Mockus [filósofo e matemático, prefeito de Bogotá por duas vezes (1995-1997 e 2001-2003). Inaugurou o programa de “segurança e cultura cidadã”, cujo objetivo é combater pelo  melhoramente na força policial e também nas relações cotidianas entre as pessoas]  veio aqui ao Brasil falar sobre a queda de criminalidade em Bogotá e a gente sempre vê um discurso mencionando a importância das cidades e a importância das iniciativas locais pra redução de segurança. Mas, ao mesmo tempo, se fala muito pouco das transformações nacionais que aconteceram na Colômbia, como o acordo do governo com os paramilitares e o enfraquecimento dos cartéis que, diferentemente do Brasil, aqui a gente não percebe grandes transformações nacionais nesse sentido. Na Colômbia, isso foi muito presente e relacionado a uma violência, que era muito importante nos índices da Colômbia. Falta dar crédito a esse aspecto da redução dos homicídios na Colômbia? Por que se fala tão pouco dessas questões nacionais, pelo menos nas entrevistas [de] que eu participei?

Túlio Kahn: Posso complementar? Eu também gostaria de fazer uma reflexão sobre causas locais e causas nacionais. Há um livro publicado este ano nos Estados Unidos, pelo professor [Franklin E.] Zimring [da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia em Berkeley], que é o The great american crime decline [livro que defende que mais de 75% da queda da ocorrência de crimes nos Estados Unidos na década de 1990 estão associados a mudanças no caráter da vida urbana]. É interessante, porque ele mostra os prefeitos de Nova York, Chicago, Los Angeles... como cada um tentou capitalizar, com práticas totalmente diferentes, a queda americana, que hoje se reconhece como sendo, em grande parte, uma queda nacional. E provocada por fatores como: diminuição da população jovem, altos níveis de emprego durante os anos 1990, crescentes taxas de encarceramento em todos os estados. Na Colômbia, precisamente, eu já tive a oportunidade de estar com o prefeito Mockus, com o Rodrigo Guerreiro [prefeito da cidade de Cali, Colômbia. Em 1992, passou a implantar na cidade um programa de banco de dados em que se localizam os pontos da cidade anda há ocorrências de homicídios, suicídios, acidentes de trânsito e outros delitos considerados graves. Esse programa foi usado na cidade de Bogotá], que foi também prefeito na Colômbia, e cada um também apresenta a sua lista, vamos dizer assim, de medidas. No entanto, parece que tem também, por trás, um fenômeno generalizado por toda a Colômbia. E chama a atenção também, por exemplo, que o ponto de inflexão em Bogotá foi em 1993, o início da queda dos homicídios, 1993 se não me falha a memória... 1993 foi o pico e 1994 o primeiro. Em todo o caso, a administração Mockus é de 1995 e a secretaria mesmo que o senhor chefiou é de 1997. Portanto parece que ela começa...

Hugo Acero: De 1995.

Túlio Kahn: É de 95 também? De toda forma eu gostaria [de] que o senhor comentasse a respeito, pegando carona na pergunta do Bruno: até que ponto a queda que a gente observa na Colômbia se deve a causas nacionais?

Hugo Acero: A Colômbia tem um comportamento... Primeiro, vou dizer por que, às vezes, não falamos da questão nacional. Porque, em muitos casos, o foco do encontro foi, digamos, Bogotá. Vamos ver os dois casos: o comportamento nacional e o caso de Bogotá. A Colômbia teve o maior pico em 1991, quando havia um índice de violência de 76 homicídios para cada 100 mil habitantes. Foram 28 mil pessoas assassinadas em 1991. Isso diminuiu a partir de 1992 e foi caindo até 1998. Caímos para cerca de 25 mil homicídios. Naquele momento, o índice era de 66. A partir de 1999, ele subiu e continuou subindo até 2002. Voltamos aos 28 mil homicídios, cerca de 29 mil, que tínhamos em 2001. Um índice próximo a 68, 69 [homicídios por 100 mil habitantes], de acordo com a população. A partir de 2002, a Colômbia registrou outra queda, ou seja, é um comportamento irregular. Cai até 1998, sobe de 1999 até 2002 e volta a cair. Bogotá registrou queda desde 1994 e os índices não pararam de cair, à exceção do ano de 2005, quando, por descuido da administração local de Bogotá, que achou que a questão fosse apenas policial, que a polícia deveria cuidar disso e, portanto, houve aumento. Aumentou 5% em relação a 2004.

Bruno Paes Manso: A questão dos paramilitares, o enfraquecimento do cartel, por exemplo, teve reflexo na diminuição dos homicídios em Bogotá? 

Hugo Acero: A administração mencionou algo, do ponto de vista interpretativo, com relação ao aumento de 2005. No entanto, os paramilitares, com presença muito menor que em outros territórios, atuaram a partir de 2002 em Bogotá e tivemos o confronto de dois grupos paramilitares fortes para tentar dominar negócios ilegais na cidade. Isso provocou uma série de mortes a partir de 2002. Mas, apesar da presença dos paramilitares em 2002, 2003 e 2004, a tendência de queda continuou. Houve aumento em 2005 e aconteceu nova queda em 2006. É uma tendência que se mantém, digamos, contrária. De certa forma, uma tendência mais ou menos parecida até 1998, mas o índice do país aumentou e o da cidade continuou caindo. É preciso reconhecer, claro, as ações nacionais, reconhecer o que o presidente [Álvaro] Uribe [eleito dirigente da Colômbia em 2002, obteve reeleição em 2006. Estabeleceu uma política de segurança agressiva contra as Farcs] fez quanto a essa questão, mas a tendência de Bogotá não começou com Uribe. Temos de reconhecer a liderança dele nessa questão e a queda da violência, que caiu de 60 homicídios a cada 100 mil habitantes para os 38 que o país tem hoje. De 28 mil que tínhamos em 2002, certo, uns 28, 29 mil em 2002... e hoje temos 17 mil homicídios. É uma redução significativa. Critiquei... Escrevo uma coluna num dos jornais mais importantes da Colômbia na qual eu digo que a política está se desgastando, porque ele não trabalha muito com os prefeitos e governadores e é preciso trabalhar com prefeitos e governadores.           

Heródoto Barbeiro: Doutor Acero, vamos fazer um rápido intervalo.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: E o Roda Viva de hoje entrevista o sociólogo colombiano Hugo Acero, que é consultor das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Hugo Acero foi secretário de Segurança e Convivência em Bogotá, capital da Colômbia, quando a cidade teve grandes avanços no combate à criminalidade, e a experiência ganhou repercussão e despertou interesses em outros países, inclusive aqui no Brasil.

[Comentarista]: O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral [governador do Rio de Janeiro pelo PMDB em 2006. Seu mandato vai até 2010], foi a Bogotá em março de 2007 conhecer os programas que a cidade implantou para reduzir a criminalidade e melhorar a convivência entre os cidadãos. Cabral foi acompanhado de seu secretário de Segurança José Mariano Beltrame e dos governadores José Roberto Arruda, do Distrito Federal [pelo partido DEM], e Aécio Neves, de Minas Gerais [pelo PSDB]. Eles visitaram bairros e projetos que melhoraram os níveis de segurança e cidadania e resultaram em maior auto-estima aos moradores. Um mês depois, no Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral anunciou um investimento de quase R$ 500 milhões em treze comunidades do Complexo do Alemão, a área dominada pela facção criminosa Comando Vermelho. O projeto em parceria com o governo federal prevê a construção de hospitais, escolas, áreas de lazer, obras de saneamento e postos policiais, a exemplo do que foi feito na maior favela de Medelin, na Colômbia.

Heródoto Barbeiro: Doutor Acero, várias autoridades brasileiras estiveram em Bogotá, inclusive governadores de estados importantes, como o do Rio de Janeiro. Mas, muitas vezes, quando as autoridades brasileiras discutem sobre combate à violência, se fala em fazer com que o efeito inibitório das penas fique cada vez mais intenso, se fala até em prisão perpétua ou mesmo pena de morte. O senhor acha que pena de morte é capaz de reduzir criminalidade na Colômbia, no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo?

Hugo Acero: Bem, do ponto de vista legal, há uma tendência, inclusive, de alguns criminologistas, que reivindicam, sobretudo, do ponto de vista de justiça, que, se aumentarmos as penas, muitos juízes e fiscais – juízes sobretudo– vão hesitar na sua aplicação. Temos penas para tudo, mas a maioria não se utiliza delas. Não se utiliza. Alguns simplesmente esperam que o Congresso reforme e estabeleça penas acima de 50 anos para então tomar uma atitude. Inclusive, no caso de seqüestro, a pena maior é de 60 anos. E, apesar de sermos um país em que houve tantos seqüestros, não há uma única pessoa condenada a 60 anos. É o caso de perguntar: "Então, para que existe uma regra que impõe 60 anos de cadeia se não vamos aplicá-la, se não a desenvolvemos? Para que falar de pena de morte se não seremos capazes de aplicá-la?" Não confiamos no sistema para aplicá-la com transparência e duvidamos [de] que ele vá aplicá-la com certa imparcialidade. Quando se administra uma cidade, uma região ou um país, é preciso trabalhar com o que se tem. Não podemos dizer que não se pode fazer nada enquanto não se reformularem as leis. Alguns chegam a dizer que não podem fazer nada enquanto não acabarmos com a pobreza. O que temos de fazer é trabalhar com os instrumentos que existem, trabalhar de forma coordenada. Na medida em que a política se desenvolver, vamos também procurar as reformas legais necessárias para poder aplicá-las, mas reformas legais que tenhamos certeza de ter a capacidade para aplicar e de realmente aplicá-las. Caso contrário, é só enganação. É o que acontece com os códigos de trânsito. Eles fazem códigos rígidos em diversos países. Os cidadãos, quando sai o código, começam a comportar-se muito bem, mas, um ou dois meses depois, se dão conta de que nada é aplicado e a desordem volta à cidade. É preciso pensar para tentar conciliar uma norma com a aplicação. Se não tivermos disposição ou capacidade para aplicá-la, nem definitivamente a discutiremos e, de qualquer forma, vamos seguir usando as normas que já existem.

Miriam Guindani: Eu queria só retomar o processo de municipalização. Nós temos... acho que os gestores brasileiros têm o costume de se inspirar em modelos internacionais. Teve uma época que era a experiência de Nova York, Barcelona. E agora Bogotá é a grande referência. Mas é importante relembrar o processo histórico das políticas públicas pós-Constituição de 1988, que sofrem processo de municipalização. Todas elas, no campo da segurança, da seguridade social, ou seja... no campo da saúde, na área da assistência social e da educação por último. A segurança pública não sofreu esse processo de municipalização, mas há um processo político, que é em nível federal, desde 2000 – começa no governo Fernando Henrique [presidente do Brasil entre 1994 e 2002], depois, governo Lula [sucessor de Fernando Henrique na presidência do Brasil. Assumiu o cargo em 2002, sendo reeleito em 2006], primeiro mandato e segundo, que já tem uma intenção de induzir políticas de co-responsabilidade na função das questões de segurança. Então, nós já temos experiências desde 1997. A primeira experiência que ocorre é em Vitória, depois temos Belo Horizonte, Porto Alegre, Diadema, Santo André. Várias experiências muito semelhantes à de Bogotá. Então, é importante [que] os gestores se apropriem dessas experiências que nós já [temos]. [Quando] muda o governo, começa tudo de novo, parece que estamos começando do zero. Essa é a pergunta, então, que eu lhe faço. Porque atrás [está] uma partidarização da questão da segurança, não é nem politização, [é] uma apropriação dos projetos. São projetos que deveriam ser de interesse público, que vão pra uma esfera mais do interesse privado, partidário. Como vocês conseguiram lidar com essas questões? Aqui nós temos três esferas de poder que administram, então, essa questão da segurança. Ela não é uma questão do governo estadual, hoje ele é uma questão do governo federal, estadual e municipal. Os municípios já estão assumindo e, em algumas situações de confronto, afloram essas disputas políticas. Como é que vocês conseguiram lidar com essas questões que a gente vivencia nos grandes centros, nas grandes regiões metropolitanas já desde 2000? A gente pode já demarcar esse tempo? 

Hugo Acero: Quero aproveitar a pergunta, que vai me servir para fazer reconhecimentos importantes. Com o Brasil, aprendemos com várias experiências. Não conheço Diadema, mas estudei o caso, já li e foram feitas coisas importantes lá. O mesmo em Belo Horizonte, que tem trabalhos importantes. Estivemos lá e trabalhamos com isso. Há alguns anos, Claudio Beato [membro do Conselho de Defesa Social. Assumiu o cargo em 2008 defendendo o compartilhamento de informações entre os diversos órgãos de defesa social e a  participação mais incisiva do poder municipal no controle da criminalidade] levou-nos a refletir sobre sistemas de informação e a sua aplicação, baseados na experiência de Nova York. O que fizemos foi aprender com vários lugares. Agora, do ponto de vista das administrações locais, creio que é preciso envolvê-las, independentemente de... Veja, seria de esperar que os partidos políticos não partidarizassem a questão da segurança. Ela pode ser politizada, mas não partidarizada. São coisas um pouco diferentes. Não é uma questão partidária, é uma discussão política, mas, nesse sentido, a experiência colombiana é muito importante, sobretudo no caso de Bogotá. [A cidade] tem governo de esquerda hoje, com Luis Eduardo Garzón [Também conhecido como Luís Eduardo "Lucho" Garzón. Concorreu e foi derrotado por Uribe nas eleições presidenciais em 2002. Assumiu a prefeitura da capital colombiana em 2004]. O presidente é de direita, alguns o consideram assim. Para mim, ele não é totalmente de direita, são considerações. Nesse tema, eles não têm atritos. Eles discutem o que fazer politicamente, mas nessa questão não há oposição política, digamos. Nessa questão, trabalha-se de forma coordenada. O presidente e o prefeito de Bogotá se reúnem para ver como solucionar os problemas de Bogotá. E o presidente reconhece, tive a chance de ver em quase um ano e meio, desde a eleição presidencial, o presidente reconhece a autoridade do prefeito. Ele diz: "prefeito, você se encarrega de Bogotá. Se você precisar de ações do governo federal, é só me dizer, que vamos discutir quais são as ações com que devemos trabalhar. Se a polícia não trabalhar com você, se as instituições de segurança dependentes do executivo não trabalharem com você, avise-me". É um trabalho coordenado. Acho que isso... Sinto a mesma coisa ao falar da Venezuela, com Chávez [presidente da Venezuela desde 1999, e deverá permanecer no governo até 2012. Depois que assumiu a presidência convocou uma Constituinte, estatizou boa parte da PDVSA, companhia de petróleo do país, e aumentou consideravelmente os poderes do executivo] e a oposição. Eu torcia para que nem a oposição nem os “chavistas” se opusessem às políticas de um município como Chacao, que pertence à oposição. Eles deveriam usar parte dessas políticas para melhorar a segurança, porque a falta de segurança vem aumentando em Caracas e na Venezuela de maneira dramática. A Venezuela talvez seja o país mais violento da América Latina. Espero que não haja oposição política quanto a esse problema, mas sim cooperação. Com diferenças, claro que há diferenças, e várias ênfases, de acordo com a visão dos partidos, mas se deve avançar em uma política que dê mais autoridade aos prefeitos.

Gilberto Dimenstein: Eu queria voltar a essa questão do Túlio, porque eu não sei se você sabe, mas no ano que vem nós vamos ter eleições municipais aqui no Brasil. E essa questão nunca foi colocada com muita intensidade para os candidatos a prefeito. Tanto o Túlio como o Bruno estavam colocando as questões nacionais como tendências gerais. Mas, até onde eu consigo observar – eu morei em Nova York –, o mesmo o secretário de Segurança de Nova York hoje é secretário de segurança de Los Angeles, que é o comissário Bratton. E, nessas duas cidades, apesar da tendência nacional, a violência caiu com mais intensidade. Então, eventualmente, pode ter uma tendência nacional, mas a minha pergunta é a seguinte: ela pode ser acelerada na medida em que tem uma grande “concertação” local? Essa é a idéia?

Hugo Acero: É o que acabo de escrever sobre a Colômbia. Escrevi com um título pensado nesse sentido. A política de segurança democrática se esgota. O presidente tem uma política muito boa para o combate ao narcotráfico, para o combate ao conflito armado, para o terrorismo e para a redução da violência, sobretudo a violência homicida. É uma política realmente voltada para a questão da polícia, mas realmente faz falta uma política nacional que trate de outras questões da redução da violência, questões como a convivência. Isso exige uma política nacional. Agora, como contribuir na esfera nacional? Eu diria que com uma definição clara de política, que permita envolver os estados e municípios na questão e que permita saber como eles vão se envolver de maneira detalhada. Algumas experiências, como a de Nova York, são muito centradas na polícia. Intervir num ponto crítico de violência e delinqüência em qualquer cidade não é apenas um problema de polícia. Isso requer reformas, intervenções educativas, intervenção de espaços urbanos nesse setor, intervenção para desvincular os jovens envolvidos em violência e consumo de drogas. Requer atendimento às populações vulneráveis que estão nesses territórios, melhoria do entorno, iluminação, os espaços públicos, a coleta de lixo... Isso não é a polícia que vai fazer. É preciso desenvolver uma política que atenda a isso, mas que também persiga os criminosos. Isso é feito pela polícia e pela Justiça.

Heródoto Barbeiro: Doutor Acero, eu tenho aqui uma pergunta para o senhor do secretário de Coordenação das Subprefeituras do Município de São Paulo, Andréa Matarazzo. Ele tem uma questão sobre as ações de integração entre a polícia e outras entidades que eu gostaria [de] que o senhor respondesse. Veja:

[Vídeo Andréa Matarazzo]: Senhor Acero, aqui em São Paulo nós temos feito ações integradas entre as Polícias Civil e Militar, Guarda Civil Metropolitana, Secretarias de Educação, Secretarias de Saúde do estado e do município, Secretarias de Ação Social e outras entidades. Em perímetros limitados, nas regiões mais violentas, temos tido resultados excelentes aqui nas cidades. Ao mesmo tempo, na região central, também, essas operações têm sido feitas sempre conjuntas e com resultados bastante positivos. Eu gostaria de saber a sua opinião sobre operações integradas entre as polícias e as diversas ações sociais disponíveis no estado.

Hugo Acero: A integração pressupõe um trabalho coordenado, mas também, claro, um trabalho em que cada um cumpra a sua parte. O sistema educativo não vai perseguir ladrões. O sistema educativo deve ser bom, as escolas e colégios devem funcionar adequadamente com todos os professores, devem ser as melhores escolas e colégios. Que seja a melhor educação, que os espaços desse setor não sejam mantidos apenas durante a intervenção, mas para sempre. A intervenção deve durar o tempo necessário, a comunidade deve desfrutar disso sempre. Tenho a experiência do Ministério do Interior do Chile. Em Santiago do Chile, há lugares em que a polícia – os carabineiros – não pode entrar. Há venda explícita de drogas em alguns bairros de Santiago. [Então] veio a missão de intervir, do ponto de vista policial e também social, mas faltou coordenação entre o prefeito local e o prefeito da grande Santiago. Não existia coordenação, havia diferenças políticas, mas também uma consideração dos carabineiros do Chile. Assim que o problema no local era resolvido, eles começavam o trabalho em outro local. Não, a polícia chega para ficar, não para ir embora. E também, às vezes, a polícia trabalha fora dos problemas. Ela vai, soluciona e se retira, como um exército de ocupação. É preciso envolver a polícia no problema, deixá-la ali. A polícia precisa conviver com essas comunidades, fazer parte da institucionalidade nesses territórios. Uma polícia que comece a conquistar a população, que seja respeitada pelo que faz. Concordo plenamente com o que foi colocado agora, a questão da sustentabilidade. Como consegui-la e fazer com que as instituições façam o que lhes cabe de forma adequada e profissional?

Heródoto Barbeiro: Doutor Acero, nós vamos fazer mais um rápido intervalo. O Roda Viva volta em instantes.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: Bem hoje aqui no programa Roda Viva você acompanha a entrevista com nosso convidado de hoje, que é o sociólogo colombiano Hugo Acero, consultor das Nações Unidas sobre Desenvolvimento. Ele foi o secretário de Segurança e Convivência que reduziu os índices de criminalidade em Bogotá. E eu quero lembrar você que participam da entrevista o jornalista Percival de Souza, que é jornalista e comentarista da TV Record; o Bruno Paes Manso, repórter do jornal O Estado de S. Paulo; Miriam Guindani, criminóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro; o Oscar Vilhena, professor da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas; o jornalista Gilberto Dimenstein, que é colunista do jornal Folha de S. Paulo; o jornalista Renato Lombardi, que é jornalista aqui da TV Cultura e o Túlio Kahn, que é coordenador de análise e planejamento da Secretaria de Segurança Pública. E, por falar em Secretaria da Segurança Pública, Doutor Acero, São Paulo é vítima da violência e da ação do crime organizado. O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Ronaldo Marzagão, tem também uma pergunta ao senhor, que eu gostaria [de] que o senhor respondesse:

[Vídeo Ronaldo Marzagão]: Aqui em São Paulo a inclusão social é tratada como uma questão de política de segurança pública, principalmente nas comunidades mais carentes e de alta vulnerabilidade social e, portanto, de alto índice de criminalidade.  Eu gostaria de saber como essa questão foi tratada em Bogotá pelo senhor.

Hugo Acero: Na verdade, não foi apenas a Secretaria de Segurança. A liderança do prefeito foi importante. Eu tinha de cuidar das questões de segurança e convivência do ponto de vista da cidade em seu conjunto, muitas questões preventivas e, claro, o trabalho direto com a polícia nacional, mas existiam outras instâncias. A Secretaria de Educação tem de promover educação de qualidade e dar cobertura de 100%. É o que deve fazer a Secretaria da Educação ou o sistema educativo. Nesse sentido, de maneira específica, houve uma orientação clara para os gastos públicos em 1995. Dizíamos que um governo social não é um governo... Identificamos o governo social, mas no orçamento. O governo social é o que tem boa parte do orçamento investida na questão social: em saneamento básico, saúde, educação, melhora dos bairros e da cidade. É um governo que tem sentido social. Desde 1995, Bogotá multiplicou várias vezes o orçamento do ponto de vista social. A intervenção na educação e nos espaços de urbanização controlada, não desordenada, foi importante. Bogotá adotou um modelo de inclusão social e essa é uma dívida social grande. E há planos para tudo: planos de educação até 2015, de segurança e convivência até 2015, de mobilidade até 2015, planos em todas as áreas. Isso é executado independentemente dos governos. Quero ressaltar um papel muito importante, que é o do setor privado. [Este], com a sociedade científica, vem se vinculando ao desenvolvimento da cidade, não apenas pagando impostos – como deve fazer–, mas também como um grupo de pressão especializado, um grupo com especialistas em todas as áreas. O programa Bogotá cómo vamos começou em 1997 [considerado um dos programas responsáveis pela melhoria da qualidade de vida, consiste, entre outras etapas, na avaliação feita por especialista da gestão do prefeito]... A casa editorial El Tiempo, que tem o jornal mais importante [também chamado El Tiempo], a Câmara de Comércio, que reúne todos os grupos econômicos, a Fundação FES de Liderança e a Fundação Corona. Quatro instituições se uniram para criar um programa para dar continuidade a todas as políticas de desenvolvimento da cidade. Quando muda o governo, esse grupo de pressão se reúne com o prefeito e diz: "prefeito, aqui há um plano que estamos executando há 10 anos. Você pode ter suas prioridades, podemos discutir isso, mas há um caminho traçado e temos de segui-lo. Vamos fazer modificações segundo as suas prioridades, mas a cidade não pode sair dos trilhos”.

Renato Lombardi: Senhor Acero, o senhor começou falando... na sua explanação, o senhor falou em coordenação. E – não sei se o senhor sabe – no Brasil nós temos três polícias: Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Federal, que não se falam nem no próprio estado. Elas escondem e sonegam informação uma da outra. Nós temos um poder judiciário [e] nós temos um Ministério Público, que também não se falam. Então, não existe coordenação. Eu não vejo uma coordenação no nosso país. E o senhor falou num número, deu um dado aqui, na diminuição da criminalidade, 80% da criminalidade diminuiu. Eu queria que o senhor nos explicasse o que o seu governo fez, primeiro, com o jovem. Nós temos sérios problemas com a juventude aqui, com o jovem infrator, jovem de rua, com a delinqüência de rua. Segundo, nós temos sérios problemas, que as autoridades pouco relevam, que é o problema da droga. O Brasil não é só um corredor de tráfico, mas é um país que usa a droga em todos os sentidos. Todos os dias, em qualquer lugar, não só a droga pesada como a droga sintética. Temos o problema da não-recuperação do encarcerado, que é um sério problema de reincidência... chegando a quase 80% de reincidência, subindo cada vez mais no sistema carcerário. E temos outro problema: o jovem que vai para um reformatório chamado Febem [Fundação do Bem Estar do Menor] em São Paulo, [atualmente] chama-se [Fundação] Casa e, simplesmente, quando ele sai, sai mais violento do que quando entrou. Nos explique essa coordenação e esse trabalho que foi feito numa cidade em que antes era [faz uma escala de cima para baixo com a mão]... Nova York, Cidade do México, Bogotá e Rio de Janeiro na violência, há uns anos atrás e que conseguiu 80% da diminuição da criminalidade, que é uma coisa que, se for perguntar pra muitos leigos, as pessoas não vão acreditar.   

Miriam Guindani: Eu gostaria só de complementar...

Gilberto Dimenstein: São Paulo conheceu mais de 70% também, não podemos ser injustos. Nos homicídios.

Renato Lombardi: Sim, nos homicídios. Mas nos temos outros sérios problemas, que não são só os homicídios. 

Heródoto Barbeiro: Ok. O doutor Acero responde primeiro ao Renato Lombardi.

Hugo Acero: Bom...

Renato Lombardi: Primeiro a coordenação, [gostaria de] que o senhor falasse primeiro da coordenação de trabalho.

Hugo Acero: Embora a Constituição da Colômbia atribua aos prefeitos à questão da segurança e obrigue a polícia a obedecer a eles e apesar de os prefeitos terem instrumentos como os conselhos de segurança – podem convocar os comandantes da polícia–, os organismos de segurança e justiça devem comparecer a esse conselho. A convocação é obrigatória e intransferível. Eles não podem delegar isso a ninguém, têm de ir. Apesar disso, em 1995, na convocação dos primeiros conselhos, o general não ia, o chefe da polícia não ia. Temos problemas de conflito armado e o chefe das forças militares também não ia. Mandava um coronel ou alguma outra pessoa. A fiscalização também enviava gente de hierarquia mais baixa. O que fizemos foi, no mês de agosto, fechar o conselho e dizer: "Temos reunião na semana que vem. Se eles não vierem, vamos informar isso ao presidente. Coronel, o senhor não pode entrar no conselho. Se o general não trabalhar conosco de forma coordenada, vamos informar ao presidente. Diga aos seus generais que eles precisam vir". Oito dias depois, lá estavam os generais e diretores. Irritados, mas estavam lá. Então, começamos a trabalhar a cada oito dias, toda 5ª feira, das 7h às 9h30 da manhã. Trabalhamos em coordenação com todas as instituições. Esse trabalho cotidiano gerou esses níveis de coordenação. Como disse o secretário, estão sendo feitos esforços para coordenar. Essa coordenação deve ser permanente, deve se tornar uma rotina administrativa. Isso faz com que se estabeleçam relações com as instituições e permite trabalhar as políticas de forma permanente.

Bruno Paes Manso: Agora, doutor Acero, é inegável e eu acho que não há o que discutir [sobre] a importância desse tipo de trabalho com a juventude para oferecer melhores condições de vida para os jovens da periferia. Mas aqui em são Paulo, onde houve 70% da redução de homicídios e poucas pessoas realmente falam, você teve alguns aspectos interessantes que não são tratados, como se fosse uma espécie de tabu na área de segurança, um discurso dos políticos que falam sobre segurança pública. Aqui, até o ano de 2000, quando os homicídios eram... chegavam à casa dos 140 por 100 mil habitantes, você ouvia muito o problema da vingança, nos jovens que cometem assassinato, ou seja, uma pessoa assassinava a outra, essa pessoa não era punida e o outro ia lá e matava essa pessoa. O que [não] tinha sido morto ia lá, matava e iniciava um ciclo em que um assassinato, às vezes, gerava 20 assassinatos, porque nada era feito. Você ouve um aumento da prisão dos homicidas, os homicidas contumazes, como chamavam aqui em São Paulo, existiam essa figura dos homicidas que mataram 20 pessoas e que ficavam andando livremente nas ruas. Você tem um aumento, de 2001 a 2005, de 700% da prisão de homicidas em São Paulo, que, ao meu ver, ajuda a diminuir essa sensação de vingança, esse ciclo vicioso que é muito presente no discurso, quando a gente conversa com esses jovens nesses bairros. A questão é: por que não se fala da punição ao homicida para reduzir o homicídio? Isso é pouco importante, é muito importante?   

Hugo Acero: Nós temos a idéia de pegar quem comete esses delitos, prender essa pessoa e depois julgá-la. O fato é que é um processo completo. Bogotá não investiu apenas em prevenção, mas investiu muito no fortalecimento da polícia. Passamos de 10 milhões de dólares da administração anterior, que recebemos em 1995, para 24 milhões de dólares na administração seguinte. Depois, 48 milhões de dólares, para 56 milhões de dólares e agora 80 milhões de dólares para fortalecimento da polícia. Em quatro áreas importantes: mobilidade – carros, motos, cavalos, bicicletas–, infra-estrutura... A maioria das instalações da polícia não é adequada. Não são instalações feitas para a polícia. É preciso construir instalações adequadas e localizá-las estrategicamente no território. Há a questão da comunicação e, sobretudo, é preciso investir na capacitação da polícia.

Renato Lombardi: Dinheiro, salário.

Hugo Acero: Não é apenas o salário. O esforço e a mudança da polícia na Colômbia vieram, claro, de um grande aumento salarial, mas não tanto pelo salário, e sim pelo bem-estar. Um policial na Colômbia, ao ingressar na instituição, tem previdência social para ele, a esposa, os filhos, o pai, a mãe e os irmãos mais novos. Quase toda a família desfruta desse bem-estar. Quando um policial, por corrupção ou algo assim, sai da instituição, deixa a mãe, o pai, os irmãos e a família sem previdência social. É uma questão importante. Acho que vocês falaram de três coisas importantes: os jovens, as drogas e a ressocialização, a questão carcerária. Quanto aos jovens, não conheço ainda experiências de sucesso na América Latina. Tem gente trabalhando com 200, 300, 500 jovens. Em El Salvador, tem gente que trabalha com mil jovens e em El Salvador [pequeno país da América Central, que faz fronteira com Honduras e Guatemala] há 60 mil bandos, jovens ligados a bandos e gangues.

Renato Lombardi: São Paulo tem 15 mil jovens infratores.

Hugo Acero: É preciso fazer um esforço a longo prazo. É preciso intervir, do ponto de vista policial, do ponto de vista preventivo, trabalhar de forma integral com os jovens. Por um lado, prevenção, mas, por outro, ações de justiça e polícia. São delinqüentes, temos de trabalhar isso. É preciso atuar em vários campos nas comunidades. Primeiro, é preciso melhorar a educação.

Miriam Guindani: Doutor Acero, em relação a isso, uma pergunta sobre a experiência que parece ser muito positiva de vocês, que é o sistema de informação. Nós, da universidade, da UFRJ, estamos implantando um programa com jovens. A idéia é poder oferecer uma rede de apoio para aqueles que estão em processo de saída do sistema criminal: os egressos, jovens e adultos. Nós temos um diagnóstico com poucas informações, mas, pela experiência local, esses jovens não estão preparados para o retorno. Então, eles têm uma facilidade não só para reincidirem, como também para entrar em processo de serem vítimas de uma execução, em função de terem caído no sistema da justiça criminal. Então, a universidade tenta oferecer algum tipo de apoio e algum tipo de política de extensão, no sentido de servir como referência para uma alternativa à criminalização, principalmente à criminalização das drogas. Mas o que falta é que nós temos dificuldade de ter acesso às informações, [por exemplo], de quem são esses jovens, quantos estão inseridos, quantos estão criminalizados daquela região, daquele território. Para isso nós precisamos de um acesso à informação que o setor de segurança deve prestar à polícia, mas também ao sistema prisional. Essas informações, elas não são compartilhadas. Então, parece que Bogotá conseguiu construir esse sistema compartilhado pelo que eu li. Então, como vocês conseguiram? Foi algum mecanismo legal que obriga a compartilhar e oferecer as informações para a gente poder definir diagnósticos e projetar políticas de prevenção? Aí, nesse caso, prevenção terciária, para aqueles que estão saindo do sistema. Como foi essa conquista de vocês?

Hugo Acero: O desenvolvimento da informação... Primeiro, quando se chega à administração e se pergunta sobre violência e delinqüência, as instituições todas têm informações diferentes. Nem em termos de informação elas se coordenam. É uma falha que precisa ser solucionada. Em Bogotá, começamos a trabalhar com quatro instituições que manipulavam informações e criamos um sistema único ou unificado de informação, no qual se compartilha muito mais informação. No entanto, essa informação deve ser pública. É uma informação que, inclusive, deve ser divulgada todo mês. Hoje a administração de Bogotá comete um erro. Como está indo mal, não se divulga a informação. Isso é um erro. Acho que a informação, boa ou ruim, deve ser pública. Nisso a polícia é especialista. "Não vamos divulgar, não vamos, porque é segredo." Não, a informação é pública. Há informações que não podem ser divulgadas, mas a informação para essa análise, para o que colocamos aqui deve ser pública. Deve ser para trabalhar o tempo todo. Deve ser pública, ou seja: como conseguir que o trabalho feito pela universidade realmente faça parte do trabalho de intervenção nesses locais? Como conseguir que experiências importantes, que começam com os projetos, se repitam na cidade? Não apenas entregamos a informação pública, mas também contratamos universidades para fazer estudos. E dizíamos: "O estudo é nosso, não é de vocês". O estudo não é para publicar um livro. "Mas fizemos uma pesquisa." "Não, vocês fizeram a pesquisa para a administração, é para adotar medidas específicas. E mais, não quero que me sugiram propostas inviáveis”. Por exemplo: desarmar a população. Tenha dó! Não me façam uma proposta tão óbvia. "É preciso combater a violência familiar". Não! Diga-me como, com que estruturas, como. A academia também costuma idealizar o mundo, pensa que pode mudar o mundo em 20 anos, mas o governo tem um dia, tem horas para solucionar os problemas dos cidadãos. É preciso combinar esse conhecimento crítico, que é muito importante, para a aplicação de políticas. Para isso, é preciso compartilhar informação. Vocês começam a alimentar a tomada de decisões. Ao mesmo tempo, esses programas devem ser interligados com o que fazem o município e o estado, para ser como o setor privado. A institucionalidade trabalhando para solucionar problemas.

Heródoto Barbeiro: Doutor Acero, nós vamos então para mais um intervalo. O Roda Viva volta já, já.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: Nós voltamos com o nosso Roda Viva de hoje, que está entrevistando o sociólogo colombiano Hugo Acero, consultor nas Nações Unidas sobre desenvolvimento e ex-secretário de Segurança e Convivência de Bogotá, capital da Colômbia. Doutor Acero, entre tantos aspectos que o senhor comentou, eu gostaria [de] que o senhor comentasse mais um: qual é a importância que tem [o serviço de] inteligência no serviço policial? Onde é que entra essa inteligência nessa política mais global de combate à violência? O senhor usou isso quando o senhor foi responsável pela segurança na cidade de Bogotá?

Hugo Acero: A questão da profissionalização da polícia é integral. Nesse sentido, o governo federal iniciou esse processo de profissionalização em 2002. E também o combate ao narcotráfico, no final dos anos 1980, começo dos 1990, do ponto de vista da inteligência, ajudou a desenvolver esse setor dentro da polícia. Logo, em meados dos anos 1990, essa inteligência usada no combate ao narcotráfico também passou a ser usada em segurança. Ainda temos muitos problemas nesse setor. A polícia continua sendo muito reativa, muito pouco ligada a informações de inteligência e a trabalho detalhado sobre os fenômenos de violência e delinqüência, mas houve avanços. Há dois campos importantes: um é a inteligência, outro é a investigação criminal. Na Colômbia, a polícia tem função de investigação criminal. Muitos dos nossos policiais se comportam muito mal diante de um local de crime. Há um assassinato e todos se comportam como vizinhos, como faria qualquer cidadão. São pessoas que olham o morto. É preciso profissionalizar e começamos, no ano 2000, um processo de profissionalização no trato de locais de crime – de todos os policiais. O primeiro que chega ao local é o policial. Ele precisa preservar provas para que os peritos possam coletá-las da melhor maneira e dar prosseguimento à investigação criminal. É preciso haver processos de fortalecimento da polícia em inteligência, na questão da investigação – e isso supõe equipes, capacitação e tudo mais, na questão da investigação criminal– e, sobretudo, ter uma polícia integrada. Na América Latina, costumamos ter duas polícias: uma que fala com os cidadãos e outra que reprime. Não. O policial deve ser completo, deve ser um policial que possa falar com o cidadão, solucionar conflitos de maneira pacífica e saber reagir de modo profissional, dentro do estado de direito, diante de qualquer delito , um roubo a banco, um possível assassinato. Ele deve reagir profissionalmente a qualquer circunstância. Isso é um desenvolvimento integral de vários setores.

Oscar Vilhena: Aqui no Brasil há sempre uma tendência populista em reagir com mais repressão, como dizia o Heródoto, às ondas de violência. Ultimamente uma coisa que tem se falado muito é no ingresso das Forças Armadas no combate à criminalidade. O próprio ministro da Defesa, entusiasmado com uma visita ao Haiti, falou sobre isso. Como o senhor vê essa questão do ingresso dos militares no combate à criminalidade?  

Hugo Acero: É paradoxal o que está acontecendo hoje em Bogotá. Tivemos, tanto com Enrique Peñalosa, o prefeito Mockus e também prefeitos de direita... certo? Prefeitos independentes. Enquanto tivemos esses prefeitos e ocupei o cargo, eu sempre tentava fazer com que  – ou, pelo menos, pedia que– o exército não fosse para a rua sem a solicitação do prefeito. Porque é isso que estabelece a lei na Colômbia. Se um prefeito pede apoio das forças militares e faz isso de forma, digamos, ordenada, por meio de seu comandante, esse comandante pode ajudá-lo a estabelecer a segurança em sua cidade. A não ser em caso de conflito armado e terrorismo, não recorremos ao exército para vigiar as ruas. Hoje, com um prefeito de esquerda, os militares não apenas patrulham as ruas, como também recebem recursos para isso. É um erro. As forças militares estão preparadas para outras coisas, não propriamente para garantir a segurança nas ruas. Inclusive, saem com armas totalmente inadequadas para controlar a segurança dos cidadãos. Sair com fuzil ou com tipos de armas que, utilizadas na rua, podem causar mais mortes, é completamente inadequado. Talvez isso intimide um pouco, mas não é adequado para controlar a segurança. É preciso insistir na profissionalização e na melhora das polícias. Eles são os encarregados da questão da segurança; inclusive, em alguns países, estão pondo as forças militares para combater o narcotráfico. E é muito mais fácil corromper as forças militares, nessa questão do narcotráfico, do que a própria polícia. É só corromper o general e toda a unidade estará desabilitada. Basta um para que toda a unidade seja completamente inutilizada. Essa questão... Há a tentação de utilizar as forças militares, mas não é a melhor saída. É realmente preciso insistir em profissionalização e aperfeiçoamento das polícias.

Percival de Souza: Professor, eu vi uma entrevista na sexta-feira, no jornal Valor Econômico, de São Paulo, que o senhor vincula essa inteligência da qual nós estamos falando com um sistema de contenção dos criminosos considerados mais perigosos. O senhor citou, nessa entrevista, a necessidade de que os criminosos mais perigosos recebam castigos exemplares em estabelecimentos penais de segurança máxima e, ao mesmo tempo, o Estado monte um dispositivo que impeça esses prisioneiros de manter contato com o mundo exterior. E esse é exatamente um problema crônico em nosso país. Muitas [detenções de] “seguranças máximas” são segurança máxima para o prisioneiro, não para o Estado. Eles recebem droga, eles mandam mensagens, eles falam por telefone celular, eles têm um contato permanente com o mundo exterior. Talvez seja um dos poucos lugares do mundo em que setores do crime organizado, em nosso país, sejam comandados de dentro de estabelecimentos penais. Então, somando a inteligência com aquela coordenação que o senhor já mencionou, eu queria que o senhor falasse, por favor, da experiência colombiana com relação a isso: segurança máxima e impedir contato com o mundo exterior.

Hugo Acero: A partir de 1998, o governo federal começou a investir na questão carcerária. A princípio, foi por causa do narcotráfico, com cadeias de segurança alta e média – ainda falta. A Colômbia avançou uns 40% no aperfeiçoamento dos estabelecimentos carcerários, mas é preciso tentar ter cadeias com sanção e disciplina, onde os presos não lidem com dinheiro, usem uniformes, tenham disciplina desde a hora em que levantam, que não usem meios de comunicação. E é preciso haver controle por parte das autoridades. Na Colômbia também temos problemas com a criminalidade a partir das cadeias, mas a melhora das cadeias tem efeito sobre os delinqüentes. Em Bogotá, das quatro cadeias que temos, uma é municipal. Essa cadeia, quando chegamos, estava superlotada. Nós a desocupamos. Era uma cadeia para 450 detentos e, no mesmo terreno, fizemos uma para 1.080 detentos. Hoje o preso chega, enviado pelo sistema judicial, tem que tomar banho, cortar o cabelo, recebe um uniforme, fica 15 dias em observação e aprende a disciplina da cadeia. Ele se levanta às 5h30, tem de tomar banho, às 6h30 está no pátio, toma o café entre 6h30 e 7h, 40% vão a oficinas e os outros trabalham no pátio. Eles não lidam com dinheiro, não têm formas de comunicação e têm os direitos que a lei estabelece. Direito a uma visita íntima por mês. Essa visita é respeitada. Direito a saúde adequada. Eles têm isso. Eles têm todos os direitos. A defensoria, ao final do nosso governo, parabenizou-nos pelo respeito aos direitos humanos na cadeia. E, numa cadeia bastante rígida, era necessário que eles mesmos trabalhassem. O pessoal dos direitos humanos dizia: "Os guardas violam os direitos humanos". Eu disse para levar a defensoria, [levar] a comissão de direitos humanos para trabalhar comigo e ensinar aos guardas a não violar os direitos humanos. O protocolo de Istambul [produzido em 1999, na cidade de Istambul, trata-se de um manual para a efetiva investigação e documentação da tortura e outros tratamentos ou punições cruéis, desumanas ou degradantes] diz como respeitar os direitos humanos dos detentos. Então, é preciso aplicar o protocolo de Istambul. Há formas de lidar. Claro que isso requer autoridade e aplicação do que existe. Há uma questão que tem a ver, sobretudo, com o narcotráfico. Nossos países sacrificaram demais a justiça com a questão da extradição, mas não existe outra alternativa por enquanto. No ano passado, a Colômbia extraditou mais de 280 traficantes presos. Se ficassem no país, tenho certeza que matariam muitos dos juízes que tentassem julgá-los. A extradição é uma saída, mas é preciso ter cuidado com o sistema judiciário nacional.

Heródoto Barbeiro: Doutor Acero, nosso programa está chegando ao fim e eu tenho apenas uma rápida pergunta para o senhor. Aqui no Brasil, algumas cidades implantaram a chamada “lei seca”, proibindo a venda de bebidas alcoólicas a partir de uma certa hora da noite. E depois se discute muito se a criminalidade também caiu ou não em função disso. O senhor acha que essas leis secas funcionam?

Hugo Acero: Sozinhas não funcionam. Sozinhas, não. Se no município eu apenas proibir a venda de bebidas, sem nem sequer controlar os estabelecimentos, isso não faz sentido. É uma série de medidas, são múltiplas medidas. A Universidade de Los Andes, na Colômbia, fez um estudo sobre a redução da violência...

Renato Lombardi: Mas Diadema fechou os bares. Diadema fechou os bares e a criminalidade caiu.

Túlio Kahn: Caiu em 500 dos 645 municípios do estado a criminalidade. Em 500. O estado de São Paulo tem 645. Em 1999 nós tínhamos 12.800 homicídios. Nós vamos fechar este ano com 4.800. E é muito curioso, porque esse caso de São Paulo não é reconhecido.

Heródoto Barbeiro: Eu só gostaria, então, que o doutor Acero concluísse a resposta.

Hugo Acero: Uma única medida não basta. É preciso aplicar várias. A Universidade de Los Andes fez um estudo sobre violência homicida. O fechamento dos estabelecimentos trouxe redução de 14% nos homicídios. É um número significativo, mas foi deixado de lado outro número importante: Bogotá, em 1995, tinha um índice de 25 mortos a cada 100 mil habitantes em acidentes de trânsito. Hoje Bogotá tem índice de 6,6 mortos a cada 100 mil habitantes em acidentes de trânsito. A maior queda aconteceu a partir de dezembro, quando se reduziu o horário dos estabelecimentos noturnos. São medidas, inclusive... creio que há uma queda em outros tipos de violência, que não conseguimos medir, como a violência familiar, mas isso ainda precisa ser estudado. No caso dos acidentes, a queda é significativa. No caso dos homicídios, a Universidade de Los Andes reconheceu 14%.

Heródoto Barbeiro: Doutor Acero, nós estamos terminando o nosso programa Roda Viva. Eu gostaria, mais uma vez, de agradecer a sua gentileza e a participação conosco. E agradecer também a bancada de jornalistas que esteve conosco nessa edição do programa Roda Viva e ao telespectador.

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