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Memória Roda Viva

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Antonio Kandir

11/12/1995

Figura presente no cenário político-econômico do país desde o governo Collor, o deputado do PSDB falou da reforma tributária na gestão FHC

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Matinas Suzuki: Boa noite. No Congresso Nacional, ele trabalha para mudar o sistema de arrecadação de impostos no Brasil. Para conversar sobre a economia brasileira e as reformas na Constituição, está no Roda Viva desta noite o ex-secretário de Política Econômica do governo Collor e deputado federal Antonio Kandir.

[Comentarista]: Antonio Kandir, de 42 anos de idade, ficou publicamente conhecido no final dos anos 80. Trabalhando como pesquisador do Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento] e como estudioso da inflação acabou se aproximando da economista Zélia Cardoso de Mello, ministra da Economia do governo Collor. Kandir tinha votado em Covas [Mario Covas, candidato à presidência pelo PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira] no primeiro turno e em Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à presidência pelo PT - Partido dos Trabalhadores] no segundo. Acabou sendo o secretário de Política Econômica do governo Collor, onde ficou 14 meses. Deixou o governo em 1991, junto com os demais integrantes da equipe econômica, quando o plano de estabilização do Collor estava praticamente falido. Kandir ficou na vida privada até 1994, voltou este ano ao cenário político como deputado federal pelo PSDB de São Paulo. Atualmente, ele é o relator do projeto de Reforma Tributária que está em discussão no Congresso.

Matinas Suzuki: Para entrevistar esta noite o deputado Antonio Kandir nós convidamos Salete Lemos, que é comentarista econômica do TJ Brasil, do SBT; o jornalista Pedro Cafardo, editor-chefe do jornal O Estado de S. Paulo; Paulo Lucena de Menezes, advogado tributarista do escritório de advocacia Gandra Martins; Cláudia de Souza, chefe da sucursal em São Paulo do Jornal do Brasil; a jornalista Cida Damasco, editora nacional da Gazeta Mercantil; e o jornalista André Lahoz, editor de economia da Folha de S. Paulo. [Programa ao vivo] Boa noite, deputado Antonio Kandir.

Antonio Kandir: Boa noite, Matinas. É um prazer estar aqui.

Matinas Suzuki: Eu nem [me] lembrava mais de você de barba.

Antonio Kandir: Nem eu [me] lembrava disso!

Matinas Suzuki: Deputado, nós vamos falar muito de economia nesta noite, mas antes de entrar no tema econômico, como o senhor é um deputado que pertence ao partido do presidente, como a gente sabe que o senhor é uma das pessoas que estão no Congresso mais próximas da equipe do presidente [refere-se ao presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que governou nos períodos de 1995 a 1999 e de 1999 a 2003], eu gostaria de falar um pouco de política. Deputado, essa história de grampo [alusão a fatos relativos à criação do Sivam], pasta cor-de-rosa e tal, a papelaria política do presidente não está meio complicada esses dias, deputado?

Antonio Kandir: Não há a menor dúvida que são fatos que atrapalham o governo, mas eu diria, Matinas, [que] eu estou bastante convicto disso e tenho formado essa convicção não sem fundamento. Eu tenho formado essa convicção a partir da percepção das votações do Congresso Nacional: do fundo de estabilização econômica, estabilização financeira; o segundo turno na Câmara, na votação do Imposto de Renda Pessoa Física, Imposto de Renda Pessoa Jurídica e pelas discussões que eu estou percebendo sobre a reforma administrativa, a reforma Previdência. A percepção que eu tenho, Matinas, é que as reformas vão seguir um ritmo natural independentemente dos problemas que estão surgindo quer no campo do Sivam, quer no campo da escuta ou a guarda da pasta cor-de-rosa. O que isso na verdade leva, e aí você tem razão, é uma situação de maior tensão na relação entre o executivo e o Congresso, na relação entre o executivo e sua equipe, ou seja, do presidente e de sua equipe mais direta, do presidente em relação aos ministros, o conjunto de ministros. Então, há uma tensão maior no governo, há uma tensão maior entre o governo e o Congresso, mas nada que prejudique o ritmo das reformas, nada que prejudique o programa de estabilização. Pode-se dizer que a gente entra num quadro mais vulnerável, de maior tensão, mas nada extremamente preocupante.

Matinas Suzuki: Cláudia, por favor.

Cláudia de Souza: Deputado, o senhor trabalhou no governo Collor, que se notabilizou por problemas desse tipo, e agora vê tudo isso explodindo de uma maneira... Como não há nenhuma grande novidade, tudo explodindo ao mesmo tempo, até de uma maneira um pouco surpreendente. Qual é o paralelo que se faria? Acha que a sociedade, o Congresso, o cidadão em geral, nesse governo, trata essas questões de uma maneira diferente?

Antonio Kandir: Bem, Cláudia, eu vivi no governo Collor do início de março de 1990 até maio de 91, muito antes das confusões que marcaram aquele período dramático na vida brasileira. Então, realmente a comparação é quase que difícil de ser feita porque, naquele momento, era um momento de muitas mudanças no sentido positivo, quer dizer, o programa de privatização começou naquele momento, programa de abertura econômica, o primeiro roteiro de mudanças da Constituição - o chamado “Projetão”. Então, é uma situação diferente da que está se vivendo agora. O que eu acho, e isso está um pouco implícito na sua pergunta, eu acho que graças a Deus a sociedade brasileira hoje está muito mais cobradora num bom sentido em termos de saber exatamente tim-tim por tim-tim [detalhadamente], cada uma das coisas que surgem e a imprensa no sentido positivo acaba refletindo esse tipo de sentimento da população.

Cláudia de Souza: O senhor acha que essas questões irão embora?

Antonio Kandir: Não, eu acho que não. Acho que a tendência é cada um dos problemas ser dissecado até o final. Quer dizer, pode eventualmente sair do topo da notícia, eventualmente uma ou outra questão... por exemplo, eu não tenho a menor dúvida que a partir dessa semana que começa, vamos dizer assim, agora, a questão da Previdência vai começar voltar ao topo da manchete, quer dizer, a discussão vai começar a ficar forte na comissão especial que está tratando dessa matéria e, se der sorte, se houver condições, a gente talvez tenha até a primeira votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados da reforma da Previdência, senão nós vamos ter uma boa discussão. Então é evidente que a Previdência, que toca a vida de todo mundo, quando a discussão começar a pegar fogo vai pegar o topo da discussão, mas isso não quer dizer [que] grampo e pasta cor-de-rosa vão para o fundo do armário, quer dizer, sai do topo da discussão, mas sempre vai haver a investigação, sempre vão existir jornalistas muito competentes que vão estar investigando a coisa em detalhes.

Salete Lemos: Deputado, o senhor disse que não tem a menor dúvida quanto à aprovação das reformas, e o senhor é relator da reforma tributária no que diz respeito a nós, pessoas físicas. E a sociedade de uma forma geral se mostra muito descontente com a reforma, ou com o modelo da reforma. Está muito aquém das expectativas, não só no que diz respeito à distribuição de renda, a simplificação... Qual é a sua avaliação? É uma reforma, primeiro que não agrada ao próprio contribuinte, e segundo que se percebe uma dificuldade política enorme de aprovação. Onde é que a coisa pega, emperra? Por exemplo, nós tivemos o desconto padrão, que seria o lado da simplificação, houve um recuo do governo no desconto padrão e ele ficou limitado a uma faixa. Que análise o senhor faz dessa reforma? É essa a reforma que o Brasil precisa?

Paulo Lucena de Menezes: Posso aproveitar justamente para incluir um outro tema? Eu queria saber se o senhor acha possível, realmente, se fazer uma reforma mais profunda no que diz respeito à tributação? Primeiro lugar: porque o Brasil já perdeu algumas oportunidades com a Constituinte, com a revisão. Segundo lugar, porque tem a questão da própria legislação eleitoral. Discute-se se o que existe hoje possibilita realmente a eleição de um grande número de parlamentares com isenção para tratar desse assunto que envolve tantos interesses. O senhor até tratou do contrato de representação política na sua campanha. Em terceiro lugar, porque o seu próprio trabalho - aliás, excelente - como relator do projeto do Imposto de Renda demonstra que é possível realmente realizar várias alterações no que se diz respeito à tributação mediante simplesmente um tratamento infra-constitucional. Será que esse também não seria o primeiro caminho a ser seguido antes de uma reforma mais profunda?

Antonio Kandir: Bem, em quatro questões [risos] é assunto para três programas, mas vamos lá. Em primeiro lugar, eu queria colocar bem claramente a minha visão sobre a questão tributária. Não há a menor dúvida que, do ponto de vista da estabilidade econômica e da retomada, sustentado o crescimento, você precisa fazer um ajuste fiscal. Agora, esse ajuste fiscal, qual é a parte da Reforma Tributária no ajuste fiscal? Eu estou absolutamente convencido de que não é a questão de aumentar a receita, o chamado ajuste fiscal, o aumento da poupança do setor público deve vir e pode vir pelo lado da despesa, ou seja, a arrecadação que nós temos como porcentagem do PIB [Produto Interno Bruto] hoje é em torno de 30% do PIB. É uma arrecadação bastante alta para o nosso padrão de desenvolvimento. Então, o ajuste tem que ser feito pelo lado da reforma administrativa pela definição clara dos papéis de União, dos estados e dos municípios e pela Reforma da Previdência, além de outros ajustes. Então, primeiro ponto: a Reforma Tributária visa aumentar a massa de recursos pagos pela sociedade? Não. Qual então é o nosso critério para pensar o que é uma mudança tributária positiva e uma mudança tributária negativa? Para nós - quando eu digo nós, de certa forma acho que traduzo a visão majoritária dos membros do Congresso Nacional que hoje se debruçam sobre essa matéria. Nós tivemos, durante meses, a constituição de uma comissão da Reforma Tributária e que, de certa forma, preparou essa discussão. E, hoje, a visão desse grupo, ou pelo menos a maior parte desse grupo, é no sentido de que as mudanças tributárias devem ser feitas. Devem ser feitas aquelas mudanças que ajudam avançar no investimento econômico. A percepção que nós temos é que o nosso sistema tributário é um sistema tributário que amarra o processo de investimento econômico. Então, é importante fazer o quê? Reduzir o chamado custo Brasil e criar condições para uma economia globalizada poder funcionar bem.

Salete Lemos: Agora, eu estou falando da pessoa física. Ela não está pagando nem menos e nem de forma mais simplificada com o projeto que está em discussão. O senhor concorda?

Antonio Kandir: Parcialmente. Primeiro, o projeto de Imposto de Renda Pessoa Física que passou, na semana passada, na Câmara dos Deputados ele de fato reduz a carga tributária, principalmente para as categorias de renda baixa e pequena. Primeiro ponto: todo mundo, literalmente todo mundo que ganha por mês R$ 1125 ou menos não pagará um tostão de imposto.

Salete Lemos: E nem seria justo pagar, porque com R$ 1 mil você não consegue manter uma família com qualidade, não é, deputado?

Antonio Kandir: Isso é uma situação nova. Situação nova por quê? Porque está se fazendo duas coisas. Primeiro, está elevando o nível de isenção, grosso modo, de R$ 750 para R$ 900. E, segundo, está estabelecendo um desconto simplificado para todos aqueles que ganham até R$ 27 mil...

Salete Lemos: Muito pouco.

Antonio Kandir: Mas é uma redução, em relação de 1995 para 1996 é uma redução significativa nas classes de renda que vão da faixa tributável, que é basicamente de R$ 1 125 para frente, se tem reduções de 20%, 30%, 40%. Por causa do efeito combinado, limite de isenção R$ 900, desconto simplificado de 20%. Então, 20% de R$ 1 125, se retirando isso dá R$ 945.

André Lahoz: Mas na outra ponta extinguiu-se alíquota de 35%, então pode-se dizer por aí que a nova situação é mais injusta do que a antiga?

Antonio Kandir: De jeito nenhum.

André Lahoz: Por que não?

Antonio Kandir: De jeito nenhum. Pelo seguinte: porque na verdade o que se arrecadava efetivamente na faixa de 25 a 35%?

Salete Lemos: Nada.

Antonio Kandir: Arrecadava cinco milhões de reais por mês contra uma arrecadação global de oito bilhões de reais por mês, ou seja...

Salete Lemos: Então era insignificante?

[...]: Mas por um problema de eficiência.

Antonio Kandir: Vamos por partes, vamos por partes. Isso significa 0,1%, só que vocês deviam me perguntar, e com razão... você está pensando exatamente em falar o seguinte: “Mas Kandir, se arrecada só cinco milhões de reais nessa faixa de 25 a 35%, o que corresponde mais ou menos a 13 mil pessoas, isso quer dizer que o governo deveria provavelmente, se tivesse um melhor sistema de fiscalização, arrecadar com mais pessoas”. A verdade, o que isso revela, é que o que você está arrecadando, o que você perde nessa faixa de 35%, corresponde a um contingente de contribuintes que não está recolhendo nem na faixa de 25% a 35%, e também não está recolhendo a faixa de 0 a 25%. Então, há indicações de que, o que você está perdendo nas faixas inferiores corresponde a mais do triplo daquilo que você deixou de arrecadar. Em outras palavras, sendo de maneira muito objetiva, é preferível ter um sistema tributário que cobre 25% de 100, do que o sistema tributário que queira cobrar 35% de 100 e só cobra 35% de 60, então o resultado líquido do ponto de vista do Tesouro Nacional é uma menor arrecadação e seria, e seria...

[...]: Kandir...

Antonio Kandir: Só para completar o raciocínio...

Matinas Suzuki: O que atrapalha [e leva a] ter essa menor arrecadação?

Salete Lemos: E tem essa menor arrecadação?

Matinas Suzuki: O que atrapalha ter essa menor arrecadação? Porque do ponto de vista de justiça social é interessante. Se não atrapalha nada, por que tirar então?

Antonio Kandir: É que você não vai conseguir fazer esse tipo de arrecadação. Primeiro ponto que eu queria destacar é o seguinte: você não pode querer fazer uma alíquota na pessoa física que seja muito diferente da alíquota na pessoa jurídica. Então, se a alíquota máxima na pessoa jurídica é 25%, se você vai fazer uma alíquota máxima na pessoa física de 35% é evidente que você vai criar uma série de firmas fantasmas. Você poderia falar: por que a alíquota de pessoa jurídica não é acima de 25%? Porque os nossos países vizinhos estão entrando num sistema tributário abaixo de 20 ou 25%, ou seja, nós estamos num espaço econômico cada vez mais integrado na realidade mundial. Particularmente no Mercosul.

[falam simultaneamente]

Salete Lemos: Integrado, completamente fora da realidade! Deputado, como é que se estabelece o desconto...

Pedro Cafardo: A questão é a seguinte: eu queria colocar que o PT [Partido dos Trabalhadores] me parece que fez uma proposta para se aumentar essa alíquota máxima até 50%.

[...]: E uma alíquota de 5% também.

Pedro Cafardo: Uma de 5% que seria a mínima. Porque não é viável uma alíquota de 50% para aqueles que ganham alto, tem altíssima renda, não salário mínimo?

Antonio Kandir: Olha, você tem que analisar a questão por um prisma bastante objetivo, quer dizer, uma coisa é você falar o seguinte: vamos pensar um sistema tributário supondo condições ideais de temperatura de pressão. Outra coisa é falar assim: não, nós estamos um sistema tributário aqui para o Brasil que concorre, do ponto de vista de atração de investimentos, com a Argentina, com o Paraguai, com Uruguai...

Pedro Cafardo: Estou falando da pessoa física.

Salete Lemos: Pois é!

Antonio Kandir: É que você não pode fazer um sistema tributário da pessoa física em desacordo com o sistema tributário da pessoa jurídica. Na verdade o que se cobra é o Imposto de Renda, se você não harmoniza pessoa física com pessoa jurídica você tem uma série de arbitragens que as pessoas acabam fazendo e que acabam tornando o sistema tributário pouco transparente. Então, primeiro ponto: você tem que harmonizar pessoa física com pessoa jurídica. Segundo, você tem que harmonizar o seu sistema de Imposto de Renda Pessoa Jurídica com a realidade objetiva dos outros países porque, senão você vai acabar por uma série de mecanismos fazendo com que ou as empresas se localizem formalmente em outros países ou até as pessoas, de alguma maneira, acabam localizando formalmente as suas residências em outros países, então não é... Essa é a realidade objetiva que não só o Brasil enfrenta, mas todos os países do mundo, você tem uma tendência à harmonização do sistema tributário.

Cida Damasco: Deputado, todo ano o contribuinte está acostumado, no final do ano, com pacotes baixados pelo governo para mudar as regras do Imposto de Renda. Dessa vez se tem uma mudança não ditada pelo pacote, baixada pelo governo, mas por um projeto discutido no Congresso. Mas qual é a garantia, para o contribuinte, de que se trata de uma mudança para valer e não mais apenas de algumas medidas para quebrar o galho das contas do ano seguinte?

Antonio Kandir: Eu diria que a garantia disso, quem vai dar é o processo inflacionário, ou seja, em outras palavras...[sendo interrompido]

Pedro Cafardo: Mas acaba sendo um pacote, Cida, porque o relatório que o deputado fez não foi aceito pelo governo, e as lideranças mudaram o relatório.

Antonio Kandir: Um ponto só. Na verdade, no projeto original do governo, nós apresentamos cerca 15 mudanças, e algumas mudanças importantes.

Pedro Cafardo: As que mais beneficiavam o contribuinte?

Antonio Kandir: Não. Tem uma mudança da maior importância, que é uma mudança no sentido de dar maior respeito da máquina pública ao contribuinte, que é você colocar um limite na capacidade que o governo tem ou tinha, de postergar as restituições. Quer dizer, hoje se estabeleceu que, se eventualmente se atrasar em mais de dez meses a restituição não paga, se a restituição pela Receita Federal demorar mais do que dez meses, na próxima declaração o contribuinte poderá compensar o imposto a pagar com a restituição que deveria ser feita e não foi feita, primeiro ponto...[sendo interrompido]

Pedro Cafardo: Mas dez meses a partir da entrega da declaração?

Antonio Kandir: Da entrega da declaração. Outra mudança, que eu acho particularmente que foi a mudança mais importante, é a criação de um mecanismo objetivo de estímulo à competitividade, ou seja, a possibilidade de ter maior competitividade implica na necessidade de maior interesse, maior parceria na produção. E isso implica no quê? Na existência de programas que estimulem a participação dos trabalhadores nos resultados do processo produtivo. E nós estamos criando a possibilidade de isenção de impostos para os trabalhadores no caso deles participarem dos programas de participação dos resultados. Essas, entre outras mudanças que nós fizemos, por exemplo, com relação à despesa sobre educação...[sendo interrompido]

Pedro Cafardo: [interrompendo] Isso foi mantido, participação dos resultados?

Antonio Kandir: Isso foi mantido. O único ponto que não foi mantido, e em cima da hora, foi o único ponto, quer dizer... 15 minutos antes de começara a votação nós tivemos um pedido da Receita Federal no sentido de que não permitissem que o desconto simplificado de 20% não fosse estendido àquelas categorias que recebessem mais de 27 mil reais. A nossa proposta era de que se alguém ganhasse mais do que 27 mil reais ela poderia também descontar 20% da receita, perdendo toda possibilidade de fazer outras formas de dedução desde que esse desconto ficasse restrito a 20% de 27 mil, ou seja, R$ 5 400. Isso nos parecia justo e, aliás, nos parece, nós estamos ainda querendo discutir essa questão, acho que há uma possibilidade ainda da gente abrir...

Paulo Lucena de Menezes: O senhor acha que isso é possível de ser alterado?

Antonio Kandir: É uma possibilidade, quer dizer, o nosso argumento básico é um argumento absolutamente racional: que se uma pessoa ganha 27 mil reais e tem uma outra pessoa que ganha 27 mil reais e um, a de 27 mil reais pode descontar 20% e de 27 mil reais e um não pode, pelo menos 20% de um. O argumento que foi dado em cima da hora pela receita é o argumento que eu chamo de argumento ad terrorem [para aterrorizar], ou seja, argumento de que se acontecesse isso a receita poderia perder quinhentos milhões de dólares. Nós estamos pedindo informações para a receita para ter exatamente a fundamentação desse valor, se de fato acho difícil haver essa perda, se houver de fato uma perda desse tipo a gente não pode negar, ainda mais sendo da base do governo. Agora, se de fato a perda não for assim tão grande nós vamos de alguma maneira criar condições para que isso prevaleça também. Foi o único ponto e o único ponto que ainda está em discussão.

Salete Lemos: Deputado, um dos principais objetivos da reforma diz respeito à simplificação. O que o senhor enxerga nesse projeto que simplifica a vida do contribuinte?

Antonio Kandir: Olha, em primeiro lugar o fato de você inegavelmente até 27 mil reais...

Salete Lemos: O desconto padrão. Eu estou falando para contribuinte na sua totalidade, quer dizer, é um projeto de reforma.

Antonio Kandir: Quando a gente fala em 27 mil reais, nós estamos falando em cerca de 95% da população.

Salete Lemos: Dos contribuintes?

Antonio Kandir: Da população.

Salete Lemos: 95% da população ganha, no ano, 27 mil reais?

Antonio Kandir: Para você ver como a distribuição de renda é horrível!

Salete Lemos: É outro objetivo da reforma, distribuição de renda?

Antonio Kandir: Exatamente, não tem a menor dúvida. Então, isso de fato implica numa simplificação grande, eu diria que do ponto de vista objetivo da simplificação é o chamado desconto, que a palavra já diz, simplificado.

[...]: Deputado, no final das contas o governo perde ou ganha com as duas mudanças do IR [Imposto de Renda]?

Antonio Kandir: O governo ganha.

[...]: Quanto?

Antonio Kandir: O governo ganha. Olha...

Salete Lemos: Ganha em arrecadação?

Antonio Kandir: Ganha na arrecadação, e somando pessoa física e pessoa jurídica deve ganhar alguma coisa em torno de seis bilhões de reais.

Salete Lemos: Mas não era esse o objetivo da reforma o aumento da arrecadação, era?

Antonio Kandir: Mas tem como conseqüência prática, é isso, quer dizer, na verdade... Aliás, seria uma coisa que a sociedade de uma maneira geral tem essa percepção, de você reduzir... [risos]

Salete Lemos: Não tem essa percepção [risos], nós vamos pagar mais imposto!

Antonio Kandir: Se você reduzir as alíquotas, por exemplo, no caso de empresas, vamos falar português claro, inclusive para os telespectadores perceberem. Por exemplo, uma empresa antes, no ano de 1995 ela pagava 25% de imposto sobre lucro e pagava dois adicionais, um adicional de 18% sobre o lucro que excedia 180 mil reais e o que ficasse abaixo de 780 mil reais e pagava um outro adicional de 18% sobre o lucro que excedia 780 mil reais. Vamos pegar um caso de uma empresa que tinha o lucro de um milhão de reais. Pagava 250 mil reais pela alíquota básica, pagava 12% sobre seiscentos mil, que é 780 mil menos 180 mil, 12% de seiscentos mil dá 72 mil, então 72 mil mais 250 mil, mais 18% sobre aquilo que excedia 780 mil, um milhão menos 780 mil, 220 mil, 18% de 220 mil dão mais ou menos 39 mil reais, 39600, 39 mil mais 72 mil, mais 250 mil dá 320, mais ou menos 360 mil, ou seja, a carga tributária efetiva era 360 mil reais. Em um mil reais, 36%. Qual é a regra que vai valer agora, objetivamente, quer dizer, sem ter diversação, vai ser 15% mais um único adicional de 10% sobre o que exceder 240 mil. Então um milhão, 15% dá 150 mil... [sendo interrompido]

Cláudia Antunes: [interrompendo] Ajuda...

Antonio Kandir: Deixa só eu fechar...

Cláudia Antunes: Desculpa, desculpa. [riso]

Antonio Kandir: ... 150 mil, 10% sobre o que excede 240 mil, 1 milhão menos 240 mil dá 760 mil, 10% disso 76 mil, 76 mais 150 dá 226 mil, ou seja, a carga tributária passou a ser 23%. Caiu de 36 para 23% para as empresas. E para pessoa física, para todo mundo que ganha até R$ 2 mil a queda é de 20% a 30%.

Matinas Suzuki: Sobre essa questão, para o telespectador entender, eu gostaria então de fazer algumas perguntas sobre alguns truísmos que tem na sociedade brasileira e que o senhor dissesse para nós se está certo, se está errado. O senhor disse que a carga seria de 30%, mas essas empresas pagam efetivamente esse imposto ou se utilizam de diversos subterfúgios de fundações, de balanços etc e tal para não pagar esse imposto. Funcionários da receita sempre disseram que o problema não era estrutura, o problema era arrecadação, não se consegue arrecadar no Brasil. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Salete Lemos: Aliás, o projeto de pessoa jurídica abre uma brecha enorme em relação a isso. Que está nas manchetes de jornais hoje que você não vai ser preso, você paga o que você deve e ponto final, não tem processo, quer dizer, os sonegadores estão sendo contemplados de uma forma muito benéfica.

Antonio Kandir: Essa questão é delicada, e eu vou tocar nesse ponto. Eu só queria colocar a questão mais geral. A questão mais geral é absolutamente correta, quer dizer, não há menor dúvida de que existe um alto nível de sonegação, e você poderia ter - é isso que nós estamos tratando de fazer - de reduzir a carga nominal de impostos individualmente, simplificando o sistema tributário e facilitando com essa simplificação a ação da receita, quer dizer, a ação da receita certamente é muito mais fácil de ser exercida se você tiver um sistema tributário relativamente simplificado. No campo da pessoa jurídica, só o fato de você ter eliminado a correção monetária do balanço, já simplifica enormemente. Aliás, diga-se de passagem, na pessoa jurídica tem um avanço fundamental, que é o fato de você acabar com as vantagens dos paraísos fiscais, quer dizer, o Brasil era um dos poucos países do mundo que tributava só o que acontecia na localidade, por exemplo, no país, no Brasil. E aí o que acontecia? As pessoas abriam filiais no exterior, faziam operações de superfaturamento, superfaturamento, jogavam o lucro para o exterior, aqui tinham prejuízo, ou um lucro muito pequeno, não pagavam imposto nenhum aqui e não pagavam imposto no paraíso fiscal. Agora não, agora você agrega o lucro de fora com o lucro interno, soma o lucro, vê o imposto global, vê o que pagou de imposto lá fora, e a diferença você recolhe aqui no país. Então, esse expediente, o fim da correção monetária, uma mudança fundamental que é a separação no que diz respeito à pessoa jurídica do resultado operacional, do resultado não operacional. Antes você tinha uma empresa que fazia um lucro enorme e gerava, através de algum...

Salete Lemos: ... macetes...

Antonio Kandir: É, uma empresa de consumo gerava uma operação eventualmente fictícia de perda patrimonial, ou seja, a compra de uma empresa com prejuízo, por exemplo, e aí você jogava contra o lucro esse prejuízo e não pagava imposto nenhum. Agora, nós estamos fazendo aquilo que só se faz nos Estados Unidos, só há 15 anos, que é de pegar e fazer a segregação entre o lucro operacional e o lucro não operacional. Então, são expedientes dessa natureza que vão diminuir o espaço de sonegação, e esse é um processo sanfona, não tem a menor dúvida com relação a isso. Diminui hoje, amanhã se criam outros espaços, aí depois fecha de novo, mas a lógica é simplificar para melhor administrar o sistema tributário.

[falam simultaneamente]

Cida Damasco: Você falou tanto para pessoa jurídica como para pessoas físicas que os projetos aprovados agora diminuem a carga tributária e deve permitir um aumento de arrecadação. Você já deu alguns exemplos no caso das empresas que o projeto ataca alguns expedientes utilizados pelas empresas para recolher menos Imposto de Renda. Do ponto de vista da pessoa física mais gente vai pagar Imposto de Renda?

Antonio Kandir: Mais gente vai pagar Imposto de Renda. Agora, desses seis bilhões, o grosso disso é na pessoa jurídica. O grande ajuste em termos de fechamento de brechas está realmente na pessoa jurídica. Em termos da pessoa física eu acho que o ganho é praticamente inexistente, é muito pequeno o ganho que deve ocorrer.

Salete Lemos: A minha curiosidade é a seguinte: o senhor se mostrou um exímio professor de matemática. O senhor tem filhos?

Antonio Kandir: Tenho quatro.

Salete Lemos: O senhor paga escola de filhos?

Antonio Kandir: Pago.

Salete Lemos: O que o senhor acha do abatimento, que nós podemos fazer, de escola?

Antonio Kandir: Olha, essa é uma briga violentíssima que nós tivemos com a receita para aumentar... [sendo interrompido]

Salete Lemos: [interrompendo] Com quatros filhos o senhor deve estar brigando bastante!

Antonio Kandir: Pois é, mas nós aumentamos para R$ 1700.

Salete Lemos: Não dá para pagar cinco meses de escola, o senhor sabe disso.

Antonio Kandir: Aí tem um argumento que é importante, quer dizer, na verdade há uma diferenciação regional muito grande, tem cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília onde a mensalidade escolar é maior do que nas cidades no interior. Eu acho que não houve tempo para fazer isso, mas eu estou estudando isso, e pedindo apoio da Receita Federal para nós tentarmos regionalizar esse desconto, porque realmente há uma diferença se você quiser balizar por cidades como São Paulo, Rio e Brasília certamente você vai fazer uma diferenciação muito a favor de outras pessoas. Então a saída está em regionalizar, nós estamos estudando isso.

Paulo Lucena de Menezes: Só aproveitando, [quero] voltar para um tópico que o senhor estava tratando, da sonegação. Eu concordo com o senhor que essas mudanças tendem realmente a diminuir na medida em que você tem uma diminuição de alíquota, projeto moderno. Só que tem o outro lado da moeda. Um dos problemas em termos de sonegação, hoje, é justamente o desmantelamento que teve em termos de administração públicas, especificamente a Federal. O senhor acha que as propostas, inclusive a própria do governo, em termos de reformulação vai permitir de alguma forma sanar essas deficiências que existem hoje?

Antonio Kandir: Eu acredito que sim, certamente com maior simplificação fica mais fácil administrar, mas eu acho que isso não basta. Na verdade é preciso, de fato, um plano de recursos humanos e treinamento de investimento na máquina da arrecadação, não tenho a menor dúvida, com relação a isso. Eu diria que tão ou mais importante do que este investimento é um investimento na parte da administração do chamado crédito tributário. É uma coisa impressionante, sessenta bilhões de dólares são devidos à Receita, só na esfera administrativa, quer dizer, pendências na esfera financeira chegam a sessenta bilhões de dólares. Só para fazer um raciocínio muito rápido e ligeiro, se a gente vendesse isso, se o Tesouro vendesse com o deságio de 50% e abatesse a dívida interna isso daria em termos de economia, de juros, o que o Jatene [Adib Jatene, especialista na área de saúde, é o criador do imposto do cheque (IPMF). Foi por duas vezes ministro da Saúde, nos governos de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso] quer do IPMF, se vendesse com deságio de 50%. Então esse é um trabalho que a Procuradoria da Fazenda e a Receita Federal estão fazendo - aliás, um trabalho muito competente - eu acho que esse foi um dos pontos que o ministro Malan [Pedro Malan, ministro da Fazenda no período de 1995 a 2002] conseguiu dar uma contribuição positiva de estimular realmente a ação conjunta tanto da Receita como da Procuradoria, coisa que sempre foi muito difícil de fazer. Para realmente ter um projeto com começo, meio e fim para agilizar o processo de cobrança do crédito tributário.

Paulo Lucena de Menezes: O que o senhor acha de retomar o IPMF agora com a contribuição social, quer dizer, o perfil dessa exação [cobrança rigorosa de impostos]?

Antônio Kandir: Eu particularmente não gosto de IPMF, primeiro por razões objetivas, quer dizer, eu acho que o IPMF leva a uma menor distribuição do trabalho, ou seja, a uma tentativa de centralização da atividade produtiva, porque você perde competitividade. Quanto mais é diversificada a cadeia produtiva que você está inserido, tende a aumentar a taxa de juros, porque objetivamente a carga tributária aumenta com taxas de juros menores. Então, na prática, eleva a taxa de juros e torna a economia menos competitiva. Eu diria para ser muito objetivo eu preferia reduzir em 0,3% a taxa de juros e fazer a privatização da Vale do Rio Doce [empresa mineradora de grande porte Foi privatizada em 1997], dava o mesmo efeito, ou seja, privatizando a Vale do Rio Doce dá uns oito bilhões de dólares, 20% disso dá 1.6, tira 0,3% a taxa de juros que tem espaço para reduzir isso ganha uns quatro bilhões no ano. Então só essas duas medidas substituem o IPMF.

Pedro Cafardo: Quero retomar uma questão que a Salete tentou esboçar, eu também estava preparado para fazer essa pergunta porque hoje saiu no Estadão uma reportagem sobre isso, dessa questão da ação penal em cima dos... [sendo interrompido]

Antonio Kandir: [Interrompendo] Perdão, esse é um ponto super importante.

Pedro Cafardo: Eu não sei se eu entendi bem, até para eu tentar explicar, o telespectador poderá entender e o senhor dá as explicações. O que eu entendi é que se foi feita uma modificação no projeto do Imposto de Renda da pessoa jurídica, mediante a qual a partir de agora, se isso for aprovado, as pessoas que sonegam e deixam de pagar no momento em que pagam cessa a ação penal, ou seja, não podem mais ser processados se eles pagarem antes do início do processo.

Antonio Kandir: Antes do início.

Pedro Cafardo: É isso? Isso não estimula ainda mais a sonegação ao invés de combater?

Antonio Kandir: Olha, aí é um ponto bastante interessante de ser examinado. Primeiro lugar esse tipo de sistemática de penalização do contribuinte mesmo na hipótese dele pagar imposto devido antes de se concretizar a denúncia, essa sistemática não existia, ela existiu por cerca de três anos e agora os secretários da Fazenda estaduais e também a secretária da Receita Federal entendeu que a experiência mostrou que, na verdade, do ponto de vista objetivo da arrecadação, essa sistemática era negativa. E negativa até por uma razão muito simples. Vamos supor que eu tive uma dificuldade conjuntural mais séria, taxa de juros aumentou excessivamente, as minhas vendas colapsaram, eu atrasei três, quatro, cinco meses os meus impostos, e aí eu quero pagar o imposto antes mesmo de ser denunciado. Na hora que eu vou pagar o imposto eu confesso o meu crime e passo a ser penalizado, ou seja, é uma coisa até meio kafkiana [absurda, incoerente. O termo foi inspirado nas obras de Franz Kafka (1883 - 1924) em que esse autor explora situações estranhas da opressão da sociedade e suas instituições burocráticas], ou seja, eu quero regularizar a minha situação com a Receita, não posso regularizar porque ao regularizar eu estou confessando a minha situação.

Pedro Cafardo: Pode ser processado.

Antonio Kandir: Então eu tendo a uma marginalização crescente.

Cláudia de Souza: Essa situação da empresa pequena ou média que atrasa três, quatro meses é a maioria dos sonegadores de pessoas jurídicas no Brasil?

Antonio Kandir: Não, o que eu quero dizer é o seguinte: o princípio, vamos concretizar bem a questão...

[falam simultaneamente]

Cláudia de Souza: Porque isso me parece mais a exceção do que...

Salete Lemos: Ele está falando da minoria que não paga por dificuldade...

Antonio Kandir: A sugestão de fazer essa mudança foi feita por secretários de Receita da Fazenda, ou seja,...

Cláudia de Souza: Não é idéia sua?

Antonio Kandir: Não, não é idéia minha. Aliás, como é que surgiu a idéia? A idéia surgiu como um processo, objetivamente. No dia em que nós estávamos examinando na Comissão de Finanças de Tributação o deputado Luiz Roberto Ponte fez essa preposição, nós discutimos na Comissão de Finanças e Tributação e por unanimidade se sugeriu que de fato devia fazer isso, inclusive até pelo fato de depoimentos de vários em relação à secretaria. Então nós entendemos que era importante incorporar esse ponto. Agora, eu não descarto a hipótese, eu acho que o que os procuradores têm proposto é que esse debate se realize, eu acho que esse debate deve se realizar e talvez valesse à pena tentar ver se a gente encontra um meio termo nessa história.

Pedro Cafardo: Isso que eu ia dizer, porque na verdade é caso de INSS [Instituto Nacional do Seguro Social].

Antonio Kandir: Exatamente...

Pedro Cafardo: Porque o empresário pode arrecadar o INSS e não recolher. Nesse caso é uma apropriação indébita.

Antonio Kandir: Nesse caso é evidente, nesse caso é evidente.

Pedro Cafardo: Mas esse dispositivo protege também assim, nesse caso?

Antonio Kandir: Não é tão claro assim. Se a redação abrir espaço para a questão da apropriação indébita - ou seja, só para o telespectador saber - se eu, por exemplo, recolho contribuições dos meus funcionários e fico com ela, aí é um crime que realmente não pode ser em hipótese alguma contemplado, vamos dizer assim, algum consolo, alguma desculpa, algum perdão com relação a isso. Então, eu diria para vocês que essas coisas são relativamente simples...

[falam simultaneamente]

Pedro Cafardo: O senhor fez o relatório, o senhor acha que o seu relatório não é claro sobre isso?

Antonio Kandir: Não, não. No dia da votação na Comissão de Finanças e Tributação, naquele dia, uma hora antes foi apresentada essa emenda. Nós discutimos esse ponto e entendemos, o conjunto dos parlamentares... Veja bem, o processo legislativo é um processo eminentemente de discussão e é por isso que passa pela Câmara, depois passa pelo Senado, depois vai a veto do presidente, não há a menor dificuldade. A gente percebendo - e eu acho que os procuradores deram uma contribuição discutindo essa questão - que a redação não é adequada, ou se troca no Senado ou eventualmente o próprio presidente da República pode vetar esse artigo e aí eventualmente numa Emenda Provisória se ajusta a redação...

Cida Damasco: Agora, a intenção é que o chamado depositário infiel, que recolhe e não repassa os tributos recolhidos, é que ele não esteja beneficiado?

Antonio Kandir: A minha intenção é clara com relação a isso, não há a menor dúvida.

Paulo Lucena de Menezes: Essa questão poderia ficar limitada a questão de fraude?

Antonio Kandir: Exatamente. O que alguns analistas fazem é que realmente seja diferenciado o caso da apropriação indébita. Se não tiver, isso aí se ajeita na redação sem tem a menor dificuldade.

Paulo Lucena de Menezes: Mesmo porque a prova entre as circunstâncias é extremamente difícil.

Antonio Kandir: Oi?

Paulo Lucena de Menezes: A prova em algumas circunstâncias é extremamente difícil.

Antonio Kandir: Então, por isso mesmo a redação...

Matinas Suzuki: Peço licença para vocês, para abrir um espacinho para os meus telespectadores, mas também peço para os telespectadores colaborarem porque, às vezes, é complicado de entender a letra. Imagino que seja Nefácio Uprental, de Porto Alegre, se não for você me desculpe, mas eu tentei ler a sua assinatura. São questões relacionadas à pequena e média empresa. Como um pequeno empresário, em um mês de vinte, 22 dias úteis, compareço ao banco sete dias para pagar impostos. O que será feito para reduzir a carga e simplificar o sistema tributário para pequena empresa, já que é grande fonte de empregos? O Pedro Pastoleri, aqui de São Paulo, pergunta: como é que a reforma tributária está vendo a pequena e a média empresa? E o Paulo Alves também daqui de São Paulo pergunta: Tenho dezoito funcionários e as pessoas que ganham na faixa de R$ 1500 preferem que sejam registrados a R$ 1 mil para fugir ao Imposto de Renda. Sabendo que isso é comum nas pequenas e médias empresas do Brasil, como resolver esse problema?

Antonio Kandir: Essa é uma questão que não é simples resolver, não há a menor dúvida que todos nós entendemos a importância da micro-empresa. E quando eu digo isso eu não digo da boca para fora, quer dizer, eu estou absolutamente convencido que nós vamos entrar agora numa fase, já entramos numa fase e vamos aprofundar essa fase de aumento da produtividade da economia e esse aumento da produtividade da economia acaba implicando numa desocupação crescente de pessoal e na verdade a solução em termos de renda e de ocupação quando se tem aumento de produtividade é o estimulo a formação de negócios. E daí a importância da discussão do estatuto da micro e pequena empresa. Só que esse é o grande desafio da questão: se você fizer uma legislação tributária extremamente aberta, no que diz respeito à micro-empresa, você pode abrir o espaço para sonegação, não é um problema técnico simples de resolver. Então nós estamos estudando formas de realmente simplificar o sistema de recolhimento através, talvez, de uma sistemática em termos de o documento tributário, tipo Darf [Documento de Arrecadação de Receitas Federais], que simplifiquem, sintetizem, vamos dizer assim, o recolhimento de impostos, mas não é uma solução tão trivial, nós estamos discutindo isso com a Receita vamos ver se a gente chega a um termo razoável.

André Lahoz: A gente está falando aqui do Imposto de Renda, mas ele é só uma pequena parte da reforma tributária que está perdida em algum lugar, em alguma comissão lá da Câmara e a gente não sabe quando é que ela vai sair de lá. Ela mexe com pontos talvez muito mais complicados, porque mexe com os estados, com os exportadores, teria que criar um fundo para compensar. Eu queria que o senhor desse uma explicadinha rápida e também uma previsão de quando é que isso vai realmente sair, é para 1996, para 1997, para quando que é isso?

Cida Damasco: Pegando carona na pergunta do André, por que essa parte da reforma que é considerada fundamental tanto para equilibrar as contas públicas, como para reduzir o chamado custo Brasil, por que ela foi para o final da fila? Era reconhecidamente prioridade das prioridades do governo. Por que ela acabou no fim da fila?

Matinas Suzuki: De vários partidos, inclusive era o ponto principal para vários partidos, inclusive do PT.

Antonio Kandir: Perfeito. Olha, primeiro lugar, eu acho ótimo o André ter colocado esse ponto, e a Aparecida também porque realmente é uma questão que... Nós estamos falando aqui muito do Imposto de Renda, mas é uma parte relativamente pequena da questão do sistema tributário que é bastante complexo. Tem os impostos sobre o consumo e tem as contribuições sociais, onde eu acho que é a grande distorção do sistema tributário brasileiro. Bem, com relação aos impostos sobre consumo, o [...] sobre o consumo é mais importante, obviamente a questão do ICMS [imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. É de competência dos estados e do Distrito Federal] e aí é uma questão realmente extremamente complicada de ser discutida pela questão federativa. Você sabe - obviamente, todos sabem muito bem - que em todos os grandes momentos de inflexão na história, desde a independência americana, [desde] a Revolução Francesa, ao momento maior tensão na Inglaterra, tudo sempre aconteceu na parte tributária. Agora, num país de natureza federativa como o Brasil e com os grandes momentos de inflexão da história brasileira sempre existiram na hora em que você estava discutindo o chamado pacto federativo... Então, eu diria de uma maneira muito simplificada, que em 1988 de alguma maneira se acertou um pacto federativo. E você não consegue mudar esse pacto federativo tão facilmente assim. O que é a proposta do governo e que do meu ponto de vista está correta? A proposta do governo é muito simples: é fazer uma reforma tributária no âmbito dos tributos sobre o consumo que estimule o crescimento. Ora, estimular o crescimento é estimular o investimento e o investimento só vai ser estimulado se a economia for uma economia voltada para o comércio, ou seja, para o comércio exterior, quer dizer... num mundo de globalização você globalizou os mercados e a conseqüência da globalização dos mercados é que você internacionalizou a produção. Então, os países vão ser objetos de atração de investimentos se forem países que estão voltados ao comércio exterior e esse comércio exterior implica que você tenha, no país, um sistema tributário que não penalize as exportações. Então, o ponto fundamental da proposta do governo é eliminar os impostos sobre a exportação. Só que para eliminar os impostos sobre a exportação você tem que mudar a sistemática de ICMS, de cobrança na origem para a cobrança no destino. Vamos pegar o caso do Rio de Janeiro, dessa fábrica de caminhões. O Rio de Janeiro, se for desonerar as exportações de caminhões e dar crédito para o ICMS correspondente à compra de insumos e máquinas, por exemplo, de São Paulo ou do Rio Grande do Sul, ele se arrebenta, ele não vai cobrar o ICMS das exportações e ainda vai ter que dar crédito, ou seja, devolver ICMS para aquelas empresas que eventualmente pagaram ICMS nos Estados de origem da matéria prima que foi usada na exportação, ou seja, só é possível você desonerar as exportações se você fizer a transferência do ICMS da origem para o destino e é daí que vem a proposta do ICMS Federal que, na verdade, viabiliza isso. O chamado ICMS Federal não é para haver uma maior arrecadação do governo federal, mas sim para viabilizar isso. Agora, explicar isso, discutir isso, e ainda mais no momento inicial [em que] todos os estados, com razão, falam assim: “nós vamos perder a arrecadação, porque até fazer essa transição, e qual é a garantia que se dá com relação a esses recursos, e por quanto tempo?”. Então a discussão fica realmente complicada.

Matinas Suzuki: Nós vamos fazer agora um rápido intervalinho e voltamos daqui a pouquinho com o segundo tempo da entrevista com o deputado Antonio Kandir. Até já.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Bem, nós voltamos com o Roda Viva que está noite está entrevistando o deputado federal Antonio Kandir. [Programa ao vivo permitindo a participação do telespectador através do telefone ou do fax.] Deputado Kandir, nós estávamos falando de estados e municípios, e como o nosso telespectador é bastante perspicaz e informado todos eles querem saber, ou vários deles querem saber, sobre a questão da dívida interna que veio crescendo. E se ela é realmente preocupante se cresce em níveis alarmantes como andam dizendo os artigos da imprensa e os economistas. Wilson Clemente, da Bocaina, aqui em São Paulo, pergunta: "Qual era o valor da dívida interna e qual o montante da dívida hoje, e quanto está custando a rolagem dessa dívida?" Antonio Mossunol, de Curitiba: "Hoje, com juros altíssimos socorros generosos aos bancos, aos estados e municípios que estão quebrando, diante disso qual é a previsão para a falência do Plano Real?" E o Carlos Alberto dos Santos, de Porto Alegre: "As privatizações, as reformas tributárias, administrativas e previdenciárias serão suficientes para estabilizar um país com essa enorme dívida interna?"

Antonio Kandir: Perfeito. Primeiro, com relação à dívida interna. A dívida interna no Brasil realmente não é grande. Vou dar um dado objetivo para as pessoas terem um parâmetro. Hoje a dívida interna é alguma coisa, vou falar até mais, dívida interna e dívida externa somadas elas não passam de 250 bilhões de reais, o que corresponde a pouco mais do que 32 ou 33% do PIB. Hoje nós estamos vendo, a nível internacional, a tremenda confusão, a tremenda briga que existe na Europa para o ajuste dos países como a França aos parâmetros estabelecidos para a unidade européia, e lá o que é estabelecido como parâmetro, como meta, é 60% do PIB da dívida pública e lá somente estão abaixo desse nível a Alemanha, a França e a Inglaterra, que tem níveis de dívida em relação ao PIB de 51, 52, 53%...

André Lahoz: Qual é o número da dívida, você podia repetir?

Antonio Kandir: Global é da faixa de 250 bilhões de reais.

André Lahoz: Mas o PIB não é cerca de quinhentos bilhões?

Antonio Kandir: Não, setecentos bilhões de reais.

Pedro Cafardo: Posso só fazer uma observação sobre isso?

Matinas Suzuki: Dá para explicar por que é setecentos? Dá para mostrar essa conta para a gente?! [risos]

[falam simultaneamente]

Antonio Kandir: São os dados objetivos.

Salete Lemos: Ele é bom de matemática, ele é capaz de fazer isso!

Matinas Suzuki: Porque não é o que ninguém usa correntemente.

André Lahoz: Vamos centralizar um PIB que ele mesmo reconhece, que está - por problemas metodológicos complicadérrimos - que estava super valorizado e ele ia revisar esse número, e o número corrente é cerca de quinhentos, um pouquinho mais.

Antonio Kandir: É só olhar a peça do orçamento, o orçamento está colocando 820 bilhões de reais. Está errado, por que? Primeiro, tem uma hipótese de inflação exagerada no orçamento, quando foi realizado, e tem uma hipótese exagerada do ponto de vista do PIB. Aí é uma questão objetiva...

Pedro Cafardo: Mas eu coloquei esse argumento hoje para um empresário de uma empresa alemã, ele disse o seguinte: “Ah, tudo bem. Só que é preciso ver qual é o prazo do vencimento da dívida dos países europeus"...

[...]: E a que taxas de juros?

Pedro Cafardo: A nossa vence todo mês, todo dia, sei lá. Lá são dez anos, vinte anos, trinta anos a dívida da Alemanha...

[falam simultaneamente]

Matinas Suzuki: O ritmo de crescimento da nossa é explosiva, não é?

Antonio Kandir: Então só queria colocar um primeiro ponto que eu acho que as pessoas, primeiro, imaginam que a dívida talvez seja muito grande. Agora, você tem razão, e esse é o ponto que eu ia entrar, quer dizer, há um ponto de preocupação em relação a esse processo que tem a ver exatamente com a taxa de juros que está sendo praticada. Com essa taxa de juros que nós estamos praticando, que em termos de dólar correspondam à taxa de juros superior a 30%, nós podemos crescer, realmente, ter essa dívida a uma taxa muito grande. E eu diria que, em relação à perspectiva de problemas com relação ao plano real, eu diria que, primeiro lugar: as chamadas reformas que estão sendo feitas, na medida em que elas sejam realizadas, ou seja, que a reforma administrativa avance, que a reforma da previdência avance, e essas são as duas reformas decisivas para melhorar a perspectiva do setor público, não é a reforma tributária, volto a insistir...

Salete Lemos: Mas a reforma administrativa também, não é?

Antonio Kandir: A reforma administrativa e a reforma da Previdência, essas duas realizadas você tem uma perspectiva futura de financiamento dessa dívida que permitiria realmente reduzir de maneira mais forte a taxa de juros. Agora, eu acredito que há espaço, em prazo curto, de reduzir a taxa de juros.

Matinas Suzuki: Tirando a questão da taxa de juros o governo não está sendo benevolente com a negociação com alguns estados, com alguns bancos, quer dizer, falam que só nesse acordo dos bancos há quem estime vinte bilhões.

Salete Lemos: Com estados e municípios também!

Matinas Suzuki: Somando os bancos estaduais etc, estavam colocando tudo isso daí, com estados e municípios. Quer dizer, não está afrouxando? A torneira não está jorrando? Não está soltando mais água do que deveria neste momento?

Antonio Kandir: A negociação com os estados, eu discordo da avaliação que é feita, de que o governo concedeu demais. O essencial para o governo federal era você fechar um acordo e manter o comprometimento de 11% da receita continuar sendo paga. Permitir um prazo maior, quer dizer, o que se fez foi basicamente permitir com que todos os programas rodassem por 36 meses e permitiu fazer a negociação com captação externa, que eu acho extremamente salutar...

Salete Lemos: Deputado, a parte principal era o ajuste, era o saneamento, era a condição básica, depois foi esquecido.

Matinas Suzuki: Estamos entrando num ano eleitoral, quer dizer, se não assegurar agora, você sabe com experiência própria que é muito mais difícil.

Antonio Kandir: Vamos separar duas coisas. Se o governo federal está dizendo o seguinte: "olha, eu vou financiar com o dinheiro da Caixa Econômica Federal", ele tem condições de exigir. Agora como é que você, num país federativo, se você vai permitir que ele pegue recursos no exterior, qual é a possibilidade...

Salete Lemos: Mas quem está garantindo esse recurso, deputado, é o governo brasileiro.

Antonio Kandir: Não, não, a captação do risco é estadual.

Salete Lemos: Não tem risco estadual, nós sabemos que o Tesouro acaba sempre cobrindo, deputado.

Antonio Kandir: Não, o risco nesse caso é absolutamente normal.

Salete Lemos: No aspecto moral não seria essencial que o governo condicionasse essa renegociação a um programa sério?

Antonio Kandir: Nós vivemos num estado federativo, têm algumas coisas elementares que o governo federal não pode impor, nós vivemos nos Estados Unidos do Brasil, você não pode...

Salete Lemos: Aí o governo fala: “Então tudo bem, você vai financiar lá fora, e eu caio fora”.

Antonio Kandir: Mas essa é a dificuldade de estabilização no sistema federativo.

Salete Lemos: Então você não resolveu o problema, não é?

Antonio Kandir: Estamos dizendo duas coisas, primeiro é: se o governo federal está perdendo o controle das contas. O governo federal não está perdendo...

Salete Lemos: Como não?! Ele vai pegar dólar lá fora e vai trocar por real aqui, você vai ter uma expansão de base, não estou entendendo, o Matinas está certo.

Antonio Kandir: Não, são duas coisas. Primeiro, é com relação à captação de recursos no exterior. Essa captação do recurso sendo realizada e você, em contra partida, fazendo algum mecanismo de contração dessa liquidez, não há... [sendo interrompido]

Salete Lemos: [interrompendo] Contração de liquidez, através de colocação de título, através de pagamento de juros e de crescimento da dívida interna pública, deputado.

Antonio Kandir: Você pode ter totalmente déficit comercial, aliás, é até salutar para o país que você tenha déficit comercial, não é extremamente... Se tudo isso se traduzir em investimento é positivo. Agora, com relação ao sistema bancário aí a questão é mais complicada, a questão é mais complicada e a gente precisa colocar os pingos nos “is”.

Cláudia de Souza: Deixa eu só fazer duas perguntas com relação a isso. Agora há pouco o senhor disse que há espaço para reduzir os juros. Então, eu queria que explicasse o que está trancando, por que o país está envolvido em juros tão altos?

Matinas Suzuki: O senhor discorda dessa política?

Cláudia de Souza: A segunda pergunta é: num país onde está em curso um processo de estabilização ainda frágil, como é possível ter um programa como esse programa de ajuda à aquisições e fusões de bancos, em que se ajuda bancos saudáveis? Até onde vai esse impacto? Fala-se entre 508 bilhões de reais o que o Estado deverá, nós os contribuintes, deveremos arcar como ônus. Então, eu gostaria que explicasse por que ainda os juros são tão altos e por que no Brasil se ajuda bancos saudáveis como Unibanco, enfim, os bancos que estão sendo ajudados pelo Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, criado em 1995, no governo Fernando Henrique, destinado a direcionar recursos para financiamento de bancos para evitar o risco de quebra e preservar o setor] ?

Antonio Kandir: Primeiro: com relação à questão da taxa de juros. Eu tenho uma certa discordância com relação à política do governo nessa área.

Salete Lemos: [Riso] Se você não dissesse, ninguém tinha percebido!

Antonio Kandir: Eu acho que realmente o governo está errando um pouco nessa área das taxas de juros.

Cláudia de Souza: Por que deputado?

Antonio Kandir: O raciocínio básico é o seguinte: as pessoas fazem o seguinte raciocínio de livro texto. Se você tem um determinado nível de atividade e tem expectativa de expansão do nível de atividades... Ou se o nível de atividades é relativamente elevado e se você tem déficit das contas públicas, você tem que compensar a política de demanda para uma política monetária mais apertada. Quer dizer, você tem dado uma oferta, a demanda se tiver expansionista pelo lado fiscal tem que ter, como contra partida, um aperto monetário.

Cláudia de Souza: Mas o governo não percebeu que apertou demais a partir de agosto?

Antonio Kandir: Deixa-me explicitar isso. Então, eu diria para você o seguinte: o período que vai de março a julho foi um período de altíssima incerteza em função do problema cambial. O atraso cambial e mais o ajuste do mês de março fez com que você entrasse num período de março a julho com altas incertezas com relação às contas externas e alguma incerteza com relação à inflação, que em junho chegava perto de 4%, passe meio rápido, mas é bom lembrar. Então a taxa de juros de março a julho foi alta e não tinha como não ser alta. Agora, a partir de agosto e, sobretudo a partir de setembro, havia espaço de redução. Você podia ter discussão sobre a calibragem, mas o importante do meu ponto de vista é uma questão de aferir os números, as expectativas, quer dizer, nós estamos infelizmente caminhando para um período de economia muito fria, eu não imagino que nesse Natal nós vamos ter um desempenho excelente, muito pelo contrário, a economia é bastante fria. Como ela já está com estoques elevados, provavelmente você vai entrar no início do ano que vem com estoques bastante elevados ainda, com essa economia relativamente fria. Então, quanto ao nível de atividades eu ouvi alguns economistas dizendo o seguinte: nós estamos no nível de atividade semelhante ao do segundo trimestre de 94, portanto, é fundamental fazer essa compensação. É errado esse tipo de argumento, porque o segundo trimestre de 94 você tem uma perspectiva de crescimento da economia. Nós estamos exatamente no sentido inverso, temos uma perspectiva de esfriamento, e aí é capaz de acontecer ao contrário, quer dizer, você me perguntou se eu via algum risco do real? Eu vejo uma única possibilidade de risco, um erro na pilotagem das taxas de juros. O erro, eventualmente se você colocar uma taxa de juros excessivamente elevada nesse período agora, aí sim você poderia ter, com a economia fria, um degrau negativo em termos de sustentação de algumas empresas na área comercial e na área industrial com rebatimento no setor financeiro. E isso poderia levar a uma segunda rodada e seria muito negativo. Além do que as contas públicas, que hoje estão caminhando num déficit operacional na faixa de 3,5% do PIB, poderão ter um déficit operacional próximo de 5% ou 5,5% para você manter essa taxa de juros. Para você ter uma idéia, Cláudia, se você reduzir um ponto percentual a taxa de juros sistematicamente por doze meses, você economiza 14 bilhões de reais...

Pedro Cafardo: Mas você teria que aumentar a taxa de câmbio então, aumentar o dólar?

Antonio Kandir: Não necessariamente, não necessariamente. O problema hoje do meu ponto de vista...

Pedro Cafardo: Mas você não faz a capacitação externa?

Antonio Kandir: Não, mas o diferencial de taxa de juros no câmbio hoje supera 30%. Qual é a lógica, quer dizer, qual é o risco-Brasil [risco-país para o Brasil] que justifica isso? Aliás, hoje é ao contrário, hoje está mudando, o cenário internacional esses últimos dias mudou claramente, quer dizer, hoje você tem o Japão numa situação extremamente dramática, lá se tem um buraco de seiscentos bilhões de dólares que nem japonês está conseguindo dar conta [riso], a Europa está num quadro complicadíssimo, o episódio da França demonstra isso e graças a Deus do ponto de vista do que está acontecendo nas últimas semanas, a situação no México, a situação na Argentina está melhorando. Então o risco-Brasil hoje é infinitamente menor em termos relativos, não tem sentido trabalhar com essa taxa de juros. Eu compreendo o período ainda de janeiro a março em função da incerteza com relação à inflação em janeiro e em março...

Pedro Cafardo: Nós temos a China atraindo capital.

Antonio Kandir: Está atraindo capital. Mas nós temos espaço de fato para uma redução importante na taxa de juros.

Cláudia de Souza: Então, em circunstâncias internacionais em que elas estão favoráveis? Por que a existência de um programa que ajuda, com isenção fiscal, bancos saudáveis?

Antonio Kandir: Esse é o ponto que eu acho que a gente tem que trabalhar com absoluta frieza e objetividade. Eu acho que o governo errou nessa área, no que diz respeito às mudanças que deveriam ser feitas com antecedência com relação ao sistema de fiscalização...

Matinas Suzuki: O governo está errando muito para o senhor aí!

[Risos]

Antonio Kandir: Não, acho que tem acertado muito, eu acho que tem acertado muito. Quer dizer, não é... Nós estamos falando aqui numa discussão bastante construtiva, quer dizer, não tem a menor dúvida que a proposta no campo das reformas estão avançando, mas têm algumas áreas onde, realmente - é normal - nós quando estivemos lá erramos também inúmeras vezes, não tem a menor dúvida...

Pedro Cafardo: Há uma divergência grande entre pessoal do Banco Central, pessoal do Ministério do Planejamento. E o senhor claramente se alinha ao pessoal do Ministério do Planejamento, com o ministro Serra. [José Serra foi ministro do planejamento no período de 1995 a 1996, tendo deixado o cargo para concorrer à Prefeitura de São Paulo]

Salete Lemos: Por ser paulista deputado?

Antonio Kandir: É uma questão de objetividade com relação ao quadro que eu estou descrevendo. Se, eventualmente, eu não estou dizendo que essa [uma] hipótese é necessariamente melhor que essa [outra]. Eu diria o seguinte: dada a hipótese, veja bem, dado que o nível de atividade está frio, se os dados que me foram mostrados são do tipo... o nível de atividades está se aquecendo e pode se aquecer perigosamente, aí realmente eu reconheço que não poderia baixar a taxa de juros. Agora, com relação ao sistema financeiro, e acho que a gente precisa dizer com clareza, seria melhor de fato, quer dizer... quando você começa o Plano Real e você percebe claramente que o Plano Real tem grande chance de dar certo, você tinha que ter uma política preventiva com relação àqueles setores que mais poderiam sofrer com o sucesso do real. Quais eram esses setores? Os setores públicos de um lado, e o setor financeiro. Não é à toa que são exatamente os dois pontos que o Matinas colocou, quer dizer, a perda financeira maior é no setor público e no setor financeiro. Então, teria sido realmente melhor já começar a estudar uma mudança na Lei 6024 que é a lei que estuda a liquidação e intervenção. Seria melhor que o Banco Central pudesse intervir - como agora pode com a segunda Medida Provisória - naqueles momentos, onde se percebe uma falência progressiva. Agora, deixa eu só esclarecer bem um ponto. Seria bom você ter outros instrumentos, como agora se tem, para evitar uma crise no sistema financeiro. Agora, dada a iminência de uma crise financeira - isso da ponta esquerda à ponta direita ninguém discorda - na iminência da crise você tem que ajudar. Eu vou dar alguns números aqui. Vamos supor que você tivesse uma crise financeira. A experiência histórica, nós tivemos crises financeiras aí durante dois séculos, a experiência histórica mostra que as quedas de PIB em crises financeiras ficam de 10% a 20% do PIB. Pega o caso do México do último ano, caiu 10%. Se cair 10% significa que está se perdendo setenta bilhões de reais, setenta bilhões de reais com uma carga tributária [de] 30% quer dizer 21 bilhões de reais de carga tributária. Então vamos supor que o governo esteja colocando cinco bilhões de reais. É difícil fazer essa conta, porque o grosso dessa conta na verdade não é recurso fiscal mas é saque sobre o conjunto de compulsórios que chega a 38 bilhões de dólares, quer dizer, na verdade, o que você está fazendo é operação em financiamento. Mas vamos supor que você esteja gastando cinco bilhões de dólares, você está gastando cinco para evitar que o contribuinte perca vinte bilhões de dólares.

André Lahoz: Kandir, o fato é que cinco foram gastos e que poderiam ser evitados se o governo fosse mais ágil. Mesma coisa com a taxa de juros. Tudo bem, o ciclo é hipotético [...]. O caso dos juros é a mesma coisa, você está dizendo o governo poderia ter abaixado e não fez, isso está custando caro, quer dizer, o último dado do déficit você falou em 3,5%, eu tenho como 4,4%...

Matinas Suzuki: 4,4%.

André Lahoz: É 4,4%. Isso de outubro, a tendência, sem dúvida, é crescer. No campo político a sensação que dá é mais ou menos a mesma coisa, quer dizer, a hora que estoura uma pasta rosa, alguma coisa assim, aí o governo sai correndo atrás. Não está muito mole esse governo, não está custando caro essa moleza do governo?

Antonio Kandir: Não é fácil você tentar fazer reformas com o atual sistema partidário político que nós temos. Eu vou falar para vocês, com toda a franqueza, eu acho que o ano de 1995 está sendo excepcional do ponto de vista da velocidade das reformas. Eu sei que isso, 90% dos telespectadores vai achar estranho esse tipo de afirmação que eu estou fazendo aqui, mas eu quero só lembrar ao telespectador - e a todos vocês - que processos de reforma no campo fiscal não são triviais, basta olhar o que está acontecendo nos Estados Unidos, na França. Nos Estados Unidos, agora dia 15, pode de novo, quem quiser tirar passaporte é bom tirar até sexta-feira, [risos] porque de novo, se passar quinta-feira se não chegar num acordo vão, de novo, fechar todos serviços dos Estados Unidos. Não é nem um pouco trivial a negociação que está tendo entre republicanos e democratas com relação a como fechar o déficit público americano, que chega a ficar próximo a duzentos bilhões de dólares. Na França...

Pedro Cafardo: É mais dramática ainda.

Antonio Kandir: Na França muito mais dramática.

Pedro Cafardo: E é a previdência só.

Antonio Kandir: E é a previdência. Então eu acho o que está se fazendo no Brasil...

Matinas Suzuki: A crise internacional está ajudando! [risos] Atrapalhou no caso do México, mas agora deu uma ajudada, ajudou um pouquinho. [risos]

Antonio Kandir: Do ponto de vista pedagógico, é na maior... Eu pela primeira vez já não tenho complexo de inferioridade quando vou tentar explicar, eventualmente, para pessoas do exterior, a nossa velocidade de reforma, muito pelo contrário. A questão da estabilidade do funcionalismo público. Em 1988, por ocasião da Assembléia Constituinte, 13 deputados foram a favor do fim da estabilidade, de quase seiscentos parlamentares 13. Agora, na Comissão de Constituição da Justiça, que é a comissão, mais conservadora e preocupada com aquilo que está estabelecido, houve uma vitória do governo de 27 votos a 23. Na reforma da Previdência hoje se discute, objetivamente, a possibilidade de estabelecer para ativos e inativos o limite. Está se discutindo se é o limite do presidente da República, ou de uma pessoa da qualidade de um cargo permanente, Superior Tribunal de Justiça, ou Tribunal Federal... mas a verdade é que está avançando muito. Então, eu na verdade, se alguém me perguntar "o que marcou 1995 para você?" Não foi nem o controle da inflação, nem a cúpula do monopólio da Petrobras e Telecomunicações, o que está me marcando muito fortemente é que em 1995, você está dando os primeiros passos na reforma administrativa, na reforma da Previdência.

[falam simultaneamente]

Matinas Suzuki: Por favor, deixa Cida que está ali pedindo quietinha.

Cida Damasco: Como ele falou nesse particular, se ele quiser completar o raciocínio... porque eu queria mudar [de assunto].

Paulo Lucena de Menezes: Tem um artigo que o senhor escreveu já há algum tempo, o senhor colocava que só seria possível concluir essas propostas que estão em andamento se existisse uma harmonia entre os três poderes. No começo do programa o senhor falou na existência de uma tensão entre legislativo e executivo e evidentemente que o judiciário já se mostra pelo menos preocupado com relação a algumas dessas alterações que estão em andamento. O senhor acha que está existindo essa harmonia, ou seja, vamos conseguir concluir essas propostas que estão em andamento, elas vão ser mantidas ainda por algum tempo?

Antonio Kandir: Olha, reconhecendo a independência dos três poderes, a experiência que eu tenho percebido e fazendo comparação com outras, inclusive experiências que eu vivi, eu acho que o grau de harmonia que existe atualmente é muito grande. Realmente eu acho que é bastante favorável.

Cláudia de Souza: Kandir, você está projetando um cenário de esfriamento da atividade econômica. Na tua avaliação o quadro de desemprego atual é um quadro preocupante ou você como governo acha que, na verdade, tem mudanças no mercado de trabalho que não estão sendo captadas aí pelas pesquisas?

Matinas Suzuki: Se você me permite: o Rubens Bezerra, aqui do Butantã pergunta o seguinte: “Se eu somar a reforma tributária, globalização da economia, mais reforma da Previdência, será que eu acharei no resultado dessa soma uma geração de empregos e melhoria de salários?” [Risos]

Antonio Kandir: Olha, não há a menor dúvida que esse é o maior problema no governo e certamente vai ser o problema central em 1996 e 1997. Acho que o problema do desemprego é um problema que não é só brasileiro, é um problema mundial, decorrente dessas mudanças tecnológicas que são agravadas nesse período pelo problema conjuntural que nós estamos tendo de elevação excessiva da taxa de juros. Mas mesmo que não houvesse esse problema conjuntural que nós estamos vivendo, e que infelizmente eu acho que vai ser importante no primeiro semestre, eu não tenho ilusões, eu acho que no primeiro semestre a onda de desemprego vai aumentar, quer pelo ajuste no sistema financeiro, quer pelo ajuste do sistema comercial. Nós tivemos um grande ajuste na indústria, então vamos ter um ajuste no setor financeiro, vamos ter um ajuste daqui a pouco no setor comercial também.

Cida Damasco: Vai ter Proer também para o comércio e para indústria?

Antonio Kandir: Não. Eu procurei tentar caracterizar que de fato no caso do sistema financeiro você tenha um.espraiamento [dissiminação, espalhamento] da crise que diferencie esse setor em relação aos demais. Agora isso não quer dizer que não pode ter uma atuação específica. Aliás, a ida de Luiz Carlos Mendonça de Barros para o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] é uma ida não só pela competência sua no campo da privatização, no campo, digamos assim, das políticas setoriais, mas também de criar condições para fusões e incorporações no setor industrial e comercial, que é uma política fundamental. Só para deixar claro um ponto, eu acho que a questão do emprego é o centro do debate atualmente. E aí você vai ter que ter quatro ações simultâneas, no mínimo: de fato criar condições para a retomada sustentável do crescimento; segundo, atuar em vários setores, setores empregadores, não há a menor dúvida, isso já é consenso do governo de dar um estímulo fortíssimo à construção civil; terceiro lugar, você vai ter que repensar a política em termos do mercado de trabalho, ou seja, as relações capital-trabalho, estimular participação dos resultados, firmar novas formas de contratação conforme faixa etária, conforme o nível educacional; e, por último, o processo de retreinamento mundial. Eu não tenho a menor dúvida, eu realmente estou confiante nisso, acho que até maio nós vamos conseguir passar todas as reformas que faltam: administrativa, previdenciária e a tributária. E a agenda para o resto do ano tem que ser: de um lado, condições para o estímulo do crescimento, eliminar as restrições, como nós temos, a expansão das exportações. A expansão da exportação é fundamental para ter mais importação e crescer mais o produto e avançar no esquema de financiamento da economia. Uma reforma no mercado de capitais para ajudar a poupança interna, e ao lado disso uma agenda de emprego. Esses pontos, exportação, formação de poupança e as quatro medidas na orientação de emprego, vão ser agenda a partir de maio. Aliás, na verdade antes disso, mas vão ganhar densidade no noticiário econômico e político a partir das reformas.

Cida Damasco: Quando você fala exportação, você pensa em alguma alteração na política cambial? Ou acha que é por outro lado?

Antonio Kandir: Não, não, eu acho que são outras políticas, eu acho que não é pela questão do câmbio, não.

Pedro Cafardo: Eu queria primeiro fazer um elogio, eu acho que a sua atuação como deputado está sendo excelente, até para fazer uma pergunta, faz um pouco de hora...

Matinas Suzuki: Lá vem bomba. Normalmente elogiou…

Pedro Cafardo: O eleitor paulista acertou em votar no senhor, mas ele é generoso. Ele é bastante generoso porque se a gente for revolver a memória nós vamos ver lá em março de 1990, já nem me lembro qual é o dia, de trinta, vinte...

Cláudia de Souza: 16 de março.

Pedro Cafardo: O senhor estava lá, junto com a ministra Zélia [Zélia Cardoso de Mello, ministra da Economia responsável pela implantação do Plano Collor que confiscou os depósitos bancários superiores a Cr$ 50 mil], provocando aquele que foi um dos maiores traumas financeiros dos brasileiros dos últimos anos. Eu não sei nem quantos anos, o senhor fez aquele confisco. Então, a pergunta é a seguinte: voltando lá no passado, e para usar aí um jargão, o senhor faria tudo de novo?

Matinas Suzuki: Deputado, eu estava guardando aqui um acúmulo. Mas vamos lá. O Jorge Vanderlei Rodrigues, de Mogi das Cruzes; o Fernando Andrade, lá do Rio de Janeiro; o Luiz Antônio de Oliveira, daqui de São Paulo; o Leonan Sorrab, das Perdizes aqui de São Paulo; o Ney Paranaguá, de Teresina; o Tarcísio Elias da Silva, do Butantã, aqui em São Paulo; o Fábio Ribeiro, de Guaratinguetá; e o Luiz Augusto Gomez, do Jardim Paulista, todos eles fazem a mesma pergunta. E o Luiz Augusto Gomez diz o seguinte: se fosse hoje aquela famosa noite do sorteio com valores do confisco anotados em papeizinhos, o senhor concordaria com o método utilizado?

Antonio Kandir: Bem, primeiro lugar, vamos pelo último ponto. Essa questão dos papeizinhos. Na verdade, são partes de um livro feito pelo Fernando Sabino [Zélia, uma paixão, lançado em 1991, relatando o período em que ela esteve à frente do Ministério da Economia e abordando o romance de Zélia pelo ministro da Justiça Bernardo Cabral], que na verdade romanceou um período da experiência da vida da Zélia Cardoso de Mello, que fantasiou várias coisas. [No livro, Zélia confidencia que teria escolhido o valor do depósito a ser retido de todos os correntistas pelo Plano Collor sem nenhum critério técnico, escrevendo os valores em papéizinhos]

[…]: Mas deputado, o livro… [sendo interrompida]

Antonio Kandir: Só quero deixar absolutamente claro que estive participando ativamente desse processo e sei a quantidade de estudos que foram feitos e avaliados para se chegar a esse valor.

[…]: Então, o que tipicamente houve nessa questão de papelzinho?

Antonio Kandir: Então, não houve sorteio nenhum, de maneira alguma, se alguém eventualmente escreveu um papel ou outro para eventualmente fazer algum comentário com outra pessoa para passar o número, isso não sei se ocorreu ou não. Agora, efetivamente a definição dos números foi procedida de estudos que foram feitos por mais de dez dias nos computadores do Banco Central. Nós tivemos condições na época... inclusive eu vou até contar aqui, não vou dizer qual é a pessoa, mas logo que saiu o livro do Fernando Sabino uma pessoa que era do Banco Central na época disse para mim: "Kandir, além de tudo isso aí você criou um problema familiar, porque eu dizia que naqueles dez dias antes do plano que eu estava rodando uma série de programas no computador e de repente se disse que a coisa foi decidida dessa forma". Então, definitivamente isso não ocorreu. Eu acho que algum dia... Eu tenho um projeto junto com meu amigo Ibrahim Eris [economista, foi presidente do Banco Central no governo Collor], nós pretendemos algum dia escrever um livro técnico, objetivo, contando vários desses fatos, fazendo uma análise objetiva desse período. São projetos que a gente está acalentando há algum tempo, mas a gente quer fazer no momento certo. Então, esse é o primeiro ponto. Segundo ponto, com relação ao que foi feito. Eu vou fazer uma afirmação objetiva e vou fazer duas qualificações. A afirmação objetiva é que a essência do que foi feito eu faria sem a menor dúvida, e faria por uma razão muito clara: nós tínhamos naquela situação um déficit potencial do setor público de 9%, nós tínhamos reserva de só de quatro bilhões de dólares, que não davam nem para 45 dias, nós tínhamos uma situação de inflação que, em termos anualizados, dava 150 mil porcento, e nós tínhamos um processo que era basicamente um déficit público brutal. Para você financiar você precisava de mais inflação, inflação implicava em mais taxa de juros, taxa de juros cobradas sobre uma dívida que era absolutamente rodada no dia significava mais déficit público e assim por diante. E nós caminharíamos para uma hiperinflação que teria como conseqüência a transformação em pó de todos os ativos financeiros. Fora o fato da desestruturação da economia que levaria a uma selvageria em praça pública, ou seja, as pessoas não teriam como se abastecer. Eu não tenho a menor dúvida de que isso deveria ser feito, [ponto] um. Dois, eu não tenho a menor dúvida que o ajuste das contas públicas que permitiu ter inclusive o Plano Real. Foi decorrência sim daquele processo, aquele processo permitiu, vocês devem lembrar que de um déficit de 9% do PIB se gerou o superávit de 1% do PIB e a partir daí você teve um equilíbrio e você agora voltou a ter um pouco mais de déficit. Mas, na verdade, o ajuste que foi feito foi decorrente daquela coisa. Eu modificaria duas coisas em relação à aquela política de uma maneira geral. Eu acho que realmente deveria ser dado um tratamento diferenciado com relação à caderneta de poupança. Isso eu considero que foi uma falha naquela época, talvez pudesse ser feito uma diferenciação com certos prazos com relação à caderneta de poupança. E, com relação à gestão, aí foi um ponto que eu particularmente fui derrotado no processo...

Pedro Cafardo: Os depósitos à vista o senhor não faria diferente?

Antonio Kandir: Não, não faria diferente.

Pedro Cafardo: Bloquearia também os depósitos à vista?

Antonio Kandir: É. Então isso, eu faria mudanças, e com relação ao processo de liberação, eu particularmente era contra liberação discriminada, preferia ter feito - aliás, a concepção do plano foi feita no sentido de você fazer - a liberação por leilões, esse teria sido o processo correto.

Matinas Suzuki: Deputado, colocando na balança do bem e na balança do mal, que avaliação o senhor faz hoje do governo Collor? O que houve de avanço com o governo Collor e o que houve de recuo com o governo Collor? O senhor que é um bom analista de conjunturas políticas.

Antonio Kandir: Eu diria que, realmente, as contribuições no campo econômico, não porque eu seja da área econômica, mas eu acho que a abertura para as importações, que estimularam produtividade e qualidade, foi uma contribuição da maior importância. Toda a lógica de criação e reprodução de lideranças políticas, de lideranças sindicais, a busca por produtividade e qualidade não teriam ocorrido se não fosse no processo de abertura econômica que começou nesse processo. O ajuste nas contas públicas, o processo de privatização, a definição de uma agenda, acho que [tudo isso] foi extremamente positivo. Do ponto de vista político, eu acho que foi uma experiência extremamente negativa, altamente frustrante, e que levou a um processo de desgaste da esfera pública muito grande. Eu acho que, desse ponto de vista, o governo Collor realmente foi muito negativo, levou a um descrédito que até agora é difícil das pessoas recuperarem, quer dizer, a confiança na órbita pública. Então, o resultado do ponto de vista do fortalecimento da democracia, do fortalecimento da visão pública, realmente foi um episódio muito negativo e bastante frustrante.

Matinas Suzuki: Dando um salto do governo Collor para agora...

Salete Lemos: Eu queria falar um pouquinho do governo Collor, porque tem uma coisa que me incomoda tanto!

Matinas Suzuki: Por favor, por favor, já ganhou!

Salete Lemos: Aliás, vou falar de duas coisas importantes. Primeiro no que diz respeito a TR [taxa referencial de juros, criada no governo Collor, serve de referência nas transações financeiras realizadas no país, é calculada pelo Banco Central e é utilizada, também, no cálculo do rendimento de vários investimentos, tais como títulos públicos, caderneta de poupança e outros], que do meu ponto de vista foi o índice mais esdrúxulo que alguém conseguiu criar em algum lugar deste planeta. Segundo porque não é correção monetária, é taxa de juros e não pode servir como correção monetária, e vou pedir que o senhor oficializasse o fim da Ufir [Unidade Fiscal de Referência - é um índice usado para atualização monetária de tributos e multas], porque eu dei isso no TJ [telejornal apresentado pelo SBT], no sábado e houve assim um pânico de telefonemas: "Como a Ufir acabou, vai acabar, mas ela não vai ser semestral, ela não vai ser quadrimestral?" Então eu gostaria que o senhor me falasse desses dois índices. Primeiro a TR, que para mim é super importante, porque eu tenho contrato de financiamento habitacional com esse índice maldito. E depois que o senhor oficializasse aos nossos telespectadores o fim da Ufir e como vai ser cobrado o imposto atrasado.

Antonio Kandir: A Ufir, de fato, ela continua existindo até 1º de janeiro de 1996, vários indicadores, vários compromissos, eles ainda estão em indexação na Ufir e ficam até 1º de janeiro e a partir daí...

Salete Lemos: Acabou!

Antonio Kandir: ... do ponto de vista tributário acaba a Ufir.

Salete Lemos: O imposto atrasado vai ser cobrado de que forma?

Antonio Kandir: A partir do juros Selic e restituição também do governo é remunerada com base no Selic também. Então, de um lado e de outro valem os juros do Selic.

Salete Lemos: E acaba a TR também?

Antonio Kandir: A TR [risos], a TR na verdade, todas as críticas que são feitas à TR deveriam ser feitas à taxa de juros, porque a TR simplesmente é uma média das taxas de juros.

Salete Lemos: Então não pode ser usada como correção monetária, eu não posso cobrar juros sobre juros.

Antonio Kandir: Mas a TR nunca foi pensada para efeito de correção monetária.

Salete Lemos: Mas foi usada, não é, Kandir?

Antonio Kandir: São duas coisas diferentes. Para qualquer tipo de contrato financeiro ou você estabelece uma taxa prefixada ou você, no contrato de prazo mais longo, você estabelece uma referência de taxas de juros que é a média de um conjunto de taxas. Isso existe em qualquer lugar do mundo.

Salete Lemos: É... juros. Aqui a gente paga TR mais juros de 20% ao ano.

Antonio Kandir: Mas o problema é a taxa de juros, e a falta de recursos que faz com que as pessoas aceitem contratos de TR, e mais...

Salete Lemos: Não acaba?

Antonio Kandir: A TR não acaba.

Salete Lemos: Que pena!

Antonio Kandir: Quanto mais você está aprofundando o processo de indexação, mais relevante vai ficando a TR. E a iniciativa de construção da TR foi mal interpretada. Depois as pessoas começaram a usar a TR como correção monetária.

Salete Lemos: Mas é uma proposta, se você cobra a TR você não pode cobrar taxas de juros de 21% ao ano, ok?

Antonio Kandir: Lá fora você estabelece, lá é uma determinada fração, você pode estabelecer a TR...

Salete Lemos: Uma fração, uma fração...

Antonio Kandir: No caso do Brasil, o fato de você ter uma liquidez muito baixa faz com que eventualmente os credores imponham isso.

Cida Damasco: Para resolver a situação dela, e de outros mutuários, você acha que devia existir uma bancada de mutuários, mas dentro da bancada ruralista...

Salete Lemos: Ah! Ótima idéia.

Cida Damasco: ...conseguir o refinanciamento da dívida agrícola?

Salete Lemos: Por que? Não é? Perfeito. Vou endossar a idéia. [Riso]

Antonio Kandir: É muito provável que se forme aí uma bancada dos mutuários.

Matinas Suzuki: Deputado, o Marcelo Araújo que é do Rio de Janeiro, que é funcionário público pergunta: “O deputado não acha que é um tanto quanto constrangedor receber horas extras de salário com recesso forçado [refere-se aos parlamentares], enquanto há cortes no funcionalismo em geral, inclusive horas extras, e não se faz nem mesmo a reposição salarial que consta em lei?”

Antonio Kandir: Eu acho bastante constrangedor. Realmente eu acho que é uma coisa ruim para o parlamentar de uma maneira geral, e diria mais, pior ainda, o constrangimento de você receber essas horas extras com intervalo aí de 21 de dezembro a 8 de janeiro, eu concordo completamente com relação a isso.

Matinas Suzuki: André.

André Lahoz: Kandir, eu queria ouvir a sua opinião sobre a valorização do câmbio. Logo no início, antes mesmo do governo assumir o dólar ficou muito barato, aí todo mundo fez aquela festa, e a conseqüência foi um déficit na balança comercial. Queria ouvir sua opinião sobre a taxa de câmbio naquela época, se foi correto. Isso é passado, olhado para frente, se você acha que, hoje, a taxa de câmbio está ajustada, ou se vai ser necessário mexer no câmbio? O Gustavo Franco [economista, foi presidente do Banco Central e um dos mentores do plano Real (1994)], só lembrando, já disse que o governo tem bala para manter a taxa de câmbio, [manter] esse desequilíbrio - ele diz - por muito tempo. Queria ouvir a sua opinião.

Antonio Kandir: O André está querendo fazer uma listinha assim: parlamentar da base do governo tem essas críticas...

[risos]

Salete Lemos: Está queimando a tua coluna André.

Antonio Kandir: Eu, obviamente, discordo da política cambial que infelizmente foi praticada no final do ano de 1994. Eu tenho absolutamente a visão de que você poderia ter o mesmo resultado em termos de real se você tivesse o dólar em 82, em 84 centavos, 86, 88, 90, 92... acho que foi um erro. Naquela época, você tinha uma alternativa à enxurrada de recursos externos, que era de colocar algum limite à entrada de recursos, não precisava ter chegado àquela situação de valorização. E acho que foi de fato um erro. Um erro que eu devo dizer mais compreensível, naquela questão, do que o erro que eu acho que hoje está se cometendo com relação à taxa de juros. Eu acho que, de fato, naquele momento talvez fosse difícil tomar a decisão. É fácil dizer... na época me incomodava, eu estava convencido de que você podia ter trabalhado, realmente, com 92, 94 centavos e certamente a administração da crise mexicana e a mudança no câmbio que seria necessária seria feita de maneira mais fácil. Então, pagamos um preço por isso. Agora, em relação à situação de hoje, eu acho que nós estamos com uma taxa de câmbio que o próprio movimento comercial está mostrando que está indo bem. E tem um ponto que eu acho que é importante. Existe taxa de câmbio mais ou menos ajustada, dependendo do nível de atividade. Se você estiver no nível de atividades extremamente alto e em ascensão esse câmbio não está bom. Como estou imaginando que o nível de atividade está baixo, e tem uma perspectiva de queda, eu acho que essa taxa de câmbio está muito boa.

André Lahoz: Qual a subjeção de atividade para o ano que vem, quanto que o Brasil vai crescer em 1996?

Antonio Kandir: Eu imagino que vai crescer em torno de 2%.

Matinas Suzuki: [E] a previsão de inflação? [interrompendo] Desculpe, o senhor falou quanto?

Salete Lemos: 2%.

Antonio Kandir: 2% [de crescimento, não de inflação].

André Lahoz: Bem abaixo do que o governo...

Salete Lemos: Os empresários...

Matinas Suzuki: [Abaixo do que] Os empresários e o próprio governo estão falando. Eu acho que o ministro Malan falou hoje em torno de 4,5%.

Cláudia de Souza: Por que 2%?

Matinas Suzuki: Por que 2%? Você não vai assustar todo mundo? Eu ia falar para o senhor dar uma boa notícia de fim de ano, para 96, pelo jeito o senhor está querendo acabar com o Natal!

Antonio Kandir: Eu acho que o segundo semestre de 96 vai ser muito bom.

Matinas Suzuki: Vai crescer 1%.

Antonio Kandir: Eu acho que o primeiro semestre do ano que vem, infelizmente, tende a ser difícil. Porque a razão principal, infelizmente, é que nós estamos numa perspectiva de aprofundamento do desemprego, e hoje a maior parte dos consumidores está contendo seus gastos, não por causa da questão da incerteza. Em relação à inadimplência - que aumentou muito durante esse ano, dobrou a taxa de inadimplência esse ano -  mas não só se recuperar da inadimplência, as pessoas estão preocupadas com o desemprego, as pessoas estão guardando, em todos os níveis estão guardando muito, estão fazendo poupança. E então isso, somado a taxas negativas de performance econômica... vocês sabem todos muito bem que no começo do ano que vem, os números de janeiro, fevereiro e março, são números fortemente negativos do ponto de vista de expectativa, vai introduzir uma nova tensão.

Matinas Suzuki: Então nós vamos ter uma recessão no primeiro semestre?

Antonio Kandir: Eu acho que sim, infelizmente no primeiro semestre nós vamos ter.

Pedro Cafardo: Comparado com o primeiro semestre de 1995, sim, mas se você olhar a média talvez não.

Antonio Kandir: Sem a menor dúvida nós vamos ter números negativos. E a minha expectativa que, a partir do segundo trimestre a economia volte a crescer, não foi brincadeira. Eu acho que no final de 1996 pode voltar uma nova euforia. No final de 96 eu acho que é uma chance razoável para você avançar nas reformas.

Pedro Cafardo: A boa notícia é para o Natal e Ano Novo.

Salete Lemos: Natal de 1996.

Antonio Kandir: Então é possível que as reformas no campo administrativo, tributário e previdenciário passem. Você vai ter, provavelmente, no segundo trimestre taxa de inflação inferiores a 1%, e isso vai dar um impacto muito positivo. Quer dizer, lá por volta de maio as pessoas vão perceber que em abril a taxa de inflação deu menos 1%, e em maio está dando menos de 1% e provavelmente em junho também. Esse é o momento em que vai se criar uma grande expectativa, o governo deve se fortalecer e, a partir daí, as decisões de investimentos devem começar acontecer.

Cida Damasco: Qual a sua previsão de inflação do ano?

Antonio Kandir: Em torno de 15%.

Pedro Cafardo: Tudo isso com eleições, não é?

Salete Lemos: Otimista, não é?

Matinas Suzuki: Infelizmente não acabamos o programa com notícias tão boas, mas gostaria muito de agradecer à sua presença esta noite no Roda Viva, agradecer à nossa bancada de entrevistadores, agradecer à sua atenção e a sua participação. Lembrar para você que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira às dez e meia da noite. Até lá, uma boa semana, uma boa noite e um bom segundo semestre de 1996 para todo mundo. Até lá.

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