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Memória Roda Viva

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Carlos Velloso

29/8/2005

Na esfera da crise política de 2005, o ministro debateu temas candentes que mobilizaram a opinião pública nacional

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[Programa ao vivo, permitindo a participação do telespectador]

Paulo Markun
: Boa Noite. Ele é o responsável pela realização de eleições no país e, mais do que nunca, defende uma profunda reforma eleitoral no Brasil. O passe inicial poderia ser uma reforma partidária acabando com as legendas de aluguel, punindo parlamentares que mudam de partido e buscando nova fórmula para financiar as campanhas eleitorais. O Roda Viva entrevista, esta noite, o ministro Carlos Velloso, presidente do TSE - Tribunal Superior Eleitoral.

[Comentarista]: É a segunda vez que Carlos Velloso preside o TSE ao longo de uma carreira jurídica de mais de quarenta anos. Mineiro de Entre Rios, formado em direito, entrou no judiciário estadual de Minas Gerais em 64, como promotor de justiça. Nos anos seguintes, através de concursos, foi juiz estadual e federal em várias instâncias até chegar ao ponto alto da carreira em 1999, como presidente do Supremo Tribunal Federal, de onde saiu como ministro para um segundo mandato na presidência do Tribunal Superior Eleitoral. O primeiro ocorreu entre 1994 e 1996. Foi Carlos Velloso quem diplomou Fernando Henrique Cardoso na presidência da República. Naquele período, criou uma Comissão de Notáveis para estudar e propor uma reforma do sistema eleitoral. Agora, no segundo mandato, ele retoma o tema, que também ganha destaque e importância em função da crise política. O debate no Congresso Nacional em torno de mudanças no sistema político tem eco no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], onde o ministro Velloso já colocou a reforma partidária e a mudança no financiamento das campanhas eleitorais como uma das prioridades do seu curto mandato. Carlos Velloso deixa o TSE em janeiro de 2006, quando completará setenta anos e terá de se aposentar compulsoriamente. Mas, até lá, um evento importante vai marcar a atuação da Justiça Eleitoral em todo o país: o referendo sobre a proibição de venda de armas de fogo e munições no Brasil. A consulta popular está marcada para 23 de outubro, quando termina a Campanha Nacional de Desarmamento, que pretende atingir a meta de quinhentas mil armas entregues voluntariamente pela população. O TSE também vai organizar a propaganda gratuita que será feita no rádio e na televisão sobre o referendo. De primeiro a vinte de outubro, grupos a favor e contra a comercialização de armas e munições vão defender suas idéias em busca do “sim” ou do “não” do eleitor.

Paulo Markun: Para entrevistar o presidente do TSE, Carlos Velloso, nós convidamos: Guilherme Evelin, repórter político do jornal O Estado de S. Paulo; Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral e administração pública; Silvana de Freitas, repórter do jornal Folha de S. Paulo; Denise Rotemburgo, colunista do jornal Correio Braziliense; Márcio Chaer, diretor do site Consultor Jurídico; e Alexandre Machado, editor de política da TV Cultura. Temos também a participação do cartunista Paulo Caruso registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa. [...] Boa noite, ministro.

Carlo Velloso: Boa noite, Paulo Markun.

Paulo Markun: Queria começar pela reforma política. Todo mundo fala nessa reforma política, em cada crise brasileira ela volta à cena e ela não acontece nunca. O senhor acha que ela acontecerá desta vez?

Carlos Velloso: Bom, a crise é grave e a crise costuma ter essa força de cura, então eu acredito que possa ocorrer sim a reforma. E depois, Paulo Markun, eu acredito muito naquele núcleo bom, naquele núcleo de parlamentares dignos, honestos que temos no Congresso Nacional. E esses parlamentares, muitos deles se comunicam comigo, estão desejosos de fazer uma reforma política, estão sofrendo com o que está ocorrendo, então eu penso que será possível sim.

Paulo Markun
: Mas há uma espada do tempo sobre a cabeça de todos nós...

Carlos Velloso: É verdade.

Paulo Markun
: ... Porque depois do dia trinta de setembro acabou-se a inana, digamos assim, como dizia a minha avó.

Carlos Velloso: É verdade. O princípio da anualidade, art. 16 da Constituição: toda norma que interfira com um processo eleitoral deverá estar vigente um ano antes das eleições.

Denise Rotemburgo
: Agora já está se falando em uma PEC para ampliar esse prazo. O senhor não acha que será um casuísmo mudar o prazo, agora, faltando trinta dias para acabar?

Carlos Velloso: Denise, talvez é casuísmo sim, mas é um casuísmo para o bem. Então, eu penso que seria útil, sabe?

Alexandre Machado
: A propósito, presidente, esse momento é um momento propiciatório a mudanças, não é? O país está traumatizado com tudo que aconteceu, está mais aberto a pensar nessas modificações. Agora, esse momento conturbado, é bom conselheiro nesse momento, quer dizer, é bom fazer reforma numa hora como essa ou talvez fosse melhor que se tratasse disso numa situação de mais tranqüilidade?

Carlos Velloso
: Isso seria o ideal, mas o Paulo Markun deixou claro, com toda tranqüilidade que tínhamos não fizemos, então eu acho que é hora de fazermos essa reforma.

Guilherme Evelin
: O senhor acha que deve ser uma reforma curta ou deve ser uma reforma abrangente mesmo, por nós estarmos agora no calor da crise política?

Carlos Velloso
: Eu acredito que o que é possível agora é uma mini-reforma, que seja abrangente desses principais problemas que temos, não é? Uma mini-reforma que cuide um pouco... [sendo interrompido]

Guilherme Evelin: Quais os problemas que o senhor acha mais urgentes a serem atacados?

Carlos Velloso
: O que eu acho mais urgente é o que diz respeito aos delitos eleitorais, é o que diz respeito às doações, a tomadas de contas... financiamento das campanhas [enfaticamente]. Eu acho isso muito importante e da máxima urgência.

[...]
: Ministro, sobre essa questão do tempo...

Alexandre Machado
: A reforma partidária não tem a mesma grandeza?

Carlos Velloso
: Ah, sem dúvida, a reforma partidária. Mas ela é mais complexa.

Alexandre Machado
: Não, a questão da fidelidade, propriamente.

Carlos Velloso: Ah, sem dúvida, eu sempre que... Em 1995 - vocês lembraram bem - nós nomeamos uma comissão que a mídia chamou de notável e essa comissão foi dividida em cinco subcomissões temáticas. Uma delas foi a reforma partidária e o que se preconizou foi mesmo a fidelidade partidária [que impediria que políticos abandonem o partido pelo qual se elegeram, no decurso do mandato]. A fidelidade partidária é fundamental, é básica. Se tivéssemos fidelidade partidária não haveria essa troca de cadeiras, não é? Essa dança de cadeiras.

Alexandre Machado
: E a fidelidade partidária teria que vir com listas fechadas também para a eleição, para reforçar, ou poderia ser feita sem que houvesse mudanças?

Carlos Velloso: Hoje eu disse na Associação Comercial - estive lá antes de vir para cá -, nós falávamos em sistema distrital misto e eu dizia: “Os 50% no [sistema] proporcional. Ou listas fechadas ou listas abertas”. E me perguntaram: “E o que o senhor prefere: a fechada ou aberta? E eu disse: “Eu não tenho ainda uma posição”.

Paulo Markun
: Ministro, só vamos explicar para o telespectador o que é a diferença, porque acho que daqui a pouco nós vamos entrando no terreno da especialidade.

Carlos Velloso
: Ah, sim.

Paulo Markun
: O que é lista fechada e lista aberta? Hoje não há isso, está certo?

Carlos Velloso: É verdade.

Paulo Markun
: Hoje os partidos pouco peso têm na eleição. Existe uma lista partidária, obviamente, mas ninguém é obrigado a escolher o partido "A" em todas as camadas ou pode escolher fazer o "voto camarão", aquele voto do jeito que bem entender.

Carlos Velloso
: Perfeito, exatamente. As listas fechadas: o partido organiza numa convenção uma relação de candidatos e o faz por ordem de prioridade. Então, o primeiro [candidato da lista organizada pelo partido] seria o primeiro a ser eleito, o segundo, o terceiro, e assim sucessivamente. Eu acho perigoso a lista fechada, porque isso teria que ser resolvido pelos partidos políticos em uma convenção. O doutor Rollo, que é especialista em direito eleitoral [close em Rollo, que ri para o entrevistado], não sei se vai concordar comigo, mas eu não sei se os partidos... [sendo interrompido]

Alberto Rollo
: Estou concordando inteiramente, por enquanto. [Risos]

Carlos Velloso
: Eu não sei se os partidos políticos estariam preparados para isso... [sendo interrompido]

Alberto Rollo
: Eu também acho que não estão preparados para isso. O senhor se lembra da época da Justiça Eleitoral que tinha o observador eleitoral? E aí acabaram com observador eleitoral, para os partidos decidirem interna copolis como eles quiserem. Então, quem me garante que vai haver uma convenção partidária, democrática, que vai fazer essa escolha de quem vai encabeçar a lista?

Carlos Velloso: É, eu tenho muito medo de retornarmos à Primeira República.

Alberto Rollo: Isso! [Ao fundo]

Carlos Velloso
: A Primeira República, em que as eleições tinham cartas marcadas, não é? As famosas eleições de bigorna. Faziam e com cartas marcadas, porque... [sendo interrompido]

Paulo Markun
: E essa idéia que o senhor mencionou dos 50%, o que seria?

Alberto Rollo
: É um distrital misto.

Carlos Velloso: Ah, sim. Nós temos hoje o sistema proporcional puro. Esse sistema proporcional puro é praticado no Brasil e, se não me engano, na Finlândia apenas, nesses dois países. Se apenas a Finlândia, um país pequenininho, estaria praticando esse sistema proporcional puro que nós praticamos, é sinal de que algo está errado.

Paulo Markun
: Ou seja, eu poderia ser candidato por toda a cidade de São Paulo, por exemplo, ou para o estado de São Paulo como um todo.

Carlos Velloso: Exatamente. Então, o que se tem nesse sistema proporcional puro? Os grandes adversários estão no próprio partido político. O pobre do candidato pobre tem muito prestígio numa cidade, pode ser eleito naquela região, e aí chegam dois, três arrivistas com dinheiro no bolso e tomam os votos desse correligionário dele. Esse é nosso sistema proporcional puro comprometido, infelizmente, com os abusos do poder econômico e com os abusos do poder político. Então, o que eu sustento, o que a comissão temática, em 1995 nomeada pelo TSE, propôs foi o distrital misto. O que seria o distrital misto? Teríamos distritos e, em cada distrito, haveria uma eleição majoritária entre os candidatos locais, que seriam conhecidos dos eleitores, e a outra metade seria eleita por esse nosso sistema proporcional, então propiciaríamos também, porque o sistema proporcional... [sendo interrompido]

Alberto Rollo
: Que é o sistema alemão; não é, ministro?

Carlos Velloso
: É, exatamente, o distrital misto. O proporcional puro tem seus problemas? Ele está comprometido com o poder econômico? Sem dúvida nenhuma. Mas ele tem também vantagens, porque é através do sistema proporcional que as minorias podem chegar ao poder. Então, em 50% majoritário no distrito e 50% proporcional. Nesses 50% proporcional, poderiam disputar, nessa área, os donos ilustres nos estados, as pessoas que tivessem prestígio nos estados, porque o partido só aceitaria que disputasse desses 50% quem tivesse condição de ser votado no estado. E depois o seguinte, por que não o distrital puro, que seria o majoritário, que se pratica nos Estados Unidos e na Inglaterra? Por que não? Porque a experiência indica que o majoritário puro conduz ao bi-partidarismo. É o que temos nos Estados Unidos, é o que se tem na Inglaterra. Aliás, na Inglaterra temos três partidos, porém um deles não passa de filial do outro.

Silvana de Freitas: Ministro, queria entrar numa outra questão aqui, porque imagino que essa questão seja para uma eleição posterior. Para o ano que vem, de mais imediato, a gente tem um projeto que a CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] do Senado já aprovou e que agora seguiu para Câmara, que reduz o tempo de campanha, reduz o tempo de propaganda no rádio e na TV e proíbe a pesquisa de intenção de votos 15 dias antes. Eu queria perguntar para o senhor o seguinte: será que a finalidade de um projeto como este é baratear? Mas ele pode ter, digamos assim, um efeito colateral de cercear a liberdade de informação? Essa é uma discussão que está colocada, não é? Então, o senhor não acha que essa pressa em aprovar um projeto pra valer para o ano que vem, com comprometimento de uma discussão mais ampla - com a sociedade, inclusive - o senhor não acha que pode ter um efeito colateral danoso? Por exemplo, além de cercear a liberdade de informação, também pode ter um efeito de beneficiar quem já tem mandato, já está no poder ou de alguma maneira tem dinheiro suficiente para fazer uma campanha arrojada.

Carlos Velloso
: É, mas veja, essa mini-reforma, no conjunto, é boa. No conjunto. Esse tema posto por você, Silvana, é o mais polêmico, o problema de proibir pesquisas uns 15 dias anteriores ao pleito. Eu dei entrevista, me perguntaram e eu disse: “Eu não vou dizer que é inconstitucional, porque eu posso ser chamado a julgar - e certamente serei - no Supremo Tribunal Federal. Agora, que é uma questão altamente polêmica, é; que é uma questão que pode ser acoimada de inconstitucional, pode; basta ler o art. 220 da Constituição, que proíbe que seja impedida qualquer manifestação do pensamento e de informação. Então, é altamente polêmico isso.

Silvana de Freitas
: Mas o senhor não acha que reduzir o tempo da propaganda eleitoral, do horário eleitoral gratuito... é a forma como muita gente tem de conhecer os candidatos, inclusive aqueles que não têm mandato, que são...

Carlos Velloso
: Mas eu penso, sabe, Silvana, que o tempo proposto - 35 dias, não é? Ou quarenta - é o suficiente. O que é preciso é baratear as campanhas. Está se reduzindo o tempo justamente para baratear, proibindo, inclusive, externas... proibir a maquiagem, não é? Proibido transformar - aquilo que eu disse pela primeira vez e parece que até muitas pessoas gostaram -, o candidato em sabonete. Então, eu acho isso bom, as eleições vão ser mais enfadonhas? Vão, mas serão mais honestas.

Denise Rotemburgo
: Agora, como é que o Tribunal vai controlar isso? No caso: como vai ser possível saber que lá no Oiapoque, no Chuí, não estão distribuindo brinde, boton, chaveiro... porque não vai poder.

Carlos Velloso
: Lá tem um juiz eleitoral.

Denise Rotemburgo
: Lá tem um juiz eleitoral, sim, mas o candidato distribui e diz: “Ah, não fui eu, alguém fez isso por mim”. Como é que vai... isso já tem uma...?

Carlos Velloso: Denise, essa é uma alegação muito usada, muito usada, não é, Dr. Rollo? [Risos]

Denise Rotemburgo: Mas como é que vai fazer?

Carlos Velloso: Os candidatos apanhados nessas infrações falam isso: “Ah, não, utilizaram... Não fui eu, fizeram isso à minha revelia”...

Denise Rotemburgo: Todas as vezes eles fazem isso: “Não fui eu, foi o meu adversário”.

Carlos Velloso: Mas essa é uma alegação - vou usar uma palavra chula: fajuta. Então, não tem... Agora, veja, é possível fiscalizar, porque cada comarca tem um juiz eleitoral e cada estado tem um tribunal regional eleitoral e esse juiz eleitoral pode requisitar ou... [sendo interrompido]

Paulo Markun: Além do que um candidato fiscaliza o outro, não é?

Alberto Rollo: Isso, em cada comarca tem dois brigando.

Carlos Velloso: Eu disse outro dia, quando lançamos no TSE - nós estamos lançando, estamos fazendo o que é possível fazer sem necessidade de lei - pedimos aos TREs que estabelecessem um projeto de a prestação de contas ser posta em meio eletrônico, na internet, e tivemos a colaboração do Tribunal do Maranhão - o TRE do Maranhão - com nosso pessoal do TSE. Criamos, então, um sistema: as contas serão postas na internet.

Paulo Markun: Isso já está decidido?

Carlos Velloso: Já está praticamente decidido. Eu disse o seguinte, quando lancei com a mídia, os partidos políticos todos presentes, eu disse o seguinte: “O importante é que os partidos políticos se fiscalizem mutuamente”. Então eu dei até um exemplo, não é? Não sei se até exagerei na citação, porém achei que ela era proveitosa quando disse: “Montesquieu afirmou que somente o poder detém o poder”. [Charles de Montesquieu (1689-1755), político, filósofo e escritor francês, autor de O espírito das leis (1748)] 
. Os americanos criaram a doutrina dos checks and balances, pesos e contrapesos, um poder fiscalizando o outro. Então, a melhor das fiscalizações aí seria esta, a dos partidos políticos, que ficam se fiscalizando mutuamente, denunciando. E outra coisa: nesse sistema, o eleitor também poderá denunciar.

Paulo Markun: Ministro, nós temos uma pergunta do ex-jogador de futebol, Sócrates, o doutor, exatamente sobre poder. [Sócrates, jogador de futebol e médico, ganhou fama por sua atuação junto ao Corinthians, nos anos 1980, por ter sido um dos idealizadores do movimento "democracia corintiana" que visava flexibilizar as rígidas normas de disciplina e hierarquia às quais os jogadores eram submetidos]


[VT com Sócrates]: Ministro Velloso, quando é que o poder econômico não vai interferir mais nas eleições em nosso país?

Carlos Velloso: É, é difícil responder essa pergunta, essa pergunta é embaraçosa. Impedir que esse poder econômico pratique intervenção 100%, eu não acredito, mas nós podemos endurecer, impedir e avançar aí uns 80%. Hoje, aliás, há uma entrevista, está na Folha de S. Paulo, de um professor da [Universidade de] Harvard, é um mexicano, o [...]. Ele diz isso: “É muito difícil impedir que o poder econômico fique 100% fora do processo eleitoral.

Paulo Markun: A gente precisa lembrar que, no passado, por exemplo, só quem tinha posses, propriedades, por exemplo, podia ser candidato. Isso já aconteceu no Brasil.

Carlos Velloso: E veja, se não tivéssemos o horário eleitoral gratuito, propiciando a todos os candidatos darem o seu recado para se comunicarem com os seus eleitores, como seria? Somente os ricos. A eleição gratuita é forma de participação do poder público no financiamento das campanhas.

Alberto Rollo: Eu faço a pergunta: todos, ministro? Porque a maior parte dos partidos tem aqueles três ou quatro privilegiados que vão para a TV e aparecem no horário eleitoral gratuito. O resto do pessoal não aparece e não há como intervir lá dentro, por causa daquele dispositivo que fala interna corporis [latim: interno à corporação]. Quando é que nós vamos tirar essa interna corporis e poder intervir nos abusos cometidos pelos partidos?

Carlos Velloso: Mas eu sempre sustentei, doutor Rollo, que sempre que houver uma alegação de violação de direito, lá deve estar o juiz para fazer valer a vontade concreta da lei.

Paulo Markun: Mesmo dentro do... ministro... [ao fundo]

Carlos Velloso: Está na Constituição, inciso 35 do art. 5º da Constituição: “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça ao direito”. Quer dizer, essa é a norma maior pela qual devem se orientar todos os juízes.

Alberto Rollo: O máximo que eu consegui para candidato magrinho, pequenininho, presidente, foi aparecer, por força de decisão judicial, uma ou duas vezes, porque os tubarões apareciam a maior parte das vezes, em qualquer partido.

Carlos Velloso
: Veja, é um problema realmente dos partidos, do partido político.

Paulo Markun: Ministro, nós vamos fazer um intervalo [...] e a gente volta daqui a instantes com o Roda Viva, que esta noite tem na platéia, aqui no estúdio, Eraldo de Oliveira Silva, diretor da Academia Paulista dos Magistrados; Silvia Amaral, advogada do escritório Correia da Silva Mendonça do Amaral e Everson Tubaruela, conselheiro seccional e presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB. A gente volta já, já.

[intervalo]


Paulo Markun: Nós voltamos com o Roda Viva, que faz um giro pelas capitais brasileiras ouvindo opiniões, queixas, dúvidas e questionamentos que as pessoas levantam a respeito da crise política, como, por exemplo, a velha prática do caixa 2.

[VT com Maria José Bezerra]: O que se pode fazer para impedir, coibir o caixa 2, frente aos últimos acontecimentos que estão sacudindo o país?

[VT com Luiz Carlos]: Ficou caracterizado que o PT fez um caixa 2 para sua campanha. Os candidatos eleitos pelo PT seriam considerados inelegíveis a partir dessa falta grave?

[VT com César Tavares]: O caixa 2 em campanha política é uma realidade. Como Congresso Nacional, que faz a legislação eleitoral, eu pergunto: os tribunais eleitorais têm condições e têm instrumentos suficientes para fiscalizar essa prática irregular?

[VT com Andréa Lores]: Recentemente em entrevista ao jornal A Gazeta, aqui de Vitória, um juiz do TRE admitiu que o caixa 2 é uma instituição nacional e que é praticamente impossível controlar o financiamento irregular de campanhas. Eu gostaria de saber se o senhor concorda com essa avaliação?

[VT com Ophir Cavalcanti]: Os políticos foram taxados, inclusive por vossa excelência, de "caras-de-pau" por prestarem contas de mentirinha. Será que o [poder] judiciário não teve uma participação nessas prestações de contas, na medida em que as aprovou sem ter condição ou legalidade para que fossem aprovadas?

[VT com Geraldo Magela]: Queria dizer para o senhor que eu imaginava, até então, que eu era o único humorista cego do Brasil, mas a concorrência está brava, ministro. As coisas vão acontecendo lá em Brasília e todo mundo [está dizendo] : “Não, não estou vendo. Onde é que foi?”. O que tem que ser feito, na sua opinião, para acabar com isso que todo mundo está vendo: caixa 2, que sempre existiu, caixa 3, caixa 4...

Carlos Velloso: [Risos] Eu acredito até que a Justiça tenha, de certa forma, falhado. E falhou por quê? Porque deveria confiar nos partidos políticos, [pois] são instituições que devem ser sérias. De outro lado, os meios que de que dispõe a Justiça para tomar essas contas são meios deficientes. Nós temos no tribunal, no TSE, uma seção que cuida disso com apenas cinco pessoas. Temos lá... a chefe dessa seção, a contadora Leonice, uma pessoa idealista... [sendo interrompido]

Paulo Markun: Deveria pedir emprestado para os tribunais de contas dos municípios..., não é? Tem tanta gente sem fazer nada.

Carlos Velloso
: Pois é.

[...]: Está na lei!

Carlos Velloso: Olha, você sabe que a lei dos partidos políticos faculta ao TSE requisitar. Já conversei com o presidente do Tribunal de Contas da União e ele ficou muito entusiasmado, ele é um homem que também não concorda com isso. Vamos requisitar técnicos do tribunal de contas, vamos requisitar fiscais da receita federal, vamos firmar convênios com a Receita  Federal, com as Receitas estaduais e municipais, e vamos fazer inspeção in loco, auditorias in loco, quer dizer, nas sedes dos partidos políticos e também nas empresas que tenham feito doações e que estejam sob suspeitas. Vamos sim. Tomamos essas providências, que já divulgamos e passamos para os partidos políticos. As prestações de contas serão feitas em meio eletrônico... [sendo interrompido]

Guilherme Evelin: Ministro.

Carlos Velloso: Sim.

Guilherme Evelin: Nem todos os países têm justiça eleitoral. O Brasil optou por ter uma justiça para tratar exclusivamente de assuntos eleitorais. Como é possível que o TSE tenha apenas cinco funcionários para verificar prestação de contas, já que nós temos uma estrutura dentro do poder judiciário destinada especificamente para eleições? Não é uma falha, não é uma distorção?

Carlos Velloso: Eu acho que sim. Agora, costuma-se afirmar que o juiz é um... Aliás, saiu da moda dizer isso, que juiz é marajá, que o poder judiciário tem todos os confortos. Isso não é verdade.

Paulo Markun: Acabou de ter mais um aumento, ministro, para os juízes federais.

Carlos Velloso: Porque precisava fixar o teto, certo? Os juízes de primeiro grau vão ter, realmente, um aumento muito bom, o que, nos cargos superiores, [como] ministro do Supremo [Tribunal Federal], ministro dos Tribunais Superiores, vai ser muito pequeno. Eles saíram ganhando com esse subsídio. Mas, então, voltando ao que eu dizia, uma vez, [quando] eu era presidente do Supremo [Tribunal Federal], eu mostrei a uma grande entrevistadora brasileira o meu contracheque e, para ela, foi inacreditável! Eu disse: “Isso é do presidente do Supremo. Vamos descendo até o presidente substituto”. Eu notei que ela, talvez, tenha reformulado seu ponto de vista. Falam que o judiciário tem todo os confortos, não tem não.

[...]: Mas tem estrutura.

[...]: Ministro, mas nesse caso aí... [ao fundo]

Carlos Velloso: Mas a estrutura é deficiente. Agora, a crise teve essa vantagem: vamos fazer isso, vamos agir em conjunto com o Tribunal de Contas da União, vamos agir em conjunto com as Receitas federais, estaduais e municipais, vamos fazer inspeções in loco, no local, quer dizer, nas sedes dos partidos e nas empresas... Eu acho que isso vai intimidar muito; sabe, Guilherme? Porque eles vão temer uma inspeção, porque uma inspeção no local vai levar à descoberta de outras falhas, de outros... até delitos. Então, isso vai intimidar.

Márcio Chaer: O senhor não acha que esse tipo de medida é muito mais efetiva que a tal reforma da legislação? Porque, se atualmente já se desobedece a lei, a forma da lei, vão continuar desobedecendo, enquanto que esse tipo de medida mais efetiva da fiscalização, provavelmente iria adiantar mais, o senhor não acha?

Carlos Velloso: Perfeito, isso vai inclusive intimidar, não é? É o que eu dizia. Muitas empresas que fazem doações clandestinas vão pensar duas vezes. E estamos pensando também. Aliás, essa comissão está trabalhando e, certamente, amanhã já nos apresentam o trabalho, essa parte de delitos, atualização dos delitos eleitorais, principalmente das penas. Tem como relator o professor [René] Ariel Dotti, [professor titular de direito penal] da Universidade Federal do Paraná. Eu acredito que nesta semana ele nos apresente, a comissão nos apresente o relatório nessa parte.


Paulo Markun: Por falar nisso, ficou uma pergunta dos telespectadores das várias capitais que acabou embolada na história do caixa 2, que é a seguinte: “A eventual comprovação de que partidos utilizaram-se do caixa 2 não torna inelegíveis aqueles que assim atuaram?

Carlos Velloso: Eu tenho uma interpretação... Aliás, meus colegas dizem, alguns advogados dizem que sou mão pesada, lenha dura. Eu não sou não, eu acho que é preciso interpretar. Não se pode passar a mão na cabeça de bandido, não se pode passar a mão na cabeça do infrator. E eu interpreto, por exemplo, a legislação atual, nesse sentido. É capaz de perder, pode levar a perder o mandato – perdão -, o registro, o partido que age dessa forma.

[Falam simultaneamente]

Carlos Velloso: Eu fico um pouco sozinho nessa interpretação.

[...]: Está previsto na lei?

Carlos Velloso: Eu, eu... a leitura que faço da lei é nesse sentido.

Denise Rotemburgo: Ou seja, teve caixa 2, burlou a lei, perde o registro?

[...]: Mas não está explicitado, não é, ministro?

[...]: A lei 9.504... não, nove mil...

Carlos Velloso: Ainda bem que eu trouxe aqui o Código Eleitoral [abre o Código que repousava sobre uma mesa ao lado da cadeira do entrevistado]

Alberto Rollo: A lei 9.096, art. 28 cassa registro, art. 31 não cassa registro.

[...]: Na proporcional não está previsto não, presidente. [Risos]

Carlos Velloso: Veja só...

Paulo Markun: Vamos só lembrar ao telespectador que se trata da questão mais relevante que já foi abordada neste programa, porque isso leva, na hipótese, que os partidos que cometeram irregularidades - e há mais de um nessa condição -... perderiam o seu registro.

Alberto Rollo: Mas a condição do ministro tem já uma solução para cassar mandato a quem prestar mal as contas, e o ministro, se puder ser inconfidente, vai nos revelar isso aí.

Márcio Chaer: Mas atualmente não, não é? [Close em Velloso folheando o Código]

Alberto Rollo: É uma proposta para a próxima eleição, que a Comissão dos Notáveis do ministro Velloso vai decidir.

Paulo Markun: O ministro Velloso, dizem que ele tem a mão pesada. Eu queria saber se a mão pesada entrará em ação. [Risos]

Alberto Rollo: Com lei na mão, entra em ação!

Carlos Velloso: Se já consta da lei, então não precisa esperar um ano não, porque ela já existe. O problema é na leitura da lei. Diz a lei [lendo]: “O Tribunal Superior Eleitoral, após trânsito em julgado de decisão, determina o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado: [inciso I] - ter recebido ou estar recebendo recursos financeiros de procedência estrangeira; [inciso II] - estar subordinado a entidades do governo estrangeiros; [inciso III] - não ter prestado, nos termos desta lei, as devidas contas à Justiça Eleitoral. O que o Dr. Rollo entende por devidas contas?

Alberto Rollo: Devidas contas partidárias. Contas eleitorais de campanhas são aquelas previstas no 31-1 [lei 9096/95, artigo 31, inciso I]: É vedado aos partidos receber, direta ou indiretamente, de entidade ou governo estrangeiro..., que é... o pessoal está querendo cassar o registro por doação de governo estrangeiro... [sendo interrompido]

Carlos Velloso: Devidas contas é não prestar as contas como deveriam ser prestadas!

Denise Rotemburgo: Ou seja, provou caixa 2, dá para cassar o registro do partido, é isso?

Carlos Velloso: É, e veja aqui, um outro artigo que diz o seguinte... [sendo interrompido]

Alberto Rollo: É o que o ministro está dizendo para nós [...]. [Risos]

Márcio Chaer: Presidente, no artigo 32 da [lei] 9.504 não se obriga a apenas 180 dias guardar os documentos? Depois de 180 dias vai tudo para o espaço?

Carlos Velloso: Este dispositivo, não estou muito... Artigo...? [Buscando no Código que tem em mãos]

Márcio Chaer: [Artigo] 32 da [lei] 9.504. [Lei 9504/97, artigo 32: "Até cento e oitenta dias após a diplomação, os candidatos ou partidos conservarão a documentação concernente a suas contas"].

Carlos Velloso: Ah, sim, é das [...] eleições.

[...]: Das contas de campanha.

Carlos Velloso: Mas veja aqui, vamos resolver primeiro essa questão do caixa 2. [Lendo o Código]: “Constatada a violação de normas legais estatutárias, ficarão os partidos sujeitos às seguintes sanções...”. Então, no caso de recursos de origem não mencionados ou esclarecidos, fica suspenso o recebimento das cotas do fundo partidário até que os esclarecimentos sejam aceito pela justiça eleitoral.

Márcio Chaer: Essa é a única punição, não é?

Carlos Velloso: Vamos lá [prosseguindo com a leitura]: No caso de recebimento de recurso, mencionado no artigo 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano.

Márcio Chaer: Ao partido, não ao candidato.

Carlos Velloso: No caso de recebimento de doações cujo valor ultrapasse os limites previstos no artigo 39, parágrafo IV: "...Fica suspensa por dois anos a participação no fundo partidário...", etc. Perfeito?

Alberto Rollo: Perfeito.

Márcio Chaer: Sim. Até agora só o partido, o candidato está livre e solto.

Carlos Velloso: Há um outro dispositivo que precisa ser tomado em linha de conta.

Alberto Rollo
: Mas o senhor pegou firme aí no [art.] 28, o que me deixou preocupado.

Carlos Velloso: Só um instante [buscando no Código]. Podemos ir até a resolução, porque hoje me chamaram a atenção para a resolução e eu acho que a resolução não altera esta leitura, quando na resolução se diz que poderá perder esse fundo partidário sem prejuízo do disposto no artigo 39, inciso III.

[...]: Agora, o TSE já está legislando...

Carlos Velloso: Não, está fazendo uma leitura. O poder judiciário faz a aplicação da lei em caso concreto, mas para fazer a aplicação da lei em caso concreto é preciso efetivar uma leitura.

Paulo Markun: E esse teria que ser provocado por algum tipo de iniciativa de outros partidos?

Carlos Velloso
: Ah, claro! A Justiça não age de ofício, a Justiça precisa ser acionada ou por partido político ou até pelo eleitor e principalmente pelo Ministério Público.

[...]: No caso específico do PT já tem uma provocação do PSDB e do PFL...

[Falam simultaneamente]

Carlos Velloso: É preciso que haja essa provocação.

Silvana de Freitas: Ministro, tem um caso emblemático do ano passado, do ex-prefeito de Curitiba, Cassio Taniguchi. Me parece que tinha fartas provas num processo contra ele por caixa 2, e o TSE concedeu habeas corpus porque ele argumentou que não tinha assinatura dele na prestação de contas, e o TSE aceitou.

Carlos Velloso
: É verdade.

Silvana de Freitas: Eu só queria perguntar para o senhor o seguinte: será que não existe aí o excesso de formalismo que favorece a impunidade?

Carlos Velloso: E você sabe, essa não foi uma decisão unânime, foi uma decisão majoritária...

Silvana de Freitas: Ah, sim. Mas teve só um voto contra, do ministro Madeira, não foi?

Carlos Velloso
: Foi uma decisão majoritária. Eu não participei desse julgamento, se estivesse lá teria também votado com o ministro Carlos Madeira. O que se sustentou ali? Somente se ele tivesse assinado a prestação de contas é que ele ficaria responsável. Essa foi a leitura que se fez, uma leitura liberal e prestando assim obséquio, vamos dizer, até à teoria da culpa subjetiva, não é?

Alexandre Machado
: Presidente...

Silvana de Freitas
: Agora, ministro, se a lei vier a exigir a assinatura, o candidato vai poder dizer possivelmente: “Ah, mas eu assinei sem saber o que estava assinando, a responsabilidade não é minha...”, e mais uma vez ser absolvido, não?

[...]
: É complicado.

Carlos Velloso
: Agora, ao que eu sei, a proposta da nossa Comissão responsabiliza mesmo não tendo assinado, fica expresso isso. E me parece que a da mini-reforma do Senado também.

Alexandre Machado: Presidente...

Silvana de Freitas: Pois é, mas quando isso aconteceu... o senhor não acha que ele vai mais uma vez falar: “Ah, mas eu assinei sem saber o que estava assinando, não sou responsável...”, mais uma vez? Porque não é o formalismo... [sendo interrompida]

Carlos Velloso: Bom, aí escreveu e não leu, o pau comeu! [Risos]

[Falam simultaneamente]


Alexandre Machado
: Presidente, deixa eu voltar um pouco a uma questão que também ficou tocada pelos telespectadores que foram vistos pelo Brasil inteiro e que fala sobre esse fato de que as pessoas, de uma certa forma, consideram uma certa desculpa o fato de determinada infração ser generalizada. Ou seja, já que todo mundo faz o caixa 2, é como se houvesse uma redução da importância dessa infração ou quase uma desculpa. O senhor, como um homem ligado à justiça, à lei, como é que sente essa questão, como uma coisa própria de um país ainda imaturo em relação a essas questões ou o senhor também tem....?

Carlos Velloso
: É, infelizmente até a jornalista que faz a indagação, d´A Gazeta, de Vitória, me tocou, porque ela diz que foi um juiz que disse.

Alexandre Machado: Exatamente.

[...]: É, foi horrível isso.

Carlos Velloso: Eu acho um absurdo um juiz dizer isso.

Alexandre Machado: Qualquer autoridade, não é, presidente? Qualquer autoridade que fala que isso é uma coisa feita...

Carlos Velloso: Claro! Porque o erro está sendo praticado, então vamos justificar? E depois é o seguinte, veja: no Rio de Janeiro, os bicheiros financiavam escolas de samba, participavam de times de futebol, nós todos achávamos que a sociedade carioca convivia bem com essa gente, com os contraventores. De repente, aparece uma juíza corajosa, que quis cumprir o seu dever e cumpriu, meteu na cadeia todos eles, a sociedade carioca aplaudiu, a sociedade brasileira aplaudiu, a sentença dessa juíza não foi modificada em nada. Denise Frossard, vamos dizer o nome em homenagem à coragem que ela teve, a juíza Denise Frossard [Denise Frossard Loschi autou como juíza criminalista no Rio de Janeiro por mais de dez anos. Aposentada, foi deputada federal pelo PPS entre 2002 e 2006 e é fundadora da ONG Transparência Brasil]. Então, veja, pode ser até que estejam pensando isso, mas a qualquer momento vai aparecer um juiz que vai desmascarar isso.

Alexandre Machado
: O próprio presidente da República, naquela entrevista em Paris, disse isso, que a prática de caixa 2 - ele estava informando ao público-, era uma prática generalizada, que todo mundo fazia aqui no Brasil.

Carlos Velloso
: Eu disse que aquela declaração me entristeceu muito.

Márcio Chaer
: Ministro, tão importante quanto as leis é a interpretação das leis. É verdade que, dos sete integrantes do TSE, quatro têm uma posição fechada, flexibilizante, digamos, no sentido de não admitir que a justiça eleitoral anule aquilo que o eleitor escolheu, ou seja, um segmento que tem uma posição teleológica, no sentido de admitir certas coisas que estão previstas na lei, como essa que a Silvana mencionou, [que] faltou a assinatura do [prefeito] Taniguchi e ainda assim a coisa foi em frente. Não existe essa bipolaridade?

Carlos Velloso
: Não, eu acho que não existe, Márcio. É que, num colegiado, você encontra alguém que faz uma leitura mais liberal, outros que fazem uma leitura mais conservadora. Isso não existe no TSE, mesmo porque eu já ouvi, por exemplo, não de membros do TSE: primeiro, que tudo é preciso valer a vontade das urnas... [sendo interrompido]

Alberto Rollo: Mas democracia não é isso, ministro?

Carlos Velloso
: Mas a vontade das urnas deve se realizar com legitimidade.

Alberto Rollo: Agora, cassa-se por uma cesta básica, ministro? [Ao fundo]

Carlos Velloso
: Se se tem uma violação da lei e se alguém abusa do poder econômico, isso também gera desequilíbrio, atenta-se contra o princípio da igualdade, que é inerente à democracia, inerente à República. Então, o Estado de direito exige que tudo se faça em conformidade com a Lei, com a Constituição. Ora, se uma candidatura não se fez de conformidade com a Lei, essa afirmativa não tem sentido!

Alberto Rollo: Mas essa cesta básica, ministro...

Paulo Markun: ... Cinqüenta milhões...? [Ao fundo, dirigindo-se à Rollo]

Alberto Rollo
: Mais de vinte milhões de votos de diferença!

Paulo Markun
: Mas aí é o valor que vale?

Alberto Rollo: Não, estou falando de uma cesta básica! Então, hoje aplica-se no TSE o princípio da proporcionalidade, está se chegando a isso aí.

Carlos Velloso: Depende. No artigo 41a, eu acredito que não é possível. Eu sei que tem voto nesse sentido. No que tange o abuso do poder econômico, examina-se a potencialidade do ato. Esse ato influiu no resultado das eleições? Se não influiu, então não pesa. Agora, há um dispositivo de lei que foi proposto pelo povo brasileiro... Foi o povo brasileiro que, acionado pela Ordem dos Advogados do Brasil, pela sua ordem [aponta para Rollo, que sorri e balança a cabeça em movimento afirmativo], pela CNBB e por outras entidades de respeito, coletaram assinaturas por esse Brasil afora e apresentaram ao Congresso Nacional, e o Congresso Nacional converteu em Lei, art. 41.A.

Paulo Markun
: Iniciativa popular?

Alberto Rollo
: Foi quase iniciativa popular, precisou converter em projeto de lei, e [depois] virou lei.

Carlos Velloso: É, sabe por que foi preciso?

Alberto Rollo: É porque não dava para conferir.

Carlos Velloso: É porque estava mal redigido, só isso. A idéia fundamental é do povo brasileiro, é da iniciativa popular.

Paulo Markun: Que é a questão da compra de voto, não é?

Carlos Velloso: É. Basta que se compre um voto, um voto, exato.

Denise Rotemburgo: Agora, não demora muito para julgar isso não, ministro? Porque às vezes o fulano é eleito em um ano, três anos depois....

Carlos Velloso: Pode demorar, sabe por quê? O processo eleitoral até que é rápido, só que tentam processualizar civilmente o processo eleitoral, e aí é que, de certa forma, se tem, na justiça eleitoral, essa lentidão da justiça comum.

Denise Rotemburgo: Não está na hora de acabar com essas gincanas que eles usam...?

Carlos Velloso
: Claro! Eu tenho falado sobre isso há mais de dez anos! A reforma do poder judiciário, primeiro, tem que se atentar para o grande problema. Qual é o grande problema? Faça uma pesquisa que a população vai dizer: lentidão, demora na prestação jurisdicional, devida, sobretudo, ao formalismo das nossas leis processuais ou sistema de recurso, que é irracional.

Paulo Markun
: Ministro, eu queria chamar uma pergunta do professor de direito, Luís Rollo, exatamente sobre inelegibilidade.

[VT com Luís Alberto Rollo]: Boa noite, ministro Velloso. A minha pergunta tem relação com as renúncias recentes que aconteceram por causa do painel do Senado, em que parlamentares fugiram da cassação e me parece que isso deu certo porque eles retornaram para o Congresso. Agora recentemente, outro parlamentar renunciou também com o mesmo objetivo de pretender concorrer na eleição o ano que vem e não ter nenhum prejuízo com seus direitos políticos. Então, eu pergunto para o senhor, ministro: é possível agora, já, para que isso não volte a acontecer, criar uma outra inelegibilidade na Lei 64/90, prevendo a inelegibilidade pelo restante do mandato, pelo tempo remanescente e por mais quatro anos, para aqueles parlamentares que renunciarem com um único objetivo de fugir da cassação?

Carlos Velloso: Bom, já me foi perguntado em uma entrevista que dei o que eu achava disso, falei: “Isso é uma farsa, isso é uma farsa”. Nós temos que acabar com isso, sim. Agora, isso depende daquele núcleo sério, honesto, que tem no Congresso. Esperamos que ele aja. O judiciário, mesmo diante da renúncia, o Supremo Tribunal Federal, mesmo diante da renúncia do presidente Collor, mandou continuar o processo, e a pena que eles chamavam de acessória, que no fundo é uma pena que não é acessória, é uma pena autônoma, foi aplicada. Quer dizer, o Congresso precisa meditar sobre isso, porque não fica bem. A renúncia é uma confissão, e ele volta depois, ele volta depois. Porque volta, talvez porque tenha... [riso], utilize do poder econômico, é um sujeito simpático na região, e aquela história toda. É possível fazer valer a vontade da urna aí, se essa vontade está poluída?

Paulo Markun
: Ministro.

Carlos Velloso
: Pois não.

Paulo Markun: Vamos para mais um intervalo. [...] Nós voltamos em instantes com o Roda Viva, que tem na platéia desta noite Álvaro Lazarini, presidente do TRE; Jade Prometti, diretora do TRE de São Paulo; Flavio Gonçalves, administrador de empresas; e Edith Ribeiro Gonçalves, advogada. A gente volta já, já.

[intervalo]

Paulo Markun
: Bem, nesta noite estamos entrevistando o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Velloso. Vamos a mais um giro pelas capitais brasileiras, onde o Roda Viva tem procurado saber o que pensam as pessoas sobre a atual crise política e suas perguntas e dúvidas sobre o que fazer diante da atual crise. Vamos ver.

[VT com Flávio Koutzil, deputado pelo PT/RS]
: Nessa crise política e institucional, nesses prazos extremamente curtos, aquilo que todos esperávamos, uma reforma política com vitalidade, com coragem, é possível?

[VT com Raquel Aguiar, jornalista de Goiânia-GO]
: Gostaria de saber qual o ponto que o senhor acha que o Congresso Nacional pode barrar da reforma política?

[VT com Rita de Cássia, professora de Recife-PE]: Eu gostaria de saber, na sua visão, o que é possível fazer para combater a infidelidade partidária, bem como os partidos de aluguel?

[VT - não identificado]: Não seria mais conveniente fazer uma reforma do sistema eleitoral por via constitucional, incluindo, inclusive, a possibilidade do voto distrital?

[VT com Helen Marvão, estudante de Belém-PA]: Como é que vai ser a dissolução desses pequenos partidos ou partidos de aluguel, como a gente costuma chamar, uma vez que esses pequenos partidos, muitos candidatos se utilizam deles pra serem eleitos, porque precisam de uma margem menor de votos e, posteriormente, eles abandonam esse partidos e passam para um partido maior?

[VT com Ronaldo Salgado, professor de Fortaleza-CE]: Depois de tanto escândalo, depois de tanta desilusão da população, como nós vamos acreditar que uma reforma política vem em benefício do país?

[VT com Ricardo Noblat, jornalista de Brasília-DF]
: É possível que amanhã a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara vote o projeto que está sendo chamado de reforma política. Um dos pontos desse projeto é muito polêmico, é aquele que veta a divulgação de pesquisas eleitorais 15 dias antes do dia da eleição. Qual é a sua opinião a respeito desse ponto do projeto?

Carlos Velloso: Vou começar com a pergunta do Noblat, o último jornalista.

Alexandre Machado
: O nosso mestre blogueiro! [Riso. Ricardo Noblat é criador do "Blog do Noblat",  sobre política, hospedado no site do jornal O Globo]]

Carlos Velloso: Perfeito! [Riso] Eu penso o seguinte, eu não vou dizer que esse dispositivo é inconstitucional, porque posso ofender a Silvana nesse sentido [apontando para a entrevistadora]. Certamente eu vou ser chamado a julgar uma ação direta que tem esse dispositivo como objeto no Supremo Tribunal Federal, então não vou dizer que é inconstitucional, mas vou dizer o seguinte: pode ser acoimado de inconstitucional. O artigo 220 da Constituição é de uma clareza... Diz assim, o artigo 220 da Constituição, vejam só [retira um pequeno exemplar de uma pasta e começa a folheá-lo, buscando o referido artigo], então os senhores tirem as suas conclusões: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Paulo Markun: O senhor não precisa dizer mais nada.

Alberto Rollo: Já não passou isso no TSE, ministro, um caso da Folha? Já não passou por lá, o senhor já não julgou um caso desse?

Carlos Velloso: Nós julgamos um caso desse...

Alberto Rollo: Acho que da Folha de S. Paulo.

Carlos Velloso
: Me parece que foi no Supremo Tribunal.

Alberto Rollo: Então, no Supremo! O advogado era o Manoel Alceu, do Estadão. O advogado não, digo, o juiz daquela época [...].

Carlos Velloso: Pois é. Já existe até um precedente.

Alberto Rollo: Eu acho que tem esse precedente da Folha.

Carlos Velloso: Existe até um precedente. Agora, veja, na Suprema Corte norte-americana construiu-se uma doutrina muito interessante: a da razoabilidade do ato. Os tribunais europeus falam da proporcionalidade. No fundo, tem-se a mesma coisa. Então, se você entende que uma pesquisa influi positivamente ou negativamente no eleitorado, eu penso que seria possível impedir a divulgação dessa pesquisa nos momentos finais da campanha, dois dias antes ou três dias antes, é razoável.

[...]: Como, aliás, já é; não é?

Carlos Velloso: Como já é. Acho que aí é razoável, porque a justiça tem dois pratos, não é? De um lado estão os sagrados direitos individuais da pessoa humana, os sagrados direitos humanos que nós consideramos sagrados, mas no outro prato estão também os sagrados direitos da coletividade...

[...]: Ministro...

Alexandre Machado: Ministro, eu estou com uma curiosidade danada, porque o senhor no intervalo...

Carlos Velloso: ...Então, se influi, é razoável proibir nos momentos finais, em que se exige uma reflexão do eleitorado.

Alexandre Machado
: Ministro, me desculpe interromper. O senhor, no intervalo, diz que achou aquele artigo [Velloso ri] referente à prestação de contas que pode levar à cassação de um partido político, e eu fiquei aqui na maior curiosidade para saber o que o senhor vai contar para a gente.

Carlos Velloso: Veja - com vistas ao Dr. Alberto Rollo, que é especialista em direito eleitoral -, artigo 55... “A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do fundo partidário e sujeitará os responsáveis às penas da lei, cabíveis na espécie, aplicado também o disposto no artigo 46 destas Instruções [Instruções para fundação, organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos, Resolução 19.406 de cinco de dezembro de 1995]” [lendo o Código Eleitoral]. É o artigo 37, caput da Lei dos Partidos Políticos. E o que diz o [artigo] 46 das Instruções? [Artigo] 46: “O Tribunal Superior Eleitoral, após trânsito em julgado e decisão, determinará o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado e fará imediata comunicação aos tribunais regionais eleitorais, e estes, da mesma forma, aos juízes eleitorais: [inciso I]: - Ter recebido ou estar recebendo recurso financeiro de procedência estrangeira; [inciso II] - Estar subordinado à entidade ou governo estrangeiro; [inciso III] - Não ter prestado, nos termos destas instruções, as devidas contas à Justiça Eleitoral” [lendo o Código]. O que se pode entender por devidas contas? Falta de prestação de contas?

[...]: Recursos não contabilizados. [Risos]

Carlos Velloso
: Mas [sobre] a falta de prestação de contas, a instrução no artigo 55 já diz que faz perder as cotas do fundo partidário sem prejuízo do 46-3 [artigo 46, inciso III].

Márcio Chaer: E o mandato do eleito? É afetado?

Carlos Velloso: Aí é que...

Márcio Chaer: Aí fica um pouco mais complicado.

Carlos Velloso: Aí é que complica e acaba ficando impune. Portanto, temos que cuidar do mandato, temos que cuidar disso.

Márcio Chaer: Aí é importante mudar a lei, não é?

Carlos Velloso: A nossa comissão está estudando isso.

Márcio Chaer
: Agora, com esse poder normativo do TSE, que inclusive aplicou efeito vinculante na decisão dos vereadores, os ministros não podem construir uma interpretação, que é uma prática que tem sido bastante habitual no Supremo para adequar essas situações para cobrir esses vácuos da lei?

Carlos Velloso: Olha, Márcio, eu costumo dizer aos meus colegas que é preciso ousar. Aliás, o jurista precisa ousar. Eu costumo até dizer que alguém disse que eu sou conservador [risos], mas é preciso ousar. Veja, o Tribunal Superior Eleitoral, em 1945, ousou e tem motivo para se orgulhar dessa ousadia. O presidente Getúlio Vargas convocou uma assembléia para no fundo apenas reformar a “polaca”, de 1937 [a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas e elaborada por Francisco Campos, por ser extremamente autoritária, concentrando todo o poder nas mãos do presidente da República, foi apelidada de "polaca" numa referência ao líder do golpe militar polonês de 1921, Jozsef Pilsudski (1867-1935), que também outorgou leis semelhantes]. Setores da política não concordaram com isso e fizeram uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral indagando se aquela assembléia, que seria eleita pelo povo brasileiro, teria poderes constituintes originários. Depois de muita discussão, havia um ministro que dizia que o TSE não tinha competência para responder àquela consulta, depois de muita discussão o TSE respondeu: terá poderes constituintes. Aquela assembléia, com esses poderes constituintes originários, elaborou, votou e promulgou uma Constituição notável, a Constituição de 1946, que todos nós reverenciamos por ser uma Constituição democrática. Então, é preciso ousar. Neste caso, por exemplo, que ele citou, dos vereadores. Olha, o Supremo Tribunal Federal decidiu uma questão constitucional que tem caráter objetivo. Por que tem caráter objetivo? Porque ela não se refere ao fulaninho tal ou ao beltraninho tal, ela diz o seguinte: a Constituição no artigo 29 estabelece o princípio da proporcionalidade nas câmaras municipais, e estamos aqui diante dessa ação proposta pelo Ministério Público, o ministro Maurício Corrêa, então relator, num voto magistral - porque ele entende também de política não é? A posição do Supremo Tribunal é muito boa por isso, porque tem o juiz de carreira, tem o advogado... e tem também aquele que vem do parlamento. 


Denise Rotemburgo
: Tem até candidato a presidente da República! [Risos]

Carlos Velloso
: Bom, isso eu não sei! [Risos] Mas é verdade. Veja ali o Marco Aurélio, que foi um dos maiores ministros do Supremo Tribunal Federal [Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, ministro do STF desde 1990, foi presidente do STF entre 2001 e 2003]. Ele veio do parlamento. Prado Kelly... [José Eduardo do Prado Kelly (1904-1986) foi ministro do TSF de 1965 a 1968, tendo sido nomeado pelo presidente Castelo Branco. É considerado uma personalidade brilhante, cujo talento despontou ainda na adolescência, tendo sido um jovem poeta premiado pela Academia Brasileira de Letras aos 16 anos. Foi medalha de ouro no curso de direito da Universidade do Brasil, na década de 20. Na vida profissional, atuou como jornalista, advogado e destacado político. Foi deputado federal, ministro da Justiça e ministro do STF, além de ter presidido importantes comissões federais jurídicas]

Paulo Markun: Ministro, a propósito de representatividade nós temos a pergunta do compositor Arrigo Barnabé.

[VT com Arrigo Barnabé]: Boa noite, pessoal. Eu gostaria de perguntar ao presidente do Supremo Tribunal Eleitoral o que poderia ser feito pra melhorar a representatividade na Câmara dos Deputados, uma vez que o eleitor de um estado menos populoso vale muito mais do que o eleitor de um estado mais populoso. Por exemplo, um eleitor do Acre vale muito mais, exageradamente mais, do que um eleitor do estado de São Paulo, e eu acho que isso é uma distorção. Queria saber se ele concorda com essa opinião [de] que existe uma distorção nesse sentido, e o que poderia ser feito, o que as instituições deveriam fazer para resolver esse problema.

Carlos Velloso
: Realmente há essa distorção e ela foi imaginada num determinado momento justamente para... Nós sabemos que a representação de São Paulo, a representação de Minas, é uma representação menos sujeita ao "cabresto," não é? E a representação de certos estados costuma ser mais fácil...

[...]: Os grotões, não é? [Ao fundo]

Carlos Velloso: ...Menos politizados. Então, se fez isso. É uma distorção. O eleitor do Acre, o eleitor dos estados do Norte pesam muito mais que o eleitor do estado de São Paulo, o eleitor de Minas Gerais...

Márcio Chaer: 15 vezes mais, presidente.

Alberto Rollo: São Paulo é 1/36 de Roraima.

Carlos Velloso
: Então, isto precisa ser revisto.

Márcio Chaer: E o TSE pode fazer alguma coisa, ministro?

Alexandre Machado: Nesta proposta do voto distrital misto, quer dizer, na composição dos distritos, isso não leva de, uma certa forma, a se rever a questão da proporcionalidade?

Carlos Velloso: Sem dúvida, pode levar sim.

Márcio Chaer: Por que a Constituição diz que deve ser proporcional.

Carlos Velloso: Mas é muito difícil consertar isso, viu?

Denise Rotemburgo: O senhor tem alguma proposta?

Carlos Velloso
: Porque ninguém corta "da pele".

Denise Rotemburgo: Sim, mas o senhor tem alguma proposta que o senhor acharia...?

Carlos Velloso: Temos, temos a proposta do distrital misto. Aliás, eu sou...

Denise Rotemburgo: Então é por aí que conserta?

Carlos Velloso: É, eu sou favorável, eu acredito no distrital misto.

Alexandre Machado: Mas o distrital misto não ficaria melhor ainda se fosse dentro de um regime parlamentarista?

Carlos Velloso: Eu não vejo...

Alexandre Machado
: Ou num parlamentarismo com essa...

Carlos Velloso: Olha, Alexandre, há quem afirme isso. Os parlamentaristas dizem isso. Interessante [é] que os parlamentaristas brasileiros adotam o distrital misto.

Alexandre Machado: O modelo alemão, não é?

Denise Rotemburgo: E essa história do presidente, esta proposta do presidente Sarney... ?

Carlos Velloso: [...] No presidencialismo, porque ele atinge as câmaras... a câmara federal, as assembléias legislativas e a câmaras municipais. O difícil é estabelecer os distritos, não é? Agora, hoje, na associação comercial, o presidente, que foi político - foi deputado e é político -, sugere que a justiça eleitoral estabeleça esses distritos, e eu disse: “Pode estabelecer, sim”. E, terminando a resposta dos vereadores, o TSE ousou e estendeu, estendeu para evitar milhares de recursos que viriam e o Supremo acaba de decidir que o TSE decidiu bem. Nós só tivemos um voto... [ao fundo, incompreensível].

Guilherme Evelin: Ministro, mudando de assunto um pouco, pela experiência do senhor, o senhor acha que a introdução da reeleição favoreceu o abuso do poder econômico?

Carlos Velloso: Acho, acho sim.

Guilherme Evelin: O senhor acha que seria uma boa providência rever então?

Carlos Velloso
: Reeleição não está na tradição republicana brasileira. Eu sempre fiquei contra a reeleição. Eu acho que poderíamos estender um pouco o mandato. Acho que quatro anos é pouco. Eu falei seis anos, recebi vários telefonemas de juristas, um deles do ministro Oscar Dias Correia, que falou: já pensei também em seis, mas eu acho que cinco anos é suficiente. Então, Oscar Correia é o ícone da política brasileira, e eu fiquei assim, abalado: cinco ou seis anos?

Paulo Markun: Mas desde que não seja casuísmo, não é, ministro? Não para atual mandato?

Carlos Velloso: Ah, sem dúvida, claro! Não pode ocorrer casuísmo. Agora, complementando a resposta, que a reeleição possibilita os abusos do poder econômico e do poder político, sem dúvida nenhuma.

Paulo Markun
: Até o presidente Lula é contra [risos], pelo menos era. Aliás, a propósito de uma outra questão importante da reforma política, nós temos a opinião de várias pessoas que foram ouvidas aí pelo Brasil afora por intermédio das emissoras públicas, que é a questão do financiamento público para as campanhas eleitorais, que seria, para algumas opiniões, uma forma de romper  justamente com o caixa 2 da política. Vamos ver.

[VT com Glória Lima, jornalista de Belém-PA]
: A distribuição de verba pública para campanhas políticas se dará de forma igualitária, para que não ocorram prejuízos para os partidos menores e recém-criados?

[VT com Ernesto Mesanner, empresário de Vitória-ES]: Eu gostaria de perguntar ao ministro Carlos Velloso se ele acha justo um país com carência de recursos para aplicação nas prioridades que são educação, saúde e segurança, aplicar esses recursos públicos em campanhas eleitorais?

[VT com Paulo Rocha, professor de Recife-PE]: Quais os limites de uma reforma política sem o financiamento público?

[VT com Susana Guimarães, jornalista de Aracaju-SE]
: Com relação às campanhas, [que] são sempre muito milionárias, e uma das coisas que encarecem as campanhas são os "showmícios" [shows com artistas populares consagrados que atraem público para os comícios de candidatos]. O que fazer com relação aos "showmícios"?

[VT com Paulo Zamaritaques, advogado de Cuiabá-MT]
: A justiça eleitoral está aparelhada para fiscalizar uma campanha eleitoral financiada por dinheiro público?

[VT com Valter Porto, professor da UNB, Universidade Nacional de Brasília, de Brasília-DF]
: A minha grande preocupação é que algum de um dos partidos incorra na proibição constante da Lei dos Partidos Políticos de recebimento de verbas de governo ou entidades estrangeiras. Sabe o nobre ministro Velloso que isso é um dos motivos para cassação do partido.

Carlos Velloso: Muito bem. Começo respondendo assim, curto e grosso. Sou contra jogar dinheiro público em campanhas políticas.

Paulo Markun: Por quê?

Carlos Velloso: Olha, vejam, porque temos outras prioridades.

Paulo Markun: Mas o dinheiro que está financiando as campanhas hoje em dia não é público também? [Risos]

Denise Rotemburgo
: Desvia e leva. [Ao fundo]

Carlos Velloso: Quando estava vindo para cá, nas ruas, vi dezenas de crianças fazendo malabarismo, pedindo esmolas nos faróis. Essas crianças precisavam ser recolhidas, ter escolas para elas. Segundo, saúde. Aliás, ele fala também em insegurança. Perfeito! Essa insegurança que temos por aí, não é? Se não retirarmos essas crianças das ruas, elas se tornarão, um grande número delas, bandidos, e aí vai ser a escola do banditismo! Então, nós temos prioridades. Já se fez um cálculo: são sete reais por eleitor...

Alberto Rollo
: Oitocentos milhões.

Carlos Velloso
: Agora, multiplica por 122 milhões de eleitores. O doutor Rollo fala em cerca de oitocentos milhões.

Alberto Rollo
: Pouco mais de oitocentos milhões.

Carlos Velloso
: Quantas casas populares poderíamos fazer, quantos hospitais, quantas escolas poderíamos fazer?

[...]: O fato é que não há quem garanta que não se vai ter o caixa 2 também. [Risos]

Carlos Vellosso: Ah não! Perfeito. Isso de dois em dois anos. E financiamento público não acaba com... Aliás, esse professor da Harvard, que dá essa entrevista hoje à Folha de S. Paulo, fiquei muito contente porque nós estamos de acordo. Ele diz o seguinte: “No meio da campanha o candidato pensa “um dólar a mais vai me arranjar votos”, aí ele vai procurar fazer um caixa 2”. Agora, se é assim, se eu tenho esse ponto de vista que eu venho sustentando há mais de dez anos, desde que eu ocupei pela primeira vez a presidência do TSE, eu penso que o poder público deve participar desse financiamento. Como? Da mesma forma que já participa: do horário eleitoral gratuito, porque o horário eleitoral gratuito é gratuito para o partido político e é gratuito para o candidato, mas não é gratuito para a União, que compensa, mediante incentivos fiscais, as emissoras de rádio e televisão. Por que não conceder esses incentivos fiscais... ? O incentivo fiscal é em gênero, não é? Há várias espécies de incentivos: isenções é uma delas, abater na base de cálculo do imposto de renda é outro incentivo. Então, por que não oferecer aos doadores um incentivo fiscal proporcional ao quantum doado?

Paulo Markun: Quanto mais doasse, menos incentivado.

Carlos Velloso
: Por que veja... veja, Paulo Markun, o órgão mais sensível do homem é o bolso. Com isso nós incentivaríamos os doadores a declarar aquilo que doaram, porque ele vai ter uma compensação. Então, nós estaríamos combatendo com isso o caixa 2.

Denise Rotemburgo
: Agora, houve uma telespectadora que perguntou a respeito de "showmícios". Eu ouvi semana passada na Câmara dos Deputados um grupo de deputados que conversava e dizia assim:  " Não pode ter mais showmício.  Ah, mas eu vou lá para a igreja e o pastor pede voto pra mim, o padre chega lá e me apresenta para a comunidade, eu falo dentro da igreja...”. Quer dizer, não é também uma forma [girando os indicadores, no sentido de dizer que algo está sendo contornado ou postergado]...?

Carlos Velloso
: É sim, [mas] é só mexer no bolso desse pastor. [Risos] Sabe como? Os templos têm imunidade. Aquele templo que não se portar como templo, perderá a imunidade tributária. É por isso que vocês vêem aí o crescimento inusitado de templos, não é? Eu vinha pra cá é vi várias igrejas em casas. Não pagam impostos.

Denise Rotemburgo: Inclusive teve um grupo ligado ao bispo Edir Macedo [fundador e líder da Igreja Universal do Reino de Deus] que conseguiu agora um partido político. Eles tiveram registro essa semana.

Carlos Velloso: Não paga imposto, tudo aquilo que arrecada é líquido, não é? De sorte que é só estabelecer isso: participou ilegalmente...

Paulo Markun: Fez campanha...

Carlos Velloso: Fez campanha política com candidato ou outro, perde a imunidade. E quem vai fiscalizar isso? A receita federal. Garanto que...
 
Denise Rotemburgo
: E isso tem que ser lei ou o senhor pode fazer uma instrução lá no TSE? Esses sejam padre ou pastor, vai se comportar como deve se comportar.

Carlos Velloso: Garanto que esses... seja padre, seja pastor, seja o que for, vai se comportar como deve se comportar.

Denise Rotemburgo
: Agora, pode ser uma instrução do TSE ou tem que ser feito no Congresso?

Carlos Vellosso: Não, isso precisa de lei, não é?

Denise Rotemburgo: Ih, ministro, então não sai nada lá. Está assim de pastor na Câmara! [Indicando grande quantidade com as mãos. Risos]

Carlos Velloso
: Eu sei essa bancada é grande. Mas eu volto a reafirmar que eu confio naquele núcleo. Há um núcleo!

Paulo Markun: O duro é saber quantos são.

[...]: É.

Carlos Velloso
: Até entre eles [aponta para Rotemburgo referindo-se aos pastores], tem gente boa.

Paulo Markun
: Ministro...

Carlos Velloso: Mas eu queria apenas complementar... é... Bom, fale, Markun, pode falar.

Paulo Markun: Sim, eu queria pedir licença para a gente fazer um intervalo, lembrando que o Roda Viva desta noite é acompanhado aqui na platéia por Fernando Cassiatur, economista; Paula Mantega, psicanalista; Luiz Humberto Marcos, presidente do Museu Nacional do Porto, em Portugal; e Janine Mendonça, advogada. A gente volta já, já.

[intervalo]

Paulo Markun: Bem, estamos de volta com Roda Viva, esta noite entrevistando o ministro Carlos Velloso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que comandará agora, dia 23 de outubro, o referendo sobre a questão do desarmamento. Eu tenho aqui perguntas de telespectador, ministro, sobre esta questão. Donizete, que é da Aclimação, funcionário público, diz o seguinte [lendo perguntas enviadas por telespectadores]: “O ministro defende o desarmamento com a intenção de acabar com a violência e essa posição não seria positiva apenas para os ladrões, uma vez que a população desarmada não tem como se defender?”. Erick Borges, da Ilhabela, advogado, pergunta assim: “O senhor acha que ficou clara a intenção da campanha do desarmamento para todos os níveis da população?”. Rui Fulgêncio, de Belo Horizonte, Minas Gerais, pergunta qual a opinião do senhor a respeito do desarmamento, se o senhor acha que será aprovada esta questão de proibição da comercialização de armas e de munições no Brasil?

Carlos Velloso: [Riso] Markun, todas essas perguntas eu não tenho condições de responder, saber por quê? Porque eu vou presidir esse referendo, não é? Serei uma espécie de árbitro, então se eu falar a favor do desarmamento, eu vou ficar considerado impedido pelo outro lado, e... não é?

Paulo Markun
: Mas tem uma que o senhor pode responder, quer ver? O senhor quer ver como vou botar [buscando nos cartões de notas]... Armando Sá Fortes, de Curitiba, pergunta o seguinte: “Por que se gastar mais dinheiro com referendo do desarmamento do que hoje se gasta com construção de penitenciárias?”.

Carlos Velloso: Bom, essa é uma pergunta interessante, não é? Inteligente. Agora, eu quero dizer o seguinte: o referendo é muito importante numa democracia. O referendo é uma medida, é um instrumento de democracia direta aplicada na democracia indireta ou representativa. Eu costumava dizer aos meus alunos, invocando a dialética hegeliana, que uma idéia é a tese, a idéia contrária, a antítese, e do debate surge a síntese. Pois bem, a democracia direta é a tese e a democracia indireta, a antítese. Nós conseguiremos a síntese no momento em que, na democracia indireta, que é a democracia possível, introduzirmos instrumentos de democracia direta. O professor Fábio Comparato sustenta a tese de que devíamos ter muito mais referendos e plebiscitos. Eu estou até de acordo com ele, [mas] divirjo um pouco porque, no eleitorado brasileiro, nós temos oito milhões de analfabetos, 22 milhões de semi-alfabetizados - trinta milhões, chegamos a trinta -, e temos quarenta milhões que não terminaram o curso primário. Então, sententa milhões podem ser conduzidos a votar de um modo ou de outro, depende dos meios de comunicação de massa.

Paulo Markun
: Por falar em meio de comunicação de massa, ministro, além das regras estabelecidas, o TSE adotou uma decisão que vem causando polêmica que é a seguinte [lendo um dos cartões]: “Emissoras de rádio e televisão, ou qualquer empresa concessionária de serviço público, foram proibidas de emitir opinião sobre desarmamento”. Sobre isso, vamos ver um VT antes de o senhor explicar o porquê.

[Comentarista]: A Varig foi a primeira companhia atingida pela determinação do Tribunal Superior Eleitoral: empresas que têm concessão de serviços públicos não podem apoiar nenhuma posição no referendo. A linha área iria distribuir a seus passageiros matéria pró-desarmamento. “A Varig também é permissionária ou concessionária de serviços públicos e, nesta medida, não pode haver um favorecimento” [depoimento do ministro do TSE, Luis Carlos Madeira]. Empresas de rádio e televisão são concessionárias públicas de comunicação, por isso a discussão na telinha ou no rádio, só se for numa reportagem ou num debate. Emitir opinião da emissora ou veicular entrevistas sobre o assunto está proibido. Para este advogado, o TSE está contrariando a Constituição. “Absolutamente inconstitucional. Os meios de comunicação, graças ao artigo 220 da constituição, têm assegurado a liberdade integral de manifestação, só podendo ser punidos a posteriori se houver abuso. Não é o caso” [comentário do advogado e cronista Walter Ceneviva]. O ministro do TSE, relator da resolução, diz que é mais importante garantir a igualdade na disputa do que a liberdade de expressão. “A liberdade de expressão tem que coexistir com outro principio básico que é o da igualdade na disputa. A liberdade de expressão não é absoluta, agora, o direito a igualdade na disputa deve prevalece” [depoimento do ex-ministro do TSE Luiz Carlos Madeira]. Quem lida com a notícia todo dia vê perigo na decisão do TSE: “É um absurdo acima de tudo, uma coisa meio cretina, estúpida, porque não faz sentido você proibir meios de comunicação de terem opinião sobre o que quer que seja. Amanhã ou depois você pode proibir os meios de comunicação de ter opinião sobre o aumento ou diminuição dos juros, sabe? É uma coisa tão boba que parece coisa bem brasileira, [como] jabuticaba, só tem no Brasil” [relato do jornalista Clóvis Rossi]. [Risos]

Paulo Markun
: O mesmo artigo então é que nos colocou em "saia justa" [situação constrangedora], ministro? O [artigo] 220?

Carlos Velloso
: Eu sou leitor do Clóvis Rossi e sou um grande admirador do advogado que opinou pela inconstitucionalidade, que é o Walter Ceneviva, que é cronista da Folha, o cronista jurídico da Folha. Agora, Péricles, quando saudou os heróis da guerra do Peloponeso, se referiu extensamente ao princípio da igualdade. Eu temo, viu, eu temo que, em nome dessa liberdade que se tem que dar - eu já mencionei o artigo 220 aqui, não é verdade?, com relação a pesquisas. Eu temo que alguém seja beneficiado numa eleição. Eu estava falando a respeito do referendo e dizia: basta que um meio de comunicação de massa assuma uma posição para que o referendo seja fraudado, com setenta milhões de eleitores praticamente semi-alfabetizados, que não têm... que não lêem editorais de jornal... quarenta milhões aí, certamente, se lêem a parte esportiva é o muito. Então, nós temos... o homem... Ortega y Gasset [José Ortega y Gasset (
1883-1955), filósofo e escritor espanhol] tem uma sentença - não digo que não é uma frase, eu digo que é uma sentença -, que precisa ser meditada pelas pessoas. Ele diz assim: “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”. O não observar as circunstâncias implica em desprezar a realidade. Quando se quer muita jurisdição, nem sempre se tem jurisdição, temos que estabelecer o equilíbrio.

Alberto Rollo
: Ministro, quer dizer que, então, quando a Câmara de Santos faz um projeto de lei para o prefeito apoiar o grupo do desarmamento, essa lei... [batendo a palma de uma das mãos sobre o dorso da outro, alternadamente, sinalizando que os esforços foram em vão] Ele teria que obedecer, em princípio... ele está querendo saber e pergunta para mim: “O que eu faço?”. Que resposta o senhor sugere que eu dê pra ele? [Risos]

Carlos Velloso
: Esse é um caso concreto, viu, rapaz. [Risos]

Alberto Rollo: Mas, evidentemente...

Carlos Velloso
: Eu vou deixar o senhor receber esses honorários sozinho [risos]. Não posso participar deles.

Paulo Markun: Para o grande público, ministro, o que este referendo efetivamente vai resultar? Se houver o voto “não”, quer dizer, não se aprovará a proibição de armas de fogo e de comercialização?

Carlos Velloso: Não, não. De certa forma, a proibição já existirá sem o referendo. Aí é que eu acho que o Congresso...

Paulo Markun
: Mas para quê serve o referendo?

Carlos Velloso: ...A lei misturou coisas. Neste referendo, indagar-se-á ao povo brasileiro, ao eleitorado, apenas isso: é permitido o comércio de armas e de munição no Brasil?

Paulo Markun: Hoje é permitido?

Carlos Velloso
: Hoje é permitido.

Paulo Markun: Sim. Se disser o “não”, “não é permitido”... ?

Carlos Velloso
: Então, você vai ter o desarmamento total, sabe por quê? Porque só vai poder comprar munição...

Paulo Markun: Quem é policial, quem é soldado, ou tem alguma razão específica para isso.

Carlos Velloso
: É, exatamente. Ou então no contrabando, não é? No contrabando. Então, eu acho que o referendo não vai ter assim essa significação, porque o estatuto esta de pé na proibição, no dificultar os portes, não é verdade? Mas volto a reafirmar que tenho pelos referendos grande admiração.

Denise Rotemburgo
: Agora, não dá pra fazer junto com as eleições, de forma a baratear esse custo, como é nos Estados Unidos, que eles perguntam tudo na eleição? O senhor é favorável?

Carlos Velloso: Podia sim, mas a lei estabeleceu que será no dia dois de outubro, então eu disse para os parlamentares: “Dois não vai dar!”. Mas quem marca a data é o TSE, então no mês de outubro marcamos para o dia 23.

Márcio Chaer: Mudando sem mudar o assunto, nós estamos com uma emenda que propõe a extensão, a prorrogação da aposentadoria compulsória dos setenta para 75 anos. Se for aprovado, o senhor poderá presidir as eleições do ano que vem. O senhor é a favor da extensão da compulsória?

Carlos Velloso
: Veja que pergunta embaraçosa, não é? [Risos] Realmente, se essa emenda passar, eu vou continuar. Juiz gosta de trabalhar, ainda na magistratura. Eu estou completando, depois de amanhã, 51 anos de serviço público, quase quarenta só na magistratura. Então, continuaria. Se não passar, vou trocar de lado, vou fazer uma advocacia de consultoria, tenho até convite para ir para o exterior como professor visitante, mas acho que fico aqui mesmo, porque tenho minha família, meus netinhos, não é? Pois bem, se passar, eu fico. Se não, vou fazer outras coisas.

Paulo Markun: Está certo. Se o senhor está lá, e se tudo deixar [risos], nós estaremos aqui, com o Roda Viva, que já tem 18 anos. Eu queria agradecer muito a sua participação, ministro, desejar boa sorte nesta empreitada do referendo e, principalmente, na tentativa de modificar alguma coisa para as eleições. Quero agradecer muita a sua presença aqui no Roda Viva e aos nossos entrevistadores. Nós estaremos na próxima segunda aqui, às dez e meia da noite, com mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda-feira.

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