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Memória Roda Viva

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Ana Carolina

19/11/1994

Bem humorada, a premiada cineasta fala da produção nacional e dos percalços enfrentados para conseguir montar sua nova produção, baseada na vinda da atriz Sarah Bernhardt ao país

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[programa ao vivo]

Heródoto Barbeiro: Boa noite, os intelectuais e críticos costumam achar que os brasileiros são bons de bola, bons de música e fazem fila para aplaudir as obras de seus conterrâneos nas bienais de arte e também do livro, mas costumam receber com má vontade o que é produzido pelo cinema nacional. Trata-se de uma injustiça. No Brasil, a produção cinematográfica vem melhorando nos últimos anos e, o que é melhor, conquistando aos poucos um público cada vez mais fiel. A melhor prova disso é a cineasta Ana Carolina, centro do Roda Viva que começa agora pela Rede Cultura. Diretora de cinema desde os 21 anos, quando abandonou a carreira de fisioterapeuta para dirigir o seu primeiro curta-metragem, Ana Carolina consagrou-se com seus Mar de rosas, Das tripas coração e Sonho de valsa; juntos, eles atraíram perto de dois milhões de espectadores. Um belo público para uma arte que, como chegou a se dizer, estava morta no Brasil. De Ana Carolina, costuma-se dizer que ela coloca na tela a alma feminina, em toda a sua extensão de dor e complexidade. É sobre um símbolo da força feminina do início deste século que ela vem preparando sua próxima investida. O novo filme, ainda sem título definitivo, vai tratar da passagem da atriz francesa Sarah Bernhardt pelo Rio de Janeiro, quando a atriz fraturou e acabou por amputar uma perna. O roteiro entusiasmou a atriz Vanessa Redgrave [britânica que coleciona prêmios por sua atuação no cinema e na TV, que teve início na década de 1950] e Catherine Deneuve [premiada musa do cinema francês, personagem de filmes antológicos, de fama mundial], que querem o papel. Ana Carolina conta que recebeu tal entusiasmo como se fosse um sonho, mas já voltou para a realidade. Como todo cineasta brasileiro, ela está há meses à procura de dinheiro para realizar o seu filme. Nós convidamos, para entrevistar a cineasta Ana Carolina, hoje, no centro do Roda Viva, Hector Babenco, cineasta; Ivana Bentes, do caderno Idéias, do Jornal do Brasil; Evaldo Mocarzel, do jornal O Estado de S. Paulo; Caio Túlio Costa, jornalista da Revista da Folha [publicada semanalmente como suplemento do jornal Folha de S. Paulo]; Suzana Amaral, cineasta; Celso Masson, editor de variedades da revista Veja; Aníbal Massaini, cineasta e presidente do Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo, e Christian Petermann, editor-assistente da revista Set. Boa noite, Ana Carolina. 

Ana Carolina: Boa noite.

Heródoto Barbeiro: Ana Carolina, inicialmente nós gostaríamos de que você contasse para a gente qual é o seu projeto para o futuro e que pode ter a participação de uma grande estrela estrangeira, entre essas duas que foram citadas por mim agora há pouco. Que projeto é esse? Qual é o fato histórico que tem a Sarah Bernhardt no Brasil?

Ana Carolina: Esse projeto é um roteiro que eu venho preparando desde 1989 e 1990 e é com ele que eu tenho vivido nessa crise, nessa ruptura que o cinema brasileiro sofreu, que foi tão fantástica, que eu tive mais tempo do que eu imaginava para produzir um bom roteiro. Eu comecei a trabalhar nesse roteiro em 1990, 1991 e, [em] janeiro deste ano, eu criei coragem e mandei o roteiro em inglês para quatro atrizes: mandei para a Vanessa, mandei para Irene Papas [atriz que ficou conhecida por sua interpretação em produções com temática grega, como Electra, a vingadora (1962) e Zorba, o grego (1964)], mandei para Isabelle Huppert [francesa que trabalhou com famosos diretores, como Jean-Luc Godard, Marco Ferreri, Claude Chabrol e Andrzej Wajda, e recebeu diversos prêmios importantes] e mandei para Catherine Deneuve. E foi aí que começou um pouco da minha coragem de retomar sozinha, o que é um erro, a tarefa de escrever, produzir e dirigir um filme, quando as respostas delas vieram positivamente. Não quer dizer que eu esteja contratada com alguma delas; não decidi com quem é que vou fazer o filme, porque tudo depende do teto e do piso que elas vão pedir. De qualquer jeito, tenho a impressão de que com a Catharine Deneuve não vai ser, porque ela tem uma agenda quase impossível, e com a Isabelle Huppert também não, porque ela  é muito pequena, uma atriz um pouco histérica. A Irene Papas vai fazer uma Sarah Bernhardt louca, latina, grega, mais perturbada do que eu mesma. E a Vanessa vai fazer, se fizer, vai fazer uma Sarah Bernhardt européia, com uma postura de civilização mesmo – eu acho que é isso de que eu preciso no filme.  Então, quer dizer, nesse momento a produção está dividida entre essas duas atrizes, mas tem uma coisa de que eu preciso falar sempre, que é o seguinte: esse filme não é um filme biográfico da Sarah Bernhardt, eu não prestei a menor atenção, em nenhum momento, e não vou prestar atenção para fazer um filme sobre a vinda da Sara Bernhardt em 1905. Isso daí não está me interessando absolutamente, quer dizer, o Rio de Janeiro em 1905, as roupas de 1905, o bigodinho, a cartola, a bengala, a reprodução de época – a tudo isso tenho verdadeiro horror. Na verdade, esse filme é uma licença imaginária, uma especulação poética de um momento na vida da Sarah Bernhardt, que eu acho que, por uma troca, ela aceitou fazer uma turnê em Buenos Aires, Brasil e Nova York. E, a partir desse momento, quer dizer, o fato real é só este: ela veio para o Brasil e ela quebra a perna e amputa a perna. Eu peguei esse momento e imaginei desse momento para trás e esse momento para frente, quer dizer, o filme acaba com a queda e com a fratura que, na verdade, é uma metáfora essa fratura de uma atriz tão potente, de uma mulher tão potente. Na verdade, nada mais é do que uma metáfora de mim hoje, do Brasil hoje, do cinema hoje, quer dizer, é uma fratura exposta, é uma amputação. Há uma mutilação na arte do cinema aqui, é isso que me interessa. Me interessa a pororoca cultural entre uma mulher daquela espécie, daquele pedigree, vis-à-vis três mulheres do interior de Minas Gerais, três brucutus que, como brucutus ou não, elas têm lá suas culturas, suas decisões, suas vontades. Não se comunicam com essa atriz, que fala só em francês no filme e é isso que me interessa, não é a vida de Sarah Bernhardt, absolutamente. Só mais uma coisa, a Sarah Bernhardt, eu não li a biografia da Sarah Bernhardt, fiz questão de não ler. Mas tem um pedaço de uma coisa que a Sarah Bernhardt fala, que é também muito sintomático para nós todos aqui, quando ela diz que ela quer esquecer e tirar da bibliografia dela que ela esteve aqui. Ela detestou ter vindo, detestou a experiência de ter feito o espetáculo aqui e saiu daqui mutilada, quer dizer, eu li esse pedacinho e é o suficiente para mim, eu acho ótimo, é por aí que eu vou.

Heródoto Barbeiro: Ana Carolina, vamos então à pergunta de Ivana Bentes. Ivana.

Ivana Bentes: Ana, você escolheu uma mulher poderosa, uma Sarah Bernhardt, mas nos outros filmes as mulheres sofrem o diabo na tela. Têm uma relação, assim, bem sádica, masoquista, elas passam por problemas bastante intensos e são bastante frágeis essas mulheres. O que te seduziu no personagem da Sarah Bernhardt? Foi esse contraponto, um pouco? É a primeira vez que você pega uma mulher maravilhosa, potente, um mito? As outras que você retratou eram bem mais, digamos, humanas, sofriam à beça e, agora, a primeira vez, você está pegando aquela mulher esplendorosa, bem próxima do mito, bem potente, foi isso que te seduziu um pouco mais na Sara?

Ana Carolina: Veja bem, quer dizer... Eu imaginei a Sarah Bernhardt... Quer dizer, eu sei lá se essa mulher era ou não forte, decidida e que tinha feito exercício do desejo e da vontade. Eu não sei nada da vida dela; imaginei que sim, preferi imaginar que ela era forte, preferi trazer ela para cá em um momento de crise. Quer dizer, eu sei lá da Sarah Bernhardt, eu sei de mim e eu sei o que é ser, fora daqui, uma mulher de um país não-desenvolvido, quando ela está se apresentando em um país desenvolvido. Conheço esse sentimento e eu tentei trabalhar esse sentimento do avesso, como seria e como será uma mulher forte, desenvolvida, senhora dos seus desejos em um país, aspas ...

Ivana Bentes [interrompendo]: Um Brasil que quebra até Sarah Bernhardt...

Ana Carolina: ..."não-civilizado". Mesmo porque, no Brasil, quando ela veio, porque ela veio parar no Rio de Janeiro, o prefeito Pereira Passos tinha destruído o Rio de Janeiro, era o "bota-abaixo" no Rio de Janeiro. Eu não vou mostrar isso, mas  imagino o que seria uma mulher européia daquele naipe chegar no Rio de Janeiro e não tem uma rua calçada, água, febre amarela, água na rua, tijolos, os escravos todos que tinham sido alforriados cinco anos antes, os molambos, os mulatos, os mosquitos, tudo pela rua, quer dizer, imagino isso, entendeu?

Ivana Bentes: Certo.

Ana Carolina: Então, quer dizer, a Sarah Bernhardt, peguei ela como escudo da minha possível potência.

Heródoto Barbeiro: Ana Carolina, vamos à pergunta, agora, do Hector Babenco.

Hector Babenco: Ana, a gente está com saudades de um filme teu...

Ana Carolina [interrompendo]: Ah, ainda bem...

Hector Babenco: Ainda bem, não é? Pois bem, então o quê – sendo prático – está realmente faltando para você poder fechar a equação que reúne o lado criativo com o lado prático pragmático do dinheiro, para que esse filme possa ser filmado o ano que vem? Em que pé estão as coisas e de que forma essa pequena tribuna pode saber o que é que está acontecendo com o filme? Porque eu acho que isso é uma curiosidade do espectador neste momento também.

Ana Carolina: Olha, Hector, tive que reaprender, eu e todos nós temos que reaprender de novo os caminhos para materializar uma idéia. Depois dessa coisa toda, há um abismo entre nós e o mercado internacional, um abismo entre nós e sociedade, total silêncio de resposta à proposta do nosso trabalho, a ausência da Embrafilme [Empresa Brasileira de Filmes] e tudo mais, tive que aprender tudo isso. Fiquei com muito medo e talvez tenha cometido um erro de percurso na medida em que eu fui tentando tomar conhecimento das leis, procurar compreendê-las e sair com aquela bobagem que é a coisa do mercado, "o cinema se resolve no mercado". Que mercado? Que cinema? Entre o realizador e a tela não existe ninguém, na verdade você sabe tanto quanto eu.

Hector Babenco: Claro, claro...

Ana Carolina: O realizador vai do xerox, do selo, do papel, do elevador, ele faz todo o percurso do tal do mercado para chegar à tela e chega mal. Quando chega, chega muito mal.

Hector Babenco: Muito cansado...

Ana Carolina: Muito cansado. E, vamos dizer, nos últimos dez meses, achei que poderia trilhar isso simplesmente com minha bela criança. Estou vendo que não é e estou aprendendo coisas inacreditáveis, porque todas essas leis – você sabe também tão bem quanto eu– não são reais...

Hector Babenco: Que leis são "essas"?

Ana Carolina: Elas são perversas, são... chamaria de “vitória de Pirro” [metáfora usada para expressar uma vitória obtida a alto preço e sacrifício], quer dizer ganha, mas não leva. Elas são feitas pela Receita, a Receita Federal deve ter um prazer enorme de falar: “Olha aí, a engenharia da lei está tão bem feita, os caras vão de acordo com a lei, mas não levam”, isso tudo foi um aprendizado. Hoje eu vinha pensando, uma sensação quando a gente está em um processo de captação de recurso, eu não sei se alguém se lembra desta imagem, uma imagem muito grosseira, muito cruel, mas eu trabalho com isso, vou dizer. Em umas praias, tipo Praia Grande [litoral norte de São Paulo], quando eu era criança, existiam uns meninos que ficavam na praia, com os urubus, sabe, urubu de praia, que descem, comem peixes podres e voam de novo. Existiam uns meninos que amarravam uns pedaços de carnes podres no barbante, esperavam o urubu vir, o urubu comia, voavam, eles davam linha, depois que estavam lá em cima, eles puxavam e o urubu vinha vomitando, caía e vomitava. Eu tive essa sensação, ao ir a 26 empresas, a propósito da Lei do Audiovisual,  a propósito da Lei Marcos Mendonça do IPTU [Lei nº 10.923/90, de incentivo à cultura, de autoria do vereador Marcos Mendonça (PSDB), que está em vigor desde 1991], a propósito da Lei Rouanet, nenhuma dessas leis... Há de ter pessoas hoje que trabalham com essas leis tranqüilamente e tenham livre passe [para] pegar e trazer para o projeto. Eu me senti como o urubu.

Hector Babenco: Certo...

Ana Carolina: Nenhuma dessas leis. Tinha momentos em que achava que tinha pego, aí...             

Hector Babenco [interrompendo]: Alguém puxou o barbante...

Ana Carolina: Puxava aquela coisa, aí eu bum! Vomitava na praia. E mais, tem algumas figuras novas desse aprendizado, dessa atividade, que é o seguinte: tem um tal de corpo-a-corpo, agora, na tal da Lei do Audiovisual, que não sei o que é.  Falam assim: “Não vai dar, mas você tem que entrar em um corpo-a-corpo”. Aí eu falo assim: “como é entrar em um corpo- a-corpo?” Como você entra em um corpo-a-corpo com o presidente da Autolatina? Ou com o presidente da Volkswagen ou com presidente de uma grande empresa que queira ter o benefício das suas figuras jurídicas, ter o abatimento de um por cento no seu lucro do ano? Como você entra em um corpo-a-corpo com esse homem? Você tem que ser prima da mulher dele, namorada do filho, amiga da amiga da irmã, prima da amante; não sei como se chega. Eu cheguei na presidência da Petrobras e não aconteceu nada, cheguei na presidência da Ultragás e não aconteceu nada. Aliás, aconteceu: eles me mandaram – teve várias empresas que fizeram isso – eles me mandam de volta o meu projeto, com o xerox [de uma reportagem] da Folha [de S.Paulo], em que saiu que todo cineasta se locupletava com a Embrafilme. Está lembrado dessa matéria?

Hector Babenco: Não.

Ana Carolina: Na época em que a Folha...

Hector Babenco [interrompendo]: Mas, talvez... li isso...

Ana Carolina: ...resolveu dar "chute em cachorro morto". Quer dizer, o empresário devolve para mim o sentimento da sociedade brasileira de que sou um Al Capone [(1899-1947) um dos maiores gângsters norte-americanos dos anos 1920 e 1930]  e de que eu estou lá para dar "um tapa" em uma nota da empresa dele, entendeu? Por isso essa imagem grosseira do urubu. E, só para fechar a sua pergunta, hoje o meu projeto está como? O meu projeto está precisando ser bem cuidado, por mim e pela sociedade brasileira, se é que a sociedade brasileira quer ter bons filmes, se é que ela quer ocupar o lugar dela de fato, se é que nós, da classe cinematográfica, tenhamos verdadeiramente coragem e força para transformar essas leis, que não são reais, não beneficiam o setor nem a sociedade.

Hector Babenco: Sem dúvida, sem dúvida...

Ana Carolina: Acho que, evidentemente, estou me sentindo forte, potente e corajosa para prosseguir. Para o cosmos, o universo colocar na minha frente um captador de recurso ou um presidente de uma empresa que queira ver tudo isso acontecer. Porque nós, que fazemos cinema, nós somos muito bons, nós somos muito fortes, nós vivemos de fé há dez anos, isso é uma demonstração de resistência que poucas categorias têm.

Hector Babenco: Interessante...

Heródoto Barbeiro: Ok, Ana, antes de passar a pergunta para o Caio Túlio, queria que você respondesse antes a um fax da nossa telespectadora Daniela Franco, que pergunta a você o seguinte: "Que filme você gostaria de ter dirigido?"

Ana Carolina: Que filme eu gostaria de ter...

Heródoto Barbeiro [interrompendo]: É essa a pergunta da Daniela Franco.

Ana Carolina: Nunca pensei [nisso], mas se fosse pensar agora, assim sem paixões e com ressentimentos, gostaria de ter dirigido Ivã, o terrível, do [Sergei] Eisenstein [(1898-1948) considerado o mais importante cineasta soviético. Atuou na Revolução Russa de 1917 e foi um dos líderes de vanguarda artística de seu país. Fez filmes como A greve e Encouraçado Potemkin].

[risos]

Ana Carolina: Que é uma moleza.

[risos]

Heródoto Barbeiro: Caio Túlio, por favor, Caio.

Caio Túlio Costa: Ana, eu tenho duas questões, quer dizer, a primeira é a seguinte: desenvolver um pouco o que você falou no início. Você já escreveu um pouco sobre isso também, mas é importante você desenvolver um pouco mais, que eu acho que está na gênese, aí, da sua idéia para o próximo filme. Você disse que, na primeira vez em que foi a Cannes [Festival International do Filme de Cannes, um dos mais prestigiados do setor cinematográfico, acontece todos os anos no mês de maio], você se sentia como uma índia boliviana. E é exatamente a experiência da cineasta brasileira em um festival de Primeiro Mundo,apresentando ali o seu trabalho, muitas vezes julgando, até, o trabalho dos outros, como você já fez também. Então queria que você desenvolvesse um pouco isso. E, segundo, queria entender um pouco mais essa sua imagem, isso que você...

Ana Carolina [interrompendo]: Do urubu?

Caio Túlio Costa: Não, não, essa imagem da "índia boliviana no Primeiro Mundo". Queria que você desenvolvesse isso um pouco mais, quero entender isso. E a segunda questão é a seguinte: tanto já se falou nessa história da Embrafilme, do cinema brasileiro, dos diversos mercados, "o teatro deu certo", "o cinema morreu" etc. Você, como cineasta, a partir dessa última experiência, inclusive, não acha que está na hora de se desvencilhar completamente do Estado? Você não acha que está na hora de partir para uma coisa revolucionária no Brasil, pelo menos em termos cinematográficos?

Ana Carolina: Qual era a primeira?

Caio Túlio Costa: A imagem da índia boliviana.

Ana Carolina: Eu era adulta já quando fui parar, a propósito do meu trabalho, quer dizer, o Getúlio... Quando fui para a Europa  pela primeira vez e para os Estados Unidos... Fui para os Estados Unidos com o Getúlio [Vargas, documentário produzido em 1974, vencedor da Medalha de Prata Festival de Moscou (1976) e primeiro lugar no Prêmio para Documentário da Universidade de Toulane New Orleans (1977)], depois fui para a Europa e não conhecia em mim o sentimento de abismo cultural, não imaginava que isso existisse. E, de repente, comecei a sentir... quando estava nessas situações, comecei a sentir vontade de fugir e de enganar. Ficava quieta e só pensava “onde é a porta de saída?”, queria fugir, não queria estar lá de jeito nenhum. Depois que passou a vontade de fugir, veio a vontade de enganar, eu falava “ponho uma bomba aqui e eles vão ver o que é bom”. Eu comecei a virar uma coisa e comecei... Depois comecei a compreender o que era isso: é que você não consegue, em festivais internacionais... Hector está aí, pode me dizer, festival internacional é uma espécie de Fórmula 1 com Fenit [feira internacional  de indústria têxtil, moda e acessórios que acontece anualmente em São Paulo].

[risos]

Ana Carolina: Milhares de pessoas, tudo acontece ao mesmo tempo, todos os cineastas realizadores têm um suporte das empresas, das produtoras, da imprensa. E, de repente, você percebe que você está lá, da primeira ou, talvez, última vez, que seu filme vai passar hoje e você tem que agir, fazer alguma coisa para que ele passe e seja visto. Você tem que dar existência a você mesmo, porque ninguém vai te dar, então você agarra os jornalistas pelo paletó, se arrasta pelos corredores, põe papel em todos escaninhos do hotel e é uma luta para você conseguir um espaço. E você vai morrer na praia, porque grande parte das pessoas que está lá não sabe da sua existência, não viu seu filme. Seu filme vai ficar no rolo de todos os outros. Pode acontecer e você sempre aposta nisso, também, como uma índia boliviana, fala assim “pode acontecer que, de repente, um produtor passe pela porta e ele ouve um som e vê uma imagem e se interessa e me chama e descobre que eu sou gênio”. Você fica com isso na cabeça, mas todos esses sentimentos, evidentemente, são próprios de quem está inadequado em uma situação de cinema internacional, de comércio internacional, de um negócio. Você é um camelô, entendeu? Você tem que gritar pra vender e pode ser tirado dali a qualquer momento.

Caio Túlio Costa: De que ano exatamente você está falando?

Ana Carolina: Ah, eu estou falando desde 76...

Caio Túlio Costa [interrompendo]: Desde 76.

Ana Carolina: É, 83, 84. Quer dizer, com o tempo, isso tudo depois você assimila, você aprende, mas demora para você aprender que não basta fazer um bom filme, demora para você aprender que não basta você ser uma pessoa sedutora, demora você para aprender que não basta ser diabólica. Se você quiser sobreviver, você tem que ter suporte do setor, ele tem que existir, não é?

Caio Túlio Costa: E o papel do Estado?

Ana Carolina: Qual era a segunda pergunta?

Caio Túlio Costa: Qual é o papel do Estado nisso? Não está na hora de se libertar desse carma?

Ana Carolina: Eu acho que está na hora de se libertar, são palavras. O que será que quer dizer "hora de se libertar"? Sim, claro, está na hora de se libertar. Agora, não existe nenhum cinema liberto do Estado, não existe no mundo nenhum cinema liberto inteiramente de mecanismos de proteção e, muito menos, existem alguns cinemas no mundo tão libertos quanto o nosso, solto no espaço, que nem mercado tem...

Caio Túlio Costa: De proteção, eu concordo, mas não tão vinculado, quanto o nosso foi, ao problema do financiamento mesmo, não é?

Ana Carolina: Eu acho, eu acho...

Caio Túlio Costa [interrompendo]: Diferente, o cinema americano é diferente, por exemplo, sem discutir, assim...

Ana Carolina: Sim, o cinema americano não tem uma Embrafilme, mas ele tem coisas muito mais potentes do que a Embrafilme, porque, nos Estados Unidos, o americano, o Pentágono, o governo sabem que o cinema lá é a quinta economia, eles investem e o cinema faz a cabeça do mundo, continua fazendo. Tem uma boca eletrônica desse tamanho [gesticula com as mãos] que vai comer imagem nos próximos dez anos como nunca comeu na vida – cabo, vídeo, TV – e eles têm consciência disso. O Brasil está por um fio. Como diz o Aníbal [Massaini], ou a gente tem consciência de que a gente pode ser produtor ou a gente vai ter a amarga consciência de que teremos só consumidores, compraremos. Agora, para a gente passar a produzir, ter mercado e existir, não adianta se não tiver... Pode ter o organismo do Estado, sim, que não precisa se chamar Embrafilme, que pode ser menor, que tem que ter correção de rota, pode trabalhar com vários tipos de mecanismos de suportes: avanço sobre a receita, distribuição, produção, intermediários de captação. Agora, leis e uma âncora que penetre profundamente no território brasileiro e agüente turbulência econômica junto conosco tem que ter. Não precisa ser 100% do Estado; agora, que a reformulação das leis tem que haver, que a sociedade tem que compreender que sem cinema não vai dar, porque se ficar sem cinema nós vamos ficar muito piores... E o Estado tem que botar um aparelho de prospecção e segurar a barra ali...

Caio Túlio Costa: Mas nós estamos sem cinema há dez anos.

Ana Carolina: Nós estamos sem cinema há dez anos, o que vale dizer que, também, a Embrafilme, até 90, tal como ela estava, não adiantava. Ela deveria ter se modernizado, se atualizado, e se preparado para não ter a colisão de rota que teve, queda livre, não é? Isso foi um problema que nós, agora, enfrentamos como poucas... Nem a gente imaginou, entendeu?

Caio Túlio Costa: Só queria saber, simplesmente, se você vislumbra saída fora do aparelho do Estado. E, se vislumbra... E tenho a impressão de que você esta fazendo um pouco disso, quando você vai buscar financiamento lá fora, parece que você tem dois produtores para o seu próximo filme...

Ana Carolina [interrompendo]: É, eu estou tentando a França e a Inglaterra...Vislumbro saídas de mecanismos de suporte, mas acho que tem que ter um...

Caio Túlio Costa [interrompendo]: Uma âncora...

Ana Carolina: Uma âncora. Tem que ter. Pode ser... Não importa o percentual, mas tem que ter uma legislação firme, tem que ter uma vontade política. A vontade política pode se chamar nova Embrafilme, não precisa nem que exista um órgão. Se existir a vontade política, de fato, que consiga pegar a sociedade brasileira e transformar a vontade política em fatos reais e modernização das leis, fica bom.

Heródoto Barbeiro: Ana, quero dizer que você acabou de responder à pergunta do nosso telespectador, senhor Mário Pamplona, aqui de São Paulo, e que você respondesse agora ao Aníbal Massaini.

Aníbal Massaini: Ana, diante desse quadro que você acaba de desenhar, que perspectiva otimista te move [para] reunir tantas energias para se dedicar a um novo projeto? E mais, que perspectiva otimista você consegue ver para sua carreira, como uma das cineastas mais consagradas deste país, e para aqueles que desejam fazer cinema no Brasil?

Ana Carolina: Olha, Aníbal, para falar a verdade, eu não tinha nenhuma esperança. A gente batalhou junto desde 1990 para cá. Por um momento, achei que minha carreira tinha ido para o espaço, nem tinha vontade mais. A vontade está voltando, é lógico que só sei fazer isso, é evidente que eu vou fazer isso, Deus queira que eu faça um bom filme. Agora, você pergunta como a gente chega lá, é isso que você me perguntou?

Aníbal Massaini: Não, acho que é mais do que isso. A gente, quando se propõe a desenvolver um projeto com essa magnitude... Você faz contatos não só no Brasil como no exterior, você desperta o interesse de quatro grandes atrizes em busca de um grande papel, de um grande personagem feminino e você faz uma análise desse quadro que nós enfrentamos hoje, ou já de algum tempo,  no Brasil, para realizar algum projeto. E você tem consciência plena das dificuldades, dos percalços que você vai enfrentar, mas deve ter algo mais forte que te move a enfrentar tudo isso, com a certeza de que você ambiciona uma coisa que seja gratificante ao longo desse processo.

Ana Carolina: Que é a vontade de criar! Pensei que, com a idade, ela acabasse, mas ela aumenta, a vontade de criar aumenta e vem acoplada também a uma necessidade, a subsistência. Quando você tem a consciência clara de que você não sabe fazer outra coisa, de que você não tem dinheiro para sobreviver, de que você vai ter de continuar na arena, isso tudo te dá uma vontade imensa de, de novo, fazer um bom filme, e aí você entra por um caminho – que você sabe muito bem qual é –, você avança no escuro em direção à vontade. Quer dizer, você procura a vontade e você acha o filme, você procura o filme, você acha a vontade. E você não consegue parar. Se parar agora, é pior, não é, Aníbal?

Aníbal Massaini: Eu não sei, acho que, talvez, em um momento de reflexão... Porque a gente tem falado muito da crise no cinema brasileiro, a gente tem falado muito desses percalços, dessas dificuldades de um novo modelo, mas acho também que a gente não pode deixar de lado, esquecer a trajetória que o cinema brasileiro já teve. O Brasil já produziu ,ao longo de várias décadas, mais de 100 filmes por ano, o Brasil já esteve inserido entre os cinco países mais importantes da produção mundial, o Brasil conquistou mais de 400 prêmios internacionais e de grande repercussão. Quer dizer, acho que, quando a gente pensa nessas dificuldades, a gente tem também, no inconsciente, uma coisa que se materializou no tempo, uma coisa que a gente foi capaz de fazer, ou seja, os resultados econômicos já existiram, os resultados artísticos já existiram. Evidentemente que a gente não pode desenhar um projeto só olhando para trás, mas a minha pergunta tinha esse sentido, quer dizer, enfrentar essas dificuldades, nesse momento, significa também a perspectiva de atingir esses resultados que nós já conquistamos – você, pelos filmes maravilhosos que realizou –, esses filmes tiveram também uma boa receptividade por parte do público. Quer dizer, esse projeto entra em um momento, assim, de uma tentativa de um salto ou entra em um momento de realizar mais um trabalho?

Ana Carolina: Não, não...

Aníbal Massaini : O que tem de significado para você?

Ana Carolina: Não, a necessidade de prosseguir, o afeto, o afeto pelo cinema brasileiro que nós conhecemos lá atrás e que a gente quer, de alguma maneira, [trazer] isso [de] volta. Também não dá para prosseguir como está, o salto tem que se dar, a gente tem que ter parceiros internacionais, não adianta: tem que ter. E, mais do que ter parceiros internacionais, a gente tem que provar, de novo, para nós e para a sociedade que a gente é amado aqui e lá fora...

Aníbal Massaini [interrompendo]: Mais um vestibular?

Ana Carolina: É, mais um vestibular. Eu acho que a gente vai conseguir, porque – só para pegar o gancho dele – nós nunca estivemos tão soltos no espaço e tão livres e tão capazes como estamos agora. Porque essa crise foi tão vertical  – e crise, em chinês, quer dizer caminho –, essa crise é a crise que vai nos mostrar um caminho que poucos países têm. Poucos países têm a chance de poder fazer um cinema absolutamente. Nenhum de nós tem rabo preso, a gente pode fazer o filme que quiser, com o roteiro que quiser, com o assunto que quiser e vai vingar, porque todos nós estamos presos na perspectiva de mostrar a saída, senão a gente morre – e não vai morrer.            

Heródoto Barbeiro: Ana, antes de passar para o Evaldo, queria que você respondesse o seguinte: nós temos três telespectadores aqui, o senhor Eduardo José Elau, de São Paulo, senhor Adão Bacari, de Leme, no interior de São Paulo, e senhor Paulo Leite, de São Paulo, e os três aqui fazem uma pergunta que, de certa forma, é quase uma crítica ao cineasta brasileiro... 

Ana Carolina [interrompendo]: Lógico...

Heródoto Barbeiro: Que é o seguinte: "Quando é que o cineasta brasileiro vai se preocupar em agradar ao público?" E diz o seguinte, as perguntas dizem que o consumidor fica muito distante disso e, às vezes, os filmes são muito difíceis de serem entendidos. Você concorda com isso?

Ana Carolina: Não. O público é que tem que agradar ao cineasta, senão o cineasta vai dar pontapé o resto da vida. Ao contrário, cinema brasileiro agradou ao público enormemente, ele é feito de ciclos. Esse espectador deve lembrar: brasileiro adorava as chanchadas da Atlântida, o brasileiro adorava o [Amácio] Mazzaropi [(1912-1981) ator, produtor e diretor de cinema, conhecido pelo caipira que representava  e que tinha como referência o Jeca Tatu - personagem estereotipado criado por Monteiro Lobato], o brasileiro se identificou com o Cinema Novo, o brasileiro se identificou com os produtos da Embrafilme, Gabriela [direção: Bruno Barreto (1983)], Pixote [direção: Héctor Babenco (1981)] etc. Houve momentos de grande encontro, o encontro não prossegue, porque o Brasil vive em uma turbulência econômica muito grande e o artista bate com a cara no muro primeiro. Os nossos ciclos de cinema são abortivos, toda vez que há um encontro nesse espelho, tem um susto posterior, todo mundo sai correndo. Demora uns anos, a gente volta. Quer dizer, acho que o cinema brasileiro tratou bem o público, trata bem o público e o público tem maltratado o cinema brasileiro. O público e a sociedade.

Heródoto Barbeiro: Evaldo.

Evaldo Mocarzel: Queria começar fazendo, assim, só um retrospecto da tua obra. Você começou com a direção do longa com Vargas, em que você, de algum modo, nesse filme, assim, "matou" [no sentido psicanalítico, simbólico, em que o pai representa castração e interdição do desejo] um grande pai da nação brasileira e depois iniciou sua trilogia sobre a condição feminina. São três filmes em que você soltou a franga mesmo, de algum modo exorcizou seus fantasmas todos. Você fala dessa vontade de criar, de prosseguir. Queria que você falasse desse processo todo, assim, do Vargas, da trilogia sobre a condição feminina em que você exorcizou seus fantasmas... e, agora, pela primeira vez, você está exercendo o papel de ficcionista, você não está com nenhuma temática totalmente ligada a você,e queria que você comentasse esse processo, que acho que são mais de 18 anos de carreira.

Ana Carolina: É, foi absolutamente inconsciente. Alguns encontros meus com o cinema foram inconscientes. Quando fui fazer o Getúlio, nunca tinha imaginado que o Getúlio, simbolicamente, para mim, viesse a ser um encontro com o pai, o poderoso, o que manipula o poder, o que dá ordens, o que dá limites. Na verdade, quando eu fui partir para o Getúlio, eu estava fazendo uma coisa meio que de socióloga: eu ia falar sobre o Getúlio e, de repente, eu comecei a pegar o material do DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda, criado em 1939 pelo então presidente Getúlio Vargas com o objetivo de difundir a ideologia do Estado Novo e controlar a oposição por meio da censura aos meios de comunicação] e o material da agência nacional e o material da família do Vargas. E comecei a entrar em um barato com aquela figura, me apaixonei enormemente pelo Vargas. Consegui distinguir o Vargas até 46, ditador, nazista e, de repente, o Vargas de 50, que já era o Vargas da minha infância, portanto: um homem generoso, um homem pontuado, um homem quase de esquerda em alguns momentos. Eu me apaixonei enormemente pelo Vargas, me apaixonei pelo Brasil e, conforme eu fazia aquele filme – era a primeira vez que eu tinha na moviola [equipamento de edição cinematográfica] 90 minutos de material, eu nunca tinha trabalhado com 90 minutos do ponto de vista dramático –, comecei a ver minha infância e, evidentemente que, dramática e psicanaliticamente, tudo isso... Foi aí que nasceu o Mar de rosas (1977): foi que tive a compreensão legítima do que é ser autor, na medida em que você entra para dentro de si, com um enorme sofrimento. Mas é só o seu país que te empurra para dentro de si, nada mais te empurra pra dentro de si a não ser o seu país, nem a sua família. Porque sua família, por motivos afetivos e econômicos, te empurra para fora, quer que você vá dar certo sei lá. Agora, o país... quando você, dramaticamente, realmente identifica seu país, ele te leva para dentro de você, para a sua infância, para suas memórias, para adolescência. Aí vem o Mar de rosas, quando eu...

Evaldo Mocarzel [interrompendo]: Tinha o poder como tema central...

Ana Carolina: Como tema. É o meu grande gancho, quer dizer: quem manda aqui? Eu? Não. Essa foi a minha grande pergunta quando comecei Mar de rosas. Percebi que não poderia parar, a trilogia demorou dez anos exatamente, porque percebi que tinha de falar do pai e da mãe, da menina que não tem medida, da menina tirana, da menina assassina. Depois percebi que tinha que falar da adolescência sem identidade sexual e querendo desbundar o poder de uma instituição e depois percebi que queria falar do amor, do amor incondicional, do amor pelo trabalho e, evidentemente do sentimento amoroso religioso, quer dizer, isso é o Sonho de valsa. Fui de uma vez só e isso acabou, cheguei no fim, dificilmente eu vou voltar ao umbigo, graças a Deus, porque também...

Evaldo Mocarzel [interrompendo]: E esse momento agora, como ficcionista, em que você pega uma coisa totalmente distante de...

Ana Carolina: ...foi difícil, pôr uma coisa fora de mim e trabalhar uma mulher que não conheço, que imaginei. É muito difícil eu fazer elas falarem, porque sempre dramaticamente era eu que falava muito, foi difícil [as] fazer falar. E só consegui porque elas não se entendem e eu gosto muito de...  Se eu for pensar em mim como autor, eu adoro trabalhar no constrangimento, no mal-entendido, na vontade que não pode ser revelada, quer dizer, o desejo mais proibido, o impulso mais mortal, é esse que me interessa. Então, dessa vez, pude ser um autor menos apaixonado, provavelmente menos potente, provavelmente...

Evaldo Mocarzel: Mais cerebral?

Ana Carolina: Mais cerebral.

Heródoto Barbeiro: Ana, você acabou de responder ao fax do nosso telespectador, senhor Mauro Oliveira, que está vendo você em Monte Belo, interior de Minas Gerais. Você falou, agora há pouco, do filme Sonho de valsa. O [Caio] Túlio lembrou a participação da empresa privada. A Lacta bancou o filme ou não?

Ana Carolina: Não.

Heródoto Barbeiro: Tem o nome do bombom?

[risos]

Ana Carolina: Eu tive uma enorme briga com a Lacta [empresa que poduz o bombom Sonho de Valsa].

Heródoto Barbeiro: Brigou?

Ana Carolina: Primeiro, queria que ela pagasse uma parte, afinal... Mas o Sonho de Valsa, o bombom, na verdade, é uma valsa de [Oscar] Strauss [(1864-1949) compositor e maestro alemão], quer dizer, é um nome de domínio público...

Heródoto Barbeiro: Você chegou a conversar com o pessoal da Lacta sobre isso?

Ana Carolina: É, eu fui e tem um episódio bastante interessante, o Adhermarzinho...

Heródoto Barbeiro: Adhemarzinho é o dono?

Ana Carolina: É, o dono...

Heródoto Barbeiro: Doutor Adhemar de Barros.

Ana Carolina: Enchi tanto ele, expliquei tantas vezes para ele o que eu queria – e ele certamente entendeu –, mas um dia ele me falou assim: “Olha, a senhora está me aborrecendo, por favor, saia da minha sala”. E não consegui. Não tenho muito talento de venda, mas foi assim: não consegui.

[risos]

Heródoto Barbeiro: Suzana, por favor.

Suzana Amaral: Ana, seus filmes sempre se caracterizaram pelo hermetismo e por uma linguagem narrativa difícil, bem própria de alguns filmes da década de 1970. Você pensa em mudar seu discurso cinematográfico, revê-lo para uma narrativa mais clara e mais compreensiva?

Ana Carolina: Ele já mudou, Suzana. Nem que eu não queira, nem que eu não filmasse, eu não filmo há muito tempo, quer dizer, não faço um filme meu há seis anos. Mas, evidentemente, como disse, a trilogia acabou, eu parei de falar de mim, acabou. Vou filmar diferente.

Suzana Amaral: Mas você pode continuar falando de outros assuntos, de outros, vamos dizer da Sara [Bernhardt], de outros, mas de forma hermética e pouco clara, digo, em uma narrativa clara, entendeu?

Ana Carolina: Não, você fala de uma narrativa linear...

Suzana Amaral: Isso, exatamente...

Ana Carolina: Essa eu jamais terei.

Suzana Amaral: Uma narrativa mais compreensível para o público em geral.

Ana Carolina: Jamais terei, vou falar de uma coisa sempre no meu estilo, no meu ritmo, com meu corte, com meu humor. Pode ser que o que eu vá falar não seja tão complicado como aquilo que eu já tentei falar, mas tenho a impressão de que as minhas frases, a minha literatura é...

Suzana Amaral [interrompendo]: Eu digo... estou falando em termos da linha narrativa, entendeu? Da narrativa cinematográfica...

Ana Carolina: Linear não vou ser, ao contrário. Eu não vou ser tumultuada, porque esse tumulto que os meus filmes têm também era uma coisa de quando eu era mais criança, jovem, mais atabalhoada, acho que não haverá tumulto. Agora, terá mal-entendido, terá problemas de entendimento – “o que será que ela quis dizer?” –, isso vai ter, isso vai ter, porque também é o seguinte: a gente não mexe em time que está ganhando. Não sou vencedora absoluta, também não sou perdedora. A derrota e o fracasso e a vitória a gente embrulha. Gosto de filmar assim, gosto de ser assim, eu me identifico assim e, bem ou mal, o público jovem adora meus filmes. O público que vai de 30 para frente não gosta, isso eu sei, mas é assim que eu sou.

Heródoto Barbeiro: Ana, nossa pergunta agora do Christian, por favor, Christian.

Christian Petermann: A pergunta é em duas partes. O texto que você publicou seis de novembro no Caderno 2 [do jornal O Estado de S. Paulo] se abre com uma frase de Guimarães Rosa, essa frase... Primeiro, no texto, você fala que o cinema é o espelhamento de uma nação, e [usa] a frase de Guimarães Rosa [que] desenvolve a idéia de você assumir o seu interior ou, vamos dizer, um país assumir o seu mundo pequeno para poder desvencilhar-se dele e sair, crescer para o mundo exterior, para o Primeiro Mundo ou qualquer coisa assim. Primeiro, eu queria saber: para você, o texto de Guimarães Rosa – talvez em específico Grande sertão: veredas [1956] –...qual o poder do texto ou, proveniente desse poder, o perigo do texto? Para exemplificar, evoco uma cena em Das tripas coração em que o professor [o ator] Antônio Fagundes fala em um momento, não me lembro exatamente qual, em abolir ou em proibir Grande sertão: veredas e [a atriz] Miriam Muniz reage falando: "Graças a Deus".  

Ana Carolina: Sei, sei...

Christian Petermann: Então, a primeira parte é isso: qual seria o poder do texto cultural, a idéia cultural que Guimarães Rosa defende, que você acha interessante e combina com você e talvez [seja] até perigoso? E, numa segunda frente, no filme Páscoa em março, você vai colocar a Sara Bernhardt em contato com três mineiras do interior, sem cultura, sem o contato com a civilização, entre aspas. E aí você diz que o tema principal do filme talvez seja o abismo do conhecimento, a não-conversa entre uma tribo perdida no tempo e no mundo e uma pessoa civilizada. Você afirmou que, nesse filme, não vai fazer um paralelo com o Brasil atual, ao mesmo tempo você diz que nós precisamos conhecer o nosso eu, o nosso passado, as nossas falhas, nossas deficiências para podermos crescer. Você não acha que esse abismo de conhecimento, esse buraco entre Primeiro Mundo e, digamos, Terceiro Mundo, ainda persiste até hoje e, nesse sentido, o filme poderia ser lido como, também, um paralelo com o Brasil atual? Então a primeira parte, Guimarães Rosa.

Heródoto Barbeiro: Então, vamos ver a primeira parte, porque vamos ter um intervalo logo depois, depois nós voltamos e você faz a segunda parte, senão vai ficar muito em cima. Por favor, Ana, nós gostaríamos de que você resumisse isso...

Christian Petermann: Então a força, qual é a força que você vê no texto de Guimarães Rosa, qual a identidade você tem com ele culturalmente? Usando também a cena...

Ana Carolina: Eu sou absolutamente apaixonada pelo Guimarães, pela linguagem do Guimarães, pelas palavras que ele usa, como ele usa. Cada momento do Guimarães é um pedacinho de Brasil, de Minas que vai encaixando e isso eu acho uma beleza. Quando ele fala que o sertão está dentro de nós ["Sertão é dentro da gente", frase do romance Grande sertão: veredas], tem que entrar dentro de nós, quer dizer, eu sou uma pessoa, eu tenho horror da imutabilidade, e eu identifico de longe, eu tenho umas antenas, eu tenho uma enorme identificação pelas pessoas - eu tenho identificação e tenho horror - pelas pessoas que não querem mudar. Meu trabalho em cinema, do ponto de vista humano, minha função nesta vida é ajudar a mudar, que só assim a gente caminha para o autoconhecimento quanto mais não sei. Quando a Nair Belo, no Das tripas coração, se refere ao Grande sertão: veredas, e ela fala [que] "graças a Deus" nunca leu. É nesse sentido, quer dizer: “Graças a Deus, tudo vai ficar como está e nada mudará”, que é um horror, que são as pessoas que matam as pessoas que criam. Elas preferem matar quem cria e a sociedade brasileira está um pouco assim, prefere matar a paulada quem vem com uma idéia nova do que ouvir e levar adiante, isso se refere ao Guimarães e ao Guimarães dentro do Das tripas.

Christian Petermann: Certo!

Ana Carolina: E a entrada dentro de si mesmo. Só dentro de si mesmo você vai ter respostas novas e vai ser amado ou detestado.

Christian PetermannPerfeito.

Heródoto Barbeiro: Ana, nós vamos então fazer um rápido intervalo...

Ana Carolina: Também já esqueci a outra.

Heródoto Barbeiro: Depois faremos sua segunda parte. Bem, nós vamos a um rápido intervalo do Roda Viva de hoje que entrevista a cineasta Ana Carolina. Nós voltamos já, já.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: E nós voltamos no Roda Viva de hoje, entrevistando a cineasta Ana Carolina [...] Ana, antes de voltar à segunda parte da pergunta do Christian, você falou agora há pouco que fez aí um filme a respeito da figura do Getúlio Vargas, até distingue uma fase nazista de outra fase não-nazista do Getúlio Vargas, mas foi um dos últimos presidentes brasileiros pranteados pelo povo. O presidente Itamar parece que está saindo com um índice altíssimo de aprovação do seu governo, coisa rara também [para] um presidente da República sair assim aplaudido pela população. Você faria um filme também sobre o presidente Itamar? E, se fizesse, que aspecto você abordaria nesse filme?

Ana Carolina: Eu não faria um filme sobre o Itamar. Não faria um filme sobre Itamar, porque ele veio de vice, não veio trazido pelos braços do povo, como o Getúlio, mas se tivesse que fazer um curta...

Heródoto Barbeiro [interrompendo]: Mas ele foi eleito!

Ana Carolina: Eleito como vice.

Heródoto Barbeiro: Mas o vice é eleito para substituir o titular.

Ana Carolina: O amado era aquele tal daquele Collor [primeiro presidente da República eleito pelo voto direto após o regime militar, em 1989, pelo período entre 1990 e 1992. Renunciou ao cargo de presidente em razão de um processo de impeachment fundamentado em acusações de corrupção. Teve seus direitos cassados por oito anos e foi eleito em 2006 senador de Alagoas], mas, se tivesse que fazer algum filme sobre o Itamar, eu faria um curta sobre o topete dele e o talento galanteador, que ele vai ficar na história também por isso, contanto que não lembre agora de subir para 100% o salário mínimo. Agora não, deixa para o próximo governo.

Heródoto Barbeiro: E por que não?

Ana Carolina: Eu acho que não dá, pra minha produtora não dá.

[risos]

Heródoto Barbeiro: Christian, segunda parte da pergunta, por favor.

Christian Petermann: Bom, voltando. Então, você citou Guimarães Rosa, a importância de se conhecer interiormente para crescer. Justamente nesse momento em que está assumindo um presidente com idéias, então, seria uma coisa interessante para o artista brasileiro retomar suas raízes, retomar seus valores internos, pequenos ou qualquer coisa assim, para criar uma nova cultura, para criar uma cultura para fora ou crescer. Nesse sentido, não seria talvez um reflexo inconsciente, você estar criando uma situação ficcional, onde Sarah Bernhardt conhece três mineiras do interior, provoca esse conflito de informação. Essa comunicação inexistente não é de repente um reflexo inconsciente desse processo que ainda permanece no Brasil? Nós ainda podemos nos considerar, assim, justamente inadequados com o mundo inteiro. Temos uma propaganda muito forte, a arte de publicidade muito forte, temos destaque em algumas áreas de esporte, mas, no conjunto, uma questão social, tanto de estrutura, como até acesso à nova tecnologia, nós continuamos ainda no ocaso, continuamos distantes de uma conjuntura... E você afirma que teu filme não vai ter nenhum paralelo com o Brasil atual, isso não seria um paralelo?

Ana Carolina: Não, é claro que, ao ficar pronto, nem que eu não... Primeiro, porque não é inconsciente esse encontro dramático do filme, ele é consciente. Aliás, de uns anos para cá, faço tudo conscientemente...

Christian Petermann: Certo.

Ana Carolina: ...o que é pior: dá mais trabalho. É absolutamente consciente e é evidente que, quando o filme ficar pronto, vai ser uma metáfora óbvia da falta de entendimento entre civilização e  não-civilização, conhecimento e não-conhecimento e, principalmente, consciência e não-consciência, quer dizer, o autoconhecimento lhe dá todas as boas coisas, você não se conhecer só lhe traz problemas, e isso é o Brasil.

Christian Petermann: Certo.

Ana Carolina: Isso evidentemente que é o Brasil.

Christian Petermann E não te incomoda essa...

Ana Carolina [interrompendo]: E, se você pensar, serei vítima, como sou vítima, de um gap, de um abismo tecnológico que não tem tamanho. Por exemplo, os agentes dessas atrizes às quais eu escrevi me mandam fax perguntando com que equipamento vou filmar. Aí eles põem uns nomes lá, Panavision, LS, não sei o que lá, e eu nunca vi essa câmera, eu não sei filmar com Panavision acoplada com não sei o que lá. Quer maior abismo do que esse para você fazer o seu trabalho, entendeu? É verdade, nós estamos com uma total falta de entendimento e descompasso, da informação e do mundo hoje. E, como eu disse, a sorte é que a gente é criativo e é livre, a gente vai superar, mas que tem, tem.

Christian Petermann Você acha que, no final, vai ter essa leitura metafórica? A metáfora, você afirmou uma vez que te incomoda. Comparar os... Eu trabalho com um trabalho totalmente metafórico, alegórico, cheio de imagens. Você se incomodou com essa postura, com essa pergunta, isso não...

Ana Carolina [interrompendo]: É que essas palavras todas te reduzem.                                             

Christian PetermannSão vazias.

Ana Carolina: Te reduzem, falam assim: “Ah, você é alegórica, metafórica, simbólica, não sei o que lá”. Não é bem assim, é que, como muito pouca gente... É só parar, ver, ouvir e ler, quer dizer, depois que você pára, vê e lê, você fala assim: “também passei por aí ou só eu fui índia boliviana em alguma situação no exterior?”

Christian PetermannCom certeza, não.

Ana Carolina: Com certeza, não.

Heródoto Barbeiro: Ok, Ana. A pergunta agora do Celso Masson, Celso.

Celso Masson: Você está contando com a participação de uma atriz estrangeira no seu próximo filme, seja ela Vanessa Redgrave, Irene Papas ou uma outra que pode ainda vir a aceitar esse papel da Sara.

Ana Carolina: A Madonna.

[risos]

Celso Masson: É óbvio que uma atriz estrangeira de repercussão internacional pode contribuir muito para a performance mercadológica do filme no mercado internacional.

Ana Carolina: É.

Celso Masson: Você acha que essa condição é a única para você viabilizar o filme? Quer dizer, você tem que ter isso, você tem que levar o seu filme para o exterior, ele tem que ter um público fora do Brasil ou para se pagar... já que você – logo no começo, o Hector perguntou alguma coisa – falou que mercado não existe, você acha que a internacionalização da produção é o único caminho para poder fazer cinema agora, nas atuais condições, pelo ao menos ainda sem contar com uma eventual reforma que o [presidente] Fernando Henrique possa promover?

Ana Carolina: Não é o único caminho, é o caminho de que eu, neste momento, preciso; preciso dar um salto, preciso dar um salto como cineasta, preciso dar um salto humano, preciso estar "linkada" com algumas coisas fora daqui. Não quer dizer que... se tudo que a gente está falando hoje não der certo, eu vou fazer esse mesmo filme com excelentes atrizes brasileiras, que a gente tem, com um orçamento infinitamente menor. E sentirei muitíssimo, porque sei o que significa, hoje, depois de um esforço de fazer um filme, você entrar e ficar duas semanas no [cinema de São Paulo] Belas Artes, quer dizer, você se... Essa situação de pedinte, pedinte de dinheiro, mendicância de data, mendicância de soluções tecnológicas, essa mendicância, queria parar com isso.

Celso Masson: Chega de lamúria.

Ana Carolina: Pois é. E tem um problema também: essa mendicância vicia, você se acostuma a andar de quatro, você se acostuma a cheirar buracos, você se acostuma a pegar resto. Esse negócio é muito chato e depois realmente vai ter um número de espectadores que vão dizer: “Poxa, mas vocês não melhoram mesmo, não é?”   

[risos]

Celso Masson: Só mais uma coisinha, desculpa. Você nunca dirigiu uma atriz estrangeira nos seus filmes?

Ana Carolina: Não.

Celso Masson: Mas parece que durante as filmagens de Das tripas coração (1982) houve algum episódio envolvendo a Maria Schneider [atriz francesa que ficou famosa por contracenar com Marlon Brando no filme O último tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci]. Teve uma história assim? Queria que você contasse.

Ana Carolina: Teve, teve uma história muito chata, muito fora de hora, tudo aquilo se precipitou, ela...

Celso Masson [interrompendo]: O que foi exatamente?

Ana Carolina: A Maria Schneider tinha visto não sei que filme brasileiro naquela época, não sei como começou essa história. Sei que ela me escreveu dizendo que gostaria de fazer um filme meu, aí escrevi dizendo "talvez, quem sabe?" Aí ela me ligou e disse "vou fazer", aí eu falei "que ótimo, vamos fazer". Só que ela chegou três dias depois, não tinha nada, não tinha contrato, não tinha dinheiro, não tinha nada. E ela chegou e pendurou na produção inteiramente, quer dizer, eu tive que ver um hotel para ela, um personagem para ela e, naquele momento... eu até não sei como ela está hoje, mas ela estava meio doida naquele momento, ela me criou muito problema.

Hector Babenco: Mas ela não veio para fazer o personagem da Christiane Torloni? Não estava escrito já esse personagem?

Ana Carolina: Estava escrito, mas quando ela disse “chego depois de amanhã”, falei “bom, não tem tu, vai tu, ela vai fazer esse personagem mesmo” e, graças a Deus que declinei da imposição, porque fiquei com medo de que ela desse pontapé na câmera, derrubasse a câmera, ela estava louca mesmo...

Celso Masson: Mas isso não te dá um pouco de medo, de repetir esse feito?

Ana Carolina: Olha, o medo é uma coisa de que a gente tem que falar bastante, porque, quanto mais a gente fala do medo, mais ele desaparece. Eu tenho medo rigorosamente de tudo, eu tenho medo de não conseguir o dinheiro, eu tenho medo de conseguir o dinheiro, eu tenho medo que atriz aceite, eu tenho medo que a atriz não aceite, eu tenho medo de fazer um filme bom, tenho medo de fazer um filme ruim, mas eu tenho que falar tudo isso, porque tudo isso vai...

Evaldo Mocarzel [interrompendo]: E você também tem medo de contar como é que a Vanessa Redgrave te telefonou às seis da manhã...

Ana Carolina: Tenho...

Evaldo Mocarzel: Parece uma cena de cinema, acho que seria legal você contar isso, que você estava sonhado com ela, conta isso, acho que é legal.

Ana Carolina: A coisa da Vanessa se deu da seguinte maneira: estava na pista dela, consegui o endereço dela e mandei um roteiro em inglês. Nem sei se estava bem traduzido, enfim, mandei o roteiro. E, uma noite, estava dormindo e estava sonhando, sonhei que eu estava dirigindo a Vanessa, ela estava um lugar com um muro, com uma roupa verde – claro, linda – e eu dirigindo ela. Para subir no cavalo, mostrei a ela como eu queria que subisse no cavalo. Ela subiu no cavalo, olhei e falei “vamos filmar”, vim para trás. Quando eu volto para ela, ela fala “não, não é assim, vou subir de novo”,  sobe de novo no cavalo e, nesse momento em que ela sobe no cavalo, o cavalo se transforma em ferro, pára. E, nesse momento, toca o telefone, de manhã. Eram seis da manhã, atendo o telefone e era a Vanessa no telefone. Quase morri e ela falou...

Hector Babenco [interrompendo]: Ela não te disse que estava sonhando com você, não?

[risos]

Ana Carolina: Ela falou “pára com essas histórias de cavalo.”

[risos]

Ana Carolina: Não, ela falou que tinha gostado do roteiro, para procurar o agente dela, até logo, passar bem. Eu tive um péssimo dia.

Heródoto Barbeiro: Você falou agora que tem medo de que seu filme fique bom, como assim?

Ana Carolina: Tenho, tenho medo de tudo, nesse momento hoje. Como é que um cirurgião se sentiria momentos antes de abrir a barriga de alguém, se ele não tivesse aberto a barriga de ninguém durante seis anos? Como será que ele ia fazer aquela cirurgia?

Ivana Bentes: Ana, e esse intervalo...

Ana Carolina [interrompendo]: É isso! 

Ivana Bentes:...muito tempo que você fica sem filmar, cinco, seis anos, isso não cria certa ansiedade? Você vai criando experiência, idéias, de repente quer jogar tudo aquilo na tela. Então, parece que vai resolver todos os problemas do país, existenciais, você joga tudo de uma vez em um filme só, tem essa coisa, um acúmulo, uma entressafra e, de repente, bum, você quer...

Ana Carolina: A gente fica doente...

Hector Babenco: Que culpa tem o paciente? Quero dizer, o telespectador.

[risos]

Ivana Bentes: Não, são vários filmes assim: um romance do Sérgio Bianchi que tem essa coisa, alguns filmes do Jabor têm essa coisa: de repente, eles pegam com toda questão, um contexto social, pegam uns fantasmas existenciais, querem resolver tudo em um único filme, porque parece que pode ser o último deles.

Ana Carolina: E pode mesmo, pode mesmo...

[...]: Ana e você não tem medo?

Ana Carolina [interrompendo]: Esse é problema é um grande problema.

Ivana Bentes: Essa ansiedade que você, a cada filme...

Ana Carolina: Isso é fruto, tudo isso é fruto de um país-menino, de um país-criança, porque, se o Brasil não fosse tão criança e tão perverso, todo mundo trabalharia sempre.

Ivana Bentes: Sempre.

Aníbal Massaini : Ana, você não tem medo de confessar isso e afugentar um possível investidor do seu filme?

Ana Carolina: Não, não porque eu acho que as pessoas que ganham dinheiro e têm consciência desse país têm medo de que o país fique do jeito que está. E eles têm que saber que o país só vai ficar diferente do jeito que está, se eles contarem com gente que cria, com a arte e com a cultura, que é a única coisa que faz o país virar um país adulto.

Caio Túlio Costa: Ana, queria fazer uma pergunta sobre seu filme...

Suzana Amaral [interrompendo]: Você acha que investir no seu filme é um bom negócio? Fale um pouco sobre isso.

Ana Carolina: Investir em qualquer filme é um bom negócio.

Suzana Amaral: Mas no seu, especificamente, podia...

Ana Carolina: Acho que sim, porque atrás do meu virão outros e não posso acreditar em uma lei de benefício na qual o cara, uma empresa dispõe, ao longo de um ano, de 300 mil dólares... Esses 300 mil dólares iriam parar em um lugar muito pior que na tela, muito pior. A tela é um ótimo lugar para pararem 300 mil dólares.

Suzana Amaral: Fale um pouquinho mais sobre isso, como você se estivesse se dirigindo a um possível investidor do seu filme, convença-o.

Ana Carolina: Eu não posso dizer isso. Sabe por quê, Suzana? Tenho errado nesse personagem, não sou um bom vendedor, não sou mesmo um bom vendedor.

Ivana Bentes: Ana, você não é uma mulher de negócios?

Ana Carolina: Não, talvez eu seja uma boa cineasta, uma boa amiga, uma boa amante...

[...]: Uma boa amante...

[risos]

Ana Carolina: Mas, certamente, não sou um bom vendedor.

Heródoto Barbeiro: O Caio quer fazer uma pergunta. Pois não, Caio.

Caio Túlio Costa: Queria saber, Ana, queria que você dissesse para a gente que cinema que você vê hoje, quer dizer, de que filme, cineasta você gosta hoje?

Ana Carolina: Por que você lembrou de fazer isso? Para me tirar da onde eu estava?

[risos]

[Todos falam ao mesmo tempo]

Evaldo Mocarzel: Estou entendendo, acho que ela está mandando muito bem.

[...]: Também acho...

Ana Carolina: Eu também acho.

[risos]

Suzana Amaral: Acho que nós estamos dando uma chance.

Ana Carolina: Eu vou tentar. Quais são os filmes que eu vejo hoje? Eu tenho muito problema...

[...]: Ela não vai responder.

[...]: Você não gosta de ir ao cinema?

Ana Carolina: Tenho muita aflição de entrar em uma sala escura. Quando entro no cinema, automaticamente, na minha onipotência, dali a alguns minutos acho que fui eu que fiz aquele filme. Aí eu falo “não está boa a mixagem, não está boa, o letreiro não saiu certo. Ela entrou errado, entrou pela esquerda em vez de entrar pela direita”, pronto. E demoro mais ou menos meia hora para ter a certeza de que não fui eu que fiz, aí tudo bem. E sempre prefiro ver filmes que não tenham shows tecnológicos, porque no show tecnológico fico de novo "boliviana". Eu falo assim “meu Deus do céu, como ele fez aquele negócio em que sai o fogo e ela escorrega e não sei o que lá?”. E falo "como é que ele fez isso?" e perco a história, perco tudo.

Hector Babenco: Acho que é mais profundo do que isso...

Ana Carolina: Talvez seja...

Hector Babenco: Acho que você não quer se deixar poluir pela imagem contemporânea, pelo que o cinema tem se transformado em termos de imagem nos últimos dez anos. E, como uma espécie de mecanismos de autoproteção, de autopreservação, você prefere não ver filmes, você prefere se manter fechada em si mesma, onde seu universo possa transpirar, possa fermentar, possa ser destilado. E acho que aí está sua beleza, tua pureza e teu poder.

Ana Carolina: Você sabe, Hector, que eu acho que você tem razão também? Pelo seguinte: a gente tem uma componente de inveja tão grande...

Hector Babenco [interrompendo]: Mas a inveja é boa, porque a inveja estimula a capacidade de ser melhor...

Ana Carolina: Fico com inveja de alguns filmes que vejo, que eu falo...

Hector Babenco: Mas todo mundo tem...

Ana Carolina: Eu poderia solucionar isso assim. Então, tem momentos em que não quero nem ver e também sou uma pessoa que fica extremamente intoxicada de maus filmes...

Hector Babenco: Eu sei...

Ana Carolina: O bom filme nunca lembro; o mau filme, as más imagens eu fico...  É aquela história: quem está mais perto de Deus? O diabo, certamente. Porque Deus pensa nele o tempo inteiro, fala "não me venha com esse negócio aí". O mau filme intoxica e os filmes de hoje, de show tecnológico, me intoxicam enormemente. É um mecanismo de proteção.

Hector Babenco: Mas sinto que você precisa ser humilhada pelo show tecnológico para poder se afastar de cinema. Acho que isso é um dado comportamental seu, não cabe a nós julgar, dizer se é certo, se é errado. Eu acho que o seu manancial funciona dentro desse tipo de transparência, a sua água é essa. É não tem nada a ver...

Ivana Bentes: Ele falou de pureza, mas acho que ela tem um diálogo muito bom com a cultura de massa, com os clichês, com a televisão, reprocessa isso de uma maneira muito interessante, muito pessoal e que não está afastada dessa cultura de massa...

Ana Carolina [interrompendo]: E também é outra coisa, sabe, aquela mãe...

Hector Babenco[interrompendo]: Mas ela trabalha em nível de paródia, ela não trabalha no nível naturalista...

Ivana Bentes: Mas já é um diálogo, é uma reação...

Hector Babenco: É, mas é...

Ivana Bentes: E até de purificação também, nesse sentido...

Ana Carolina: Só para responder um pouco sobre ele...

Aníbal Massaini: Não se resume ao show tecnológico...

Ana Carolina: Claro que não...

Aníbal Massaini : Você tem centenas de... 

Ana Carolina: Eu adoro o cinema europeu.

Hector Babenco: E, por exemplo, essa Panasonic e esse SL que você mentiu em uma conversa com alguém, não é você que vai ter que dar...

Ana Carolina [interrompendo]: Claro que não...

Hector Babenco: ...apertar um botão, vai ter um profissional que vai te colocar lá, em cima de um tripé, e você vai olhar...

Ana Carolina: Claro...

Hector Babenco: ...pelo mesmo buraquinho...

Ana Carolina: Claro...

Hector Babenco: ...que você sempre olhou e você vai enquadrar do jeito que você quis, quer dizer, não há essa...

Ana Carolina: Não. É sempre o primeiro combate...

Hector Babenco: Acho que a gente precisa se assustar para crescer...

Ana Carolina: É...

Hector Babenco: Eu acho que ninguém tem se assustado a si próprio melhor do que você...

Ana Carolina: Eu sou [um] perfeito trem-fantasma ambulante.

[risos]

Ana Carolina: Só para responder um pouco mais, é o seguinte: tem mães que detestam crianças, só gostam dos filhos. Eu sou mais ou menos assim, talvez eu deteste todos os filmes e só goste dos meus. Porque, às vezes, não quero ver outro filme, não é que só queira ver o meu: demoro, sou muito resistente para ver outro filmes e, no entanto, adoro filme europeu e algumas coisas do cinema americano, mas eu vou pouco [ao cinema].

Hector Babenco: Qual foi o último filme que você viu? 

Ana Carolina: O piano (1993) talvez .

[...]: Tem tempo.

Heródoto Barbeiro: Ana, tem uma pergunta aqui em relação ao futuro, é do senhor Francisco Melo, ele está vendo você em Rondonópolis.

Ana Carolina: Oba!

Heródoto Barbeiro: Ele pergunta a você o seguinte: "O que você prevê do governo Fernando Henrique Cardoso [presidente do Brasil entre 1994 e 2002] em relação ao cinema nacional? O que você espera do novo presidente da República, o que o novo presidente deve fazer para incentivar um pouco mais o cinema brasileiro?"

Ana Carolina: Acho que bons ares com certeza, consciência de que ele tem que atualizar ou renovar alguns mecanismos também. E, principalmente, ele será cercado de cabeças que estarão pensando no cinema. Não sei se ele vai ter um braço no Ministério do Planejamento e na Receita Federal, na minha opinião é a única coisa que ele deve fazer, um gesto dele mesmo. Isso acho que é um gesto pessoal dele.

Heródoto Barbeiro: Mas isso não é a volta daquilo que o Caio colocou?

Ana Carolina: O que acho...

Heródoto Barbeiro: Da participação do Estado, de novo? É ou não é Caio?

Ana Carolina: Não, não...

Hector Babenco: Gente, vamos parar com essa paura [medo] de intervenção do Estado, porque os jornais têm incentivos para compra de papel.

Ivana Bentes: Exatamente.

Hector Babenco: Certo, então por que o jornal pode ter algum tipo de incentivo, de benefício para comprar papel e celulose e a gente não pode ter uma legislação para fazer cinema?

[Todos fala ao mesmo tempo]

Aníbal Massaini : Não, é completamente diferente...

Hector Babenco: Por quê? Me explica um pouco melhor isso.

Caio Túlio Costa: Esse tipo de incentivo que o jornal tem... ele não paga imposto pelo papel que ele gasta. É só isso?

Ana Carolina: Mas a gente paga imposto pelo negativo...

Caio Túlio Costa: Há um investimento pelas máquinas, é um investimento brutal, o custo do papel é um custo brutal, o custo da mão-de-obra, os jornais pagam bem, pelo menos é rico...

Hector Babenco: Cinema também paga bem, trabalha com matérias-primas importadas, trabalha com equipamentos importados, com mão-de-obra sofisticada, que é excelente.

Caio Túlio Costa: Agora os jornais não vão atrás do dinheiro do governo para fazer o filme x ou y...

Hector Babenco: Mas quem disse...

Caio Túlio Costa: O jornal não precisa...

Hector Babenco: Não precisa, porque pode ter três quartas partes do volume do jornal de anúncios e propagandas...

Caio Túlio Costa: Sim, ele vende o seu espaço.

Hector Babenco: Nós não podemos... não posso parar o meu filme e fazer um anúncio do Mappin, [loja de departamentos famosa em São Paulo e que faliu] da quinzena dos tapetes, fica meio complicado...

Caio Túlio Costa: Mas você pode transformar em vídeo, isso é vendido em locadoras, isso ajuda o cinema de uma maneira geral no mundo inteiro, está ajudando também no Brasil, quer dizer, ainda existem as bilheterias, tem que se pensar e se diferenciar.

Hector Babenco: A gente não está querendo o auxílio do Estado e nem o Estado como mãe protetora, acho que tem que haver...  Primeiro, acho que a coisa está ligada ao que Ana falou antes: qual é a idéia de nação ou de identidade de nação que o presidente da República quer para o país que vai governar?

Caio Túlio Costa: Aí é outra história, tudo bem...

Hector Babenco: Se ele tiver um conceito figurativo ou abstrato do que gostaria de que o país seja, em termos de representatividade, a nível de identidade, ele poderá conduzir com uma certa habilidade e, ouvindo as pessoas que têm alguma coisa a dizer a respeito, algumas mudanças estratégicas, sutis, que poderão recriar a possibilidade de se fazer cinema no Brasil...

Caio Túlio Costa: Até aí tudo bem.

Hector Babenco: Se a gente ficar com o critério de que as leis que nós temos, que foram, de alguma forma, cozinhadas durante umas três ou quatro gestões, de quatro incompetentes ministros de Cultura que tivemos que foram figuras de adorno, de prateleiras, foram bobagenzinhas de porcelana, que nós tivemos no Ministério da Cultura, a gente estará mais uma vez escorregando na lama...

Heródoto Barbeiro: Ana.

Hector Babenco: Porque de fato... Desculpe só me alongar nisso...

Heródoto Barbeiro: Pois não, por favor.

Hector Babenco: ...porque é uma complementação. Acho que nós estamos tendo a chance de ter Ana Carolina que, talvez, é a pessoa mais representativa do cinema brasileiro e esta é uma janela muito grande, que tem um poder político, sim. Acho que a gente tem que dizer que a gente, como cineasta, não está de acordo ainda com o que parece ter sido a salvação do cinema brasileiro, que é uma série de leis abortadas, mal costuradas, mal resolvidas, de quase impossível aplicação. E que, aparentemente, soam aos ouvidos das pessoas em Brasília como “já resolvemos o problema brasileiro, demos a eles uma lei de incentivo fiscal, demos uma lei que alguém bolou também, Lei Rouanet, temos uma composição com as firmas estrangeiras que podem deduzir das alíquotas de remessa do estrangeiro”. Está tudo um grande imbróglio, esta é a verdade.

Ana Carolina: Quando falo do braço...

Heródoto Barbeiro [interrompendo]: Gostaria de que você respondesse, então, já que você provocou toda essa discussão aqui...

Ana Carolina: Graças a Deus. Quando falo do braço na Receita Federal e no Ministério do Planejamento, não é tutela, é modernização.

Hector Babenco: Claro.

Ana Carolina: É viabilização de iniciativas que estão, nesse momento... que são pecaminosas; a imagem do urubu que come e você puxa, ela é real, uma lei de benefício de um por cento é uma loucura.

Caio Túlio Costa: Mas isso é um discurso inteligente, Ana. Acho que, quando você fala isso, quando o Babenco fala o que acabou de falar, é um discurso inteligente, quer dizer, o que incomodou – incomodou a opinião pública, incomodou os formadores de opinião–, durante muito tempo, foi ver uma série de profissionais de cinema praticamente pendurados ali nas tetas do Estado. É isso que incomoda o contribuinte, em última análise, e acho que isso de que vocês estão falando é outra coisa...

Hector Babenco [interrompendo]: É que houve uma distorção muito grande...

Ana Carolina: Foi, houve...

Ivana Bentes: Essa imagem está um pouco velha, não está, não?

[Interrompida. Todos falam ao mesmo tempo]

Ivana Bentes: Essa opinião já está muito velha, não está, não, da ave de rapina, o cineasta como ave de rapina que quer passar...?

Caio Túlio Costa:  Fica velha, mas volta a cada momento e não se esquece...

Aníbal Massaini: Acho que essa questão deveria ser melhor esclarecida, porque, quando é colocada, assim, diante da opinião pública, cria-se uma imagem de que o cineasta viveu à custa de um recurso do Estado. Não é bem assim. Esses recursos que eram aplicados nas atividades, eles eram originários da própria atividade, eles nunca saíram de outra fonte de receita. O cinema brasileiro nunca viveu de lotação. O que nós podemos concordar, na análise desse sistema, é que era perverso, às vezes ele poderia ser aplicado em projetos não-qualificados, às vezes nas mãos de cineastas não tão representativos ou não tão capacitados, quer dizer, um modelo falido. Mas é preciso, de uma vez por todas, que a gente aborte essa idéia, de que o cineasta brasileiro viveu à custa do público, isso nunca existiu...

Ivana Bentes: O cineasta está parecendo marqueteiro...

Evaldo Mocarzel: Queria fazer uma pergunta: por exemplo, a antiga verba da Embrafilme era taxação em cima da remessa de lucro das distribuidoras estrangeiras...

[...]: Exatamente.

Evaldo Mocarzel: ...porque, mesmo quando essa verba era aplicada no cinema, a indústria cinematográfica brasileira sempre foi embrionária, ela nunca...

Aníbal Massaini: Não gostaria de retomar essa resposta, porque a nossa entrevistada é a Ana Carolina, mas eu vou dar um exemplo... Quando esse dinheiro não era aplicado dessa forma...

Evaldo Mocarzel [interrompendo]: Tem prêmios internacionais, fez público, muito público em um determinado momento, acho que vários filmes são recordistas de bilheteria e é sempre uma indústria embrionária...

Aníbal Massaini: Posso responder brevemente? Porque é o seguinte: esses recursos giravam em torno dessa atividade, até os selos que tinham uma boa performance de bilheteria eram agraciados com uma premiação de um percentual desses recursos, por uma política equivocada de governo. E, em um determinado momento, entendeu-se que aqueles recursos não deveriam ser colocados assim, tão democraticamente, que esses recursos concentrados em uma única empresa poderiam dar a essa empresa uma noção de poder, de dirigir aquela atividade. Então, na verdade, nós somos vítimas de um dirigismo, no sentido de que esses recursos ficavam todos diante de uma única empresa e de uma diretoria que tem o poder de escolher o que deveria ser feito e o que não deveria ser feito...

Evaldo Mocarzel: Acho que deveria haver uma comissão governamental do Ministério da Cultura, deveria...

Aníbal Massaini  [interrompendo]: Nós fizemos inúmeros projetos, que foram sempre muito bem analisados, mas, infelizmente, o Hector colocou essa questão...

Heródoto Barbeiro: Tenho várias perguntas de telespectadores para a Ana Carolina...

Hector Babenco: Não tem ninguém oferecendo verbas para o fundo?

Heródoto Barbeiro: Já apareceram, inclusive, aqui pessoas se propondo a fazer assessoria, depois vou passar tudo aqui, nosso fax, telefonemas que nós temos para Ana Carolina e é possível até que haja essa possibilidade. Mas, Ana, o senhor Valdir Batista, de São Paulo, quer saber o seguinte: se a imprensa tem atrapalhado ou ajudado o cinema nacional.

Ana Carolina: Houve um momento em que a imprensa nos maltratou enormemente, exatamente por causa disso que estava sendo discutido, saíram textos que falavam assim: que os cineastas tinham apartamentos de cobertura na Vieira Souto [avenida litorânea no bairro de Ipanema, Rio de Janeiro, cujo metro quadrado figura entre os mais caros do mundo], que os cineastas se locupletaram com a Lei Sarney [substituída pela Lei Rouanet]. Não conheço ninguém de cinema que tenha apartamentos na Vieira Souto e poucas são as criaturas de cinema que têm casa própria. Não conheço ninguém de cinema que tenha feito um filme pela Lei Sarney, ninguém! E, no entanto, a imprensa trabalhou fortemente nesse sentido. Quando, na verdade, a Embrafilme sofreu um dirigismo de um dinheiro que vinha da atividade e foi... de fato, era rota de colisão, mas só isso, não houve dotação de verbas em nenhum minuto que eu saiba, nem um minuto, nos 14 anos da Embrafilme o governo federal determinou que xis milhões de dólares iriam para a produção de cinema. Nunca, nunca houve isso...

Aníbal Massaini: Aliás, o presidente Collor teve interesse acentuado em que a auditoria feita na extinção da Embrafilme pudesse trazer à tona alguns exemplos negativos como...

Ana Carolina: E não trouxe...

Aníbal Massaini: E não conseguiu trazer nenhum...

Ana Carolina: Houve três interventores, dois liquidantes, mexeram, viraram e não aconteceu nada.

Heródoto Barbeiro: Ana, pergunta do senhor Valter Lagano, de São Paulo também. Ele pergunta o que você acha da obra do Arnaldo Jabor [cineasta, crítico e escritor carioca considerado parte da segunda geração do Cinema Novo. Dirigiu Pindorama (1970) e Toda nudez será castigada (1973), entre outros]? 

Ana Carolina: Gosto muito do Arnaldo Jabor, meu grande amigo, e acho que ele tem... todos os filmes dele eu adoro, mas ele tem grandes filmes de cinema brasileiro, picos altos de bilheteria e de qualidade. Um excelente cineasta, que está aí, navegando. Ele precisa voltar.

Heródoto Barbeiro: Ivana.

Ivana Bentes: Eu ia voltar à questão da imagem, acho que os cineastas precisam contratar urgentemente um profissional do marketing para mudar essa imagem, porque é uma coisa muito arraigada na própria imprensa. Existe uma resistência muito grande, eu estou dentro dela em relação a cinema brasileiro, eu apresento uma pauta de cinema brasileiro, as pessoas dizem “puxa, mas o cinema brasileiro morreu, acabou”.

Ana Carolina: Acho que precisaria, com o Fernando Henrique... eu adoro falar que o Fernando Henrique é um homem que pensa.

[risos]

Ana Carolina: Acho que ele precisa providenciar uma campanha. Uma espécie de campanha, uma campanha para esclarecer, uma campanha para seduzir, uma campanha para que a sociedade entre nessa...

Ivana Bentes [interrompendo]: É que eu acho que nenhum artista no Brasil teve a auto-estima tão rebaixada quanto o cineasta...

Ana Carolina: É, foi demais...

Ivana Bentes: É uma vergonha você chega a um hotel: “Você é o quê?”. Eu combino com as pessoas. “Cineasta”. Pô o cara olha assim...

Ana Carolina: A gente perdeu...

Caio Túlio Costa [interrompendo]: Você não acha que essa tarefa é mais do cineasta do que o Fernando Henrique?

Ana Carolina: Acho que a gente perdeu a função social, a gente está tentando recuperar, porque de repente é o seguinte: precisa de um diretor de cinema? Não precisa. Não precisa porque o diretor de cinema, ele não é o homem que fala: câmera aqui, câmera lá, ele é muito mais do que isso.

Caio Túlio Costa: Mas, Ana, eu não imagino, por exemplo, a minha vida sem ter visto um filme do [Luchino] Visconti, por exemplo... [(1906-1976) importante diretor de cinema italiano, dirigiu Rocco e seus irmãos, grande sucesso de bilheteria e  de crítica. Também dirigiu O Leopardo, premiado no festival de Cannes, e Morte em Veneza, uma sensível adaptação da obra do escritor alemão Thomas Mann (1875-1955)]

Ana Carolina: Certamente...

Caio Túlio Costa: Sem ter visto o [Michelangelo] Antonioni [(1912-2007) um dos mais influentes cineastas italianos do pós-guerra. Dirigiu grandes clássicos do cinema como Blow-up: depois daquele beijo e Zabriskie point]...

Ana Carolina: Certamente não...

Caio Túlio Costa: Nós precisamos de diretor de cinema assim...

Ana Carolina: Pois é, mais por um momento parecia, até na televisão brasileira, até no teatro brasileiro, que a gente não precisava de diretores. Você pode verificar que nos últimos seis anos teve um fenômeno no teatro muito interessante: todos os atores conhecidos resolveram fazer monólogos – e quem dirigia não vinham ao caso.  Eles faziam monólogos ou peças pequenas que iam para o interior ganhar dinheiro. A função do diretor, por um momento, no Brasil – um momento que eu digo, deve ser de oito anos para cá–, foi ficando apagada. O diretor que pensa o diretor que reflete, o diretor que interpreta o seu país foi ficando muito vago muito apagado. E é claro que, de repente, cresce a imagem dos diretores estrangeiros.

Caio Túlio Costa: Mas eu posso falar de um Glauber Rocha.

Ana Carolina: Pode! Não pode? Quer dizer, aquilo é um diretor de cinema, aquilo são filmes, como os filmes da Sarah são filmes, como os filmes do Mazzaropi são filmes. Eles refletem algumas coisas, muito importante só que de repente... E o Collor trabalhou muito bem nesse sentido, apagou a cara brasileira, apagou legal.

Christian Petermann: Para essa recuperação da imagem do cineasta, como um próprio telespectador falou, seria necessário o cinema talvez voltar a agradar ao espectador, aí você revidou dizendo que o espectador tem que agradar ao diretor. Acho que ele deve estar se referindo, principalmente, por exemplo, a alguns vícios do Cinema Novo, que criaram um discurso muitas vezes pouco compreensível para a massa do espectador etc. Ao mesmo tempo, vamos dizer, esse espectador, esse que ligou, talvez não esteja muito sintonizado com a rara produção brasileira atual, que está criando justamente filmes de comunicação muito fácil, filmes de entendimento objetivo. Por exemplo, a última produção do Carlos Reichenbach [considerado um dos principais diretores do cinema paulistano, participou do cinema marginal da Boca do Lixo, que propunha trocar a transgressão pela subversão, mostrando filmes sujos e niilistas]. Em 2007, lançou A alma corsária (1993), que fala do universo dele, mas fala de valores humanos muito cotidianos, muito próximos de qualquer um. Quando eu li o seu projeto para esse novo filme, centrado na figura da Sarah Bernhardt, fiquei intrigado: como você desenvolveria a narrativa do filme, como seria a estrutura? Você respondeu para a Suzana Amaral que você nunca seria linear; fiquei justamente intrigado nisso, eu sabia que não era uma biografia, mas fiquei questionando, como discurso, como “a narrativa-Ana-Carolina” ia estar presente no filme. Fiz um paralelo mental com uma outra obra, o estilo do diretor não combinando nem um pouco com você, mas são duas obras que, por coincidência, falam da visita de artistas estrangeiros ao Brasil e como essa visita provocou uma maré de péssimo azar para a vida dos dois. A Sarah Bernhardt acabou amputada e o filme a que me refiro, Nem tudo é verdade, do Rogério Sganzerla [grande referência do cinema marginal, diretor de filmes como O bandido da luz vermelha (1968) e A mulher de todos (1969), realizados na Boca do Lixo, em São Paulo], que fala da visita do Orson Welles. Depois da visita, ele começou uma fase na qual não conseguiu mais ser o diretor que queria ser, sobreviveu muitas vezes como ator em produções disparatadas, mas o diretor se perdeu depois, coincidentemente, dessa visita. Queria saber se seu discurso não-linear vai ser apenas, vamos dizer, o desenvolvimento narrativo, vai ser apenas uma ficção, uma história que você vai contar normalmente ou se, de repente, você descreve o filme como uma recriação poética ou se, de repente, você vai brincar com essa linguagem e criar – você conhece o filme do Sganzerla? - ...

Ana Carolina: Conheço.

Christian Petermann: ...criar, de repente, um filme, digamos, assim, talvez multimídia, com trechos verídicos, com trechos fictícios, com alguns delírios, algum comentário interno até sobre o próprio cinema... Se o teu não-linear, nessa brincadeira poética com o Páscoa, vai ser talvez nesse sentido ou se realmente você vá contar um história normal, ponto, mas não de uma estrutura redonda, não acabada, por exemplo, nesse não linear redondinho poderia de novo provocar problema com o espectador que quer uma história embalada, acabada, pronta para ser assistida. Como vai ser esse "não-linear"?

Heródoto Barbeiro: Essa pergunta, de certa forma, também é do senhor Flávio Mazini, que mora em São Paulo. E ele diz o seguinte: "Se você não vai mostrar o Rio da época, como você falou agora há pouco, como você vai focar essa imagem de Sarah Bernhardt no Brasil?"

Ana Carolina: Antes de mais nada, só para a gente entrar exatamente na sua pergunta, é o seguinte: você imagina o espectador que faz essa pergunta, quer dizer, é sempre bom lembrar que o Brasil saiu de uma produção dez anos atrás, 12 anos atrás, de 140 filmes [por] ano, ela passa para 80 filmes. De 1990 para cá, a produção foi um, dois filmes [por] ano. Quer dizer, não tem setor com uma produção mais baixa do que essa. Cinema, você sabe, [é] um fenômeno de quantidade, não de qualidade...

Christian Petermann: Certo.

Ana Carolina: Você não pode estar condenada ao sucesso com um filme, jamais. Então, o mercado – e o mercado brasileiro tem capacidade de suportar filme mais ou menos, filme autoral, filme de sexo, filme bom, uma enxurrada de filmes - isso aconteceria se a produção estivesse normal.

Christian Petermann: Certo.

Ana Carolina: Você tem um leque de possibilidades onde isso acontece e onde eu caberia como autor, um autor não-linear. Se você tiver, no entanto, um filme por ano e justo esse filme é um filme autoral, é um problema para o mercado. Não é problema para mim, porque sei disso desde que nasci como cineasta, mas é um problema para o público. Ele não percebe que o leque de escolha dele está reduzido a um, então ele fala “ah, mas esse um não é bom”. Claro que esse um não é aquele um que ele queria. Ele teria que ter a sua escolha, um espectador iria achar o meu bom, o do Hector bom, o não-sei-o-quê bom, ia ter os bons para todo mundo. Então, por isso dá a impressão que os autores e que os cineastas fazem os filmes sem... não-linear, é essa impressão...

Evaldo Mocarzel: Mas, dentro da realidade brasileira, como se concilia filme de ator e indústria, assim? Gostaria...

Ana Carolina: Não é indústria.

Evaldo Mocarzel: Indústria no sentido de produção, produzir em série.

Ana Carolina: A gente tem que caminhar para isso.

Evaldo Mocarzel: Tem pessoas produzindo...

Hector Babenco: Quem?

Evaldo Mocarzel: Tem uns dez filmes em produção.

Hector Babenco: Não tem...

Ana Carolina: Não tem...

Evaldo Mocarzel: O Cacá [Diegues] vai rodar a Tieta agora, você vai rodar o seu filme...

Ana Carolina: Vai rodar...

Evaldo Mocarzel: Digamos, tem vários projetos que estão saindo da gaveta.              

Hector Babenco: Tudo futuro imperfeito.

Ana Carolina: É tudo futuro imperfeito.

Evaldo Mocarzel: Sim, mas vamos dizer, vocês são dois autores, como vocês vão pegar um roteiro, vocês querem colocar coisas além do mero entretenimento dentro de uma realidade de mercado, então, brasileiro ou internacional...

Ana Carolina: Não, quer ver, do lado do meu filme deveria existir um filme de surfe, um filme urbano, um filme da violência, precisava existir isso...

Christian Petermann: Você não vai atenuar teu discurso, você não vai atenuar sua opção?

Ana Carolina: Para eu poder existir, é necessário que existam outros filmes, senão estou condenada a não ser amada ou ser amada por uma minoria, entendeu?

Heródoto Barbeiro: Agora, Ana...

Ivana Bentes: Agora... a expectativa que se criou em torno do Terceira margem do rio [(1994) adaptação dos contos " A terceira margem do rio","A menina de lá" e "Os irmãos Dagobé", todos retirados do livro Primeiras estórias (1962), de Guimarães Rosa. O filme fala da difícil adaptação de uma família do interior à periferia de uma grande cidade], do Nelson Pereira [dos Santos, grande referência do cinema brasileiro. Estreou em 1955, com Rio 40 graus, longa metragem proibido pela ditadura militar, considerado o precursor do Cinema Novo. Também dirigiu Vidas secas, filme que ganhou o prêmio OCIC do Festival de Cannes, e Memórias do cárcere, baseados nas obras homônimas de Graciliano Ramos] foi um pouco em cima disso, queriam que fosse a salvação do cinema nacional, que desse bilheteria, que resolvesse todos os problemas, então, uma expectativa...

Ana Carolina [interrompendo]: Não existe a hipótese.

Evaldo Mocarzel: Lamarca [1991], de Sérgio Rezende [cineasta que dirigiu vários filmes, como Mauá: o imperador e o rei e Guerra de Canudos], deu um público legal.  As pessoas foram, viram com casa cheia, entendeu? Porque as pessoas, de algum modo, queriam ver cinema brasileiro também...

Ana Carolina: Deu, o filme era bom. Deu tudo certo, mas quando o cinema brasileiro saiu do cardápio da sociedade... Quando você vai ao restaurante você fala, tem isso, tem isso... Você sempre vê as mesmas coisas e pede aquela coisa, aquela coisa. Cinema brasileiro saiu do cardápio do divertimento, ninguém se lembra de escolher no cardápio, de vez em quando tem um "à-la-carte", filme brasileiro...

Heródoto Barbeiro: Ana, talvez essa seja uma resposta para o senhor Antônio César, de Campinas, que diz assim: "Por que os cineastas insistem em fazer filmes para festivais, e não para o público? O povo quer, acima de tudo, entretenimento, haja vista o sucesso de novelas da TV. Por que o cinema não entra nessa linha" - segundo o nosso telespectador?

Ana Carolina: Como é o nome dele?

Heródoto Barbeiro: É o senhor Antônio César, de Campinas, interior de São Paulo.

Ana Carolina: Senhor Antônio César!

[risos]

Ana Carolina: O senhor precisa falar com o Roberto Marinho [(1904-2003) jornalista, dono da Rede Glbo de Televisão e figura influente no cenário político nacional] para o Roberto Marinho co-produzir filmes. Com o senhor Roberto Marinho co-produzindo filmes tão bons quanto as novelas, nós teremos condição de melhorar as novelas que ele faz, de entrar no mercado, de passar na televisão e de ter parceiros comerciais internacionais. Porque o Brasil é o único país do mundo que não tem como parceiro a televisão. Não existe no mundo hoje um país que não tenha a televisão como parceira, só o Brasil. Só o Brasil tem o privilégio de ter o senhor Roberto Marinho fazendo novelas e especiais nos quais o cineasta não é chamado nem para dirigir, nem para refletir nem para escrever. São pouquíssimos os cineastas que conseguem entrar no mercado da televisão, e nós faremos muito bem ou melhor. Mas enquanto essa legislação não andar...

Heródoto Barbeiro [interrompendo]: O que impede um contato maior entre os cineastas e a televisão?

Ana Carolina: A televisão.

[...]: Falta de interesse.

Ana Carolina: A televisão brasileira é de ótima qualidade, cumpriu seus desígnios maravilhosamente bem, ela é o grande elo de união nacional e ela está desquitada do, vamos dizer, da cabeça que pensa. Porque a televisão pensa rapidamente e o cinema pensa lentamente, pausadamente, e por isso é que é o cinema leva a imagem de um país para outro, e não a televisão. Enquanto a televisão estiver divorciada do cinema, dificilmente a gente consegue boas condições de produção e de mercado, esse fenômeno não está na mão do cineasta.

Heródoto Barbeiro: Sei. Nós temos, por exemplo, aqui uma intimidade maior entre a TV Cultura e alguns cineastas. "Confissões de adolescente" [série de televisão que alcançou fama], por exemplo...

Ana Carolina: A TV Cultura tomou a dianteira de co-produzir. E deve ter tido uma idéia.

Heródoto Barbeiro: Isso é um passo importante para o cinema brasileiro de uma forma em geral?

Ana Carolina: Muito, muito.

Heródoto Barbeiro: Como você classifica isso?

Ana Carolina: É importantíssimo, primeiro porque a TV Cultura deve ter tido uma boa resposta ao fazer isso, do ponto de vista econômico, o filme foi barato...

Heródoto Barbeiro: De público inclusive?

Ana Carolina: O público reagiu bem. Essa história que passou aqui está sendo vendida para o exterior, vai gerar novas séries, quer dizer, essa experiência é fundamental. Só que é o Estado... isso aí precisa ser alargado, precisa prosseguir...

Heródoto Barbeiro: Eu queria lembrar, inclusive – viu, Ana? –, que a TV Cultura está aberta para esses contatos com os cineastas brasileiros para novas produções conjuntas, acho que é um passo importante que você colocou.

Ana Carolina: É uma ótima coisa.

Celso Masson: Ana, tem mais uma coisinha que queria lhe perguntar, que é o seguinte: você falou que cinema sai de quantidade, quer dizer, quando você tem uma quantidade grande de produção, é dali que você vai tirar grandes filmes. É muito provável que seja verdade, porque o Brasil, quando era o quinto país maior produtor de cinema, conquistava grandes prêmios internacionais, então o público gostava mais até de cinema brasileiro. Em uma entrevista, quando você estava lançando o Sonho de valsa, você falou que o cinema brasileiro, principalmente pós-Cinema Novo, não foi apresentado ao público. De alguma maneira, o público não conhece a cara do cinema brasileiro. Queria saber se existe uma possibilidade de o público conhecer o cinema e se, sendo apresentados ao cinema brasileiro, eles podem ficar amigos, ou seja, que o brasileiro tenha prazer em assistir ao seu próprio cinema, entendeu? Era isso que eu queria saber.

Ana Carolina: Como no Brasil tudo começou a melar há dez anos, a apresentação do cinema brasileiro foi ficando rarefeita e aí foi sumindo. Quando eu falo de campanha para o cinema brasileiro é, de novo, nós nos apresentarmos ao público. A gente ter capacidade de produção, capacidade  de apreender o que o público está querendo, que isso também é a quantidade, quer dizer, o público vai respondendo e vai indicando que filme ele prefere, que evidentemente não é filme para festival, não é filme de linguagem cult [intelectualizada] ou para público A. É... as três fatias do mercado e isso vem para a resposta do público, mas só com uma apresentação e um baile comum, um sarau permanente onde todo mundo possa dançar junto, e não só o cineasta que está dançando há dez anos. Todo mundo tem que dançar um pouco, entendeu?

[risos]

Heródoto Barbeiro: Ana, nós queremos agradecer a sua participação, sua gentileza, mais uma vez aqui no Roda Viva, muito obrigado pela sua presença.

Ana Carolina: Obrigada a vocês, obrigada por terem vindo, meus amigos e companheiros e jornalistas.

Heródoto Barbeiro: Ok, muito obrigado também aos nossos convidados que participaram desta entrevista de hoje e a sua participação através do fax e também através de nosso telefone. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira às dez e meia da noite. Tenha uma boa noite e uma excelente semana. E até lá, obrigado!  

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