;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Dílson Funaro

8/2/1988

Dílson Funaro, ex-presidente do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e ex-ministro da Fazenda comenta toda a trajetória do Plano Cruzado, a primeira grande tentativa de ajuste econômico da Nova República

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

Augusto Nunes: Boa noite. Está começando agora mais um Roda Viva, pela TV Cultura de São Paulo. O programa Roda Viva é transmitido simultaneamente pela rádio Cultura AM e retransmitido pelas tevês educativas dos seguintes Estados: Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Bahia, Piauí e Espírito Santo. [programa ao vivo] Nosso entrevistado desta noite é uma das figuras mais polêmicas da história recente do Brasil, é o ex-ministro da Fazenda Dílson Funaro, o homem que comandou a grande aventura do Plano Cruzado. O ministro Dílson Funaro foi criticado e elogiado em doses iguais, foi amado e detestado também em porções idênticas, está aqui para nas próximas duas horas ao centro desta Roda Viva falar sobre a sua experiência como Ministro da Fazenda e também sobre a sua candidatura à Presidência da República e sobre vários outros assuntos que serão abordados pelos seguintes entrevistadores: Paulo Moreira Leite, editor de assuntos nacionais da revista Veja; Roberto Lopes, repórter do jornal Folha de S. Paulo; Ann Charters, correspondente do jornal Financial Times de Londres; Carlos Brickmann, editor da Folha da Tarde; Fernando Mitre, diretor de jornalismo da Rede Bandeirantes de Televisão; Mauro Chaves, editorialista e colunista do jornal O Estado de S. Paulo; José Paulo Kupfer, redator chefe da revista Exame; e Celso Pinto, editor de política econômica da Gazeta Mercantil. Também estará conosco ao longo do programa o cartunista Negreiros, que irá registrar algumas cenas desta entrevista. Nós agradecemos também a presença dos convidados da produção do Roda Viva. Ministro Dílson Funaro, antes que o nosso programa começasse, como está começando agora, os nossos telespectadores já começaram a telefonar. Nós recebemos aqui três cartas, três perguntas, todas elas formuladas por paulistas do interior, e o assunto previsivelmente é o Plano Cruzado. Júlio Alberto, de Aparecida do Norte, por exemplo, pergunta: “Como o Plano Cruzado poderia ter dado certo se era contrário a certas leis imutáveis da economia”? Fábio Faquine, que é de Araras pergunta: “Para que o novo Plano Cruzado dê certo o que é necessário? Quais foram os erros do plano anterior”? O José de Souza Andrade, de Franca diz: “Porque o senhor não reajustou os preços em meados de 1986”? Pergunta se foi por questões políticas que o senhor agiu assim. Em resumo, o Plano Cruzado despertou, como o senhor sabe melhor que ninguém, uma enorme esperança entre os brasileiros, e foi talvez a mais profunda decepção vivida pelo povo brasileiro nos últimos anos. O que aconteceu ministro, porque o Plano Cruzado fracassou?

Dílson Funaro: Vamos ver para quem [fracassou]. Porque a volta da inflação não significa simplesmente que se ignore o que aconteceu no Brasil. E quando se discute que o Plano Cruzado não deu certo, que o Plano Cruzado foi um plano que desorganizou ou uma pergunta como essa, contrário à lei de mercado, o Plano Cruzado não foi contra lei nenhuma de mercado. O Plano Cruzado realmente sacudiu um pouco a nação brasileira, que vivia dentro de uma racionalidade que eu discordava. Primeiro: concentração de renda durante 24 anos. Eu não consigo entender uma economia que esteja ajustada ou exista uma “racionália” [uma racionalização] que permita uma distribuição ou uma concentração de renda durante 24 anos. Eu não consigo entender que, durante 1960 a 1980, 1% dos ricos passem de 12% para 18% da renda nacional e 50% dos pobres caiam de 17% para 11,5% da renda nacional. Eu não consigo imaginar que o Brasil estivesse organizado com 10,5% de desemprego, nem estava organizado quando tinha uma negociação externa sem estar enfrentada - ao contrário, nós estávamos simplesmente nos submetendo à regra dos países credores, fazendo com que o país exportasse cada vez mais, e diminuísse o seu mercado interno e diminuísse o salário. Esse tipo de economia, quando dizem que estava organizada, eu quero dizer que organizações às vezes nós temos que desmontá-las. Por exemplo, existe crime organizado e tem que ser desmontado. Quando o Banco Central do Brasil durante anos e anos passou defendendo e montando um sistema que permitiu os maiores escândalos financeiros, isso tinha que ser desmontado, então na realidade o Plano Cruzado... [interrompido]

Augusto Nunes: Esse é o diagnóstico. Na linha terapêutica, por onde falhou?

Dílson Funaro: Não, eu acho que nós temos que traçar o horizonte para poder estabelecer o que nós fizemos. O que o Brasil precisava? Discutir o problema externo para que o Brasil tivesse segurança e tivesse oportunidade de manter o seu crescimento. [Isso] passa pela questão externa, como todos sabem, e está intimamente ligada ao salário. O segundo ponto é verificar como se pode fazer uma distribuição de renda, invertendo uma concentração de renda que existiu no Brasil por 24 anos; não é apenas um ou dois anos, são 24 anos seguidos. E na realidade eu acho que o [Plano] Cruzado fez parte... O problema da sua pergunta: porque o plano não se manteve estável todo o tempo? Primeiro porque o plano tinha que resolver questões estruturais. Não se resolve a inflação apenas com o Plano Cruzado. Por exemplo, o Brasil não tem silos, não tem armazéns, se há uma seca não há estoque regulador. Nós entramos no governo por causa especificamente da carne, porque [hoje] toda a população a conhece. O Brasil consumia 150 mil toneladas precisava..., passou a consumir 200 mil toneladas. O Brasil tinha cinco mil toneladas de estoque regulador, é menos do que uma semana de um supermercado de São Paulo. Portanto, essas questões é que trazem estabilidade para a economia. O plano pode tirar a inflação inercial, e [com] o tempo é preciso ser reconstruído um país que dê uma capacidade de lutar contra o processo inflacionário.

Augusto Nunes
: Ministro, na medida em que o congelamento dos preços - que era um detalhe do plano, como depois se soube - passou a ser a Pedra de Toque mais importante, quer dizer, o senhor não acha que a partir daí o Plano Cruzado foi condenado ao fracasso? Aí sim estaria sendo violada uma regra, uma lei elementar da economia. [o mito da Pedra de Toque diz esta é uma pedra como as outras, mas capaz de transformar metais em ouro. A única diferença perceptível é que, ao se tocá-la ela seria quente ao tato]

Dílson Funaro: A questão do Plano Cruzado foi um pouco diferente. A questão do congelamento não é um problema ideológico, de manter um Estado controlando os preços; é um problema da capacidade inclusive de um país ter poder ou não de competição num determinado momento do mercado. Porque os Estados Unidos não controla preços dos automóveis? Porque tem um automóvel japonês na porta fazendo uma concorrência ao automóvel americano. Quer dizer, um país que pode importar, [que] tem excessos de dívidas, ou tem um déficit como tem os Estados Unidos, mas ele no fim tem uma moeda forte, [e] consegue fazer um sistema de competição dentro do mercado. O Brasil não tem isso. No momento que cresce um pouco a economia, aumenta um pouco [o preço d]a mão-de-obra ou existe um saque da poupança, como existiu no começo do cruzado... Isto realmente é uma verdade, perdemos cinqüenta bilhões de cruzados em quatro meses, equivale hoje a perder 200 bilhões de cruzados de saques de caderneta em quatro meses.

Fernando Mitre
: Senhor ministro, o senhor disse que o congelamento não é uma questão ideológica, mais pode ser uma questão, eu digo, eleitoral. Naquele ano eleitoral as pressões para a manutenção do congelamento foram inúmeras, enormes e irresistíveis, o senhor mesmo não conseguiu resisti-lo. Eu gostaria que o senhor explicasse isso. Naquela reunião de Carajás, onde foi discutido tudo, todos os problemas foram colocados na mesa, porque não se tomou nenhuma medida? [Esta reunião, de maio de 1986, pretendeu deliberar sobre os ajustes necessários ao plano, que já mostrava sinais de exaustão pelo surgimento do ágio, desabastecimento e descontrole nos gastos governamentais]

Dílson Funaro
: Não, nós tomamos medidas. O plano foi feito em 28 de fevereiro. A criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND - foi feito em julho, portanto quatro meses depois. E o FND em agosto começou a estabilizar um pouco a economia. Todos os economistas achavam que [uma contenção de consumo da ordem de] mais ou menos 2% do PIB [Produto Interno Bruto] eram suficientes para estabilizar a economia brasileira. [Isso] foi feito com a criação da FND, e na realidade os primeiros 15 dias de agosto estabilizou um pouco - até saiu muita publicação, a teoria da bolha de consumo... [interrompido]

Fernando Mitre: Mas parece que as medidas... O FND já saiu quando se sabia que não era suficiente.

Dílson Funaro
: Não, não é verdade.

Fernando Mitre
: O senhor acreditava que aquilo iria resolver o problema?

Dílson Funaro: Naquele momento todos os cálculos, inclusive olhando o passado da economia brasileira, mostraram que 2% do PIB dariam uma correção razoável para estabilizar a economia brasileira.

José Paulo Kupfer
: Sabe ministro, mas acho que a questão, enfim, é outra...

Dílson Funaro
: Deixe-me só terminar a pergunta dele. Na realidade foi feito em julho. Quando [o Plano Cruzado II] foi feito em novembro, ai sim em outubro... [Em] agosto [e] setembro nós esperamos para ver se [a economia se] estabilizaria. Já mostrou no final de agosto que não iria estabilizar, era preciso fazer outro aumento fiscal em cima de alguns produtos, como foi feito... [interrompido]

Fernando Mitre: Houve um grande erro enorme de cálculo? Quer dizer, esperava-se que...

Dílson Funaro
: Não houve erro enorme de cálculo não, o que houve foi um grande crescimento da massa salarial também, e na economia de mercado – [que] foi citada, [e] que eu também desejo -, existiam que as forças de mercado não estavam se regulando com a rapidez que precisava. Por exemplo, nas greves do ano de 1985 demorou quatro dias para existir um entendimento entre os trabalhadores e o setor patronal; as greves em 1986 foram 50% a mais do que 1985: havia uma recuperação salarial e a média [de duração] das greves era de três horas, o que significa que os setores não negociavam mais, eles davam o aumento e repassavam o aumento. Existia então a necessidade, qualquer que fosse o plano, de conter um pouco a demanda para depois começar a descongelar. Portanto, era uma questão de [tempo]: mais um mês, [ou] menos um mês. Aí sim o senhor tem razão que houve um problema de fato, na questão das eleições de 15 de novembro. 1986 era um ano eleitoral; o plano ficou pronto no início de novembro, final de outubro - desde o dia 20 de outubro estava na imprensa, vocês registraram o Cruzado II desde o dia 20 de outubro -; e os partidos, pelo menos o conselho político do governo achou que deveria ser feito após as eleições. Foi um erro político do governo como um todo, e todos nós perdemos por ter feito esse... [interrompido]

Augusto Nunes: Há várias perguntas nesta direção. O senhor acreditava, quando surgiu toda aquela conversa em torno do confisco da carne, do boi gordo, o senhor acreditava que o Brasil tinha “manadas” nos rebanhos, e era só pegar, conseguir esse boi, e ficaria regulado o mercado? O senhor acreditava sinceramente nisso, ou não? [o “confisco do boi” foi uma tentativa governamental de tentar salvar o Plano, pois os pecuaristas, em virtude dos preços congelados, retiveram o gado no pasto, o que gerou desabastecimento e ágio no preço da carne. O confisco contribuiu para a desmoralização do Plano]

Dílson Funaro: Eu acho que existiam dois pontos. Você sempre tem um lado político e sempre tem um lado técnico, evidente que um consumo maior de carne só seria abastecido através de importações. Com o tempo nós estávamos fazendo uma grande modificação e um grande crescimento da criação, por exemplo, de aves. Nós passamos de 80 milhões de aves por mês para um consumo de 130 milhões de aves por mês; a suinocultura estava crescendo muito. E nós estávamos financiando para que estes setores pudessem abastecer uma parte do mercado. Existe outro ponto que é o lado da decisão política. A decisão política é num determinado momento, porque um só setor estava desafiando abruptamente um plano razoável de estabilidade, e o governo decidiu então tomar a decisão de naquele instante fazer um confisco, que certamente não resolveria o equilíbrio, mas poderia dar o mínimo de... [interrompido]

Augusto Nunes
: Mas ministro, até agora o senhor descreve o Plano Cruzado como se ele estivesse sido um plano irretocável. O senhor ainda não disse qual foram os erros cometidos.

Dílson Funaro
: Eu acho que houve muitos.

Augusto Nunes
: Por exemplo.

Dílson Funaro: Por exemplo, uma falta de compreensão imediata sobre o problema da caderneta de poupança. Este eu acho que foi um dos maiores problemas do aquecimento da demanda. Para mim foram dois problemas sérios: o saque da caderneta de poupança no primeiro momento... Eu andei pelo Brasil inteiro, na televisão, explicando, mas a população não acreditava que, baixando a inflação de 14% [ao mês] para zero ou para um, a correção monetária estaria dando um rendimento menor. Portanto, a caderneta era a correção [monetária] mais 6% de juros. [Isso] não mudou, mas a correção monetária, que é a inflação, mudou; ela vinha de 12%, [passou] para dois.

Augusto Nunes
: O governo não foi irresponsável - o termo só pode ser esse - na questão do cortes dos gastos públicos?

Dílson Funaro: Eu vou lhe mostrar que não, ao contrário. Nós tivemos em média déficit público entre três e 5% no Brasil. O ano em que tivemos a maior recessão, no critério do Fundo Monetário Internacional - [por] critérios anteriores - nós tivemos 1,6% [do PIB] em 1984; pelo mesmo critério do Fundo Monetário Internacional nós tivemos 1,7% em 1986. Essa discussão de déficit público no Brasil precisa ser muito bem examinada. Esta campanha [de] que em 1986 o governo não controlou o déficit público não é verdadeira, porque bateu 1,7%. Como nós examinamos os critérios do Fundo Monetário, e achamos que o Fundo Monetário em 1986 não levava em consideração alguns déficits do Banco Central, principalmente relacionados ao déficit externo, nós somamos a este critério antigo do Fundo um novo critério, [o qual] inclusive aumenta o déficit brasileiro. Então a partir de 1986 nós temos duas publicações: a exatamente igual a do Fundo Monetário; e a nova, porque nós achamos que tem que ter muita transparência para a nação brasileira, e aí passou de 1,7% para 2,9%.

José Paulo Kupfer: Ministro, que época do ano que esse déficit de 1,7% foi feito?

Dílson Funaro
: Em 1986.

José Paulo Kupfer: Não, em que época do ano de 1986 que ele foi feito? Porque...

Dílson Funaro: O déficit brasileiro sempre atinge no segundo semestre [um valor a] mais.

José Paulo Kupfer
: ... Porque é uma chance boa que estamos aqui de tirar dúvidas sobre certos assuntos dessa época. Por exemplo, quando o senhor fez o Plano Cruzado o senhor afirmou que o déficit estava zerado.

Dílson Funaro
: A meta era 0,5%.

José Paulo Kupfer
: Que ele estava zerado quando nós entramos na Era Cruzado. Viu-se depois que ele não estava zerado. Queria saber se o senhor foi enganado - eu acho que não, mas eu tenho que perguntar -, ou se o senhor enganou, porque era importante para o conjunto.

Dílson Funaro
: Kupfer, isso não existe. Você sabe muito bem o que é um orçamento do governo, e você sabe que o ministro da Fazenda tem que cortar para chegar num déficit baixo, e nós jogamos tudo para zerar o déficit. A meta era chegar o mais baixo possível, inclusive isso nos ajudaria com os estados e municípios a segurarmos um pouco a política e as prioridades antigas. Nós entramos no final de 1985: 1985 foi um ano em que houve eleição presidencial, existiam um bilhão e 400 milhões de dólares de prioridades de prefeitos e estados, que nós cancelamos sem dó, Planejamento e Fazenda. Cortamos todo o [...], que são oito bilhões de dólares estrangeiros. Normalmente todos os anos esse dinheiro é depositado no Banco Central e refinanciado; nós interrompemos esse financiamento. Seguramos o governo de todas as formas, inclusive com conta movimento etc., para que desse o mínimo possível, que fosse um déficit que se aproximasse de zero. [O entrevistado refere-se a várias medidas que foram tomadas para reordenar o sistema financeiro do governo, separando-se claramente as contas e funções entre Banco Central, Banco do Brasil e Tesouro Nacional. A conta movimento fornecia recursos, sem identificação orçamentária, do Banco Central ao Banco do Brasil. As atividades atípicas do Banco Central relacionadas à administração da dívida pública foram todas transferidas para o Tesouro Nacional]

José Paulo Kupfer: Quanto é que está hoje o déficit?

Dílson Funaro: Se der 1,6%, e deu 1,6% e foi aprovado no Tribunal de Contas... Perdão, [é] 1,7%. É extremamente baixo, eu quero lhe dizer que é um dos déficits mais baixos da história do Brasil. Portanto, eu acho que foi um grande esforço do governo: se não deu zero, deu 1,7%, que é extremamente baixo.

José Paulo Kupfer
: Mas ter falado zero não foi tão errado quanto ter dito: “Vai ser zero a inflação”? Se ela fosse cinco [por cento ao mês] seria ótimo.

Dílson Funaro: Depende do momento. No primeiro instante, quando nós saímos com o Plano Cruzado, a gente pensava ter dito que no primeiro mês era zero, e deu negativo, deu menos do que zero. Naquele momento eu conversava com os empresários e eles diziam: “Bom, com seu plano o que vai dar? De 14% vai baixar para 8%?” [ao mês]. Se o empresário achar que é 8%, e se a dona de casa achar que é 8% ou se o comerciante achar que é 8%, vai dar 10% de inflação. Então na realidade o plano tinha que fixar uma meta no primeiro mês. Ninguém chegou para a população brasileira e disse: “O Brasil vai viver zero daqui para a frente”.

Carlos Brickmann
: [...] a inflação suíça, e o dobro do desenvolvimento da inflação?

Dílson Funaro: [No] primeiro mês.

Carlos Brickmann: O que eu entendi é que esse era um projeto... [interrompido]

Dílson Funaro
: Não, o projeto era de ter estabilidade no Brasil, ter uma inflação baixa e sair da indexação, que é o que montaram durante a década de 1970, que deixou uma herança profunda para a sociedade brasileira.

Mauro Chaves
: Queria voltar um pouco a pergunta que o Mitre tinha feito, que era a seguinte: estabelecer exatamente [qual é] o seu nível de responsabilidade pelo cruzado, na parte em que ele começou a fracassar. Porque no fundo o cruzado foi paradoxalmente um sucesso que fracassou, é como se fosse uma peça de teatro que lotou a casa durante uma semana, e depois realmente fracassou redondamente. Então eu queria saber o seguinte... [interrompido]

Augusto Nunes
: O primeiro ato foi aplaudido...

Mauro Chaves: ... Foi aplaudido e ficou uma semana [em cartaz]. Uma peça que estréia, por exemplo, com Paulo Autran e Tônia Carrero, ela lota, mesmo que os dois estejam lendo uma lista telefônica. Ela lota duas semanas, depois se for uma peça ruim ela não fica 15 dias. O cruzado aconteceu mais ou menos isso, foi um sucesso durante um período determinado de tempo. Por que fracassou? Até agora a responsabilidade por esse fracasso, eu acho que eu não vi, nós não vimos ainda, nunca lemos claramente de sua parte essa fixação de responsabilidade, se foi claramente o PMDB... [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] Porque se tivesse sido o PMDB, naquela reunião que foi feita - quando foi decidido o compulsório dos combustíveis, das passagens [aéreas], o FND -, se [aquilo] não era necessário, se aquilo não era suficiente para resolver o problema, o senhor não teria reagido a isso. Ou então, se o PMDB resolveu adiar ao máximo esses ajustes por causa das eleições, o senhor também não bateu o pé, não saiu do Ministério. O senhor continuou ministro depois disto.

Dílson Funaro: Deixe-me ir direto ao nível de responsabilidade. É total. Eu nunca deixei, em nenhuma palestra que eu fiz pelo Brasil, de assumir minha responsabilidade por inteiro. Nem no governo, nem fora do governo.

Mauro Chaves
: Pelo sucesso ou pelo fracasso?

Dílson Funaro
: Pelo sucesso e pelo fracasso, evidentemente. Pelo sucesso não, mais pelo fracasso do que pelo sucesso. O sucesso é do governo, e o fracasso [é do ministro]. As medidas econômicas dependem do ministro da Fazenda, e o ministro da Fazenda no fim é o responsável direto pela política econômica que deve ser aprovada por um governo como um todo, como a questão da moratória e todas as outras questões, e é mais do que isto: não é o fracasso do projeto e voltar a inflação ou não. Mas o Brasil é dividido, e eu quero insistir nisso: é um projeto olhando para o horizonte, porque olhando para o horizonte é que nós podemos ver a tática da política econômica que nós podemos fazer. Eu já disse no início do programa, mostrar que o Brasil estava ajustado talvez para dez milhões de brasileiros, e o restante onde é que está? E nós temos que fazer um Brasil ajustado para a população brasileira como um todo, e não [para] dez milhões de brasileiros.

Mauro Chaves: Mas só um pontinho importante. Essa incorporação de vinte ou trinta milhões de pessoas que entraram no consumo, [elas] não foram desincorporadas depois? Essa redistribuição de renda não redundou depois numa nova concentração de renda?

Dílson Funaro
: Esse que é ponto absolutamente chave da questão. Para se manter um processo em crescimento é preciso discutir o problema externo, porque o limite da capacidade de um país é a importação. Se ele não puder importar ele não pode crescer. Aí passa pela discussão externa, e na discussão externa o ponto mais importante era o Brasil não aceitar o que outros países também aceitaram, igual ao Brasil, que foram os acordos internacionais com Fundo: uma regra dos credores, que fez trinta e duas nações assinarem com o Fundo Monetário, e todas elas nos últimos cinco anos tiveram sua renda per capita diminuída. Este não é o caminho para o Brasil, certamente nós temos que ir para outro caminho, um caminho que sustentasse o crescimento. [a renda per capita de um local é igual ao PIB dividido pelo número total de habitantes deste território]

Augusto Nunes: Por favor, só para ordenar: depois do Celso Pinto, o Paulo Moreira Leite e a Ann Charters também irão fazer uma pergunta.

Celso Pinto
: Ministro, o senhor tinha essa postura, o senhor sempre teve essa postura em relação à questão externa. Um dos erros da condução da política econômica neste período não foi o time [momento] de fazer a moratória? Não era melhor ter feito a moratória em junho ou julho de 1986, quando o país estava com inflação baixa, apoio popular e oito bilhões de dólares de reserva? Ou seja, se era para fazer a moratória, não era melhor ter feito antes?

Dílson Funaro
: Você coloca bem. Se a moratória fosse um objetivo, então o Brasil deveria escolher outro momento, ou podia ser aquele que nós tomamos [fevereiro de 1987]. Mas a moratória não era o objetivo em si mesmo, era uma conseqüência de uma política de falta de financiamento externo. Eu discuti um ano e meio com os banqueiros, e eles não encontraram um mecanismo para refinanciar o Brasil. O que fizeram com o México? Deixaram sete meses esperando uma resposta; Argentina exatamente a mesma coisa. Então naquele momento era importante passar por um processo que permitisse ao Brasil ter um entendimento que nós não chegamos a ter, sempre acenavam com um mercado voluntário que não existia.

Celso Pinto: Mas não foi um erro acreditar tanto no mercado externo?

Dílson Funaro
: Acho que não, acho que o Brasil suspendeu num momento em que a reserva estava próxima de 4 ou 3.970, que representa três meses de importação. Portanto, [isso] não se demonstrou na prática. Já passamos um ano da moratória, e se demonstrou que não criou nenhum problema para pagarmos as faturas comerciais brasileiras - diferente de 1982, porque em 1982 o Brasil não suspendeu apenas o pagamento dos juros dos bancos: o Brasil suspendeu os pagamentos comerciais, criou problemas nas importações etc. E agora não, nós suspendemos na moratória de 1987 apenas os juros dos bancos, e continuamos pagando pontualmente ao investidor estrangeiro as remessas de lucro, que no fim dá uma garantia para o investidor e dá uma garantia de todas as faturas comerciais. Portanto, passou-se um ano, o Brasil continua no mesmo nível de reservas; está negociando com os banqueiros, e pôde importar durante 1987 um bilhão e 300, um bilhão e 400 por mês.  Isso sim que permite ao Brasil manter um estado econômico razoável de crescimento.

Paulo Moreira Leite
: Voltando um pouco o assunto que o Mitre tocou, que diz respeito ao lado eleitoral do Plano Cruzado. Aconteceu um fato, no dia 15 de novembro [de 1986] as pessoas foram votar. A maioria desse pessoal votou acreditando no Plano Cruzado; acreditando que iria continuar o consumo; acreditando que iria continuar a distribuição da renda; acreditando que o congelamento iria continuar... [interrompido]

Dílson Funaro: Todos informados pela televisão e pelos jornais que existia o Cruzado II. Porque, desde o dia 20 eu tenho os vídeos das televisões, tenho jornais nacionais da época, tenho jornal também daquele dia, sem dúvida... [interrompido]

Paulo Moreira Leite: Ministro, o anúncio foi guardado para depois das eleições. Houve candidatos que foram ao vídeo, no programa eleitoral, em companhia de autoridades da República dizerem: “O congelamento de preços é mantido”. Quatro dias depois, quando nem todos os votos haviam sido contados, veio o Cruzado II, vieram todas as medidas e começa um processo de arrocho salarial, que esse ano foi uma coisa gigantesca. O senhor não tem impressão que começa aí a crise do Brasil em que o povo passa a ter a sensação de que ganhou e não levou, de os políticos não são dignos de confiança? Você não acha que começou aí?

Dílson Funaro: Acho.

Augusto Nunes: Teria ocorrido o que o ex-ministro [da fazenda] Delfim Netto chama de estelionato eleitoral?

Dílson Funaro
: Olha, precisamos examinar um pouco quem fala [refere-se a Delfim Netto]. Quem tirou a [eleição] direta do povo brasileiro, quem fez voto vinculado, quem inventou senador biônico [nomeado, não eleito] não foi o governo atual, foi o governo passado. Portanto, essa palavra é uma palavra que talvez retrate o passado. Na questão do dia 15, realmente existiu do lado técnico uma absoluta necessidade de fazer o Cruzado II, e do lado político [houve] um erro, erro político. E esse erro político o governo, como eu disse aqui, pagou, e pagou muito pesado. Quero lhe dizer mais, como peemedebista eu preferiria ter muito mais qualidade de que quantidade, portanto não era um plano para ganhar eleições. E eu quero também lhe dizer outra coisa: o PFL [Partido da Frente Liberal] tinha certeza que iria fazer cinco governadores do Nordeste, [porque] o plano não era apenas para um partido em eleição. Mas os partidos discutiram, eu me lembro, algumas lideranças políticas discutiram que, naqueles 15 ou vinte, 25 dias antes da eleição, a discussão nacional estava de tal forma conturbada em alguns estados que eles achavam que haveria uma mudança profunda na relação entre os partidos que estavam apoiando o governo. Portanto, acho que é um problema, houve um erro, como estou colocando [e] já insisti, houve um erro e o governo pagou caro por isso.

Paulo Moreira Leite
: Quer dizer, houve essa conversa? “Se a gente for sincera, se a gente contar para o povo: 'olhem, isso vai acabar', a gente perde aqui, ali...”?

Dílson Funaro: Mas um momentinho, isso não iria acabar. O que é o Cruzado II? Aí eu acho que há outro lado da história. É para acabar [com] o Brasil? Não. O Cruzado II é uma medida que o ministro da Fazenda - e daí a responsabilidade que eu estava lhe dizendo -, um ato do ministro para tentar corrigir um pouco o mercado que estava realmente entrando numa ascensão, onde nós iríamos ter um consumo exagerado, e precisávamos pelo menos estabilizar uma economia - e está é a função do ministro da Fazenda. É no momento que existe qualquer fuga tem que imediatamente chegar e corrigir. Então o Cruzado II pesou em cima de quem? Automóvel novamente, gasolina e álcool; foram os três pontos principais do Cruzado II - 80% do Cruzado II. Era exatamente o FND de julho: automóvel, gasolina e álcool. Não foi no transporte coletivo; não foi no óleo combustível; não foi na alimentação; não foi em nada da cesta básica; e foi exatamente numa faixa da população mais alta. E essa faixa da população mais alta representa 7 a 8% da população brasileira. Os outros 92 não tinham sido atingidos no Cruzado II. Portanto, quando se faz isso não é para acabar com a economia brasileira. Pior do que isso, vou lhe dizer mais: todo mundo sabe, eu convivo com uma doença, e tem momentos que ela avança, e tem momentos que ela diminui; quando avança eu tomo remédios mais fortes, e quando diminui eu me mantenho equilibrado. A inflação brasileira é um câncer, ela está presente e depende da imunidade do país. E a imunidade do país sofre exatamente isso: sofre campanhas; sofre desentendimento; sofre qualquer tipo de instabilidade; e no momento que existe isso a inflação está presente e violenta. Quando veio a inflação existia uma grande campanha em dezembro sobre o descongelamento, porque nós precisávamos equilibrar um pouco a economia para fazer o descongelamento administrado. Mas em nome da livre iniciativa fizemos o descongelamento; uma livre iniciativa que eu defendo quando existe uma força de mercado. O que acabou acontecendo? Naquele momento a indústria automobilística me pedia 12% para acertar todos os preços de automóveis, de lá para cá o que aconteceu? Subiram os salários 400%; os automóveis subiram 1200%; 1700% em alguns tipos. Você pegue qualquer outro setor... Eu tinha certeza absoluta que em janeiro, fevereiro... [interrompido]

Paulo Moreira Leite
: Você não sabia que viria embutida essa questão?

Dílson Funaro: Não, isso não. Um momentinho, eu quero responder a sua pergunta que é muito interessante e é importante neste momento. Quando veio o descongelamento eu realmente adotei algumas medidas fortes no sistema de crédito, porque era importante segurar. E nós tivemos o seguinte: 17% [de inflação] em janeiro, 13% fevereiro e 13% em março, e aí sim eu quis novamente de qualquer forma fazer outro plano de estabilização, porque eu sabia que a inflação não nos leva a nada. Olhe para o futuro outra vez, o que nós pensamos para o nosso país? Conviver... [interrompido]

José Paulo Kupfer
: E quem não deixou [...]

Dílson Funaro: Realmente houve muita dificuldade. Eu fiz a moratória, e sessenta dias depois eu saí [do governo], achei que era o período que eu devia ficar para assegurar... [interrompido]

José Paulo Kupfer: Quem foi contra esse novo congelamento? [refere-se ao Plano Bresser, de junho de 1987, cujo nome refere-se ao sucessor de Dílson Funaro na Fazenda, Bresser Pereira (ministro entre abril e dezembro de 1987]

Dílson Funaro: Eu acho que houve muita dificuldade, eu tive muita dificuldade no Planejamento.

José Paulo Kupfer
: Foi o presidente?

Dílson Funaro
: Não, no começo foi com o [ministério do] Planejamento, nós tínhamos uma visão diferente. Eu achava que precisava estabilizar, ele [João Sayad, ministro do Planejamento (1985 – 1987)] achava que não precisava, existia um tempo para passar e na realidade em março, depois da questão externa eu senti que eu e o governo estávamos tomando medidas diferentes; e eu tenho impressão que cada um foi para seu caminho. Mas insistindo nisso, olhando para frente para o Brasil, o que nós desejamos? Qual a opção brasileira? Conviver com esta inflação, conviver com toda indexação brasileira? Vamos olhar os próximos cinco anos, porque a política de hoje reflete o que vai ser daqui a pouco. Vamos continuar vivendo com 15%, com 16%, com 14% [ao mês de inflação]? Essa política atual, como é a que eu encontrei, e a política que está com o processo inflacionário, é uma política tão indexada que não nos leva a nada, a não ser conviver com índices altos. E quando se convive com índices altos acontece exatamente o que nós dissemos no começo do programa: automaticamente você concentra renda. [Isto ocorre] não é porque o presidente antigo, o presidente Castelo, o presidente Geisel queriam concentrar renda; acontece que o processo inflacionário leva a isso, e nós estamos vivendo novamente um programa de indexação. Olhando para frente nos obriga a pensar que num determinado momento, numa condição política favorável o Brasil procurará novamente um plano de estabilidade.

Augusto Nunes: Ann Charters, depois o Roberto Lopes.

Ann Charters
: Se tivessem dado outra chance o senhor iria esperar até depois das eleições para fazer os ajustes econômicos para o Plano Cruzado?

Dílson Funaro
: Eu acho que a gente vai aprendendo. Eu lhe diria o seguinte: foi um momento muito conturbado, eu me recordo que era final de outubro, e nós estávamos vivendo uma crise cambial muito séria, porque eu estava perdendo reservas, nós estávamos tendo problemas de reservas, uma grande especulação que o Brasil iria fazer uma “máxi” [máxi-desvalorização da moeda é uma desvalorização cambial grande e abrupta], inclusive por artigos assinados de ex-ministros colocando que o Brasil iria fazer “máxi” de 25% a 30%. Os exportadores pararam de exportar, não fecharam mais o câmbio, e nós estávamos todo dia perdendo uma quantia importante das reservas brasileiras, as quais começaram a se recuperar no início de novembro, lá pelo dia dez de novembro. Portanto, nós estávamos cada vez mais tendo problemas cambiais. Realmente na segunda quinzena de novembro conseguimos fazer o Cruzado II, dia 21, e com isso deu-se o choque que o senhor diz. Politicamente foi um desastre, e na realidade... Se 1986, por exemplo, não fosse um ano eleitoral talvez o cruzado tivesse outro final que não fosse esse - de uma campanha de apenas um desespero. Agora, uma nação como o Brasil não pode ser uma nação que simplesmente acha que um plano como este seja uma aventura e um sonho que não acontece nunca. Israel está no terceiro plano há um ano e meio, e agora está com 20% de inflação ao ano. As nações não podem ser covardes de imaginar que não tenham que enfrentar os seus obstáculos pela frente, por isso que o Brasil vai ter que desenvolver.

Augusto Nunes
: Antes de passar a palavra para o Bob Lopes, vários telespectadores estão querendo saber, eu acho que o senhor começou a responder. O Vicente Pires, da Vila Clementina pergunta o que o senhor acha dessa política “feijão com arroz” do ministro Maílson? E vários outros perguntam o que o senhor faria, se o senhor fosse ministro novamente, qual seria a sua política, sobretudo em relação à inflação? Eu só queria que o senhor detalhasse isso. O senhor está falando que, se o senhor for eleito presidente da República, o senhor vai aplicar um novo Plano Cruzado? [O então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega (1988 – 1990) declarara para um jornal, antes de assumir definitivamente o Ministério (fora ministro interino por cerca de seis meses), que não promoveria pacotes econômicos, ficando restrito ao “feijão com arroz” da economia. A expressão, estampada em manchete, a partir de então passou a rotular a postura de Maílson frente ao Ministério]

Dílson Funaro
: O que eu estou dizendo é que o Brasil precisa olhar para o seu futuro e dar outra condição de vida aqui dentro, porque nós fizemos uma política que estava ajustada a um pequeno nível da população brasileira. E que grande parte da população brasileira estava tendo durante 25 anos concentração de renda. O que não é viável para uma nação que deseja voltar à democracia.

Augusto Nunes
: Roberto Lopes.

Roberto Lopes
: Ministro, a impressão que eu tive até agora na resposta que o senhor deu ao colega do Estado, ao Paulo, é de que o senhor tenta sempre poupar muito o PMDB e os políticos. O senhor chama a si as responsabilidades; o Paulo lhe faz uma pergunta sobre a participação dos políticos, [e] o senhor tem outro tipo de resposta. Eu queria saber o seguinte: em que medida o presidente José Sarney foi responsável pelo fracasso do Plano Cruzado? - já que ele era o maior respaldo que o senhor poderia ter a nível político. Evidentemente, quando o senhor diz que, [enquanto] o PFL queria fazer cinco governadores, o PMDB queria fazer 23; não é exatamente [essa] a questão. Eu quero saber o seguinte: em que medida o presidente José Sarney falhou com o senhor, em dar respaldo ao senhor na teoria econômica, no momento do senhor tomar decisão econômica?

Dílson Funaro
: O que é o governo? O governo é um governo de transição. Uma vez me recordo que eu estava indo para uma dessas viagens para negociação da dívida externa e encontrei um ex-ministro [da Fazenda], Mário Henrique [Mário Henrique Simonsen], e conversamos um pouco no aeroporto e ele começou a me falar sobre os déficits dos estados. Eu disse: “Mário, você é um homem que tem experiência de governo, num governo no qual o presidente Geisel escolheu os governadores, os prefeitos. Portanto você não tem vivencia num processo democrático”. E na realidade o processo democrático é um pouco mais amplo do que apenas a responsabilidade direta de A ou B, é um processo... [interrompido]

Augusto Nunes
: Transição demorada essa nossa...

Dílson Funaro
: Pois é, mas ela está se esgotando também. O governo está perdendo agora a capacidade de resolver os problemas da nação. E quando se esgota a transição, é como uma ponte, ela chega no final e termina.

Roberto Lopes
: Não foi culpa do Plano Cruzado isso? Esse esgotamento, esse esvaziamento não foi culpa do fracasso do Plano Cruzado?

Dílson Funaro
: Eu acho que o Plano Cruzado foi uma grande experiência que o Brasil viveu. Todo mundo insiste muito em falar em fracasso, mas eu acho que existem pontos positivos extremamente importantes, porque essa nação deixou uma grande semente para um dia voltar a plantar.

Roberto Lopes: Eu digo isso porque o presidente Sarney diz a pessoas nessa fase final dessa sua gestão [que] o senhor não tinha mais capacidade de trabalhar em equipe, centralizava tudo. Eu quero que o senhor faça um julgamento de valor sobre o papel do presidente José Sarney nesse episódio do Plano Cruzado.

Dílson Funaro
: Essa avaliação que você dá eu realmente desconheço, porque a minha discussão com o governo era uma discussão diferente. Nós tínhamos uma equipe que trabalhava pesadamente para que pudesse ajustar um novo plano de estabilização. E naquele instante o plano de estabilização foi algo que o governo resolveu não fazer, principalmente depois da moratória. Eu voltei da viagem da moratória para fazer o plano de estabilização.

Carlos Brickmann
: O senhor fala em trabalho de equipe, e o livro do Alex Solnik - Porque não deu certo - é uma coletânea de depoimentos sobre o Plano Cruzado. O seu assessor Luiz Gonzaga Belluzzo se refere ao ministro Sayad como um bosta. O ministro Sayad diz que o senhor deveria ter estabelecido uma mesa para gerir o Plano Cruzado; o senhor recusou e quis gerir sozinho. O Pérsio Arida [um dos mentores do Plano Cruzado] diz que foi procurá-lo várias vezes com advertências, e que o senhor simplesmente: “Deixa para lá, que isso aqui nós estamos tratando”. Em resumo, se recusava a ouvir. Como é que o senhor chama isso de equipe?

Dílson Funaro: Eu acho que isso é outro ponto extremamente negativo. Eu vou lhe dizer que eu tenho outra idéia de equipe completamente diferente do que essa. Existiu um grupo de homens, como são as pessoas ligadas ao cruzado, que durante alguns meses trabalharam desejosas de fazer alguma coisa séria para o país, no maior sigilo. Quando fui aos Estados Unidos, numa reunião depois do cruzado - alguns meses depois do cruzado -, dois ministros receberam um prêmio de uma revista de finanças nos Estados Unidos, o ministro Baker [James Baker, secretário do Tesouro (1985 – 1988)] dos Estados Unidos, e eu. E o Baker, antes de fazer o seu discurso, fez questão de dizer o seguinte: “Dificilmente em qualquer outro lugar do mundo encontraria dez pessoas que se unissem em um segredo durante tanto tempo, e com tanto patriotismo para permitir que o país tivesse um plano como o Plano Cruzado”. Portanto a minha idéia de todos eles - como todas as famílias tem problemas - é uma idéia completamente diferente do que está retratada nesse livro. É uma idéia de uma equipe que trabalhou praticamente todas as noites na minha casa até duas, três horas da manhã, procurando acertar um plano econômico para o nosso país.

Mauro Chaves
: Ministro, logo que o senhor saiu do governo, nas primeiras entrevistas que o senhor deu, o senhor usou uma palavra meio surpreendente, não entrava muito no contexto, que era a questão da impunidade. O senhor disse que o maior problema do país era a impunidade. O senhor não sabia o que era, mas naquele contexto específico econômico ninguém entendia bem. Parece que o senhor não deu o nome dos bois, a impunidade [é] em relação ao que? O senhor estaria se referindo por acaso àquelas importações de carne estragada, de leite contaminado? [A importação de carne e leite em pó a preços inferiores ao de mercado ocorreu porque a região de origem desses produtos havia sido afetada pela contaminação nuclear provocada pelo acidente nuclear de Chernobyl, Ucrânia (abril de 1986), cuja nuvem de radiação espalhou-se por toda a Europa]

Dílson Funaro
: Mais do que isso.

Mauro Chaves
: Que outro tipo de corrupção havia no governo? O senhor sabia ou não?

Augusto Nunes
: Aproveitando o assunto levantado pelo Mauro. Paulo Medeiros de Carvalho, de Pinheiros, pergunta: “Quem foi o responsável pela importação de carne e leite contaminados? O senhor teve alguma participação nesse episódio? Se não teve, quais os nomes dos responsáveis”?

Dílson Funaro: Veja, eu acho que o que há de pior no Brasil é insinuar e não deixar registrado. Porque se insinua, muitas vezes insinuam contra as pessoas, e contra mim, [e] não deixam registrado. Não é verdade. Eu acho muito ruim para um cidadão ser atingido ou atingir alguém sem prova. Então o que eu fiz? Eu abri sindicâncias e fui até o fim. E vou lhe dar dois exemplos aqui extremamente sérios. Primeiro caso: Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados]. Eu tirei o presidente da estatal e coloquei o Ricardo Saur, [presidente do Serpro (1986 – 1988)] que é um homem que presidiu o Serpro até três dias atrás. Ele a fez e foi até o final na apuração, são quatro volumes de apuração do desmando que existia no Serpro; mandou ao Tribunal de Contas e à Procuradoria Geral da República, e na realidade hoje em dia até um procurador pediu a prisão administrativa do ex-presidente do Serpro – [é] a primeira vez que se pede isso numa estatal. Segundo: [a] questão da Cobec [Companhia Brasileira de Entrepostos Comerciais, extinta no governo Collor, em 1990 já sob o nome de Infaz - Companhia Brasileira de Infra-Estrutura Fazendária] – Companhia Brasileira de Armazéns Gerais. Há um grande problema na Cobec: deram um prejuízo de mais de 375 milhões de dólares ao governo federal. Eu tive que fazer três Comissões de Inquérito, porque nas duas primeiras, quando pegaram o nome das pessoas pediram demissão e foram embora. E na terceira Comissão o procurador foi até o final. O seu jornal [O Estado de S. Paulo] registrou o envio das provas a Procuradoria Geral da República: sete caixotes de provas com mais de vinte quilos cada um, o seu jornal estampou a fotografia. Portanto eu acho que a democracia e a impunidade... A impunidade diminui a partir do momento que exista seriedade.

Mauro Chaves: Mas aí o senhor falou de casos punidos, que o senhor encaminhou à polícia...

Dílson Funaro
: Punidos não, agora esse processo da Cobec foi para a Procuradoria...

Mauro Chaves: O senhor enquanto ministro tomou providências?

Dílson Funaro
: Enquanto ministro mandei para a Procuradoria; e a Procuradoria agora devolveu para a Fazenda pedindo mais esclarecimentos. Eu espero que eles esclareçam e mandem de volta.

Mauro Chaves
: Então o que chegou ao seu conhecimento foi só isso?

Augusto Nunes: E sobre a importação de produtos contaminados?

Dílson Funaro
: Eu acho que são dois casos importantes.

Mauro Chaves
: No caso da carne também?

Dílson Funaro: Não, vamos mais longe, o caso da carne fui eu que abri. Uma Comissão de Inquérito, no fim ficou embaixo do presidente da República a pedido meu, porque começou a aparecer essa questão de carne, que havia contaminação e etc. etc. O Brasil não comprou carne contaminada, porque não há nenhum interesse do governo comprar uma carne contaminada, ao contrário.

Mauro Chaves
: Eles contaminaram o leite, a carne é estragada. A carne é estragada e o leite é contaminado.

Dílson Funaro
: É um detalhe. Vamos dizer estragada ou contaminada, está bom? Ou [vamos dizer que seja o] leite. O Brasil não fez nenhuma importação para importar nem carne estragada, nem contaminada, nem leite. Se acontecer isso, existe o Ministério da Saúde de lá, o Ministério da Saúde de aqui. [É uma questão] pública. Verifica-se se o lote não está perfeito; devolve-se; e o seguro paga, ou o país [de origem] paga. Quer dizer, ninguém deseja uma importação errada para o nosso país.

Augusto Nunes: E porque isso não foi feito, ministro?

Dílson Funaro: Foi feito.

Augusto Nunes
: Não, a carne não foi devolvida, foi?

Dílson Funaro: A carne está sobre julgamento, a carne está sendo discutida agora. [Sobre] o leite, eu vou lhe contar o seguinte: o processo do leite saiu outro dia, mostrando que os índices da radiação do leite não era o que havia sido dito, e vocês publicaram que na realidade o leite estava com índice de radioatividade mais baixo do que o leite europeu. Acho que essas coisas são importantes.

Mauro Chaves: E essa carne foi importada pelo preço do mercado internacional?

Dílson Funaro
: A carne foi importada numa condição extremamente favorável para o Brasil, porque era mais ou menos entre 900 a 1000 dólares por tonelada, e o Brasil importou [por um valor] entre 620 [e] 670. O Brasil naquele momento exportava o filé mignon a três mil dólares. A Cota Hilton nós conseguimos através de um processo de negociação no momento da importação da carne. [Cota Hilton é o índice que fixa a participação de cada país no mercado europeu de carne in natura]

Fernando Mitre
: Na primeira noite em que o senhor passou fora do poder, o seu assessor principal, um dos principais, o Luiz Gonzaga Belluzzo, esteve num programa de televisão em São Paulo e ele dizia que a “barra era tão pesada” em volta do poder em Brasília - pessoas buscando vantagens -, que o senhor era chamado de “freirinho” por uma grande autoridade que freqüenta ou freqüentava o Planalto, o senhor era o “freirinho”. Eu gostaria de saber quem é essa pessoa. O Luiz Gonzaga disse que certamente isso seria dito, [mas] nunca foi [esclarecido], então essa meia denúncia fica [no] meio caminho, e a gente não sabe bem como lidar com ela.

Augusto Nunes
: Parece que o “freirinha” do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] era o Bacha [Edmar Bacha], num dos livros aparece.

Fernando Mitre: O Beluzzo disse no programa do Mino Carta na TV Record que o “freirinha” era o ministro.

Augusto Nunes
: Então são duas.

Fernando Mitre: Então havia duas “freirinhas” no governo!

Dílson Funaro
: Acho que o importante é voltar ao tema que é o debate nacional. Certamente o Ministério foi extremamente rígido em todas as verbas, para ter o déficit público menor possível.

Fernando Mitre: O senhor chegou a assinar o pedido de verba para a construção da Norte-Sul? [Ferrovia Norte-Sul]

Dílson Funaro
: Fiz mais do que isso.

Fernando Mitre
: O senhor é a favor da construção dessas linhas?

Dílson Funaro
: Deixe-me lhe dizer, explico com muita tranqüilidade. Eu deixei a verba vinculada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento, se fosse aprovado um Fundo Nacional de Desenvolvimento. Nós tivemos quatro reuniões do Fundo Nacional de Desenvolvimento com o Ministério de Transportes, e só o aprovariam se ele levasse um projeto de custo-benefício completo, que naquele momento não existia. Como o Ministério da Fazenda não dá prioridades, mas vincula verbas, eu deixei. Depois de ter assinado a demissão, eu voltei [atrás] e vinculei à aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento. [A verba] não conseguiu ser aprovada até hoje, e [a ferrovia] está sendo construída com uma verba especifica do Ministério dos Transportes.

Augusto Nunes
: José Paulo Kupfer.

Dílson Funaro: Só para citar, [isso foi] diferente de uma manchete do seu jornal, [dirige-se a Mauro Chaves, jornalista do O Estado de S. Paulo] dizendo que eu havia dado uma ferrovia de presente ao presidente da República no aniversário, o que me deixou revoltado com uma colocação que jamais aconteceu - até porque eu não dou presente com dinheiro público.

José Paulo Kupfer: O senhor disse aqui no começo que já gravou parte das suas conversas da discussão da dívida externa. Dá para o senhor contar um episódio, o terceiro episódio mais escabroso que o senhor viu lá fora?

Dílson Funaro
: Eu acho que o problema maior, eu faço questão de dizer isso, o maior problema... A crise aconteceu em 1982, [entre] 1981 e 1982 - Estados Unidos subiu os juros em 1981. Em 1985, [no] final de agosto do ano de 1985 eu entro no Ministério da Fazenda. De agosto de 1985 até março de 1986 eu não consegui uma [ênfase no uma] autoridade econômica no mundo que discutisse a crise mundial comigo. Só tinha uma resposta: “Vá resolver o seu problema com o Fundo Monetário Internacional”. Quer dizer, foi montado o maior cartel de credores que já aconteceu na história...

José Paulo Kupfer
: Conta para a gente como que é. É uma coisa tão grande, tão distante, parece que fica em Marte. Como que é uma discussão dessas? Tem soco na mesa, se xinga, “vá já ao FMI, a porta é ali”, como que é?

Dílson Funaro
: Eu acho que a colocação é um pouco diferente. Existe uma negociação, na qual cada parte coloca a sua questão com muita firmeza...

José Paulo Kupfer
: [...] tem uma conversa dessa?

Dílson Funaro: Não, eu acho que a conversa não é por aí. A conversa é a seguinte: “Qual é o futuro das ações em desenvolvimento”? Então eu saí da primeira reunião, fui visitar as autoridades americanas, depois visitei as autoridades na Europa e a colocação era uma só: “Nós temos que proteger o sistema internacional, você vá ao Fundo Monetário”. Aí eu fui ao Fundo Monetário almoçar com [Jacques] de Larosière [economista, então um dos diretores do FMI] na primeira visita. Quando chego colocam uns papéis: o que o Brasil deveria ser... Deixei-os em cima da mesa... [interrompido]

[...]
: [...]

Dílson Funaro: Para ser discutido. Eu os deixei em cima da mesa, nem me aproximei dos papéis, e fui dizendo que o Brasil não voltaria ao Fundo, que precisaria existir outra condição de negociação internacional. E a partir daí eu acho que o problema... Eu quero lhe dizer que o Dalay Regier teve uma posição profundamente correta, nunca mais tocou no assunto. Quando se encontrava comigo sempre discutia as questões internacionais. Nas reuniões do Fundo aí sim o problema se tornava diferente. Reuniam todos os países, como aqui [no Roda Viva], numa posição de reunião internacional...

José Paulo Kupfer: Nós fomos lá. A gente sabe que não é aqui, é nos quartos do hotel, não é ali.

Dílson Funaro
: Não, nos quartos é a segunda conversa, a primeira é na sala. Então na sala se discute a economia internacional no Fundo Monetário. E como é que se discute a economia internacional no Fundo Monetário? O grande problema da criação do Fundo é para quê? Para estabilizar as economias. Como é que se estabilizam as economias? Qual é a grande discussão de todas as reuniões que eu fui? O grande problema da balança de pagamento dos Estados Unidos com Japão e Alemanha. “Ora, se o problema principal é esse, como é que vocês exigem que se façam acordos com 10% da economia, sacrificando 10% em acordos com o Fundo”? - que não são recessivos porque querem ser recessivos, são recessivos por causa do contexto internacional. A solução não é através dos acordos com 32 nações que estão tentando representar 10% da economia mundial.

Mauro Chaves: Porque o presidente José Sarney diz hoje que o maior erro foi a moratória?

Dílson Funaro: Eu não posso lhe responder pelo presidente. Mas eu vou lhe dizer o seguinte: o maior acerto foi no momento que o país tinha [ainda] um nível de reservas e parou de pagar. Tenho absoluta certeza [enfático] do que eu estou lhe dizendo. Porque no momento em que se faz uma baixa de reservas de tal ordem que o país fica numa situação angustiosa, [como a] que ficou em 1982...

Mauro Chaves: Mas o momento foi errado então?

Dílson Funaro
: Não foi, [as reservas] chegaram em quatro bilhões de dólares. Parou-se [de pagar], um ano depois está com quatro e alguma coisa. O que significa que houve caixa todo esse tempo para pagar as importações e não haver problema.

José Paulo Kupfer
: Vou contar um episódio: o senhor só me diz se eu estou certo ou errado.

Dílson Funaro: Pois não.

José Paulo Kupfer: Um assessor seu, nas vésperas da moratória, teve um encontro com o nosso presidente Sarney, e o presidente Sarney perguntou se dava para fazer para amanhã, e esse assessor disse: “Não, precisa de pelo menos mais uma semana”. Isso aconteceu?

Dílson Funaro: Eu acho que aconteceram inúmeras reuniões, não sei se especificamente essa. Mas eu vou lhe dar o grau de consciência que o presidente tinha sobre as reservas. Ele viveu 1982 [a crise de 1982], e no primeiro dia que nós estivemos [juntos] ele já contou essa história publicamente. Portanto, eu posso lhe dizer que no primeiro dia que nós estivemos juntos, depois do convite [para ser] o Ministro da Fazenda, ele disse: “Eu acho que nós temos que estabelecer uma meta para as reservas. O Brasil não pode chegar a 1982”. Era exatamente o que eu pensava, existiu uma grande coincidência de idéia, já havíamos falado anteriormente um pouco sobre isso, e estabelecemos uma meta de cinco bilhões de dólares. Mas eu precisava passar no Clube de Paris, em janeiro de 1987, que foi uma reunião importante: o Brasil pela primeira vez sem o Fundo Monetário, sem os tradicionais acordos com o Fundo Monetário fez um acordo com o Clube de Paris - que são com todos os outros governos. [O Clube de Paris congrega de modo informal 19 países que são os principais países credores]. E em fevereiro decretamos... [interrompido]

José Paulo Kupfer
: Houve um problema político, como foi o eleitoral - no caso do Plano Cruzado?

Dílson Funaro
: Aí não, aí era um problema de data.

José Paulo Kupfer
: O presidente não queria ver na moratória como um ponto de relançamento? Não se imaginava que seria possível catalisar novamente a população?

Dílson Funaro
: Kupfer, o problema da moratória é [que] necessita de uma nação que tenha nervos de aço para negociar. Quinze dias depois da moratória todos os contratos que venciam lá fora eram colocados no overnight. [títulos com taxa de juros overnight, isto é, cuja taxa de juros será definida pela taxa média de juros praticadas nas transações diárias registradas feitas com títulos do governo federal de curto, médio e longo prazos] Eu estive numa reunião internacional e disse: “Vocês estão com grave problema, vocês não vão conseguir controlar os seiscentos bancos, e a qualquer momento vai explodir igual a [crise financeira de] 1929”...

José Paulo Kupfer: [...] limpou a...

Dílson Funaro
: O que acabou acontecendo? A partir dali eles passaram para trinta dias de novo. Portanto, o processo de moratória era um processo de todos os níveis, de um nível alto até o nível mais baixo. Agentes da CIA [Central de Inteligência Americana] foram no hospital ver quanto tempo eu tinha de vida. O cônsul americano, ou ex-cônsul americano em São Paulo veio aqui para se reunir com todos os empresários e alguns jornalistas para dizer que seria muito mais fácil se o Ministro da Fazenda saísse - os Estados Unidos estariam abertos a uma discussão maior. Quer dizer, esse tipo de nível existiu em todos os momentos.

Augusto Nunes
: Vou ter que interromper por alguns momentos a nossa entrevista, teremos um intervalo. Mas antes eu queria que o senhor respondesse rapidamente o seguinte: um telespectador, Carlos Chaves, ele observa que, quando o senhor começou a responder sobre as causas do fracasso do Plano Cruzado, o senhor falou em duas: a primeira causa seria a questão da poupança. O senhor não mencionou a segunda. E outros telespectadores desconfiam que a segunda causa estaria no problema dos bancos nacionais. Eu queria que o senhor rapidamente dissesse qual foi a segunda causa.

Dílson Funaro
: Acho que houve várias causas. O que eu estava dizendo naquele momento é [sobre] o crescimento da demanda, não é [sobre o] fracasso do plano. O crescimento da demanda teve duas causas. O crescimento da demanda foi primeiro [devido a] um grande saque da caderneta de poupança, equivale a 200 bilhões de saques em quatro meses. Você imagine isto mudando hoje para o consumo como crescerá a demanda. O segundo foi: este crescimento levou a uma ampliação da massa salarial. Em 1985 e 1986 criaram-se três milhões de empregos no Brasil. Foram três milhões de pessoas [a mais] que tiveram salários, felizmente tiveram salários para poder gastar. Então na realidade isso aumenta a massa salarial e pressiona a demanda também. Mas o fracasso do plano ou os problemas do plano são mais do que isso. Eu acho que o Brasil teve um encaminhamento a partir de setembro, outubro, novembro [de 1986], quando precisava resolver os seus problemas estruturais, que não são rápidos. Quando existe isso se faz o segundo [plano], se faz o terceiro, e se chega [enfim] numa estabilidade.

Augusto Nunes: Nós voltaremos a isso, eu preciso fazer o intervalo agora. O programa Roda Viva com o ex-ministro da fazenda Dílson Funaro volta já.

[intervalo]

Augusto Nunes: Retomamos aqui a nossa conversa com ex-ministro da fazenda Dílson Funaro, convidado do Roda Viva desta noite. Eu lamento retomar a conversa informando que o governo acaba de autorizar um aumento de 17% na gasolina. Ministro, isso lembra o seguinte: vários telespectadores querem saber se o senhor não considera uma indignidade o estabelecimento de empréstimo compulsório em relação à gasolina, aos combustíveis? E perguntam o seguinte: “Quando é que alguém vai receber este dinheiro de volta”? Se é um empréstimo tem que voltar. O que aconteceu?

Dílson Funaro: Eu quero falar sobre a dignidade do empréstimo. O empréstimo existe em todos os países do mundo, e é melhor forma de se fazer. Quando a economia num determinado momento precisa de uma correção, o governo precisa fazê-la. Não adianta simplesmente ignorar que precisa corrigir: tem que ir, tem que fazer. E o empréstimo compulsório sobre a gasolina foi uma forma importante, era a forma de se fazer, segundo a Constituição brasileira. Existia uma liquidez muito grande no mercado, então esse dinheiro foi recolhido ao Banco Central até o final de 1986. E a partir de 1987 ele compôs no FND a possibilidade de se fazer empréstimos e se fazer um financiamento do setor público.

Augusto Nunes: Mas não é um aumento disfarçado, ministro?

Dílson Funaro
: Não, não é um aumento disfarçado. Se fosse aumento disfarçado ele iria para a Petrobrás, se fosse um aumento apenas. E havendo a criação de um fundo era a forma de naquele instante congelar esse dinheiro no Banco Central, para que ele ficasse até o final do ano.

José Paulo Kupfer: É um aumento real, a gente paga, não é aumento disfarçado.

Dílson Funaro: O aumento existe...

Augusto Nunes: É um aumento, mas não tem esse nome.

Dílson Funaro: Por exemplo, o aumento de hoje, você acabou de anunciar, 17%: se foi provocado pelo FND, ou pelo aumento [em si], evidente que para o consumidor seria a mesma coisa. Mas evidente que o FND fez com que esse dinheiro não fosse a Petrobras, mas fosse diretamente aos cofres do Banco Central para permitir que ele ficasse lá. Na realidade o decreto-lei faria com que esse dinheiro fosse encaminhado de volta, distribuído por automóveis no fim de um determinado tempo – [assim] como nasceu o BNDES, [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] com depósitos compulsórios dessa forma [e] como [também] nasceram outros fundos através de processos iguais a esse.

Augusto Nunes
: Agora o que emprestaram serão reembolsados de que forma?

Dílson Funaro: O decreto estava assim: é um título que pode ser negociado no mercado depois de três anos, e ele tem um rendimento mínimo de correção monetária mais seis [por cento de juros]. Então ele iria para o mercado com esse rendimento, e ele poderia ser negociado em qualquer lugar. Como o título da Eletrobrás, [Centrais Elétricas Brasileiras S.A.] por exemplo, como outros títulos que existem no Brasil.

José Paulo Kupfer: Vamos pegar o FND de outro jeito, porque, como é um fundo público, ele é tradicionalmente como todos os outros: ele já tem um rombo hoje de uns oitenta bi. Quer dizer, se fosse pagar hoje o que as pessoas têm em haver com ele, já não iria ter como. Vamos pegar ele pela sua idéia. A idéia dele era criar, salvo engano, um mecanismo...

Dílson Funaro
: ... de financiamento do setor público.

José Paulo Kupfer: ...de longo prazo...

Dílson Funaro
: ... que não existe no Brasil.

José Paulo Kupfer: Certamente não existe. Como é então possível se crer que outro Plano Cruzado possa dar certo num país que não tem investimento público? Ou seja, como é que se pode crer que um aumento da demanda - que é o que pretende qualquer Plano Cruzado que se preze -, que o aumento da demanda não [esteja] sendo respondido pela oferta? Porque não há investimento público para luz, para aço, para trens, enfim, todas as coisas. [Como se crê que] possa dar certo, e não seja um profundo gerador... de que ela [a demanda] iria acabar [em] uma tremenda, impossível inflação? Não é preciso primeiro dar condições para que se possa crescer nessa demanda? Enfim, não é meio irresponsável se confiar, ou meio esperançoso demais confiar que a inflação inercial... [interrompido]

Mauro Chaves: Que não haja desabastecimento, como houve, que não haja ágio.

Dílson Funaro
: Deixe-me insistir nisso do desabastecimento e do ágio, porque o senhor coloca, e coloca bem.

José Paulo Kupfer
: Mas eu queria que o senhor me falasse como é que nós vamos daqui para frente.

Dílson Funaro: FND e conseqüências, quer dizer, todo esse pacote econômico. Outra vez temos que olhar no horizonte. O que o Brasil pretende? Ter crescimento. Você acha que empresário investe quando tem 25% de capacidade ociosa? Acho que não investe. De 1981 a 1984, o que nós fizemos com o Brasil? Despedimos gente, investimos em alguns setores de exportação, e mantivemos um nível de investimento extremamente baixo. Como o país ficou? Ficou um país defasado da tecnologia internacional. Nós temos que recuperar o Brasil de ter estagnado [por] quatro ou cinco anos, e acontece exatamente um pouco a colocação sua. Quando existe uma demanda um pouco maior, se faz um Plano Cruzado. O Brasil não chegou a consumir, seis anos depois, o que nós consumíamos em 1980, e esgotou a sua capacidade de produção. Há dois pontos extremamente importantes: não significa que, se dando uma renda menor ao trabalhador, ele tenha que ser perdulário e gaste tudo, porque o trabalhador também tem direito a poupança, portanto esse ponto é muito importante. Não significa que as pessoas recebendo um salário mais alto... Claro que há faixas da população que, no momento que ganharam um pouco mais de salário, se alimentaram – se alimentaram 8% a mais, compraram 35% a mais de remédio, ninguém compra remédio se não precisa. Evidente que é a situação de uma posição de população absolutamente carente, que no momento que teve algum recurso houve a necessidade de ver os seus bens básicos garantidos. Mas, além disso, houve uma parte da população que realmente podia poupar um pouco mais. O trabalhador na França, na Alemanha, ele tem o direito de receber o seu salário e ter a sua poupança. Então o Brasil também pode caminhar para um processo desses. E [em relação a]o ágio, aconteceu uma coisa importante. Por essa estrutura, que estava parada há quatro anos sem investimento, no momento em que o país cresce um pouco, ela começa a se refazer, e os empresários começam a investir. Então é preciso um mínimo de tempo nesse projeto.

Mauro Chaves
: Porque os pequenos e os médios empresários se arriscaram. Eles investiram e se estreparam depois. Os grandes empresários - o grande capital nacional e multinacional: os projetos são muito longos, demoram muito – meses -, então eles não assumiram esse risco. Quem realmente assumiu o risco do cruzado, entrou no barco do cruzado, se estrepou, realmente foi o segmento do pequeno empresário e do médio empresário.

Dílson Funaro: Quando o senhor coloca assim entrou, se estrepou...

Mauro Chaves: E é verdade.

Dílson Funaro: Eu acho que a história é um pouquinho diferente.

Mauro Chaves: O senhor acha que não? Ele está bem hoje?

Dílson Funaro: Não, eu não acho que está bem. A economia brasileira não vai bem, absolutamente não vai bem. Mas eu acho que o grande ponto é o seguinte: não se pode jogar a culpa no cruzado por não ter continuado a necessidade de fazer planos de estabilização e por o país em ordem. Não se pode simplesmente ir por um caminho e simplesmente largar esse caminho na metade. Este que é o ponto fundamental, e não [é] dizer que houve o desabastecimento. Desabastecimento houve no Japão. Depois da guerra passaram quatro anos com a economia destruída, e nem por isso ela deixou de se reconstruir. Na Europa, eu vivi um ano depois da Segunda grande Guerra Mundial na Europa; as pessoas foram reconstruir a Europa trocando por um prato de comida, nem por isso deixaram de reconstruir a Europa.

Mauro Chaves: Mas [isso ocorreu] com um aumento rápido de consumo, de trinta milhões de pessoas?

Dílson Funaro
: Mas não é exatamente assim. Houve um aumento de consumo de que? Alimentação - extremamente importante. Que consumo que bate igual ao de 1980? Ou [que é] menor que 1980? Seis anos depois! Veja o que deixaram. Os aluguéis, tão importantes para a população brasileira: há cinco anos nós estávamos construindo 30% do que era necessário [em habitação], chega um momento que o povo tem um pouco mais de dinheiro, então qual é a opção? Não dar dinheiro para o povo. Isto é a organização antiga do governo, está [na] racionalidade do governo anterior: não dar, porque assim não falta. E os empresários não investem também porque não tem mercado, e o Brasil pára e joga tudo no mercado financeiro. E aí sim, o empresário fica vivendo do mercado financeiro e não fica vivendo dos seus investimentos.

Mauro Chaves
: O senhor pegou o setor [de] locações. Interessante que a confusão que houve no mercado imobiliário de locações no Plano Cruzado, aqueles ajustes pela média etc. desestimularam por completo as construções para locação.

Dílson Funaro: Não é verdade. A construção teve um dos maiores crescimentos no Plano Cruzado. O que a locação mostra é que ela não construiu 30% do que ela deveria ter construído de 1981 a 1985.

Mauro Chaves: Eu digo mercado de locações.

Dílson Funaro
: Mercado de locações é o resultado da construção de apartamentos, é o estoque de apartamentos que há para alugar, ou casas para alugar. E na realidade esse mercado ficou de 1981 a 1985 sem construir, 30% apenas foi construído. E quando voltam um pouco de recursos para o povo, já não existe nem o apartamento e nem a casa, e o aluguel explode. E é por isso que causa a inflação, ou de um plano como o cruzado e etc. Qual é a opção? A opção é manter os salários bem apertados, porque aí o Brasil está em ordem. Em ordem para quem? Em ordem para dez milhões de brasileiros.

Mauro Chaves: Sem falar ironicamente, qual seria a solução então? Um novo congelamento?

Dílson Funaro
: Não, a solução eu diria o seguinte - e de nenhuma forma eu fui com ironia -, o que eu quero dizer para o senhor é que no governo tem que haver uma idéia do futuro para atingir uma tática, para atingir aqueles objetivos. Qual é o problema de um povo como o Brasil? Ele tem que inicialmente discutir a questão externa para poder fazer importação; sem importação o Brasil não se moderniza. No Plano Cruzado, por exemplo, nós importamos dois bilhões e 800 milhões de maquinário novo, o que é extremamente importante para o Brasil ter poder de competição. A grande discussão com a Autolatina, [foi uma holding formada pelas subsidiárias brasileiras das indústrias de automóvel Wolkswagen e Ford] vou dar um exemplo claro. Chamo todo o pessoal da indústria automobilística e digo o seguinte: “Eu conheço as fábricas de vocês. Desde 1980 vocês não põem um dólar na fábrica para modernizar as suas empresas, muito pouco o que vocês fizeram de 1980 para cá”. A Coréia modernizou, o Japão modernizou, os Estados Unidos estão modernizando. Existem três pólos no mundo que fabricam automóveis cada um: o oriente, com dez milhões de automóveis; os Estados Unidos, com dez milhões de automóveis; e a Europa, com dez milhões de automóveis. E o Brasil produz um milhão e pouco por ano. Se o Brasil não investir em layout [configuração] das fábricas, em tecnologia de processo etc, todas as vezes os presidentes das montadoras vão se sentar com o ministro da Fazenda e pedirem para desvalorizar a moeda brasileira, porque nós não somos competitivos. Nós vamos ser competitivos quando as fábricas estiverem equipadas, modernas, para poder haver competição internacional.

Mauro Chaves
: Inclusive segurança para os carros também.

Dílson Funaro
: Claro, tudo passa por aí. Então o acordo com a Autolatina passa no primeiro item, investimento de novos um bilhão de dólares. Não em produto, produto eles fazem, eles melhoram o produto: em processo [enfático], porque as fábricas têm que ser modernas.

Ann Charters: Um dos problemas nesse sentido é o fato do [...] não deixar importar os mais modernos componentes eletrônicos, que tem partes eletrônicas que sejam copiadas aqui. Por isso não há razão das indústrias automobilísticas importarem as coisas mais novas, se vão ser copiadas, [o] que não pode.

Augusto Nunes: O senhor apóia a política de reserva do mercado?

Dílson Funaro: Componente eletrônico no automóvel é uma pequena parte no automóvel.

Ann Charters: Agora não. Quase todo o controle do automóvel está computadorizado, [pelo menos] os mais novos.

Dílson Funaro: Evidente que nem todos, mas os super modernos [de] hoje, os modelos mais sofisticados passam por uma “computadorização”: desde o sistema inteiro do automóvel de motor até os sistemas de controles, nos modelos mais avançados. Nos modelos mais simples, inclusive que nós exportamos para fora, são adaptadas algumas peças para se poder fazer [isso]. Na exportação o drawback tem funcionado; [mecanismo que possibilita ao importador adquirir a preços internacionais e sem impostos os insumos utilizados na fabricação do produto exportável] segundo, é uma política [que] realmente tem que ser discutida em termos de informática - que o Brasil discutiu, tem aberto [o mercado], [mas] temos uma determinada reserva de mercado, e aí é um problema sério a ser discutido. A minha posição [em relação a] a reserva de mercado: só é viável e possível a partir do momento que exista um grande desenvolvimento tecnológico. E no Brasil nós não estamos fazendo desenvolvimento tecnológico, e a reserva de mercado acaba virando um cartório. Portanto, ela é necessária num determinado momento, mas tem que ser complementada com a tecnologia desenvolvida ou adaptada localmente. A Coréia está mandando três vezes mais pessoas para fora em termos de bolsas de estudos do que o Brasil, proporcionalmente. O sistema de informática no mundo inteiro está sofrendo uma revolução. O Brasil precisa manter uma reserva de mercado em alguns setores, mas precisa rapidamente, se deseja ter o desenvolvimento, incentivar pesquisas nesse setor, porque nós não podemos ficar como estamos hoje.

Carlos Brickmann: O Plano Cruzado tem virtudes que eu acho que ninguém pode negar. Quem comprou a geladeira, comprou a geladeira. A geladeira está na casa dele, só vai ter que trocar daqui a dez anos. Quem pôde alimentar melhor os filhos, os filhos vão crescer melhor. Acho que quanto a isso não há dúvida. O grande problema do Plano Cruzado a meu ver não foi a fase do congelamento, foi a fase pós-congelamento. Porque é um plano que vinha vindo, durou dez meses, de repente descongelou aos trambolhões. Ao contrário do que se dizia, que iria descongelar aos pouquinhos, certinho, iria aumentar uns 12% da indústria automobilística, depois iria ver... O que aconteceu que de repente desabou? De repente, entre 15 de novembro e 15 de janeiro os preços explodiram?

Dílson Funaro
: Isso aconteceu também em alguns outros países que fizeram planos de estabilização. Chega um determinado momento, acontece isso, volta o processo inflacionário automaticamente, porque aí é causa e efeito de todas as coisas. Você tem quatro pontos essenciais: câmbio, salário, juros e preço. Qualquer um que disparar, dispara o restante. Se os preços descongelam e sobem, automaticamente os juros vão atrás, e ele é um efeito, mas ele é causa do custo no mesmo momento. O câmbio é desvalorizado igual aos preços, ele é efeito e a causa também de custos no mesmo instante. Esse processo nos leva ao retorno do processo inflacionário como um todo. Quando acontece isso outra vez, o Brasil tem opção: o que nós precisamos e queremos fazer com o futuro do nosso país? Enfrentar outra vez o problema da indexação, discutir outra vez. E não tem outro caminho. Eu também acho que há momentos em que nós não temos muitas opções: ou se convive com o processo inflacionário, ou se enfrenta o processo inflacionário. Não existe meio termo nesse processo, não existe meia indexação.

Carlos Brickmann
: Porque em Israel deu certo, e no Brasil não?

Dílson Funaro: Israel deu [certo] no terceiro plano, o segundo plano de Israel também não foi bem.

Celso Pinto
: Israel fez um corte brutal no seu número de funcionários, foi uma hostilidade enorme, teve perdas de salários, foi um impacto. Se o senhor fosse reeditar um congelamento hoje, como o senhor disse que faria, o que o senhor faria para dar credibilidade a esse plano? O senhor faria algo semelhante a Israel, o senhor faria um corte profundo, sério nas contas públicas? O senhor falou agora a pouco na falta de poupança que aconteceu - quem menos poupa no país, o senhor sabe, é o Estado. O Estado não só não poupa, como rouba a poupança do setor privado. Inverteram uma situação que acontecia exatamente da maneira oposta da década passada, que permitiu crescer 10% ao ano. Muito bem, para retomar a poupança no Estado, é preciso que o Estado equilibre as suas contas. Precisa fazer um corte dramático, profundo, enfrentar esse problema de frente, do lado da poupança. É preciso que seja feito algo desse tipo para que alguma tentativa de reedição do cruzado tenha o mínimo de credibilidade. O senhor faria dessa maneira um novo Plano Cruzado?

Dílson Funaro
: Celso, eu acho que cada plano no seu momento. No componente do plano é necessário uma profunda credibilidade política, senão, não se faz o plano. O primeiro plano eu acho muito difícil, acho muito difícil, porque o governo está no fim da transição, e um governo de transição... [interrompido]

Roberto Lopes: Defende quatro anos para o presidente Sarney?

Dílson Funaro: Eu acho que nós temos que terminar a Constituinte e ter eleições.

Mauro Chaves: Ministro, eu queria entrar agora... Só entrar num ponto da sua candidatura a presidente da República, mas eu queria antes só fazer essa colocação. O senhor se candidata a presidente da República e a sua grande bandeira é o cruzado? - que teve o seu período de sucesso e teve o seu fracasso. O que me parece talvez mais problemático talvez na sua imagem é exatamente aquela idéia do ministro que talvez não tenha saído no momento certo, de um certo modo “engoliu muito sapo” no governo, e teve que fazer muitas concessões a um partido e a um governo que não queria perder as eleições. E o problema da Ferrovia Norte-sul, por exemplo, mesmo que ela tenha sido vinculada ao FND, também acrescento o fato do senhor ter provado, ou ter assinado, ou não ter pelo menos pressionado o presidente da República a desistir da idéia. Quer dizer, eu acho que isso na sua imagem pública esses problemas persistem. Como o senhor está disposto a enfrentar esse problema?

Dílson Funaro
: Com a realidade, como já aconteceu.

Augusto Nunes: Aliás, ministro, eu queria, antes que o senhor começasse a resposta, o senhor é candidato a presidência da República?

Dílson Funaro
: Acho que aí precisa ser recolocado. Primeiro lugar eu não sou candidato nem de mim mesmo. Eu sou um homem que defendia idéias e não tenho bandeira do cruzado, essas idéias estão defendidas há muitos e muitos anos, de fazer o país um pouco diferente do que ele era. Tenho todos os pronunciamentos durante toda a minha vida, quer como secretário do estado, quer como ministro do governo federal. Portanto, eu acho que, candidatura... Eu não sei que regime esse país vai ter, se vão escolher parlamentarismo, presidencialismo, se vão ser quatro, se vai ser cinco, o que vai acontecer no futuro. [a Constituição de 1988 ainda estava em elaboração] Eu saí do Ministério e fui debater exatamente o que nós estamos debatendo aqui, que eu acho extremamente importante. Eu não sou dono da verdade, mas eu acho que nós temos que discutir as causas principais e qual é a direção do Brasil. A opção, qual é? Viver com a inflação? A opção é fazer planos de estabilidades? A opção é concentrar renda? É encontrar saída na discussão externa? Quando eu saí do Ministério da Fazenda eu me propus correr pelo Brasil para discutir, então eu saí discutindo isso.

Augusto Nunes
: O senhor enfrenta esse tipo de problema de imagem que falam mal nesses debates, eles acham que o senhor ficou tempo demais. O senhor “engoliu muito sapo”?

Dílson Funaro
: Veja, Mauro, há algumas colocações importantes, depende da pessoa que julga. O Mário Amato fez esse programa [ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)] Conversei com ele depois do programa, [e] ele me disse o seguinte: “Olha Dílson, eu até disse que eu discordava de você, porque num determinado momento você deveria por o chapéu na cabeça e ir embora”. É uma imagem. [Mas] é uma imagem de apenas um ângulo de um grande tetraedro. Ele estava dizendo sobre descongelamento, mas eu tinha pela frente a dívida externa, e depois da [moratória] dívida externa eu tinha que certamente ficar um tempo [no governo], para que não existisse nenhuma retardação. Essa consciência eu tinha, acontecesse o que acontecesse. Não se faz uma suspensão de pagamentos e se vai embora. Nisto eu tenho muita consciência do que eu fiz.

Augusto Nunes
: Deixe-me só assegurar a palavra, aí depois o Fernando Mitre fala. Paulo Moreira Leite.

Paulo Moreira Leite
: Ministro, eu queria saber uma coisa que é meio engraçada. Todo ministro que deixa o governo do presidente Sarney sai falando muito mal. O senhor não fala diretamente, mas tudo o que o senhor está falando sobre a economia brasileira, o rumo que ela deveria tomar, o caminho que deveria ser não tem nada a ver com que está acontecendo. O ex-ministro [do Planejamento (1987 – 1988)] Aníbal Teixeira também saiu falando mal, o ex-ministro dos Transportes virou o grande tribuno, o grande líder contra a Norte-Sul. [Affonso Alves de Camargo Neto] O que há nesse governo que, quando saem dali, os ministros saem falando mal? [Para] a gente que está de fora fica uma coisa que a gente não entende.

Dílson Funaro: A minha postura é muito conhecida desde o primeiro dia.

Mauro Chaves
: Falam mal até certo ponto, mas não falam mal até o fim. O problema eu acho totalmente ao contrário. Não chegam a dizer exatamente, [mas] insinuam muito.

Dílson Funaro
: A pior coisa é a generalização, e eu acho que vocês estão fazendo isso. Eu acho que cada ministro tem uma postura, cada ministro é uma pessoa, e cada um tem uma conduta. Mas a minha conduta, desde o dia que eu saí até hoje - já dei entrevistas para várias pessoas que estão aqui - sempre foi uma conduta da discussão do problema nacional. Até porque, para mim, os governos vão passando, as pessoas vão passando e esta importância não existe, quer em relação a minha equipe, quer em relação ao Brasil. Quero discutir sempre o futuro do meu país, que é o que eu discuto no país inteiro. Então eu pediria que pelo menos os senhores não generalizassem.

Augusto Nunes
: Mitre, a sua pergunta. Depois eu quero levantar os telespectadores.

Dílson Funaro
: Só terminando. Sobre o governo como um todo, o governo de transição, eu acho que todos sabem que tem uma meta a cumprir, que é a transição. E ele termina no momento que ele perde a capacidade de resolver os verdadeiros problemas nacionais. No momento que ele vai para outro caminho, e perde a capacidade de solução dos problemas - aí não é o presidente, é o governo como um todo -, ele automaticamente se afasta das soluções. E, se afastando das soluções ele termina, porque é um governo que acaba não resolvendo os problemas.

Paulo Moreira Leite
: A minha impressão, o senhor me desculpe, é diferentemente [dessa] de que cada ministro fala, faz suas criticas ao governo por razões diferentes, situações diferentes, circunstâncias totalmente diferentes. Para mim a impressão, ao ouvir o senhor, é que eu estou ouvindo um discurso quase de um oposicionista.

Dílson Funaro
: Eu quero saber [de vocês] se eu mudei nos últimos 25 anos. Eu acho que eu tenho escrito e tenho declaração de toda a minha vida pública. Eu quero saber se eu mudei. Porque eu acho que a grande diferença é essa, pessoas que mudam de posição. E eu tenho mantido uma coerência em todos os momentos da minha vida pública.

Fernando Mitre: Só para continuar, Roberto...

Dílson Funaro: Eu acho que ficou muito claro desde o primeiro momento. Mais longe, nas conversas com doutor Tancredo, ainda ele como candidato, depois ele eleito...

[...]: Aí todo mundo concordava...

[sobreposição de vozes]


Dílson Funaro
: Eu dizia algo até mais do que isso. O governo não pode ficar segurando algumas medidas para ter definição de mandato. O governo deve governar como se tivesse muitos anos pela frente, para poder ter a decisão em cada momento, e não deixar cada decisão pendente a uma definição de mandato, que é a pior coisa que pode acontecer, porque aí não se resolve nada.

Augusto Nunes: Mitre, a sua pergunta. Depois eu vou fazê-la.

Fernando Mitre: Se os ministros saem falando mal do governo, por outro lado o governo costuma falar mal dos ministros. Por exemplo, Sarney recentemente disse que o maior erro do governo dele foi a moratória. O senhor fez a defesa da moratória e passou mais ou menos em branco. Eu gostaria que o senhor respondesse, não a mim, mas ao ex-ministro Mario Henrique Simonsen. Ele disse quarta-feira no jornal do Brasil que a moratória custou um bilhão de dólares aos cofres do país; foi um péssimo negócio: o spread [diferença entre o ganho do banco o custo da operação] subiu, as linhas de curto prazo se encurtaram, e também cresceu também os preços delas. Como que o senhor responde a isso?

Dílson Funaro
: Vejo como o ministro Mario Henrique coloca erradamente essa posição. Eu assinei um acordo com o comitê de bancos em dezembro de 1986, porque a partir de qualquer negociação de 1987 seria retroativa a primeiro de janeiro de 1987. Esse acordo está em vigor. Quando o Bresser acabou de fazer um empréstimo [...], ou algo parecido com esse primeiro pagamento dos juros, ele fez questão de registrar que a taxa que estava pagando naquele momento não significaria qualquer indicador a todos os contratos principais de juros a partir de um de janeiro de 1987, que só serão definidos no acordo definitivo. Quando eu entrei em 1985, eu também assinei [os contratos de rolagem da dívida de] 1986. Os spreads de 1985, de 2% eu passei para 1,125% - que era o spread mais baixo do mercado naquele momento, depois do México. Em setembro de 1986 consegui 0,82%. Imediatamente em dezembro eu disse que eu não pagaria mais o teto do México, para começar a conversar, e nós assinamos um acordo dizendo que é retroativo de primeiro de janeiro de 1987. Portanto, não existe nenhuma definição de perda do governo brasileiro, porque os spreads não estão especificados. No momento em que o Brasil acertar o acordo definitivo, aí sim vai ser retroativo a primeiro de janeiro de 1987 até aquela data. Portanto não houve perda... Isso é importante [dizer], porque o ministro Mario Henrique fala algumas coisas que precisam ser redefinidas. Eu tenho alguma dificuldade em compreender um [ex] Ministro da Fazenda, que sai [do Ministério] e vai sentar no conselho do maior banco credor do Brasil [o Citibank]. Tenho muita dificuldade, pela massa de informações que tem o ministro da Fazenda do Brasil. Segundo ponto é que esse um bilhão de dólares não existe - está sendo divulgado de uma maneira errada e incompetente, e não é séria -, porque o Brasil não está pagando isso, existe um acordo firmado conosco. O terceiro ponto: o problema da discussão internacional não pode ser colocado como está voltando a ser colocado. O Brasil é um país que tem o direito de negociar a sua dívida externa nos níveis que o Brasil precisa negociar. O primeiro ponto é o desenvolvimento brasileiro, depois é o restante. E o restante é o entendimento entre as nações com o Brasil e as nações credoras, para que se permita fazer um mundo um pouco diferente do que é o atual. E é o que eu cobrei dos países ricos, eu disse: “Vocês façam a reunião dos sete ricos [o G-7, atual G-8, grupo que reúne os sete países mais ricos mais a Rússia] e assinem um protocolo dizendo o seguinte: vocês acabaram de dividir o mundo em países ricos e países que não tem chance. Assinem esse protocolo porque é a política que vocês estão fazendo”. Quem ganhou o prêmio Nobel [de 1987]? Robert Solow. Numa reunião há pouco tempo atrás, ainda esse ano, com economistas mais jovens - estavam discutindo sobre a política americana, se dava certo, se não dava certo -, ele disse: “Vocês estão errados, eu sou mais velho que vocês e quero dar um testemunho dizendo o seguinte: a política deu absolutamente certo, ela fortaleceu os mais fortes, deixou os ricos mais ricos”, e era exatamente isso que eles queriam. A definição é do Prêmio Nobel, não é minha.

Ann Charters
: Com a moratória o Brasil realmente fez uma coisa muito difícil de se recuperar, ou seja, feriu a sua credibilidade, na parte de comunidade de empresários internacionais, de companhias olhando para que país eles vão fazer o investimento, para eles o Brasil deixou de ser um país confiável com o decreto de moratória. Além deste custo, que podemos discutir um pouco mais, comparado ao México e a Argentina, o Brasil agora está numa posição mais fraca do que antes.

Dílson Funaro
: Possivelmente.

Ann Charters
: Eu estou dizendo que isso está vindo do exterior.

Dílson Funaro: Vou lhe responder. Em primeiro lugar, o que o investidor estrangeiro deseja aqui é um mercado que cresça. Eu conheço muitos presidentes de multinacionais, converso com eles. A pior posição para eles nos investimentos que fizeram no Brasil é ter um país da forma como estava de 1981 a 1984, estava parado. O que eles desejam é que realmente o mercado interno brasileiro... Eles vieram para cá porque eles acreditam no mercado interno brasileiro, e quando a política que o Brasil adota é de estrangular os salários, é a pior posição para a empresa estrangeira, porque ela não faz linha no Brasil. O segundo ponto é o problema de credibilidade ou não. Volto ao sistema financeiro internacional ou não? Está sendo colocado todos os dias, o Brasil está voltando. Está voltando ao que? Voltando a um caixa pagador? Ou voltando aos empréstimos internacionais? Empréstimo não existe, nem vai existir. Vou lhe dizer o seguinte, Ann: eu acho que eu conheci em detalhes os últimos 150 anos de moratória. Vou lhe dar [de exemplo] dois estados americanos, Pensilvânia e Mississipi. A Pensilvânia no começo do século devia aos bancos ingleses. Os bancos ingleses pela primeira vez fizeram uma grande campanha na Pensilvânia e no Mississipi, interferindo na política local para que os governadores futuros pudessem aumentar suas taxas de impostos e pagar aos bancos ingleses. E pela primeira vez eles interferiram localmente na política. Na Pensilvânia acabaram ganhando os [candidatos] protegidos pelos bancos, [o estado] aumentou os impostos [e] acabou pagando a dívida. E o Mississipi até hoje não pagou a dívida com os bancos ingleses. Nem por isso o Brasil deseja suspender, e não pagar, que não é isso. Nós desejamos um financiamento viável para que a nação brasileira cresça, e que aí sim os investidores estrangeiros tenham confiança. Porque o que o investidor deseja? É a visão do tempo, e nós não podemos a cada seis meses ter uma discussão pública com os banqueiros se vai ter o empréstimo, se não vai ter o empréstimo etc., porque isso afugenta o investidor. O que nós desejamos é dar uma visão. É exatamente por isso que depois da moratória eu disse: eu quero um plano de cinco anos, porque aí o investidor volta a ter confiança no Brasil. Temos que sair da crise, e não conviver com a crise.

Augusto Nunes: Ministro, vou introduzir outra questão, como o senhor vê por essa amostragem aqui interessa bastante aos nossos telespectadores. O senhor é o principal acionista da Troll [fábrica de plásticos e brinquedos, falida no final dos anos 1980]. Todas essas cartas, que o senhor receberá depois, todas essas transcrições de perguntas dizem respeito ao empréstimo recente feito pela Troll junto ao BNDES no valor de 650 milhões de cruzados. Então, por exemplo, André Raposo Medeiros, de Jabuticabal, ele simplesmente pede maiores informações sobre esse empréstimo. Outros telespectadores, é o caso do Maurício Queirós, de Campinas: ele se qualifica como pequeno empresário, diz que já tentou conseguir empréstimos num valor menor e não conseguiu. Vários deles perguntam se o senhor não se considera favorecido pelo governo ao conseguir esse empréstimo.

Roberto Lopes
: Eu gostaria de completar. É porque o seu colaborador, Luiz Gonzaga Belluzzo - logo depois que houve a notícia de empréstimo do BNDES para a Engesa [empresa de equipamentos de defesa], cujo dono é amigo notório do ministro do Exército; [outro empréstimo do BNDES] para a Sharp, cujo dono é amigo notório do presidente da República; para a Transbrasil - o doutor Beluzzo foi para a televisão dizer, foi denunciar isso, como se isso fosse realmente uma prática maléfica. Então eu queria só completar e ouvir a...

Dílson Funaro
: Agradeço-lhe, porque alguns jornais têm citado sobre isso, e eu acho que é importante colocar isso. O que a Troll está fazendo não é um empréstimo, é um aumento de capital. A Troll é uma empresa que em 1987 teve uma produção maior do que conseguiu vender. É o problema da crise nacional, e num determinado momento achou que tinha que fazer um aumento de capital para que pudesse sair dos bancos, que eu acho que é uma meta de qualquer empresário. Ela está fazendo um aumento de capital de 900 milhões, no qual os acionistas e os bancos particulares entram com 600, e o BNDES entra com 250, que é o que está estabelecido - não são 600, são duas linhas que se complementam. Ou ele [BNDES] entra como acionista com 250, se nenhum acionista comprar, ou esses fundos que o BNDES tem... Que inclusive são para financiar qualquer acionista, os controladores e os outros, que permitam financiar o acionista através do Procap – que é uma operação que existe no mercado. [Programa Especial de Apoio à Capitalização da Empresa Privada Nacional] Então quero dizer [que] a Troll não fez nenhuma operação diferente das ultimas cinco que ela fez, inclusive [em] governos diferentes. É a quinta vez que ela faz um aumento de capital nessa proporção, exatamente na mesma proporção. E o BNDES em todas as outras entrou, bancou a sua posição e saiu da sua posição tendo uma lucratividade - segundo o banco, acima do nível normal das outras empresas. Portanto, é um aumento de capital absolutamente normal, sem qualquer excepcionalidade, sem qualquer privilégio, ou sem qualquer juro subsidiado: é correção monetária mais dez [por cento de juros], que é o empréstimo que eles dão aos acionistas.

Augusto Nunes: O senhor não se considera favorecido?

Dílson Funaro
: Quando eu saí [do Ministério] - eu estou há três anos dentro da empresa -, os aumentos de capital só diminuíram minha posição. Eu tinha 55% da empresa, hoje eu tenho menos de 12. Portanto, eu acho que me dedicar ao governo e a outras coisas simplesmente diminuiu a minha posição na empresa.

Augusto Nunes: Dílson, o que você pensa dessas outras operações tão mencionadas pelo...

Dílson Funaro
: Eu acho que cada uma tem que ser verificada como foi feita, em que situação, que taxa de juros ou o que foi. Eu não posso lhe dizer sobre operações que eu não conheço.

Roberto Lopes: O senhor as diferencia inteiramente do caso da Troll?

Dílson Funaro
: O caso da Troll é exatamente igual a todas as empresas normais, dentro das normas do BNDES, não há nenhuma excepcionalidade, não há nenhum juro subsidiado, não tem absolutamente nada. Agora eu lhe pergunto o inverso. Porque a Troll, tendo eu 12 % das ações da Troll, não poderia recorrer a um banco [para] fazer uma operação igual a todas as outras que ela tem nos últimos 15 anos, que está dentro da norma do banco.

Roberto Lopes
: É verdade que nesse caso os bancos privados se recusaram a colaborar com a Troll na emissão de debêntures? Seria um tipo de represália pela sua política muito dura com o setor bancário privado, na época que o senhor era ministro da Fazenda? [debênture é um título de crédito emitido por uma empresa de sociedade por ações, cujos detentores possuem crédito e garantia de receberem na forma estabelecida quando da emissão dos debêntures]

Dílson Funaro
: Depois que eu saí do governo eu fiz até questão de não voltar à empresa durante um tempo. Eu agora estou voltando uma ou duas vezes por semana de manhã, porque eu achei que deveria me manter o mais distante possível, um tempo longo, depois da saída do Ministério, exatamente para não ter qualquer interferência, nem na empresa, e nem fora. Eu acho que o meu exemplo é um exemplo digno de uma pessoa que sabe separar muito bem o que é um cargo e seus assuntos particulares.

Roberto Lopes
: Desculpe-me, mas o senhor não me respondeu nenhuma das duas. Os bancos privados se recusaram a colaborar na emissão de debêntures da Troll?

Dílson Funaro: Não, as debêntures eram debêntures conversíveis em ações. Nesse aumento de capital entrou um banco - [que é] parte banco, não é um banco, é uma empresa de negócios - que assumia uma posição de 20% da empresa, e achou que nós deveríamos fazer debêntures e transformá-los em ações. Em novembro e dezembro o mercado estava muito difícil para transformar em ações, e em janeiro o mercado é completamente diferente, é um mercado favorável de ações. Então resolveram queimar uma etapa e imediatamente transformar em aumento de capital.

Roberto Lopes: O senhor não considera que isso significa uma retaliação do setor de bancos privados a sua pessoa.

Dílson Funaro: Uma operação que está praticamente fechada com bancos que normalmente atenderam a empresa durante os últimos trinta anos. É uma empresa que está no mercado há quarenta e poucos anos, dos quais na minha mão desde 1967, e em todas as suas fases teve um relacionamento de cliente com o banco, e isto é um pouco independente do lado político.

Roberto Lopes: O governador deste estado, Orestes Quércia, já disse que não existe nenhum peemedebista no país hoje capaz de vencer a convenção do PMDB para [candidato à] presidente da República, a não ser o deputado Ulysses Guimarães. O senhor acha que existe alguma chance de algum outro peemedebista vencer a convenção do PMDB, a não ser o doutor Ulysses?

Dílson Funaro
: Eu acho que vai ser discutido em convenção [entrevistador faz uma expressão de descrédito]. Eu não sei nem o regime que nós vamos, para presidencialismo ou para parlamentarismo? Quatro ou cinco anos? Qual é a condição do Brasil? Evidente que o nome do doutor Ulisses, como presidente do partido - um homem que fez a transição, focalizou a transição -, é um homem hoje colocado no partido como um grande nome para a presidência da República.

Mauro Chaves: O senhor se candidataria se o regime fosse parlamentarista, ou só no caso do presidencialismo?

Dílson Funaro
: E que [tipo de] parlamentarismo? Porque eu acho que está se discutindo que tipo de ligação vai existir entre o executivo e o Congresso. Isso não está claro, acho que ainda está muito indefinido.

Mauro Chaves: O lançamento da sua candidatura estaria condicionada ao tipo de governo. É lógico, o senhor disse que não quer ser candidato assim mesmo, foi lançado somente na convenção. Mas o senhor conta possivelmente com algumas bases ou com alguns segmentos, alguns grupos. Quais são os grupos, quais são as forças políticas, as facções partidárias, enfim, os grupos sociais que o senhor conta para se lançar [candidato a] presidente da República?

Dílson Funaro
: A única coisa que existe são as publicações que vocês fazem, a imprensa faz. Colocando [em questão] um pouco a pesquisa nacional, como até hoje eu apareci na pesquisa com uma determinada porcentagem, alta, eu sou obrigado a estudar em detalhe na situação nacional as idéias que eu defendo, que tem uma receptividade alta. Então eu não preciso discutir isso dentro do contexto do partido, discutir com todo processo político brasileiro, e é o que eu tenho feito: ido as bases discutindo, conversado, estou procurando no fim rediscutir as idéias. Seja em torno de uma candidatura, seja em torno da candidatura de quem for, o importante é que as idéias sejam defendidas. Então eu estou nesse caminho, estou debatendo.

Mauro Chaves: Quem o senhor acharia que teria idéias mais próximas as suas, fora o senhor evidentemente, mais próximas e que seriam presidenciáveis?

Dílson Funaro: Eu acho que hoje [é] a base do partido. Primeiro, o partido. O partido hoje vive alguns momentos de intranqüilidade, insatisfações, muitas facções.

Mauro Chaves: Você estaria mais próximo de quais facções, ou de qual facção?

Dílson Funaro
: Eu acho que de uma linha do PMDB que reflita um pouco as mudanças que nós tivemos.

Mauro Chaves: Mas quais?

Roberto Lopes
: Qual a sua opinião sobre o Centrão? [coalizão formada durante a Assembléia Constituinte por parlamentares situados no espectro político da centro-direita]

Dílson Funaro: O Centrão teve o seu momento, e hoje está mostrando que está se esvaziando e certamente não vai ser o grande Centrão que esperavam.

Roberto Lopes: Está em desagregação, em sua opinião?

Dílson Funaro: Eu acho que sim. O Centrão eu acho que está marcado por uma desagregação.

Fernando Mitre
: Eu queria saber se o ministro tem um contato constante com um grupo, com o [...] do PMDB? Parece-me que o senhor esteve nas reuniões.

Dílson Funaro: Eu tive contato com o [...], tive contato com os outros. O [...] num determinado momento estava querendo sair do partido, eu conversei muito com ele.

Fernando Mitre
: Como o senhor vê a idéia?

Dílson Funaro
: Nós temos que aguardar um pouco, até para verificar o que vai acontecer.

Fernando Mitre
: Essa intenção de sair do partido...

Dílson Funaro
: Não se sai de um partido. Eu acho que tem que se lutar dentro de um partido. Porque existe o seguinte: existem algumas idéias que sempre foram o alicerce de grupos que defenderam isso dentro do partido: o sistema de eleição, o sistema presidencialista, há uma educação de renda - mesmo no governo isso foi todo um plano de governo. Houve uma grande discussão sobre todos esses pontos que nós discutimos aqui, isso une várias pessoas de dentro do partido.

Fernando Mitre
: Ministro, outro ponto: o senhor reconhece alguma parcela de responsabilidade no que chamam do fracasso do Plano Cruzado? - essa descrença generalizada que há em relação à classe política. Recentemente houve uma pesquisa de opinião pública publicada, e que dizia o seguinte: o banqueiro do jogo de bicho nesse momento tem uma credibilidade maior junto a opinião pública do que o político.

Dílson Funaro
: Então vou lhe dar a pesquisa antes do Plano Cruzado. Realmente a população brasileira não acredita em nada.

[...]: Depois do Plano Cruzado.

Dílson Funaro
: Pois é. Depois veio o plano. [A população] não acredita nos políticos, não acredita na Justiça - acha extremamente lenta -, não acredita, e por aí ela ia descendo. Inclusive acho que vocês publicaram essa pesquisa antes do cruzado também. De repente se faz um movimento na nação brasileira para procurar se ajustar, mais do que um plano de estabilização, voltar a mudar a nação brasileira. Há uma frase, um pensamento importante sobre isso, ele diz o seguinte: a maioria das pessoas vê os acontecimentos e perguntam: “Por que, o quê aconteceu”? Mas tem algumas pessoas que influem diretamente nos acontecimentos procurando caminhos novos, e perguntam: “Por que não”? E a sociedade brasileira perguntou “por que não?”, e ela realmente entrou no Plano Cruzado para tentar fazer alguma coisa. Neste momento o desejo de se fazer alguma coisa nova passou por todas as etapas da sociedade brasileira. Agora, reconstruir um país novo, também o Brasil não pode ser um país onde se iluda, aonde chega alguém com uma vara mágica, faz uma mágica, e o país imediatamente mudou.

[...]
: Não tinha carne!

Dílson Funaro: Mas o que é carne? A Europa ficou sem carne três anos, e a Europa cresceu!

José Paulo Kupfer
: Isso foi um grande problema, porque tinha que mudar mentalidade, mudar comportamento. E mais que isso... [interrompido]

Dílson Funaro
: Mas isso não se muda em dez meses.

José Paulo Kupfer: Não tinha nem comida. Fazia já uns dez anos, antes do ano passado, que a oferta per capita de alimento caia nesse país, fazia já dez anos que o índice de alimento no curto da vida, na inflação, era maior do que a média, [e] portanto puxava o índice. Como é que o senhor vê uma idéia da inflação inercial resolver coisas que estavam mais atrás, que eram mais estruturadas. Mesmo o senhor caiu nisso.

Dílson Funaro
: É muito diferente. Se você soma inflação inercial mais o restante dá isso que está aí hoje, ou o que estava antes da gente entrar. Quer dizer, você fica rolando...

José Paulo Kupfer
: Inercial com 12% [ao mês].

Dílson Funaro
: Dá na mesma, é o mesmo nível. A diferença de [inflação mensal de] 12% ou 16% é muito pouco, é grande, mas é uma diferença que também...

José Paulo Kupfer
: Hoje nós temos inflação. Se você pegar o preço do ano passado, de outubro para hoje [quatro meses depois do Plano Bresser] está dando já uns 20%.

Dílson Funaro: Sim, mas vamos olhar no plano do país, não vamos olhar apenas nisso. O que ocorre quando você tem isso? Você tem todos os defeitos originais da concentração de renda, você não está fazendo mudanças.

José Paulo Kupfer: Porque caiu a oferta per capita de alimentos, ministro? Será que foi uma boa reforma agrária, com recursos...

Dílson Funaro: Uma boa modernização da agricultura, como houve em 1986 durante o Plano Cruzado, levou a agricultura brasileira, em 1987, porque o clima foi bem, à safra brasileira. Vai levar em 1988 certamente a uma excepcional safra, se as condições climáticas continuarem bem. Por quê? Porque se modernizou, 1986 foi um ano quando o agricultor realmente comprou trator, mudou seus processos, teve mais sementes, e foi por aí.

Augusto Nunes
: Ministro, acho que boa parte desse desalento que o senhor reconhece que existe por parte do povo brasileiro se deve também ao tamanho da corrupção que se vai espraiando pela parede estatal. O ministro Aníbal Teixeira disse que a figura intermediária para liberações de verbas, nem sempre usando métodos muito éticos, sempre existiu, é uma coisa normal. Eu queria saber o que o senhor pensa disso? E o Ricardo Henrique, da vila Mariana pergunta se o senhor viu muita corrupção no seu tempo de ministro: “O que o senhor fez para combatê-la”?

Dílson Funaro
: [Para] todo e qualquer sinal [de corrupção] era imediatamente aberta uma Comissão de Inquérito, ou eu tirava a pessoa do governo, como tirei alguns. Mais do que isso, eu vou mais fundo nessa questão. No Brasil é a questão da impunidade, que eu disse como um motivo [do descontrole econômico]: nós não podemos ter uma justiça tão lenta como temos no Brasil; nós não podemos esperar oito, dez anos para ter solução de um caso. O que é o processo democrático? O processo que respeita os direitos individuais do cidadão e respeita os direitos da sociedade. Se o processo judiciário for lento, e demorar a mostrar esse respeito à sociedade, nós vamos ter [por exemplo] uma multa do Plano Cruzado que vai para a justiça, a pessoa recorre, e daqui a oito anos ela vai acertar as contas entre a empresa que foi punida naquele instante e o Estado. Isto demora e faz com que o Brasil seja o Brasil que todos nós conhecemos. É o jeitinho, é a impunidade, é esse processo. Por isso que o novo plano passava por uma modernização das instituições nacionais, principalmente Justiça. A Secretaria do Tesouro, por exemplo, em cada local tem coisas absolutamente importantes para serem feitas. Quando eu cheguei [ao Ministério] se fechava o mês para saber o que aconteceu no mês anterior. Hoje a Secretaria do Tesouro dá, através de um processo de informática extremamente competente, dívidas de estados, de municípios: quanto que o município empregou, o que aconteceu com a dívida externa do município, dá tudo. Quando vem o prefeito sabe tudo: cada déficit, cada dia - no dia 17 você sabe como vai fechar o mês. Essa melhoria de modernização da nação brasileira retrata o que o Brasil vive hoje. Ele vive com sistemas institucionais modernos e sistemas institucionais extremamente antigos, e a sociedade se debate entre o antigo e o corrupto, e o novo e moderno.

Augusto Nunes
: Havia intermediação para liberação de verbas no tempo do senhor, ministro?

Dílson Funaro
: A Fazenda tinha uma programação orçamentária, seguia a programação orçamentária. Em nenhum momento no processo da Fazenda existiu esse tipo de colocação. Nunca me chegou qualquer empresário que chegasse: “Eu precisei agir desta maneira para conseguir uma liberação”.

José Paulo Kupfer
: O CIP [Conselho Interministerial de Preços] era um centrinho de corruptos quando o senhor chegou lá [no Ministério]?

Dílson Funaro: Com essa discussão do ministro do Planejamento...  Aliás, eu tive muito pouco contato, porque no momento que o Aníbal entrou eu estava saindo. Mas o que ele levanta sobre essas verbas [é que] são verbas sociais do Ministério do Planejamento que são normalmente encaminhadas para algumas prefeituras, [para] algumas de suas ações básicas, algumas coisas desse jeito. São verbas que tem o apadrinhamento razoável de alguns deputados que representam aquela região. Quando é apenas um pedido de um deputado, não existe intermediação do deputado. O outro problema mais grave é o que ele levanta sobre intermediação.

Roberto Lopes: O senhor teve uma época que trabalhou no governo com o doutor Aníbal Teixeira, na Seap [Secretaria de Abastecimento e Preços]. O senhor nessa época teve algum motivo para supor que mais tarde o senhor Aníbal Teixeira iria ter problemas da ordem que está tendo hoje?

Dílson Funaro
: O meu contato com a Seap é muito relativo, provavelmente [em] um ano e meio de governo nós tivemos dez contatos, ao nível de uma discussão do Seap.

Roberto Lopes
: O senhor fazia bom juízo dele?

Dílson Funaro: Ao nível de uma discussão de uma pessoa que estivesse no governo trabalhando em um programa social. O meu contato com o governo quase como um todo era muito oficioso, eu sempre tive essa maneira de trabalhar. Eu respeito todas as pessoas, discuto com todas as pessoas... [interrompido]

[sobreposição de vozes]

Augusto Nunes: José Paulo, e depois Paulinho.

José Paulo Kupfer
: O senhor teve algum problema no CIP desse tipo?

Dílson Funaro: No CIP eu tive o seguinte: nós mudamos o superintendente do CIP, e num determinado momento ele teve problemas. Teve problemas internos e mandou para a polícia: sumiram os processos, [ou] algo parecido. Pediu-me apoio, e eu mandei demitir todos os envolvidos. Ele demitiu todos, e eu dei mão forte a ele.

José Paulo Kupfer
: O que eram? Eram planilhas que estavam sendo fraudadas?

Dílson Funaro
: Eu não sei exatamente o caso, mas havia sumido planilhas. Ele num determinado momento sentiu que alguma coisa não estava funcionando a contento.

Roberto Lopes: Aquele rapaz da Sunab [Superintendência Nacional do Abastecimento, extinta em 1997] saiu dizendo que o senhor não tinha dado a ele todo o apoio - eu me esqueço, talvez alguém possa me socorrer -, que saiu reclamando o seguinte....

Dílson Funaro: [sorrindo] Por favor. Foi Maria Helena Nazarini, depois...

Roberto Lopes: Não, antes.

Dílson Funaro
: [...] Extremamente competente, fez um excelente trabalho...

Roberto Lopes: Que era da Sunab que saiu... O ministro da Sunab tinha dado a ele para proibir...

Augusto Nunes
: Ninguém se lembra mais o nome dele, já foi importante... [risos] O senhor, ministro, não achava quando passou a ser executado o Plano Cruzado, o senhor não se dava conta, no começo da execução do Plano Cruzado, da anemia da máquina que o senhor ia ter que operar? Sunab, CIP, não era uma coisa... [interrompido]

Dílson Funaro
: Extremamente fraca, 500 fiscais para o país inteiro. O [...] quando se encontrou comigo ele disse: “Eu tinha 120 mil pessoas trabalhando em controle de preços nos Estados Unidos”. Eu disse a ele: “Eu tenho 135 milhões”. Porque na realidade um plano desse não pode ser feito pelo fiscal da Sunab, o plano desse é o plano de uma nação. E se a nação se desencanta é porque ela não deseja o plano.

Augusto Nunes
: Mas os fiscais do Sarney trabalharam em vão.

Dílson Funaro
: Eu acho que as pessoas trabalharam muito, a sociedade deu um grande apoio. Eu tenho ido muitas vezes para o interior... Porque chegou um determinado momento, mesmo no ágio, o que aconteceu? A indústria produzindo 13,5% a mais, o que significa um dos maiores índices de crescimento da indústria brasileira. A agricultura produzindo... Naquele ano de 1986 teve a seca, até importamos os alimentos, mas depois num determinado momento o consumo de produtos básicos foi bem. [O que ocorreu com a] carne é que foi mal. O que isso mostrava? Mostrava [que] a população - muita gente deixou de comer carne - não aceitou o ágio. Teve pessoas que lutaram até o fim, teve empresários que foram até 28 de fevereiro sem aumentar o seu preço, e teve empresários que no segundo mês começaram a cobrar ágio por fora e etc. Nós temos de tudo dentro de uma sociedade. No terceiro plano de Israel - porque Israel é muito menor e é diferente... [interrompido]

José Paulo Kupfer
: [...] Recebe em dólar...

Dílson Funaro
: Só um instantinho. Deixe-me completar o raciocínio, José Paulo, só para lhe dizer como as coisas podem ter outro caminho, e era um caminho que eu não quis adotar porque o Brasil não tem instituições para adotar isso. Israel [está] no terceiro plano. Como Israel já é uma economia acostumada a viver com guerra, e tem fóruns de arbitragem diferentes, no terceiro plano eles o fizeram realmente não admitindo as mudanças que aconteceram no primeiro e nem no segundo, como aqui aconteceu no primeiro: mudavam botão da roupa [e então] lançavam roupa diferente etc. Prenderam 300 empresários em sessenta dias. Agora aqui certamente a gente iria prender os empresários que não tinham feito nada, e deixar o empresário que tinha feito.

José Paulo Kupfer
: Culturas diferentes.

Dílson Funaro
: Porque é outro contexto, e não era o caminho.

José Paulo Kupfer
: A Argentina também fez o plano...

Dílson Funaro: Então realmente o raciocínio é o seguinte: não é este o caminho que o Brasil deveria tomar. Era um caminho de se engajar num processo, devagarzinho ir liberando o processo, porque ninguém queria congelar a economia brasileira, mas no momento em que a demanda permitisse [haveria] um determinado equilíbrio e estabilização. Segundo, não existindo a chance de dar certo no primeiro, tem que se insistir num segundo, terceiro. É assim que os outros países conseguiram estabilizar a economia. A Argentina também fez isso.

Mauro Chaves
: O senhor insiste sempre no exemplo Israel. Com tantos países que existem no mundo que deram problema de inflação, o senhor cita apenas um exemplo, que é Israel. O único exemplo histórico que existe é esse?
Dílson Funaro
: Eu diria o seguinte, que Israel coincide muito... [interrompido]

[...]
: Argentina...

Dílson Funaro: A Argentina fez, a Bolívia teve uma posição diferente... [interrompido]

Mauro Chaves: Mas não serve como exemplo. O senhor não cita nunca como exemplo.

Dílson Funaro
: Eu cito a Argentina. Argentina fez o primeiro plano, fez correções seguidas, ficou seis meses para fazer correções. Porque [se] a inflação volta, ela corrige, tenta corrigir de novo. Agora, cada país é um cenário diferente, absolutamente diferente. Israel é pequeno comparado ao Brasil. Não se pode citar aqui [que] o que [se] deu em Israel vai dar no Brasil.

Mauro Chaves: A diferença é brutal.

Dílson Funaro: É brutal. Exatamente. Um país que vive em guerra, e outro não...

Augusto Nunes: O senhor conclua, por favor, que nós estamos no último minuto.

Dílson Funaro: O que eu estou lhe dizendo é vontade ou não do povo querer ou não querer ir para um caminho. Quando Israel decide – aí é o exemplo de Israel - decidiu reunir os trabalhadores, o partido dos trabalhadores lá, a representação dos trabalhadores no governo, a representação dos empresários, o governo, e decidiram realmente estabelecer novamente um plano de estabilização. Aconteceu como aqui, no começo do [Plano] Bresser: [ao] imaginar que iria haver um congelamento, todo mundo subiu o preço, deu 28% inflação no primeiro mês.

Mauro Chaves
: Lá teve decreto-lei também, ou não?

Dílson Funaro
: [No] terceiro não, [no] primeiro sim.

Mauro Chaves
: O primeiro foi.

Dílson Funaro: O terceiro não. Como eu acho que no Brasil o terceiro vai ser também uma associação com a sociedade.

Augusto Nunes: Ministro Dílson Funaro, nós estamos há mais de duas horas no ar e infelizmente temos de encerrar essa nossa conversa. Nossos agradecimentos ao senhor que enfrentou bravamente esta Roda Viva. Nossos agradecimentos aos entrevistadores. E o programa Roda Viva volta na próxima segunda-feira as 9h25. Boa noite.

[Dílson Funaro (1933 – 1989) faleceu na cidade de São Paulo vítima de câncer linfático, doença inclusive mencionada indiretamente por ele durante esta entrevista]
Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco