Paulo Markun: Boa noite. O
Roda Viva começa hoje uma série sobre a conjuntura política. Neste e nos próximos três programas estaremos discutindo e analisando com importantes lideranças políticas o cenário e as perspectivas em torno da sucessão presidencial de 2002. Os partidos políticos já se movimentam em direção à corrida presidencial, e um deles propõe a realização de eleições primárias em março do próximo ano, onde os próprios eleitores escolheriam o candidato único da base governista à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Este partido é PFL, Partido da Frente Liberal, presidido pelo senador Jorge Bornhausen, que é o entrevistado desta noite do Roda Viva.
[Comentarista]: Jorge Konder Bornhausen é advogado, trabalhou dez anos na iniciativa privada antes de começar carreira política, que teve início em 1965. Como vice-governador de Santa Catarina, governou o estado de 1979 a 1982, e na seqüência foi eleito senador, também por Santa Catarina, estado que ainda hoje ele representa no Senado na República. Foi ministro da Educação em 1986, no governo Sarney [1985-1990], e embaixador do Brasil em Portugal de 1996 a 1998 por indicação do presidente Fernando Henrique Cardoso. Jorge Bornhausen é presidente do PFL [Partido da Frente Liberal. Em 2007 foi transformado no Partido dos Democratas (DEM)] desde 1993. Na página oficial do partido na internet, www.pfl.org.br, estão registrados o histórico, o manifesto de criação, estatuto, programas, princípios e outras informações a respeito da atuação do Partido da Frente Liberal. O PFL foi criado em 1985, na esteira de abertura política no Brasil. Na década de 1990, o partido se fortaleceu e ampliou sua importância ao formar, com o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], a aliança que deu base política ao governo Fernando Henrique Cardoso [presidente da República entre 1995 e 2002]. Episódios recentes, como a perda das eleições para presidência do Senado e também à presidência da Câmara Federal causaram desgastes para o partido, assim como o processo da quebra do sigilo do painel de votação do Senado, que terminou com a renúncia do senador Antônio Carlos Magalhães [(1927-2007), influente político baiano, foi governador de seu estado durante o regime militar e no período democrático. foi também senador e ministro], um dos homens fortes do PFL. De outra parte, os problemas e o conseqüente desgaste sofrido pelo governo federal levaram o PFL a questionar a aliança governista e até a pensar em candidato próprio para a sucessão presidencial em 2002. Mas a Frente Liberal retomou o discurso da aliança e pensa disputar as eleições junto com o PSDB, mas com uma cabeça de chapa do próprio PFL. E dois nomes ganham terreno como pré-candidatos: o da governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e o do próprio presidente do PFL, Jorge Konder Bornhausen.
Paulo Markun: Para entrevistar o senador Bornhausen nós convidamos Oliveiros Ferreira, professor de política da USP [Universidade de São Paulo] e da PUC [Pontifícia Universidade Católica], aqui de São Paulo também. Está conosco ainda o jornalista Kennedy Alencar, repórter especial do jornal
Folha de S. Paulo; participa do
Roda Viva também o jornalista Bob Fernandes, redator-chefe da revista
Carta Capital; a jornalista da TV Cultura, Mônica Teixeira; o cientista político, Carlos Novaes, analista da TV Cultura; e o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, diretor adjunto do jornal
Valor Econômico. [...] Boa noite, senador.
Jorge Bornhausen: Boa noite.
Paulo Markun: Nós apresentamos no início do programa um pequeno currículo do senhor e, ao mesmo tempo, um cenário do PFL apostando na reconstituição, ou no restabelecimento, da aliança que ganhou as últimas eleições presidenciais. Agora, o que eu vejo - e acho que o senhor vê também -, nas pesquisas de opinião, no noticiário da imprensa, é que os candidatos possíveis desta aliança não têm um bom desempenho eleitoral e os candidatos de oposição é que lideram o cenário de pesquisas deste momento. E, ao mesmo tempo, a gente vê a situação do governo Fernando Henrique na mais baixa maré política e [na baixa maré] de aceitação em relação ao seu desempenho desde que ele assumiu o poder. Como o senhor encara essa perspectiva?
Jorge Bornhausen: Bom, vamos começar pelas pesquisas, naturalmente, porque hoje nós temos uma série de novas pesquisas de âmbito estadual e que ajudam a esclarecer a fotografia do momento. A pesquisa fotografa o momento e que é um momento de impopularidade do presidente, nós sabemos disso, [o que é] absolutamente superável. Mas as pesquisas, da mesma maneira que indicam uma supremacia dos candidatos da oposição mostram que nos estados isso não ocorre. E nas dez pesquisas apresentadas hoje por um grande jornal nacional aqui de São Paulo, o PT [Partido dos Trabalhadores] não está na frente em nenhum estado e há algumas surpresas, como o caso do doutor Paulo Maluf à frente na pesquisa de São Paulo. Isso não vai significar que ele vá ser vencedor e que vá ao segundo turno. Então, eu acho que o momento de pesquisa, agora, é muito mais levado ao conhecimento [do candidato] do que à intenção de voto. Se olharmos esse aspecto, é evidente que quem foi candidato três vezes à presidência da República, no caso o candidato do PT [Luiz Inácio Lula da Silva], quem foi presidente da República, no caso do possível candidato do PMDB [refere-se ao ex-presidente Itamar Franco, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB], e quem foi candidato na última eleição e continua na campanha como o candidato do PPS [refere-se a Ciro Gomes, do Partido Popular Socialista], levam vantagens sobre aqueles que não disputaram um pleito nacional. Então, você, olhando a pesquisa, vai ver também, de modo muito claro, que a governadora do Maranhão que está fora da mídia nacional há muito tempo aparece com 7%; e o ministro da Saúde, José Serra [político expoente do PSDB, foi senador, ministro do Planejamento e Orçamento (1995-1996), ministro da Saúde (1998-2002)], aparece com 6%; e a soma dos dois daria 13%, que daria, na média das pesquisas, um empate técnico para o segundo lugar. Então, eu acho que, [em] primeiro lugar, nós estamos longe da eleição, ela não está definida; e, se olharmos o mesmo aspecto nas eleições anteriores, de 1989, olhando a de 1988, de 1994, e olhando 1993, esse fenômeno aparece também da mesma forma. Em 1998 havia o franco favoritismo do presidente Fernando Henrique. Agora nós estamos com condições diferentes, o presidente atravessa uma fase difícil, em função especialmente da crise energética [crise anunciada em 2001, que conclamou todos os órgãos públicos, empresas privadas e a população para um efetivo racionamento de energia a fim de evitar um apagão. Implicou em aumento de tarifas e derivou da falta de investimento em infra-estrutura], vai depender muito da sua ação, e eu acredito que ele vai desenvolver de forma favorável, já que a sociedade está dando uma resposta muito efetiva ao problema da crise energética. Um dado mais importante são os 92% que responderam à pesquisa da CNI [Confederação Nacional da Indústria, que encomendou a pesquisa para o grupo Ibope – Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística] dizendo que estão colaborando com a solução da crise energética.
Oliveiros Ferreira: Sim, [mas] estão colaborando para evitar o corte - ou a crise energética séria -, ou para apoiar o presidente?
Jorge Bornhausen: Não, estão evitando para que não haja o apagão, para que não haja o corte, e esperando uma correspondência nas ações efetivas.
Oliveiros Ferreira: Sim, mas vão demorar dois anos, pelo menos.
Jorge Bornhausen: Não, há uma série de coisas que têm que ser consideradas. Eu acho que não se pode - se me permitir -, sobre a crise energética, nós não podemos partir de 2001, nós temos que partir de primeiro de janeiro de 1995, [quando] nós tínhamos 25 obras paradas, em construção, de hidrelétricas, usinas nucleares e termelétricas. Dessas 25, 17 ficaram prontas, duas estão em fase de conclusão. Quer dizer, foram cerca de 11 mil megawatts a mais instalados no governo do presidente, fazendo o quê, novamente, se não tivesse o presidente agido dessa maneira, a situação hoje era de calamidade pública.
Oliveiros Ferreira: Não é de ter entrado em operação... porque se 17 entraram em operação e a crise está aí, está certo? [Risos]
Jorge Bornhausen: Sim, mas acontece que as obras estavam paralisadas, o modelo estava errado. O Estado não tinha mais recursos para dar conta do serviço, entrou a iniciativa privada, surgiram as parcerias, então, houve uma ação. Há faltas, há erros? Há, não vamos negar. Agora, o erro foi certamente no retardar o racionamento, o erro foi certamente na falta de se chegar a uma conclusão do preço do gás, que foi uma ação mais da Petrobras, que queria continuar seu monopólio também no gás.
Oliveiros Ferreira: O que significa que ela tem poder? [Risos]
Jorge Bornhausen: Sim, significa que continua com poder, eu concordo com o Oliveiros. É evidente que essas condições da crise energética conservam esta fase de impopularidade. Se apresentar, como vai apresentar o presidente, seu plano de ação 2001, 2003, acompanhar, fiscalizar, efetivar o plano de ação, certamente... se nós não entrarmos em racionamento em 2002, as condições do presidente serão muito diferentes na eleição.
Bob Fernandes: Senador, nós estávamos falando de sucessão da eleição presidencial, mas como surgiu a discussão energética... Isso não era estritamente da responsabilidade do PFL? Esse setor está na mão do PFL há muito tempo, já há alguns anos, ou esse setor é da cota do senador Antônio Carlos Magalhães?
Jorge Bornhausen: Não, isso não é nem da cota do senador Antônio Carlos Magalhães e nem do PFL, isso é uma ação do governo e não se atribui a um governo [na verdade, partido] só. Se por um lado o ministro era do PFL, o presidente da Petrobras nunca foi do PFL, o presidente da Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] nunca foi do PFL. Quer dizer, o que nós temos que reconhecer é que o governo agiu retardadamente em relação ao racionamento, podia ter feito... [sendo interrompido]
Bob Fernandes: O governo, o PSDB e o PFL.
Jorge Bornhausen: E o PFL...
Oliveiros Ferreira: Mas o PFL não controla as finanças, esse é o problema.
[...]: Isso que eu quero ouvir...
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: Faz parte do governo sim.
Bob Fernandes: Mas, senador...
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: Nós temos que analisar o que foi feito pelo governo, porque se não tivesse sido feito seria uma calamidade geral, um atraso no congelamento e um atraso na fixação do preço do gás, que aí eu acho que tem muito daquela tendência natural da Petrobras de manter o monopólio.
Carlos Eduardo Lins da Silva: Senador, faz oito meses, ou nove meses, o ministro [Rodolpho] Tourinho [então ministro de Minas e Energia, ex-presidente do conselho administrativo da Petrobras], esteve no jornal o
Valor [
Econômico] com uma conversa informal, e nós perguntamos sobre a possibilidade de haver um apagão, um racionamento, ou coisa que o valha, e o ministro me convenceu que essa possibilidade não havia. E depois eu sou pego de surpresa, e o presidente da República também, segundo ele. Como é possível o presidente da República ter sido pego de surpresa se tudo isso está sendo feito desde 1995, como o senhor está dizendo?
Jorge Bornhausen: Olha, eu não estou fazendo nem a defesa do ministro Tourinho e nem do presidente, estou colocando com muita clareza que o presidente agiu certamente fazendo com que se completassem aquelas obras paralisadas, senão haveria as calamidades. Por outro lado, estou reconhecendo que houve um retardamento do racionamento que, se tivesse sido feito há um ano atrás, as condições seriam melhores hoje, bem melhores, porque que a sociedade respondeu bem...
Carlos Eduardo Lins da Silva: O senhor foi pego de surpresa?
Jorge Bornhausen: Eu fui pego de surpresa, claro. Mas eu não sou do setor, não tenho poder de decisão. É evidente que não compartilho das decisões de governo.
[...]: Mas, senador...
Jorge Bornhausen: Então, me surpreendi e reconheço que este racionamento deveria ter sido feito antes, e concordo que a falta de fixação do preço do gás atrasou. Agora, vamos reconhecer outra coisa, quem fez o gasoduto Brasil/Bolívia foi o presidente Fernando Henrique Cardoso. Porque senão não teríamos condições nem de ter as termoelétricas a gás, que vão responder neste momento de emergência, em 2001 e 2002.
Kennedy Alencar: Parece que habilmente o senhor não está querendo assumir a parcela de culpa que o PFL tenha a respeito da crise energética. O PFL, no discurso, o senhor disse que o PFL é um partido liberal...
Jorge Bornhausen: O governo é um todo, Kennedy, o governo não é um partido. Se o governo tem responsabilidade, a responsabilidade é da área econômica, a responsabilidade é da área energética.
Kennedy Alencar: O presidente disse que era do PFL, chegou na convenção tucana e disse que se o setor estivesse na mão do PMDB, que privatizou a telefonia, estaria melhor do que está hoje.
Jorge Bornhausen: Na realidade, você há de reconhecer que o presidente da Petrobras nunca foi do PFL, e a Petrobras teve responsabilidade e grande nisso...
Kennedy Alencar: Mas o ex-presidente [da Petrobras, José Coutinho Barbosa, mandato de 1999 a 2001] tinha ligações fortes com o PFL...
Jorge Bornhausen: Nunca, nunca! Ele foi indicado pelo doutor Aureliano Chaves [(1929-2003) ex-vice-presidente da República no governo João Baptista Figueiredo, o último do regime militar, no período de 1979 a 1984; e ex-governador de Minas Gerais, nomeado pelo presidente Ernesto Geisel, também no período militar. Um dos fundadores do PFL], que há muito tempo não era do PFL. No governo Itamar Franco, ele continuou no governo...
Kennedy Alencar: Não é questão de cargo, é questão de política. O PFL tem um discurso de partido liberal que aplica às suas políticas. O senhor, em entrevista, diz: “Há dois partidos ideológicos no Brasil, que são PT e PFL”. E, quando o PFL está no comando de um setor, ele nem liberalizou, nem privatizou, e nem fez os investimentos estatais. Ficou seis anos. Esse discurso liberal do PFL não é uma coisa que... [sendo interrompido]
Jorge Bornhausen: Vamos...
Kennedy Alencar: Só para terminar.
Jorge Bornhausen: Vamos à ordem cronológica dos fatos...
Kennedy Alencar: Só para terminar a pergunta. Este discurso do PFL de que é liberal, na verdade não está camuflando que é um partido que está mais... [que] é um partido que é fisiológico, é um partido que nem auxiliar de governo...
Jorge Bornhausen: [Sobrepondo sua fala] Não, absolutamente! Isso aí eu não vou aceitar: a pecha de fisiológico, não!
Kennedy Alencar: Fisiológico no sentido de depender dos cargos do governo para sobreviver.
Jorge Bornhausen: Não, não. O PFL participa na medida que recebe os convites do governo e não faz indicações, permite que o presidente da República escolha o que ele considera os melhores dos seus pares. Isso é uma retificação que eu tenho que fazer aqui com muita clareza. Segundo, eu acho que você tem que seguir uma cronologia nessas ações e eu acho que o modelo de privatização foi contestado no governo do presidente Fernando Henrique no setor energético. Se deu certo em telecomunicações, houve contestação do setor energético e foi logo no início a contestação. O primeiro a contestar foi o governador [de Minas Gerais] Itamar Franco [1999-2003], que, além da moratória no início do governo [refere-se ao não pagamento da dívida do estado de Minas Gerais que, segundo Itamar, foi decretada em conseqüência do enorme rombo encontrado nos cofres públicos do estado], desfez o contrato de acionistas da Cemig [Companhia Energética de Minas Gerais] que estava...
Bob Fernandes: Mas com razão ou sem razão?
Jorge Bornhausen: Meio enfatizada, e ainda foi mais longe, botou tropas militares em Furnas [centrais elétricas] para defender o corporativismo [ação de um setor organizado da sociedade em que prevalece a defesa dos interesses do grupo em detrimento do interesse público]. Então, tivemos, realmente, a privatização paralisada pelo corporativismo e por ações tipo nacionalistas do senhor Itamar Franco.
Bob Fernandes: Mas, senador, a privatização que eventualmente foi feita não pressupunha o acréscimo de novos... [sendo interrompido]
Jorge Bornhausen: Pressupunha não, houve um acréscimo de onze mil megawatts através das parcerias que foram estabelecidas. Eu vou dar só um exemplo no meu estado, nós temos lá em Itá [usina hidrelétrica no Rio Uruguai, localizada na divisa dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul], que estava parada, da época que eu era governador, em 1980, que [agora] está lá pronta, funcionando. São 1140 megawatts! Tem Machadinho [usina hidrelétrica no Rio Pelotas, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul], que estava parada há mais de dois anos, e funcionou como? O dinheiro que já tinha sido aplicado pelo governo transformou-se em ações da Eletrosul [Centrais Elétricas S.A., com sede em Florianópolis] na empresa e a iniciativa privada tomou conta, e está realizando Machadinho. Está antecipado em um ano o seu funcionamento. Aliás, o presidente vai visitar e faz muito bem.
Oliveiros Ferreira: Senador, vamos cuidar da conjuntura política? O senhor não quer [riso] dar sua opinião sobre a conjuntura política? [risos]
Jorge Bornhausen: Posso dar. [riso]
Bob Fernandes: A propósito, há um ano o senhor dizia, numa entrevista, que via esgotada essa aliança [PFL-PSDB]. Agora o senhor defende, quer dizer... [sendo interrompido]
Jorge Bornhausen: Não, eu não...
Bob Fernandes: Em entrevista aqui: “Bornhausen vê o esgotamento de aliança”.
Jorge Bornhausen: Em momento algum eu falei de esgotamento de aliança...
Bob Fernandes: Teve uma entrevista...
Jorge Bornhausen: O meu partido, no dia no dia 13 de maio de 1999, em convenção, votou por uma candidatura própria. O que não exclui de forma nenhuma qualquer tipo de... [sendo interrompido]
Bob Fernandes: “Bornhausen acredita em esgotamento de aliança”, fevereiro de 2000.
Jorge Bornhausen: Isso daí entre aspas.
Bob Fernandes: Entrevista no jornal
O Estado de S.Paulo. [Risos]
Jorge Bornhausen: Não acredito que não...
Bob Fernandes: Entrevista no jornal
O Estado de S.Paulo. [Risos]
Jorge Bornhausen: Não, acredito que não esteja, porque as interpretações das manchetes, às vezes...
Bob Fernandes: Aliás...
Oliveiros Ferreira: Vamos, vamos ser honestos, o senador tem razão. Ele acredita que a aliança do partido com os tucanos [PSDB] se esgotará no fim do mandato. [Risos]
Jorge Bornhausen: Aí é natural! Aí é natural.
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: Porque na época...
[Falam simultaneamente]
Oliveiros Ferreira: Aí renova.
Jorge Bornhausen: Porque na época era questionado se o PFL ia sair do governo...
Oliveiros Ferreira: Ah!
Jorge Bornhausen: E nós colocamos que não, nós tínhamos obrigação com a sociedade, com a eleição, nós acompanhamos o plano de governo, nós votamos.
Oliveiros Ferreira: Se esgota no fim do governo, como o governo vai acabar...
Jorge Bornhausen: Agora, você pode renovar, pode renová-la para um próximo período, caso você tenha um programa mínimo...
Oliveiros Ferreira: É como renovar o papagaio [gíria empregada com o significado de dívida contraída mediante empréstimo] no vencimento! [Risos]
Jorge Bornhausen: Pode ter um programa mínimo, pode ter um candidato comum. O que estou desejando, propondo? Eleição primária.
Oliveiros Ferreira: Mas qual o programa mínimo que o senhor proporia, sabendo que em 2002 o senhor terá a conseqüência da crise cambial que se esboça hoje?
Jorge Bornhausen: Olha, eu quero dizer o seguinte, não sou eu que serei o autor...
Oliveiros Ferreira: Sim, mas o senhor é presidente do partido!
Jorge Bornhausen: Acontece que nós estamos trabalhando, nós estamos trabalhando. O doutor Paulo Rabelo de Castro, do Instituto Atlântico [organização de pesquisa e desenvolvimento localizada no Ceará, dedica-se à geração e difusão de tecnologia] com o Instituto Tancredo Neves [órgão destinado a pesquisas sobre a realidade brasileira e que presta assessoria ao PFL] estão trabalhando nesse programa mínimo. Representam o PFL neste estudo o ex-ministro Gustavo Krause [ministro da Fazenda em 1992] e o economista e deputado Marcos Cintra, que são pessoas que têm condições de acompanhar e dar uma boa participação. Então, nós estamos cumprindo a nossa etapa, nós estamos fazendo um grande congresso sobre educação, fizemos um seminário na segunda-feira da outra semana, em Porto Alegre, com a presença do doutor Cláudio Moura Castro [economista], com a presença do professor João Batista de Oliveira, com a presença do deputado do PTB, Walfrido dos Mares Guia, que é um especialista no setor, com secretários de Educação de estados do PFL. Nós estamos trabalhando sim e nós queremos que os outros partidos que fazem parte da base, e que queiram fazer uma coligação, estejam trabalhando e trabalhem nesse sentido para podermos unificar. Porque eu acho que sempre, aqui no Brasil, nós partimos pelas pessoas e nunca por um compromisso, e o compromisso está no programa. Em qualquer nação desenvolvida há sempre o compromisso, especialmente nos regimes parlamentaristas: apresenta-se o programa, aprova-se o programa num congresso. E aqui, evidentemente, sem a tradição dos partidos políticos, o que vemos constantemente é sempre a busca de pessoas e não a busca de compromissos com a sociedade.
Paulo Markun: Só para entender, nessas primárias que o senhor diz que o PFL defende, como é que seria? Quer dizer, qualquer pessoa pode votar, só vota quem é do PFL? Como é que funciona?
Jorge Bornhausen: Eu vou procurar transformar didaticamente a minha resposta: primeiro, nós convidamos o PSDB, o PMDB e o PPB [Partido Progressista Brasileiro]. Se tivermos a resposta de dois partidos favoráveis já é o suficiente para fazer as primárias, mas se tivermos quatro, melhor será, porque será mantida a base atual do governo. O que é que queremos? No mês de novembro todos os partidos, estudando os seus programas, encontrem um denominador comum de um programa mínimo que seja aprovado nas convenções partidárias. Essas convenções indicarão um candidato de cada partido para disputa da primária no mês de março. Primária aberta, sim, para todos os eleitores.
Oliveiros Ferreira: Todos os eleitores?
Jorge Bornhausen: Todos os eleitores.
Bob Fernandes: Eleitor do PT pode votar na primária do PFL?
Jorge Bornhausen: Olha, pelo projeto do senador Suplicy não, e acho que é o único projeto que está em tramitação e é necessária a aprovação do projeto de lei na minha opinião.
Kennedy Alencar: É, porque se não aprovar não tem nem como fazer a prévia, é apenas uma idéia que não vai se concretizar.
Jorge Bornhausen: O projeto do senador Suplicy retira das primárias os filiados a partidos que não estejam na primária. Agora, todos os que não são filiados a nenhum partido, segundo esse projeto, se transformado em lei, terão o direito de votar no mês de março na data marcada.
Paulo Markun: Quer dizer, é uma eleição?
Kennedy Alencar: E quantos...
Jorge Bornhausen: Quantos?
Kennedy Alencar: Quantos filiados tem o PFL?
Jorge Bornhausen: Três milhões e trezentos, aproximadamente.
Kennedy Alencar: Mais do que o PT?
Jorge Bornhausen: Tem mais que o PT, sem dúvida alguma. Agora, evidentemente, é muito difícil esse controle porque não houve nenhum recenseamento. Nós fundamos o partido em 1985, e nós não retiramos os mortos etc., que precisaria ver para a prévia. Porque aí é prévia, o recenseamento. Agora, primária... [Risos]
Kennedy Alencar: O senhor acredita que tem como fazer isso, senador? Porque o senhor coloca que não tem lei, depois tem que fazer uma. [Aí] essa base está sujeita a dúvida porque não tem ninguém no recenseamento.
Jorge Bornhausen: É simples a Lei [...] ser promulgada até cinco de outubro, então a resposta é válida.
Mônica Teixeira: Então essa primária valeria o quê?
Jorge Bornhausen: Valeria para a escolha do candidato, o mais votado seria o candidato. Esse modelo... poderia ser uma questão de estabelecer as regras entre os partidos. O que eu quero dizer é que esse processo foi adotado no Chile, na escolha do atual presidente [Ricardo] Lagos [governou o Chile no período de 2000 a 2006], onde o Partido Socialista disputou as primárias com o Partido Democrata Cristão, que tinha o presidente da República de então, que era o presidente [Eduardo] Frei. E ganhou o candidato do partido socialista, tornou-se o candidato dos dois partidos e ganhou a eleição. O mesmo ocorreu na Argentina...
Mônica Teixeira: E que benefício isso traz... [sendo interrompida]
Jorge Bornhausen: Lá onde o partido do Alfonsin [Raúl Alfonsin, presidente da Argentina entre 1983 e 1989 pelo partido UCR - União Cívica Radical] lançou o [Fernando] De la Rua [assumiu o governo da Argentina em 1999 e renunciou sob pressão em 2001] e a Frepaso [Frente País Solidário] lançou a senadora Graciela [Fernandez Meijíde]. Ganhou o De la Rúa e ganhou a eleição. O que acontece é que isso dá oportunidade de um maior conhecimento do candidato no curso desse procedimento.
Oliveiros Ferreira: Mas não é uma providência defensiva contra a possibilidade do governador de Minas [Gerais] ser candidato [refere-se a Itamar Franco, do PMDB]?
Jorge Bornhausen: Não, não é uma providência defensiva, é uma providência ofensiva. [Risos]
Oliveiros Ferreira: Quer dizer, no fundo...
[Falam simultaneamente]
Oliveiros Ferreira: O objetivo da prévia é o governador de Minas! [Risos]
[Falam simultaneamente]
Paulo Markun: Só um segundo, só um segundo. Eu queria recomendar aos colegas... toda vez que três ou quatro pessoas falam, o telespectador em casa não ouve nada. Por favor!
Mônica Teixeira: Senador, deixa eu perguntar... [sendo interrompida]
Carlos Novaes: Deixa eu situar uma coisa. O senhor ainda há pouco reclamou do problema de que no Brasil as escolhas são feitas por nome...
Jorge Bornhausen: São, é verdade.
Carlos Novaes: E agora o senhor se mostra defensor de uma proposta que não traz poucos problemas institucionais. Vamos ver alguns. E o senhor dá um exemplo do Chile e da Argentina, que não são exatamente, em ambas as situações, não havia nem de longe... Havia um grau de fratura muito maior do que há hoje no Brasil na base aliada brasileira. Lá eles precisaram fazer isso porque o grau de fratura era alto. Ou bem o senhor está considerando que está inviável as elites dos partidos chegarem a um acordo, ou então a sua proposta é inteiramente inviável. Por quê? Porque ela estabelece um problema que é o seguinte: vocês estão transferindo, com essa proposta, para os filiados dos partidos... que são em número desigual, cada partido tem um número desigual de filiados...
Jorge Bornhausen: Quem falou em filiados?
Carlos Novaes: Sim, são os filiados e mais os outros que não são...
Jorge Bornhausen: Os eleitores poderão votar, porque espero não que sejam filiados a nenhum partido.
Carlos Novaes: Problema não é esse, o problema é que vão... seguramente vão haver diferenças de engajamento, porque o eleitor, para escolher candidato, o eleitor que é filiado a partido vai querer votar sim para que o seu, o do seu partido seja eleito. E a população, convenhamos, ela não vai exatamente se interessar muito por essa proposta. Ela não vai virá votar em massa para escolher o candidato.
Jorge Bornhausen: Eu respeito a sua opinião, mas evidentemente não foi o que ocorreu nem no Chile e nem na Argentina.
Carlos Novaes: Mas é claro que não! Havia um grau de mobilização brutal!
Jorge Bornhausen: Sabe quantos votaram na Argentina? Dois milhões e trezentos e quarenta e dois mil eleitores. E os partidos políticos não tem juntos quinhentos mil eleitores.
Lins Carlos Eduardo da Silva: O voto será obrigatório pela sua proposta?
Jorge Bornhausen: Não, é voluntário, a primária é absolutamente voluntária. Então, eu acho que é viável, faz com que haja um programa para que a sociedade possa conhecer.
Carlos Novaes: E vocês brigam antes da hora, vão atritados já para o governo - se ganhar a eleição -, e sequer terão feito o exercício de, no processo de negociação, escolher um candidato comum. Vão para o pau antes da hora.
Jorge Bornhausen: Professor, não se preocupe não que não vamos brigar não, vamos para um processo democrático para escolher um candidato, adensá-lo, para chegar ao segundo turno, disputar e ganhar a eleição.
Paulo Markun: Quem o senhor acha que é o obstáculo maior a essa proposta?
Jorge Bornhausen: À proposição? Eu fiz a proposta, levei ao deputado Delfim Netto [ex-ministro da Fazenda, responsável pela política econômica brasileira durante os governos militares Costa e Silva, Médici e Figueiredo], ao deputado José Aníbal [economista, professor e empresário filiado ao PSDB] e ao senador Maguito Vilela [PMDB]. Evidentemente eu não poderia levar uma proposta de uma ação política democrática mais inédita no Brasil e querer uma resposta na hora. Então, combinamos que durante o mês de agosto os partidos dariam a resposta. Se me disserem: “Não, este não é o melhor método para escolha do candidato, nós temos um melhor”, eu não vou deixar de discutir. O que eu deixei muito claro desde o início é que o PFL não vai sentar-se na mesa com o prato feito, que o candidato tem que sair desse ou daquele partido. O candidato tem que ser aquele que tiver melhores condições, dentro de um programa mínimo, de ganhar eleição.
Mônica Teixeira: Então, a proposta não é contra o PMDB, como disse o professor Oliveiros [risos], mas é ofensiva ao candidato, ao que aparentemente mais cotado até o momento - segredo de polichinelo [algo que não é segredo para ninguém] de Fernando Henrique Cardoso - que é o José Serra?
Jorge Bornhausen: Eu nunca vi o senador José Serra dizer que é candidato. Nem em público nem em particular.
Carlos Novaes: Nem ele e nem o Lula! [Risos]
Mônica Teixeira: Claro que não.
Jorge Bornhausen: Acho ele até muito cauteloso.
Mônica Teixeira: Mas a pergunta...
Carlos Novaes: Durante a semana falaram da próxima missão espacial para Marte, não falaram de eleição.
Jorge Bornhausen: Claro, nós trocamos idéias sobre eleição. E evidentemente conversamos sobre a necessidade de reaproximação do PFL com PSDB, que é evidente que houve uma separação no processo da eleição das casas legislativas. E o presidente Sarney que tem feito esta reaproximação. Mas amanhã vamos conversar com presidente da República, fizemos duas reuniões preliminares e queremos saber também o que pensa o presidente, que é um fator essencial para o desenvolvimento de uma coligação. Eu acho que tem que se olhar que nós temos um mapa estadual a ser desvendado, a ser ajustado, a ser acertado, porque a eleição estadual vai ser a força motora da eleição presidencial. Então, se nós formos acertando entre os partidos da base - e entre aqueles que desejarem participar de uma coligação - as posições estaduais, melhor nós teremos condições para termos um candidato comum e chegar a um bom candidato na eleição.
Paulo Markun: Por que o senhor fala, e falou em várias entrevistas, que o senhor considera que o melhor candidato seria um governador ou uma governadora, e não alguém que está no núcleo do poder?
Jorge Bornhausen: Markun, eu vou falar um pouco, aqui tem a presença de um cientista político, mas há um fato inegável no curso dos governos que é a exaustão do poder. Essa exaustão do poder, até nos governos fortes e prestigiados, como de [Margaret] Thatcher [primeira-ministra britânica no período de 1979 a 1990], ela vem acontecendo. Então, é muito provável que este processo esteja no caminho. É preciso que você tenha a inteligência suficiente para vislumbrar soluções, que não sejam do núcleo do poder. E, eu acho que isso faz parte da estratégia dos partidos políticos, que se preparam para o quê? Para procurar ganhar a eleição. Então, se o candidato está fora do núcleo do poder - pelo menos na minha opinião hoje, nós poderemos ter um quadro diferente no ano que vem - facilita a tarefa dos partidos que se coligarem. Então, um governador ou governadora tem mais possibilidade, por não pertencer ao núcleo do poder, de neste momento se tornarem candidatos fortes.
Paulo Markun: Governadora tem uma só, não é?
Mônica Teixeira: Do PFL, e tem mais de uma...
Paulo Markun: Roseana Sarney. E governador quem seria?
Jorge Bornhausen: Não, você tem o governador Tasso Jereissati [três vezes governador do Ceará pelo PSDB, eleito em 1986, 1995 e 2002], você tem o governador [Geraldo] Alckmin [assumiu o governo de São Paulo em 2000, com a morte do governador Mário Covas. Foi reeleito em 2002], você não pode retirar esses nomes que são...
Bob Fernandes: Só pensa em quem compõe a aliança hoje? Exclusivamente quem está dentro de arco da aliança de hoje ou não? Ou há possibilidade de abrir?
Jorge Bornhausen: Olha, eu acho que o arco da aliança de hoje talvez não seja de amanhã.
Bob Fernandes: O Garotinho [Anthony Garotinho, político do PMDB, eleito governador do estado do Rio de Janeiro em 1998], o que o senhor pensa do governador Garotinho do Rio de Janeiro?
Jorge Bornhausen: Governador do Rio de Janeiro, ele está fazendo um jogo duplo. Na minha opinião, ele não é candidato à presidência da República, ele está se lançando para fortalecer a sua candidatura a governador do estado, essa é minha opinião. Porque não tem estrutura, e eu acho que o tema religião vai ser também muito controvertido [Garotinho é evangélico e tem grande peso político junto a esse eleitorado].
Bob Fernandes: Mas estrutura, o Collor...
Jorge Bornhausen: É controvertido.
Bob Fernandes: Mas estrutura... o Collor que, aliás, o seu partido apoiou, e...
Jorge Bornhausen: Meu partido não apoiou Collor, meu partido teve como candidato no primeiro turno o Aureliano Chaves [nas eleições presidenciais de 1989]. Eu é que não apoiei o Aureliano, apoiei o [Guilherme] Afif [PL], e até hoje não me arrependo.
Bob Fernandes: Sim, mas o senhor apoiou o governo, o senhor esteve no governo.
Jorge Bornhausen: Eu estive no governo, é inegável, fui chamado num momento difícil, um desafio, aceitei o desafio. E não posso dizer que não saí de lá frustrado, saí, mas fiz um esforço muito grande para que pudéssemos modificar a estrutura do governo, modificamos. E depois as denúncias do próprio irmão do presidente [Pedro Collor, em 1992, após um desentendimento familiar, denunciou o esquema de corrupção existente no governo, comandado pelo empresário Paulo César Farias, tesoureiro da campanha presidencial] e deputado.
Paulo Markun: Senador, nós vamos fazer um rápido intervalo e o
Roda Viva volta daqui a instantes.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com
Roda Viva, esta noite entrevistando o presidente do PFL, Jorge Bornhausen. Este é o primeiro de uma séria de programas sobre a conjuntura política. [...] Senador, dois telespectadores aqui, Maurício Marques de São Paulo, Vila Mariana; e Rodrigo Brandão, do Butantã, querem que o senhor comente os últimos episódios relacionados ao ex-senador Antônio Carlos Magalhães, e o Maurício pergunta qual é a opinião do senhor em relação à revelação de ACM, segundo a qual o presidente da República teria visto a lista do
painel do Senado?
Carlos Eduardo Lins da Silva: Qual o tamanho do estrago do PFL, no caso ACM?
Jorge Bornhausen: Olha, eu não posso fazer nenhuma contabilidade.
Carlos Eduardo Lins da Silva: Mais ou menos, uma dimensão?
Jorge Bornhausen: Não há que se negar, não se pode negar que o senador Antônio Carlos tem uma força política na Bahia, continua com essa força. E hoje mesmo o Datafolha mostra que, para governador, ele tem 55% atualmente na pesquisa de opinião pública. Portanto, depois de todos os acontecimentos, ele demonstra... [sendo interrompido]
Carlos Eduardo Lins da Silva: E no resto do Brasil?
Jorge Bornhausen: ...demonstra sua força na Bahia.
Kennedy Alencar: Está caindo, tinha 70% na pesquisa e está com 55%, e Paulo Souto [ex-governador da Bahia pelo PFL, eleito em dois mandatos, de 1995 a 1998 e de 2003 a 2006] tem melhor intenção de voto do que ele. Essa força...
Jorge Bornhausen: Eu acho o senador Paulo Souto um excelente candidato e excelente senador, então eu não posso fazer nenhuma contabilidade negativa...
Carlos Eduardo Lins da Silva: Não fez nenhum mal para o partido ou fez algum mal?
Jorge Bornhausen: Eu acho que houve alguma discordância interna do partido, essa discordância foi decidida no dia oito de março, numa reunião do partido, onde ficou claro de que nós deveríamos respeitar as minorias. Ele representava naquele momento o pensamento de minoria, e houve realmente, por parte do partido, dificuldades grandes com a perda da presidência da Câmara dos Deputados, uma coisa institucional, menos política e mais institucional. Mas evidentemente os deputados continuam lá, são 18 deputados do PFL da Bahia, três senadores, estão ajudando o governo. Ajudaram agora na LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] num momento muito importante, onde o governo tinha que manter o superávit primário de 31 milhões e o PFL inteiro, com todos os votos na bancada da Bahia, apoiou o governo.
Mônica Teixeira: Então não tem dois PFLs, senador? Como a primeira-dama... comenta-se que a primeira-dama sempre diz [que h[a dois PFLs].
Jorge Bornhausen: O PFL não tem donos, é evidentemente que nós temos vários líderes...
Mônica Teixeira: Mas ele não é um partido, de nenhuma maneira assim...?
Jorge Bornhausen: Não. Há lideranças estaduais, a minha liderança é no estado de Santa Catarina, do senador Antônio Carlos é na Bahia. Então, nós temos em cada estado um líder.
Bob Fernandes: Senador, a relação com o senador Antônio Carlos sempre foi mais ou menos tempestuosa. Primeiro, que ele entrou no partido só um ano depois... Eu estava até relendo o material... à época da ida dele para o Ministério das Comunicações, no governo Sarney, houve um veto do PFL, inclusive do senhor, que pelo menos a imprensa na época registra... ou foi outro equívoco?
Jorge Bornhausen: Não houve veto, não. Nós já recebemos um fato consumado, não é? O presidente Tancredo, quando escolheu, anunciou, e já tinha convidado...
Bob Fernandes: Mas houve a resistência, porque eu até acompanhei aquilo.
Jorge Bornhausen: E pelo que eu sei, o senador Antônio Carlos...
Bob Fernandes: Havia uma resistência.
Jorge Bornhausen: ...na época foi convidado, e no dia seguinte ao da convenção do PDS, pelo governador Tancredo Neves. Na convenção que escolheu o Maluf. Então, nós não tínhamos nem que vetar porque não sabíamos e não tinha conhecimento.
Bob Fernandes: Então, é mais um registro, é mais um equívoco?
Jorge Bornhausen: Ele não era do PFL, era um dissidente do PDS. [Risos]
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: Aliás, você cobriu muito bem essa etapa...
Paulo Markun: Eu só queria... [ao fundo]
Jorge Bornhausen: ...leu bastante sobre isso. Evidentemente que nós, que éramos do PFL, tínhamos feito a dissidência, tínhamos criado um partido. E não era para nós uma novidade boa a ida de um dissidente do PDS, que não tinha entrado no PFL... Mas não significou veto até porque nós não fomos perguntados.
Paulo Markun: Ficou no ar a questão do Maurício Marques, que quer saber a opinião do senhor sobre a revelação de ACM, que o presidente da República teria conhecimento [da violação do painel de votação do Senado].
Jorge Bornhausen: Olha, eu tenho certeza que o presidente não viu essa lista, certeza absoluta. Porque quem me disse foi o senador Antônio Carlos, aliás, ele declarou que viu a lista e rasgou e, portanto, se ele rasgou a lista os jornais noticiaram muito.
[...]: Na época?
Jorge Bornhausen: Não, os jornais viviam noticiando e o senador Antônio Carlos dizia para A, para B e para C. Agora, eu nunca vi a lista, nunca fui chamado para ver. Pode ter outras pessoas que... e não foram chamadas ainda.
[...]: Quem, senador?
[...]: Senador...
[Falam simultaneamente]
Carlos Novaes: [...] recente do ex-senador Antônio Carlos Magalhães é um pouco curiosa, porque o PFL sai da eleição de 2000, na minha opinião, como um partido que teve o melhor desempenho. Porque, embora vocês não tenham tido o maior crescimento eleitoral do ponto de vista de eleitores e mesmo de prefeituras, o fato de vocês crescerem nos dois âmbitos, cresceram tanto em número de eleitores, participação em prefeituras, mas o mais importante é que vocês melhoraram a distribuição dos votos pelo perfil do eleitorado brasileiro. Isso deu a vocês uma robustez maior. Então, vocês tinham tudo para estar numa situação melhor hoje, depois da eleição. O senador Antônio Carlos Magalhães coroou uma série de atitudes que deram errado com o seu próprio afastamento do Senado. Então, eu lhe pergunto o seguinte: o senhor, que está lá no PFL e conhece o senador Antonio Carlos e tal, afinal qual era a estratégia do senador Antonio Carlos? E no que é que vocês divergiam nuclearmente, porque é que o senador Antônio Carlos cometeu tamanho erro de avaliação? É um caso de irracionalidade política, é um caso de cálculo malfeito? O que se passou de fato no PFL nos últimos meses?
Jorge Bornhausen: Bom, eu primeiro lugar quero dizer que o senador Antônio Carlos sempre foi um homem de grande
feeling político, de se antecipar aos fatos. Isso tem ocorrido no curso da história. Só que ele tinha ao seu lado um perspicaz e inteligente homem público jovem, que era Luiz Eduardo [filho de Antônio Carlos Magalhães, deputado federal, faleceu em 1998] que o ajudava muito, filtrava muito essas tendências do senador Antônio Carlos, e aproveitava também - vamos ser francos - também aproveitou muito da escola do senador Antônio Carlos Magalhães. E o Luiz Eduardo foi uma perda para o PFL fatal, terrível, perda como amigo, perda como companheiro e perda como candidato natural à Presidência da República. Agora, o senador Antônio Carlos, no meu entendimento, ele errou no cálculo da eleição da Câmara, do Senado, porque ele contava com apoio do PT. No mês de dezembro, quando nós nos reunimos para conversar em grupo de senadores com o senador Antônio Carlos, ele contava com o apoio do PT, ele contava com o apoio do senador José Eduardo [Dutra, foi senador de 1995 a 2003 pelo PT de Sergipe], e com apoio do deputado Aloísio Mercadante [PT-SP], quer na candidatura José Sarney, quer na candidatura do Inocêncio [de Câmara de 1993 a 1995 pelo PFL]. Nada disso veio a ocorrer. E evidentemente ele errou, fragorosamente, porque acreditou na palavra, segundo ele, daqueles que o procuraram.
[...]: Agora, porque ele...
[Falam simultaneamente]
[...]: Senador...
Oliveiros Ferreira: Eu gostaria de voltar, senador, ao tema do qual o senhor foge...
Jorge Bornhausen: Não estou fugindo, Oliveiros, não me faça... [Risos]
Oliveiros Ferreira: Porque nós estamos aqui...
Jorge Bornhausen: Não me coloque nessa situação delicada. [Riso]
Oliveiros Ferreira: ...fomos convidados pelo Markun para discutir a conjuntura, e estamos discutindo um partido e personalidades. Eu lhe perguntaria se, na sua visão, a discussão política nas cúpulas partidárias está levando em conta a situação econômica, a situação cambial, ou está simplesmente preocupada com a distribuição do poder entre o partido X ou partido Y?
Jorge Bornhausen: Não, eu acho que quem tem co-responsabilidade, o governo não pode ficar alheio às condições econômicas e às condições cambiais. Seria realmente um alto grau de irresponsabilidade. Eu admito que, quem esteja na oposição, só vai se preocupar com isso se ganhar eleição e não está preocupado em ajudar agora, mas no caso do governo, não. Eu acho que nós temos que... Quando começamos a falar na crise energética, estamos preocupados com a crise, porque tem conseqüências na área econômica. Quando começamos o ano, a previsão de crescimento era de 4% ou 5%. [Então] adveio problema político interno, problema da Argentina, diminuição de ritmo da economia americana e, finalmente, nós entramos num processo cambial difícil, corrigido a fórceps pela habilidade do presidente do Banco Central [Gustavo Franco], que é uma pessoa que tem prestado serviços notáveis ao país, desde o momento que assumiu a maior crise cambial, que foi a de 1999. Acho que quem não se preocupar com isso, primeiro não pode estar no governo; segundo, não pode pretender ser do governo.
Carlos Novaes: Senador, nós estamos hoje numa situação, conjunturalmente, que guarda algumas semelhanças com a situação de 1993; ou seja, o Lula em 1993 estava numa situação muito favorável nas pesquisas, na opinião pública, havia um grande otimismo no PT naquele momento, e as forças do Estado,
establishment digamos assim [os mais poderosos], estavam ainda sem um candidato, ainda procurando uma alternativa. Não estava claro o êxito que poderia ter um candidato do Estado, que é mais ou menos a situação em que estamos hoje. Naquela oportunidade, quer dizer, naquela situação... inclusive também no período anterior que precedeu 1993, o Estado acabou fazendo uma opção inédita em quarenta anos de política no Brasil, que foi a escolha de um candidato que não dialogava com a cultura populista brasileira, porque o carisma com alguns diálogos com o populismo estavam do outro lado, pela primeira vez. Antes o [Getúlio] Vargas, o Juscelino [Kubitschek], o Jânio [Quadros] eram todos homens de carisma, que dialogavam com a cultura populista brasileira. Dessa vez, agora em 2001, mais uma vez o carisma e a possibilidade de diálogo com a cultura populista brasileira está com o Lula, uma parte disso, e o
establishement está procurando uma alternativa. O senhor diria...
Jorge Bornhausen: Espero que tenha o mesmo sucesso que em 1994.
Carlos Novaes: O senhor diria que a busca da alternativa agora vai mais na direção de procurar alguém que possa dialogar com a cultura populista e, portanto, [possa] fazer uma volta? Ou vai no sentido de investir em alguém que tenha o perfil de quem não dialoga com esta dimensão da cultura política brasileira e vai mais na direção, por exemplo, de ser uma figura que permite ao Brasil continuar com esse concerto com a ordem do capital internacional e tal? E que Fernando Henrique Cardoso significou?
Jorge Bornhausen: Olha, em primeiro lugar eu acho que cada eleição é uma eleição, e cada situação de eleição é diferente da outra e, naturalmente, nós vamos ter em relação a quem apóia o governo... no âmbito da condição econômica veio um fator importante. Se nós entrarmos economicamente bem. Se houver uma satisfação da população, não precisa ser populista, não precisa vender utopias, é vender a realidade. O que eu denoto, assimilo das pesquisas que nós fazemos partidariamente? Primeiro, é que a sociedade não quer destruir o que foi conquistado; segundo, quer avançar, avançar na área social, da inclusão. E, então, o candidato tem que representar esse tipo de pensamento, ele não pode ser um destruidor daquilo que foi construído, mas deve ser uma pessoa que avance no tempo...
Carlos Novaes: Candidato?
Jorge Bornhausen: Então, acho que é por aí, um modelo que partidos políticos, certamente, estão procurando o perfil. Nós mesmos vamos fazer agora, no mês de julho, quando há o recesso - não há esta turbulência política - oito pesquisas qualitativas no Brasil, examinando o perfil de candidatos a presidente, ou candidatas, e candidatos ou candidatas a governador.
Paulo Markun: Esse perfil não seria o perfil de candidato que o senhor denominou de “Dula”, que é o Lula pilotado pelo Duda Mendonça [José Eduardo Cavalcanti Mendonça, publicitário conhecido como Duda Mendonça, considerado o renovador do marketing político brasileiro, inovou e deu vida à divulgação das campanhas eleitorais no horário gratuito da televisão], o candidato Lula que a revista
Veja colocou na capa o “Lula light”, quer dizer, um Lula que tem um programa mais aberto, que propõe alianças?
Jorge Bornhausen: Eu falei em "Dula", até imitando a brincadeira um amigo meu que disse isso, mas na realidade o Duda Mendonça é competente, ele mostrou-se competente aqui na eleição para prefeito [de São Paulo] do [Paulo] Maluf, do [Celso] Pitta [Celso Pitta governou o município de São Paulo logo após Maluf, assumindo em 1997]. Ele está pilotando, o programa do PT mudou. Agora, não sei se o programa do PT mudou para valer ou se PT ainda vai comemorar o resultado da Marta em Havana, com o Lula capitaneando ao lado do democrata [afirma ironicamente] Fidel Castro
[(1926-) governante de Cuba desde a revolução (1958-1959) que derrubou Fulgêncio Batista até 2008, quando renunciou oficialmente ao cargo de chefe de Estado, deixando em seu lugar o irmão Raúl Castro. Ver entrevista com Fidel no <b>Roda Viva</i>]. Isso não sei. Eles vivem uma contradição, um contraste, e isso vai ter que ser explicado no curso da eleição. Não somos só nós que temos que nos explicar. Tanto é difícil governar que hoje você vê na pesquisa, a Marta, depois do episódio do lixo [Marta Suplicy instituiu um imposto para a coleta do lixo, recebendo críticas duras de seus opositores], do aumento do ônibus, ela está com 42% entre ruim e péssimo. Então, todos têm que se explicar. No momento é o grau de conhecimento, no momento talvez de crise, vender a utopia, mas na hora da chegada, na hora, o eleitor pensa, ele raciocina, a maioria quer ver o seu bem-estar, quer ver o que, próximo a ele, o que pode melhorar.
Oliveiros Ferreira: E o Brasil, o eleitor pensa na projeção internacional do Brasil?
Jorge Bornhausen: Não, não, aliás no Brasil poucos pensam. Não é verdade? Você que é mestre da imprensa, o espaço que a nossa imprensa dá à matéria internacional é muito ruim.
Oliveiros Ferreira: Mas eu perguntaria, o senhor não acha que a eleição do Fernando Henrique, sucedendo a crise Collor, não vem em grande parte, não foi possível em grande parte pelo perfil dele perante... o perfil internacional dele ou perfil dele como intelectual?
Jorge Bornhausen: Não, eu considero que não. Eu acho que ele foi muito mais o resultado bem-sucedido no início do
Plano Real do que realmente a sua postura de homem intelectual, culto, de projeção internacional. Essa postura ela tem uma influência muito boa para o Brasil, eu tive a oportunidade...
Oliveiros Ferreira: Isso que eu acho.
Jorge Bornhausen: Tive oportunidade de ser embaixador do Brasil em Portugal, e convivi cerca de dois anos na União Européia, e o presidente Fernando Henrique Cardoso é altamente respeitada e merecidamente...
Oliveiros Ferreira: Mas qual é a percepção que o eleitor tem disso?
Jorge Bornhausen: Agora, a percepção do eleitor, da grande maioria do eleitor brasileiro não é esta.
Carlos Eduardo Lins da Silva: Crises internacionais estão crescendo cada vez mais.
[...]: Crise energética?
Jorge Bornhausen: É, a crise energética tem mais do que esse tipo...
Carlos Eduardo Lins da Silva: As questões internacionais estão crescendo cada vez mais, na imprensa e no debate político.
Jorge Bornhausen: Estão crescendo.
Carlos Eduardo Lins da Silva: E tivemos pela primeira vez o caso Brasil/Canadá comovendo a opinião pública... [Em 2001, Brasil e Canadá entraram em disputa a respeito do mercado internacional de aviões. O Canadá acusou o Brasil de subsidiar a Embraer e ameaçou impor sansões comerciais]
Jorge Bornhausen: É verdade.
Carlos Eduardo Lins da Silva: E agora nós temos uma questão que acho que vai ser tema de campanha que mexe diretamente com os interesses de todos os brasileiros, que é questão da
Alca [Área de Livre Comércio das Américas], qual a posição do PFL em relação à
Alca?
Jorge Bornhausen: Acho que nós vamos inexoravelmente caminhar para a
Alca, não adianta ser contra como o PT.
Carlos Eduardo Lins da Silva: Mas o presidente...
[Falam simultaneamente]
Carlos Eduardo Lins da Silva: O que o PFL...
[...]: São importantes.
Jorge Bornhausen: O que nós temos que ter é um caminho adequado, um cronograma que nos permita fazer isso sem ser uma forma afobada. E esse caminho...
Carlos Eduardo Lins da Silva: E qual é esse caminho? Qual é esse cronograma?
Jorge Bornhausen: O caminho que apresentou o presidente é o caminho de 2005, ele tem os melhores elementos porque ele tem a área econômica para examinar e a área de relações...
Carlos Eduardo Lins da Silva: E posição do governo em relação à
Alca?
Jorge Bornhausen: Eu acredito que a relação do presidente e do governo seja correta. Agora, eu devo dizer que há mais influências internacionais hoje sentidas... o caso do Canadá foi uma reação bela, uma bela reação da sociedade brasileira. Eu acho que também tem a reação negativa. No meu estado, por exemplo, o PT vai pagar a conta da aftosa no Rio Grande do Sul. Nós tivemos que fazer uma barreira sanitária entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul porque o desleixo do governo do Rio Grande do Sul [então governado pelo PT], sem vacinação, nos levou a ter casos de aftosa em assentamentos, irresponsavelmente. E Santa Catarina é obrigada fazer uma barreira. E isso tudo vai ser objeto de análise, de discussão e conseqüências... tem. Se não fizéssemos a barreira as nossas exportações de suíno não tinham crescido 92% como cresceram este ano - as de frango, 22% - a economia catarinense, especialmente a do oeste, da agroindústria vai muito, recuperou-se. Então, todos esses acontecimentos internacionais terão, no momento oportuno, peso na eleição. E acho o que brasileiro já se aproximou mais do processo internacional, mas ainda não o suficiente. Eu acho que a imprensa tem o dever de abrir mais espaço para que haja uma melhor compreensão da globalização do mundo como um todo.
Mônica Teixeira: Senador, fala-se com muita freqüência, hoje, que os brasileiros descrêem fortemente dos políticos, e a briga recente no Senado não ajudou a melhorar essa visão. Uma das razões que levam as pessoas a desconfiar muito dos políticos é que os políticos uma hora dizem uma coisa, depois fazem outra, é desse partido, ou outro partido etc.. No dia quatro de junho o senhor, segundo matéria do Kennedy Alencar, aqui do meu lado, disse: [sendo interrompida]
Jorge Bornhausen: Cuidado hein! [Riso]
Mônica Teixeira: “Que Fernando Henrique Cardoso não faz o que combina”. Amanhã...
Jorge Bornhausen: Não.
Mônica Teixeira: ...amanhã o senhor vai se encontrar...
Jorge Bornhausen: Você me desculpa, mas...
Mônica Teixeira: ...com o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Jorge Bornhausen: O Kennedy me conhece muito bem, sabe que eu sou muito sereno nas minhas...
Mônica Teixeira: Não está “aspeado” [não é uma citação literal], mas eu vou ler.
Jorge Bornhausen: É uma provocação, aliás, ele gosta muito...
Mônica Teixeira: “O senador Bornhausen sente-se traído”...
Jorge Bornhausen: Agora, ele gosta muito de fazer provocações...
Mônica Teixeira: Mas espera aí, gente...
Jorge Bornhausen: Eu sou muito coletivo, por isso muito seguro nas respostas ao Pedro.
Kennedy Alencar: No jantar com o Fernando Henrique Cardoso no qual o senhor não ficou sabendo que ele pretendia indicar Geraldo Melo [senador do PSDB] para a liderança...
Jorge Bornhausen: É verdade, mas isso não...
Kennedy Alencar: ...que o senhor teria reivindicado...
Jorge Bornhausen: Aí não houve combinação.
Mônica Teixeira: Mas o que está escrito aqui...
Kennedy Alencar: Mas teria recebido...
Jorge Bornhausen: Ele não me disse, senão não poderia saber...
Kennedy Alencar: Ele disse para o senhor que ia indicar um parlamentar do PFL...
Jorge Bornhausen: Não, não.
Kennedy Alencar: ...para uma das lideranças do governo?
Jorge Bornhausen: Desculpe, ele se comprometeu a examinar a indicação para uma das lideranças do Congresso. E de um parlamentar, de um deputado, e o indicado foi o indicado foi o deputado Heráclito Fortes [deputado pelo PFL do Piauí].
Kennedy Alencar: Ele se comprometeu a examinar isso?
Jorge Bornhausen: A examinar. O fato dele não ter respondido não significa não que ele esteja examinando ou que não vai responder ou negativamente ou positivamente. Agora, que ele não falou, no jantar, do Geraldo Melo, não falou. Mas se ele não falou não combinou, então não condiz com o assunto do Painel [seção de notas políticas da
Folha de S.Paulo]... [Risos]
Mônica Teixeira: Bem, mas de qualquer maneira não era uma nota do Painel, está no corpo da matéria, e literalmente diz: “Senador Bornhausen sente-se traído pelo presidente nesse caso do Geraldo Melo, e reclama dele também". Diz que Fernando Henrique Cardoso não faz o que combina. Eu leio a
Folha de S. Paulo e vamos dizer, a
Folha de S. Paulo é um jornal... talvez o mais importante do Brasil, e eu não sei o bastidor. Estou falando como leitora, mas eu não conseguiu acabar..
Jorge Bornhausen: Sem aspas, sem aspas, pode me telefonar sempre. [Risos]
[...]: Vamos falar um pouco...
Mônica Teixeira: Mas, espera aí, eu ainda não fiz a pergunta. O senhor vai se encontrar amanhã com o presidente da República - ou com o presidente do PSDB, José Aníbal - e o senhor [estará] na qualidade de presidente do PFL. E se o senhor diz que o presidente Fernando Henrique Cardoso não faz o que combina. Para quê o senhor vai se encontrar com ele?
Jorge Bornhausen: Eu já disse que a frase não foi dita por mim, e o assunto que o Kennedy levantou não foi uma combinação. Ele [FHC] pode não ter me dito aquilo que ele resolveu fazer, mas isso não é combinação. Então, eu vou conversar com o presidente, com o maior respeito e a amizade que tenho. Eu sou amigo do presidente desde 1983, quando chegamos juntos ao Senado, temos um excelente relacionamento, temos liberdade para dizer o que desejarmos um para o outro. Eu quero te dizer que depois que ele é presidente eu o trato de senhor, e quando deixar de ser presidente eu vou tratar novamente de “você”, mas é uma questão de respeito ao cargo que ele exerce e não temos nenhuma restrição no que falamos. Agora, eu, toda vez que eu saio de uma conversa com o presidente, repito a mesma frase: que quem fala é o presidente que tem porta-voz porque, não cabe a quem foi lá, que pediu audiência, que foi conversar, dizer o que o presidente falou.
Mônica Teixeira: Então, mas senador, na verdade a minha pergunta de leiga - nunca cobri política e [apenas] acompanho política como acabei de dizer pelos jornais e pela televisão - é a seguinte: o senhor, quando conversa com os jornalistas... ou então, como por exemplo no dia dois de junho ou três de junho - [quando] sentou-se ao lado do Geraldo Alckmin numa foto que foi divulgada pelos jornais - o seu interesse naquele encontro era fazer a foto ou era ter uma conversa? Fazer uma foto que ia ter uma repercussão que provavelmente pudesse ser ofensiva, para usar o termo que o senhor usou, à candidatura do José Serra, ou houve alguma conversa de fato?
Jorge Bornhausen: Não.
Mônica Teixeira: Só mais uma. Quando os senhores saem, tem uma grande crise do governo, e os senhores se encontram no Palácio da Alvorada, jantam, e aí a gente vê a foto publicada no dia seguinte. O interesse dos políticos era fazer a foto ou era ter a conversa?
Jorge Bornhausen: Eu posso garantir em primeiro lugar a você que eu nunca chamei nenhum jornalista para acompanhar qualquer fato que eu tenha participado pessoalmente... Nem no meu estado. Então, não é o meu feitio de aparecer. Eu até prefiro trabalhar mais no...
Oliveiros Ferreira: Mineiramente em silêncio? [Risos]
Jorge Bornhausen: Mas eu prefiro trabalhar... [Risos]
Mônica Teixeira: Agora, tem uma dimensão pública também, não é?
Jorge Bornhausen: O PFL de São Paulo, através do presidente [Cláudio] Lembo [vice-governador de São Paulo com Geraldo Alckmin], e do seu vice-presidente Gilberto Kassab, combinaram uma visita comigo ao governador Geraldo Alckmin. Foi feito no domingo à noite, às oito horas da noite. Eu não disse a ninguém que ia lá, se tinha jornal é porque há cobertura no Palácio. Evidentemente essa cobertura no Palácio, quando eu era governador também tinha. Então, nós não fomos lá para tirar fotografia, a fotografia é natural pelo lugar onde a conversa foi...
Mônica Teixeira: Mas a fotografia não tem um peso? Esta é a questão, ela faz parte do jogo, quer dizer, ter a foto é uma parte do jogo político, não é?
Jorge Bornhausen: Prefiro nunca ser...
Paulo Markun: O senhor prefere sem a foto? [Risos]
Mônica Teixeira: Prefere sem foto?
Jorge Bornhausen: Não faço questão de ser papagaio de...
Carlos Novaes: O PMDB saiu dessa eleição de 2000 parecido com o que saiu da eleição de 1996. E nas maiores cidades repetiu-se o fenômeno que foi seguinte, os candidatos a prefeito do PMDB tiveram menos votos do que os candidatos a vereador - quando se soma o percentual é menor. Isso significa o quê? Do meu ponto de vista significa que a dificuldade de ter uma dinâmica nacional para os executivos, para os cargos majoritários, começa a chegar na dinâmica municipal. O PMDB então está sofrendo do fato de ser um grande partido com característica de confederação com sérios problemas de coordenação política. A minha leitura então é a de que o PMDB tem que ter racionalmente, politicamente, um candidato próprio em 2002, para quê? Para dar uma dinâmica de novo, nacional e federal, a um partido que está se desgastando. Na minha opinião o PMDB não agüenta uma aliança com vocês, em primeiro turno, e com PSDB numa campanha presidencial. Então, eu pergunto ao senhor, o senhor que conhece política: até que ponto o senhor acredita que ainda é possível ter o PMDB numa aliança no ano que vem?
Jorge Bornhausen: Bom, eu não poderia responder pelo PMDB. Da mesma maneira que o senhor fez a análise, eu também faço a minha e não é muito diferente da sua. Eu acho que o caminho do PMDB está mais próximo da candidatura do Itamar Franco do que do governo. Agora, esses caminhos às vezes são interrompidos. Há uma reversão e a lógica está naquilo que foi analisado pelo professor, exatamente o fato do PMDB precisar de uma candidatura de sustentação para as suas bases estaduais em função da perda de densidade urbana, principalmente nos grandes centros do PMDB. Então, a tendência, no meu entender, será o PMDB partir para candidatura do Itamar Franco. Agora, eu posso estar equivocado, como o senhor pode estar equivocado, e o PMDB se reencontrar numa candidatura com a base governista.
Paulo Markun: E há algum tipo de ação que a base governista possa fazer no sentido de atrair o PMDB?
Jorge Bornhausen: Olha, eu fiz o que me competia fazer, que era procurar o presidente do PMDB e levar a sugestão das eleições primárias. Vou aguardar a sua resposta, ele poderá trazer uma outra opção que possa nos agradar. Eu não posso descartar o PMDB, [ele] faz parte da base do governo, embora o presidente, o Maguito Vilela, que é presidente do PMDB, tenha uma posição que é oposicionista. Quer dizer, há uma contradição nisso que tem que ser resolvida. Agora, quem pode resolver isso ou é o PMDB, ou o presidente Fernando Henrique.
Paulo Markun: Senador, o senhor acha que uma vitória do candidato Lula é uma tragédia para o Brasil?
Jorge Bornhausen: Olha, eu acho que nem o Lula está preparado para ser presidente, e nem o Brasil está preparado para...
Paulo Markun: Ainda não está preparado, três vezes?
Jorge Bornhausen: ... nem o Brasil está preparado para ter o PT no governo.
Paulo Markun: Por quê?
Jorge Bornhausen: É, essa é minha opinião...
Paulo Markun: Por quê? O que significa o PT na Presidência para que o senhor diga que o Brasil não está preparado para receber isso?
Jorge Bornhausen: Eu acho que o Brasil não está economicamente sólido para mudanças radicais...
Bob Fernandes: Mas isso foi o discurso de 1989!
Jorge Bornhausen: Ninguém vai me tirar da cabeça de que o Lula terá que fazer mudanças radicais. Não só para atender o seu eleitorado interno, cuja maioria é radical, a maioria não é Duda Mendonça, como também em função das circunstâncias que se criarão em razão da eleição... [sendo interrompido]
Oliveiros Ferreira: O PFL possivelmente também tenha que, se chegar ao poder, terá que enfrentar a mesma situação, o senhor não fecha as contas externas este ano, ano que vem possivelmente feche muito menos, e em 2003 alguma coisa tem que acontecer.
Jorge Bornhausen: Acho que afugentando o capital internacional, desejando se desligar, continuando na linha que vinha sendo adotada - e que agora está mais
light - de não pagar a dívida internacional, de dar o calote interno - que agora está mais amenizado - não há capital que possa ficar imune a uma reação. Então, quando chegar o momento da sua posse, a situação será dramática. E aí é mais fácil ser chato do que...
Bob Fernandes: Mas esse é o discurso de 1989, senador. Esse discurso de 1989 que, na verdade, penalizava o candidato Lula, terminou com eleição do Collor e terminou como terminou [com a ameaça de
impeachment a Collor e a renúncia após denúncias da existência de um forte esquema de corrupção].
Jorge Bornhausen: E terminou...
Bob Fernandes: No primeiro dia, sem querer fazer defesa de nenhuma candidatura, mas no primeiro dia de governo, o presidente [Collor] então realizou o que diz que o outro realizaria, que foi o confisco da poupança.
Jorge Bornhausen: Bob, e acabou na ingovernabilidade, o que na realidade... naquela ocasião, se a gente voltar atrás, o PT não tinha um único senador. Eu não sei se tinha trinta deputados federais. O PRN [Partido da Reconstrução Nacional] foi aglutinando de dois ou três senadores e alguns deputados. Então, era evidente que íamos acabar na ingovernabilidade, quer seja de um lado quer seja de outro. Agora, o que eu estou comentando é o momento internacional, o momento econômico que vive o Brasil no contexto internacional, e ninguém pode desconhecer o que o capital faz em razão da sua [própria] defesa.
Carlos Novaes: O senhor não acha que seria mais honesto enfrentar esta situação de outro jeito? Não seria interessante, até para que os eleitores entendam as diferenças? Porque se, por exemplo, se colocasse na mesa, em vez das ameaças que pudessem significar o PT, isso vale para PT também...
Jorge Bornhausen: Não estou fazendo ameaças, mas uma resposta...
Carlos Novaes: Não, não, as ameaça que o PT poderia significar. Não disse que o senhor está ameaçando o PT, mas as ameaças que, a seu juízo, poderiam significar para o Brasil, vida brasileira e tal?
Jorge Bornhausen: Essa discussão é a reeleição, o debate.
Carlos Novaes: Não seria necessário colocar exatamente quais são as diferenças de ponto de vista e as diferenças de preferências e de objetivos que esses diferentes partidos têm?
Jorge Bornhausen: Olha, se nós olharmos agora a última...
Carlos Novaes: Abandonar a idéia de que é uma técnica apolítica.
Jorge Bornhausen: A única versão da área econômica mais nova do PT, que comanda a área econômica, mas que não comanda as áreas radicais, ela pouco difere daquilo que o governo vem empregando e fazendo. Agora, evidentemente, isso não é uma verdade, eu acho que a eleição vai dar oportunidade para esse debate e o Lula tem que mostrar se realmente ele pensa assim, se já mudou muito ou não. E ele vai ter que dizer isso para o seu eleitor, que está esperando uma mudança radical. Esse é o grande problema dele. Esse é o contraste que o PT vive e vai continuar vivendo. Por isso é que eu disse que o PT, que é um partido organizado, que é um partido que tem crescido no tempo, que tem melhorado os seus quadros, ainda não chegou o momento de dirigir o país. Já chegou à segunda vez à direção de São Paulo e não deu conta do recado.
Paulo Markun: Senador, nós vamos fazer mais um rápido intervalo e o
Roda Viva volta daqui instantes. Até já.
[intervalo]
Paulo Markun: Bem, nós estamos de volta com
Roda Viva, esta noite entrevistando o presidente do PFL, Jorge Bornhausen. Este é o primeiro de uma série de programas sobre a conjuntura política. [...] Dr. Novaes...
Carlos Novaes: Senador, vamos falar um pouco de história recente do Brasil, comparado com o que o senhor viveu no período. O senhor, digamos, entrou na política no mínimo em 1964, ainda que não com cargo, mas naquele momento o senhor estava começando... tanto que logo depois chegou a vice-governador de Santa Catarina.
Jorge Bornhausen: Aliás, eu quero dizer que eu entrei na política quando nasci, porque meu pai saiu de Itajaí prefeito eleito, e depois em 1930 [quando da
Revolução de 30] não pôde assumir. E se elegeu em 1935 e o
Estado Novo mandou ele embora em 1937. Ele foi para o Rio de Janeiro e eu nasci no Rio.
Carlos Novaes: E os Konder Bornhausen [sobrenome completo de Bornhausen]...
Jorge Bornhausen: Então, na realidade, eu nasci em política quando eu nasci, mesmo.
Bob Fernandes: E, se não me engano, os Bornhausen estão na política desde 1870, salvo engano.
Jorge Bornhausen: Olha, eu acho... Vamos lá para o século XX! [Risos]
Bob Fernandes: Diria até que, só para lembrar, de onde veio...
Jorge Bornhausen: O primeiro a governar foi o Adolfo Konder, que foi na década de 1920, 1924.
Carlos Novaes: O Bob tem razão, porque quando se fala na oligarquia do ACM, se esquece que a mais longeva oligarquia do PFL é dos Bornhausen, em Santa Catarina.
Jorge Bornhausen: Por uma razão muito simples, eu vou lhe explicar, por uma razão muito simples. Porque nós somos uma família de políticos que não faz política de família. Essa é a tradução.
Carlos Novaes: Então, o senhor, em 1964... [sendo interrompido]
Jorge Bornhausen: Não temos rádio, não temos televisão; nós fazemos política, nós somos respeitados, temos credibilidade e eu estou lá na vida pública de Santa Catarina há trinta e poucos anos. Porque acho que me dou o respeito e mantenho a minha credibilidade. Popularidade eu perco; aliás, na vida pública a popularidade é uma gangorra, às vezes você tem que defender aquilo que você acha certo, embora a maioria da sociedade considere errado. Mais tarde você é reconhecido. Então, a credibilidade é que o político não pode perder. Eu penso assim, e assim tem sido o lema da minha vida. Estou em política desde 1965, e não tenho... Tenho cometido erros? Tenho. Eu acho que errei ao aceitar o desafio de ir para o governo Collor.
[Falam simultaneamente]
Kennedy Alencar: Tem uma célebre frase do senhor, que a CPI não ia dar em nada...
[Falam simultaneamente]
Paulo Markun: Um de cada vez.
Kennedy Alencar: Aliás, o senhor se arrepende muito daquela frase: “A CPI não vai dar em nada”?
Jorge Bornhausen: Não, eu me arrependo é que tenha falado, a pedido, em
off [com compromisso de sigilo por parte da imprensa] e tenha sido publicado.
Kennedy Alencar: Por que o senhor achava que não ia dar em nada? Se o senhor falou em
off é porque acreditava.
Jorge Bornhausen: Os antecedentes, que anteriormente nenhuma CPI tinha dado em nada. Agora, evidentemente em momentos em que surgiram casos como o Eriberto [Eriberto França, motorista da secretária do presidente Fernando Collor, deu uma entrevista à revista
IstoÉ e relatou, detalhadamente, o envolvimento financeiro da empresa Brasil-Jet, de Paulo César (PC) Farias, tesoureiro de campanha de Collor, que pagava contas pessoais do presidente com dinheiro irregular], tinha que dar, senão era um descalabro nacional.
Carlos Novaes: Mas de 1964 a 1982, que foi quando voltamos a votar para governador, passaram-se 18 anos.
Jorge Bornhausen: Certo.
Carlos Novaes: E depois, de lá para cá, são outros 19 [anos]. Então, sua vida de lá para cá está mais ou menos dividida na metade. E então, o senhor viveu metade da sua vida política sustentando uma ditadura e a outra metade o senhor passou a disputar eleições. Onde é que foi mais fácil ou menos desconfortável fazer valer as suas preferências? No período da ditadura ou... [sendo interrompido]
Jorge Bornhausen: Olha, eu quero dizer uma coisa: só quem viveu à época é que pode realmente imaginar as razões pelas quais eu estava em política na época. Meu pai [Irineu Bornhausen, pai de Jorge Bornhausen, governador de Santa Catarina no período de 1951 a 1956] era o chefe político da UDN [União Democrática Nacional, partido político criado em 1945, opositor às políticas e à figura de Getúlio Vargas] - e foi durante largo tempo - e era um homem inteligente, mas que tinha apenas um curso primário e conseguiu se tornar um grande empresário, industrial, e chegar a governador do estado em 1950. E depois, em 1958, chegar a senador, combatendo sempre a área getulista e tendo como adversário uma figura de expressão nacional que foi o presidente Nereu Ramos [presidente do Brasil entre 1955 a 1956, em período tumultuado que sucedeu à morte de Getúlio Vargas. Café Filho, vice–presidente, assumiu o poder mas foi afastado por doença. O sucessor deveria ser, então, o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Coimbra da Luz. Porém, este foi deposto após três dias de governo. Na linha de sucessão presidencial, assumiu Nereu Ramos, que era o vice-presidente do Senado], de grande respeito nacional. Então, eu tenho uma grande admiração pelo meu pai. E essa tradição política me levou a continuar o processo político em Santa Catarina, chamado por ele no momento em que se formou a Arena [Aliança Renovadora Nacional, partido político criado no regime militar e que defendia a situação vigente] e que nós tínhamos uma divisão clara entre UDN e PSD [Partido Social Democrático, formado em 1945, extinto pelo governo militar em 1965 e uma das bases de sustentação de Getúlio Vargas] dentro do próprio partido. E qual era a razão de estarmos presentes? Era preservar um patrimônio político que havia sido conquistado com lutas, com um desbravamento anterior de contas, mais especialmente Irineu Bornhausen, e eu cumpri esta etapa sem arrependimento, fui um governador de estado eleito de forma indireta pela Assembléia Legislativa, cumpri o meu mandato, não tenho uma mácula, não tive uma CPI, eu não tive nenhuma conta rejeitada. Pude fazer obras, e muitas obras, mais de seis mil obras em Santa Catarina e...
Carlos Novaes: Naquela época era difícil também ter CPI, era complicado.
Jorge Bornhausen: Podia ter, teve várias em vários lugares, não tinha nada disso. E, depois fui ministro da Educação, também nunca sofri nenhuma acusação. Eu acho que eu errei no desafio do presidente Collor. Errei. Como errei quando no segundo turno de Santa Catarina, pensando que o candidato Paulo Afonso [Paulo Afonso Evangelista Vieira, PMDB, governou Santa Catarina no período de 1995 a 1999] fosse um jovem de espírito público. O apoiei, votei no segundo turno, e ele conseguiu fazer a mais desastrada administração da história de Santa Catarina, o célebre caso dos precatórios [débitos no setor público ocasionados por decisões judiciais. Em 1997, o governador levantou 605 milhões de reais para o suposto pagamento de precatórios, embora tais dívidas não existissem].
Carlos Novaes: O arrependimento, então, vem do período democrático, da ditadura o senhor não tem nenhum?
Jorge Bornhausen: Eu não tenho razão de ter arrependimento porque me conduzi com correção, não participei de nenhum ato contra os direitos humanos, cumpri a minha tarefa de natureza política, nunca fui chegado a processos diferentes. Dentro do quadro da ocasião, cumpri a minha tarefa política.
Mônica Teixeira: Senador, tem havido uma controversa nos jornais de São Paulo entre o professor Gianotti [José Arthur Gianotti – filósofo e professor da Universidade de São Paulo], da Faculdade da Filosofia e outras pessoas que têm respondido a ele [riso] em que ele fala de uma zona...
[...]: Maria Sílvia de Carvalho Franco.
Mônica Teixeira: Maria Sílvia de Carvalho Franco, talvez a principal, professora de filosofia da Unicamp. Em que ele, vamos dizer, reivindica a existência de um espaço de amoralidade na política; que não é nem moral, é amoral. O senhor... E ele disse que nessa zona cinzenta talvez a obtenção de apoios no Senado e na Câmara Federal através de concessão, de liberação de emendas de parlamentares, esteja dentro dessa área cinzenta. O que o senhor acha?
Jorge Bornhausen: Olha, em primeiro lugar eu acho que liberação de emendas de parlamentares é fato normal. Senão, se não é normal, o erro é permitir que os parlamentares façam as emendas a cada orçamento. Então, esse fato, e dentro de 513 deputados e 81 senadores, é muito difícil ficar pinçando se é daqui ou dali, as emendas normalmente elas saem. Agora, é sempre difícil responder a quem quer falar de política e nunca fez política. Não é? E, quando há o costume de participar de política, ou de viver o jornalismo, por exemplo, não é difícil. Agora, quem está lá na sua cátedra, quem não desce, se considera o dono da verdade, acaba falando sozinho. Realmente, a classe política tem uma série de pessoas que não mereciam estar nas posições onde estão, não vamos negar isso.
Bob Fernandes: Senador...
Jorge Bornhausen: E ainda há muita coisa que deve acontecer.
Mônica Teixeira: Então, o senhor concorda?
Jorge Bornhausen: Agora, o que não posso concordar é com essa generalização feita pelo professor Gianotti, não é correto, não é séria. Eu discordo inteiramente de uma posição dessa natureza.
Bob Fernandes: Senador, falando de quem faz política e quem acompanha política, basicamente as pessoas que estão aqui, por exemplo, por que essa renitente pecha de fisiologismo no PFL, no seu partido? “Não há jornalista...” [reproduzindo o discurso do tipo social em questão]. A gente ouve dos próprios políticos, existe até um ditado em Brasília que diz o seguinte: “Não sei quem vai ganhar a eleição, mas o líder do governo vai ser o PFL”.[Risos]
Jorge Bornhausen: Bob, eu vou fazer um pequeno retrospecto, se você me permitir, sobre a fundação do PFL e depois sobre o que aconteceu com PFL no curso desses anos. Quando o PFL foi fundado, foi uma ponte para que se fizesse uma transição democrática. Você estudou muito bem o assunto e participou de uma excelente publicação. E, na realidade, essa ponte foi fundamental porque o PFL juntou-se ao PMDB e foi feita sem seqüelas a transição democrática. Então, há um grande serviço prestado. Ocorre que, eleito Tancredo Neves e José Sarney, houve o desastre com a morte de Tancredo Neves. O que aconteceu? O PFL inchou, porque as pessoas acharam que deviam ir para lá porque tinha lugares.
Bob Fernandes: Poder!
Jorge Bornhausen: Porque tinham o poder etc. Então, o PFL não nasceu - vamos ser muito sinceros - de um manifesto de liberais neste país. Foi uma dissidência, temos que reconhecer isso. Se dissesse: “Não, juntaram-se intelectuais liberais ou políticos liberais de todo o país e formaram um partido político”; e não foi isso que aconteceu. E o PFL desandou e desandou de tal forma que, em 1993, nós tivemos uma reunião, no Rio Grande do Norte, em que o tema central era mudar o nome do partido. Quando eu reagi... e reagi por uma razão muito simples, não é a sigla que estraga o partido, são os personagens que integram a sigla. Então, o que nós precisávamos ter era uma prática correta. E aí passamos a trabalhar ordenadamente. O primeiro trabalho liberal do PFL, efetivamente liberal, foi o trabalho que foi feito, comandado, por Gustavo Krause [ministro da Fazenda durante o governo Itamar Franco] quando nós fizemos as emendas à revisão constitucional, frustradas pelo presidente Itamar, que não tinha interesse na revisão porque tinha que se mudar tudo aquilo que ele tinha votado a favor. E ele queria continuar a mesma coisa. Então, aí, de 1993 para cá, com o funcionamento do Instituto Tancredo Neves, nós passamos a fazer estudos de reforma do Estado, nós apresentamos diretrizes para programas de governo, nós quando participamos da eleição do presidente Fernando Henrique. E chegamos depois de ele eleito, do primeiro turno, para com ele conversar. Luís Eduardo [filho de ACM], Marco Maciel [senador (PFL) foi vice do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no período de 1995 a 1999] e eu, e entregamos um projeto de reforma do estado feito pelo PFL, coordenado pelo deputado Gustavo Krause e colocamos na seguinte forma: “O senhor escolhe, conhece os quadros do PFL, e escolhe dentro dos quadros quem o senhor achar os melhores”. Esta foi a posição do partido, isso não é um partido fisiológico.
Mônica Teixeira: Mas e os parlamentares votam...
Jorge Bornhausen: Nós já vivemos um período onde o partido foi inchado, viveu este inchamento, e ficou uma conotação nesse sentido, que hoje não corresponde à verdade.
Mônica Teixeira: Mas parlamentares do PFL votam de acordo com estas idéias que regem, ou que fazem o ideário do PFL, ou quando chega na hora de votar com o governo, numa votação importante em que o governo por alguma razão está enfraquecido ou se sente encurralado e tal, votará, não em função... porque eu acho que essa é uma das razões do descrédito dos políticos: é que os políticos não votam segundo os interesses da nação, mas segundo interesses que são absolutamente próprios. E o senhor disse que isso é completamente normal. Mas será que fora do mundo dos políticos...
Jorge Bornhausen: Não, eu quero lhe dizer que o PFL...
Mônica Teixeira: Isso é completamente normal...
Jorge Bornhausen: É só acompanhar as votações do PFL. O PFL tem votado com uma unidade substancial, quer dizer, é dentro dos partidos da base governista, o PFL... E eu posso lhe dizer não, que eu não recebo nenhum parlamentar do PFL que venha me pedir favor junto ao governo ou emprego junto ao governo por causa de uma votação. Pode ser que eu seja meio...
Mônica Teixeira: Mas liberal de uma emenda...
Jorge Bornhausen: Pode ser que eu seja meio bravo, mas nisso sou respeitado.
Kennedy Alencar: Mas o inchaço, ele foi conveniente para o partido, para dar a ele tamanho para influir como bancada. Mas teve depois disso... teve o Hildebrando Pascoal [foi expulso do PFL por ter sido condenado à prisão, em 1997, acusado de comandar um grupo de extermínio que usava uma motosserra para matar suas vítimas. Foi julgado como mandante do assassinato de Sebastião Crispim, soldado do Corpo de Bombeiros, no Acre] no partido depois disso.
Jorge Bornhausen: Mas saiu.
Kennedy Alencar: Teve o [Ronivon] Santiago [ex-deputado federal acusado de fraude nas eleições e corrupção]... Mas entrou, não é, senador?
Jorge Bornhausen: Entrou e saiu.
Kennedy Alencar: Por que Hildebrando Pascoal saiu do PFL?
Jorge Bornhausen: Porque nós não temos controle no que acontece no PFL do Acre, eu nunca ouvi falar de Hildebrando na minha vida, nós só fomos nos conhecer depois que ele se apresentou em Brasília.
Kennedy Alencar: Depois da motosserra, não é? [Risos]
Jorge Bornhausen: Eu no meu estado eu ponho a mão no fogo pela moralidade de todos os deputados e senadores do PFL.
Kennedy Alencar: Senador, voltando à sucessão presidencial, eu queria que o senhor fizesse uma análise sobre as chances da candidatura Itamar. Porque além do senhor avaliar que o PMDB vai acabar marchando com Itamar, o Itamar conta com a simpatia de setores importantes do senhor. Antonio Carlos Magalhães disse que pode apoiar o Itamar, o deputado Inocêncio Oliveira disse que as idéias do Itamar são semelhantes ao social liberalismo que ele defende. Ou seja, como o senhor vai fazer para segurar apoio do PFL, ou de setores do PFL ao Itamar? E completando, se o senhor também tem rejeição à candidatura Serra, como parece que se propala por aí, o senhor parece que não gosta de José Serra e preferia o Alckmin.
Carlos Novaes: E, pegando carona, se a crise for muito feia, a saída pode ser um candidato do PMDB mesmo?
Jorge Bornhausen: Vamos por etapas, vamos primeiro falar do Itamar e depois vamos falar do Serra.
Kennedy Alencar: E do Alckmin.
Mônica Teixeira: E depois do Jereissati.
Jorge Bornhausen: Na realidade, a candidatura do Itamar, se ela existir é do PMDB. E o PMDB sairá da base do governo e não terá apoio do PFL.
Kennedy Alencar: Mas o senhor deixa ACM apoiar Itamar se ele quiser?
Jorge Bornhausen: Eu não acredito que ele apóie Itamar, tem mais razões do que ninguém para não apoiar o Itamar, não é verdade? É só ver fatos ainda do governo Itamar para verificar que essas condições... E acho que o Luiz Eduardo, lá de cima [refere-se ao fato de o deputado já ter falecido], não deixaria isso acontecer com a sua inteligência e que, ainda, é uma coisa muito lembrada por todos nós.
Oliveiros Ferreira: Perdão, senador...
Jorge Bornhausen: Só...
Oliveiros Ferreira: Uma provocação trotskista: o Itamar vai para o segundo turno com Lula. Aí, em quem o senhor vota?
Jorge Bornhausen: Olha, eu não acredito que essa desgraça possa ocorrer! [Risos] Eu sou bem brasileiro! Eu tenho mais otimismo do que isso. O filme do Itamar todo mundo já viu, até estávamos brincando aqui...
[...]: No filme do Itamar o ator principal era Fernando Henrique.
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: Um momento... 13%...
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: É problema de conhecimento, é a crise energética...
[Falam simultaneamente]
Kennedy Alencar : Filme do Itamar o ator principal foi o senador Fernando Henrique.
Oliveiros Ferreira: O senhor tem lutado com...
Paulo Markun: Só um minutinho, não terminamos aqui e deixamos o José Serra preocupado.
[Risos]
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: A pergunta sobre Itamar. Também não acredito que o senador Antônio Carlos vai apoiar Itamar e nem acredito que o PFL vai apoiar Itamar...
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: E nem acredito que Itamar vai ao segundo turno, porque este filme já foi visto. Quando começar a ser lembrado, vem tanta coisa, vem até carnaval [refere-se às fotos de Itamar no camarote presidencial do Sambódromo, durante o desfile do carnaval de 1994, no Rio de Janeiro, de mãos dadas com a atriz Lilian Ramos, que trajava apenas uma camiseta, sem as peças íntimas]. Mas enfim, não é esse o papo! [Risos]
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: Quem lançou o senhor Fernando Henrique como candidato foi o PFL! Foi o PFL que trouxe o Fernando Henrique para candidato, o PSDB apoiou depois.
Oliveiros Ferreira: Mas aí, primeiro...
Jorge Bornhausen: Itamar não, Itamar não queria que o PFL estivesse na chapa, vetou o Luiz Eduardo, vetou o Marco Maciel, não deixou ação nenhuma...
Bob Fernandes: Mas criou as condições para o senador Fernando Henrique ser candidato.
Jorge Bornhausen: Aí você vai me desculpar...
Bob Fernandes: Entregou a ele as condições... [Ao fundo]
Jorge Bornhausen: ...mas as condições foram criadas no carnaval de 1994, quando o Itamar, participando de um espetáculo festivo no Rio de Janeiro...
Bob Fernandes: Então foi a Lilian a responsável pela candidatura?
Jorge Bornhausen: Eu acho que ela é a musa do real [risos], porque o Itamar recuou e Fernando Henrique avançou. O Fernando Henrique é pai do real e a musa é a Lilian Ramos. [Risos]
Oliveiros Ferreira: O senhor me leva a pensar que foi uma provocação que fizeram!
Jorge Bornhausen: Não, eu estava respondendo sobre o José Serra. [Risos]
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: Eu estava respondendo sobre o José Serra. Mas não posso deixar de dar a minha interpretação aos fatos. Esses fatos foram reais.
Bob Fernandes: É uma interpretação “liliânica” do período.
Jorge Bornhausen: É, na realidade isso aconteceu. O Itamar, que já tinha tirado três ministros, manteve Fernando Henrique e o Fernando Henrique avançou e avançou e fez o
Plano Real, e ele hoje quer tirar a paternidade, mas aí vamos olhar a maternidade? É muito complicado. Vamos responder o governo do José Serra: eu acho o José Serra um grande ministro. Ele tem tido um absoluto sucesso nas suas ações no Ministério da Saúde e agora mesmo, nessa ação que teve com os Estados Unidos, no problema da aids [Serra ameaçou a indústria de medicamentos de quebra de patente em caso de não redução dos preços dos remédios]. Agora, daí a ser o candidato há uma diferença, ele tem que ser o melhor candidato para ser o candidato. Não é? E aí é a oportunidade maior que eu acho que...
Bob Fernandes: O que falta a ele para ser o melhor candidato?
Jorge Bornhausen: ...que o José Serra tem, é disputar a primária e ganhar a primária. Aí ele se consolida como o candidato. Se isso não ocorrer eu acho mais difícil porque ele é, dentro do PSDB, o nome mais conhecido, ele atinge ao patamar de 80%, 82% de conhecimento. Mas está atrás, na pesquisa, da Roseana Sarney, então pela lógica, a Roseana é candidata. Aliás...
[Falam simultaneamente]
Jorge Bornhausen: Mas a Roseana já teve 12%, saiu da mídia! Eu acho que se ela voltar para a mídia é uma forte candidata.
Kennedy Alencar: O senhor acha que o Serra não tem voto, então, para ser presidente, é isso? Falta condição eleitoral?
Jorge Bornhausen: Poderá ter, mas neste momento ainda não tem.
Mônica Teixeira: Então, seu alvo para proposta das primárias é candidatura José Serra?
Jorge Bornhausen: Não, eu acho que se, primeiro, for escolhido no PSDB e, segundo, se ele ganhar as primárias...
Mônica Teixeira: Porque o senhor acha que ele não ganhará as primárias.
Jorge Bornhausen: Eu tenho fé no meu partido.
Carlos Eduardo Lins da Silva: Sua candidata é a Roseana então, não é? Aqui está claro, porque toda hora fala da governadora...
Jorge Bornhausen: Eu acho que a governadora que não assumiu a sua candidatura, mas é uma respeitada, temos isso por pesquisas desde dois anos atrás.
Kennedy Alencar: Na verdade, mas a Roseana é mais uma candidatura para pôr à mesa, não é? O partido, o PFL, está discutindo claramente uma aliança com PSDB para vice-governador.
Jorge Bornhausen: Acho que prato feito não tem, acho que não pode pôr à mesa, não é? Acho que se não estou aceitando prato feito não posso pôr na mesa.
Carlos Novaes: Senador Bornhausen, o senhor tem lutado muito pela chamada reforma política?
Jorge Bornhausen: É verdade.
Carlos Novaes: E já foi maior, agora está reduzida a, praticamente, duas propostas: fidelidade e algum tipo de cláusula de barreira.
Jorge Bornhausen: Não, não, mais.
Carlos Novaes: Está reduzida a isso, hoje.
Jorge Bornhausen: Não, mais. Eu diria que o Senado aprovou mais, o Senado aprovou fim da coligação na eleição proporcional, a fidelidade por filiação, a antecipação na cláusula de barreira - que já existe na lei, ela só vai entrar em vigor em 2006 - a antecipação para 2002, e o financiamento público de campanha. Esses quatro itens foram aprovados no Senado, e estão na Câmara. Eu acho que a eleição da Câmara dificultou esse avanço, porque avançar em termos de reforma constitucional na reforma política, na minha opinião está impossível.
[...]: O senhor é parlamentarista?
Jorge Bornhausen: Sou, sou e convicto, mas acho que houve um plebiscito. A maioria brasileira, dos brasileiros, quer o presidencialismo e eu tenho que me quedar diante da maioria dos brasileiros. Mas eu diria que a fidelidade por filiação é uma maneira engenhosa de nós podermos avançar. O fim da coligação, isso significa exatamente o fim do caroneiro, daquele partido pequeno que lança um candidato só, e o PT é a maior vítima disso, e elege uma representação. O PT poderia ter mais treze deputados se não desse tanta carona. E a cláusula de barreira é para afunilar, o fim da coligação, ele até supera a cláusula de barreira porque começa no município e então você não tem esse troca-troca municipal, esse arranjo pessoal da pessoa sair de um partido para outro porque é mais fácil se eleger naquele menor. Com o fim da coligação isso desaparece. Acho que é um avanço, eu vou lutar por ele, acho que tem pouco tempo, agosto e setembro, nós estamos lutando desde que abriu a legislatura de 1999, juntamente com senador Sérgio Machado [PSDB/CE] e principalmente através da ação, do diálogo do vice-presidente Marco Maciel.
Paulo Markun: Por que o senhor é contra o financiamento público de campanha?
Jorge Bornhausen: Eu não sou contra, até votei a favor. Eu só acho que ele exige listas partidárias.
Paulo Markun: Mas o senhor não deu uma entrevista dizendo que este momento...
Jorge Bornhausen: Não, não sou contra.
Paulo Markun: Não?
Jorge Bornhausen: Não, Paulo. Eu acho que o financiamento público de campanha está ligado às listas partidárias.
Bob Fernandes: Explica, por favor, para o telespectador, o que é lista partidária.
Jorge Bornhausen: A lista partidária também foi aprovada mista, em projeto do senador [Roberto] Requião. Quer dizer... Não, não... Lista partidária, quer dizer, hoje vota-se abertamente nas pessoas, na lista partidária o partido faz uma relação e o coeficiente alcançado elege, pela ordem da relação dos candidatos.
Carlos Novaes: Isso não vai aumentar o domínio oligárquico dos partidos?
Jorge Bornhausen: Esse é o sistema que traz equilíbrio e governabilidade na Europa toda. Eu vi isso em Portugal. Alias, quero ate lhe dizer, o senhor que é cientista político, a minha surpresa quando cheguei a Portugal. Quando eu cheguei, em 1996, estava havendo uma revisão constitucional e os dois partidos maiores, que são o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, se reuniram para escolher os temas de comum acordo para essa revisão constitucional. E um deles foi a diminuição do número de parlamentares na Assembléia da República. Quando nós chegarmos a esse estágio, nós vamos estar bem à frente de todos, e a lista partidária dá oportunidade de qualificação por parte dos partidos. Eu acho que isso é necessário, os candidatos são mostrados ao público, falam para o público, mas um partido tem a responsabilidade da qualidade. Hoje, você é obrigado a buscar muitas vezes pessoas que não pensam como o partido pensa, porque [essas pessoas] têm voto, fazem com que a legenda cresça e possa eleger os que não têm [voto].
Carlos Novaes: Isso pode continuar igualzinho, porque o que vai acontecer é que, além de buscar os que têm votos, os oligarcas vão botá-los por último, no fim da lista, e só vão ficar os benefícios sem os ônus.
Jorge Bornhausen: Se preocupe menos com oligarquias, elas são fatos do passado. O que, na realidade, e estou contando sobre Portugal - e tive outra experiência muito interessante em Portugal, na crise dos dentistas que eu herdei. Quando o governo português mandou o projeto à Assembléia da República, ele não estava de acordo com aquilo que fora combinado com o governo brasileiro, porque houve pressão sobre a ministra da Saúde e dos médicos dentistas portugueses em relação aos cirurgiões dentistas brasileiros. Eu, aí, resolvi utilizar-me da minha condição de político, sair um pouco das regras do Itamaraty e procurar o presidente da Comissão de Saúde da Assembléia da República em Portugal, o deputado João Rui de Almeida. E fui com ele conversar, almoçamos juntos e conversamos duas horas. Eu mostrei todos os fatos que tinham ocorrido naqueles dez anos. Quando terminamos a conversa, eu perguntei a ele: “Deputado, qual é sua profissão?” Ele disse: “Eu sou médico, eu sou professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra”. Ora, só pôde chegar lá porque havia lista partidária, porque ele não sairia da sua cátedra, do seu consultório, para poder representar Coimbra na Assembléia da República...
[...]: ACM [que também é médico] também não.
Jorge Bornhausen: Então, a qualificação ocorreu. E foi exatamente esse deputado, pela sua sabedoria e paciência, que conseguiu unir os dois grupos, o brasileiro e o grupo português, e resolver definitivamente a pendência.
Paulo Markun: Senador, nosso tempo está acabando, mas o senhor já manifestou aqui o seu otimismo e a sua expectativa de que a aliança governista vença as próximas eleições presidenciais. Eu queria que o senhor resumisse numa palavra, se possível, qual é a fórmula para que a aliança ganhe a eleição?
Jorge Bornhausen: [Riso] Olha, a política não é uma arte exata e, por isso mesmo, não há fórmulas, você tem que ter estratégias não é?
Paulo Markun: Mas essa estratégia em que palavra?
Jorge Bornhausen: A estratégia é ter um bom programa, passar por uma recuperação econômica, recuperação do governo, especialmente em relação à crise energética e ter um candidato que inspire confiança na nação. E isso é obrigação dos partidos da base governista encontrar.
Paulo Markun: Senador Bornhausen, muito obrigado pela sua entrevista. Obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. E, na próxima segunda-feira, estaremos novamente aqui com mais uma hora e meia de discussões e debates abertos sobre as questões que interessam ao Brasil, neste mês aqui discutindo a conjuntura política. É mais uma iniciativa do jornalismo público da TV Cultura. Uma boa noite, uma ótima semana e até segunda-feira.