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Mauro Chaves: ...da economia que mais recebe. Eu fico pensando o seguinte: como é que vai ser agora? Quais são os planos - se existem já, não sei - alguns planos não só de segurança, mas também para convencer o turista. Convencer, por exemplo, o brasileiro que quer ir para a Espanha, adora a Espanha. Quais são os riscos que tem? Então, eu queria que o senhor falasse um pouco sobre isso. Que planos existem para, não só em termos de segurança, como também para convencer o turista internacional de que a Espanha continua sendo um lugar a que se deve ir?
Vicente Adorno: E para não perder essa maravilha que é circular de um lugar para outro sem ter tanta barreira.
Alberto Navarro: Esse é o risco, porque você fala muito bem do turismo. A Espanha e a França são os dois primeiros países do mundo a receber turistas. Nós tivemos, no ano passado, acho que 55 milhões de turistas. E também gostaria de dizer que é um setor muito promissor para o Brasil. Eu nunca compreendi porque o Brasil teve no ano passado 3,8 milhões de turistas, é algo incrível, com oito mil quilômetros de costa. É que a imagem do Brasil no exterior não é a melhor, tem que fazer algo para mudar. Sem dúvida, esse é o perigo. Nós estamos agora muito contentes na Europa, com nossa liberdade de circulação. Para isso tivemos que construir toda uma série de vistos e medidas para a entrada no espaço de liberdade europeu. Como eu falava, isso que é o difícil de fazer: o equilíbrio entre segurança e liberdade. Você precisa de segurança para poder desfrutar de suas liberdades.
Sérgio Malbergier: Embaixador, a gente vê nas prisões que estão sendo feitas na Espanha, agora, vários e, principalmente, o principal suspeito de envolvimento dos atentados, já vinha sendo considerado suspeito por vários serviços de segurança europeus. Você acha que houve uma falha na Espanha e na Comunidade Européia em geral em não ter tomado essas atitudes antes, essas medidas antes do atentado e não depois, já que agora já temos duzentos mortos na Espanha?
Alberto Navarro: Evidentemente sempre que tem um atentado terrorista, temos uma falha nos serviços de informação, de segurança, mas é impossível evitar e controlar todas as pessoas em uma democracia. Eu acho que é preciso ter muito mais troca de informações, um trabalho conjunto nos serviços de inteligência, nos serviços financeiros de luta contra o terrorismo. E ao mesmo tempo não demonizar os outros que são diferentes. A Europa, como o Brasil, é uma sociedade multicultural. A Espanha teve oito séculos de presença mulçumana e agora fazer do Islã sinônimo de terrorismo seria um tremendo erro. Ao contrário, iniciativas como a iniciativa do Brasil, do presidente Lula, de convocar uma reunião de cúpula, aqui, no final do ano, entre os [líderes de] países da América do Sul e os países árabes, é bem-vinda pela Europa, porque nós achamos que devemos fazer mais troca, mais diálogo, mais cooperação entre as civilizações.
Sérgio Malbergier: Mas justamente o fato de as comunidades islâmicas na Europa não se adaptarem bem ao europeu, e haver uma discriminação clara dos islâmicos, que já havia na Europa, antes do atentado, você acha que também não deveria haver da parte da União Européia uma iniciativa para integrar mais essas comunidades islâmicas? Não é que vai haver um preconceito a partir de agora, já havia uma dificuldade muito grande de integração dessas comunidades islâmicas nos países europeus. Você não acha que deve ser feito algo também nesse sentido?
Alberto Navarro: Nós temos muitas iniciativas, temos o chamado Processo de Barcelona, que é um processo no âmbito mediterrâneo, que é o único no qual hoje Israel e Síria, por exemplo, ficam juntos e podem conversar. Temos também o diálogo euro-árabe, nós fazemos reuniões ministeriais em todos os níveis, todos os anos. Então, a Europa faz muito. E nesse diálogo de culturas, a Espanha, por exemplo, é um país fronteira, que tem a presença de Marrocos. E a estabilidade e a segurança do Marrocos é a nossa, da Espanha. Eu estou completamente de acordo, temos que fazer mais, temos que evitar demonizar os outros. Pelo contrário: as diferenças de religiões, de culturas é que é enriquecedor. Se a Europa é forte, é porque é uma Europa multicultural, como o Brasil também vai ser um país forte porque é um país multicultural, multiracial e que tem muitas pessoas de origens diversas. É isso que faz a força, a união na diversidade.
André Mermelstein: Como o senhor analisa a leitura que alguns veículos fizeram de que a vitória da oposição na Espanha teria sido uma vitória do terror, na verdade? Quer dizer, o medo está ganhando e ele tem esse poder?
Alberto Navarro: Não, eu respeito muito a decisão popular. Eu acho que os espanhóis tomaram sua decisão. Um erro terrível para democracia seria dar aos terroristas influência política. Então eles vão fazer atentados como o feito em Madri cada vez que ele quiserem mudar um governo.
Vicente Adorno: Mas eles até já estão fazendo isso, porque disseram: “como a Espanha prometeu que vai tirar tropas do Iraque, nós não vamos atacar mais”. Então a democracia, como o André bem assinalou, vai ficar refém do terrorista?
Alberto Navarro: Acho que não. Respeitando-se a decisão popular, talvez - e eu não gosto muito de falar da política interna dos Estados membros da União Européia - foi mais a gestão do governo espanhol, das informações, a maneira pela qual a opinião pública percebeu que talvez não havia muita transparência. Estavam falando da ETA [Euzkadi Ta Azkatasuna, Pátria Basca e Liberdade - grupo separatista que, desde 1959, luta pela criação de um Estado basco independente] em vez de falar da Al Qaeda [rede terrorista com ramificações em todo o planeta, comandada pelo terrorista Osama bin Laden] como origem dos atentados, quando a opinião pública via que era muito similar. Já estavam utilizando...
Vicente Adorno: Porque na verdade o ETA nunca fez um atentado dessas proporções e politicamente seria um suicídio fazer uma coisa dessas, não?
Alberto Navarro: Eu acho que não temos terroristas bons e maus, [risos] todos os terroristas são iguais.
Vicente Adorno: Terroristas em menor escala e maior escala.
Alberto Navarro: Todos eles desprezam a vida humana. E na Espanha nós temos, infelizmente, a presença do terrorismo de ETA depois de muitos anos. Temos uma democracia forte, não se justifica tirar vidas por idéias políticas.
Mauro Chaves: É verdade, embaixador, que houve pressão do governo [José María] Aznar [primeiro ministro, líder do Partido Popular, governou a Espanha no período de 1996 a 2004] sobre os veículos de comunicação para que dessem aquela interpretação de que o ETA teria sido responsável [pelo atentado em Marid]? Porque chegou essa notícia aqui de que os veículos [de comunicação], como El País [jornal espanhol] e outros, foram pressionados para que dessem essa versão oficial. É verdade isso?
Alberto Navarro: Eu não sei. Eu sou embaixador da União Européia e não da Espanha. E como você, eu li o El País, mas não tenho mais informações.
Roberto Teixeira da Costa: Embaixador, voltando a temas econômicos, como o senhor vê a questão da União Européia nesse contexto de um dólar desvalorizado, de um euro valorizado; a complexidade da adesão de dez países na União Européia que, a curto prazo, como foi lembrado aqui pelos companheiros, pode ter um custo de assimilação. O senhor sabe que o problema de emprego vai ser um problema seriíssimo. O Reino Unido foi o único país que não estabeleceu restrições para que haja uma livre circulação de pessoas. O Reino Unido é o país que tem menor taxa de desemprego na União Européia, está em torno de 2,5%, ao passo que a média da União Européia é 8%. Mas um país como a Polônia tem 18% de desemprego. Quer dizer, vai haver um desbalanceamento a curto prazo. A Alemanha que era o país motor da União Européia. Aliás, a União Européia, sobretudo Espanha e Portugal, devem muito à força da Alemanha. Gostaríamos muito que no Mercosul tivéssemos uma Alemanha para nos dar dinheiro, recursos a fundo perdido que foram dados para a Espanha [risos e falas sobrepostas]. Nós estamos sem fundos no momento. Embaixador, como o senhor vê esse problema da questão da União Européia, do euro. A União Européia vai perder muito a sua capacidade competitiva de exportar, o que evidentemente abre oportunidades para o Brasil exportar. Realmente a equação da União Européia, a curto prazo, mostram – e amigos meus que inclusive conviveram na Europa acham – que a época áurea da União Européia acabou. E daqui para frente, a União Européia vai realmente passar um período muito complicado no setor econômico.
Mauro Chaves: Fora a Babel, não é? De vinte línguas oficiais... É uma coisa complicada também.
Alberto Navarro: Pelo contrário. No mundo globalizado no qual nós vivemos, de forma interdependente, a união de Estados vai ser mais necessária do que nunca, por isso o processo do Mercosul é tão importante. É preciso que seja um sucesso. A União Européia é como uma bicicleta, nós precisamos avançar; se ficarmos parados, vamos cair.
Mauro Chaves: Para o espanhol, bicicleta é muito importante.
Alberto Navarro: É muito importante. E nós tivemos já quatro ampliações: a primeira foi a entrada do Reino Unido, Irlanda e Dinamarca no ano de 1973, depois tivemos a segunda ampliação, com a entrada da Grécia em 1981; a terceira ampliação foi a entrada da Espanha e Portugal em 1986, e a última foi a entrada da Suécia, da Áustria e da Finlândia, em 1995. Agora estamos fazendo a quinta ampliação, que não tem precedentes na nossa história. Nunca tivemos dez países juntos para unir-se à União Européia. Por que eles querem entrar? Porque a União Européia é um pólo de estabilidade política, é de uma força de atração enorme, porque tudo é um grande sucesso. Mas esses países vão nos dar, primeiro, mais estabilidade política. Eu acho que com a ampliação, a Europa vai estar mais estável, do que com a ampliação da Ottawa, porque isso cria laços entre países que asseguram a estabilidade e a segurança.
Roberto Teixeira da Costa: Mesmo sem a Turquia?
Alberto Navarro: Mesmo sem a Turquia. [risos] Economicamente, estamos falando de oitenta milhões de cidadãos novos. Esta é uma oportunidade enorme para um país como o Brasil. Porque os exportadores já conhecem muito bem seu melhor mercado como o mercado europeu, e não precisam de novos papéis, etc. Com o mesmo documento, os produtos vão da Espanha até Polônia ou aos países bálticos. São oitenta milhões de consumidores novos com países que têm taxas altas – porque os países mais pobres sempre têm taxas mais altas – que vão baixar a partir do 1° de maio. Vai haver uma taxa alfandegária comunitária. Um exemplo, a Polônia cobra 14% para o café; o Brasil vai exportar para esse país, a partir de 1º de maio, com tarifa zero para o café. E, finalmente, esses países vão também contribuir com novas energias, novos recursos humanos. Quando Espanha e Portugal entraram, eram países mais pobres, mas isso também dá mais força ao processo de integração.
Sérgio Malbergier: Mas, por outro lado, a gente vê uma fragmentação do processo decisório. A gente viu agora a tentativa de formatar a Constituição Européia, em que justamente a Polônia junto com a Espanha [estavam] se opondo a posições da França e da Alemanha. E há quem diga que com 25 países, o sistema decisório europeu está falido e está difícil encontrar um novo modelo para esse sistema. Há um lado complicador aí também, não?
Alberto Navarro: Sem dúvida. Se nós passarmos de 15 para 25 [países] esse vai ser o maior problema: como fazer com que a União Européia continue eficaz na tomada de decisões. E que essas decisões sejam aplicadas. É provável que nós tenhamos que trabalhar por grupos de países, já temos isso. O euro - estávamos falando do euro.Temos o euro em 12 dos 15 países. O Reino Unido, a Suécia e a Dinamarca por razões diversas não gostaram do euro e até agora não adotaram o euro.
Mauro Chaves: E cada vez ficou mais longe.
Alberto Navarro: Mas o resto, trezentos milhões de pessoas, têm uma moeda única, que para muitos era um sonho, mas que hoje é uma realidade. Hoje no mundo há tantos euros quanto dólares. E cada vez mais países têm as suas reservas e as utilizam no seu comércio, nas suas trocas, o euro. A Rússia, por exemplo, agora tem mais euros do que dólares, porque tem interesse em comercializar com a União Européia. Então eu acho que nós temos que simplificar o processo decisório, mas ao mesmo tempo não obrigar a todos os países a fazer o mesmo. Se alguns países querem avançar mais na defesa comum, podem seguir adiante. Outros querem compartilhar a moeda, podem compartilhar a moeda. O que eu gosto em meu país é que ele tem todos esses núcleos. Eu acho que, por exemplo, os países fundadores, a Espanha, Portugal, talvez algum outro, vão estar sempre tentando participar em todos esses processos decisórios. Mas não teremos porque obrigar um país que não queira adotar o euro ou contribuir com soldados em uma operação de manutenção da paz no exterior.
Paulo Markun: Pedro Henrique, do Butantã, aqui em São Paulo, que é sociólogo, pergunta em que medida a Alca [Área de Livre Comércio das Américas, acordo liderado pelos Estados Unidos com o objetivo de facilitar a circulação de produtos americanos na América Central e do Sul, mediante redução de tarifas alfandegárias] pode atrapalhar as relações comerciais entre o Brasil e a Europa? E Claudionor Romão, de Barueri, aqui em São Paulo também, pergunta o que o senhor acha da Alca. Ele diz que é membro da Igreja Católica, que os membros da Igreja Católica não acreditam nos Estados Unidos, ou seja, segundo ele, 85% não aprovam a Alca. Ele gostaria de ouvir a opinião do senhor.
Alberto Navarro: Eu me ocupo da negociação entre o Mercosul [Mercado Comum do Sul] e a União Européia, não da Alca. Eu acho que não há uma competição entre a Alca e a União Européia. O nosso acordo é diferente. Alca é mais comércio e nós estamos falando de uma parceria, de uma associação estratégica, onde nós tratamos de diálogo político, cooperação na área de meio ambiente, luta contra a pobreza, ciência e tecnologia e tantos e tantos setores, intercâmbios universitários, nos quais nós vamos a cooperar. Não é somente um acordo comercial como o acordo da Alca. Para mim o que é prioritário é que os países do Mercosul e União Européia possam concluir, nos próximos meses, o nosso acordo na associação. E a questão da Alca é uma questão para os países que participam dessa negociação. Em todo caso, a União Européia dá sempre as boas vindas a todo o processo de liberalização do comércio, porque essa é a nossa experiência. Eu, como espanhol, me lembro muito bem, quando a Espanha ia entrar na Comunidade Européia, dos medos dos empresários, dos consumidores “vai chegar a indústria alemã, a francesa, e vai arrasar a Espanha”. Qual foi o resultado? A Espanha se abriu da mesma maneira que Portugal e nunca tivemos vinte anos de tanta prosperidade econômica como a que tivemos no seio da União Européia.
Paulo Markun: Mas esses vinte anos de prosperidade econômica foram resultado da abertura econômica ou da maneira como foi feito o acordo da União Européia e a enorme quantidade de investimentos que foram feitos na Espanha e em Portugal para equiparar esses países à condição de seus vizinhos?
Alberto Navarro: É um todo. O conceito europeu, sem dúvida, não é somente comércio. Nós, europeus, queremos comércio e ajuda e desenvolvimento, por isso que nós aqui no Brasil fazemos não somente comércio, mas também temos muitos programas de cooperação. A minha delegação gasta, neste momento, mais de 150 milhões de euros em projetos, muitos com ONGs, em todo o Brasil. Temos projetos com o governo federal para reforma fiscal, para os ouvidores de polícia, etc, etc e temos muitos projetos no Amazonas. Então, na Europa temos instrumentos de solidariedade, mas você tem que ser consciente de que na Europa ninguém dá nada de graça, você tem que trabalhar, lutar por isso. E os fundos de coesão são fundos que ajudam no desenvolvimento de países e também beneficiam muito os países que dão essas ajudas. Alguns estudos falam que mais de 30% dos fundos que a Alemanha, França dão para a Espanha voltam para esses países em compra de mercadoria etc. Então eu acho que é um modelo bom e que pode ser copiado por outros processos de integração, mas não é somente as ajudas que fazem mudar um país. Eu acho que todo um povo é que vai para frente.
Eliane Oliveira: O senhor falou que em alguns meses deve fechar esse acordo Mercosul - União Européia. Quando será fechado? Porque o chanceler Celso Amorim disse que deve fechar esse acordo antes de outubro, que era a data programada. O senhor concorda que deve-se fechar esse acordo antes de outubro? Maio...
Alberto Navarro: Eu concordo plenamente, porque as negociações já duraram bastante tempo. A União Européia, na América Latina, tem um acordo de livre comércio com o México, que foi o primeiro acordo, e foi negociado em um ano. É verdade que nós, europeus, estávamos perdendo o mercado mexicano depois da criação do Nafta [Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, integrado pelos Estados Unidos, Canadá e México]. Então tínhamos muito interesse em não perder mais cota de mercado e o acordo foi negociado em tempo recorde, um ano. E ainda não podemos recuperar o que nós perdemos com o Nafta. Depois, com o Chile, tivemos dois anos de negociações, as rodadas foram lançadas no ano de 2000.
Eliane Oliveira: Foi neste semestre, então?
Alberto Navarro: Em 2002, nós fechamos as negociações com o Chile. Com o Mercosul levamos quatro anos, depois do ano 2000. E eu acho que é bastante tempo e concordo plenamente com o ministro Amorim de que deveremos fechar, no mais tardar, em outubro.
Paulo Markun: Embaixador, tem uma área em que os países da Europa e o Brasil jogam no mesmo time claramente, que é o time que está perdendo, que é a área do audiovisual, cinema e toda produção audiovisual. Tanto os países da Europa que têm uma situação mais confortável quanto o Brasil são campo fértil e fácil para - a palavra é essa, não tem outra – a dominação do produto norte-americano. Existe algum tipo de jogo que possa se fazer junto, nessa direção?
Alberto Navarro: Uma boa pergunta, mas eu não tenho uma resposta clara. Eu comprovei na Europa que nós precisamos estimular, ajudar os instrumentos culturais, estamos falando de nossa identidade. O cinema, o teatro, a produção audiovisual precisam de incentivos, não se trata de dirigir a cultura. E, sem dúvida, temos que fazer muito mais. Esse é outro exemplo pelo qual eu me sinto aqui como em casa, porque vocês têm o mesmo problema que nós temos na Europa, e não é fácil. Eu acho que o monoculturalismo, o imperialismo cultural seria empobrecedor para todos nós. Temos que fazer o que seja possível para manter a diversidade cultural e para animar as produções dos nossos países.
André Mermelstein: Embaixador, a Comissão Européia, no último dia 16, na terça-feira da semana passada, prorrogou justamente os incentivos, subsídios dos estados às produções audiovisuais nacionais. Era para vencer agora em junho ou julho de 2004 e foi prorrogado até 2007. Ao mesmo tempo, a Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educaçao, Ciência e Cultura, criada em 1945, entre outros mantém o Programa Internacional para a Promoção da Comunicação e o Programa de Cooperação Cultural da União Européia] está trabalhando em uma Convenção de Diversidade Cultural que vai determinar os parâmetros, o que pode ser incluído nas negociações comerciais entre países em relação à liberalização dos mercados de produção audiovisual e dos mercados editoriais. Essa medida da Comissão Européia de prorrogar os seus subsídios para essa convenção da Unesco deve entrar em vigor provavelmente em 2005. Essa medida da Comissão Européia de prorrogar a proteção cultural até 2007 é uma garantia de que o mercado de produção europeu estaria protegido contra o produto hegemônico ou, vamos dizer assim, americano, até depois do mandato da Unesco?
Alberto Navarro: É uma das medidas junto com muitas outras. Nós temos programas como o Programa Mídia, de ajuda aos produtores de filmes. Os bens culturais não podem ser tratados como os outros bens.
André Mermelstein: Mas acabam sendo, porque... eu tenho uma notícia interessante que eu peguei também, da semana passada, sobre a Coréia do Sul - para a gente sair um pouco daqui - e o governo americano vem pressionando. A Coréia do Sul tem uma proteção de mercado muito grande do seu cinema; 40% do tempo de exibição tem que ser destinado ao produto audiovisual sul-coreano, e o governo americano vem pressionando o governo sul-coreano para que liberalize essa cota de tela como condição para uma série de outras negociações comerciais. Eu vou citar da Reuters [considerada a maior agência internacional de notícias e multimídia do mundo], “os Estados Unidos querem que a Coréia do Sul revogue esse limite, se quiser seguir adiante, com o Tratado Bilateral de Investimento, de modo a nivelar o campo para os investidores de ambos os países”. Esse tema da produção cultural, da liberalização do mercado cultural entra nas negociações também da Comissão Européia, tanto com os Estados Unidos quanto com os países periféricos?
Alberto Navarro: Não, não entra muito, porque a cultura ainda fica como uma competência dos Estados membros. A Comissão tem somente alguns programas para ajudar, para incentivar o conhecimento das culturas minoritárias, para o Caminho de Santiago [reconhecido pela Unesco como patrimônio da humanidade, é uma rota de peregrinação religiosa que atravessa toda a Península Ibérica até a cidade de Santiago de Compostela onde se encontra o túmulo do apóstolo Tiago]. São sempre medidas muito pontuais, muito pequenas, se comparadas com a magnitude do problema. Porque, como eu digo, a cultura ainda não é competência das instituições comunitárias.
Roberto Teixeira da Costa: Eu queria entrar nesse tema, só um instantinho. Em termos de cinema, que é uma coisa que me interessa mais ou menos, eu acho que a produção européia é da melhor qualidade, mas o problema é a distribuição. Se a União Européia não tem, ou seja, a Espanha, a Itália e França não têm um bom sistema de distribuição, não vão ser competitivos. Não se trata nem de super produções. O filme que ganhou um Oscar agora [O senhor dos anéis] é um filme produzido na Nova Zelândia. Então o problema é distribuição. A União Européia precisa criar mecanismos de distribuição competitivos para poder penetrar nessas cadeias, hoje, que são fortíssimas, de cinema.
Alberto Navarro: Sem dúvida.
Sérgio Malbergier: Embaixador, o senhor já falou aqui, e escreveu também no artigo de domingo, que vê mais identidade entre o Mercosul e a União Européia do que entre a União Européia e os Estados Unidos. Eu quero ver se é isso mesmo, já que a base toda da Aliança Atlântica, do Ocidente, desde o final da Segunda Guerra foi sempre a aliança entre Estados Unidos e União Européia.
Alberto Navarro: Sim, mas quando falamos nos Estados Unidos, é graças a eles que nós temos agora as liberdades e as democracias na Europa que, por duas vezes, na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, enviaram seus jovens, que morreram na Europa lutando em outro continente pela democracia. Mas hoje estamos muitas vezes falando, não dos Estados Unidos, mas da administração Bush [George W. Bush, presidente dos Estados Unidos no período de 2001 a 2009]. Quando eu falo de coincidências ou divergências, estou falando da questão da pena de morte. O Brasil aboliu a pena de morte e todos os Estados europeus a aboliram.
Sérgio Malbergier: A pena de morte veio antes do governo Bush.
Alberto Navarro: Eu sei. Mas é muito importante, da mesma maneira que apoiar criação do Tribunal Penal Internacional, querer uma organização multilateral contra a impunidade, apoiar as Nações Unidas...
Sérgio Malbergier: Isso também é uma posição do governo Clinton [(Bill Clinton), presidente dos Estados Unidos no período de 1993 a 2001], de não apoiar o Tribunal. O senhor acha que há um cisma no Ocidente?
Alberto Navarro: Não, porque o presidente Clinton assinou o Convênio de Roma criando o Tribunal Penal Internacional. Depois, a administração Bush revogou essa assinatura. Mas o presidente Clinton, no último dia de seu mandato, assinou o Convênio de Roma. Então muitas vezes é uma questão entre o governo... da mesma maneira que nós tivemos também divergências na Europa, em relação à Guerra do Iraque. Lá os governos todos ficaram divididos.
Mauro Chaves: Embaixador, queria voltar um pouquinho ao Brasil e recuperar um pouco uma pergunta que a Eliane tinha feito com relação ao interesse específico da União Européia, porque o Brasil sabe qual o interesse específico do Brasil. O Brasil quer, por exemplo, pegar as cotas de açúcar, subir de 19 mil toneladas por três milhões. Ele quer claramente isso, quer romper isso, muito bem. Eu vejo até nos seus artigos e entrevistas que o senhor sempre fala em compras do governo; uma das coisas que mais lhe interessam, me parece, são as compras do governo. Aí fico pensando o seguinte: o que está por trás desse grande interesse? Já existe dentro dos nossos atuais marcos regulatórios, companhias, inclusive companhias espanholas de telefonia, o Brasil fez privatização, essas coisas já existem e funcionam. Eu queria saber exatamente quais são as compras de governo e por que a Comunidade Européia está esperando tanto das compras de governo. Será que acha que os governos gastam bastante ou será que não estão sentindo que há brutal contingenciamento, como está havendo agora no Brasil, por exemplo? Então, como o senhor mesmo disse, voltando àquela posição inicial de que este ano, 2004, é um ano excepcional para o relacionamento União Européia e Mercosul, eu queria saber, neste momento, o que o senhor imagina, em termos ou de mudança legislativa ou de marcos regulatórios, enfim, para que as empresas possam vender para os governos do Mercosul, especialmente do Brasil?
Alberto Navarro: Hoje os investimentos externos são uma fonte de crescimento econômico, de criação da riqueza e emprego. Eu falava que as empresas européias, aqui no Brasil, são responsáveis por mais de 50% de todos os investimentos estrangeiros, mais do que o dobro do que os Estados Unidos investem. E são investimentos produtivos e não investimentos especulativos na Bolsa de São Paulo. Esses investimentos trazem know how, novas tecnologias, criam empregos etc. O problema é que as grandes companhias como a Telefônica, Repsol, Carrefour, não precisam, muitas vezes, de uma legislação de acolhida ou de garantias a seus investimentos. Mas a pequena e média empresa européia que querem criar empregos no Brasil precisam desse marco regulatório, isso não temos agora. Durante os últimos anos, os últimos governos aqui no Brasil, foram negociados 17 acordos, muitos desses acordos...
Mauro Chaves: As agências existem.
Alberto Navarro: Não, mas os acordos foram negociados por governos democráticos do Brasil, com países como a França, a Itália, a Espanha para a proteção dos investimentos. Esses acordos foram retirados do congresso brasileiro no final do ano 2002, e até agora muitas empresas européias se perguntam: por que com o Brasil não temos um acordo de proteção de investimentos quando nós gostaríamos de investir? Devem saber que a demanda por investimentos é muito grande em todo o mundo. Então, se um país não facilita a chegada dos investimentos, o capital é muito nervoso. Ele, enquanto vê ... [faz gestos de indecisão para mostrar o comportamento do capital] e vai para outro país. Acho que seria uma pena se não pudéssemos mais ajudar mais na criação do emprego, da riqueza aqui no Brasil, com uma melhor acolhida para os investimentos estrangeiros. É isso que a União Européia está pedindo: mais concorrência, mais transparência nesses setores porque achamos que são setores de futuro.
Mauro Chaves: Seria mais autonomia para as agências?