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Memória Roda Viva

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Alberto Navarro

22/3/2004

O incremento da parceria entre Brasil e União Européia, a nova realidade mundial frente aos atentados terroristas e os desafios para o novo século, são temas da entrevista

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[Programa ao vivo, que permitiu a participação do telespectador]

Paulo Markun: Boa noite. O recente atentado terrorista em Madri aumentou as preocupações na Europa e já começou a mudar o discurso das lideranças políticas. Mas esta mesma Europa preocupada procura se fortalecer e deverá tornar-se, este ano ainda, a maior potência econômica e comercial do mundo. E o Brasil tem com isso um horizonte, um novo e importante parceiro econômico. Para falar da aproximação entre a Europa e o Brasil, das novas oportunidades brasileiras no mercado europeu e também das preocupações com o terrorismo internacional, o Roda Viva entrevista esta noite o embaixador Alberto Navarro. Ele é o chefe da delegação da Comissão Européia no Brasil, responsável pelas negociações que buscam novos acordos entre Brasil e Europa.

[Comentarista]: Alberto Navarro é de Santa Cruz de Tenerife, comunidade autônoma e espanhola nas Ilhas Canárias. Formado em direito na Universidade de Salamanca, começou carreira diplomática na Espanha em 1980 e se especializou em direito internacional, assuntos europeus e políticas de desenvolvimento e cooperação. Ele representa, no Brasil, a União em que a Europa se transformou ao longo de um processo de integração de mais de cinquenta anos. A idéia da unificação européia ganhou força em 1948, quando um programa de reconstrução começava a recuperar o que a Segunda Guerra havia destruído. A indústria do carvão e do aço era a espinha dorsal da economia européia na época. Em 1951, por iniciativa de seis países - Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e Holanda -, surgiu a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, centralizando e subordinando a produção a uma autoridade superior. Foi o primeiro passo. Em 1957, a idéia se ampliou e foi criada a Comunidade Econômica Européia, para colocar em prática os planos de um Mercado Comum Europeu, com base na unificação econômica e monetária. Em janeiro de 1999, nasceu o euro, marca registrada da União Européia. A moeda única simbolizou e consolidou a idéia de unificação lançada 56 anos atrás. Um só dinheiro, uma única cidadania européia complementar à cidadania original de cada cidadão e uma idéia de livre mercado e de fronteiras livres entre seus membros, a União Européia é citada como o processo de integração regional mais avançado da história. A ampliação do bloco, agora em maio, de 15 para 25 países, fortalece mais a União, embora ocorra em um momento delicado. O recente atentado terrorista em Madri [11 de março de 2004], que mudou o rumo das eleições espanholas impondo derrota ao atual governo, também colocou a União Européia em um patamar novo de preocupações frente ao terrorismo internacional. Enquanto o discurso e o debate político entram numa fase nova e mais angustiada, os planos econômicos seguem em frente atravessando oceanos. A nova União Européia, que passa de 380 milhões para 450 milhões de habitantes, vai se apresentar ao mundo este ano como o mais poderoso bloco econômico e comercial do planeta. E é esse o mercado que está se aproximando do Mercosul [Mercado Comum do Sul] e, em especial, do Brasil. O embaixador Alberto Navarro tem dito que 2004 é o ano do Brasil na Europa. Parceiro de peso, o Brasil é o principal beneficiário latino-americano dos investimentos europeus; e a Europa, o principal cliente agrícola do Brasil, pode ser mais que isso a partir de agora.

Paulo Markun: Para entrevistar o embaixador Alberto Navarro, nós convidamos: Eliane Oliveira, repórter de economia da sucursal de Brasília do jornal O Globo; Roberto Teixeira da Costa, economista e sócio da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais; Vicente Adorno, editor de internacional da TV Cultura; Sérgio Malbergier, editor de mundo do jornal Folha de S. Paulo; Mauro Chaves, editorialista e articulista do jornal O Estado de S. Paulo; e André Mermelstein, diretor editorial das revistas Tele Time e Tela Viva, especializadas em assuntos de telecomunicações e mídia. [...] Boa Noite, embaixador.

Alberto Navarro: Boa noite.

Paulo Markun: Se a gente perguntar para o grande público brasileiro ou se mencionar a expressão União Européia, é muito provável que a gente receba uma pergunta de volta do tipo "em que campeonato de futebol isso vai acontecer?", "que time de futebol é esse”? Porque, na verdade, para a grande massa dos brasileiros, esse ainda é um conceito um pouco distante. O que o senhor imagina que é necessário acontecer para que essa realidade, que já existe efetivamente na Europa, seja de conhecimento do grande público brasileiro?

Alberto Navarro: Bom, é normal que para o público brasileiro a União Européia ainda não seja muito bem conhecida, porque também acontece o mesmo na própria Europa e muitas pessoas confundem a União Européia com o Conselho da Europa, com outras organizações. O projeto europeu é um projeto que começou há muitos anos,  [há] quase cinquenta anos, depois da última Guerra Mundial - eu gosto mais de falar em guerra civil entre europeus -, e foi um projeto feito de pequenos passos. Tivemos um grupo de europeus muito mais idealistas, eles fundaram o Movimento Federal Europeu e quiseram construir de uma só vez os "Estados Unidos da Europa". O resultado foi o Conselho da Europa, mais uma organização como tantas no mundo, intergovernamentais, e outro grupo de europeus, que começou, como vimos agora na reportagem, com o carvão e o aço. E foi dessa maneira, com pequenos passos, que nós começamos  a aventura da integração européia. Eu prefiro falar de Comunidade Européia, porque não estamos unificando. Cada Estado tem a sua língua, tem a sua história, temos monarquias, temos repúblicas, e o que estamos fazendo juntos, sobretudo, é assegurando a paz no continente europeu. Eu acho que esse é o melhor resultado do processo da construção européia. Pela primeira vez na história da Europa, que foi uma história de guerras, tivemos cinquenta anos de paz. E, ao mesmo tempo, a estabilidade política trouxe consigo a prosperidade econômica. Então, agora nós temos que fazer juntos o que é preciso, e o que é melhor de fazer juntos e não separadamente. Por exemplo, ter um mercado único ou ter uma moeda única [o euro]. E agora estamos tentando, também, ter uma presença internacional e ser um ator político. A Europa foi durante muitos anos um cenário de guerras, onde aconteciam as batalhas. Depois nos tornamos expectadores; de um cenário, passamos a ser um expectador. E os Estados Unidos intervinham, faziam as guerras e nós chegávamos  atrás, sempre criticando, mas incapazes de atuar. Os Bálcãs [refere-se aos conflitos na Península Balcânica, situada à sudeste da Europa, é uma área de interseção entre a Europa e o Oriente Médio, palco de disputas territoriais e conflitos étnicos] são o melhor exemplo, até o momento, em que os Estados Unidos intervieram e a Europa ficou impotente. E agora estamos tentando não ser expectador, mas ser um ator político e achamos que no mundo globalizado atual não só a América Latina, o Mercosul ou o Brasil, mas também a África, a Ásia precisam de uma Europa mais presente, mais ativa neste mundo globalizado.

Roberto Teixeira da Costa: Embaixador, é irresistível quando se fala da União Européia, imediatamente não se tentar fazer alguma comparação com o Mercosul. Seria muito interessante, na sua perspectiva européia, como é que o senhor vê o Mercosul. Uma primeira definição sua é que a motivação básica na União Européia foi uma motivação econômica. E olhando aqui o Mercosul, basicamente, foi uma motivação política. Posteriormente, as correntes de comércio se intensificaram, tivemos uma fase muito próspera na relação bilateral quando a Argentina criou o plano de conversibilidade, depois quando o Brasil criou o Plano Real e depois entramos aí com as crises mundiais numa fase um pouco de aumentar muito o contencioso entre os dois países. Mas na essência, hoje, se compara muito, quando se quer falar da União Européia, fala-se do Mercosul. Como é que o senhor vê essa evolução do Mercosul? Evidentemente o Mercosul tem vinte anos e a União Européia tem cinquenta anos, quer dizer, durante esse processo muita coisa aconteceu. Como é que o senhor vê essa comparação entre União Européia e Mercosul?

Alberto Navarro: Nós vemos o Mercosul com muito interesse. A União Européia apoiou desde o início a criação do Mercosul, no ano de 1991, e continuamos a apoiar porque o atrativo para os empresários europeus, para os governos europeus, é criar uma zona maior do que é simplesmente cada país separadamente. Você falou muito bem que o Mercosul ainda é um adolescente, tem 14, 15 anos, e a União Européia já tem cinquenta. Nós, europeus, não gostamos de dar lições. Acho que é eurocentrismo olhar o mundo através da Europa e dar lições a todo mundo. Não é uma boa receita. Ao contrário, nós devemos compartilhar nossas experiências do lado europeu. Mas o Mercosul hoje é a quarta potência econômica do mundo. A primeira e a segunda são os Estados Unidos e a União Européia. Depende um pouco do tipo de câmbio entre o dólar e o euro. A terceira é o Japão, depois o Mercosul. Então, a criação de uma zona de livre comércio entre os 450 milhões de cidadãos da Nova União Européia, depois do primeiro de maio, e os 220 milhões de cidadãos do Mercosul, têm um interesse estratégico para nós. Estamos falando de mais de setecentos milhões de pessoas, um produto nacional bruto de mais de nove trilhões de euros. E, para nós,  é uma relação  estratégica: em primeiro lugar, porque se você olha o continente sul-americano, vai ver que temos muita instabilidade. Temos a Venezuela, com a sociedade partida em dois; temos a Colômbia, com uma guerra civil, mais de 2,5 milhões de marginalizados; problemas no Equador; problemas no Peru, para não falar da Bolívia. Então, para nós a estabilidade política no Cone Sul é fundamental. E, do ponto de vista econômico, nós somos o primeiro parceiro comercial do Brasil. Nós representamos - a União Européia - mais de 27% do comércio exterior do Brasil. Mais de 50% de todos os investimentos estrangeiros neste país provêm da Europa, então a Europa está comprometida com o futuro do Brasil. E, finalmente, temos razões não só políticas e econômicas, mas também éticas e morais. Quando falei com o presidente Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, eleito presidente em 2002 e reeleito em 2006], há alguns meses, e apresentei as minhas cartas credenciais, eu disse para o presidente: "Eu me sinto aqui como [se estivesse] em casa. Eu comprovei que os brasileiros e os europeus olham o mundo com os mesmos olhos". E nós não gostamos da pena de morte, abolimos a pena de morte faz muitos anos. Nós assinamos o Protocolo de Quioto sobre a mudança climática, assinamos o Convenção de Ottawa [convenção realizada no Canadá, que determina a proibição do uso, armazenamento, produção e transferência de minas antipessoais, bem como sua destruição. Foi aberta para assinaturas em 1997, porém só entrou em vigor em 1º de março de 1999] contra as minas antipessoais, apoiamos a criação do Tribunal Penal Internacional [(TPI) criado com o objetivo de combater a impunidade de pessoas responsáveis por crimes de guerra e de crimes contra a humanidade], todas essas coisas são muito importantes e muitos outros países não compartilham. Você tenta fazer o mesmo com os Estados Unidos, com a China, com Japão, e vai ver que vai dar no mesmo.

Mauro Chaves: Embaixador, o senhor me parece uma pessoa otimista; e é muito bom esse otimismo não aqui, externo, como [também] interno. E quando o senhor fala no relacionamento União Européia e Mercosul, revela o grande otimismo de que este ano – o 2004 - vai ser feliz. Que o 2004 é o ano do Brasil com a União Européia. Inclusive eu li seu artigo de ontem na Folha de S.Paulo, em que o senhor fala das oportunidades que existirão. Então, eu queria entender melhor o seguinte: esse processo de ampliação da União Européia é um processo complicado, quer dizer, vão entrar novos dez países. São 11 línguas oficiais, e vão virar vinte línguas oficiais. Tem o problema de legislação interna, tem o problema, enfim, é muito complicado. Por outro lado, uma coisa que a gente sabe, também, é que esses novos países - Malta, Chipre... -, todos eles têm também uma quantidade muito grande de agricultores, parece que 3,5 milhões de agricultores. O grande problema do Brasil com a União Européia, a grande barreira, é o protecionismo agrícola europeu, que dizem que absorve mais ou menos... 50% do orçamento da União Européia vai para subsídios agrícolas. Eu pergunto o seguinte: neste momento de ampliação, qual seria o fator que facilitaria, que daria mais oportunidades para o Brasil? Porque me parece que é o contrário, quer dizer, esse processo de adaptação da União Européia a esse novo perfil bem ampliado, e com essas complicações todas que existem até com o aumento de agricultores que talvez exijam mais subsídios agrícolas. Eu não entendo bem, eu não consegui captar bem, por que este momento de 2004 é tão favorável a essa aproximação? 

Alberto Navarro: Eu vou lhe responder, vou tentar lhe responder. Em primeiro lugar, para lhe dizer que a agricultura, para nós, é uma política fundamental na Europa. Porque depois da Segunda Guerra Mundial ou da guerra civil, a última guerra civil dos europeus, a Europa teve fome e teve que receber ajuda dos Estados Unidos com o Plano Marshall. Então com a criação da Política Agrícola Comum [(PAC) conjunto de normas que visam à incremetação da produtividade agrícola, ao progresso técnico e à otimização dos recursos para o desenvolvimento rural] a Alemanha, principalmente, é quem financia a agricultura francesa; e a troca disso é a abertura do mercado francês para os produtos industriais alemães. Esse é o contrato de casamento inicial, simplificando muito a criação da Comunidade Européia. Então, foi um grandíssimo sucesso, e agora a União Européia é a maior potência agrícola do mundo. Nós reconhecemos que temos que mudar a política agrícola, porque tem alguns elementos que distorcem o comércio internacional, mas ao mesmo tempo devemos manter alguns subsídios e mudar os subsídios das exportações para as rendas dos agricultores, porque no nosso conceito de sociedade, nós gostamos que os agricultores continuem a produzir. Em alguns casos, estamos, inclusive, falando quase da segurança nacional. No caso da Finlândia, um país de 1100 km de fronteira com a Rússia, precisa de pessoas que fiquem lá e continuem a produzir a agricultura. Isso não é uma heresia, existe em muitos países. Da mesma maneira que vocês subvencionam saúde e educação. O que temos que mudar são os subsídios que afetam o comércio internacional. Hoje o Brasil é o maior exportador agrícola para nosso mercado, e o maior cliente do Brasil é a União Européia. Nós somos também o maior importador mundial dos produtos agrícolas. A União Européia compra mais produtos agrícolas do que o resto do mundo; mais do que os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e o Japão juntos. E hoje, mais de 60% das exportações brasileiras para o seu maior mercado, para o melhor cliente, que é a União Européia, entram livres de direitos. Nós estamos dispostos a melhorar, inclusive, no próximo acordo da associação, as concessões agrícolas. Mas também queremos em troca um acesso preferencial a serviços, investimentos e compras governamentais e compras públicas aqui e nos países do Mercosul, principalmente no Brasil. Mas a política agrícola comum, como eu digo, precisa ser mudada, mas vai continuar a ter alguns subsídios para as rendas dos agricultores. A ampliação e a chegada dos novos dez países, com oitenta milhões de cidadãos, de pessoas, vai ajudar a reduzir o nível de subsídios, porque o orçamento comunitário não vai duplicar. O número de agricultores vai dobrar, vamos passar de 13,5 milhões que temos agora para 15 a 27 [milhões], porque esses dez países têm o mesmo número, tem uma população agrícola maior, mas o nível de subsídios não vai dobrar. Então, vai ser maior.  

Mauro Chaves: Mas vai aumentar?

Alberto Navarro: Vai aumentar um pouquinho. Muito pouco.

Eliane Oliveira: Embaixador, o senhor pode explicar melhor essa questão de investimentos, compras governamentais. Por exemplo, a União Européia quer fazer o quê? As empresas européias querem participar de igual para igual nas licitações públicas do governo brasileiro? Em relação a serviços, investimentos, isso nunca ficou muito claro. O que a União Européia quer em troca desse sistema sensível para o Brasil, que o Brasil quer discutir na OMC [Organização Mundial do Comércio]? E em relação à agricultura, a União Européia disse que quer dar uma oferta generosa em agricultura, fala em dar inclusive mais de 90%. Só que, por exemplo, [em relação ao] açúcar, café solúvel, carnes, derivados de leite, a União Européia se recusa a abrir. Queria que o senhor explicasse melhor essa questão de serviços, compras governamentais, e explicasse porque a União Européia não abre justamente no [ponto em] que o Brasil quer entrar no mercado europeu?

Alberto Navarro: Bom, hoje o comércio entre o Brasil e a União Européia, que aumentou muito - eu falava que nós somos o maior cliente do Brasil e representamos mais de 27% de todo o comércio exterior do Brasil. Os Estados Unidos ficam com 24, depois você tem os outros países do Mercosul com 15%, a China e etc, então 27%. Do volume total do comércio exterior, dois terços são já produtos manufaturados, felizmente. O Brasil não é um país somente produtor de suco de laranja, de açúcar, de carne, de frango, mas é também um país com novas tecnologias, que exporta jatos, aviões para a Europa, e isso também é importante. Dois terços do comércio exterior não são produtos agrícolas. É verdade que a agricultura brasileira é muito competitiva, e nós somos o maior cliente e gostamos de ver aumentar esse comércio. No ano passado, o Brasil aumentou mais de 20% de suas exportações para a União Européia; e no início deste ano, o aumento foi de 30% sobre a cifras do ano passado, que já foram muito altas. Então é difícil falar de protecionismo quando as exportações estão aumentando: 20% no ano passado e 30% no início deste ano. Mas é verdade que nós temos, como também o Brasil, alguns produtos sensíveis, mas a taxa alfandegária média da União Européia fica em torno de 4%, para a proteção da taxa do nosso mercado. Os Estados Unidos ficam com 8, o Japão, com 12 e o Brasil está com  25. Estamos falando do nível médio de proteção alfandegária. E a União Européia, em alguns produtos concretos, vai fazer ofertas com base em algumas cotas, porque o nosso mercado não é infinito, e temos que levar em conta a sensibilidade de alguns produtos. Também queremos, do lado brasileiro, do lado do Mercosul, um acesso preferencial em matéria de serviços, investimento e compras públicas. Eu acho que isso também é um interesse dos países do Mercosul. Se você vai comprar, seja o governo federal, estadual ou municipal, ou uma empresa pública, Petrobras ou qualquer outra empresa, é melhor ter mais ofertas e mais concorrências. Isso vai fazer baixar os preços, vai ter melhores tecnologias, vai ter menos corrupção. Então, eu acho que há um interesse também, dos próprios países do Mercosul, de abrir mais as compras governamentais e também dar um acesso mais aberto a serviços e investimentos porque são setores do futuro. Quando falamos em uma economia como a brasileira, os serviços já representam mais da metade da economia brasileira: o turismo, os transportes, as telecomunicações, esses são os setores do futuro. Eu acho que é bom também para o Brasil abrir-se um pouquinho mais.

Eliane Oliveira: TV digital também?

Alberto Navarro: E também a TV digital.

Paulo Markun: Embaixador, como é que o dia 11 de março, agora, [(2004), quando ocorreu o atentado terrorista nas proximidades de Madri,  provocado por uma série de explosões nos trens de passageiros, deixando um saldo de aproximadamente duzentos mortos e 1500 feridos] mudou a face da Europa e do país do senhor, da Espanha? Em que medida ele mudou?

Alberto Navarro: Bom, a Espanha infelizmente, já conhecia o terrorismo, depois de muitos anos, mas é verdade que uma atrocidade, um massacre dessa magnitude nunca tivemos. Eu fiquei muito impressionado pela solidariedade do governo, do presidente Lula, dos ministros, da sociedade, da opinião pública brasileira. Eu via nas revistas, nos jornais: “as vítimas somos todos nós”. Eu me sentia, como disse há alguns minutos, como em casa. E o número de ligações, de chamadas, de mensagens que recebemos - o meu colega embaixador da Espanha, José Coderch, e eu mesmo, como embaixador da Comissão Européia -  foi incrível. Mas agora a Europa tem que responder a essa ameaça, que é uma ameaça a todos os países do mundo. Eu acho que foi interessante a maneira pela qual os espanhóis reagiram diante do massacre. Nos Estados Unidos, depois do 11 de setembro [data do atentado  terrorista ao World Trade Center, em Nova Iorque, que destruiu as torres gêmeas e provocou a morte de mais de três mil pessoas], muitos ficaram em suas casas, com medo. Nós, os espanhóis, saímos todos pelas ruas, tivemos mais de 12 milhões de pessoas nas ruas. Porque a nossa democracia é uma democracia jovem. Nós tivemos a ditadura do general Franco [no período de 1938 a 1975], então não estamos dispostos a perder a democracia e as liberdades. E agora eu acho a democracia da Espanha ainda mais forte, e temos todos juntos que lutar contra essa ameaça. O perigo é que o equilíbrio entre segurança e liberdade é muito frágil; a democracia é muito vulnerável, é muito fácil fazer um atentado terrorista. Não se pode combater os terroristas somente com meios militares, isso para mim é óbvio. Precisamos mais cooperação internacional, mais troca de informações, mais trabalho dos serviços de inteligência. É isso que estamos fazendo, os ministros do interior da Europa se reuniram na sexta-feira, estabeleceram toda uma série de medidas. Vamos até  ter que mudar todos os passaportes europeus e introduzir um novo passaporte com um pequeno chip com medidas biométricas, tais como a íris do olho, etc. Vamos ter que criar um serviço de inteligência europeu que já está sendo feito, sob a autoridade de Javier Solana, o alto representante da União Européia [representante da política externa geral e de segurança], e fazer mais troca de informações. Muitas das ações que se fazem contra os terroristas têm quer ser ações discretas. Hoje estão reunidos os ministros de assuntos exteriores, das relações exteriores, e na quinta e sexta-feira, vamos ter o Conselho Europeu, a reunião de chefes de Estado de governo, e vamos ver como nós, europeus, com ajuda da comunidade internacional, vamos também lutar contra os terroristas. Mas, como digo, o que devemos evitar é o medo. Eu não gostaria de viver num Estado policial, num Estado autoritário, e isso que é difícil, esse equilíbrio.

Vicente Adorno: Não corremos o risco de tornar a Europa uma reprodução do que está acontecendo nos Estados Unidos em que a pessoa é revistada de alto a baixo, é posta de quarentena, tem que botar impressão digital. Os Estados Unidos viraram um Estado policial. A Europa não corre esse risco também, ainda mais agora que vai ter muito mais gente andando de lá para cá e de cá para lá?

Mauro Chaves: E só para completar a pergunta, eu digo o seguinte: a Espanha recebe em torno de cinquenta milhões de turistas por ano, quer dizer, é uma das fontes fundamentais...
 
Vicente Adorno: Acho que relativamente é o país que mais recebe.
 

Mauro Chaves: ...da economia que mais recebe. Eu fico pensando o seguinte: como é que vai ser agora? Quais são os planos - se existem já, não sei - alguns planos não só de segurança, mas também para convencer o turista. Convencer, por exemplo, o brasileiro que quer ir para a Espanha, adora a Espanha. Quais são os riscos que tem? Então, eu queria que o senhor falasse um pouco sobre isso. Que planos existem para, não só em termos de segurança, como também para convencer o turista internacional de que a Espanha continua sendo um lugar a que se deve ir?

Vicente Adorno: E para não perder essa maravilha que é circular de um lugar para outro sem ter tanta barreira.

Alberto Navarro: Esse é o risco, porque você fala muito bem do turismo. A Espanha e a França são os dois primeiros países do mundo a receber turistas. Nós tivemos, no ano passado, acho que 55 milhões de turistas. E também gostaria de dizer que é um setor muito promissor para o Brasil. Eu nunca compreendi porque o Brasil teve no ano passado 3,8 milhões de turistas, é algo incrível, com oito mil quilômetros de costa. É que a imagem do Brasil no exterior não é a melhor, tem que fazer algo para mudar. Sem dúvida, esse é o perigo. Nós estamos agora muito contentes na Europa, com nossa liberdade de circulação. Para isso tivemos que construir toda uma série de vistos e medidas para a entrada no espaço de liberdade europeu. Como eu falava, isso que é o difícil de fazer: o equilíbrio entre segurança e liberdade. Você precisa de segurança para poder desfrutar de suas liberdades.

Sérgio Malbergier: Embaixador, a gente vê nas prisões que estão sendo feitas na Espanha, agora, vários e, principalmente, o principal suspeito de envolvimento dos atentados, já vinha sendo considerado suspeito por vários serviços de segurança europeus. Você acha que houve uma falha na Espanha e na Comunidade Européia em geral em não ter tomado essas atitudes antes, essas medidas antes do atentado e não depois, já que agora já temos duzentos mortos na Espanha?

Alberto Navarro: Evidentemente sempre que tem um atentado terrorista, temos uma falha nos serviços de informação, de segurança, mas é impossível evitar e controlar todas as pessoas em uma democracia. Eu acho que é preciso ter muito mais troca de informações, um trabalho conjunto nos serviços de inteligência, nos serviços financeiros de luta contra o terrorismo. E ao mesmo tempo não demonizar os outros que são diferentes. A Europa, como o Brasil, é uma sociedade multicultural. A Espanha teve oito séculos de presença mulçumana e agora fazer do Islã sinônimo de terrorismo seria um tremendo erro.  Ao contrário,  iniciativas como a iniciativa do Brasil, do presidente Lula, de convocar uma reunião de cúpula, aqui, no final do ano, entre os [líderes de] países da América do Sul e os países árabes, é bem-vinda pela Europa, porque nós achamos que devemos fazer mais troca, mais diálogo, mais cooperação entre as civilizações.

Sérgio Malbergier: Mas justamente o fato de as comunidades islâmicas na Europa não se adaptarem bem ao europeu, e haver uma discriminação clara dos islâmicos, que já havia na Europa, antes do atentado, você acha que também não deveria haver da parte da União Européia uma iniciativa para integrar mais essas comunidades islâmicas? Não é que vai haver um preconceito a partir de agora, já havia uma dificuldade muito grande de integração dessas comunidades islâmicas nos países europeus. Você não acha que deve ser feito algo também nesse sentido?

Alberto Navarro: Nós temos muitas iniciativas, temos o chamado Processo de Barcelona, que é um  processo no âmbito mediterrâneo, que é o único no qual hoje Israel e Síria, por exemplo, ficam  juntos e podem conversar. Temos também o diálogo euro-árabe, nós fazemos reuniões ministeriais em todos os níveis, todos os anos. Então, a Europa faz muito. E nesse diálogo de culturas, a Espanha, por exemplo, é um país fronteira, que tem a presença de Marrocos. E a estabilidade e a segurança do Marrocos é a nossa, da Espanha. Eu estou completamente de acordo, temos que fazer mais, temos que evitar demonizar os outros. Pelo contrário: as diferenças de religiões, de culturas  é que é enriquecedor. Se a Europa é forte, é porque é uma Europa multicultural, como o Brasil também vai ser um país forte porque é um país multicultural, multiracial e que tem muitas pessoas de origens diversas. É isso que faz a força, a união na diversidade.

André Mermelstein: Como o senhor analisa a leitura que alguns veículos fizeram de que a vitória da oposição na Espanha teria sido uma vitória do terror, na verdade? Quer dizer, o medo está ganhando e ele tem esse poder?

Alberto Navarro: Não, eu respeito muito a decisão popular. Eu acho que os espanhóis tomaram sua decisão. Um erro terrível para democracia seria dar aos terroristas influência política. Então eles vão fazer atentados como o feito em Madri cada vez que ele quiserem mudar um governo.

Vicente Adorno: Mas eles até já estão fazendo isso, porque disseram: “como a Espanha prometeu que vai tirar tropas do Iraque, nós não vamos atacar mais”. Então a democracia, como o André bem assinalou, vai ficar refém do terrorista?   

Alberto Navarro: Acho que não. Respeitando-se a decisão popular, talvez - e eu não gosto muito de falar da política interna dos Estados membros da União Européia - foi mais a gestão do governo espanhol, das informações, a maneira pela qual a opinião pública percebeu que talvez não havia muita transparência. Estavam falando da ETA [Euzkadi Ta Azkatasuna, Pátria Basca e Liberdade - grupo separatista que, desde 1959, luta pela criação de um Estado basco independente] em vez de falar da Al Qaeda [rede terrorista com ramificações em todo o planeta, comandada pelo terrorista Osama bin Laden] como origem dos atentados, quando a opinião pública via que era muito similar. Já estavam utilizando...

Vicente Adorno: Porque na verdade o ETA nunca fez um atentado dessas proporções e politicamente seria um suicídio fazer uma coisa dessas, não?

Alberto Navarro: Eu acho que não temos terroristas bons e maus, [risos] todos os terroristas são iguais. 

Vicente Adorno: Terroristas em menor escala e maior escala. 

Alberto Navarro: Todos eles desprezam a vida humana. E na Espanha nós temos, infelizmente, a presença do terrorismo de ETA depois de muitos anos. Temos uma democracia forte, não se justifica tirar vidas por idéias políticas.

Mauro Chaves: É verdade, embaixador, que houve pressão do governo [José María] Aznar [primeiro ministro, líder do Partido Popular, governou a Espanha no período de 1996 a 2004] sobre os veículos de comunicação para que dessem aquela interpretação de que o ETA teria sido responsável [pelo atentado em Marid]? Porque chegou essa notícia aqui de que os veículos [de comunicação], como El País [jornal espanhol] e outros, foram pressionados para que dessem essa versão oficial. É verdade isso?

Alberto Navarro: Eu não sei. Eu sou embaixador da União Européia e não da Espanha. E como você, eu li o El País, mas não tenho mais informações.

Roberto Teixeira da Costa: Embaixador, voltando a temas econômicos, como o senhor vê a questão da União Européia nesse contexto de um dólar desvalorizado, de um euro valorizado; a complexidade da adesão de dez países na União Européia que, a curto prazo, como foi lembrado aqui pelos companheiros, pode ter um custo de assimilação. O senhor sabe que o problema de emprego vai ser um problema seriíssimo. O Reino Unido foi o único país que não estabeleceu restrições para que haja uma livre circulação de pessoas. O Reino Unido é o país que tem menor taxa de desemprego na União Européia, está em torno de 2,5%, ao passo que a média da União Européia é 8%. Mas um país como a Polônia tem 18% de desemprego. Quer dizer, vai haver um desbalanceamento a curto prazo. A Alemanha que era o país motor da União Européia. Aliás, a União Européia, sobretudo Espanha e Portugal, devem muito à força da Alemanha. Gostaríamos muito que no Mercosul tivéssemos uma Alemanha para nos dar dinheiro, recursos a fundo perdido que foram dados para a Espanha [risos e falas sobrepostas]. Nós estamos sem fundos no momento. Embaixador, como o senhor vê esse problema da questão da União Européia, do euro. A União Européia vai perder muito a sua capacidade competitiva de exportar, o que evidentemente abre oportunidades para o Brasil exportar. Realmente a equação da União Européia, a curto prazo, mostram – e amigos meus que inclusive conviveram na Europa acham – que a época áurea da União Européia acabou. E daqui para frente, a União Européia vai realmente passar um período muito complicado no setor econômico.

Mauro Chaves: Fora a Babel, não é? De vinte línguas oficiais... É uma coisa complicada também.

Alberto Navarro: Pelo contrário. No mundo globalizado no qual nós vivemos, de forma interdependente, a união de Estados vai ser mais necessária do que nunca, por isso o processo do Mercosul é tão importante. É preciso que seja um sucesso. A União Européia é como uma bicicleta, nós precisamos avançar; se ficarmos parados, vamos cair.

Mauro Chaves: Para o espanhol, bicicleta é muito importante.

Alberto Navarro: É muito importante. E nós tivemos já quatro ampliações: a primeira foi a entrada do Reino Unido, Irlanda e Dinamarca no ano  de 1973, depois tivemos a segunda ampliação, com a entrada da Grécia em 1981; a terceira ampliação foi a entrada da Espanha e Portugal em 1986, e a última foi a entrada da Suécia, da Áustria e da Finlândia, em 1995. Agora estamos fazendo a quinta ampliação, que não tem precedentes na nossa história. Nunca tivemos dez países juntos para unir-se à União Européia. Por que eles querem entrar? Porque a União Européia é um pólo de estabilidade política, é de uma força de atração enorme, porque tudo é um grande sucesso. Mas esses países vão nos dar, primeiro, mais estabilidade política. Eu acho que com a ampliação, a Europa vai estar mais estável, do que com a ampliação da Ottawa, porque isso cria laços entre países que asseguram a estabilidade e a segurança.

Roberto Teixeira da Costa: Mesmo sem a Turquia?

Alberto Navarro: Mesmo sem a Turquia. [risos] Economicamente, estamos falando de oitenta milhões de cidadãos novos. Esta é uma oportunidade enorme para um país como o Brasil. Porque os exportadores já conhecem muito bem seu melhor mercado como o mercado europeu, e não precisam de novos papéis, etc. Com o mesmo documento, os produtos vão da Espanha até Polônia ou aos países bálticos. São oitenta milhões de consumidores novos com países que têm taxas altas – porque os países mais pobres sempre têm taxas mais altas – que vão baixar a partir do 1° de maio. Vai haver uma taxa alfandegária comunitária. Um exemplo, a Polônia cobra 14% para o café; o Brasil vai exportar para esse país, a partir de 1º de maio, com tarifa zero para o café. E, finalmente, esses países vão também contribuir com novas energias, novos recursos humanos. Quando Espanha e Portugal entraram, eram países mais pobres, mas isso também dá mais força ao processo de integração.

Sérgio Malbergier: Mas, por outro lado, a gente vê uma fragmentação do processo decisório. A gente viu agora a tentativa de formatar a Constituição Européia, em que justamente a Polônia junto com a Espanha [estavam] se opondo a posições da França e da Alemanha. E há quem diga que com 25 países, o sistema decisório europeu está falido e está difícil encontrar um novo modelo para esse sistema. Há um lado complicador aí também, não?

Alberto Navarro: Sem dúvida. Se nós passarmos de 15 para 25 [países] esse vai ser o maior problema: como fazer com que a União Européia continue eficaz na tomada de decisões. E que essas decisões sejam aplicadas. É provável que nós tenhamos que trabalhar por grupos de países, já temos isso. O euro - estávamos falando do euro.Temos o euro em 12 dos 15 países. O Reino Unido, a Suécia e a Dinamarca por razões diversas não gostaram do euro e até agora não adotaram o euro.         

Mauro Chaves: E cada vez ficou mais longe.

Alberto Navarro: Mas o resto, trezentos milhões de pessoas, têm uma moeda única, que para muitos era um sonho, mas que hoje é uma realidade. Hoje no mundo há tantos euros quanto dólares. E cada vez mais países têm as suas reservas e as utilizam no seu comércio, nas suas trocas, o euro. A Rússia, por exemplo, agora tem mais euros do que dólares, porque tem interesse em comercializar com a União Européia. Então eu acho que nós temos que simplificar o processo decisório, mas ao mesmo tempo não obrigar a todos os países a fazer o mesmo. Se alguns países querem avançar mais na defesa comum, podem seguir adiante. Outros querem compartilhar a moeda, podem compartilhar a moeda. O que eu gosto em meu país é que ele tem todos esses núcleos. Eu acho que, por exemplo, os países fundadores, a Espanha, Portugal, talvez algum outro, vão estar sempre tentando participar em todos esses processos decisórios. Mas não teremos porque obrigar um país que não queira adotar o euro ou contribuir com soldados em uma operação de manutenção da paz no exterior. 

Paulo Markun: Pedro Henrique, do Butantã, aqui em São Paulo, que é sociólogo, pergunta em que medida a Alca [Área de Livre Comércio das Américas, acordo liderado pelos Estados Unidos com o objetivo de facilitar a circulação de produtos americanos na América Central e do Sul, mediante redução de tarifas alfandegárias] pode atrapalhar as relações comerciais entre o Brasil e a Europa? E Claudionor Romão, de Barueri, aqui  em São Paulo também, pergunta o que o senhor acha da Alca. Ele diz que é membro da Igreja Católica, que os membros da Igreja Católica não acreditam nos Estados Unidos, ou seja, segundo ele, 85% não aprovam a Alca. Ele gostaria de ouvir a opinião do senhor.           

Alberto Navarro: Eu me ocupo da negociação entre o Mercosul [Mercado Comum do Sul] e a União Européia, não da Alca. Eu acho que não há uma competição entre a Alca e a União Européia. O nosso acordo é diferente. Alca é mais comércio e nós estamos falando de uma parceria, de uma associação estratégica, onde nós tratamos de diálogo político, cooperação na área de meio ambiente, luta contra a pobreza, ciência e tecnologia e tantos e tantos setores, intercâmbios universitários, nos quais nós vamos a cooperar. Não é somente um acordo comercial como o acordo da Alca. Para mim o que é prioritário é que os países do Mercosul e União Européia possam concluir, nos próximos meses, o nosso acordo na associação. E a questão da Alca é uma questão para os países que participam dessa negociação. Em todo caso, a União Européia dá sempre as boas vindas a todo o processo de liberalização do comércio, porque essa é a nossa experiência. Eu, como espanhol, me lembro muito bem, quando a Espanha ia entrar na Comunidade Européia, dos medos dos empresários, dos consumidores “vai chegar a indústria alemã, a francesa, e vai arrasar a Espanha”. Qual foi o resultado? A Espanha se abriu da mesma maneira que Portugal e nunca tivemos vinte anos de tanta prosperidade econômica como a que tivemos no seio da União Européia.

Paulo Markun: Mas esses vinte anos de prosperidade econômica foram resultado da abertura econômica ou da maneira como foi feito o acordo da União Européia e a enorme quantidade de investimentos que foram feitos na Espanha e em  Portugal para equiparar esses países à condição de seus vizinhos?

Alberto Navarro: É um todo. O conceito europeu, sem dúvida, não é somente comércio. Nós, europeus, queremos comércio e ajuda e desenvolvimento, por isso que nós aqui no Brasil fazemos não somente comércio, mas também temos muitos programas de cooperação. A minha delegação gasta, neste momento, mais de 150 milhões de euros em projetos, muitos com ONGs, em todo o Brasil. Temos projetos com o governo federal para reforma fiscal, para os ouvidores de polícia, etc, etc e  temos muitos projetos no Amazonas. Então, na Europa temos instrumentos de solidariedade, mas você tem que ser consciente de que na Europa ninguém dá nada de graça, você tem que trabalhar, lutar por isso. E os fundos de coesão são fundos que ajudam no desenvolvimento de países e também beneficiam muito os países que dão essas ajudas. Alguns estudos falam que mais de 30% dos fundos que a Alemanha, França dão para a Espanha voltam para esses países em compra de mercadoria etc. Então eu acho que é um modelo bom e que pode ser copiado por outros processos de integração, mas não é somente as ajudas que fazem mudar um país. Eu acho que todo um povo é que vai para frente.

Eliane Oliveira: O senhor falou que em alguns meses deve fechar esse acordo Mercosul - União Européia. Quando será fechado? Porque o chanceler Celso Amorim disse que deve fechar esse acordo antes de outubro, que era a data programada. O senhor concorda que deve-se fechar esse acordo antes de outubro? Maio...

Alberto Navarro: Eu concordo plenamente, porque as negociações já duraram bastante tempo. A União Européia, na América Latina, tem um acordo de livre comércio com o México, que foi o primeiro acordo, e foi negociado em um ano. É verdade que nós, europeus, estávamos perdendo o mercado mexicano depois da criação do Nafta [Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, integrado pelos Estados Unidos, Canadá e México]. Então tínhamos muito interesse em não perder mais cota de mercado e o acordo foi negociado em tempo recorde, um ano. E ainda não podemos recuperar o que nós perdemos com o Nafta. Depois, com o Chile, tivemos dois anos de negociações, as rodadas foram lançadas no ano de 2000.

Eliane Oliveira: Foi neste semestre, então?    

Alberto Navarro: Em 2002, nós fechamos as negociações com o Chile. Com o Mercosul levamos quatro anos, depois do ano 2000. E eu acho que é bastante tempo e concordo plenamente com o ministro Amorim de que deveremos fechar, no mais tardar, em outubro.

Paulo Markun: Embaixador, tem uma área em que os países da Europa e o Brasil jogam no mesmo time claramente, que é o time que está perdendo, que é a área do audiovisual, cinema e toda produção audiovisual. Tanto os países da Europa que têm uma situação mais confortável quanto o Brasil são campo fértil e fácil para - a palavra é essa, não tem outra – a dominação do produto norte-americano. Existe algum tipo de jogo que possa se fazer junto, nessa direção?

Alberto Navarro: Uma boa pergunta, mas eu não tenho uma resposta clara. Eu comprovei na Europa que nós precisamos estimular, ajudar os instrumentos culturais, estamos falando de nossa identidade. O cinema, o teatro, a produção audiovisual precisam de incentivos, não se trata de dirigir a cultura. E, sem dúvida, temos que fazer muito mais. Esse é outro exemplo pelo qual eu me sinto aqui como em casa, porque vocês têm o mesmo problema que nós temos na Europa, e não é fácil. Eu acho que o monoculturalismo, o imperialismo cultural seria empobrecedor para todos nós. Temos que fazer o que seja possível para manter a diversidade cultural e para animar as produções dos nossos países.

André Mermelstein: Embaixador, a Comissão Européia, no último dia 16, na terça-feira da semana passada, prorrogou justamente os incentivos, subsídios dos estados às produções audiovisuais nacionais. Era para vencer agora em junho ou julho de 2004 e foi prorrogado até 2007. Ao mesmo tempo, a Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educaçao, Ciência e Cultura, criada em 1945, entre outros mantém o Programa Internacional para a Promoção da Comunicação e o Programa de Cooperação Cultural da União Européia] está trabalhando em uma Convenção de Diversidade Cultural que vai determinar os parâmetros, o que pode ser incluído nas negociações comerciais entre países em relação à liberalização dos mercados de produção audiovisual e dos mercados editoriais. Essa medida da Comissão Européia de prorrogar os seus subsídios para essa convenção da Unesco deve entrar em vigor provavelmente em 2005. Essa medida da Comissão Européia de prorrogar a proteção cultural até 2007 é uma garantia de que o mercado de produção europeu estaria protegido contra o produto hegemônico ou, vamos dizer assim, americano, até depois do mandato da Unesco?

Alberto Navarro: É uma das medidas junto com muitas outras. Nós temos programas como o Programa Mídia, de ajuda aos produtores de filmes. Os bens culturais não podem ser tratados como os outros bens.

André Mermelstein: Mas acabam sendo, porque... eu tenho uma notícia interessante que eu peguei também, da semana passada, sobre a Coréia do Sul - para a gente sair um pouco daqui - e o governo americano vem pressionando. A Coréia do Sul tem uma proteção de mercado muito grande do seu cinema; 40% do tempo de exibição tem que ser destinado ao produto audiovisual sul-coreano, e o governo americano vem pressionando o governo sul-coreano para que liberalize essa cota de tela como condição para uma série de outras negociações comerciais. Eu vou citar da Reuters [considerada a maior agência internacional de notícias e multimídia do mundo], “os Estados Unidos querem que a Coréia do Sul revogue esse limite, se quiser seguir adiante, com o Tratado Bilateral de Investimento, de modo a nivelar o campo para os investidores de ambos os países”. Esse tema da produção cultural, da liberalização do mercado cultural entra nas negociações também da Comissão Européia, tanto com os Estados Unidos quanto com os países periféricos?

Alberto Navarro: Não, não entra muito, porque a cultura ainda fica como uma competência dos Estados membros. A Comissão tem somente alguns programas para ajudar, para incentivar o conhecimento das culturas minoritárias, para o Caminho de Santiago [reconhecido pela Unesco como patrimônio da humanidade, é uma rota de peregrinação religiosa que atravessa toda a Península Ibérica até a cidade de Santiago de Compostela onde se encontra o túmulo do apóstolo Tiago]. São sempre medidas muito pontuais, muito pequenas, se comparadas com a magnitude do problema. Porque, como eu digo, a cultura ainda não é competência das instituições comunitárias.

Roberto Teixeira da Costa: Eu queria entrar nesse tema, só um instantinho. Em termos de cinema, que é uma coisa que me interessa mais ou menos, eu acho que a produção européia é da melhor qualidade, mas o problema é a distribuição. Se a União Européia não tem, ou seja, a Espanha, a Itália e França não têm um bom sistema de distribuição, não vão ser competitivos. Não se trata nem de super produções. O filme que ganhou um Oscar agora [O senhor dos anéis] é um filme produzido na Nova Zelândia. Então o problema é distribuição. A União Européia precisa criar mecanismos de distribuição competitivos para poder penetrar nessas cadeias, hoje, que são fortíssimas, de cinema.

Alberto Navarro: Sem dúvida.

Sérgio Malbergier: Embaixador, o senhor já falou aqui, e escreveu também no artigo de domingo, que vê mais identidade entre o Mercosul e a União Européia do que entre a União Européia e os Estados Unidos. Eu quero ver se é isso mesmo, já que a base toda da Aliança Atlântica, do Ocidente, desde o final da Segunda Guerra foi sempre a aliança entre Estados Unidos e União Européia.

Alberto Navarro: Sim, mas quando falamos nos Estados Unidos, é graças a eles que nós temos agora as liberdades e as democracias na Europa que, por duas vezes, na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, enviaram seus jovens, que morreram na Europa lutando em outro continente pela democracia. Mas hoje estamos muitas vezes falando, não dos Estados Unidos, mas da administração Bush [George W. Bush, presidente dos Estados Unidos no período de 2001 a 2009]. Quando eu falo de coincidências ou divergências, estou falando da questão da pena de morte. O Brasil aboliu a pena de morte e todos os Estados europeus a aboliram.    

Sérgio Malbergier: A pena de morte veio antes do governo Bush.

Alberto Navarro: Eu sei. Mas é muito importante, da mesma maneira que apoiar criação do Tribunal Penal Internacional, querer uma organização multilateral contra a impunidade, apoiar as Nações Unidas...

Sérgio Malbergier: Isso também é uma posição do governo Clinton [(Bill Clinton), presidente dos Estados Unidos no período de 1993 a 2001], de não apoiar o Tribunal. O senhor acha que há um cisma no Ocidente?

Alberto Navarro: Não, porque o presidente Clinton assinou o Convênio de Roma criando o Tribunal Penal Internacional. Depois, a administração Bush revogou essa assinatura. Mas o presidente Clinton, no último dia de seu mandato, assinou o Convênio de Roma. Então muitas vezes é uma questão entre o governo... da mesma maneira que nós tivemos também divergências na Europa, em relação à Guerra do Iraque. Lá os governos todos ficaram divididos.

Mauro Chaves: Embaixador, queria voltar um pouquinho ao Brasil e recuperar um pouco uma pergunta que a Eliane tinha feito com relação ao interesse específico da União Européia, porque o Brasil sabe qual o interesse específico do Brasil. O Brasil quer, por exemplo, pegar as cotas de açúcar, subir de 19 mil toneladas por três milhões. Ele quer claramente isso, quer romper isso, muito bem. Eu vejo até nos seus artigos e entrevistas que o senhor sempre fala em compras do governo; uma das coisas que mais lhe interessam, me parece, são as compras do governo. Aí fico pensando o seguinte: o que está por trás desse grande interesse? Já existe dentro dos nossos atuais marcos regulatórios, companhias, inclusive companhias espanholas de telefonia, o Brasil fez privatização, essas coisas já existem e  funcionam. Eu queria saber exatamente quais são as compras de governo e por que a Comunidade Européia está esperando tanto das compras de governo. Será que acha que os governos gastam bastante ou será que não estão sentindo que há brutal contingenciamento, como está havendo agora no Brasil, por exemplo? Então, como o senhor mesmo disse, voltando àquela posição inicial de que este ano, 2004, é um ano excepcional para o relacionamento União Européia e Mercosul, eu queria saber, neste momento, o que o senhor imagina, em termos ou de mudança legislativa ou de marcos regulatórios, enfim, para que as empresas possam vender para os governos do Mercosul, especialmente do Brasil?

Alberto Navarro: Hoje os investimentos externos são uma fonte de crescimento econômico, de criação da riqueza e emprego. Eu falava que as empresas européias, aqui no Brasil, são responsáveis por mais de 50% de todos os investimentos estrangeiros, mais do que o dobro do que os Estados Unidos investem. E são investimentos produtivos e não investimentos especulativos na Bolsa de São Paulo. Esses investimentos trazem know how, novas tecnologias, criam empregos etc. O problema é que as grandes companhias como a Telefônica, Repsol, Carrefour, não precisam, muitas vezes, de uma legislação de acolhida ou de garantias a seus investimentos. Mas a pequena e média empresa européia que querem criar empregos no Brasil precisam desse marco regulatório, isso não temos agora. Durante os últimos anos, os últimos governos aqui no Brasil, foram negociados 17 acordos, muitos desses acordos...   

Mauro Chaves: As agências existem.

Alberto Navarro: Não, mas os acordos foram negociados por governos democráticos do Brasil, com países como a França, a Itália, a Espanha para a proteção dos investimentos. Esses acordos foram retirados do congresso brasileiro no final do ano 2002, e até agora muitas empresas européias se perguntam: por que com o Brasil não temos um acordo de proteção de investimentos quando nós gostaríamos de investir? Devem saber que a demanda por investimentos é muito grande em todo o mundo. Então, se um país não facilita a chegada dos investimentos, o capital é muito nervoso. Ele, enquanto vê ... [faz gestos de indecisão para mostrar o comportamento do capital] e vai para outro país. Acho que seria uma pena se não pudéssemos mais ajudar mais na criação do emprego, da riqueza aqui no Brasil, com uma melhor acolhida para os investimentos estrangeiros. É isso que a União Européia está pedindo: mais concorrência, mais transparência nesses setores porque achamos que são setores de futuro.

Mauro Chaves: Seria mais autonomia para as agências?

Alberto Navarro: Sim, mais autonomia para as agências e um marco regulatório estável que dê confiança aos investidores.

Eliane Oliveira: A União Européia coloca esses acordos de investimentos... que o governo Lula tirou do Congresso, na verdade. Eles não foram ratificados pelo Congresso? Com esses 17 acordos de investimentos com... Ou seja, a União Européia está impondo a aprovação desses acordos também para poder fazer concessões em outras áreas, como a agricultura e etc.?

Alberto Navarro: Não.

Eliane Oliveira: Ou seja, o Brasil tem que ter esses acordos de investimentos para poder receber concessões?

Alberto Navarro: Não. Em primeiro lugar, eles foram  retirados no final do mandato do...

Eliane Oliveira: Do Fernando Henrique [presidente do Brasil no período de 1995 a 2003], ou...?

Alberto Navarro: Do Fernando Henrique Cardoso. E, em segundo lugar, esses são acordos negociados pelos Estados – a Itália, a França – diretamente com o Brasil. E que agora não foram ratificados, então não existem tais acordos...

Eliane Oliveira: Pelo Congresso?

Alberto Navarro: ... juridicamente, pelo Congresso brasileiro. Mas para a União Européia, não é uma condição sine qua non [indispensável] para a conclusão das negociações, porque esse acordo, da associação entre União Européia e Mercosul, também vai ter um capítulo de investimentos que, em todo caso, vai, de certa maneira, resolver em parte esse problema.

Eliane Oliveira: Mas é porque sempre esses acordos são lembrados?

Alberto Navarro: Sim, porque eu acho que são muito importantes. Uma garantia para os investimentos.

Roberto Teixeira da Costa: O Banco Europeu de Investimentos, o BEI, pode financiar empresas do Mercosul? O senhor sabe de algum caso, em que alguma empresa do Mercosul  tenha sido financiada pelo BEI?

Alberto Navarro: Muitos, muitos exemplos. O BEI, o Banco Europeu de Investimentos, já financiou aqui no Brasil, nos últimos seis anos, projetos no valor de um bilhão de euros, estamos falando de um bilhão de euros. Na Argentina...

Roberto Teixeira da Costa: É financiamento para a indústria privada ou governo?

Alberto Navarro: São sempre empresas européias e brasileiras em setores relacionados à exportação ou à energia, por exemplo. Aqui, no caso do Brasil, o BEI financiou o gasoduto de Bolívia-Brasil; ultimamente financiou o projeto de uma linha de crédito para pequena e média empresa com o Banco Itaú, também com o Unibanco, agora se está falando do BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social]. Então acabei tendo um bom conhecimento da realidade econômica brasileira e, como já disse, já houve projetos no valor de um bilhão de euros; no caso da Argentina, quinhentos milhões de euros. Quase sempre no setor energético e de infraestrutura importantes.

Sérgio Malbegier: Como é a questão da dívida argentina ou quase calote que a Argentina deu? Como ela afetou a imagem do Brasil também junto aos países da União Européia? Houve uma contaminação, não houve? O Kirchner [Carlos Néstor Kirchner, presidente da Argentina no período de 2003 a 2007] buscou muito o apoio do Lula na questão? Há uma preocupação maior na União Européia em relação ao Brasil por causa da situação argentina?

Roberto Teixeira da Costa: E, complementado a pergunta dele, agora que o Brasil e a Argentina tomaram posições solidárias em tentar mudar a posição do Fundo Monetário, como é que a União Européia vê isso?

Alberto Navarro: Com muito respeito. Da nossa perspectiva, acho que é legítimo o pedido do Brasil e da Argentina de que, por exemplo, os investimentos em infra-estrutura não sejam contabilizados no superávit primário, nas contas com o Fundo Monetário Internacional. Mas em termos gerais, na Europa, pode-se ver o que está acontecendo aqui no Brasil e na Argentina com muito interesse. Muito interesse porque os grandes problemas da América Latina vão ser agora confrontados na Cimeira de Guadalajara, no final de maio, a reunião de chefes de Estado ou governo da nova União Européia – que são 25 – e os 33 chefes de Estado da América Latina e Caribe. São duas questões. A primeira é a exclusão social.

Roberto Teixeira da Costa: Cuba não vai estar presente?

Alberto Navarro: Cuba participa sim. Cuba faz parte da Cimeira da União Européia, América Latina e Caribe. O primeiro problema é a exclusão social. Aqui na América Latina 44% da população está abaixo da linha de pobreza, estamos falando de mais de 240 milhões de pessoas. Então, a prioridade do governo do presidente Lula, de luta contra a pobreza, de maior coesão social é uma prioridade que nós compartilhamos plenamente. Alguns estudos na Europa mostram que é possível trazer para o mercado, com medidas de educação, reformas fiscais - não é fácil, eu sei que estamos falando da questão principal. A Bolívia, por exemplo, poderia aumentar o seu PIB em mais de 36%, e o Brasil em 14%, nos próximos anos, se por meio de políticas de educação, conseguisse incorporar ao mercado uma parte importante da população. Outro grande problema é o déficit de integração. A parte do comércio brasileiro com o Mercosul sobre o total do comércio exterior brasileiro é 15%. Esse é o comércio do Brasil com o Uruguai, Paraguai, Argentina, é muito pequeno, 15%. Na América do Norte, é 40%. Essa é a porcentagem do comércio que o México, Canadá, Estados Unidos fazem com os outros sobre o total do seu comércio exterior. Na Ásia, 50% e na Europa, mais de 60%. O comércio que a Espanha faz com a França, Itália, Alemanha...

Roberto Teixeira da Costa: Quer dizer, o comércio inter-regional.

Alberto Navarro: ... representa mais de 60% do seu comércio total. Aqui no Mercosul estamos falando de 15%, então temos que fazer muito, já se fez muito. Quando o Mercosul foi criado, era somente 5% o que representava Argentina, Uruguai, Paraguai no comércio exterior brasileiro; hoje é 15%. Então tem que continuar nessa direção. Essas são as duas grandes questões: a luta contra a exclusão social e o déficit de integração regional. Eu gostaria muito que aqui se pudesse fazer um estudo como nós fizemos na Europa, falando do coût de l'Europe. Abriu os olhos dos europeus saber que, com a criação do mercado único, nós iríamos ter 1% de crescimento adicional do PIB, a cada ano, durante dez anos, e acrescentar mais de  dez milhões de postos de trabalho. Isso mobilizou  toda a sociedade para criar o mercado único. Eu gostaria de ver um estudo sobre coût du Mercosul. O que supõe não fazer Mercosul bem feito? Com as regras sanitárias, com a livre circulação de mercadorias, de pessoas, entre os quatro países do Mercosul, que deveria ser o início  do processo de integração da América do Sul. Depois vocês podem incorporar outros países. Mas é um elemento mobilizador da sociedade. Se você explica seriamente a criação do Mercosul, não falando somente politicamente, podem-se criar dez, quinze... eu não sei, mas acho que seria muito bom fazer esse estudo.

André Mermelstein: Embaixador, um dos possíveis instrumentos dessa inclusão de que se fala hoje em dia seria a televisão digital, como uma forma de fazer chegar um conteúdo digital com interatividade a um número muito maior de pessoas que hoje não têm acesso aos sistemas digitais. E o mundo está mais ou menos dividido, hoje, em dois grandes padrões: um padrão adotado pelos Estados Unidos e alguns outros países e o padrão europeu, na verdade formado por um consórcio europeu, e ainda um padrão japonês correndo por fora. O Brasil, a partir desse mês de março, tem 12 meses no cronograma determinado pelo governo para estabelecer seu próprio padrão de TV digital. Talvez use o europeu ou uma parte, faça uma mistura, mas vai definir um sistema próprio. E outros, a China e outras potências mundiais. É do interesse,  imagino, da Europa, que o seu padrão seja adotado em outros países ou em outros continentes, em outros blocos comerciais, por uma questão de escala, de vantagens econômicas. Como o senhor vê essa direção dos países ditos periféricos, como Brasil e China, em desenvolver sistemas próprios independentes? A questão da televisão digital, do padrão de TV digital, também entra nas negociações com o Mercosul?   

Alberto Navarro: Não, não entram nas negociações com o Mercosul, mas sem dúvida eu gostaria muito que o Brasil, os países do Mercosul tivessem o padrão europeu. Ou, em todo caso, se eles optam por fazer um padrão próprio, que seja um padrão aberto, como é o padrão europeu; um padrão compatível com todas as outras tecnologias. E, nessa área das novas tecnologias, das telecomunicações, eu acho que também nós temos muito que aprender com o Brasil. Ele tem alguns exemplos a nos oferecer do uso das novas tecnologias, da luta contra a exclusão social para evitar a divisão digital da sociedade, o uso de software livre, por exemplo. Nós estamos tentando organizar, no mês de setembro, uma reunião ministerial aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, onde os ministros de Telecomunicações, de Ciência e Tecnologia da Europa, da América Latina, e os presidentes das empresas de telecomunicações possam falar sobre o uso das novas tecnologias na luta contra a exclusão social. Porque achamos sinceramente que temos muito que compartilhar e muito o que aprender também das experiências que foram feitas aqui no Brasil. Os ministros me falaram de experiências e projetos que eu não conhecia na Europa. Eu acho que essa troca de informações é muito importante. Mas a TV digital não faz parte das negociações entre a União Européia e o Mercosul.

Paulo Markun: Embaixador, o senhor mencionou a idéia de que a Europa, a União Européia quer agir como um ator do cenário político mundial. Como é que se consegue agir como um ator, quando esse ator é a representação de governos de tendências políticas tão distintas quanto aquelas que existem na Europa? Que tipo de consenso, que tipo de acordo se pode ter para que esse ente atue no mercado, no cenário mundial?

Alberto Navarro: Não é fácil. Muitas vezes se fala da União Européia como um foguete que tem três fases. A primeira foi a criação da união alfandegária, a união aduaneira, feita no final dos anos 60. Depois a união econômica, que estamos fazendo com uma moeda única, o euro; e depois, a união política, que é o mais difícil. Porque quando estávamos falando da criação do euro, alguns países como o Reino Unido, por exemplo, tentaram fazer uma moeda comum. Eles falavam: “bom, vamos criar uma moeda comum que vai ser uma décima terceira moeda” -  éramos 12 países – “e vamos ver se os empresários, os consumidores vão utilizar o euro”. [continuando o argumento do Reino Unido] “Mas o euro vai coexistir com a peseta espanhola, o franco francês, a lira italiana, etc”. E muitos países disseram: “Não. Nós queremos a moeda única, que vai substituir as moedas nacionais”. No âmbito da política exterior, é diferente. Nós não estamos criando uma política única, estamos falando de uma política comum que vai coexistir com a política exterior do Reino Unido, da França, da Itália, da Espanha durante muitos anos, talvez uma ou duas gerações. Eu estive trabalhando nos últimos quatro anos com Javier Solana, que é o alto representante da política exterior da União Européia. E eu sei muito bem que, na União Européia, nós temos países com uma política exterior mundial. O que acontece na Ásia, na América Latina, na África lhes interessa; são o Reino Unido e a França, duas potências nucleares, têm a bomba atômica, são membros permanentes do Conselho de Segurança, têm o direito de veto. Há também países com política exterior regional: a Espanha com a América Latina, com os países árabes, com o Mediterrâneo. Há Estados-membros que,  sejamos conscientes, têm  políticas de vizinhança, no caso de Luxemburgo, ou pequenos países. Então é muito difícil criar uma política exterior comum quando há posições diferentes, como no caso do Iraque, por exemplo.

Paulo Markun: Sim, mas o fato de ter um protagonista tão claro como os Estados Unidos facilita isso de um certo modo? Se opor ao que os Estados Unidos determinam, a esse unilateralismo, pode ser o caminho?

Alberto Navarro: Nós cremos mais num mundo multilateral. Sem dúvida, os Estados Unidos são nossos grandes aliados. Eu falei que eles lutaram pela democracia e liberdade na Europa. Mas nós, os europeus, estamos começando a fazer o que todo país faz na política exterior, que é começar com seus vizinhos. Se você tenta começar com países que estão muito mais longe, então vai ser um fracasso. E nós já tivemos, nos últimos anos, sucessos nos Bálcãs, por exemplo. Agora a Europa fala com uma só voz. Javier Solana amanhã vai estar no Kosovo [ex-província da Sérvia, independente em fevereiro de 2008] para tentar apaziguar de novo a luta entre sérvios e albaneses. E os presidentes dos países dos Bálcãs sabem muito bem que o Javier Solana fala em nome dos 15 chefes de governo da União Européia. Acho que nos Bálcãs, a política exterior européia foi um dos grandes sucessos. No Oriente Médio ainda não, mas a Europa criou o instrumento do quarteto: os Estados Unidos, as Nações Unidas, a Rússia e a União Européia. Essa foi uma invenção do Javier Solana também, da União Européia, e até agora é o único fórum onde podemos falar do processo de paz para o Oriente Médio com todas as dificuldades que tem. Road map [documento proposto pelo ministro das Relações Exteriores de Israel, Silvan Shalom, que prevê a normalização dos laços diplomáticos entre Israel e sete estados árabes] é uma  criação desse quarteto. Mas sem dúvida, vai levar tempo. Talvez vai ser a defesa, a participação em operações de manutenção da paz, o que vai nos dar o elemento de coalizão entre os Estados-membros da União Européia. No ano passado, em 2003, nós fizemos a primeira operação autônoma sem a ajuda dos Estados Unidos, a ajuda da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], na África, no mês de agosto, e o Brasil foi o único país fora da Otan e da União Européia que participou dessa primeira operação militar da União Européia a pedido das Nações Unidas e do secretário-geral Kofi Annan. Eu sei que muitas pessoas aqui no Brasil não sabem que eles tiveram dois aviões Hércules, um contingente de mais de cinquenta soldados trabalhando junto com soldados britânicos, franceses, alemães, belgas, suecos, que estavam nessa operação de manutenção da paz, que foi um verdadeiro sucesso. Para esse tipo de operações, os europeus, eu acho, estamos dispostos a trabalhar juntos, e vamos tentar continuar com o processo comunitário, fazer coisas pouco a pouco, talvez na área da defesa, com as Nações Unidas, e tentar fazer cada vez mais uma política exterior comum, mas não será fácil.

Vicente Adorno: Eu vi um caso interessante, já que, acho que em primeiro de maio, vai haver a entrada desses novos países, eu ouvi um polonês falar: “Sabe qual é o grande medo que  eu tenho? No momento em que abrir as fronteiras vai vir um monte de alemães para o lado da Polônia e comprar tudo de volta”. Ou seja, tudo o que já foi da Alemanha, que já foi perdido em não sei quantas guerras, tomado e retomado, eles vão querem tomar tudo de volta, e aí os poloneses não têm dinheiro para conter uma ofensiva desse ponto. Como é que vai funcionar uma coisa dessas?

Alberto Navarro: O mesmo aconteceu já no ano de 1986 quando Espanha e Portugal entraram na Comunidade Européia. Nós também tínhamos os mesmos medos. Mas esses países tiveram... durante os últimos dez anos ou mais, acho que essa ampliação levou bastante tempo. O Muro de Berlim caiu no ano de 1989, estamos falando em 15 anos para esses países mudarem sua economia, se prepararem para a entrada na União Européia. Então eles tiveram já muitos anos no qual a liberdade de circulação do capital era total, etc. Eu acho que não vai acontecer isso, como não aconteceu com a Espanha. Pelo contrário, o que vai acontecer é que esses países vão ter umas taxas de crescimento econômico muito maiores do que a média européia; fala-se, neste ano, de um crescimento econômico em torno de 2% do PIB europeu. Esses países estão com taxas de crescimento de 6, 7 e 8%. Por isso acho que é uma oportunidade para um país como o Brasil de entrar nesses novos mercados, porque não precisam de novas normas, novas rendas.

Vicente Adorno: Mesmo se os poloneses são, há muitos séculos, grandes agricultores?

Alberto Navarro: Mesmo porque eles têm uma agricultura que não é tão competitiva como a brasileira. Eles não produzem suco de laranja, não produzem café, não produzem soja. Acho que a competitividade da agricultura brasileira provavelmente é a maior do mundo. Vocês têm um grande futuro no setor do agrobusiness [agronegócio], disso eu não tenho dúvida. O que precisam é de mais infra-estrutura, talvez simplificar também o sistema burocrático.

Mauro Chaves: Agora, o senhor admite que, em alguns campos determinados, o Brasil teve até mais afinidade com os Estados Unidos nessa briga com relação... Apesar de, por coincidência, em nossa língua, Estados Unidos e União Européia são E.U e U.E, é o oposto. Mas eu acho que, em alguns campos especificamente, há algumas afinidades com relação a produtos agrícolas, o senhor admite isso. Quanto a essa coisa que ele falou da Alemanha, queria lembrar apenas por uma curiosidade: muitas pessoas interpretam que o início, a grande motivação de se formar a Comunidade Européia era o medo da Alemanha. Muitas pessoas acham que realmente isso foi o que levou, depois de duas guerras mundiais, “então vamos fazer um país só, porque senão”... Essa força da Alemanha realmente é indiscutível.

Mauro Chaves: O Roberto falou que faltava ter uma Alemanha aqui no Mercosul, e eu falei que o Brasil tem que ser essa Alemanha.

Roberto Teixeira da Costa: No capítulo das curiosidades - nós estávamos comentando aqui no intervalo. É uma curiosidade, não é embaixador, que a reação – eu sou basicamente um empresário – empresarial lato sensu sobre o acordo com a União Européia é muito mais tímida do que uma reação que é muito negativa contra a Alca. Realmente, eu acho que talvez haja, por detrás disso, um certo anti-americanismo que não tem nada a ver com Bush, acho que existia desde o início da Alca, mas que é explicado talvez porque os empresários vêem a competição dos Estados Unidos muito mais forte para certos segmentos da indústria brasileira do que a competitividade de algumas indústrias européias que possam exportar para o Brasil. E uma outra curiosidade, todo mundo comentava o seguinte: “a União Européia vai se mexer quando e se a Alca andar para frente”. E o que estamos vendo é que a Alca empacou. Eu disse brincando que nós começamos com uma Alca forte, passamos para uma Alca light e agora estamos em uma Alca diet. Ninguém sabe qual vai ser o final desse imbróglio. E, no entanto, quando se imaginava que em função disso a União Européia também iria se desinteressar, nós estamos vendo o contrário. Eu acho esse fato auspicioso do ponto de vista do Brasil, porque é fundamental que o Brasil faça acordo de livre comércio. Isso vai fazer com que a sociedade brasileira abra os olhos para a globalização e seja um ator muito mais importante do que nós temos sido até agora. Eu acho que a União Européia tem que explorar esse viés positivo de não ser visto como os Estados Unidos é visto em uma negociação através da Alca.

Eliane Oliveira: Eu tenho uma curiosidade, embaixador, nos capítulos das curiosidades. O Brasil, o governo brasileiro vai anunciar, até o dia 31 de março, uma política industrial. Eu queria saber o seguinte. Eu não sei como vai ser essa política industrial. Digamos que o governo brasileiro anuncie algum tipo de subsídio ou algum tipo de... Digamos que o governo brasileiro exija algum tipo de contrapartida para esse subsídio, uma política de desenvolvimento regional. A União Européia vai causar algum tipo de problema para o Brasil na Organização Mundial do Comércio? Ela vai entrar com alguma ação contra o Brasil dizendo: “o Brasil está concedendo subsídios para o pessoal do nordeste”?

Alberto Navarro: Não, nunca.

Eliane Oliveira: Porque quando o Brasil lançou seu regime automotivo no início da década de 90, a União Européia, o Japão e os Estados Unidos ameaçaram retaliar. Então eu queria saber disso agora: existe, a União Européia está acompanhando, ou não?

Alberto Navarro: Não há nenhum caso, porque nós mesmos fazemos as mesmas coisas. Nós temos também uma política industrial e também subsidiamos empresas que estão, por exemplo, nas Ilhas Canárias, Estremadura [região de Portugal], regiões menos favorecidas na Europa, muito diferentes daquelas que ficam no coração do mercado. E você tem que ajudar as empresas que viajam para Manaus, para estados menos desenvolvidos do Brasil. Isso na União Européia é o contrário, é o nosso modelo europeu. E talvez para responder a pergunta sobre uma comparação entre a Alca e a União Européia, acho que, provavelmente porque a sociedade brasileira viu que compartilhamos os mesmos valores, os mesmos princípios, nós, europeus, não queremos dar lições, queremos mostrar nossas experiências. E você falava muito bem que é preciso abrir ainda mais a economia brasileira. Quando eu cheguei aqui no Brasil, no final do ano passado, eu comprovei que um país que tem quase a metade da população do Brasil, que é o México – eu sei que as comparações são ruins – com cem milhões, e o  Brasil  com 180, aquele tem quase  três vezes o comércio exterior do Brasil. Por que o México tem quase três vezes o comércio exterior do Brasil? Porque o México tem o Acordo de Livre Comércio com os Estados Unidos, o Nafta, e o acordo [...] com a União Européia.

Roberto Teixeira da Costa: É, mas tem 25 acordos internacionais.

Alberto Navarro: Depois do ano 2000. E o Brasil não tem ainda nem com a União Européia, nem com os Estados Unidos. Estamos falando de 50% da economia mundial, do comércio mundial. E esse processo se faz ordenadamente e se faz bem. Eu acho, honestamente, que é uma grande oportunidade para a economia e para a sociedade brasileira aproveitar, porque essa é a nossa  experiência. A minha experiência como espanhol foi que a Espanha se abriu no seio da Europa; ela, por exemplo, quase não tinha relações com Portugal. Hoje nós temos mais comércio com Portugal, que tem dez milhões de pessoas, do que com toda a América Latina, do México até a Argentina juntos. Estamos falando em mais de trezentos milhões de pessoas.

Roberto Teixeira da Costa: Malgrado a rivalidade que ainda existe entre Portugal e Espanha! [risos]

Paulo Markun: Existe uma atuação da União Européia no que tange aos investimentos europeus no Brasil, como, por exemplo, a que desempenha a Câmara Americana de Comércio? Ou cada país joga do seu jeito e tudo bem, e a União Européia trata dessa diplomacia elegante, porém, distanciada da realidade?

Alberto Navarro: Não, "a união faz a força", eu acho. [risos] Mas a promoção comercial é uma questão de cada Estado-membro. Então você tem a Câmara do Comércio Alemão, a Câmara do Comércio Francês, Espanhol etc. Uma coisa muito boa também são as Eurocâmaras. Todas as câmaras de comércio da União Européia que agora vão crescer com a chegada dos novos Estados-membros, a Polônia, a República Tcheca, criaram, faz uns anos, o que se chama as Eurocâmaras. Eu estou tentando que eles ajudem aqui em São Paulo, em encontros empresariais, e também em outras cidades brasileiras.

Paulo Markun: Existe, então, essa perspectiva de...?

Alberto Navarro: Existe esse agrupamento de câmaras de comércio dos Estados-membros, que se chama Eurocâmaras, mas atividades de promoção comercial ainda ficam nas mãos dos Estados-membros, porque tem concorrência entre alemães, italianos, espanhóis. Todos, muitas vezes, querem o mesmo contrato, o mesmo projeto.

Paulo Markun: Nosso tempo está acabando, eu queria fazer uma última pergunta. Qual é, na visão do senhor, o principal obstáculo para o crescimento da relação entre o Brasil e a Europa? Desconhecimento?

Alberto Navarro: Talvez nós mesmos. Temos uma enorme oportunidade de ambos os lados, de nos encontrar de novo com nossas experiências, com os nossos erros, com as nossas vantagens. É por isso que eu falo que este ano de 2004 tem que ser um ano da Europa aqui no Brasil, porque temos uma oportunidade única de fazer um acordo muito abrangente, que vai ser mutuamente benéfico, mas mais [benéfico] logicamente para os países do Mercosul. A União Européia representa 27% do comércio exterior do Brasil, mas o Brasil é menos de 2% do comércio exterior da União Européia. Então a relação não é de igual para igual. A União Européia tem que ser mais generosa. Mas eu acho que temos uma grande oportunidade e não podemos desperdiçá-la. 

Paulo Markun: E, nesse sentido, dentro dos negócios da União Européia, a Espanha tem talvez a presença mais marcante no Brasil, em termos de investimentos, que os países europeus?

Alberto Navarro: Faz dois anos, eu acho. Mas todos os países europeus – a Alemanha, a Itália, a França, a Espanha, Portugal, muito recentemente a Bélgica, agora no setor da cerveja – estão investindo cada vez mais. Porque é preciso, sobretudo, estabilidade política. Se você tem estabilidade política, os capitais vão lá e trazem prosperidade econômica. Se você tem instabilidade nos governos, então os capitais fogem, é o que está acontecendo em todo o mundo. Por isso é tão importante que agora o processo de integração do Mercosul se consolide e que esta zona da América seja uma zona de prosperidade e estabilidade.

Paulo Markun: Embaixador, muito obrigado pela sua entrevista, boa sorte na sua empreitada, e que o seu otimismo seja confirmado pelos fatos. Agradeço também aos nossos entrevistadores e a você que está em casa.

Alberto Navarro: Obrigado pelo convite.
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