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Memória Roda Viva

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Antonio Ermírio de Moraes

4/2/1991

Economia, política, corrupção e energia são temas abordados nesta entrevista, durante um momento crítico da história do Brasil, em que o governo Collor confiscara investimentos na tentativa de conter a crise inflacionária

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Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. O nosso entrevistado desta noite é o empresário Antonio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, um dos maiores grupos privados do Brasil. Durante cerca de uma década o empresário Antonio Ermírio foi escolhido o empresário do ano em uma eleição direta promovida pela Gazeta Mercantil, em 1986 disputou o governo do estado de São Paulo e hoje está aqui conosco para falar um pouco desse Brasil de hoje que já parece diferente do Brasil da semana passada, diferente do Brasil do dia 15 de março do ano passado e muito diferente do Brasil do dia 28 de fevereiro de 1986. Para entrevistar Antonio Ermírio de Moraes esta noite no Roda Viva nós convidamos o jornalista Luiz Roberto Serrano; José Marcio Mendonça, editorialista do Jornal da Tarde e comentarista político da TV Bandeirantes; Armando Ourique, repórter especial da Folha de S.Paulo; Fernando Pressiotta, repórter de economia do jornal O Estado de S.Paulo; Carlos Tramontina, editor e apresentador do telejornal Bom Dia São Paulo, da TV Globo; José Antonio Rodrigues, coordenador de economia da sucursal de São Paulo do Jornal do Brasil e Rodolfo Konder, editor-chefe do Jornal da TV Cultura. Você que está em casa assistindo ao programa e quiser fazer perguntas por telefone, pode chamar 011 252-6525, 252-6525. A Bernadete, a Cristina e a Iara estarão anotando as suas perguntas. Boa noite, doutor Antonio Ermírio.

Antonio Ermírio de Moraes: Boa noite, prazer em vê-lo.

Jorge Escosteguy: Estamos aí com mais um pacote e é, evidentemente, a pergunta... a primeira pergunta que todos querem saber é o que o senhor acha desse novo pacote, que o senhor sempre criticou muito, principalmente congelamentos, tanto de salário como de preços?

Antonio Ermírio de Moraes: Exato, aliás, eu criticava muito antes até do Plano Cruzado, que veio em fevereiro de 1986... foi exatamente a ciranda financeira ... que sempre fui partidário de que os lucros devem ser obtidos a custo de trabalho e não apenas a custo de aplicações financeiras, isso eu sempre defendi nos últimos 15 anos da minha vida, não é? Agora, evidentemente que esse pacote é quinto que nós sofremos nesses últimos cinco anos, trouxe uma posição difícil para todos nós, empresários, que procuramos durante esses últimos seis meses, esses últimos oito meses ajudar o governo, fazendo aumento de preços não superiores ao BTN [Bônus  do Tesouro Nacional, unidade fiscal da época]. Naturalmente, mais uma vez eu vejo que aqueles que ousaram enfrentar o governo saíram realmente em uma posição melhor. Aqueles que procuraram colaborar com o governo, mediante um congelamento desses, saíram em uma posição muito mais difícil.

Jorge Escosteguy: Na sua opinião, qual é o ponto mais crítico desse novo pacote?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que o congelamento não pode ser feito por muito tempo, porque aqueles que naturalmente procuraram reajustar seus preços a valores não superiores ao BTN, naturalmente se encontram, quer dizer, com a caixa baixa. Aqueles que naturalmente enfrentaram o governo conseguiram melhores resultados. Agora, evidentemente, além desse congelamento... eu não acredito em congelamento; a história já nos disse claramente que congelamento não funciona. Se congelamento funcionasse, não precisava ter cinco planos diferentes, não é? [Isso] Prova que o congelamento não estava funcionando e, além disso, nós temos algumas medidas, algumas benéficas, naturalmente. Novamente está encerrada a ciranda financeira, espero que de uma maneira mais definitiva, porque até agora todo o esforço feito para encerrar a ciranda financeira foi um esforço realizado por pouco tempo, afinal de contas, a área financeira sempre conseguiu dar a volta por cima e vencer.

Carlos Tramontina: Senhor Antonio, porque que não funciona o congelamento, doutor Antonio? Quem é que quebra essa cadeia do congelamento?

Antonio Ermírio de Moraes: Em primeiro lugar, o que nós estamos vendo aqui, agora... por exemplo, vamos pegar o programa de hoje, não é verdade? Todos os congelamentos foram realizados, como eu me lembro, em 1986, quando o saudoso ministro [Dilson] Funaro [(1933-1989), empresário brasileiro que exerceu vários cargos públicos de 1958 a 1980, entre os quais o de ministro da Fazenda, durante o governo de José Sarney (em 1985), quando foi responsável pela elaboração do Plano Cruzado] me telefonou para saber se era justo o aumento no setor de energético. De fato, a energia estava muito defasada. Por telefone eu disse: "olha, até 20% me parece que é justo.", porque a energia hidroelétrica estava muito defasada naquela ocasião, mas via de regra todos os congelamentos são feitos de maneira, em primeiro lugar dando um "tarifaço" para o setor governamental e exigindo depois o congelamento dos outros. Isso significa sacrifícios para a área privada e benefício para a área estatal. Isso não me parece muito justo, muito embora o que o governo fez dessa vez, nesse tarifaço, para mim, não foi nenhuma surpresa. O governo fez o que algumas empresas que peitaram o governo já haviam feito algum tempo atrás. Quer dizer, eles apenas reajustaram seus preços na base do dólar, na base o iene [moeda japonesa], na base do franco suíço e do marco alemão [substituídos pelo euro em 2002].

Jorge Escosteguy: O senhor acha que esse tarifaço foi exagerado? Que ele é fora da realidade?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, se fizer a conta certinha, eles chegaram ao preço da energia, o preço do petróleo, exatamente na base da desvalorização do cruzeiro. O cruzeiro, quer dizer, desvalorizou 160% de outubro para cá. [...] Então, quer dizer, não havia e não há como amanhã uma Petrobras possa pagar um preço de um barril de petróleo muito mais caro, sem realmente um reajuste de preço. Mas esse aspecto para mim também não foi surpresa. Agora, o que realmente surpreende é que você recebe um tarifaço desse e agora o governo exige, depois já de, vamos dizer, dez meses de sacrifício, oito ou dez meses de sacrifício, exige agora que você continue...

Jorge Escosteguy: Ao se congelar o governo aumenta a parte dele?

Antonio Ermírio de Moraes: É justo que ele aumente, não é justo que ele congele os outros.

Luiz Roberto Serrano: Doutor Antonio,...

Jorge Escosteguy: Serrano, por favor.

Luiz Roberto Serrano: O senhor acha que os empresários que enfrentaram o governo não foram em número muito maior do que os que ficaram dentro dos aumentos da inflação?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que não. Eu não quero aqui denunciar ninguém. Cada um age de acordo com a sua própria consciência, mas nós conhecemos bem quais são os grupos que enfrentaram o governo. Não é a primeira vez que eles enfrentam, não é verdade?

Luiz Roberto Serrano: O senhor não quer contar nenhum não?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, nunca aconteceu nada com eles. Só acontece com quem realmente amanhã baixa a crista. Quem tem a crista para cima não acontece nada com eles não, só se repete...

[Sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Por favor, o Armando, depois o José Marcio.

Antonio Ermírio de Moraes: Pois não.

Armando Ourique: Quais foram os últimos reajustes de preços que o senhor praticou?

Antonio Ermírio de Moraes: Geralmente os reajustes de preços foram sempre na base do BTN, não mais, menos até. Por dois motivos: em primeiro lugar, porque eu acho que era falta de patriotismo, numa hora em que todo mundo procura acabar com a inflação você aumentar de maneira exagerada. Nós sempre tivemos essa consciência. E, em segundo lugar, porque os mercados também nacionais estavam em uma disputa enorme, eles fracassaram. O mercado nacional, no setor de metais, saiu do índice 100 para o índice 20; 80% daquilo que se produzia em metais foi exportado, no mês de janeiro e no mês de dezembro. Então, você veja que não havia condições inclusive de você aumentar preço dentro do mercado, e se houvesse você também não o poderia fazer acima da BTN, não é?

Armando Ourique: Agora, o senhor ficou defasado então em quanto? O senhor imagina?

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, se você quiser uma resposta clara, eu tenho um número claro para cimento. O cimento reajustou em 1990, 782% nos preços, e a inflação, quer dizer, pela Fundação Getúlio Vargas, acho que foi da ordem... qualquer coisa como mil... há vários tipos de inflação: FIP, etc... foi em torno de 1.600% aproximadamente.

Jorge Escosteguy: José Marcio Mendonça tem uma pergunta, por favor.

José Marcio Mendonça: Doutor Antonio, o senhor disse que ficou defasado, quer dizer, o governo sempre que pode acusa a indústria de cimento, uma das áreas na qual o senhor atua, acusa sempre de ser responsável pelo estouro da inflação.

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, José, eu vou falar uma coisa ótima. Você veja o seguinte, nós não tínhamos como nos defender. Quando... quatro meses antes de encerramos o governo Sarney começou aquela campanha contra o cimento, eu uma vez... graças a Deus eles trouxeram esse assunto à tona, porque é a hora da gente verificar quem é que está falando a verdade e quem é que está mentindo. O primeiro ato do governo Collor foi reduzir as tarifas de cimento para zero. Eu disse: "ótimo! Agora vai se importar cimento.". Porque em vários noticiários que empolam a nação brasileira, que têm uma grande audiência, foi noticiado que se importaria cimento pela metade do preço, que se importaria cimento, que era um absurdo o preço do cimento etc. A tarifa veio para zero e a quantidade de cimento importada foi absolutamente nula. Não se importou um saco nem da Argentina, nem do Uruguai. Quando eu falo em nem um único saco é uma quantia apreciável. Nada. Zero. Porque naturalmente o cimento lá custa mais caro que aqui, mas houve aquela campanha sistemática. Além do que, se eu precisar falar para você, cimento em construção de casa popular representa no máximo 5% do total da construção. Então, é uma coisa insignificante na construção civil. Digo mais, hoje nas grandes construções a estrutura de concreto custa menos do que os elevadores e o ar condicionado.

José Marcio Mendonça: Então com é que o senhor explica que o governo continue falando sempre da indústria de cimento?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que é canhão virado para a cabeça, isso é uma questão de pegar os dados. Eu já entreguei esses dados para o ministro [Jarbas] Passarinho [(1920-), militar e político brasileiro, foi ministro da Justiça no governo Collor, mas deixou o cargo antes das investigações que resultariam no impeachment do presidente. Ver entrevista com Passarinho no Roda Viva], para a ministra da Zélia, pessoalmente, e para o doutor Romeu Tuma [(1931-), foi superintendente da Polícia Federal em São Paulo, em 1982, e, em 1985, tornou-se diretor geral do órgão, até 1992, quando também acumulou o cargo de Secretário da Receita Federal do Brasil].

Jorge Escosteguy: Fernando, por favor.

Fernando Pressiotta: O senhor concorda com a justificativa dada pelo presidente Fernando Collor, segundo a qual o congelamento foi em função da desobediência dos empresários, da ganância até dos empresários que reajustaram o preço sempre acima da inflação?

Antonio Ermírio de Moraes: Até disse a você, quer dizer, eu não quero... eu não tenho a obrigação de chegar e denunciar quem quer que seja, mas nós todos sabemos [...], aqueles que realmente enfrentaram o governo e aqueles que não o fizeram. Agora, eu acho que toda vez que se generaliza se comete injustiça, não é verdade? Então, quando se fala da "classe empresarial fazendo isso ou aquilo", eu acho que está errado. Hoje, por exemplo, se você quiser comparar o preço de um saco de cimento, hoje, ao consumidor, na loja, na pequena loja de varejo, você vai comprar um saco de cimento e ele custa cerca de novecentos cruzeiros. Novecentos cruzeiros, se amanhã os senhores, que são homens que vão ao supermercado, [compararem], é o custo exatamente de um quilo de queijo prato.

Jorge Escosteguy: Em alguns lugares está 1.000 já?

Antonio Ermírio de Moraes: Então, você compra um quilo de queijo, quer dizer, é equivalente a cinqüenta quilos de cimento, e você compra cinqüenta quilos de cimento pelo preço de um quilo de queijo. Do queijo qual é a matéria prima? É estrangeira, é importada? Eu acho que não, não é? Agora, se o senhor quiser comprar um quilo de sorvete, o senhor paga o preço de dois sacos de cimento. Eu vendo... um quilo... para comprar um quilo de sorvete eu teria que vender cem quilos de cimento.

Fernando Pressiotta: Quer dizer que não seria o congelamento, mas o controle de preço?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu não sou contra o controle de preço não. Quer dizer, eu acho que um controle racional é absolutamente normal. Quem é que quer ter uma margem elevada? Nós temos que ter uma margem para poder construir novas fábricas. É pena que nós tenhamos que ficar a vida inteira, que é exatamente como nós estamos há dez anos, praticamente patinando. Aliás, patina o Brasil inteiro, não só a indústria de cimento.

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Agora, o senhor disse que não pode revelar o nome de quem enfrentou o governo, mas o senhor pode nos dizer, pelo menos, que tipo de empresário, de que setor?

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, de maneira geral tenho a impressão que é o setor de farmácia e certas áreas do setor de automóvel enfrentaram o governo. Não é a primeira vez que eles fazem isso.

Rodolfo Konder: Doutor Ermírio, o senhor...

Jorge Scosteguy: Rodolfo Konder, por favor.

Antonio Ermírio de Moraes: Mas eu não tenho nada contra eles não, eu acho que cada um tem que administrar a sua própria empresa e não cabe a mim dar palpite na administração de outros, não é?

Rodolfo Konder: Em relação à integração do Brasil na economia mundial, as pessoas muitas vezes se referem aos esforços do governo Collor como positivos, quer dizer, o Brasil estaria se integrando mais na economia mundial dentro dessa política do governo de abertura de fronteiras eticetera. Nessa área de relação com a economia mundial, as coisas, na sua opinião, estão melhorando, ou não?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que, em princípio, o discurso realmente é muito liberal, agora, a prática não está sendo realizada da maneira que se faz o discurso. O discurso é extremamente liberal. Agora, na prática nós estamos vendo uma política gerencial centralizada. Agora, não obstante isso, eu sou favorável, você poder importar, acho que... uma vez eu declarei aqui neste programa que não via a menor razão para você estar importando artigos de luxo. Digo, o Brasil que é um país pobre, essencialmente pobre, um país onde, se você analisar o que acontece, quer dizer, a classe ativa trabalhadora, quer dizer, 60% recebem até três salários mínimos. Então, você acha que é um país para estar importando jet-skis e Mercedes Benz e Ferraris e outras coisas mais? Eu sempre disse: eu acho que não.

Jorge Escosteguy: Mas o presidente anda de jet-ski, não é, doutor Ermírio?

Antonio Ermírio de Moraes: Isso é um problema... Eu não tenho nada contra isso. Ele pode andar de jet-ski. Eu só acho que, naturalmente, eu acho que cada vez, quando você age dessa maneira, você aumenta a frustração daquele que é pobre. Eu acho que aqueles que têm responsabilidade não têm absolutamente... eles têm a obrigação de não afrontar.

Jorge Escosteguy: O senhor falou em pobre aqui. O telespectador Antonio de Souza, aqui de São Paulo, de Higienópolis, ele pergunta como o senhor se sente sendo tão rico num país tão pobre?

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, eu acho que sou um homem rico em responsabilidade. Eu nunca usufrui da riqueza que tenho, nunca falei sobre a minha riqueza porque eu acho isso ridículo. Riqueza é fruto de trabalho, e este trabalho é feito através do nosso lucro. Quando é que esse senhor Antonio de Souza me viu usufruindo ou exibindo uma parcela pequena da minha riqueza, afrontando aqueles que são pobres? Eu tenho profundo respeito por aqueles que trabalham. A maior homenagem que eu posso prestar àqueles que trabalham é exatamente não afrontá-los mostrando exatamente o que o dinheiro podia eventualmente comprar.

Jorge Escosteguy: É, desculpe, deixa eu só juntar esta pergunta. O senhor mencionou não exibir a sua riqueza e a Rafaela Prado, aqui de São Paulo, do Morumbi, pergunta se o senhor já mudou de alfaiate e se o senhor já tomou o segundo banho na piscina de sua casa?

Antonio Ermírio de Moraes: Isso é coisa de programa Jô Soares, não é? [risos] Não, o meu alfaiate telefona toda semana para ver se eu preciso fazer novos ternos, porque daquela vez o nosso amigo lá [...] soltou uma notícia que realmente não era verdadeira, dizendo que eu fazia 12 ternos por ano. Está equivocado. São 12 ternos a cada dez anos! [risos] E deu o preço lá astronômico em dólares. Eu disse: "bom, eu não vou desmentir você, porque ficaria muito feio, mas você, como bom filho de italiano, como um bom italiano, exagerou demais na sua conta, não é?".

Jorge Escosteguy: José Antonio Rodrigues tem uma pergunta, desculpe, o José Antonio, estava inscrito ali, depois eu passo para você.

José Antonio Rodrigues: Doutor Antonio, o senhor disse que corrigiu o preço na base do BTN. O custo das empresas, em relação ao custo da inflação, da média da inflação, no cunho geral, que é o preço da cesta básica, o preço do combustível etc... as empresas, quando medem os seus custos, elas consideram também esses preços gerais do... ?

Antonio Ermírio de Moraes: [...], porque você veja o seguinte, acho que a melhor prova que a gente pode dar a você... Eu tenho um sistema que é muito trabalhoso, mas eu acho que dá certo. Você tem que chamar as lideranças sindicais, trabalhistas e conversar com elas. Praticamente é o que nós fizemos durante o ano inteiro. Durante muitas e muitas vezes eu conversei com os diretores do sindicato dos metalúrgicos, por exemplo, de Mairinque, conversando com eles para saber o que é que podia se fazer. É uma conversação muitas vezes de quatro, cinco horas, quer dizer, perde-se bastante tempo, mas também se aprende muito, eles também aprendem conosco. A gente mostra as cartas em cima da mesa e com isso a gente evita a greve, não é? Então significa que, de uma maneira geral, eu acho que a política foi razoável, o que nós conseguimos fazer. Porque eles também sabem quando a empresa está apertada, quer dizer, essa mudança, por exemplo, de perfil de venda do mercado interno para o mercado externo foi violentíssima. Eles estão cientes disso, entre si eles conversam.

José Antonio Rodrigues: Mas a questão é, por exemplo, o arroz sobe muito, vai a um preço "xis".

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] O arroz está a 150, duzentos cruzeiros o quilo, não é?

José Antonio Rodrigues: Tem um peso "xis" na inflação. Agora, isso não interfere no custo de uma empresa, digamos, de cimento.

Antonio Ermírio de Moraes: Mas, olha, não interfere? Interfere sim, viu? Porque se você quiser, realmente, amanhã pagar corretamente os seus trabalhadores, você tem que levar isso em consideração. É preciso você se colocar na posição dele para verificar o que ele está ganhando e o que ele pode adquirir. Não adianta você se colocar na posição de um patrão e dizer “Não, eu pago isso aqui e acabou”. Será que o que nós estamos pagando é o suficiente para que ele possa viver? De uma maneira geral, no setor de metalurgia, que é o setor de alumínio, níquel etc, zinco, os salários, quer dizer, com os encargos sociais eles representam seiscentos, setecentos dólares per capita, não é? Até mais, tem setores em que o sujeito ganha hoje mil dólares per capita.

Luiz Roberto Serrano: Doutor Antonio, o senhor, tirando o caso do cimento ou alargando a questão, além do caso do cimento, o senhor acha que a economia brasileira é mais cartelizada do que as outras, ela tem menos [...]?

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] O que acontece no Brasil é que os cartéis no Brasil são mais... não quero dizer a você que não se conversa. Claro que se conversa. Em toda parte do mundo se conversa, é a mesma coisa. Você acha que um homem que tem uma farmácia não sabe qual é o preço que o outro homem, no outro bairro, está vendendo a caixa de aspirina ou então o Biotônico Fontoura? Sabe! Todos eles sabem mais ou menos quais são os preços. Porque se você quiser colocar um preço diferente, muito diferente do outro, você acaba não vendendo. Hoje o povo, quer dizer, ele diligencia antes de comprar. Então, isso é uma coisa mais ou menos existente em toda parte do mundo.

Luiz Roberto Serrano: Porque nos outros países, de qualquer forma, também tem poucos fabricantes de automóveis, tem poucos fabricantes de produtos químicos etc, mas por que é que lá os preços não sobem tanto como aqui, o que é que diferencia?

Antonio Ermírio de Moraes: Porque aqui nós temos uma inflação galopante que, se você... Porque há certas pessoas que acham que o capital é imutável, não é verdade? O capital não se deteriora, mas o capital, se você deixar ele parado, com uma inflação dessa, ele some. Você sabe disso. Então é uma dinâmica, quer dizer, praticamente a inflação é um vírus que tomou conta do nosso organismo e se você não se defender dessa inflação você acaba sendo engolido por ela. Agora, em outros países que são estáveis, você não tem necessidade de fazer isso, não é?

Rodolfo Konder: Seria a questão das taxações também?

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, Rodolfo, eu acho sinceramente que em todos esses planos eu tenho a impressão - eu não sou economista, mas gosto de observar - em todos esse planos nós fizemos uns, são cinco já, mas ninguém jamais procurou resolver antes de mais nada a dívida externa, e eu considero a dívida externa o fator principal da nossa inflação. Porque a dívida externa obriga a nós, em primeiro lugar, a manter um saldo alto na balança comercial. O Brasil produz pouco; quando você exporta, há falta de mercadoria dentro na nação, então a demanda é maior do que a produção. Automaticamente os preços sobem. Não adianta você colocar o nosso grande e prezado amigo doutor Romeu Tuma na rua - coitado -, ele não consegue fazer nada. Na Alemanha... quer dizer, na Rússia, até hoje, onde o sujeito é decapitado, matam o sujeito como ele vem, eles continuam lá;  no Irã, eles enforcam aqueles que cometem um crime contra o governo, eles vivem enforcando gente, vocês não conseguem crer.

Luiz Roberto Serrano: Faz uns dois anos que nós não pagamos nada da dívida externa, na prática.

Antonio Ermírio de Moraes: Na prática, mas você tem que conseguir uma reserva, quer dizer, porque essa reserva um belo dia você vai ter que pagar, pelo menos, o serviço da dívida [juros], não é? E se o Brasil não tiver essa reserva... Ora se você está exportando, você, para exportar, obriga o dólar a subir, você desvaloriza o cruzeiro. Não é verdade? Para poder ter preço para exportação. Se você desvaloriza o cruzeiro e, ao mesmo tempo, você aumenta a taxa do dólar para evitar um consumismo elevado, você tem duas componentes grandes da inflação, que é a desvalorização do cruzeiro e o aumento do dólar. Automaticamente você tem duas componentes extremamente grandes para a inflação, e ao mesmo tempo parece que, no que diz respeito à dívida fiscal do próprio governo, quer dizer, a reforma fiscal e ministerial, parece que isso está muito difícil de vir à tona. Nós não sabemos, a verdade é que parece que se fala muito em redução de despesas, mas o que nós estamos vendo parece que não é bem aquilo que foi propalado alguns meses atrás.

Armando Ourique: Doutor, a propósito, gostaria de saber qual a sua expectativa, o tempo de vida desse programa, no sentido de manter a inflação sob controle e, também, para o país sair desse programa de forma organizada. Ou seja, talvez duas coisas possam influenciar isso: uma, o governo realmente usar esse programa como uma ponte para cortar gastos, para equilibrar o orçamento - qual a sua expectativa disso? - e a outra, de haver uma negociação entre todas as partes no sentido de pré-fixar preços, ou qualquer outra política de rendas que não seja tão rígida como a de agora. Quais são as possibilidades de negociação entre empresários, trabalhadores e governo?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que para haver uma negociação - uma vez eu já defini - é preciso que todos caiam, em primeiro lugar, à lona, ainda mais porque os espíritos estão muitos armados, os espíritos todos. Enquanto os espíritos estiverem armados, dificilmente você negocia, nós  precisamos... Quer dizer, o empresário quer juros de 12%, o governo quer arrecadar cada vez mais, o trabalhador precisa de reposição salarial. Então você vê: são três incógnitas e nós estamos com uma equação com três incógnitas e nenhuma conhecida, não é? Então, praticamente fica muito difícil. Agora, o tempo vai ensinando, vai educando a todos nós, empresários, trabalhadores e o governo também, para que mais tarde nós possamos fazer um pacto. Porque o pacto é uma coisa muito séria, não é? Você começa a falar em pacto e o negócio dura uma semana... então é a desmoralização do país, não é?

Armando Ourique: Nós estamos próximos disso ou não? Qual a disposição de os empresários, como o senhor, de chegar a isso?

Antonio Ermírio de Moraes: Nós estamos... Eu nunca fui chamado sequer para discutir. Não que eu represente alguma coisa, eu não represento nada, mas eu nunca fui chamado. Então, eu fiquei do lado de fora, eu sempre achei que...

[Sobreposição de vozes]

Carlos Tramontina: Quanto tempo o senhor acha que dura?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que o que você... vamos falar em termos de congelamento. Vamos admitir que o congelamento pudesse durar três meses, então: fevereiro, março e abril. Quando chegar em abril, evidentemente, as empresas estão exauridas até o máximo. O que vai acontecer? Nós vamos ter um reajuste de preço aí, e talvez um reajuste até grande, porque já prevendo que em julho nós vamos ter a negociação geral de todos os sindicatos do Brasil inteiro. Então, você veja que os problemas que esse plano vai enfrentar no futuro, isso é terrível [...].

Luiz Roberto Serrano: [Interrompendo] O senhor tem medo dessa data básica única?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não tenho medo, eu só acho que a data básica única é uma coisa que, naturalmente, não vai facilitar a vida do trabalhador. Porque você vê o seguinte: hoje uma greve geral no Brasil custa um bilhão de dólares por ano, por dia. É o PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro, não é?

Fernando Pressiotta: O senhor acredita em greve geral, em épocas em que a produção é baixa?

Antonio Ermírio de Moraes: Fica mais fácil fazer agora, porque afinal de contas os sindicatos...

Fernando Pressiotta: Com férias coletivas em janeiro.

Antonio Ermírio de Moraes: ... os sindicatos estão todos reunidos. Fica mais fácil fazer um movimento geral agora, claro que fica.

Fernando Pressiotta: Mas mesmo com a dificuldade da empresa, nesse período de baixa produção?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas a empresa, como é que ela vai poder, vamos dizer, o governo... quer dizer, as datas bases... negociem direto? Fica muito difícil, não é?

José Antonio Rodrigues: Quando o senhor diz “a lona caiu no chão”, significa o quê? Uma recessão mais profunda ainda ou hiperinflação?

Antonio Ermírio de Moraes: Acho que uma recessão mais profunda, eu tenho a impressão que ela está a caminho.

José Antonio Rodrigues: Aí se teria controle da situação, ainda?

Rodolfo Konder: A que o senhor atribui essa decisão do governo de unificar as datas bases?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que é uma coisa política. Você veja, isso é uma plataforma que já, já, vai aparecer uma liderança política sendo o autor dessa proeza. E esse homem, essa liderança política, terá grandes chances de se eleger, de se candidatar em 1994, com real sucesso, que afinal de contas a massa trabalhadora vai estar toda ao lado dele. Eu não tenho nada contra, eu acho que os trabalhadores precisam ganhar bem. Agora, evidentemente que é uma coisa política e eu não...

Fernando Pressiotta: De quem o senhor acha que essa liderança?

Antonio Ermírio de Moraes: Isso o tempo vai dizer.

José Marcio Mendonça: Doutor Antonio Ermírio, eu me lembro do Plano Cruzado, o senhor falou muito entusiasmado do fim da ciranda financeira.

Antonio Ermírio de Moraes: É exato, era o fim da ciranda financeira.

José Marcio Mendonça: Outros planos vieram para pôr o fim da ciranda financeira. Este também anuncia o fim da ciranda financeira. O senhor acha que vai acabar?

Antonio Ermírio de Moraes: Não.

José Marcio Mendonça: E por que não tem acabado até agora?

Antonio Ermírio de Moraes: Porque eles são mais fortes, o meio financeiro é muito mais forte do que nós. Então, realmente, eles conseguem sempre dar a volta por cima.

José Antonio Rodrigues: Se o senhor estivesse lá, o que o senhor faria, doutor?

Antonio Ermírio de Moraes: Hein?

José Antonio Rodrigues: Se o senhor estivesse lá no governo, o que é que o senhor faria?

Rodolfo Konder: Para acabar com a ciranda financeira, por exemplo, que medida o senhor acha que poderíamos tomar?

Antonio Ermírio de Moraes: Acho que a primeira coisa que se tinha de fazer, então voltando atrás, viu, Rodolfo, era procurar resolver o problema da dívida externa. O Brasil tem uma grande vantagem, porque - certo ou errado - o Brasil construiu enorme ativo imobilizado através da industrialização das empresas estatais. Isso aí não se iluda, o setor siderúrgico, o setor de petróleo, petroquímico e o setor de eletricidade são setores gigantescos em qualquer parte do mundo! Essas empresas realmente têm um ativo imobilizado, escriturado, que vale, talvez... o valor real vale no mínimo duas, três vezes mais, do que está no lançamento dos livros. Então,

essa é uma grande oportunidade de se fazer uma reavaliação do ativo, dessas empresas que são saudáveis, que são boas, apenas que têm uma dívida externa muito grande, aliás, que não foram elas que solicitaram essa dívida, foi feita em nome de todo o Brasil - não é verdade? - nos governos passados. E, através da reavaliação do ativo, você podia convidar, trocar talvez, por ações preferenciais, que é uma, essa reavaliação do ativo, porque você fazendo uma reavaliação do ativo, você não está lesando ninguém. Isso é um lastro ouro que você tem dentro da empresa e esse lastro ouro poderia ser oferecido, em contrapartida, pela dívida. Aí você tirava, por exemplo, a pressão, capitalizando o setor siderurgia, de eletricidade e de petróleo, você automaticamente tem 60% ou mais da economia tranqüila. Aí você não precisava desses tarifaços de tempo em tempo, já era o primeiro passo. “Ah! Mas nós vamos ficar com sócios estrangeiros!”. Com ações preferenciais só têm posição só tem dividendos, não tem comando, não tem voz ativa na administração da empresa. É isso que o Brasil devia negociar por aí, usufruir desse enorme ativo imobilizado que nós temos.

Luiz Roberto Serrano: O senhor acha que os credores aceitariam?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, eu tenho a impressão que aceitariam. Porque os credores, afinal de contas, você vê, um presidente de um banco internacional  não é como aqui no Brasil, não. Ele é um homem que tem sua atividade muito limitada, ele é um representante de acionistas e ele não pode sair fora das normas internas do banco. Então, dessa maneira, eu tenho a impressão que ele encontraria, quer dizer, até uma maneira de receber uma parcela até mesmo do principal. Porque normalmente ele não recebe nem os juros, então parece que uma coisa poderia ser... Há certos países, vamos pegar, por exemplo,  tipo a Alemanha e tipo  o Japão.  Eles não podem mais ter indústria de siderurgia ou mesmo a própria indústria petroquímica no Japão é muito cara. Eles não têm nada, eles não têm petróleo, não têm nada, quer dizer, o Japão, quer dizer, praticamente tem 5% de energia renovável; o resto é tudo energia não renovável. A mesma coisa na Alemanha. A Alemanha tem 5% de energia renovável. Então você vê que eles estão precisando de alguma coisa nesse sentido, quer dizer, poderia haver até uma união nesse sentido e que amanhã uma colaboração do capital estrangeiro, através das ações preferenciais, pudesse dar ao Brasil maior desenvolvimento na própria área de pesquisa e de desenvolvimento interno da nossa indústria, aqui dentro do Brasil.

Jorge Escosteguy: Doutor Antonio Ermírio, o telespectador Itamar Carrijo, aqui de São Paulo, ele pergunta se o senhor acha que nós corremos o risco de dolarização da economia, nesso pacote?

Antonio Ermírio de Moraes: É uma das possibilidades, mas o governo afasta essa dolarização. Eles acham que, inclusive... mas, uma vez que você pegue qualquer referência, você tem que basear a sua economia em alguma coisa, quer dizer, como ponto de referência, não é verdade? Essa taxa de referência, eu não sei, eu acho que é um negócio que vai ser inicialmente fabricado pelo governo. Agora, uma vez que haja desconfiança, se o governo não conseguir impor uma credibilidade dessa chamada taxa de referência, é evidente que nós vamos ter uma dolarização ou uma coisa parecida como essa.

Jorge Escosteguy: E as conseqüências disso, na sua opinião?

Antonio Ermírio de Moraes: Isso é lamentável sob todos os aspectos, em um país que você tem que falar sempre em termos de dólar, que é moeda estrangeira, eu acho que isso não é bom para a nação brasileira, nós perdemos até o respeito pela moeda, o que é lamentável, não é?

Jorge Escosteguy: Tramontina, sua vez.

Carlos Tramontina: O senhor falou, agora há pouco, da preocupação do senhor em conversar com os sindicatos, para ver preços, salários, custos. O senhor falou também que os empresários têm procurado colaborar com o governo, desde o Plano Collor na sua primeira fase. Agora, por que essa boa vontade dos empresários não toca a população? Por que quando o senhor ouve a população... o que é que a população pensa do empresário? Ela só critica? Ela só acha que...?

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] Não, mas é o que acontece, mas é exatamente a mídia e não sou eu quem faz a mídia. Você é um dos homens que fazem a mídia, não é verdade? A sua emissora é uma das que realmente, quer dizer, sempre anunciou com grande galhardismo que se importasse cimento pela metade do preço, não é? Então, é verdade, o que fizeram? Nada.

Carlos Tramontina: O que é que interessa essa...?

[Sobreposição de vozes]

Antonio Ermírio de Moraes: Porque então teve outra informação. Agora, informação... quando eu digo para você que eu aumentei 782% no mês, no ano inteirinho de 1990, quer dizer, ninguém toma conhecimento, você dá por escrito, a imprensa não publica, você entendeu? Agora, quando é do sentido contrário vocês publicam. Por que isso? Eu não sei, não pergunto, eu não sou do governo.

Fernando Pressiotta: A CUT [Central Única dos Trabalhadores] disse que não há absolutamente nada de positivo no pacote, no plano Collor II. O senhor concorda com isso ou acha que há alguma coisa a se salvar?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu acho que é muito cedo para nós analisarmos sob esse aspecto. Dizer que não há nada de positivo e eu não posso aceitar também... que é uma injustiça, afinal de contas nesse pacote, as normas foram publicadas praticamente só hoje. Então eu peço licença, acho até que falei para não marcar [...].

Fernando Pressiotta: [Interrompendo] Mas no ponto de vista teórico?

Antonio Ermírio de Moraes: É um pouco cedo eu vir aqui neste programa, porque tive muito pouco tempo de analisar isso, quer dizer, do ponto de vista teórico, acho que a unificação da data-base para a classe trabalhadora é uma grande vitória, então eu acho que isso é extremamente positivo, não sei se vocês pensam da mesma maneira, afinal de contas eles estão pleiteando isso há mais de dois anos que eles vêm falando na unificação da data-base... afinal isso aqui foi entregue realmente uma coisa...

Fernando Pressiotta: A CUT quer em 1º de maio [Dia do Trabalho/Trabalhador].

Antonio Ermírio de Moraes: Bom, isso eu não sei. Também é um pouco de exigência demais, marcar a data direitinho. Isso também, tenha a santa paciência! Acho que estão indo longe demais, não é?

Armando Ourique: O senhor acha que vai ter greve geral?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que há uma grande possibilidade de se ter pelo menos duas greves gerais por ano, não é? [risos]

José Antonio Rodrigues: Doutor, o senhor falou duas vezes aí em déficit público, que a redução dos gastos do governo não foi...

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] Eu não sei, eu quero dizer, eu não sou o governo, eu não tenho esses dados na mão, mas o feeling [sentimento] que a gente tem é esse.

José Antonio Rodrigues: Sim, mas o governo, o Executivo disse que partes desses gastos são provocadas por intransigências dos políticos e a privatização que o senhor defende também não consegue por causa do Congresso. Agora, os empresários, quando são...

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] Note bem, eu nunca fui, quer dizer, eu quero que você me perdoe, eu queria dizer apenas uma coisa, eu nunca disse... eu nunca fui um homem... eu disse sempre que eu prefiro a não proliferação da empresa estatal. Eu nunca acreditei muito nessa privatização, porque conheço a capacidade de cada empresário, daqueles maiores empresários do Brasil. Eu acho que para se fazer uma coisa correta vai ficar muito difícil privatizar dentro do país. Eu sempre defendi essa tese e o Rodolfo [Konder] sabe disso, desde a campanha do Dirceu [José Dirceu de Oliveira e Silva (1946-), político e advogado brasileiro, foi líder estudantil, foi preso, exilou-se em Cuba e morou cinco anos no Brasil clandestinamente. Com a redemocratização, em 1980, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, do qual foi presidente nacional durante a década de 1990], eu falei: "olha, eu sou pela não proliferação,". A privatização é muito difícil, não é fácil não. É uma coisa extremamente difícil. Para se cobrar o preço real de uma empresa estatal, de gigantes como a Usiminas, como CSN [Companhia Siderúrgica Nacional], como Cosipa [as três empresas citadas são siderúrgicas brasileiras], essas empresas valem cinco, seis bilhões de dólares por ativo imobilizado. Então, quer dizer, conscientemente, eu pergunto: quem é que poderia comprar aqui dentro deste país uma coisa pelo valor realmente do ativo imobilizado?

José Antonio Rodrigues: Mas o que eu queria concluir...

Antonio Ermírio de Moraes: Diga, pois não, me desculpe, perdão.

José Antonio Rodrigues: Se o senhor concorda com essa linha que o Congresso vem adotando ultimamente e se o senhor espera que esse novo Congresso possa votar medidas nesse sentido, de ajudar o Executivo a reduzir custos ou a privatizar.

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que é uma necessidade, quer dizer. Mas eles são os primeiros a lamentar os próprios custos internos das coisas. A primeira coisa que nós vimos nos jornais hoje foi exatamente os novos salários de todos os congressistas, as ajudas de custos etc. Me parece que... olha, eu sou um homem que sempre defendi a democracia dentro do Brasil, mas faço um apelo, os homens do Congresso Nacional têm a obrigação de dar o exemplo para a nação brasileira, não é? Ali é um cargo de sacrifício, não é lugar para a pessoa auferir coisa fora, ali é cargo de sacrifício.

José Antonio Rodrigues: Agora como os senhores...

Antonio Ermírio de Moraes: Não é para se enriquecer não, quem vai para lá é para se sacrificar. Eu sempre recusei a disputar um cargo, porque eu nunca quis ter uma aposentadoria tranqüila e confortável na minha vida, por isso é que nunca me candidatei a coisa nenhuma.

[Sobreposição de vozes]

Jorge Escosteguy: Doutor Antonio, desculpe, falando em política, há três telespectadores aqui, o João Luiz, o Osmar e o Paulo Moura, os três de São Paulo, eles fazem a mesma pergunta: "Em 1986 o senhor era um ferrenho adversário do agora governador Orestes Quércia [empresário e um dos fundadores do PMDB -Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Foi vereador e prefeito de Campinas, deputado estadual e senador. Foi eleito, em 1986, governador do estado de São Paulo. Enfrentou diversas situações polêmicas e acusações de desvio de verbas de obras, corrupção e ilegalidades no governo]. Por que nas últimas eleições o senhor apoiou o candidato dele, Luiz Antônio Fleury?

Antonio Ermírio de Moraes: É muito tranqüilo, quer dizer, eu apoiei o Luiz Antonio Fleury, não apoiei o candidato Orestes Quércia. E outra coisa, se perguntarem ao governador Orestes Quércia, eu tenho a impressão [de] que ele fala até no programa: "Não, eu não estou apoiando o Antonio Ermírio, eu estou apoiando o Fleury.". Nós apoiamos o mesmo candidato. Eu tenho um relacionamento à distância com o governador Orestes Quércia, ele também tem. Mas nos respeitamos, ele fica na praia dele e eu fico na minha, quer dizer... Eu apoiei o Luiz Antônio Fleury porque eu não podia apoiar o senhor Paulo Maluf  [empresário e político paulistano, foi eleito prefeito de São Paulo (1969 a 1971), governador de São Paulo (por via indireta, em 1978) e deputado federal (1982). Em 1984, concorreu à presidência  pelo PDS com Tancredo Neves (do PMDB) e foi derrotado], que tinha sido candidato direto conosco. Aliás, ele [Paulo Maluf] tomou uma surra naquela ocasião de 1,1 milhão de votos; ele perdeu para mim por 1,1 milhão de votos. Eu peguei o segundo lugar e ele pegou o terceiro, não é?

Jorge Escosteguy: O Jaime... o senhor falou no Paulo Maluf aqui, o Jaime Souza Matos, aqui de São Paulo também, ele pergunta a que o senhor atribui a excelente votação de Paulo Maluf nas últimas eleições?

Antonio Ermírio de Moraes: É difícil, eu não quero... como eu não estava no meio dela, eu não quero responder a essa pergunta. Eu acho que, tudo bem, acho que disputou, já disputou tantas vezes que afinal de contas o povo brasileiro acaba tendo pena daqueles que estão se apresentando por muitas e muitas peças teatrais e jamais tendo conseguido conquistar uma, quem sabe se ele se apresentar mais uma vez ele pode levar.

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] O senhor acha que os paulistas votaram por sentimentalismo?

Antonio Ermírio de Moraes: Mais ou menos.

[Discretos risos gerais]

Rodolfo Konder: Doutor Ermírio,...

José Antonio Rodrigues: Então na próxima ele tem chance?

Rodolfo Konder: E em relação à redução da máquina industrial?

Jorge Escosteguy: Rodolfo Konder, por favor.

Rodolfo Konder: Em relação à redução da máquina industrial, hoje há uma reivindicação mais ou menos generalizada, a modernização passa por aí. Não é possível um país moderno com essa estrutura que nós temos. O senhor acha que o governo Collor, nesse sentido, tem sido um governo modernizador que está avançando na direção certa?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que a intenção é essa. Agora, eu compreendo as dificuldades do governo em modernizar. Porque dentro da empresa privada, em que você tem uma ação muito mais eficiente, é difícil você modernizar uma empresa. Você precisa trabalhar dez, 12 horas por dia para conseguir o seu intento. Porque esse negócio de apenas dar ordem você dá em 15 minutos. Se fosse para dar ordem na Votorantim, eu entraria às sete horas da manhã e às sete e meia iria embora, porque eu ia estar com todas as ordens dadas. Mas só que não se cumpriria nada. Esse programa, normalmente, em um governo que é enorme, com cerca de um milhão de funcionários, é muito difícil, realmente, você conseguir modernizar e dar eficiência à essa máquina, porque a máquina é viciada. E digo mais, há uma força enorme que vem de baixo para cima, dizendo: “Não, não vai fazer”, e se o presidente Collor não tiver muita energia, ele não vai conseguir fazer.

Jorge Escosteguy: O que é que o senhor acha, até agora, da atuação do presidente Collor, tirando o jet-ski e as camisetas?

Antonio Ermírio de Moraes: Bom, aí a verdade é a seguinte: eu tenho informações de que o presidente Collor realmente não aprecia a minha atuação. Isso eu acho que é um direito que ele tem...

[Sobreposição de vozes]

Luiz Roberto Serrano: Ele disse que o senhor é o rei dos cartéis, não é?

Antonio Ermírio de Moraes: Hein?

Luiz Roberto Serrano: A Folha [de S.Paulo] dizia ontem que ele sempre se refere ao senhor como o homem dos cartéis.

Antonio Ermírio de Moraes: Isso é uma grande mentira. Eu desafio o presidente Collor a vir dentro da nossa empresa para provar isso. O que é isso? Isso é uma leviandade da parte dele. Eu duvido que ele tenha falado isso, porque, afinal de contas,  eu acho que ele deve ser... um presidente da República tem que ser razoavelmente responsável, não é verdade? Agora, o que acontece é o seguinte, é que nós temos posturas diferentes, não é?

Jorge Escosteguy: Mas o que o senhor acha do governo dele que está completando quase um ano?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que é um governo... o discurso impressiona bem, mas onde realmente os fatos não estão sendo realizados da mesma maneira que o discurso vem sendo pronunciado. Uma coisa é se fazer discurso. Se fosse por discurso, o Brasil seria certamente uma nação pertencente ao primeiro bloco, o bloco das nações desenvolvidas, não é? Porque aqui o discurso realmente existe em quantidade enorme, mas, infelizmente, do discurso para a execução nós somos muito fracos em fazê-lo.

Carlos Tramontina: O senhor acha que essa equipe econômica se esgota nesse plano, ou seja, se esse plano der certo, se a inflação cair, se eventualmente, ela [a inflação] ficar sob controle, a equipe está bem, se der tudo errado a equipe cai?

Antonio Ermírio de Moraes: Não sei se essa pergunta tem que ser dirigida ao presidente Collor, não é? Mas, sinceramente, eu acho que seria uma atuação normal, eu acho que a própria equipe sabe disso, não é?

Armando Ourique: Senhor Antonio, em relação ao programa de privatização, o senhor disse que não se poderia privatizar, mas, enfim... 

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrrompendo] Não com essa facilidade. Privatizar é um negócio muito sério, porque qualquer erro que se faça na privatização é uma mancha que fica na sua vida para o resto da vida. Amanhã você adquire uma empresa do governo, que esteja em condições favoráveis, essa é uma pecha que jamais sairá.

Armando Ourique: Provavelmente eles vão fazer, e vão fazer no valor de venda abaixo do valor patrimonial. O senhor, enfim, como investidor, tem acompanhado esse processo?

Antonio Ermírio de Moraes: Não.

Armando Ourique: O senhor não vai se interessar por alguma empresa?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, quer dizer, eu acho que não.

Armando Ourique: Ou alguma outra?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu tenho uma filosofia diferente. Eu acho que não adianta você fazer um grande negócio à custa de capital de terceiros. Eu acho que você tem que suar por aquilo que... para conseguir o que você é... esse negócio de benesses, eu não acredito nisso não.

Armando Ourique: O senhor não vai comprar nada?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu quero ficar fora disso.

Luiz Roberto Serrano: Senhor Antonio, a equipe econômica disse que perdeu o controle da inflação depois de agosto, por causa da crise do Kuwait [crise provocada pela invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein em 2 de agosto de 1990], da quebra da safra e dos gastos das eleições estaduais. O senhor acha que esse diagnóstico está correto ou foi outra coisa?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas vamos ver: gastos em eleições estaduais, o governo tinha controle sobre isso. No primeiro plano, no Plano Collor número um, no meu entender, o maior defeito que eles tiveram foi exatamente largar os estados e os municípios absolutamente soltos. Os estados e municípios ficaram soltos. Inclusive eu conversei com o doutor Ibrahim Eris [presidente do Banco Central no governo Collor] e ele disse: “Olha, mas isso aqui é a Constituinte”. Ora, tenha a santa paciência! A carta constitucional foi rasgada naquele primeiro Plano Collor. Você já viu alguém amanhã lançar um imposto e cobrar esse imposto no mesmo ano? O direito de propriedade está expresso, não só na Constituinte, como no código civil. No entanto não se fez nada disso. Então não se pode falar em Constituinte. O grande erro foi largar o município e largar o Estado solto, quer dizer, no primeiro Plano Collor, não é?

Luiz Roberto Serrano: Gastando à vontade, é isso?

Antonio Ermírio de Moraes: Então não foi isso que nós vimos? Então isso foi gasto eleitoral. Qual foi a sua outra pergunta?

Luiz Roberto Serrano: Quebra da safra.

Antonio Ermírio de Moraes: A quebra da safra. A quebra da safra - veja o seguinte - foi a demora que o governo teve em compreender de que se amanhã nós [..] desemprego e redução na safra agrícola, nós tínhamos duas componentes profundamente lamentáveis que traziam uma resultante péssima para o Brasil. No dia em que você tiver quebra de safra e desemprego, o que você está esperando?

Jorge Escosteguy: Senhor Antonio,...

Luiz Roberto Serrano: Foi a crise do Kuwait, o que tem que ser...

[Sobreposição de vozes]

Antonio Ermírio de Moraes: Por incrível que pareça, a crise do Kuwait baixou o preço do petróleo.

[Risos]

Carlos Tramontina: Crise de preço mais baixo.

Antonio Ermírio de Moraes: Então, Tramontina, isso não é a verdade, não.

Jorge Escosteguy: O senhor disse há pouco que o governo não gosta do senhor, ou o presidente da República, pelo menos, não gosta do senhor.

Antonio Ermírio de Moraes: Não... que é a informação que eu tenho, não sei por que, eu nunca falei mal dele.

Jorge Escosteguy: E aí o senhor deu uma informação de que esses dias estava conversando com o Ibrahim Eris. O senhor pode contar para gente o que o senhor estava conversando com o Ibrahim Eris?

Antonio Ermírio de Moraes: Sobre exatamente isso, eu converso com Ibrahim Eris...

Jorge Escosteguy: O senhor foi consultá-lo ou ele foi consultá-lo?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, até pelo contrário, no decorrer dos negócios numa empresa grande como a Votorantim, aparecem coisas que eu tenho até que conversar por telefone. Se eu não puder conversar por telefone com a ministra Zélia e com o doutor Ibrahim Eris, eu não estou à altura do cargo que eu estou ocupando, não é? Então, mas são raras as vezes que eu converso. Eu evito conversar com Brasília, procuro resolver os nossos problemas aqui mesmo, sem...

Jorge Escosteguy: E tirando o sotaque, o que o senhor achou do doutor Ibrahim Eris?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho ele um homem competente, viu? O doutor Ibrahim Eris conhece muito bem a área financeira. Conhece muito bem os problemas do setor financeiro. Ele é um homem extremamente competente.

Carlos Tramontina: E a ministra Zélia também é competente?

Antonio Ermírio de Moraes: Isso, eu a conheço muito pouco, quer dizer, eu estive com a ministra Zélia na minha vida duas vezes.

Armando Ourique: Mas pela atuação dela à frente do ministério, que nota o senhor daria para ela?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu já dei nota ao governo Collor: cinco, no máximo.

José Marcio Mendonça: Doutor Antonio Ermírio, o senhor disse que há uma diferença, e nota-se,  é fácil notar a diferença entre o discurso do governo e sua prática: um não corresponde ao outro. O senhor acha que essa diferença é de responsabilidade de quem? Do próprio presidente, dos assessores dele ou é do conjunto?

Antonio Ermírio de Moraes: O presidente tem uma vontade de modernizar, mas encontra sempre uma resistência do segundo, terceiro e quarto escalão para modernizar, não é? Eu acho que é por aí que está acontecendo, porque realmente uma coisa é você desejar fazer.... agora, se você não acompanhar esse trabalho diuturno é dificílimo, viu? E você vai encontrar resistências homéricas para reduzir o número de pessoas, para realmente poder exigir maior produtividade por parte do funcionário que trabalha à distância, não é?

Jorge Escosteguy: Agora, doutor Antonio, os empresários costumam sempre ser bastante críticos, ácidos, em relação ao governo, mas também se diz que as elites brasileiras, os empresários, fracassaram nesses últimos vinte anos em tentar modernizar o país. A que o senhor atribui isso?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, isso não tenho a menor dúvida. Eu acho que todos nós temos uma parcela de fracasso, quer dizer, de responsabilidade nesse fracasso, principalmente de 1980 para cá. Porque o Brasil até 1980 foi relativamente bem. Há dez anos é que o Brasil patina, e nós temos um pouco de responsabilidade nisso. Agora, nós somos executores...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Por que isso? O senhor acha o quê?

Antonio Ermírio de Moraes: Nós somos executores, quer dizer, o governo é quem comanda os generais, quem comanda as ordens é o governo. Nós executamos aquilo que o governo faz. Como o governo tem sido naturalmente... Por vários motivos, o governo brasileiro tem errado muito, mesmo no passado errou demais. Mas agora está na hora de começar a corrigir isso lentamente. Agora, a correção vai demorar muito tempo. O principal problema nosso é a educação, mas a educação levada a sério. Enquanto nós não nos voltarmos para a educação, no sentido verdadeiro da palavra, eu tenho a impressão [de] que nós não vamos ter resultados positivos neste país.

Luiz Roberto Serrano: Mas o governo não cai lá, ou ele vai lá por um golpe ou por uma eleição. É sempre alguém que coloca. Esse governo, por exemplo, é um governo que foi apoiado pelos empresários. Então, dizer que os empresários vêm cumprindo o que vem de cima não é uma análise um pouco simplista?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, não é bem assim. Como [...]...  você acha que os empresários iam dar ao Collor 35 milhões de votos?

Luiz Roberto Serrano: Não: foram apoiados, eu disse, não foi eleito pelos... [risos]

Antonio Ermírio de Moraes: Não existe isso nos empresários do Brasil, em primeiro lugar. Em segundo lugar, eu acho que a sua análise está sendo um pouco simplista. Mas não, quer dizer, evidentemente, que houve colaboração, quer dizer, no sentido de se eleger um governo mais moderno. Mas, não obstante isso, acho que foi só, porque o governo mesmo manteve uma certa distância, não é? O governo Collor hoje é um governo isolado em Brasília, que conversa muito pouco a área empresarial.

Luiz Roberto Serrano: O senhor acha que ele tem ares imperiais, o governo?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não quero tecer esse tipo de crítica a ele.

Carlos Tramontina: E os fins de semana que o presidente passa com alguns empresários? Durante a semana ele critica muito o empresário e no fim de semana ele passa com o empresário.

Antonio Ermírio de Moraes: Olha, Tramontina,...

Carlos Tramontina: Por que isso? Como é que o senhor analisa isso?

Antonio Ermírio de Moraes: Como ele nunca passou um fim de semana comigo, eu não posso emitir nenhuma opinião sobre isso.

[Risos]

José Antonio Rodrigues: Na hora de dar o apoio para alguns candidatos, o empresariado considera todas essas possibilidades antes?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que tem que considerar, sabe? Eu acho que tem que considerar, mas eu não posso responder em nome de outros,. Eu sei que eu considero.

Rodolfo Konder: Doutor Antonio Ermírio, o senhor...

Antonio Ermírio de Moraes: Procuro levar em consideração, não é? Não pense o senhor que eu sou perfeito, não. Eu sou um homem igualzinho ao senhor, com qualidades e defeitos.

Rodolfo Konder: Vou puxar um pouco para a área internacional. O senhor, como um grande empresário, como é que está vendo o surgimento de mega blocos, Europa unificada, a proposta do presidente [dos Estados Unidos] Bush [George H. W. Bush (1924-), presidiu os Estados Unidos de 1989 a 1993 e foi sucedido por Bill Clinton], por exemplo, de um mercado comum das Américas, o senhor vê com simpatia?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que não há outra solução, viu, Rodolfo? Porque o mundo inteiro se organiza em blocos: é o bloco europeu, é o bloco asiático, dos tigres asiáticos  [Hong Kong, Coréia do Sul, Singapura e Taiwan], que é Japão, Coréia, Indonésia, Filipinas... Todos eles se organizando, no sentido de que o Japão comanda esse bloco por ser mais forte, mas comanda, comanda com habilidade. Evidentemente que, se amanhã houver um bloco americano, que está  entrando em negociação... você já tem no bloco americano, Estado Unidos, Canadá e, possivelmente, o México. Se nós não aderirmos a um bloco, Rodolfo, nós vamos ficar exatamente no Viaduto do Chá [viaduto situado no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade de São Paulo] com a mãozinha estendida, pedindo esmola, porque o mundo está se organizando. Vai sobrar desse mundo, Israel, que é um mundo à parte, e o continente africano.

Rodolfo Konder: Isso exige uma certa revisão inclusive de velhos conceitos, como, por exemplo, soberania nacional?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, mas exige. Exige, exige... agora, evidentemente que [...] soberania nacional? Eu acho que você pode entrar em um bloco desse sem jamais perder a soberania nacional, não é? Isso é uma questão de respeito. Eu acho que tem que ser um dos itens primeiros a serem tratados, a soberania nacional e segurança nacional, não é? Nós podemos estar juntos, quer dizer, em um bloco comercial para que amanhã as Américas se defendam contra o resto do mundo, porque vai ser muita competição.

Jorge Scosteguy: Continuando no lado internacional, o telespectador Daniel Souza, aqui de São Paulo, ele queria saber a sua opinião sobre as conseqüências dessa guerra no Golfo [Guerra do Golfo], para nós, a América Latina e o Brasil?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que [as conseqüências da Guerra do Golfo são] lamentáveis. Em primeiro lugar, porque eu sou homem que não acredita em guerra, porque eu já vi a guerra, a Segunda Guerra Mundial, e fiquei profundamente decepcionado com os resultados, não é? Você veja que foi uma guerra onde realmente a Alemanha partiu para uma expansão do seu império em busca de petróleo também, não é? Ela se dirigia de uma maneira obcecada ao petróleo da Rússia, né? Hoje você vê que, a partir do principio que 60%, tranqüilamente 60% da produção de petróleo do mundo, da reserva de petróleo do mundo, está no mundo árabe, você vê que esse cenário vai ser um cenário comum para o resto de nossas vidas e para a vida dos nossos filhos também. Até 2040 por aí o petróleo deverá estar, se não terminado, mas a reservas deverão estar praticamente exauridas e isso vai ser uma constante daqui para frente.

Jorge Scosteguy: O senhor falou do mundo asiático, do Japão. Essa guerra pode ser um golpe duro para o Japão, principalmente, que está em expansão? 

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] Para o Japão vai ser duríssimo, não é? Porque o Japão, como já disse, o Japão tem 5% de energia renovável. Nesse aspecto o Brasil está em uma posição extremamente confortável. O Brasil é um país que tem 75% de energia renovável. Junto com a Noruega, o Brasil é o país que tem mais energia renovável no mundo inteiro. Agora, para mantermos esse padrão de energia renovável, é preciso nós não criarmos maiores obstáculos através - vamos dizer - dos meios ecológicos. A ecologia hoje se mete em tudo. Eu acho que temos que produzir sem poluir: é a nossa obrigação, compreenda. Agora, para estrada de ferro, para estrada de rodagem e para o setor hidrelétrico, eu tenho a impressão [de] que nós temos que simplificar aquilo que chamam de relatório de impacto de meio ambiente. Porque, se nós tivermos juízo, se nós crescermos até uma base de 5% até o ano 2000, o Brasil vai chegar no ano 2000 barrando apenas 40% da reserva da bacia hídrica brasileira e produzindo cerca de vinte bilhões de litros de álcool por ano. Se nós fizermos até o ano 2000, Tramontina, nós estaremos também com 75% de energia renovável. E se continuarmos esse programa de desenvolvimento, nós vamos chegar no ano de 2040, que é quando se finda o petróleo, em uma posição extremamente confortável.  Então, isso é que eu queria dizer, apesar das divergências que nós temos com o governo, uma palavra para que o governo preste atenção nisso. O Brasil, se tiver juízo, através do setor hídrico, através do setor do álcool etílico, o Brasil, e através... nem... porque nem o Brasil não consome demasiado não. O consumo da biomassa no Brasil é da ordem de 20% só. Se você pegar uma Burkina Fasso, se pegar uma Tanzânia, você pegar um Sudão, você pegar um Bangladesh, eles consomem 95% de biomassa. O Brasil só tem 20% de biomassa. Então nós temos, do ponto de vista energético, uma condição muito favorável. Agora, é preciso ter juízo para continuar nesse programa. Agora, eu sou - sempre fui - contrário aos subsídios... no Pró-álcool se exagerou em subsídios. Veja, eu disse isso aqui, eu sou um homem totalmente contrário ao subsídio. Porque o subsídio cria a distorção dentro da sua própria estrutura de custo interno. Porque na hora de criar um subsídio, todo mundo bate palma; na hora de tirar é um Deus nos acuda. Então é melhor não ter. Quem quiser se estruturar na base de subsídio é melhor que não se estruture. [...] é uma base séria.

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] Doutor Antonio Ermírio, um pouquinho antes de terminar o primeiro bloco o senhor falou em energia e poluição e simplificação dos relatórios do impacto ambiental. O senhor acha que nesses  relatórios há um certo exagero com a preocupação com o meio ambiente? 

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que... não, note bem: eu não acho que é um exagero não, eu acho que a obrigação de todos nós é produzir sem poluir. Parto desse princípio. Agora, no setor... eu pedi para o setor ferroviário, para o setor rodoviário e para o setor energético que nós temos que andar mais depressa, porque realmente o Brasil está estruturado em uma bacia hídrica enorme, está estruturado naturalmente no setor renovável energético, como cana, como bagaço, como lenha e como energia hídrica, não é? Então, para esse setor, acho que nós temos que andar um pouco mais depressa, porque senão nós vamos ficar para trás. Porque a pior crise que nós podemos ter é a crise por falta de energia; aí é a crise no total, não há o que fazer. Quando faltar energia, não tem o que fazer.

Jorge Escosteguy: O que é que o senhor acha que tem que ser simplificado, ou seja, que coisas desse relatório de impacto ambiental... ?

Antonio Ermírio de Moraes:
[Interromendo] Quer dizer, o relatório... eu acho que todos nós temos que ser responsáveis. O tempo, naturalmente, das análises tem que ser mais rápido, para que as pessoas possam fazer seus investimentos. As próprias concessionárias do governo são todas estatais. Elas têm que andar mais depressa.

Jorge Escosteguy: O senhor fala em relação a tempo, mas não em relação às exigências...

Antonio Ermírio de Moraes: Não, a exigência pode ter mais calma, o tempo tem que ser mais rápido, quer dizer, é preciso saber, por que existe, nós estamos em uma fase inicial, onde existem enormes dúvidas sobre o que pedir, o que solicitar. Então as solicitações vêm assim, devagar. Pede uma solicitação e depois vem outra, depois vem outra, depois vem outra. Então você tem aí relatórios de meio ambiente que demoram dois anos para serem aprovados, três anos para serem aprovados. Isso, para o país, é muita coisa.

Jorge Escosteguy: O senhor acha que, agora, inclusive com a questão da Guerra do Golfo, o senhor acha que nós estamos mais perto ainda de uma crise de energia no Brasil? 

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho [que], se nós não abrimos, se nós não andarmos depressa, sim. Porque você veja o seguinte: no Brasil, o Brasil tem uma reserva de petróleo da ordem de 440 milhões de metros cúbicos. Isso dá para o consumo de seis anos brasileiro. Em termos de petróleo, de barris, se você quiser transformar isso em barris, representa 2,7 bilhões de barris a reserva de petróleo do Brasil. Ora, você pega o Irã, tem 100 bilhões de reserva de barris, o Iraque tem 102, o Kuwait, 98, os Emirados têm 112, até o Egito tem 4,5 bilhões de barris, Israel tem 1,5, Israel; nós temos 2,7 para 150 milhões de brasileiros. Quer dizer, nós temos... a reserva brasileira de 18 barris para cada habitante. Lá fora são 4.600, no mundo está acima de 500 barris por habitante no mundo inteiro. Então o Brasil vai ter, pelo fato de... nós não somos culpados por isso, não podemos culpar a Petrobras. Enfim, nós temos três enormes bacias sedimentadas: do Amazonas, do Maranhão e do Paraná, que, infelizmente, lá embaixo, na base, a rocha pertence ao sistema Paleozóico [era compreendida entre 540 milhões e 245 milhões de anos atrás], Devoniano ou Siluriano [períodos da era Paleozóica], que representa a produção de 2% do petróleo do mundo inteiro. Então, a possibilidade de se produzir em terra o petróleo do Brasil, no momento, é muito difícil, é coisa dificílima. Agora, na plataforma continental existe a possibilidade. Tanto é que dois terços do petróleo do Brasil hoje é produzido no mar e dois terços do gás natural, dos 18 bilhões de metros cúbicos, praticamente 12 [bilhões de metros cúbicos] vêm do mar. Então, você veja que petróleo e gás natural, ambos, 66% vêm do mar, um terço da terra. Logo, na terra é mais barato. A extração de petróleo no mar [...] é seis vezes mais cara que em terra. A mesma coisa fazem com o gás. Agora,...

Jorge Scosteguy: [Interrompendo] O que é que tem que ser feito para evitar essa crise de energia? 

Antonio Ermírio de Moraes: O que nós temos que fazer é construir e levar, pelo menos, uma porção de 5% a mais no setor de álcool, todos os anos, e no setor hidrelétrico. Se nós fizermos isso nós vamos chegar no ano 2000 com cerca de 80 milhões de quilowatts instalados no Brasil, 80 milhões sobre 213, sobre 200 para facilitar o seu cálculo, 40% do total da reserva brasileira.

Jorge Scosteguy: O senhor acha o Pró-álcool um programa positivo, então? O senhor acha que ele funciona?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que sim, pelo seguinte: nós falamos em ecologia. O álcool é o álcool metílico. A fórmula do álcool metílico é C2H5OH. Você pega a gasolina é hexana, heptana ou octana. Hexana é C6H14; heptana, C7H16 e hoctana, C8H18. Cada carbono...

Jorge Scosteguy: Isso, para nós e para os telespectadores, é grego. 

Antonio Ermírio de Moraes: Não, é grego, mas eu quero explicar isso para você. Como você tem apenas dois carbonos no álcool, você tem... Pega na gasolina, em média, sete carbonos. Cada carbono produz 3,7 quilos... cada quilo de carbono [gera] 3,7 quilos de CO2 [gás carbônico, considerado o principal gás causador do efeito estufa]. Todo mundo fala do efeito estufa, todo mundo nos atinge com o desmatamento da Amazônia. Ora, a produção de álcool no Brasil é profundamente benéfica para a emissão de CO2. Ninguém pode acusar o Brasil de estar causando o efeito estufa. Pelo contrário, o desmatamento no mundo inteiro é de 20% do total de carbono jogado na atmosfera. Só o automóvel joga meio bilhão de toneladas de carbono por ano na atmosfera. Ora, no Brasil nós temos um programa hídrico que não joga carbono nenhum, não polui. E um sistema de álcool que polui muito menos. Quer dizer, você põe então duas moléculas de carbono, vão liberar sete quilos - vamos dizer - de CO2. Agora, quando você tem sete quilos de CO2, vão liberar quase 28 quilos de CO2. Então é uma resposta para aqueles que são detentores das reservas de carbono mineral e de petróleo: “vocês é que estão poluindo, não nós!”. Agora, para isso é preciso ter autoridade e dizer para a turma: “não, senhores, vocês é que estão poluindo. Nós não vamos aceitar essa conversa que está dizendo que é o Brasil que está causando efeito estufa através do desmatamento. Isso é mentira.". Eu não aceito. Como brasileiro, não aceito. Combato.

Jorge Scosteguy: Agora, e a questão do Pró-álcool na economia, quer dizer, ele é um programa positivo? 

Antonio Ermírio de Moraes: Você veja então o seguinte: existe... No Brasil, a minha grande preocupação é a falta de emprego. Nós estamos aqui diante de uma crise, diante de uma recessão. Eu falei para o Tramontina, aqui, que eu acho que vai piorar.  Então a solução... e essa foi a única vez que eu estive com o presidente Collor e ele é testemunha disso, eu passei meia hora conversando com ele sobre agricultura. Eu disse: "o senhor abra uma [...] especial para agricultura, porque pelo menos na agricultura você tem uma mão-de-obra menos especializada, você forma muito mais rapidamente um projeto agrícola, você, em dois anos, tem um projeto agrícola produzindo, quando um projeto na indústria de base demora seis, sete anos para produzir.". Então, você, através da agricultura, une então o útil ao agradável, porque se realmente o Brasil precisa de energia e o álcool já demonstrou... porque o brasileiro tem essa mania, tudo o que é bom para do Brasil nós esquecemos. Afinal de contas, o álcool primeiro era anidro, hoje o álcool é hidratado. Foi uma vitória brasileira para isso. Por que é que não se dá valor para essa vitória brasileira? Os Estados Unidos estão produzindo álcool de milho e já produziram o equivalente a cem milhões de barris, [corrigindo-se] cem mil barris/dia, desculpe. Então é o comércio, eu acho. Quer dizer, agora você vê, nós temos que plantar, porque na hora [em] que faltar petróleo, no ano de 2040, o Brasil está tranqüilo. O resto do mundo vai estar em polvorosa, porque o mundo civilizado, o mundo desenvolvido falhou até o presente momento em se arranjar um substituto para petróleo, você entendeu? E não vai arranjar tão facilmente, porque o substituto é a energia nuclear.  Como naturalmente, do ponto de vista ecológico... existe uma certa razão, porque toda vez que você tem uma explosão nuclear, o período de meia-vida de urânio 230, de plutônio 239, é 24 mil anos. Você escutou falar no iodo 131, você escutou falar do césio 137 de Goiânia [refência ao acidente radiológico de Goiânia ocorrido em 1987, quando um aparelho utilizado para radioterapia de um hospital abandonado foi encontrado, na zona central de Goiânia contaminando gravemente várias pessoas]. A meia-vida de césio são 27 anos. A meia-vida de plutônio 239 são 24 mil anos. Então, aí há um perigo iminente. O que é meia-vida? Significa que, durante 24 mil anos, metade dos átomos demoram para se desintegrar; depois de 24 mil anos, outra metade, um quarto do original, vai se desintegrar em mais 24 mil anos. Daí um oitavo, um dezesseis [avos], um trinta e dois avos, e assim por diante, até...

Luiz Roberto Serrano: Senhor Antonio,...

Jorge Escosteguy: Só um pouquinho, desculpe Serrano. O senhor falou em agricultura. Agora, uma das alegações que se faz é justamente a de que o álcool dizimou a agricultura, a monocultura do álcool dizimou a...

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, a pergunta foi boa. Acho que vale a pena, foi uma boa pergunta que você fez. Há um exagero nesse aspecto. O álcool hoje... no Brasil, existem aproximadamente cinqüenta milhões de hectares agricultáveis. Desses cinqüenta milhões, o álcool ocupa apenas 8%, ou seja, quatro milhões de hectares, 1,5 milhão de hectares para o açúcar e 2,5 milhões de hectares para o álcool. Em um país... você não vai fazer um pró-alcool em Portugal, você não vai fazer um pró-alcool na Itália, você não vai fazer um pró-alcool na Áustria. Mas num Brasil, numa China e num Estados Unidos o pró-álcool é um programa realmente saudável, principalmente quando você precisa dar emprego, não é verdade? E emprego, quer dizer... se você fizer uma coisa correta, sem subsídios exagerados... porque os subsídios, volto a repetir, são um entrave ao progresso nacional.

Jorge Scosteguy: O subsídio fica abrindo e fechando...

Antonio Ermírio de Moraes: Não, mas você cria uma autosuficiência energética. Você cria, além de o álcool ser necessário ao combustível, você também vai criar -  é uma questão só de tempo, e nós temos gente muito capaz para isso; eu acredito muito no valor, na capacidade e na inteligência do homem brasileiro - nós vamos criar o programa do álcool fino, o programa de química fina do álcool. A família do álcool é enorme, do álcool etílico, não é? Você lembra quando veio o metanol também para cá? Você pode trabalhar com o metanol. Não tem nada em contrário do metanol também. Sobre níveis de poluição, ele polui metade do álcool etílico, porque tem só um carbono, não é?

Armando Ourique: Doutor Ermírio, como é que o senhor pode, com o petróleo a vinte dólares e com a perspectiva até de queda do preço do petróleo, ter um programa do álcool sem um forte subsídio?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, aí você vê o seguinte: você tem que dar o preço do álcool, um preço razoável, quer dizer, você tem que dar um preço justo. Não adianta dar subsídio. Tem que dizer o seguinte: porque o brasileiro tem que ser bem acostumado. Porque o resto do mundo ainda não está bem acostumado, não é? Se olhar tranqüilamente o que é essa guerra que nós estamos sofrendo no Oriente no momento? [Guerra do Golfo] É uma guerra realmente para você ter combustível barato para os países desenvolvidos. Cruamente é exatamente isso, não é? Então eu tenho minha gasolina barata, não quero pagar mais do que "xis" dólares por galão e ponto final. Eu não pago mais de um dólar. Quando sobe para US$ 1,20 a turma berra, a sociedade toda berra etc.

Luiz Roberto Serrano: Barato, mas não é muito. Por isso que o presidente Bush quer que baixe, mas não muito, a ponto de prejudicar a própria indústria americana.

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] Bom, porque você veja o seguinte, quem é que lucra mais com essa crise do petróleo? Se você for aos Estados Unidos, em certas áreas que eram áreas mineradoras no passado e que hoje estão exauridas, você vê que essas cidades se remodelaram todinhas. Você pergunta: "por que houve isso aqui? Por que essa remodelação, essa maravilha arquitetônica?". Foi a crise do petróleo de 1973 que fez isso. Eles também lucram, porque certos postos que estavam absolutamente - vamos dizer - exauridos a um petróleo de dez dólares o barril, na hora em que ele foi para vinte, trinta dólares foi uma beleza,. Eles começaram a voltar, a serem reativados, não é? Não só o petróleo como o gás também. Então eles também têm a sua parcela de lucro nesse aumento do preço de petróleo.

Armando Ourique: Mas, enfim, o senhor acha que o preço do álcool vai...? [gesto de que vai aumentar]

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que tem que ser um preço justo, dizer ao brasileiro: "Esse aqui é um produto nacional, quer dizer, é a sua cota de sacrifício para você poder andar.".

Armando Ourique: Mas aí ninguém vai ter carro a álcool, não é?

Jorge Escosteguy: Mais uma?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, mas não tem outra solução. E no dia [em] que acabar o petróleo, você vai fazer o quê?

Armando Ourique: Mas daí até lá...

Antonio Ermírio de Moraes: Bom, mas até lá... mas você tem que pensar. Você não faz um programa desse em um fim de semana.

Jorge Scosteguy: Quer dizer, o senhor acha que tinha que tirar o subsídio e aumentar o preço?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, tirar o subsídio e aumentar o preço. [...] e diz: "Muito bem, esse aqui é o preço.". Agora, toda vez que você tiver... e faz uma campanha através da televisão. Isso é uma campanha de nacionalismo sério. Você está usando álcool em vez de petróleo. O barril de petróleo custa tanto para nós, você está economizando divisas para a nação. Afinal de contas, todo mundo sempre fez isso. Os japoneses... [...] em fazer isso. Pouco tempo atrás, o que aconteceu? Houve um movimento no Japão para liberar também a importação de arroz. O que aconteceu? Houve um desfile enorme dos produtores de arroz dentro de Tóquio, quase tocaram fogo na cidade, porque proibiram, porque o arroz japonês custa quatro vezes mais caro do que o arroz da Indonésia. Importaram? Não! Não importaram. Porque é um movimento patriótico: “isso aqui é nosso, aqui vai continuar essa tradição.”. Agora, que mal há nisso? Porque no dia em que acabar o petróleo...

Luiz Roberto Serrano: Se fizer isso no Brasil, vão chamar o senhor de cartel.

Antonio Ermírio de Moraes: O que se pode fazer? Podem chamar do que quiser, não é? [risos]

Jorge Scosteguy: O Fernando tem uma pergunta para o senhor. Por favor.

Antonio Ermírio de Moraes: Até teria um sobrenome simpático, Antonio Cartel, não é?

[Risos]

Jorge Escosteguy: Fernando, por favor.

Fernando Pressiotta: Doutor Ermírio, eu queria voltar um pouco aqui à questão do Plano, junto com essa questão do álcool e da gasolina e eletricidade, que é a questão do investimento. Quer dizer, a gente só vai conseguir investir nisso, em energia, quando o país tiver um equilíbrio maior do ponto de vista econômico, e isso, segundo o senhor, só vai ser possível com um pacto, uma negociação ampla entre os trabalhadores, empresários e governo. Trabalhadores reclamam de salário sempre arrochado, perda atrás de perda por causa da média [reajuste pela média da inflação].

Antonio Ermírio de Moraes: Correto, correto, correto.

Fernando Pressiotta: O empresário reclama de preço e juros.

Antonio Ermírio de Moraes: Quer juros de 12%, não é? Está na Constituinte.

Fernando Pressiotta: E o governo reclama da falta de arrecadação, da falta de recurso. Como que...?

Antonio Ermírio de Moraes: Calma que já são três incógnitas. E uma equação que apresenta três incógnitas, e nenhuma conhecida, é impossível de ser resolvida, não é?

Fernando Pressiotta: Mas o senhor diz que a questão é através do pacto. Como fazer esse pacto?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho... eu disse a você no primeiro tempo: "você precisa lutar para que todos, e nós também, estejamos de tal maneira depauperados que ou nós fazemos um pacto ou o país está perdido.". Mas evidentemente, enquanto restar um pouco de oxigênio, cada um luta pelo seu; na hora [em] que estiver todo mundo sem oxigênio, a solução é esta: vamos sentar na mesa e conversar, não é?

Fernando Pressiotta: O senhor não acha... ?

Antonio Ermírio de Moraes: Cada um tem que abrir mão de suas prerrogativas e suas... não é?

Fernando Pressiotta: O senhor não acha que o presidente Fernando Collor perdeu uma grande chance, com quase quarenta milhões de votos, em fazer esse... tocar esse pacto para frente em vez de ter feito aquele plano, ou junto com o plano?

Antonio Ermírio de Moraes: Essa é uma opinião que eu não gostaria de dar, porque é muito fácil sentar nessa cadeira e dizer assim: "Não, é isso mesmo, está certo.", mas precisa ver os problemas que ele enfrenta para tentar fazê-lo, que não são fáceis.

Jorge Scosteguy: Não, mas alguém tem que dizer, não é, doutor Antonio?

Antonio Ermírio de Moraes: Hein?

Jorge Scosteguy: Alguém tem de dizer a responsabilidade das elites.

Antonio Ermírio de Moraes: Bem, eu acho que as elites do Brasil deveriam ser - eu ponho no futuro do pretérito - deveriam ser mais responsáveis.

Carlos Tramontina: O senhor demitiu funcionários nesse período de recessão?

Antonio Ermírio de Moraes: [Demiti] 5%, Tramontina.

Jorge Scosteguy: Significa quantos mil?

Antonio Ermírio de Moraes: [Esses] 5% querem dizer que nós demitimos dois mil homens.

Luiz Roberto Serrano: Doutor Antonio, o senhor disse aqui, de passagem - e eu queria aprofundar esta questão - disse que a recessão vai piorar. Geralmente, depois desses pacotes, o consumo explode um pouquinho.

Antonio Ermírio de Moraes: É verdade, é verdade!

Luiz Roberto Serrano: Tem aquela bolha de consumo, a produção aumenta, bom, aí os preços sobem, porque falta produto. O senhor acha que vai acontecer o contrário desta vez?

Antonio Ermírio de Moraes: Se houver um congelamento sério, que você não possa realmente reajustar os seus preços de maneira alguma, então acontece que você tem que deixar, desistir de produzir. Eu falei sob esse aspecto, porque, já que eu não posso reajustar, qual é a solução? É parar.

Armando Ourique: Esse é o seu caso, Ermírio?

Antonio Ermírio de Moraes: Tem certas áreas que eu estou pensando seriamente nisso. O que eu posso fazer?

Armando Ourique: Em que áreas?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não posso revelar, porque senão vai trazer pânico na praça, mas nós estamos considerando isso.

Jorge Escosteguy: Aí a concorrência vai...

Armando Ourique: Como [é] que seu grupo foi pego pelo Plano? Aumentou muito o custo?

Antonio Ermírio de Moraes: No primeiro? No primeiro?

Armando Ourique: Nesse segundo.

Antonio Ermírio de Moraes: Nesse segundo?

Armando Ourique: Nesse segundo, Plano Collor 2, houve o tarifaço sobre o petróleo, sobre a energia...

Antonio Ermírio de Moraes: Mais ou menos, os custos aumentaram dentro do governo... entra cimento e alumínio, que o cimento e o alumínio representam 60% do faturamento do grupo, da ordem entre 25% a 30%, alumínio 30%, cimento 20%, 25%. Direto. Depois tem mais os indiretos, que são os transportadores que, hoje, por exemplo, nós já temos uma greve no estado do Rio, dos transportadores de cimento que não querem transportar, porque naturalmente precisam de reajustes e o reajuste está congelado. Então,...

Jorge Escosteguy: O senhor falou "se o congelamento for sério". Ou seja, o senhor acha que o congelamento, sério ou não, não funciona e não deveria existir?

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] Eu não posso falar, nem sou contra, quer dizer...

Jorge Escosteguy: Não, eu digo no caso de... o senhor disse que se for sério vai ser ruim?

Antonio Ermírio de Moraes: Para quem leu os jornais... se você leu hoje, a prefeitura de Santos aumentou o [preço do] transporte urbano, a prefeitura de São Paulo aumentou, a do Rio de Janeiro aumentou, a de Curitiba aumentou.  Quer dizer, todo mundo está aumentando. Então, eu falo para você: esse é um congelamento sério ou é um congelamento... ? Agora, é evidente que eu respeito o ponto de vista da prefeita Erundina [então prefeita de São Paulo], quando ela fala "Eu sou do município e o município não tem que, naturalmente, dar satisfações ao governo federal.". É uma atitude corajosa a dela. Agora, se todo mundo começar... Eu não sei se você viu, até uma dessas montadoras já disse: "Não, o meu aumento de 20% é para valer, porque eu anunciei antes do plano e eu vou continuar com o aumento de 20%.".

José Marcio Mendonça: Doutor Antonio Ermírio, [...]...

[Sobreposição de vozes]

Antonio Ermírio de Moraes: Dessa maneira a coisa deteriora, né?

José Marcio Mendonça: O senhor ainda está com o dinheiro preso [refere-se ao confisco do Plano Collor]? Eu acho que o senhor é o único empresário brasileiro que ficou com o dinheiro preso.

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, tem muita gente aí. Eu recusei fazer todo tipo de mutreta que foi proposta dentro da sociedade.

José Marcio Mendonça: É verdade que o senhor é o único empresário que tem dinheiro preso?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não sei se sou o único, mas nós temos cerca de 320 milhões de dólares presos.

Jorge Escosteguy: O senhor conhece algum?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não me pergunto essas coisas, viu. Eu acho que cada um... eu não tenho o direito de perguntar essas coisas para os outros e eu nem quero perguntar.

Armando Ourique: Com 320 milhões de dólares presos o senhor não vai... ?

Antonio Ermírio de Moraes: Eram 320. Hoje, naturalmente, deve estar reduzido em 110, 115 e vão nos pagar uns 10, viu?

[Risos]

Luiz Roberto Serrano: Mas o senhor acha que vão pagar?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas é claro que vão pagar. Vão dizer que vão pagar, mas pagam uns tostões: “Está aqui: duas moedas para vocês. Deixem os trezentos junto comigo.”.

Armando Ourique: O senhor não pretende usar esses cruzados para comprar participações em empresas estatais?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas comprar o quê? Eu preciso desses cruzados é para sobreviver, a coisa é muito mais séria do que você está pensando, meu filho! Eu preciso dos cruzados liberados para sobrevivência, não é para comprar coisa nenhuma. A sua idéia...

José Antonio Rodrigues: Como, doutor Antonio, o senhor chega a esse ponto de baixar mais a produção do que... ?

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] Eu já falei isso à ministra Zélia, quer dizer, eu venho tentar...

Luiz Roberto Serrano: ... baixar ou parar?

Antonio Ermírio de Moraes: Parar. Baixar não adianta, porque quando você baixa, o custo sobe. Ou você pára em definitivo e esquece.

Luiz Roberto Serrano: Doutor Ermírio, um empresário como o senhor [...], mesmo não falando os setores, é uma coisa importante.

Antonio Ermírio de Moraes: Não, mas estou dizendo para vocês que os cruzados retidos não são para comprar coisa nenhuma, são para sobrevivência, pelo amor de Deus! Que isso fique bem claro, é para sobrevivência, não é para comprar coisa nenhuma.

Armando Ourique: Enquanto o senhor não está com esses cruzados, o senhor está captando recursos de terceiros?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu sou obrigado inclusive a pagar imposto em cruzeiro sobre cruzados retidos, meu caro amigo. Você acha isso justo? Eu tenho que levantar cruzeiros para pagar imposto de renda sobre cruzados retidos que estão lá, que eu não posso sacar, que eu não posso usar.

Armando Ourique: E o senhor está se financiando? Como é que o senhor faz com a falta desses cruzados?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu tenho que inlcusive procurar bancos, coisa que há vinte anos eu não ia para o setor financeiro. Não, agora sou obrigado a ir, a juros extremamente pesados, não é?

Armando Ourique: O senhor espera receber esses cruzados?

Antonio Ermírio de Moraes: Aí chega um limite, chega uma hora [em] que você não pode saldar. Tem uma hora que, em vez de você tomar mais, é melhor parar e não insistir, porque senão você quebra.

Armando Ourique: O senhor espera receber os cruzados a partir de setembro?

Antonio Ermírio de Moraes: [Antonio Ermírio ri] Eu já disse a você: eram 320 milhões de dólares, talvez eu receba aí uns dez mil dólares no final, no frigir dos ovos; quem sabe eles vão nos pagar uns dez, em 12 prestações, não é?

Carlos Tramontina: Eu queria um esclarecimento do senhor.

Jorge Escosteguy: O senhor acha que é possível o governo devolver, recolocar todo esse dinheiro no mercado, de novo?

Antonio Ermírio de Moraes: Se colocar, vai ser uma inflação brutal. Esse é outro aspecto. Então você pega a inflação, quer dizer, do acordo do salário de julho, a inflação do retorno desse dinheiro a partir de setembro, você vê o que espera a gente, não é?

Jorge Escosteguy: O senhor diz que precisa dos seus milhões ali para sobreviver.

Antonio Ermírio de Moraes: É para a sobrevivência.

Jorge Escosteguy: O aposentado, o trabalhador que teve o seu dinheiro preso, também precisa dele?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas é claro, mais do que eu...

Jorge Escosteguy: Agora, se colocar esse dinheiro...

Antonio Ermírio de Moraes: Isso não é uma questão de vaidade. Você sabe muito bem, eu preciso continuar com o meu plano de expansão.

Jorge Escosteguy: Mas se colocar esse dinheiro no mercado, como o senhor disse...

Antonio Ermírio de Moraes: Eu posso parar com meu plano de expansão amanhã, não é? Agora, só que demite sete mil homens, não é?

Jorge Escosteguy: Mas, como o senhor disse, se colocar esse dinheiro no mercado vai ser uma explosão inflacionária. E aí?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, meu filho, o que eu posso fazer? Quem tomou o dinheiro não fui eu. Foram eles que confiscaram o dinheiro.

Luiz Roberto Serrano: Mas o senhor que tem uma empresa desse tamanho, está tão sem fôlego, qual é o quadro maior então?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que o quadro é por aí.

Rodolfo Konder: O senhor acha que vem uma onda de quebradeiras?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, eu acho que tranqüilamente. Isso vai ser uma coisa... se for para levar, se todo mundo teve seus custos aumentados em 25, 30%, meu filho, eu acho que, se ficar três meses sem repassar coisa nenhuma, eu acho que vai [haver uma onda de quebradeiras].

Armando Ourique: [Interrompendo] Bom, aí, como o senhor falou, quais foram os reajustes que as empresas praticaram, preventivamente, em algumas semanas?

Antonio Ermírio de Moraes: Agora - pois é - aí que está um negócio. Agora,  eu estou dizendo isso para quem se comportou, quer dizer, procurando pensar em Brasil e não no bolso próprio. Então, de uma maneira geral, eu não quero dizer a você... eu não me considero nenhum santo. Eu sou um homem com qualidades e defeitos igualzinho a vocês, não tem diferença nenhuma. Agora, a gente procura ser correto, olhar para o Brasil em primeiro lugar, para o bolso próprio em segundo lugar. Primeiro é a nação. Nós não fizemos nenhuma mutreta para retirar cruzados retidos. Nós não aumentamos preços acima do BTN, às vezes muito abaixo do BTN, porque o mercado também não comportava. Nós não fizemos nenhum confronto com o governo. Por isso é que eu digo, eu não sei por que é que o Planalto está zangado conosco. Eu não sei por quê.

Jorge Escosteguy: O senhor conversou com ele [presidente Collor] meia hora, o senhor nos contou aqui, o senhor não perguntou para ele... ?

Antonio Ermírio de Moraes: Sobre agricultura, [conversei com Collor] sobre agricultura. Nunca pedi nada. Aliás, quando ele saiu...

Jorge Escosteguy: O senhor não perguntou para ele por que é que ele estava zangado com o senhor?

Antonio Ermírio de Moraes: Não perguntei. Depois é que vieram me dizer isso.

Armando Ourique: A propósito, senhor Antonio, como é que vai o processo? Eles moveram um processo contra o senhor, não é? Por chamar... ?

Antonio Ermírio de Moraes: Ah, aquele processo! Aquilo até me causou uma certa estranheza, porque, afinal de contas, eu não sei por que o governo tem que ficar tão assustado, se eu disser a vocês. Eu acho que a figura do administrador é o homem que naturalmente procura manter a corrupção ao grau mínimo, não é verdade? Ela existe, ela é quase que inerente à sociedade, não é? É o administrador que tem que manter essa corrupção ao mínimo. Agora, toda vez que o governo disser: "Eu acabei com a corrupção.", eu acho que é uma inexperiência brutal administrativa, porque ninguém acaba com a corrupção. Você pode diminuí-la - a intenção é diminuí-la ao máximo -, mas acabar com ela você não acaba.

Armando Ourique: O senhor acha que eles diminuíram?

Antonio Ermírio de Moraes: Não sei, quer dizer, eu não vivo em Brasília. Eu vivo longe de Brasília, graças a Deus.

Armando Ourique: Eles pediram uma retratação do senhor. O senhor fez essa retratação?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu tive uma conversa com o ministro Passarinho. Até hoje eu não recebi a comunicação, e devo receber, naturalmente, essa comunicação.

Armando Ourique: O senhor vai fazer a retratação?

Rodolfo Konder: O ministro... o senhor acha que [ele] é um bom articulador político?

Antonio Ermírio de Moraes: Depende muito da ação dele. Eu não tenho que fazer retratação nenhuma. O que eu falei... afinal de contas, eu apenas fico surpreso, quando eu vejo que o governo fica muito surpreso quando... Eu disse apenas que seria uma injustiça, que ali em Brasília existe ladrão. Que todo mundo rouba no governo, não! Mas que há muita gente que rouba, há! Ué, e isso existe em qualquer sociedade. A nossa função é mantê-la [a corrupção] ao mínimo, não é?

Rodolfo Konder: A sua relação com o ministro Passarinho é boa? Ele é um bom articulador político?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho, eu acho uma excelente pessoa. Eu acho um homem responsável, um homem que tem cabelos brancos, um homem que sabe negociar. Quer dizer, um homem sério, um homem profundamente modesto, um homem que vive realmente uma vida extremamente séria, viu? Eu acho que é até um exemplo para o resto do governo. Eu gostaria que mais homens dentro do governo olhassem para a vida particular do ministro Passarinho. Deviam tomar a vida particular do Passarinho como exemplo, viu? Estive na casa dele e foi até difícil encontrá-lo na casa dele, esse é exemplo para todos demais.

Carlos Tramontina: Doutor Ermírio, o senhor falou que demitiu dois mil funcionários, que significam 5% do total.

Antonio Ermírio de Moraes: É verdade.

Carlos Tramontina: O que isso significa na rotatividade normal do grupo? É pouco, é muito ou é  normal?

Antonio Ermírio de Moraes: Não. É muito! Nós nunca, Tramontina... a primeira vez...

Carlos Tramontina: Dois mil não. Agora, se o senhor chegar ao limite que o senhor se referia agora há pouco, isso poderá significar, por exemplo, a parada desse plano de expansão, que seriam sete mil pessoas?

Antonio Ermírio de Moraes: Sete mil homens, automaticamente, exatamente. Seria uma pena. Eu acho que eu tenho a obrigação, e foi  talvez... eu disse até para o ministro, eu acho que eu fiz um erro, porque no dia seguinte ao Plano Collor, no dia 14 de março, eu devia ter parado todas as expansões. Mas como eu acreditei no Brasil, eu continuei com as expansões, achando que eu podia arranjar recurso para poder tocá-las, porque as expansões são feitas, Tramontina, a custa de recursos próprios, viu? Nós praticamente não devemos nada para o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], nem coisa nenhuma. Você começar a tomar dinheiro do BNDES é o começo do seu fim, é o começo, naturalmente, de um fim, é um fim solene, mas é o começo do fim. Então, a gente procura... no passado, os lucros que nós tivemos foram sempre reaplicados em modernizar a indústria. Fala-se muito quanto ao cimento, por exemplo. O que a indústria de cimento fez, pelo fato de ela ter começado no Brasil por volta de 1934 - foi quando começou a indústria de cimento no Brasil -, ela era uma indústria que trabalhava com um processo chamado “via úmida”, porque gastava muito óleo. Então, o que aconteceu? Durante esses últimos dez anos, toda a indústria cimenteira foi modificada de “via úmida” para “via seca”. Então, essa modificação poupa à Petrobras cerca de 12 milhões de barris de óleo por ano. A substituição de óleo por carvão mineral ou por carvão vegetal poupa outros dez milhões de barris por ano. Quer dizer, a indústria cimenteira está poupando para a Petrobras um mês de produção de óleo nacional. Ninguém fala isso! E o investimento feito pela indústria, investimento de capital próprio, de todas as indústrias cimenteiras no Brasil, foi de três bilhões de dólares, para fazer essa modificação. Hoje, ela tem condições de competir. Por exemplo, pode trazer a tarifa para zero. Quem que importou? Ninguém! Por quê? Porque o preço aqui é mais barato.

Jorge Escosteguy: Doutor Antonio, o telespectador Luiz Antonio Pagote, de São Paulo, ele diz que, se o senhor tem tanta vontade de consertar o país, por que não volta a se candidatar? Porque o senhor disse que não vai mais entrar para a política. E o Paulo Novisco, aproveitando a carona, de Peruíbe, no litoral, pergunta se o senhor vai se candidatar à Presidência da República?

Antonio Ermírio de Moraes: Imagina, quem sou eu para me candidatar à Presidência da República? Eu tenho senso de crítica, de autocrítica, não é?

Jorge Escosteguy: Mas e a política? Se o senhor tem tanta vontade de consertar o Brasil, por que não volta a se candidatar?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, vontade a gente tem, porque a razão é muito simples. Eu cheguei, em 1986, eu cheguei à seguinte conclusão: se eu não fizer acordos com partidos que eu não considerar corretos, eu não me elejo! Então, você precisa fazer acordo com gente que você não quer. Você, enfim, em vez de ajudar aqueles que estão precisando de você, que precisam da sua ajuda, para que eles possam sair da miséria para uma posição razoável, você não vai ajudar. Você vai ajudar a classe que te cerca, que, via de regra, não é muito aconselhável. Então, foi a essa conclusão triste a que cheguei, viu? Então, eu achei que eu não podia fazer nada pelos menos favorecidos. [Para] não fazer nada pelos menos favorecidos, então eu fico na minha casa. Eu entrei com intenção de realmente ajudar aqueles que precisavam, aqueles que são menos favorecidos pela sorte, mas cheguei à conclusão [de] que o meio político não deixa. Então, eu fiquei decepcionado e falei: "então até logo e passe bem.".

Jorge Escosteguy: Mas o senhor apoiou um candidato ao governo do estado de São Paulo?

 Antonio Ermírio de Moraes: Bom, isso é outra coisa.

Jorge Escosteguy: Bom, mas um candidato... se todos os candidatos são obrigados a fazer acordos que não gostam com outros partidos?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas dá licença, eu apoiei. Agora, não tinha solução, quer dizer, você não tem que votar em alguém? Então você faz uma análise daquilo que você acha que é... naturalmente, que pode servir melhor o estado e ponto final. Eu acho que isso é uma obrigação. Uma coisa é você se candidatar, outra coisa é você emitir uma opinião sobre um candidato que está lá no meio, que conhece aquele meio, que participa desse meio. Eu nunca participei desse meio. Eu entrei para a política já meio idoso. Então, talvez eu tenha entrado muito tarde. Talvez se eu tivesse entrado aos 25 anos de idade, talvez eu pudesse me dar melhor, mas eu não consigo fazer esse tipo de acordo. Quantas vezes me foi oferecido para fazer acordo com televisão e "Eu quero isso, isso...", "Eu quero tantos cargos.", "Eu quero a diretoria financeira da Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo], da Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista], da Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo].", "Eu quero duas secretarias para me aposentar para o resto da vida."; esse tipo de coisa eu não aceito e ponto final. Não faço acordo com esse tipo de gente!

Jorge Escosteguy: A conversa era assim, franca?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu queria ter um gravador para mostrar a vocês uma porção de coisas, eu não posso falar. O Rodolfo sabe. O Rodolfo está me acompanhando há muito tempo.

Armando Ourique: Sem fazer acordo a campanha fica muito cara?

Antonio Ermírio de Moraes: Fica, claro, quer dizer, agora foi feita às nossas custas, não é verdade? Geralmente a campanha... dizem os entendidos que sempre há um saldo positivo. Esse saldo bate asas e fica por ali. Agora, o nosso caso foi tudo negativo, sabe?

Armando Ourique: Foi muito prejuízo?

Antonio Ermírio de Moraes: Foi pesado, mas em relação ao que eles estão gastando hoje, foi ninharia.

Luiz Roberto Serrano: Mas por que o senhor se candidatou em 1986? O senhor antes já dizia que, a exemplo do seu pai, já...

Antonio Ermírio de Moraes: É verdade.

Luiz Roberto Serrano: ... já fazia com que o senhor se resguardasse disso. Aí o senhor teve que fazer outra opção?

Antonio Ermírio de Moraes: Ali foi uma história... foi uma história o seguinte: quando o doutor Olavo Setúbal disputava a indicação pelo PFL [Partido da Frente Liberal] e quando ele foi banido do PFL por manobras escusas, eu fui chamado à Brasília, e em Brasília me garantiram, pediram... disseram que São Paulo - 50% da nação - precisa ser bem administrado.

Jorge Escosteguy: O senhor foi chamado por quem, doutor Ermírio? Desculpa.

Antonio Ermírio de Moraes: Pelo presidente [José] Sarney. São Paulo precisa ser bem administrado. Se São Paulo for bem administrado, você tem todo o meu apoio. Só que esse apoio durou pouco tempo, na verdade. E eu, talvez, até do ponto de egoísta, eu quero fazer uma análise muito sincera. Lá no fundo, quem sabe uma sementezinha [anunciando:] "Chegou a oportunidade de você mostrar o que você sabe fazer etc.", mas acreditei e me dei mal.

Luiz Roberto Serrano: O senhor foi ingênuo?

Antonio Ermírio de Moraes: No dia 4 de setembro ele me chamou de novo em Brasília. É por isso que o doutor Fernando Collor não tem razão para me querer mal. Foi no dia seguinte do desastre do avião da Vasp, lá em cima, no Pará [refere-se provavelmente ao acidente com o avião Varig 254, ocorrido em 3 de setembro de 1989, em que morreram 14 pessoas ao fazer pouso forçado em área próxima Serra do Cachimbo, no Pará]. No dia 4 de setembro - foi uma segunda-feira - essa moça que está aqui, a Maria Lúcia, foi quem atendeu o telefone. Era o presidente Sarney que me telefonava de São Luiz, pedindo para eu ir à Granja do Torto [Residência Oficial da Granja do Torto, uma das residências mantidas pela Presidência da República. É uma propriedade localizada no bairro da Granja do Torto, Região Administrativa I de Brasília] conversar com ele, em uma segunda-feira, às oito [horas] da noite.

Jorge Escosteguy: Desculpe, eu não entendi. Ele o chamou pela segunda vez, por isso o presidente Collor não pode lhe querer mal?

Antonio Ermírio de Moraes: Chamou. Aí ele queria que eu disputasse a Presidência da República e eu disse: "não, a minha condição é de aritmética, presidente Sarney.". Mas só que dessa vez eu levei um testemunho - não é? -, porque da primeira vez eu fui sozinho e me dei mal, e da segunda vez eu levei um testemunho.

Jorge Escosteguy: O senhor acha que o presidente Collor não deve lhe querer mal porque se o senhor disputar o senhor levaria?

Antonio Ermírio de Moraes: Mas seria evidente. Eu ia tirar voto de quem? Do Lula, por um acaso? Ou do Brizola que estava em segundo lugar? Claro que não! Não vamos ter ilusão sobre isso. Tem muita gente aí com quem eu me dou até muito bem, com a área do PT [Partido dos Trabalhadores], com a área do PDT [Partido Democrático Trabalhista]. Graças a Deus eu sou.... eu sou... eu não tenho atrito com esse pessoal. Eu passo lá em frente ao Teatro Municipal, onde estão as cabaninhas instaladas do PT, todo mundo me cumprimenta, todo mundo fala com a gente. Não tem essa besteira toda. Eu trato todo mundo por igual, eu respeito os homens como seres humanos, independente da minha ideologia. Para mim são todos gente.

Jorge Escosteguy: Agora, como fica, doutor Antonio... o senhor critica duramente a classe política e eu me recordo que, durante o regime autoritário, uma das coisas que os militares faziam eram criticar muito, principalmente a representatividade, o Congresso Nacional, em uma tentativa de desmoralizá-lo, ou seja, se a gente não tem essa saída política, que saída se pode ter para o país?

Antonio Ermírio de Moraes: Não. A saída é a política mesmo. Nós temos que ter uma classe política atuante, uma classe política correta. Eu gostaria de ver, por exemplo, o Brasil... a primeira coisa, eu começaria a acreditar muito nessa nação no dia em que acabassem as imunidades parlamentares; primeira coisa. Porque eu acho que um homem que vai para lá tem que dar o exemplo. Se amanhã ele proceder errado, ele tem que ser julgado como um simples indivíduo. Agora não, ele realmente... ele, a primeira coisa, ele tem imunidade parlamentar. Eles são intocáveis lá dentro. Eu acho que não existe intocável, esse negócio de intocável. Nós temos que ser julgados pela Justiça, pelos nossos atos. Se nós procedermos errado, nós temos que pagar aqui mesmo pelos nossos atos mal feitos. Agora, lá não. Eles começam com esse troço... O dia [em] que o Brasil tiver realmente uma coisa séria é o começo de um Brasil diferente, um Brasil novo.

Jorge Escosteguy: O senhor falou em presidente Sarney. O presidente Sarney foi eleito senador pelo Amapá. O que o senhor acha disso?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, isso eu acho até desconcertante, mas não obstante isso, eu, apesar dessas incoerências... quer dizer, que a vida do governo Sarney... ele me convidou para ser ministro da Economia, por exemplo, eu não aceitei. Foi dia 3 de janeiro de 1988. Foi uma luta danada. Começou no Rio de Janeiro e terminou em Brasília.

Jorge Escosteguy: Por que o senhor não aceitou?

Antonio Ermírio de Moraes: No dia 3 de janeiro, depois de uma conversa de quatro horas com o presidente Sarney, eu não aceito.

Jorge Escosteguy: O senhor não aceitou por quê?

Antonio Ermírio de Moraes: Porque eu compreendi qual era o esquema. O esquema era um esquema terrível.

Armando Ourique: Senhor Antonio, o senhor afirmou que nunca foi chamado para uma negociação de pacto social. O senhor se julga bem representado pelos representantes chamados?

Antonio Ermírio de Moraes: Tudo bem, eu não posso, uma vez que eu não fui chamado, eu não quero emitir opinião sobre isso, porque vão pensar que eu sou pretensioso, e eu acho que tudo bem, eu acho que cada um está fazendo o possível. Os homens que estão lá estão procurando [fazer] o melhor possível para poder resolver e fazer um pacto, porque eu não sou indispensável. O que é isso? Eu sempre... eu cedo a minha posição.

Armando Ourique: Aparentemente, na mesa de negociações, os representantes do capital, eles detêm uma parte muito pequena desse capital nacional. Eles podem negociar pelo empresariado?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que, naturalmente, é uma opção. O governo escolheu os homens para negociar, não é verdade? Não cabe ao governo... se ele tem confiança nesses elementos, chama os elementos e converse com eles, então tudo bem. Aí eu não tenho nenhuma objeção.

Jorge Escosteguy: O que o senhor acha que impede a realização do chamado... do tão sonhado pacto social no Brasil?

Antonio Ermírio de Moraes: Isso que eu falei... quer dizer, eu acho que todos nós, cada um tem suas próprias reivindicações e ninguém quer abrir mão delas. Se nós não abrirmos mão de nossas reivindicações, não vai sair pacto nenhum. Os trabalhadores têm algumas reivindicações deles. Nós, empresários, [temos] as nossas reivindicações, o governo...

Jorge Escosteguy: [Interrompendo] O senhor mesmo disse “tudo bem, não fui chamado, eu não quero opinar”, quer dizer, como é que fica?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não quero opinar. Eu tenho opinião formada, mas acho que ela tem que ser mantida para mim. Quer dizer, eu não...

Rodolfo Konder: O senhor não acha, doutor Ermírio, que a adoção do parlamentarismo [sistema democrático de governo cujo poder maior concentra-se na figura do premier ou primeiro-ministro, indicado pelo chefe de Estado e escolhido pelos representantes do povo] facilitaria esse caminho de modernização política no Brasil?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que sim. Eu acho que é uma saída. Bem, já no começo, sinceramente eu relutei muito, eu fui sempre muito contrário ao parlamentarismo. Eu achei que o parlamentarismo... pela educação do brasileiro, nós vamos ter um primeiro ministro a cada 15 dias. Então isso... nós vamos ter um tumulto generalizado e nós corremos até esse perigo, não é?

Jorge Escosteguy: O senhor acha que deve ser antecipado o plebiscito? [Plebiscito de 1993]

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que deveria antecipar... deveria antecipar é a reforma da Constituinte, porque essa Constituinte está empatando o Brasil, está emperrando o Brasil.

Jorge Scosteguy: O senhor também acha que ela é inflacionária, essa Constituinte?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu acho que é uma Constituinte só de obrigações. Ninguém tem deveres para com a pátria, não é? Essa Constituinte conferiu a todos os cidadãos brasileiros apenas regalias, ninguém tem dever para com a pátria.

Carlos Tramontina: Quando o senhor fala "dever para com a pátria", o senhor está se referindo a quê?

Antonio Ermírio de Moraes: A se sacrificar um pouco pela pátria, quer dizer, a negociar. Eu queria ver o Congresso Nacional negociando primeiro em termos de Brasil. Tanto seja do partido... pode ser qualquer partido de esquerda, de centro, de direita, a mim não me interessa. Se ele negociar, tem que negociar o que é bom para o Brasil e não o que é que é bom para o meu partido, o que é bom para o meu companheiro, o que é bom para mim. Enquanto estiver com essa mentalidade, não vai... nós temos que pensar em termos de Brasil. Eu sempre senti, olha, que ao invés de você pensar em esquerda e direita, você tem que pensar em Brasil, você tem que negociar se é bom para o Brasil. Se for bom para o Brasil, você faça com a esquerda e com a direita; se não for bom para o Brasil, não faça com nenhum dos dois.

Luiz Roberto Serrano: O senhor acabou de dizer que, pensando no Brasil, o senhor fez reajustes moderados aos preços de seus produtos e o senhor acabou "entrando bem" [se dando mal]. Não é um bom exemplo, não é?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, não. Eu estou... o que é importante é você ter a consciência tranqüila e eu tenho a minha consciência tranqüila.

Jorge Scosteguy: Agora, o Éder Correia de Moraes, aqui de São Paulo, ele diz que trabalha no departamento de custos de uma empresa, que já recebeu duas ordens de calcular novas listas de preços com os custos baseados, inclusive, em produtos da Votorantim. Ele pergunta por que os empresários fazem questão de não respeitar?

Antonio Ermírio de Moraes: Como assim "custo da Votorantim"? A Votorantim pedindo para reaver... ?

Jorge Scosteguy: Na lista de preços, novos produtos com base nos custos inclusive de produtos que ele compra.

Antonio Ermírio de Moraes: Mas ele está no telefone? Pergunta que preços são esses?

Jorge Scosteguy: Não, ele telefonou e...

Antonio Ermírio de Moraes: Mas isso aqui é...

Jorge Escosteguy: Mas, enfim, ele pergunta por que é que os empresários insistem em não respeitar. O senhor falou que tem que ter patriotismo.

Antonio Ermírio de Moraes: Nós estamos respeitando, nós estamos respeitando. Não tenho nada com isso, sempre respeitamos.

Jorge Scosteguy: Não, eu digo, de uma maneira geral, os empresários...

Antonio Ermírio de Moraes: Não sei. Eu não posso responder pela cabeça dos outros, não é?

Armando Ourique: Antônio Ermírio,...

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não posso responder pela cabeça dos outros. Cada um manda na sua própria cabeça, no seu próprio raciocínio. Lamento que posicionam dessa maneira, mas...

Armando Ourique: E pensando sob esse ponto, como é que o país poderá sair desse plano? Quer dizer, o senhor está se referindo... que os seus preços estão muito defasados. Então, evidentemente, se chegar a um ponto limite, de uma grande escassez de seus produtos por redução de produção, eventualmente haverá um relaxamento desse programa.

Antonio Ermírio de Moraes: Não sei, quer dizer, se não houver, você vai ter que colocar a "viola no saco" [desistir] e até logo, passe bem, eu posso fazer o quê?

Armando Ourique: Se fosse assim, pensando em um limite, no momento em que relaxar os controles - eu estou pensando -, talvez do senhor não seja tanto o caso, mas se é que muita gente ficou defasado... quem ficou defasado no final do programa, todo mundo vai aumentar os preços?

Antonio Ermírio de Moraes: [Interrompendo] A rigor, eu sei o que você vai dizer. A rigor, vamos dizer, se você tivesse um plano mais... vamos dizer, não digo mais consciente, mas mais justo, o que é que você tinha que fazer? Você tinha que pegar aqueles que aumentaram acima da inflação e trazer de volta para a inflação, e aqueles que aumentaram abaixo da inflação trazer para a inflação. Muito bem, está todo mundo nivelado. Então agora vamos ter seis meses de congelamento - não é [um período de] três meses, é [de] seis meses - e vamos tentar ver. Agora, quem afrontou o governo, saiu vitorioso; quem não afrontou, saiu perdedor! Não me parece muito justo isso. É a mesma coisa com os trabalhadores.

Armando Ourique: Se essa sua inflação... e se ela...

Luiz Roberto Serrano: Mas pode haver negociação aí do tipo de ter um mês e vai lá.

Armando Ourique: Por isso que é necessário realmente haver um pacto para discutir isso tudo.

Antonio Ermírio de Moraes: Diz a ministra [Zélia], naturalmente, que ela não abre mão dessa negociação, que ela mesmo é quem vai estudar através do DAP [Departamento de Abatecimento e Preços] e esse tipo de coisa, não sei.

Luiz Roberto Serrano: A lei diz que os preços não estão congelados, diz  que só podem haver aumentos sob a autorização da ministra.

Antonio Ermírio de Moraes: Claro.

Luiz Roberto Serrano: Não há uma saída, talvez?

Antonio Ermírio de Moraes: A nossa rainha Vitória [rainha inglesa, que reinou de 1837 a 1901, conhecida por ter feito um governo que aumentou os domínios territoriais ingleses].

[Risos]

Jorge Scosteguy: Fernando tem uma pergunta, por favor.

Fernando Pressiotta: O senhor está pintando aqui um quadro bastante negro, na minha opinião. O senhor está dizendo que...

Antonio Ermírio de Moraes: Não, negro não, realista.

Fernando Pressiotta: Pois é, realista, mas essa realidade é negra: com recessão, desemprego, aumento da miséria, concentração de renda etc. O telespectador vai dormir daqui a pouco, ele vai dormir preocupado. O senhor também está preocupado? Qual seria a última saída? Eu acho que a gente está chegando a uma última saída. Qual seria a saída?

Antonio Ermírio de Moraes: É Viracopos [aeroporto internacional de Campinas, SP]?

[Risos]

Jorge Scosteguy: O senhor falou em Viracopos, aqui, o Ricardo Ferreira Miranda, de Belo Horizonte - ele ligou de Belo Horizonte -, ele é jornalista e disse que "junto com o novo plano eu também estou desindexando o meu projeto particular de vida no Brasil.". Ele gostaria que o senhor sugerisse uma saída, um ponto de saída para ele começar a vida de novo, já que o senhor citou Viracopos.

Antonio Ermírio de Moraes: Que idade ele tem?

Jorge Scosteguy: Ele não disse, mas se ele diz que quer começar a vida, deve ser jovem.

Antonio Ermírio de Moraes: Se ele é jovem, há países... A coisa que realmente é importante são países que respeitam quem trabalha, quem se porta bem, quem procura ter uma conduta diferenciada aqui. Realmente, você veja que a nossa cultura... Eu estou cansado de ver a Coca-Cola de um grande hotel, a ervilha de um grande supermercado, agora, recentemente, o bife de um homem que tinha uma pensão no Rio de Janeiro, esses são os homens que são julgados pela nossa Justiça [referência a processos judiciais de desrespeitos ao congelamento de preços da época]. Então, a justiça, quando for uma justiça que funcione para todos, independente de cor, de religião ou poder econômico, não funciona num país desse. Isso é o que mais me decepciona, não é?

José Antonio Rodrigues: Doutor Antonio, o senhor acredita na possibilidade de um controle de preços com base nos preços dos oligopólios e dos monopólios?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, eu acho que, se houver controle de preços, ele precisa esmiuçar.  Não interessa se é oligopólio ou monopólio, isso ou aquilo. Ele vai lá e ele tem que levantar os seus custos para verificar quais os preços para você sobreviver. Não é o oligopólio e nem coisa nenhuma. O Brasil precisa de recursos. O Brasil precisa de impostos. E diz até o delegado Romeu Tuma, que é o secretário da Receita, ele disse que hoje é moda você fazer levantamento, que é uma campanha grande no sentido que você mesmo relatou. Não sei por quê, não consigo detectar o porquê dessa campanha contra a gente. Então, levanta aí as cem maiores empresas que pagam imposto neste país. Nós [o grupo Votorantim] temos muito orgulho de dizer a vocês: nós pagamos rigorosamente nossos impostos. Nós não somos perfeitos, não. Podemos até cometer erros, mas são erros cometidos de uma maneira... não são erros premeditados. Agora, levanta quem paga impostos neste país.

José Marcio Mendonça: O senhor acha que o imposto no Brasil é justo ou é muito alto?

Antonio Ermírio de Moraes: Hein?

José Marcio Mendonça: O senhor acha que o imposto no Brasil é...

Antonio Ermírio de Moraes: Estupidamente elevado. Se eu disser para você que no grupo Votorantim o imposto médio sobre o faturamento representa 35%, talvez o senhor venha até duvidar. Sobre o faturamento, 35% da fatura emitida representa imposto, das mais variadas formas: municipais, estaduais e federais.

Fernando Pressiotta: O senhor acha que é isso que pode incentivar a sonegação?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu tenho alguns amigos que, no tempo do imposto de vendas de comércios, o IVC, eles diziam que “6% é muito alto, é um incentivo a você sonegar.", e depois com o ICM a 16%, agora 18%, [eles dizem:] "Agora é uma obrigação sonegar!”.

[Risos]

Jorge Escosteguy: Doutor Antonio, por favor, o nosso tempo está se esgotando e eu vou fazer uma última pergunta.

Antonio Ermírio de Moraes: Pois não.

Jorge Escosteguy: Uma pergunta que chegou ainda no primeiro bloco aqui, do telespectador Márcio Albuquerque. Eu deixei ela de lado, porque ele perguntava... ele dizia que o senhor estava passando para o telespectador um ar de cansado. Como eu achei que era o calor do estúdio, eu deixei ela de lado aqui, porque o senhor estava assim meio, com um ar cansado, abatido, meio de desinteresse. Mas aí quando começamos a falar de energia, o senhor se animou, falou sobre a coisa e tal. Voltamos para a economia política e o senhor mais uma vez passou um pouco essa impressão.

Antonio Ermírio de Moraes: Tristeza - não é? [risos] - com a economia política.

Jorge Escosteguy: Então eu vou fazer a pergunta [...]. A minha pergunta é se o senhor... se é um problema físico ou se realmente o senhor está desacreditado no Brasil?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, é que a economia política, realmente, no momento, entristece a nós, quer dizer, eu vejo uma chance muito grande, talvez, desse programa... A coisa mais positiva seria me dar uma chance de dizer ao Brasil: “o Brasil não está perdido,  nós temos um programa emergente que, se amanhã for executado com inteligência, nós vamos chegar a uma posição muito cômoda por volta do ano 2040, firme, sólida". Agora, o lado econômico é um lado triste, em primeiro lugar, porque nós somos pobres; segundo lugar, porque nós temos que mostrar que não somos...

Luiz Roberto Serrano: O senhor fala em 2040 e está todo mundo preocupado com 1991.

Antonio Ermírio de Moraes: Pois é, mas, meu filho, eu acho que a gente tem que, pelo menos... eu não sou visionário, mas tem que mostrar a vocês um horizonte um pouco... não para nós, mas para os nossos filhos, para os seus filhos, para os seus netos. Então, tem que mostrar que existe uma possibilidade de este Brasil ir para frente. Agora, do lado econômico, nós estamos atravessando um período dramático: cinco planos em cinco anos. Meu Deus do céu, haja coração!

Jorge Escosteguy: Mas o senhor já está desacreditado do Brasil ou ainda acha que está...

Antonio Ermírio de Moraes: A função, talvez, isso o que o telespectador vê é o seguinte, quer dizer, realmente a figura do empresário e - eu acredito - do trabalhador, na hora [em] que sai um quinto plano como este, você lembra daquela figura que a televisão explorou muito, do patinho que estava nadando no Golfo Pérsico e de repente saiu todo pichado de óleo até os olhos, coitadinho! É a posição nossa. Eu não me chamo Samuel, eu não sou o Abdula [alusão ao conflito entre israelenses e árabes], quer dizer, estava ali nadando e de repente cai uma explosão dessa na cabeça da gente.

[Risos]

Luiz Roberto Serrano: Quer dizer, então, que aquela ameaça do presidente da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], Mário Amato, de que oitocentos mil empresários sairiam do país se o Lula ganhasse a eleição, o tiro saiu pela culatra?

Antonio Ermírio de Moraes: Eu não sairia do país nunca, eu continuo aqui. Apesar das dificuldades, eu quero apenas dar uma palavra de entusiasmo, quer dizer, de confiança no país. Nós estamos passando por dificuldades, são terríveis, mas eu não vou [sair do Brasil]. Eu nasci aqui e cresci aqui, pretendo morrer aqui. Eu não vou fugir de maneira alguma.

Tramontina: Viracopos então...?
 
Antonio Ermírio de Moraes: Não, Viracopos, não.

Jorge Escosteguy: O telespectador de Belo Horizonte também deve segurar mais um pouco?

Antonio Ermírio de Moraes: Não, fica por aqui se for possível. Agora, eu compreendo perfeitamente bem, porque vejo muita gente competente que, não encontrando uma posição de realce aqui no país, eles desistem e vão realmente se projetar no exterior.  Ainda semana passada eu encontrei um velho médico que disse: "Meu filho, que é um rapaz extremamente competente, está hoje na Cornell University [universidade privada, localizada em Nova Iorque, Estados Unidos] estudando a molécula estrutural, biologia estrutural, e está sendo um sucesso; escreve e é recebido por todas as entidades cientistas, e aqui no Brasil era um médico sem possibilidade de crescer, e foi para lá e conseguiu realmente uma posição, um lugar ao sol.". E isso é bonito, porque, como brasileiro, eu sinto até certo orgulho. Agora, por outro lado, eu sinto pena, porque nós não damos chance aos homens que realmente têm capacidade neste país. Então isso é triste para nós.

Jorge Escosteguy: Doutor Antonio Ermírio, nós agradecemos então à sua presença hoje no Roda Viva, agradecemos também à presença dos nossos companheiros jornalistas, e o Roda Viva volta na próxima segunda-feira às nove e meia da noite. Uma boa noite a todos e até lá.

Antonio Ermírio de Moraes: Muito obrigado.

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