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Memória Roda Viva

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Especial Dengue

25/2/2002

Especialistas destacam a importância da comunicação social para informar e conscientizar a população sobre medidas preventivas para o controle da dengue

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[Programa ao vivo]

Paulo Markun: Boa noite. Ele chegou ao Brasil em 1967, no estado do Pará, meio despercebido, foi alcançando outras regiões brasileiras, criando fama e medo. Hoje, 35 anos depois, tornou-se um inimigo letal e silencioso, e até o exército está sendo mobilizado na guerra contra o personagem que está hoje no centro do Roda Viva, o mosquito ou a mosquita, Aedes aegypti. Ele, ela provocou uma nova epidemia de dengue no estado do Rio de Janeiro e continua espalhando a doença de forma perigosa para outras cidades, já criando uma séria ameaça em São Paulo.

[Comentarista]: Ele é pequeno, cerca de sete milímetros de comprimento e pode ser confundido com um pernilongo comum, mas observe: se ele for escuro, rajado de branco no corpo e nas patas, é o Aedes aegypti, o mosquito que voltou a infestar regiões metropolitanas criando um sério caso de saúde pública no país. Ele já fez estragos anteriormente. No começo dos anos 80, houve uma epidemia em Roraima e, em 1986, em vários estados brasileiros. Na década de 90, a doença ficou mais ou menos controlada, um pouco mais em alguns lugares, um pouco menos em outros, mas recrudesceu em 2001, especialmente no Rio de Janeiro. Há uma estimativa de que mais de cem mil pessoas foram contaminadas neste verão carioca, numa epidemia que se espalha e já é uma ameaça admitida em outras cidades, incluindo São Paulo. A infecção é transmitida pela fêmea do Aedes aegypti. Ela procura o sangue humano para fazer funcionar seu ciclo de procriação. Ao picar uma pessoa infectada, o mosquito adquire o vírus que assim vai sendo passado para outras pessoas que ele picar. Existem quatro tipos do vírus do dengue, e para nenhum deles foi desenvolvida uma vacina até agora. Quem é infectado pelo vírus tipo um só fica imune a esse tipo; se a pessoa for infectada pela segunda vez, e a infecção vier por um outro tipo de vírus, aí ocorre o dengue hemorrágico que provoca sangramentos, queda de pressão e pode ser fatal. O dengue é uma doença que engana. Inicialmente pode ser confundido com uma gripe, por causa de sintomas parecidos: febre, dor de cabeça, dor no corpo e podem surgir manchas vermelhas na pele, como se fosse sarampo ou rubéola, com alguma coceira. Em geral, em uma semana ou dez dias, a pessoa tratada corretamente melhora. Mas quando se fala de dengue hemorrágico, aí se fala de uma forma grave da doença, que está ocorrendo nessa epidemia e já provocando mortes. O alerta está se espalhando como o mosquito, mas a guerra contra o dengue se mostra difícil. O combate direto ao Aedes aegypti, em muitas cidades, é precário, faltam equipamentos e gente. Na outra frente de batalha, que é a prevenção, os resultados são lentos. O mosquito vive, preferencialmente, em áreas urbanas, prolifera-se dentro ou nas proximidades das habitações. A fêmea coloca os ovos dentro de qualquer recipiente que tenha água, mais ou menos limpa. Em geral, prefere vasos e pratos de vasos, mas pode usar também caixas d’águas, garrafas, pneus e toda espécie de objetos que possam acumular água nos jardins, quintais, calçadas, terrenos baldios etc. É nessa imensidão de imóveis, lajes, telhados, terrenos, lixo, água empoçada de todas as formas e quantidades que está o ambiente ideal para a existência e a procriação do mosquito do dengue. O inimigo tornou-se poderoso porque encontrou o que precisava: concentração urbana e descuido ambiental. Um desafio para as políticas de saúde e para a cidadania.

Paulo Markun:
Enquanto estava passando essa reportagem aí que situa o problema, eu já recebi aqui a informação preliminar, que esclareceu que na verdade são admitidas as duas formas do vernáculo: tanto o dengue para o vírus quanto a dengue para a doença. Então se a gente falar aqui o dengue ou a dengue ninguém vai estar falando errado. E o Roda Viva desta noite é um programa especial, e o nosso objetivo aqui é debater as questões que envolvem saúde pública, combate ao mosquito, prevenção, enfim, um debate sobre o dengue ou sobre a dengue. E nós convidamos para isso o médico infectologista Marcelo Burattini, professor livre- docente de infectologia da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, e da USP, Universidade de São Paulo. Está presente também o médico sanitarista, Mauro Marzochi, subsecretário municipal de saúde da cidade do Rio de Janeiro, membro do comitê de doenças parasitárias da Organização Mundial de Saúde, a OMS, presidente da Sociedade Brasileira de Parasitologia. Participa do programa Mônica Teixeira, jornalista da TV Cultura, editora da seção “Observando a Medicina” da Revista Latino-Americana de Psicopatologia Fundamental; participa ainda do Roda Viva o médico Eduardo Massad, vice-diretor e professor da Faculdade de Medicina da USP, autor de estudos sobre dengue e febre amarela em áreas urbanas. Está conosco ainda Aureliano Biancarelli, repórter na área de saúde do jornal Folha de S. Paulo, autor do livro Cirurgia em Campo Aberto, da editora Brasiliense; o médico João Yunes, ex-secretário de saúde do estado de São Paulo na gestão Franco Montoro, diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP e representante do Brasil no Conselho Executivo da Organização Mundial de Saúde, a OMS. E finalmente o médico epidemiologista Jarbas Barbosa, diretor do Centro Nacional de Epidemiologia da Funasa, Fundação Nacional de Saúde. Eu queria começar colocando em discussão a seguinte questão que hoje até tem, nos principais jornais aqui de São Paulo, na Folha de S. Paulo e no [O] Estado [de S. Paulo], posições absolutamente antagônicas assumidas por especialistas no assunto. No jornal O Estado de S. Paulo, José Marcos Ribeiro que trabalha há seis anos no National Institutes of Health em Bethesda nos Estados Unidos, e que já foi da Escola de Saúde Pública de Harvard e da Universidade do Arizona, diz que é possível erradicar o mosquito Aedes aegypti, e citou que Cuba, por exemplo, [que] teve um certo sucesso no combate, no controle da dengue e que no tempo de Vargas, o Brasil erradicou. E o professor titular Marcos Boulos, da Faculdade de Medicina da USP, diz na Folha de S. Paulo que é inviável erradicar o Aedes aegypti, que não há nem uma possibilidade concreta. Então, como a gente está falando de um combate contra um inimigo tão poderoso, tão silencioso, eu queria saber dos senhores o seguinte: afinal de contas, é possível erradicar, não é possível, nós vamos ter que conviver com esse problema permanentemente , como é que é? Quem se habilita?

Eduardo Massad: Eu acho que é possível uma eliminação local. Eu acho que o José Marcos Ribeiro quis dizer, na entrevista dele, é que é possível uma eliminação local por um período, dentro de um período razoavelmente curto. E o que o professor Boulos diz é que é difícil a erradicação, no sentido mais amplo da palavra, que seria a erradicação definitiva do mosquito.

Paulo Markun:
Como já aconteceu no Brasil.

Eduardo Massad:
É, como já aconteceu no Brasil. Na verdade, também foi um caso de eliminação, senão ele não teria voltado. Quer dizer, erradicação é, como se diz, da varíola. Agora o que é importante salientar é que não é necessário erradicar o mosquito para controlar a doença. Basta que você o mantenha em densidade, ou seja, relação número de mosquito por habitante abaixo de um certo limiar, ou seja, um valor abaixo do qual a doença não se mantém. Isso é uma coisa já bastante bem conhecida, há quase cem anos que já se demonstrou essa possibilidade, para a malária, por exemplo. O que é preciso é saber fazer essa conta para cada localidade de acordo com a intensidade da transmissão da doença.

Paulo Markun: Imagino que não há divergências na mesa sobre isso?

Marcelo Burattini: Não, eu gostaria de lembrar, inclusive, que o Brasil mudou muito da época de Vargas, década de trinta e quarenta para hoje. Naquela época a população brasileira era eminentemente rural, nós tínhamos um núcleo urbano de 35, 40% da população. Hoje a população brasileira é eminentemente urbana. Nós temos várias grandes cidades com uma densidade de domicílios e uma condição ambiental em torno intradomiciliar e peri-domiciliar extremamente favorável à replicação do mosquito.

Paulo Markun:
Quer dizer, vamos só explicar, dentro da casa e em volta?

Marcelo Burattini
Em volta. Inclusive nós temos alguns estudos que - junto com o grupo de entomologia médica da Faculdade de Saúde Pública da USP - em que já demonstramos em vários locais, por exemplo, do litoral norte de São Paulo, sítios de procriação do Aedes aegypti no ambiente silvestre, no interior de bromélias e plantas que albergam água no seu interior depois das chuvas. Com vários focos de procriação do Aedes aegypti, mostrando o estabelecimento, que no meu ponto de vista é definitivo. Do ponto de vista de país, não erradicaremos o mosquito.

Aureliano Biancarelli:
Mas professor, esse mosquito, que foi eliminado, erradicado ainda em 55, é o mesmo que está aqui agora? Ou pelas circunstâncias ele é mais resistente e é mais difícil de ser combatido?

Marcelo Burattini:
Existem algumas diferenças genéticas supostas nessas populações, o que até seria esperado. Se nós pensarmos no tempo de vida do mosquito e no tempo de geração do mosquito, nós estamos conversando alguma coisa em torno de 35, 45 anos. Isso é uma infinidade de gerações e poderia haver uma diferenciação genética nessa população. Mas isso acho que para o ponto de vista em questão é meio irrelevante. A condição ambiental, a condição macro-ambiental, na verdade micro-ambiental, é muito mais favorável para a existência do mosquito. Tanto que o mosquito foi erradicado no Brasil em 1955 e ele foi re-introduzido dez, 12 anos depois, a partir de focos na América Central, no Caribe e a re-introdução pelo norte do país, então essa erradicação conta muito pouco, como já foi dito.

João Yunes:
É, no passado ele foi considerado erradicado. Primeiro foi [em] 1903, Oswaldo Cruz erradicou o Aedes aegypti no Rio de Janeiro, quando nós tínhamos uma epidemia violenta da febre amarela que matou mais de 200 mil pessoas naquela época. Depois, como o Aureliano falou ou o Marcelo, não me lembro bem, 1955 foi considerada a segunda vez em que foi radicada, e em 1973 também. Acontece que o mosquito não tem passaporte; ele hoje está infestando toda a região das Américas. Então fica muito mais difícil falarmos numa erradicação circunscrita. Quer dizer, na região das Américas, somente três países não têm o mosquito, que é o Chile, o Canadá e Bermudas. Todo o continente tem o mosquito e numa proporção, numa densidade - vamos chamar assim - populacional do mosquito, muito maior. Então fica difícil falar em erradicação, agora controlar é possível, não é? Controlar em níveis de uma incidência muito baixa da presença do mosquito e dos criadores. Mesmo doenças que tenham vacina, como sarampo e tétano, nós não falamos em erradicação, falamos na eliminação, porque sempre o vírus ou a bactéria vai existir em algum lugar do mundo. Então, concluindo: pela situação que encontramos hoje, eu diria que não é possível erradicar, porque encontra-se em toda região das Américas, com exceção daqueles três países, no mundo em mais de cem países esse mosquito, essa enfermidade está presente. O que é possível é controlar. Agora esse controle não pode se restringir só à época das epidemias. É preciso, depois das epidemias, nós garantirmos o que a gente chama de uma sustentabilidade do controle, quer dizer, uma vigilância epidemiológica dos casos que ocorrem e uma vigilância dos criadouros para realmente monitorarmos a presença do mosquito e eliminarmos.

Paulo Markun: Jarbas.

Jarbas Barbosa: Além das possíveis mudanças que podem ter ocorrido no mosquito, porque ele hoje está muito mais ao norte, muito mais ao sul e muito mais alto do que se pensava que ele poderia chegar, não é? Mas o que mudou fundamentalmente foi o ambiente. Nos anos 1950, como já foi dito, nós éramos um país rural. O que era o lixo nos anos 1950? Era resto de comida, casca de fruta e papel. Hoje a gente incorporou na rotina da nossa vida uma quantidade fabulosa de descartáveis que podem virar recipientes. A gente aqueceu, a gente desmatou, a gente urbanizou [de forma] acelerada, e urbanização acelerada significa que parte dessa população não tem acesso à água durante todo tempo e precisa armazenar água, ou que o lixo não é retirado com a regularidade que deveria. Ou seja, o ambiente social e urbano que se criou em todas as cidades do mundo tropical nessas últimas décadas foi amplamente favorável ao mosquito, o que possibilitou essa expansão rápida que ele teve. Hoje em mais de cem países do mundo tem casos de dengue, como o Yunes falou. Só não tem o Canadá por razões climáticas;  no Chile, pela altitude... mas o Chile continental... porque na Ilha da Páscoa já foi encontrado o mosquito Aedes aegypti. Ou seja, é preciso ter uma estratégia sem pensar que nós estamos nos anos 1950. Eu creio que nós tivemos no começo dos anos 1990 uma certa idéia que era só repetir a estratégia, que o mundo não tinha mudado e o mundo mudou. Eu acho que é preciso ter uma estratégia mais adequada que é exatamente essa combinação de uma vigilância sensível, um trabalho de campo efetivo, uma mobilização das pessoas, [para] conseguir manter o mosquito num nível de população tão baixo que ele não cause epidemia. No ano passado, nós fizemos um seminário internacional aqui no Brasil promovido junto com a Organização Panamericana de Saúde [Opas], e a encomenda que o ministro da Saúde, José Serra, fez ao diretor do Opas é que a gente pudesse trazer países que tivessem êxito absoluto contra o mosquito de maneira que a gente pudesse copiar aquelas ações que deram certo. Nós não encontramos um único país que pudesse dizer “eu consegui erradicar o mosquito”. Nós tivemos boas experiências, principalmente em municípios pequenos, aqui no Brasil, no México; a Austrália tem uma experiência interessante, porque ela convive com o mosquito, mas com uma vigilância muito intensa, não tem casos de dengue. Mas mesmo [em] Cingapura, que é considerado um dos melhores programas do mundo, e que luta contra o mosquito há quatro décadas, e que tem um dos maiores PIBs [Produto Interno Bruto] per capita do mundo, não conseguiu ainda erradicar o mosquito. Ou seja, não haverá medida capaz de eliminá-lo completamente num curto prazo; vai ter que ser um trabalho prolongado e persistente para que a gente consiga evitar as epidemias de dengue.

Paulo Markun: Agora, isso para a população que está vendo aí o número de casos de dengue crescer, para as pessoas que estão de alguma forma alcançadas pela doença, ainda que não seja pela forma da dengue hemorrágica, mas sim pela dengue clássica, é uma má notícia, não é? Dizer “olha, não vamos conseguir erradicar, nem a Austrália conseguiu”. Tudo bem, eles administram. Então eu queria saber o seguinte: como é que a gente transforma essa má notícia numa boa notícia? Onde o carro está pegando? Para a gente entrar na questão central, que eu acho que é a discussão desse debate, quero dizer o seguinte: o que é que está falhando no Brasil para que a epidemia cresça continuadamente? Os gráficos da epidemia são assustadores.

Jarbas Barbosa:
A dengue tem uma característica, ela ocorre por ondas. Nos anos 1990 nós tivemos praticamente três ondas epidêmicas da dengue. Depois de dois, três anos de intensa circulação do vírus, todas as pessoas praticamente adoecem por aquele sorotipo. Então você tem um declínio da epidemia, o que gera, inclusive, uma falsa sensação de segurança de que o problema acabou, mas quando entra o novo sorotipo... E hoje em dia você não pode botar barreira sanitária, você não pode impedir que pessoas da Ásia, da Venezuela, da América Central venham ao Brasil e vice e versa - do Brasil vão para lá - ou seja, vai ter que ser uma combinação da metodologia tradicional de combate à doença transmitida por vetor, vigilância sobre os doentes, vigilância sobre o mosquito, ações de campo dos agentes, mas eu creio que aí a metodologia tem que incorporar um elemento novo. Doença transmitida por vetores no Brasil era combatida levando em conta uma sociedade muito passiva. Era o agente que, como a gente diz, entra mudo e sai calado. Manda as pessoas saírem de casa, joga o veneno e vai para a casa seguinte. Esse esquema, com a dengue, é absolutamente incapaz de dar resultado. Nesse seminário internacional ao qual fiz referência, eu creio que um consenso forte é que programas que conseguiram mobilizar a população são os que parecem ter mais chance de êxito, porque esse é um mosquito que vive dentro das casas. Esse não é aquele mosquito que no imaginário da população está lá na rua, na favela, na fossa, na água suja empoçada; esse está dentro de casa, esse está no prato do vaso de planta, esse está numa tampinha de refrigerante que ficou no quintal, está na bromélia do jardim.

Paulo Markun: Esses vasos de planta representam no Rio de Janeiro, falou o subsecretário, 50% do criadouro, é isso?

Mauro Marzochi:
Perfeitamente. 50% dos criadouros encontrados são aqueles pratinhos que ficam debaixo do vaso de planta. Então, o criadouro do mosquito no Rio de Janeiro está estritamente intradomiciliar e outros 20% é por conta de caixa d’água, recipientes para a acumulação de água para aquelas populações que não têm um abastecimento permanente, o abastecimento é descontínuo, e a população é obrigada a guardar água em casa. E esse tipo de mobilização popular, como o Jarbas disse, é fundamental. Não há como você controlar, através de trabalho de campo, de controle de vetores sem que a população participe desse programa. É interessante fazer duas perguntas importantes: do que o mosquito gosta, do que o mosquito não gosta? O mosquito gosta de sombra, água fresca, proteção e alimento.

Paulo Markun:
Nós também.

Mauro Marzochi:
Isso ele encontra dentro de casa. Ele não gosta do sol, do vento, da chuva, até da poluição, e isso ele encontra fora de casa. Então, 30% dos criadouros estão fora de casa. Agora, esses 30% dos criadouros são importantes, porque eles estão submetidos aos regimes de chuva, por exemplo. Quando chove esses criadouros peri-domésticos alimentam os criadouros intradomiciliares. Então os insetos adultos que se criam fora de casa vão procurar abrigo dentro de casa...

Paulo Markun:
É um exército “mosquital” de reserva.

Mauro Marzochi:
... e aí ele se mantém em condições adequadas, com possibilidade de sobrevivência maior.

Mônica Teixeira:
Agora, por que borrifar não resolve o problema? Você falou agora há pouco, Jarbas, que o método tradicional que combateu a epidemia anteriormente, em outros anos, não é suficiente, por quê? Qual é a característica do mosquito que impede que simplesmente passar o inseticida resolva o problema?

Jarbas Barbosa: Usar o inseticida é importante, quer dizer, em algumas situações, quando a gente tem uma transmissão muito intensa, como no caso do Rio de Janeiro, nós temos que usar a máquina fumacê [o fumacê é um inseticida em forma de óleo, transformado em gotículas por uma máquina especial acoplada a um veículo, que o espalha pelas ruas]. Mas o efeito da máquina fumacê é muito curto, porque ele só mata as formas adultas, e como ele não mata as larvas, daqui a alguns dias você vai ter de novo uma população de mosquito adulto. O próprio larvicida que a gente coloca... quer dizer, o guarda entra na casa, e se ele coloca o larvicida em alguns recipientes, vai embora, e o ciclo dele é voltar dali a sessenta dias, mas aquela família, aquele cidadão não é motivado nem informado sobre como proteger o seu ambiente doméstico, e se chove na semana seguinte, e tem garrafa ou pneu no quintal, você vai ter novos criadouros, e aquele trabalho que foi feito praticamente não vai ter quase que utilidade nenhuma. Por isso que além desse trabalho que tem que ser mantido e intensificado, nós temos que acrescentar esse outro ingrediente que é o de garantir uma maior responsabilização do cidadão com seu ambiente doméstico. Eu acho que se a gente fizer uma boa parceria entre essas duas ações é possível se controlar o mosquito. Eu acho que a gente não pode jogar no tudo ou nada, não é? "Ou eliminamos de vez o mosquito ou estamos condenados a viver com grandes epidemias de dengue". Não, eu acho que é importante dizer que é possível e necessário se manter a população de mosquito muito baixa, que mesmo entrando um novo sorotipo, como tem pouco mosquito, o dano que aquilo ali pode causar é limitado, é restrito, é um número pequeno de casos.

Aureliano Biancarelli:
Qual a população de mosquito admissível?

Jarbas Barbosa: Olha, se trabalhava com dengue... Dengue tem um desafio porque o epidemiologista, como o meteorologista, tenta muito prever o futuro olhando para o passado. E dengue, o mosquito, tem mantido muitas mudanças. É aceitável que abaixo de 1% dos domicílios infestados a gente tenha muito pouca chance de ter uma grande epidemia. Mas qual é a dificuldade? É que você, às vezes, tem um determinado valor, e se o trabalho de campo não está sendo feito adequadamente a conjunção de calor com chuva pode alterar rapidamente, e a população de mosquito se multiplicar [de forma] muito veloz. Mas se considera hoje, internacionalmente, já se pensou em 5% e se viu que ele pode dar epidemia com 4%, com 3%. Então a faixa de segurança hoje é muito restrita, é ter menos de 1% dos domicílios com larvas.

Paulo Markun:
Qual o percentual, subsecretário, no Rio de janeiro, por exemplo, o que se estima de percentual de infestação domiciliar?

Mauro Marzochi:
Olha, o ideal seria manter o nível de infestação predial, que é o número de prédios visitados com presença de Aedes, abaixo de 1%.

Paulo Markun:
Mas está muito acima disso?

Mauro Marzochi:
Ah, muito acima. A gente varia de 8% até 12%

Eduardo Massad: Depende também um pouco do tamanho da população humana hospedeira, não é? Porque não é o número absoluto de mosquitos que conta, mas a relação número de mosquitos em relação aos hospedeiros humanos. Então, por exemplo, se a gente comparar a epidemia do ano passado entre Santos e Guarujá, em que Santos teve um número muito maior de casos do que Guarujá teve. Acontece que a curva de crescimento da epidemia no Guarujá teve um ímpeto muito maior, o que significa que... é de se esperar, conhecida essa velocidade de propagação da doença e conhecido o tamanho da população, eu posso dizer, com uma certa segurança, que no Guarujá essa densidade era muito maior, a despeito do número final de casos ser menor, porque tinha menos pessoas para pegar a doença. Mas o problema do Guarujá, em termos de densidade do mosquito em relação aos humanos era pior. Então, em cada situação, é preciso medir, e uma das formas de se medir isso é justamente no começo da epidemia. Eu acho que uma forma de vigilância interessante é acompanhar no início essa epidemia, você quantifica a intensidade de transmissão.

Mônica Teixeira:
Agora, o senhor está dizendo que a questão de mobilização da população é muito importante e que o controle de uma certa maneira depende... é fundamental. E, inclusive, há poucos casos, como o Jarbas disse, de sucesso. Agora, afinal, por que vocês acham que a população não está engajada? Quer dizer, eu ouvi isso, já tenho ouvido faz algumas semanas, inclusive do próprio Jarbas no programa Opinião Nacional, e aí eu fiquei pensando hoje o seguinte: “há quanto tempo a população brasileira não se envolve numa questão de saúde pública”? A questão da saúde não ficou muito medicalizada, muito hospitalocêntrica, muito longe das pessoas? Acho que as pessoas não se sentem absolutamente tocadas pela questão porque a medicina, aparentemente, resolve tudo no hospital, com a vacina, com o genoma, não é isso?

Mauro Marzochi: Isso é uma verdade. Eu acho que a gente não conseguiu passar para a população as informações necessárias. A maioria da população não sabe que o Aedes aegypti é um inseto que tem atividade diurna, é um inseto que passa despercebido porque a população não percebe a existência dele.

Paulo Markun:
Ele não faz barulho.

Mauro Marzochi:
Ele não faz barulho, ele pica embaixo da mesa, na perna das pessoas durante o dia, e as pessoas não se apercebem disso. Então o pernilongo doméstico incomoda muito mais do que o Aedes aegypti.

Paulo Markun:
E é mais combatido também.

Mauro Marzochi:
E é muito mais combatido.

João Yunes: Eu acho que a Mônica tocou num ponto fundamental. É que nós não podemos pensar na comunicação social, na educação e saúde só na época de epidemia. Haja vista, por exemplo, com relação a campanhas de vacinação. Hoje a população tem uma consciência sanitária, a vacinação é um direito adquirido. Ela [a população] realmente introjetou esse direito. Isso não acontece em relação, por exemplo, à epidemia de dengue. É que está relacionado a um processo de educação contínua, porque, no nosso meio, Mônica, não existe ainda uma preocupação ecológica, de saúde ambiental, do destino adequado dos lixos. Você sempre vê o comportamento da população nas cidades, alguém está no carro, joga lata de Coca-Cola, garrafa de água, plástico, lixo... Falam: “mas nos outros países, o pessoal é muito mais educado, por isso que tem essa diferença”. E não é só isso. Nos países desenvolvidos existe multa, não é? Quer dizer, essa civilização é à custa de penalidade. Quer dizer, em Cingapura se você jogar um cigarro no chão, você paga mil dólares ou cinco mil dólares. Em Genebra, se você for pegar um ônibus e não tirar o tíquete lá fora, você paga uma multa de sessenta francos. E é interessante porque o município de São Paulo adotou a penalidade, eu acho que...

Paulo Markun:
Recentemente.

Mônica Teixeira:
A multa é 180 reais.

Mauro Marzochi:
A multa é de R$ 180 a R$ 720. E em Genebra, em uma reunião com o ministro de Cuba, eu falei que São Paulo tinha adotado essa estratégia da multa, ele falou: “não, nós em Cuba também adotamos isso”. Agora [a cidade de] Santos foi pelo lado positivo. Eles distribuem uma cartilha com os vinte pontos principais para se evitar a dengue e dá um cupom; depois esse cupom, eles sorteiam, e quem for sorteado eles vão na casa. Se aquele domicílio seguiu a receita, vamos dizer assim, ganha trezentos reais e o vizinho da esquerda ganha 150 e o da direita 150. Então temos os dois lados da moeda, não é? Ou pelo incentivo monetário ou pela penalidade. Mas resumindo, fundamental é educação continuada. Nós não podemos nos restringir à educação e saúde só nos episódios de epidemia, só quando ocorre uma mortalidade alta com febre amarela, tem que ser uma educação contínua. Daí a importância, no caso do dengue. Isso as novas publicações têm enfatizado muito, que tem que ser uma estratégia intersetorial, não pode ser uma estratégia só do setor saúde. O que é uma estratégia intersetorial? Tem que participar a [o Ministério da] Educação, tem que participar o Ministério da Justiça. Todo o problema dos pneumáticos, que não são reciclados. Como é que fica? Então tem uma proposta de lei que, dentro de quatro anos, as indústrias que produziram os pneumáticos são obrigados a recolher. Quer dizer, uma série de medidas legislativas que se preocupam com o meio ambiente. Introduzir no currículo das escolas toda essa educação em saúde, do meio ambiente. É um processo contínuo para a população ir adquirindo hábitos e estilos de vida saudáveis. Hoje se defende muito em saúde pública os estilos de vida saudável, porque muitas das doenças, hoje, estão sendo prevenidas não através da medicalização, mas se está prevenindo infarto hoje pelo exercício físico, por evitar vida sedentária, por evitar uso do tabaco, o uso do álcool etc. Desculpe se eu me alonguei muito.

Paulo Markun:
Não, imagine. Nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos a discutir a questão da dengue logo depois dos comerciais.  

[intervalo]


Paulo Markun:
Estamos de volta com o Roda Viva especial desta noite, que discute a questão da dengue ou do dengue. Eu queria recolocar a bola em jogo aqui fazendo alguma perguntas de telespectadores para serem respondidas pelos participantes da mesa. São perguntas bastante específicas, eu acho que eventualmente um participante que responda aqui a cada uma dessas questões pode resolver a questão, o problema. Ítalo da Silva de São Caetano, administrador de empresas, quer saber: “Qual o repelente ideal para evitar a dengue”? Existe isso?

Marcelo Burattini: Não, infelizmente não. Não tem nenhum estudo demonstrando que os repelentes, o uso de repelentes individuais proteja absolutamente do contágio da dengue, e isso é fácil de entender. Ao passar um repelente no corpo, você diminui a freqüência de picadas, de exposição a picadas de inseto, mas não elimina. E dependendo da ocorrência, do nível de intensidade de transmissão, o uso do repelente, no geral, em estudos populacionais, não é efetivo.

Paulo Markun: OK. Wilson Roberto Gonçalves, de Tatuapé, aqui em São Paulo, professor, pergunta: “Dengue pega-se também através de transfusão de sangue? E se a mãe for infectada, ela passa para o bebê pela amamentação”? Quem responde?

Marcelo Burattini:
Posso responder?

Jarbas Barbosa: Não tem possibilidade de ter transmissão de uma pessoa para outra. Sempre a transmissão é mediada pelo mosquito.

Marcelo Burattini:
Exceto na gestação, se a mãe estiver com dengue uma semana antes do parto, ela pode transferir por via placentária. Porque existe uma “transfusão de sangue”, entre aspas, no momento do parto, da mãe para o filho, existem casos de dengue congênita, quando a mãe tem a fase aguda da doença até oito dias antes do parto, mas não pela amamentação, como foi dito.

Jarbas Barbosa: É raríssimo, não?

Marcelo Burattini:
Isso é muito raro e é uma forma clínica muito grave. Inclusive, esses recém-nascidos apresentam uma forma clínica bastante grave da doença.

Paulo Markun:
Mas quer dizer, não é uma questão que preocupe.

Marcelo Burattini: Isso é uma posição teórica. Não, do ponto de vista de saúde pública, nenhum impacto.

Paulo Markun:
Álvaro Landini, que manda a sua pergunta pela internet, pergunta: “Pequenos aquários que não possuem tampa podem desenvolver larvas de mosquitos transmissores da dengue”?

Mônica Teixeira:
Mas peixe não come?

Paulo Markun:
Não sei...

Eduardo Massad:
Provavelmente o peixe come, o peixe come tudo que cai dentro do aquário.

[...]:
Controle biológico.

Mônica Teixeira: Exatamente. [risos]

Jarbas Barbosa:
Tem, inclusive, algumas experiências feitas com peixe-beta, lá no Ceará, em Fortaleza; eles estão fazendo o peixamento de caixas d’águas exatamente para que com o peixe alimentando-se da larva, se não elimina completamente, pelo menos reduz bastante a população de larvas.

Mônica Teixeira:
Mas se, então, desculpe, como é que chama? Tampar a caixa d’água não faz o mesmo efeito?

Jarbas Barbosa:
Tampar a caixa d’água resolve, mas tampar a caixa d’água não é tão simples, porque mesmo caixas d’águas aparentemente tampadas, só por aquele orifício pequeno, o ladrão, por ali o mosquito consegue entrar. O problema é que caixa d’água, na verdade, não deveria existir. Todos nós precisamos armazenar água de alguma maneira na sociedade. Quem tem mais recurso, armazena em caixa d’água, quem não tem, armazena em tonel. Mas tem cidades nos Estados Unidos... que para preservar a qualidade da água, inclusive, proíbem a existência de caixa d’água, e o sistema de água funciona com circuito completo. Caixa d’água sempre é um risco e sempre tem que ser examinada, mesmo que aparentemente esteja tampada corretamente.

Paulo Markun: Então, eu vou fazer uma pergunta. É o seguinte. Eu tenho na minha casa uma caixa d’água - moro, não é o caso... felizmente eu moro em Santa Catarina, onde esse problema não existe nesse momento, nessa intensidade - mas tenho uma caixa d’água, eu tenho que fazer o quê? Olhar a caixa d’água? E se eu não entendo nada de mosquito, o que adianta eu olhar?

Jarbas Barbosa: Tem que olhar a caixa d’água. Primeiro, olhar se ela está tampada, se a tampa não está rachada etc.

Paulo Markun: Sim, perfeito.

Jarbas Barbosa:
Quando o guarda sanitário vai nas casas das pessoas, ele olha a caixa d’água porque o ovo do mosquito não é visível a olho nu...

Paulo Markun:
Sim.

Jarbas Barbosa:
..mas se há larvas em quantidade, tem pessoas que vêem as larvas e, inclusive, telefonam avisando: “olha, aqui eu estou vendo larva”. Para esse caso, vai ter que limpar a caixa d’água, porque pode ter ovo nas paredes. E providenciar a tampa. O maior perigo é naqueles locais onde as pessoas tem que usar a caixa d’água como um reservatório de água. Nesses casos, o que está sendo feito, principalmente na região Nordeste, é botar uma tela que seja permeável à água, ou seja, que a pessoa consiga encher aquela caixa d’água sem deixá-la exposta.

Paulo Markun: Ah, sim, porque a pessoa, para tirar água, ela precisa acessar a caixa d’água permanentemente.

Jarbas Barbosa:
Exato, exato. Nesses casos é importante que ela fique tampada.

Paulo Markun:
Em relação a piscinas?

Jarbas Barbosa: Se é uma piscina que está com a cloração normal, não tem perigo. O problema são as casas que ficam abandonadas muito tempo e a água baixa ou fica só acumulando água de chuva sem cloro, aí sim pode virar um gigantesco criadouro de mosquito.

Paulo Markun: Para terminar aqui a série de perguntas dos telespectadores, Roberto Winter Caracas, aqui de São Paulo, quer saber se é possível controlar de alguma forma a proliferação e o aparecimento do mosquito trocando a água das plantas ornamentais - no caso dele, bromélias, bromeliáceas - de tempos em tempos, ou seja, quebrando o ciclo, através de um ato mecânico como a troca do líquido, quer dizer, que não caracterizaria a formação de água parada. Imagino que ele, ele diz o seguinte: “a cada duas vezes por semana, usando água sob pressão, trocando toda água de cada muda” Ele deve ser ou um criador de bromélias ou evidentemente um grande admirador.

Mônica Teixeira:
Ele quer preservar as bromélias.

Marcelo Burattini: Essa é uma técnica - usar água sobre pressão - mas teria que ser mais freqüente de que duas vezes por semana. O que se recomenda é que seja uma vez a cada quarenta e oito horas, no máximo. Outra possibilidade é usar cloro na proporção de uma colher de sopa por litro na água, e ele repõe a água da bromélia com a água clorada, e essa água clorada funciona como a da piscina, ela inibe o desenvolvimento da larva do mosquito.

Paulo Markun: Enão mata a bromélia?

Marcelo Burattini: Não, não mata bromélia. Agora, o problema é que se essa bromélia estiver exposta, estiver num ambiente, num jardim, por exemplo, a bromélia passou a ser um grande problema, porque ela se tornou uma planta ornamental muito procurada, e as bromélias ornamentais são muito grandes, elas são muito maiores do que...

Paulo Markun: Tem grandes depósitos de água.

Marcelo Burattini: Tem grandes depósitos de água e são criadores eficientíssimos. Então esse é um problema muito grande.

Mônica Teixeira: Então, talvez fosse melhor não ter bromélias agora?

Marcelo Burattini: Não, não vamos ser radicais. Tome conta da sua bromélia como de todo o seu ambiente doméstico. Isso implica em orientação. E voltando ao tema que o professor João Yunes abordou, a conscientização da população tem que ser permanente. Não adianta no momento da epidemia nós fazermos uma grande campanha, somos procurados pela imprensa para darmos entrevistas diariamente sobre dengue, e quando acaba o surto epidêmico, é exatamente o momento de atuação para eliminarmos os criadouros, não se fala mais no assunto.

Paulo Markun: Eles voltam a falar da casas dos artistas.

Marcelo Burattini: Não se fala mais no assunto, passa-se à população a idéia de que o problema foi controlado porque a epidemia arrefeceu, o número de casos diminui. Às vezes zera, e se passa sete, oito meses do ano sem fazer nada. Quando volta a época climática favorável nós temos todos os criadouros fervilhando e a população de mosquito pronta para eclodir novamente. Daí esse ciclo... e como o Jarbas mencionou, no Brasil, nós tivemos nos últimos 15 anos três períodos epidêmicos bem importantes, que dizem respeito à introdução de cada um dos sorotipos no país. E está faltando o quarto, que é o que não chegou ainda no Brasil, mas já está circulando no sudeste da Ásia.

João Yunes:
Inclusive esta epidemia estava prevista, não é? Porque em 1998 ocorreu uma epidemia, o secretário municipal do Rio, que era o Sérgio Arouca, previu a epidemia e realmente ela está acontecendo.

Marcelo Burattini:
E aliás, a epidemia de 1998 foi maior que a atual, no Brasil e no Rio de Janeiro, ainda maior que a atual.

Mônica Teixeira:
Com 530 mil casos.

Aureliano Biancarelli: Caberia uma pergunta agora aos senhores especialistas em saúde pública. As decisões devem partir dos homens que fazem ciência e que estudam o problema ou as decisões estão nos gabinetes dos políticos?  

Eduardo Massad:
Tem que haver um entendimento entre essas duas partes.

Aureliano Biancarelli:
Dá para dizer que o mosquito dessa vez vai levar a pior porque nós tivemos um ministro candidato que tomou o choque da epidemia no momento em que menos se esperava, ou era uma epidemia esperada, e nada se fez por ela, no momento em que sua candidatura era lançada?

Marcelo Burattini:
Eu não levaria a questão tão para um aspecto político partidário ou político eleitoral nesse momento. Eu creio que a decisão tem que partir do gabinete político, aliás, do gabinete executivo. Essa é a responsabilidade da decisão da coordenação. Agora, essa decisão pode ser instrumentada pela academia, pelo pensamento, pela pesquisa. Como o professor Eduardo colocou, quanto mais conhecimento for agregado na decisão, mais efetiva ela vai ser, mais otimizada a estratégia de controle adotada vai se tornar. [No] Controle de doença transmissível, [no] controle de doença infecciosa, quando se muda a perspectiva de radicação para uma perspectiva de controle, nós passamos a falar numa atitude e numa atividade permanente. Ela não é mais esporádica, ela tem que ser intensificada esporadicamente, nos momentos em que o ciclo biológico da doença recrudesce a transmissão, mas é uma atitude permanente e é uma atitude permanente de ciclo muito longo. Nós estamos conversando aí em ciclos de vinte, trinta anos, portanto é supra-governamental, não é? Restringir essa questão no aspecto político eleitoral, eu não creio que seja o mais adequado, é uma tomada de posição da sociedade.

Aureliano Biancarelli: Nós tivemos um problema em 1996, quando se fez um plano que foi interrompido por falta de verbas ou de vontade política, e se atribui essa epidemia que está aí agora a essa interrupção.

Eduardo Massad:
O problema é que esse programa de 1996, de uma certa maneira, tinha uma ambição que levou a um certo descrédito por parte das universidades e dos centros de pesquisas. Porque ele foi lançado como programa de erradicação do mosquito. Quando você fala em erradicar qualquer coisa para quem trabalha com doença transmissível, você já fica com o pé atrás. “Eu desconfio que esse cara não sabe do que está falando”.

Marcelo Burattini:
Esse programa foi abandonado oficialmente no final de 1998 e foi substituído - o programa de erradicação do Aedes aegypti pela própria Funasa, depois o Jarbas pode comentar - dentro do plano de governo, por um programa muito mais adequado que é o Plano de Intensificação de Ação de Controle ao Aedes aegypti.

Paulo Markun:
Agora, tudo bem. Pergunta Adil Fonseca aqui, pela internet, o seguinte: “Se o discurso do governo federal é o de prevenção, por que o governo demitiu seis mil mata-mosquitos [agentes de saúde] no Rio de Janeiro em 1999?” Ele diz que teve dengue recentemente e que está indignado com o governo que, segundo ele, gasta demais agora na cura do que devia ao ter prevenido.

Jarbas Barbosa:
Primeiro não houve demissão. O Rio de Janeiro tinha uma situação diferente do resto do Brasil, que não deu ao Rio de Janeiro nenhuma vantagem, tanto que o Rio de Janeiro foi o estado mais acometido por epidemia nos anos 1990. O que nós tínhamos lá era um exército de mata-mosquitos temporários, dentro, inclusive, eu acho, dessa concepção equivocada de que dengue era algo passageiro, que a gente ia se livrar logo. Nós não podemos combater a dengue com exército temporário, nós temos que ter exércitos permanentes. O que foi feito no Rio de Janeiro em 1999 foi aplicar no Rio de Janeiro o que já era aplicado em todo Brasil. O Ministério da Saúde passa os recursos para os estados e municípios e esses contratam permanentemente as pessoas.

Paulo Markun:
Mas o ministério não tem que fiscalizar como se usa esse dinheiro?

Jarbas Barbosa:
Tem, o ministério tem que fiscalizar, os estados têm que fiscalizar, eu acho que tem que haver um processo permanente de fiscalização, de supervisão técnica. Mas só para concluir essa questão do mata-mosquito, com os mata-mosquitos em 1998, nós tivemos a maior epidemia dos anos 1990; em 1999, sem eles, não teve epidemia, quer dizer, não dá para atribuir essa relação causal exclusiva. O problema é que sempre a gente tenta encontrar uma causa única para a epidemia. E a epidemia, principalmente como a de dengue, quase nunca decorre de uma causa única e tão simples que pudesse [se dizer] “bom, se contrata mais mil mata-mosquitos, a gente elimina completamente a dengue”.

Paulo Markun: Se a questão é essa, eu acho que cabe aqui a pergunta de Edlan Francisco, que é do bairro de Francisco Morato, aqui em São Paulo: “Por que se está colocando o exército nacional no combate  à dengue?”.

Jarbas Barbosa:
O Exército tem sido uma experiência boa de participação. Em 1998, na epidemia de 1998, no Rio de Janeiro, o Exército participou. Primeiro ele ajuda com algo até psicológico. Um dos problemas que a gente tem nas cidades é que as pessoas se recusam a deixar o agente de saúde entrar. E a taxa de pendência em alguns bairros no Rio de Janeiro, em 1998, chegou a 30%, 35% de domicílios que não deixavam os agentes entrar, principalmente nos bairros de classe média, média-alta. Então o Exército ajuda com isso; o Exército ajuda porque, por natureza, tem pessoas bastante disciplinadas, não é? E trabalhando em conjunto com guardas bem treinados, a gente tem tido um resultado muito bom e preenche bem isso que foi colocado de que é preciso ter uma atividade permanente. Mas, sem dúvida nenhuma, no momento em que há uma intensificação desse tipo nós temos que colocar recursos adicionais, mesmo que temporários, como são esses recursos humanos que o exército está emprestando: 1300 pessoas do Exército e da Marinha do Rio de Janeiro, mil pessoas em São Paulo, mais um contingente em Brasília, ou seja, tem sido uma integração que tem funcionado bem. O que está faltando, eu creio... no Rio de Janeiro, eu acho que no dia 9 de março, nós vamos fazer uma grande experiência de fazer um dia só de mobilização. O que é importante? A gente tem feito pesquisas de opinião que têm detectado que as pessoas, de uma certa maneira, sabem o que causa perigo para ela dentro de casa. Eu acho que falta motivação e falta ensinar como fazer. Dizer: “olha, a planta é problema”. Mas como a gente não pode viver num mundo sem flores e sem plantas nas casas, se a gente não ensina como conviver com a planta sem risco, aquilo ali tem pouca eficácia. E o problema da motivação... porque como todo mundo sabe, se ele faz o trabalho dele na casa dele, mas os vizinhos não fazem, aquilo ali não tem nenhum valor. O fato de concentrar num dia... um agente nosso faz uma inspeção de uma casa num tempo de 24 a 28 minutos, quer dizer, a gente acha que em uma hora, no máximo, uma família vai conseguir... a gente vai distribuir um roteiro [sobre o que] ela deve procurar no jardim, dentro de casa, no quintal... de maneira que a gente, ao fazer essa mobilização intensa, num dia único, também crie o hábito da família fazer uma vistoria na sua casa.  

Paulo Markun:
Eu queria colocar uma outra questão. Recentemente a Folha de S. Paulo publicou as notas que os estados receberam, justamente num trabalho da Funasa, que dava nota de um a oito - a pior nota era um, a melhor nota era oito - em estados que estavam acima ou abaixo da média nacional ou regional, das médias atingidas no país, em relação à questão da dengue. E o quadro é difícil de compreender para quem não é especialista. O Acre, por exemplo, [teve] nota oito, acima da média; Mato Grosso do Sul, nota um, pior nota; Brasília, Distrito Federal, pior nota; Pernambuco, pior nota; Paraíba, pior nota; Rondônia, nota máxima; Rio Grande do Sul e Santa Catarina, nota máxima; Pará, nota máxima. O que explica isso?

Eduardo Massad:
Não pode comparar uma situação...

Paulo Markun: Não é como boletim escolar?

Eduardo Massad: Não é possível. Veja, a população do Acre e de Rondônia convive com malária desde sempre. Então já há essa preocupação, já faz parte das pessoas esse hábito de tentar controlar esse tipo de contato. Você não pode comparar uma população habituada a esse convívio, com um problema sério como a malária, com quem nunca tem nada. Esse é um ponto importante.

João Yunes: Mas, Markun, essa pesquisa avaliou a vigilância epidemiológica, certo? Em relação a três doenças: dengue,...

Paulo Markun: Sarampo e meningite.

João Yunes: Sarampo e meningite. Então depende também do... Agora o que chamou atenção aí...

Paulo Markun: Eu estou vendo só o quadro da dengue, não estou entrando nos outros.

João Yunes:
Agora, o que chamou a atenção, nenhum estado tem uma vigilância excelente, não é? Então isso chama a atenção. Quando você perguntou em relação... eu acho que não adianta a gente querer jogar o município contra a União, a União contra o estado porque o Sistema Único de Saúde são os três níveis. O que é preciso é uma integração maior dos três níveis e uma definição melhor das responsabilidades, porque ao nível federal, ao nível central cabem, basicamente, a norma e o recurso financeiro; ao estado a supervisão e a capacitação. Agora, a execução é de responsabilidade municipal. Mas é lógico que com o recurso da União e supervisão do estado.

Marcelo Burattini:
Mas esse é o plano que foi estabelecido com a Constituição de 1988 quando se definiu a municipalização das ações de saúde.

João Yunes: Isso.

Marcelo Burattini:
Mas falta exatamente regulamentação desse plano, a definição clara das atribuições e das responsabilidades de cada nível. Colocando sinteticamente assim é muito bom, mas o que nós vemos, não só em relação à dengue, mas a outras doenças que são momentos em que acontecem, é exatamente uma dificuldade muito grande de integração e de concatenação entre as atividades dos vários níveis.

João Yunes: Eu concordo, Marcelo, mas em relação à dengue, a Funasa definiu essa responsabilidade. O que falta, eu acho...

Marcelo Burattini: O mecanismo de cobrar essa responsabilidade.

João Yunes: De cobrar. E o estrangulamento sério é que a vigilância epidemiológica, vigilância entomológica é fundamental, e não houve uma transição suave do programa vertical do Ministério [da Saúde] para uma municipalização, não houve essa transição suave. Então, o que acontece, quer dizer, a curto prazo os municípios não têm capacidade para exercer essa função. Quando o Markun falou do Exército, “bom, é guerra, então guerra é guerra”. Agora, além do Exército, está se usando população mobilizada, comunidade, e eu sugiro também, como estratégia, ter um programa nacional de saúde da família. São mais de treze mil equipes, tem agentes de saúde comunitários, que são mais de 150 mil agentes de saúde comunitários. Esse pessoal, por exemplo, poderia se incorporar nessa guerra, porque são pessoas que vivem junto à comunidade. Esse programa existe em todo Brasil.

Mônica Teixeira: Mas não estão incorporados?

Jarbas Barbosa:
Estão sendo incorporados. Nós fizemos um...

João Yunes: Estão sendo incorporados.

Jarbas Barbosa: ...treinamento em linha, fizemos lá um treinamento de treinadores, [com] material didático, fizemos por teleconferência, treinamos alguns milhares de multiplicadores e num único dia foram treinados perto de 89 mil agentes comunitários de saúde. Qual é a diferença do agente comunitário de saúde para o agente tradicional de endemia? O agente tradicional entra, fura lata, recolhe, joga o larvicida e sai. O agente comunitário de saúde é alguém que entra na casa para conversar sobre saúde. Então, para o objetivo de mudar hábitos, de ensinar a família como preservar o ambiente livre de recipientes que possam virar focos, seguramente que a integração com os agentes comunitários pode dar um resultado muito bom, como já deu com a malária. Tem gente que acha: “não, a descentralização pode ser ruim”. Eu creio que não. Eu sou defensor da descentralização porque eu acho que ela é melhor, eu acho que o município X sabe melhor como mobilizar a sua população do que...  

João Yunes:
O controle social mais próximo, no nível político.

Jarbas Barbosa:
O controle social mais próximo, a capacidade de mobilizar. O que a gente precisa ter são regras nacionais porque se cada um controla de um jeito, você perde a padronização, são normas comuns. Mas a descentralização é muito vantajosa. Com a malária, a descentralizarão das ações na Amazônia fez com que a gente duplicasse o número de pontos e diagnósticos de tratamento, o que contribuiu decisivamente para a queda de mais de 40% de casos de malária que a gente teve. Foi a maior redução que a gente já teve em toda história da malária em tão pouco tempo. Evitamos prováveis 800 mil casos de malária em três anos, se tivesse mantido a mesma tendência de crescimento, e isso foi possível graças à descentralização.

Paulo Markun:
No caso da dengue o problema maior é nas grandes cidades?

Jarbas Barbosa: No caso da dengue é muito mais complicado porque é nas grandes cidades. Nessas grandes manchas urbanas, você tem problema de abastecimento de água, tem problema de lixo urbano, tem o problema da gente... Nós precisamos mudar essa postura e insistir muito na motivação das pessoas e na informação, porque se a gente não fizer isso, eu creio que a dificuldade vai ser muito maior do que a gente [...].

João Yunes:
É que mais de 70% dos casos de dengue ocorrem em municípios com mais de 50 mil habitantes.

Paulo Markun:
Mas vamos pegar um exemplo recente. Eu não entendo de dengue coisíssima nenhuma. Evidentemente, talvez... saindo desse programa eu me sinto até mais reconfortado. Mas tenho a impressão de que é mais complicado para a pessoa, para o cidadão economizar energia elétrica, deixar de usar o freezer, parar de tomar banho quente, trocar a lâmpada de casa e fazer a economia de energia que assegurou o sucesso do plano que evitou o apagão, do que você tirar as águas que podem gerar mosquito dentro de casa.

João Yunes:
Mas o racionamento de energia mexeu no bolso do consumidor, não é?

Eduardo Massad:
E mais do que isso. Ontem, o Fernando Pedreira publicou uma matéria muito interessante no Estado de S. Paulo, em que ele faz essa análise. E a questão da economia da energia se centrou numa faixa da população, que foi o grande determinante, que é uma faixa mais bem informada.

Paulo Markun:
Digamos a classe média?

Eduardo Massad:
A classe média. O nosso problema agora é que você está na dependência de uma participação maior de uma faixa da população menos informada.

Mônica Teixeira:
Mas a gente acabou de dizer aqui que a classe média não deixa entrar na casa, não deixa o agente entrar.

Eduardo Massad:
Não, o problema não foi dito da classe média, existem problemas de entrar...

Mônica Teixeira:
A classe média, a classe média-alta resiste mais, vamos dizer, quer dizer então...

Marcelo Burattini:
Resiste mais, mas ela contribui com um número de domicílios muito menor. E quando a gente pensa em números de foco de procriação, ele está muito menor.

Eduardo Massad: Ele está na periferia, tanto que todos os casos quase, da cidade de São Paulo, estão na periferia.

Marcelo Burattini: Agora, tem um outro fator também. Não dá para comparar a intensidade da divulgação e do esclarecimento que se fez à população com as medidas de controle de consumo de energia, com o que se faz em relação à prevenção da dengue e a complexidade das medidas. Apesar de que é muito simples. No caso do Rio de Janeiro, no pratinho do vaso que fica, é colocar areia, não precisa fazer mais nada; você pôs areia ali, acabou o problema, não vai ter água parada, é só você manter ele sempre cheio de areia. Agora, isso precisa ser dito permanentemente. As pessoas são treinadas e esquecem, desaprendem rapidamente. Daí a importância de um plano de controle ser permanente. É na época que acaba a época da chuva que se deveria atuar. Essa é a época mais favorável.

Mônica Teixeira:
É mais difícil controlar agora, que está chovendo, muito mais, tem muito mais.

Marcelo Burattini: Uma mesa redonda como a de hoje seria muito mais útil se fosse em julho ou agosto.

Mônica Teixeira: E tem muito menos criadouro.

Marcelo Burattini:
Esse é o momento do ano para fazer esse tipo de alerta para a população.

Eduardo Massad:
Nós estamos todos concentrados na situação da dengue, mas existem tantos outros problemas de saúde pública que precisariam de uma continuidade de informação que as pessoas passariam o dia inteiro ouvindo informação sobre saúde.

Marcelo Burattini: Por exemplo, quantas vezes você viu uma mesa redonda sobre diarréia infantil e desnutrição? É o que mais mata no Brasil, está certo? É doença de saneamento.

Aureliano Biancarelli: Mas a impressão que nós estamos tendo aqui, como leigo, é que tirando o pratinho das flores, da planta, a coisa está resolvida. Quando na verdade, me parece que o crescimento da epidemia está ocorrendo mais nas periferias, e vem aí nas caçambas dos caminhões de lugares onde elas estão atingindo. Quer dizer, o saneamento básico tem uma importância fundamental.

Marcelo Burattini: É urbanização, vamos dizer, é mais amplo do que saneamento básico.

Aureliano Biancarelli:
Então é mais do que eu tirar a plantinha da minha casa.

Marcelo Burattini: Sem dúvida.

Mônica Teixeira: Mas precisa tirar a plantinha.

Paulo Markun:
Tirar a plantinha da sua casa não custa nada, basta você tirar, agora fazer saneamento básico, recolher o lixo envolve todo um outro processo.

Aureliano Biancarelli
Está certo que esse mosquito é todo especial, ele prefere águas limpas, não vai no esgoto que corre a céu aberto, mas ainda assim, mesmo numa situação dessa de falta de saneamento propicia...

Jarbas Barbosa:
Agora, eu acho que tem que ter saneamento por várias razões, por cidadania, porque vai diminuir a mortalidade infantil etc. No caso do mosquito Aedes aegypti, é bom a gente lembrar que mesmo cidades totalmente saneadas têm problema de dengue e de Aedes aegypti. Quer dizer, o saneamento é muito importante, dá um impacto fantástico sobre condições de vida, mas ele sozinho não resolveria também o problema. Eu queria comentar a questão do racionamento, eu acho que tem uma diferença também. É que o cenário que se avizinhava, o cenário que era projetado era um cenário dramático, e isso mobilizou,. Por que que se fala que tinha que economizar, campanhas até de produtores de eletrodomésticos já existe há muito tempo, e eu nunca tinha ouvido falar...

Paulo Markun: O que assustou foi o apagão, a ameaça do apagão.

Jarbas Barbosa:
O que assustou foi o apagão. Nos outros países do mundo também só se percebeu uma mudança rápida de comportamento das pessoas quando eles viveram epidemias dramáticas de febre hemorrágica da dengue, como Cuba, como Venezuela, quando tiveram milhares de casos e alguns milhares de mortes. O desafio é conseguir essa mudança no Brasil sem que a gente passe por essa situação dramática.

Mônica Teixeira:
Mas então, espera um pouquinho, deixa eu fazer uma pergunta. Posso fazer?

Paulo Markun:
Depois do intervalo. Eu queria colocar essa e outras questões logo depois do nosso intervalo. Nós voltamos já, já.

[Intervalo]

Paulo Markun:
Já estamos de volta com o Roda Viva, hoje discutindo a dengue. Eu queria começar com mais algumas perguntas de telespectadores, dessas bem específicas também na mesma regra do bloco anterior, esperando respostas sintéticas dos nossos participantes. Afonso Carneiro de Belo Horizonte, Minas Gerais, publica aqui ou transcreve um texto, que está sendo distribuído pela internet, que fornece informações sobre como combater a larva do mosquito com borra de café, com um custo bem barato e menciona aqui que esses dados seriam da bióloga Alessandra Laranja do Instituto de Biociências da Unesp, campus de São José do Rio Preto, que numa pesquisa - essa é a informação que está na internet - de dissertação de mestrado descobriu que borra de café produz um efeito que bloqueia a postura e desenvolvimento dos ovos do Aedes aegypti. É fato? Ninguém conhece? É?

Mauro Marzochi: Não, o dengue, aliás, o Aedes aegypti gosta de água limpa,  água sem nenhum contaminante. Então basta você acidificar a água com um pouquinho de vinagre ou colocar água sanitária, cujo princípio ativo é o cloro, ou um pouquinho de sal é suficiente para que as larvas não se desenvolvam. Então não precisa complicar essa questão usando outros produtos. Agora o ideal mesmo em pratinhos de vasos de planta é colocar areia ou terra, de tal maneira que você não acumule água. E essas receitas caseiras aí - sal, vinagre, água sanitária - são válidas. Para a bromélia, por exemplo, basta regar a planta com um litro d’água com uma colher de chá de água sanitária. Agora, como isso evapora muito rápido, eu prefiro até usar uma colher de sopa e a bromélia...

Paulo Markun:
Sobrevive tranqüilamente.

Mauro Marzochi: Sobrevive tranqüilamente, sem problemas.

Paulo Markun:
Isaac Bezerra e Silva, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, pergunta o seguinte: “ É sabido que no passado o uso do DDT [sigla de Dicloro-Difenil-Tricloroetano, primeiro pesticida moderno largamente utilizado após a Segunda Guerra Mundial para o combate dos mosquitos causadores da malária e do tifo] foi de grande valia no controle de pragas do tipo mosquito pólvora, borrachudo etc. Não é possível que a proibição do uso do DDT, por razões ambientais, possa ter contribuído para a perda ou para derrota nessa luta contra as pragas?”
 
Jarbas Barbosa: Não. Eu creio que não, porque o DDT foi substituído por outros inseticidas bastantes eficazes e que causam dano à saúde muito menor do que o DDT causava. Não se aboliram os inseticidas. Agora, para esse mosquito particularmente, diferente de outros mosquitos que vivem mais fora do domicílio e que aí você pode usar com mais intensidade o inseticida... Hoje eu vi uma matéria relembrando um combate lá ao mosquito que transmite a febre do Oeste do Nilo [provocada por um vírus transmitido pela picada de mosquitos adaptados a áreas urbanas. O inseto é apenas o vetor, e a ave seu principal hospedeiro], em Nova Iorque, em 1999, [em que] se usou helicóptero. Aí alguém vai dizer: “Por que não se usa helicóptero contra o Aedes aegypti?" Porque aquele mosquito está fora da casa em coleções de água que você pode fazer dessa maneira. O grande desafio do Aedes aegypti é que ele está dentro das casas, ou seja, bombardear de helicóptero ou de avião provavelmente só vai causar dano ao meio ambiente e quase nenhuma eficácia contra o mosquito.

Marcelo Burattini:
Mas eu diria que aí tem um pouco de controvérsia. Eu acho que o papel do DDT, o DDT foi o grande vilão ambiental do final da década de 1960, início da década de 1970.

Paulo Markun:
Com algumas razões, não é?

Marcelo Burattini: É proibido o uso no mundo inteiro, depois o Mauro provavelmente vai querer comentar isso. Com o número de unidades domiciliares que nós temos hoje nas grandes cidades brasileiras, e com o efeito residual pequeno do piretróide em relação ao DDT, que ele tem um efeito residual de 60 dias até 90 dias em condições ideais. E com o custo do piretróide, que é muito elevado - cem vezes, 150 vezes maior - eu acho que nós precisamos reavaliar um pouco essa situação. E uma coisa é o uso ambiental do DDT, como chegou a ser veiculado ou proposto em meados da década de 1950 nas campanhas da erradicação de malária em que se falava de aspersão ambiental de DDT, que aí é uma calamidade. Outra coisa é fazer a aspersão intradomiciliar em paredes bem forradas, em ambientes urbanos, porque o risco de contaminação ambiental é muito pequeno, se bem aplicado e se bem dosado, com uma vantagem que você pode fazer... Por exemplo, no caso da dengue, o DDT provavelmente seria suficiente uma vez por ano, por domicílio. Porque se você fizer isso no início da estação de transmissão, você tem um efeito residual de seis meses, aproximadamente de seis a oito meses para o DDT, e você provavelmente conseguiria manter uma situação mais controlada com uma atividade uma vez por ano. [Para] O piretróide você vai ter que desenvolver essa atividade quatro vezes por ano, pelo menos. E nós não temos condição de fazer isso. Eu acho que isso vale a pena reabrir.

Mauro Marzochi:
Eu compartilho dessa opinião, eu acho que merece uma discussão técnica com a academia, porque eu não vejo solução a não ser a utilização do DDT intra-domiciliarmente.  

Paulo Markun:
Diga-se, e que se esclareça bem, através das equipes treinadas para utilizar isso.

Mauro Marzochi:
Claro, treinadas. É uma esborrifação das paredes internas, de tal maneira que a chuva não lave o DDT para o lençol freático, não é? Agora a ação residual do organo-clorado é muito grande, é muito maior do que do piretróide. O piretróide está tendo problema de eficácia, o bacilo thuringiensis [método de controle biológico, em que o bacilo produz uma proteína que, quando ingerida pelas larvas dos pernilongos comuns, dos mosquitos transmissores da malária e da dengue, causa parada da ingestão, convulsões e morte das larvas] está tendo problema de eficácia como larvicida, o temefós, que é o abate, está induzindo resistência ao Aedes aegypti, porque o temefós é um organofosforado. Então, hoje em dia, [no combate ao] Aedes aegypti, para a pulverização ultrabaixo volume, a maior eficácia se observa com o Malathion, que é um inseticida tóxico que se asperge em ultrabaixo volume, as pessoas respiram. Agora, o DDT aplicado nas paredes das casas intra-domiciliarmente pelos técnicos vai causar um impacto... isso eu imagino e a gente tem histórias do passado, nas regiões onde se combatia a malária e o Aedes aegypti, praticamente se eliminou o Aedes aegypti assim como o Anopheles da malária.

Marcelo Burattini: Eu gostaria de fazer um ponto também, desculpe, [cita o nome de um dos entrevistadores] porque esse é um assunto que se debate muito, inclusive academicamente, e isso vai gerar muito...

Paulo Markun:
Muita polêmica.

Marcelo Burattini:
Muita polêmica. Que o DDT é mais eficiente como inseticida de ação residual que o piretróide, não tem dúvida. Agora, eu não tenho certeza se é viável, na situação brasileira de hoje, mesmo com o DDT fazer um programa de rociamento [espécie de dedetização de domicílios efetuadas por especialistas] intra-domiciliar, pelo número de municípios, pelo volume de recursos, não só financeiros, mas humanos e de logística, necessários para isso. E vou mais longe, eu acho que mesmo assim você ainda teria problema de dengue em algumas regiões, pelos núcleos periurbanos com condição de urbanização muito precária. O controle da dengue envolve um planejamento urbano de uma maneira mais integrada e mais intensa. É uma questão de limpeza pública, é uma questão de saneamento, é uma questão de manter limpo o entorno da cidade, os aterros sanitários que não existem praticamente no Brasil. Nós temos, na verdade, lixões a céu aberto, são enormes depósitos, assoreamentos de rios, uma série de problemas no ambiente urbano que vão muito além. Sem dúvida, o rociamento domiciliar contribuiria para resolver o problema e, se fosse para se optar, é melhor, na minha opinião pessoal, o DDT do que o piretróide pelas razões já mencionadas. Mas ele não deve ser visto como uma única arma ou como uma arma onipotente, vamos dizer, no combate à dengue.

Paulo Markun:
O doutor Jarbas está com cara de que não concorda muito com a tese.

Jarbas Barbosa:
É. Eu acho que em saúde pública a gente sempre tem que medir risco e benefício. Eu creio que o DDT prestou enormes serviços à saúde pública no mundo e aqui no Brasil, principalmente no combate à malária. Mas depois do banimento do DDT, eu creio que também teria que ser avaliado qual seria a adesão, quer dizer, a população aceitaria hoje a gente entrar nas casas e molhar as paredes com DDT? Quando a gente vai avaliar uma medida dessas, para essa sociedade de hoje, a gente tem que levar em conta, além do risco que o uso do DDT traria, a própria aceitabilidade ou não do DDT. O que eu quero dizer é o seguinte: países como, por exemplo, a Bolívia, tiveram dificuldade de substituir o DDT pelos piretróides que são muito mais caros - não é o caso do Brasil. Então eu creio que, apesar de saber que o uso do DDT é mais cômodo, eu creio que é melhor a gente, com os recursos atualmente disponíveis, fazendo um monitoramento de resistência, fazendo um manejo... a substituição é possível, utilizar inseticidas e larvicidas com racionalidade. Até porque eu creio que no caso da dengue a grande arma é eliminar recipientes que podem virar criadouros. Eu fico preocupado porque sempre se procura - em epidemia isso é muito comum - algo que magicamente resolva: a borra de café, o óleo ou um larvicida novo que alguém descobriu e que, sei lá, está guardado numa fórmula mágica. Provavelmente tudo isso tem alguma ajuda, mas quando a gente não tem uma arma única que é completamente eficaz, nós temos que usar todo o arsenal disponível. E nesse arsenal disponível, eu acho que destacadamente hoje é a população se livrar de recipientes que possam estar juntando água.

Mônica Teixeira:
Então, o que eu ia perguntar, antes do intervalo, era justamente relativo a isso. Dentro dessa organização da saúde pública brasileira, considerando que nós estamos no SUS, municipalizado etc. De quem é a responsabilidade de fazer, de se encarregar da comunicação, das ações de comunicação social que estão envolvidas nessa mudança de comportamento, nessa mudança de mentalidade? Tem dinheiro para isso previsto? E quem é que tem que prever isso?

Aureliano Biancarelli: Eu acrescentaria, desculpe: em março de 1998, quando o ministro Serra tomou posse, ele anunciava uma guerra ao mosquito. E, ao longo desse período, ele se revelou, e isso é um consenso, talvez o melhor ministro que já tivemos. No entanto ele sai - é o que se diz - derrotado pelo mosquito. O que houve?

Eduardo Massad:
Eu acho que é uma coisa importante que a gente não está falando...

Mônica Teixeira:
Eu queria não perder a minha pergunta. Porque eu fiquei esperando, e o problema de engatar outra pergunta é este: responde a que veio depois e não responde a de antes.

Paulo Markun:
Então vamos começar respondendo a da Mônica.

Eduardo Massad:
É, o doutor Jarbas é que vai querer responder.

Jarbas Barbosa:
Primeiro o seguinte. Eu acho que a responsabilidade é de todos, porque como já foi dito aqui, o modelo que foi construído no sistema de saúde brasileiro prevê a participação dos três níveis de governo, então não tem mosquito federal, estadual ou municipal. A autoridade que diz isso é uma autoridade que está se omitindo. E eu creio que não tem pior tipo de autoridade... pior do que enfrentar e não ter uma vitória imediata, eu acho que é saltar fora da luta dizendo: “Ah, isso não é comigo”. É comigo sim, é com o governo federal, com o governo estadual e é com o governo municipal. O desafio, Mônica, é fazermos campanha em que não baste dizer: “Olha, cuidado com a dengue”. Isso a população já sabe. Eu acho que o trabalho é como motivar e mudar comportamento. Isso é um desafio grande porque mesmo com profissionais de comunicação você não tem um consenso muito fácil do que fazer. E sobre a questão da guerra, o que eu queria comentar é o seguinte. Se a gente for usar essa imagem da guerra, a guerra contra a dengue não é um desembarque de tropas que no outro dia toma uma cidade. Parece mais com as guerras prolongadas que a gente teve, e persistentes. Eu creio que o ministro Serra enfrentou decisivamente essa questão, ampliou recursos. Eu acho que ele, no limite da atuação do Ministério, tomou todas as medidas possíveis. Querer um ministro da Saúde que em um ano ou dois erradique completamente o mosquito, eu diria que nenhum pesquisador sério no mundo, ninguém que trabalhe com base em dados científicos é capaz de fazer esse tipo de promessa. Quem fizer, eu acho que é uma promessa demagógica irrealizável, incumprível e que termina servindo para desmoralizar mais ainda o combate ao mosquito. Acho que ele tem... é uma guerra mesmo, uma guerra permanente, enquanto não tiver algo tecnológico completamente diferente, como uma vacina absolutamente eficaz, nós não vamos poder guardar as armas mesmo numa eventualidade de termos erradicado o mosquito. Deveria ter servido de alerta o fato de que a última erradicação feita em 1973 só durou três anos. Ou seja, as condições estavam tão favoráveis que diferentemente de oitenta, cem anos atrás, quando a gente conseguia passar duas três décadas sem mosquito, nós só conseguimos três anos, ou seja, o mundo tinha mudado tão favoravelmente ao mosquito que era quase impossível mantê-lo eliminado durante um período maior de tempo.

Mônica Teixeira: Agora Jarbas, você disse que o mosquito não é nem federal, nem estadual, nem municipal, mas o doutor João Yunes, no começo do programa disse: “Olha, tem um tipo de atribuição que é federal, no SUS, um tipo de atribuição que é estadual e um tipo de atribuição que é municipal”. Então, de quem - eu vou perguntar de novo - será que a gente não pode definir uma responsabilidade a respeito de a quem cabe as ações de comunicação social?

Jarbas Barbosa: Não, mas é por isso que eu digo que tem os três, por quê? Porque as grandes campanhas de televisão, geralmente é o Ministério que... não é? Mas também é importante fazer ações locais...

Mônica Teixeira:
Mas na verdade, campanha de televisão não vai resolver o problema.

Jarbas Barbosa:
Não, ela apóia, eu acho que ela gera um clima, não é? Mas você tem ações locais que são desenvolvidas, por exemplo, por intermédio da rede escolar. E aí as secretarias municipais de educação têm um papel muito importante, os agentes comunitários de saúde... Nós estivemos reunidos sexta-feira com o novo ministro da Saúde, Barjas Negri, no Rio de Janeiro, com os prefeitos da Baixada Fluminense, e a gente estava dizendo: “Olha, ninguém melhor do que um prefeito para saber como mobilizar pessoas”. Tanto que eles as mobilizaram na eleição para conquistar o voto, que eu acho que é muito mais difícil do que mobilizar para fazer ações. Então eu acho que a gente tem escalas de ações diferentes, mas vai ser preciso a participação integrada dos três níveis.

Paulo Markun: Está faltando integração.

Marcelo Burattini: Mais do que isso. É integrada nos três níveis e entre os vários setores, como o professor João Yunes já comentou.

Jarbas Barbosa: É limpeza urbana, educação.

Marcelo Burattini: É limpeza urbana, é Secretaria de Urbanização, Educação, Saúde e Transporte.

[...]:
Tem um aspecto importante...

João Yunes: Eu acrescentaria à pergunta da Mônica, além do que vocês colocaram, o problema da continuidade. Por que a aids é o melhor programa do mundo hoje do Brasil? Porque é um programa contínuo, é de comunicação quase que diária; todo ano, no carnaval, tem mensagens da aids. Todo ano, no Dia Internacional da Aids, tem mensagem da aids...

Marcelo Burattini: E por que é contínuo? Porque existe uma pressão popular enorme sobre o governo e permanente. Uma capacidade de mobilização do contingente afetado da população muito grande que, infelizmente, nós não vemos no contingente de pessoas que sofrem de doenças transmitida por vetores. [vários falam ao mesmo tempo]

Mônica Teixeira:
Porque é muito amplificado.

Eduardo Massad: A aids está o ano inteiro conosco, é diferente da dengue.

Aureliano Biancarelli:
Nós não temos uma associação das vítimas do mosquito.

João Yunes:
Um outro exemplo são as campanhas de vacinação, todo ano tem campanha de vacinação. Agora, a campanha do idoso, todo ano tem. Em relação à dengue é o que nós colocamos: a comunicação social é fundamental, principalmente quando é uma epidemia que exige uma adesão total da população, com mudança de mentalidade, mudança de comportamento. Então, vamos instituir o Dia Nacional da Dengue... lá sei eu, e fora da epidemia. Quer dizer, mesmo que não haja, quando passar o surto, uma campanha contínua da importância do saneamento ambiental, de uma consciência ecológica. Isso vai repercutir não só na dengue como nas outras doenças.

Eduardo Massad:
E uma coisa que a gente não pode esquecer, que não foi mencionada nem uma vez aqui, que é a questão da vigilância. Por quê? A aids é uma doença que está o tempo inteiro aqui. De todas as epidemias que nós temos acometendo a nossa população, a dengue provavelmente é a mais caprichosa, tudo em relação à dengue é caprichoso. O quadro clínico é caprichoso, o mosquito é caprichoso, o ciclo é absolutamente aleatório, tem ano que vem, tem ano que não vem. Agora, supondo que houvesse [um ciclo], em que momento deve se deflagrar uma série de ações de controle, que o doutor Jarbas chamou de guerra total? Você não pode fazer guerra total, e você não consegue, o ano inteiro. Você vai gastar dinheiro, você vai divergir a atenção de outros problemas. Então o que precisa? É um programa de vigilância que diga....

Mônica Teixeira:
Agora é a hora.

Eduardo Massad: ... sinal vermelho, sinal amarelo...

Paulo Markun:
Agora, [sobre] isso pode[-se] falar de municipalização quanto quiser, quem tem que planejar isso é o Ministério da Saúde.

Eduardo Massad: O Ministério e os estados, que é a quem cabe as vigilâncias epidemiológicas. Só para dar um exemplo, que eu não posso sair daqui sem chamar a atenção para isso.

Paulo Markun:
Tudo bem, mas se cada município fizer em um dia, em uma semana...

Jarbas Barbosa: Tudo bem, mas o que ele está falando é o seguinte: o município é quem está passando nas casas. Então se a gente detecta que está crescendo o número de mosquitos num bairro e concentra ações naquele bairro, a gente consegue evitar um surto. Mas se a vigilância só percebe depois que a população de mosquitos cresceu e começou uma intensa transmissão de dengue, aí a gente corre atrás do prejuízo, aí o incêndio está muito grande e a gente quase não consegue conter.

Eduardo Massad: E uma outra coisa que eu não posso sair daqui sem chamar a atenção é a questão da febre amarela, porque o aedes é o mesmo mosquito que transmite a febre amarela. Então nas regiões em que a cobertura vacinal não é suficiente, basta chegar alguém que foi pescar no Mato Grosso com o vírus e o aedes já está lá esperando.

Paulo Markun: E que regiões são essas?

Eduardo Massad: Depende, por exemplo... Deixa eu dar um exemplo da epidemia do ano passado, que eu consegui fazer a conta direitinho aqui. A região de São José de Rio Preto, por exemplo. A epidemia da dengue na região de São José de Rio Preto me permite, fazendo algumas contas mais ou menos sofisticadas, dizer que para não ter febre amarela naquela região eu precisaria ter uma cobertura vacinal de 73% da população. A cobertura vacinal média nos últimos dez anos na região de Rio Preto foi de 37%. Portanto eu diria: ali tem um sinal amarelo que precisa ser investigado. Região de Campinas, na epidemia do ano passado. Para evitar que um camarada de Campinas que foi pescar de no Mato Grosso, e traz o vírus amarílico, e lá está o aedes esperando, precisaria ter uma cobertura vacinal de 50% da população. A média nessa região nos últimos dez anos foi de 3% . Eu só estou dando um exemplo, eu não quero ser alarmista, mas esse é o tipo de vigilância que precisa ser feito.

Paulo Markun:
Nem precisa, com esses números o alarme já está acionado.

Eduardo Massad
: É preciso estar alerta não só para botar o exército na rua para matar o mosquito, isso é uma ação, mas não dá para deixar o exército o ano inteiro matando mosquito, gente! Tem que ter um momento em que isso seja deflagrado. Então a questão da vigilância é tão importante quanto a questão da comunicação social.

Paulo Markun:
Vamos, só para fechar o esclarecimento, a vigilância teria que ser municipal?

Eduardo Massad : A vigilância em todos os níveis, como disse o doutor Jarbas. O que precisa...

Paulo Markun:
A vacina para a febre amarela não é municipal? É estadual, no mínimo?

Jarbas Barbosa:
Não, o município vacina com a vacina que nós oferecemos, e nos últimos quatro anos nós vacinamos mais de sessenta milhões de pessoas. A dificuldade é que vacinar adulto é complicado. Nós estamos agora, concluímos um inquérito de cobertura vacinal na Região Norte e Centro-Oeste, onde ainda se nota uma heterogeneidade muito grande. Como é que a gente protege esse temor da urbanização? É vacinando bastante onde tem circulação natural do vírus da febre amarela em toda a região de mata do Brasil, Região Norte, Centro-Oeste...

Paulo Markun: Fazendo uma barreira.

Jarbas Barbosa: Até o Rio Grande do Sul. Ano passado teve macaco morto em matas no Rio Grande do Sul, nós vacinamos quinhentas mil pessoas. Nós não podemos usar a vacina indiscriminadamente, mas além das pessoas que moram nessas áreas, esses casos que o professor Eduardo falou, quem vai pescar no final de semana, quem vai acampar, precisa antes tomar a vacina. 30% dos casos de febre amarela silvestre no Brasil, nos últimos anos, são de freqüentadores eventuais, eco turistas, pescadores, pessoas que dizem: “Mas, olha eu vou pescar nessa cachoeira há vinte anos”. Mas a mata muda, e se chegou um macaco ali, que trouxe o vírus, ele pode ser picado por um mosquito que picou o macaco e contrair febre amarela.

Marcelo Burattini: E mais importante do que isso, salientando um pouco o que o Eduardo falou, o conceito de bloqueio vacinal, de estratégia de bloqueio, tem que mudar um pouco porque a fronteira hoje não respeita mais a rodovia ou o indivíduo que vem no caminhão e pára na região de fronteira de Minas, São Paulo, que é onde foi feito o grande bloqueio. Hoje nós temos fluxo rodoviário, que em 24 horas, 48 horas, você sai de qualquer lugar do Brasil para qualquer lugar; e avião principalmente. Nós temos um grande contingente de população que migra e esse turista acidental, e o que nós vimos na febre amarela de 1999 para cá é uma aproximação. O caso de febre amarela silvestre no Brasil, no ano de 2000, se concentrou no estado de Goiás, numa região muito próxima do Distrito Federal, da região de fronteira com Minas, que é uma preocupação muito grande que a gente tem que ter.

Jarbas Barbosa:
Mas por conta disso, Marcelo, nós redesenhamos o mapa de risco e ampliamos para toda uma região do Nordeste, pegando Maranhão, Piauí, Bahia, praticamente toda Minas Gerais...

Eduardo Massad:
[interrompendo]Mas, doutor Jarbas, o que eu estou propondo...

Jarbas Barbosa:
[interrompendo] O norte de São Paulo, oeste do Paraná, oeste de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Eduardo Massad: Mas tem que aproveitar a dengue, porque a dengue é um indicador interessante...

Marcelo Burattini:
É o termômetro do risco.

Eduardo Massad: ... porque onde tem a dengue tem o aedes, e onde tem o aedes pode ter... Então se a gente conseguir quantificar a intensidade de transmissão da dengue, a gente consegue quantificar o potencial e risco para a febre amarela.

Jarbas Barbosa: Mas se a gente protege na chegada... Porque nós temos uma limitação hoje concreta. Nós não podemos usar essa vacina indiscriminadamente. A vacina de febre amarela - é conhecido - tem eventos adversos graves, fatais, aqui, nos Estados Unidos. Então a estratégia é baseada em cobrir homogeneamente toda essa amplíssima região de risco que vai até o Rio Grande do Sul - não é a região tradicional - e fazer campanhas ativas junto a eco-turistas, a pescadores, a pessoas que se deslocam para as matas, no sentido de protegê-los.

Eduardo Massad: O programa tanto vai bem que a gente não está tendo casos de febre amarela.

Jarbas Barbosa:
Não, esse ano só tivemos um caso, dois isolados, não tem surto este ano.

Eduardo Massad: Mas eu só estou chamando a atenção para [o fato de] que existem ferramentas hoje desenvolvidas para a gente fazer uma vigilância mais científica. Essa é a minha preocupação e essa talvez seja a minha obrigação.

Paulo Markun: Doutor Mauro.

Mauro Marzochi: Eu acho que o momento é muito oportuno, porque nós estamos nos defrontando com dois vilões: o vilão mosquito, e o vilão vírus dengue. E esse vírus novo, o sorotipo 3, é um vírus recém introduzido e que, por azar, foi introduzido na cidade do Rio de Janeiro, que é uma cidade vítima. Agora, eu acho que é oportuna essa mobilização nacional, porque as outras áreas metropolitanas estão sob o risco de acometimento, e também nós estamos vivendo a sétima epidemia de dengue e a primeira pelo sorotipo 3. Esse sorotipo 3, da mesma maneira que ele foi introduzido no Rio de Janeiro, vai ser introduzido em outras áreas metropolitanas. E esse sorotipo induz uma doença com características mais graves; ele é muito mais agressivo, e ele sucedendo ao sorotipo 1, ao sorotipo 2, induz a um risco da febre hemorrágica de dengue muito maior do que nas epidemias anteriores. Então esse momento que nós estamos vivendo, que não é problema ainda nas outras áreas metropolitanas, eu acho que é muito oportuno. Ou se faz uma mobilização nacional agora, com a participação popular, com todos os aspectos da inter- setorialidade, de saneamento, educação e saúde, agentes comunitários... É importante até referir que no Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca, nas comunidades carentes dos morros, onde você tem agente comunitário, a incidência por dengue é menor do que no asfalto onde existem prédios vazios, onde existem terrenos abandonados, terrenos baldios. O agente comunitário tem um papel fundamental. Então eu acho que o momento é muito oportuno para se desencadear um grande processo de mobilização nacional. Aí é guerra mesmo.

Paulo Markun:
Aureliano.

Aureliano Biancarelli: Eu queria lembrar a prefeitura de São Paulo... e o senhor está bem a par desse trabalho, está fazendo um monitoramento - a Secretaria de Saúde - dos meios de comunicação alternativos, das rádios comunitárias aos alto-falantes de praça para tentar levar a informação [para] mais próximo das pessoas. Isso seria uma forma? Entrando na casa das pessoas, junto com o agente do programa de saúde da família, se conseguiria um convencimento maior, uma participação maior?

João Yunes:
Não tem dúvida, Aureliano. Inclusive a Faculdade de Saúde Pública dá curso de extensão de saúde pública para estudantes de comunicação, para profissionais da grande imprensa e comunicadores populares, com uma grande demanda. Eu até ia fazer uma sugestão para a TV Cultura, se estivesse de acordo. Por exemplo, se vocês pudessem disponibilizar a matriz desse Roda Viva, porque está sendo de uma riqueza, embora eu seja um homem de saúde pública há 40 anos, eu estou aprendendo muito hoje, imagine a população que está nos ouvindo. Agora, e aquelas que não puderam ouvir, que já estão dormindo? Então se vocês pudessem disponibilizar essa matriz, eu me comprometeria a passar nesses cursos de rádio-comunicadores, e isso tem uma cobertura muito grande para todos os municípios do estado de São Paulo. E os municípios que quisessem, vocês nos cedendo, nós, a preço de custo, mandaríamos para os municípios que solicitassem essa gravação para ser utilizada em escolas, em centros de saúde...

Paulo Markun: Não há problema. A TV Cultura tem um sistema chamado Vídeo Cultura que permite a aquisição do programa Roda Viva e de outros programas que são gravados. Esse aqui já está dentro do Vídeo Cultura e não há nenhum problema, por exemplo, dessa rede de comunicadores pela saúde, por exemplo, adquirir o programa e multiplicá-lo para atingir a sua rede como um todo.

João Yunes:
A comunicação social tem que ser constante permanente, diária. E por último, Markun, só para informar os telespectadores, nós criamos um site para quem quiser se esclarecer sobre o dengue, chama-se Alerta Dengue e o endereço é www.bionline.net. Em dois, três dias, nós tivemos mais de mil solicitações esclarecendo uma série de perguntas que aqui foram esclarecidas pelos nossos colegas. Então repetindo www.bionline.net

Paulo Markun:
OK. O nosso programa está se aproximando do final e eu queria colocar uma questão que não foi abordada, e que eu acho que é importante, para também a gente tentar, não fazer uma rodada, porque nós não teremos tempo, mas selecionar quem possa esclarecer esse ponto, que é o seguinte: a dengue clássica e a dengue hemorrágica têm sintomas diferentes e sintomas que, pelo que eu acompanhei do que saiu na imprensa, nem sempre [são] muito claros. Mas também do que eu acompanhei nos noticiários indica-se claramente que as pessoas que estejam com esses sintomas, que podem ser confundidos com outras doenças, devem com certeza procurar os médicos ou do Sistema Único de Saúde, ou o a que eles puderem ter acesso, para saberem o que é. Então eu queria que alguém, algum de vocês, por favor, identificasse, dissesse: “Olha, a pessoa que está com dengue tem tais e tais sintomas”, para a gente, enfim, esclarecer quem, porventura, não tenha tido essa informação.

Marcelo Burattini:
O problema, como você disse, é que a dengue é uma doença que tem uma sintomatologia...

Paulo Markun:
Difusa?

Marcelo Burattini: Não, ela não é difusa, ela é bem caracterizada, só que ela é comum a uma série de outras doenças. A dengue basicamente é uma doença aguda. É uma doença [em] que o indivíduo adoece quase que abruptamente, com febre alta, muita dor no corpo, dor muscular, dor no sistema ósseo articular.

Paulo Markun:
Era até chamada “doença do quebra-ossos”.

Marcelo Burattini: “Quebra-ossos” - por causa disso - muita dor de cabeça e algumas características: uma dor de cabeça retro-orbitária, atrás do globo ocular, com dor abdominal importante, às vezes com náusea e vômitos, e alteração de paladar, que também é uma queixa bastante freqüente. E junto com isso, com esse quadro, a partir do segundo, terceiro dia, podem aparecer manchas avermelhadas na pele. Esses sintomas, à exceção da febre, da dor muscular e da cefaléia, que é a dor de cabeça, junto com uma sensação de prostração, de moleza muito intensa, os outros sintomas aparecem em uma freqüência variável de casos, 60%, 70% dependendo do sintoma. Esses sintomas permitem diagnóstico diferencial com uma série de outras doenças, desde virais como a gripe - já foi mencionado aqui - como rubéola e sarampo, em momentos em que nós temos epidemias de sarampo; dependendo da região geográfica, com malária, com leptospirose, que dependendo da época do ano é uma doença que também ocorre na época de chuva. Enfim, existe uma gama de diagnóstico diferencial muito importante. E mais importante ainda, medicações que são comumente usadas pela população para tratamento de gripe podem ser prejudiciais no caso da dengue. Daí a importância.

Paulo Markun:
É o caso da aspirina, por exemplo? O ácido acetil salicílico?

Marcelo Burattini:
O ácido acetil salicílico é uma delas, junto com uma série de outros antiinflamatórios não hormonais que vão trazer problemas dada a patogenia ou o motivo que causa a dengue hemorrágica. E daí a recomendação: procure um médico, ele tem o instrumental, o conhecimento para fazer o diagnóstico e orientar o tratamento adequado.

Paulo Markun:
Muito bem. Bom, eu, aliás, digo, não sei se devia dizer isso, mas no meio do carnaval estava com uma boa parte desses sintomas, suspeita de dengue, e era hepatite. Por sorte, hoje em dia, hepatite já é algo que - não a hepatite do tipo A - não tira o sujeito do combate, mas o “boa noite” de hoje é diferente. Este é o último Roda Viva que eu comando aqui na TV Cultura, depois de três anos e meio. Eu vou partir para uma nova empreitada, uma nova aventura profissional, fora da telinha, fora da televisão e, portanto, estou me despedindo. Foram 136 programas que eu apresentei ao longo desses três anos e meio, com imenso orgulho. Roda Viva é o mais antigo, o mais importante e o mais independente programa de entrevistas da televisão brasileira. Já teve diversos apresentadores, eu fui mais um deles, saio daqui com uma sensação de ter aprendido muita coisa, de ter tido a possibilidade de discutir questões importantes, e saio com a expectativa de que um dia a gente se encontre novamente por aqui. Uma boa semana, um ótimo ano e até a próxima.

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