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Memória Roda Viva

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Aécio Neves

26/3/2001

O fim das concorrências personalistas e da disputa entre os poderes, poderia dar lugar a projetos de governo, é o que diz, entre outras coisas, um dos políticos mais influentes do PSDB

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Paulo Markun: Boa noite. Ele representa a terceira geração de uma família mineira envolvida pela política. Descendente de parlamentares, teve também um avô muito famoso, de quem se tornou herdeiro político, transformando-se em uma das mais jovens lideranças do Congresso Nacional. O Roda Viva entrevista esta noite o deputado federal Aécio Neves, novo presidente da Câmara Federal.

[Comentarista]: Quarenta anos de idade, 15 de política. Aécio Neves da Cunha, do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] de Minas Gerais, está em seu quarto mandato de deputado federal. Começou na política pelas mãos do avô, Tancredo Neves. Aécio tinha 23 anos quando foi trabalhar como secretário particular de Tancredo, então deputado federal .Acompanhou o avô de 1977 até 85, quando Tancredo Neves morreu, comovendo a nação pela perda do primeiro presidente civil eleito, ainda que indiretamente, após 21 anos de regime militar. A partir daí, sempre ligado à imagem do avô, Aécio Neves levou adiante uma carreira política com uma eleição e três reeleições para deputado federal por Minas Gerais. Em 1997, assumiu a liderança do PSDB na Câmara dos Deputados, ganhando uma projeção política que o levou a ser o candidato natural do partido à eleição para presidência da Câmara Federal este ano. Aécio Neves enfrentou Inocêncio de Oliveira, do PFL em uma das mais disputadas eleições já vista na Câmara, que ainda teve a influência da acirrada disputa pela presidência do Senado entre Antônio Carlos Magalhães [(1927-2007) senador baiano ligado originalmente ao regime militar,  e que manteve influência nos governos democráticos posteriores], do PFL [Partido da Frente Lideral], e Jader Barbalho [deputado federal], do PMDB [Partido  do Movimento Democrático Brasileiro]. A disputa no Senado levou o PMDB a se aliar ao PSDB, em um acordo que representou a derrota do PFL nas duas casas do Congresso. Ganhou Jader no Senado e ganhou Aécio Neves na Câmara Federal.

[Aécio Neves]: Assumo com a firmeza daqueles que compreendem ser essa instituição, e repito o que disse há poucas horas atrás: o mais importante instrumento da democracia brasileira.

[Comentarista]: Aécio Neves assumiu, anunciando mudanças. Quer dar mais poder de iniciativa à Câmara dos Deputados, falou em um ousado plano de  comunicação para mostrar à sociedade a importância do legislativo, e criou polêmica ao anunciar a intenção de vender os 432 apartamentos funcionais que a Câmara Federal mantém em Brasília.

Paulo Markun: Para entrevistar o deputado Aécio Neves, convidamos os jornalistas Ariosto Teixeira, economista político do jornal O Estado de S. Paulo e comentarista da TV Bandeirantes; Teodomiro Braga, diretor da sucursal de Brasília do Jornal do Brasil; Tereza Cruvinel, colunista de política do jornal O Globo; Eliane Cantanhêde, diretora da sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo; Andrei Meirelles, editor de política da revista Isto é; Getúlio Bittencourt, editor chefe do site Panorama BrasilGazeta Mercantil. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para Brasília. E como este programa foi gravado, está sendo gravado, ele não permite a participação dos telespectadores. Boa noite presidente!

Aécio Neves: Boa noite!

Paulo Markun: O senhor assumiu a presidência da Câmara dos Deputados, em um momento, não sei se a palavra...conturbado, delicado, complicado enfim, mas a situação é complexa, tanto nas relações entre o governo e o legislativo, quanto mesmo em relação à imagem que a Câmara e o Senado projetam sobre a nação. Como é que o senhor pretende dar os primeiros passos no sentido de marcar uma mudança ou uma afirmação do papel da Câmara dos Deputados?

Aécio Neves: Olha, em primeiro lugar, eu compreendo que nós vivemos um momento de certa instabilidade no quadro político com reflexos, inclusive, nas ações do próprio governo. Mas, especialmente em relação à Câmara dos Deputados, a forma como a campanha foi conduzida, onde nós não entramos nas questões pessoais, possibilitou que nós, já a partir do primeiro dia após minha eleição, estivéssemos todos sentados à mesa tratando de votar, tratando de estabelecer quais são as prioridades e montar uma pauta para o país. Eu começaria dizendo que a contribuição que eu posso dar neste instante de turbulência, ao qual você se refere, é exatamente possibilitar as pessoas verem que a Câmara dos Deputados continua trabalhando. Tanto aqueles com os quais eu disputei as eleições, quanto setores da oposição, têm hoje sido parceiros no estabelecimento dessa agenda. Para se ter uma idéia, eu estou há 40 dias na presidência da Câmara, entre projeto de leis complementares, projeto de lei ordinária e decretos legislativos, votamos 27 matérias. Isso mostra que a Câmara continua trabalhando e a nossa intenção é já, a partir dessa semana, com a votação de projetos complexos como, por exemplo, da nova legislação da Sociedade Anônima, a Lei das SAs, entre outras matérias, entrar nas questões polêmicas. A Câmara teve uma disputa acirrada onde pela primeira vez - esse aspecto, eu acho extremamente positivo - pela primeira vez, a sociedade participou desse processo eleitoral, de alguma forma acompanhou as discussões ali dentro, e nós temos talvez mais do que em outros tempos,uma responsabilidade com essa sociedade. O que eu pretendo com a ajuda dos líderes partidários, enfim, com todos os partidos, é fazer com que a Câmara cumpra a sua agenda, e acho que nós teremos um primeiro trimestre de muita ação parlamentar na Câmara dos Deputados.

Paulo Markun: Agora, ainda nessa questão, sua atuação anterior era de líder do partido do governo, quer dizer, uma área que talvez seja mais fácil a pessoa levar as suas idéias, as suas teses adiante. Quer dizer, o presidente de uma instituição como a Câmara dos Deputados, supõe-se que seja um magistrado.  O fato de o senhor ser uma figura tão marcada como representante do partido do presidente Fernando Henrique não dificulta a ação?

Aécio Neves
: Eu não creio. Até o dia 14 de fevereiro fui líder de meu partido na Câmara. Eleito e reeleito por quatro anos consecutivos, cumpri ali meu papel por crença que tinha, e que tenho hoje, no avanço importante que esse governo está trazendo ao país. A partir do dia 15 de fevereiro, eu sou integralmente presidente da instituição, minhas decisões, todas elas, sem absolutamente nenhuma exceção, serão tomadas pelo presidente da casa. Outros companheiros de partidos cumprirão  o papel de líderes do governo, de líderes do próprio PSDB - eu já disse ao presidente da República - para mostrar, com muita clareza, a compreensão que tenho do momento importante que passa o parlamento. Na primeira visita que fiz a ele logo após a eleição a seu convite, eu disse que estaria colocando em votação, em poucas semanas, o projeto que restringe o uso de medidas provisórias, não como um instrumento contra o governo, ao contrário, (mas) como o restabelecimento da relação de independência e de equilíbrio entre os poderes. Eu quero aqui te confirmar que no próximo dia 25 de abril, eu estarei votando em plenário, o projeto que regulamenta a edição de medidas provisórias. Esse é um exemplo, entre muitos outros que eu poderia dar. A convicção que eu tenho que existe, de um lado, uma expectativa positiva em relação a nossa gestão, e eu quero buscar, não no executivo, e farei isso, mas na sociedade principalmente, a agenda das questões reais, das demandas reais da sociedade brasileira, portanto, seja em relação à questão da reforma política, à questão tributária, uma série de ações internas para valorizar a ação parlamentar, como código de ética e decoro parlamentar, revisão do atual sistema de imunidade parlamentar, além das questões que eu citei agora das medidas provisórias e leis das SAs, são todas matérias que já estão agendadas e que serão votadas. Caberá aos líderes do governo e líderes da oposição fazer as negociações quando elas forem possíveis, e se não, irem para o plenário disputar no voto qual é o melhor encaminhamento para essas propostas. A mim, como presidente da Câmara, caberá buscar cada vez mais na sociedade a agenda que a Câmara dos Deputados precisa discutir.

Eliane Cantanhêde: Já que o senhor fala tanto nesse reencontro da sociedade com o Congresso, a última pesquisa DataFolha publicada agora no domingo diz que 84% das pessoas querem uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] da corrupção. Isso também não é um encontro com a sociedade, favorecer a instalação de uma CPI nesse momento?

Aécio Neves: Olha, sinceramente, Eliane, eu tenho dúvidas, mas lhe falo como presidente da Câmara: qualquer CPI que a mim chegar com o objeto determinado que a justifique, com um número regimental de assinaturas, será instalada, por mais que eu ache adequada ou não. Meu papel é instalá-la e permitir que ela funcione adequadamente, é assim que nós temos feito, e eu continuarei fazendo. Agora, em relação a essa pesquisa que a Folha publica você pode interpretá-la de outras formas também, e a minha preocupação em relação à CPI é até diferente daquela que vejo em alguns analistas e até mesmo em companheiros de partidos. Minha preocupação essencial não é o que a CPI vai trazer para o governo, ou que danos pode trazer a esse ou aquele segmento que hoje apóia o governo. Minha única preocupação com uma CPI tão ampla como essa, é que não há com clareza uma questão a ser investigada. Na verdade, ela parte de uma disputa entre personalidades, e a partir daí nela tudo coube, pelo ao menos no meu entendimento. Minha preocupação é que essa agenda que nós estamos propondo, uma agenda essencial para o país, sobretudo no momento de instabilidade externa, como nós estamos vivendo na questão econômica, fique comprometida. Está havendo hoje, Eliane, uma intervenção indevida de um poder no outro. Nós temos hoje um poder executivo que legisla pelo Congresso Nacional, mais de 80% de tudo que foi aprovado no ano passado teve sua iniciativa no poder executivo. Nós temos no Congresso Nacional uma Câmara dos Deputados que parece preocupar-se mais em julgar e condenar, do que em legislar, e [de] outro lado, um poder judiciário ainda amarrado por uma burocracia enorme, sem condições de responder às demandas que lhes chegam...

Tereza Cruvinel: [interrompendo] Presidente, por favor.

Aécio Neves
: ...Nós precisamos, portanto, enfrentar essa questão. Eu instalo a CPI que a mim chegar, mas vou fazer um esforço hercúleo para não permitir que ela atrapalhe, prejudique uma agenda que tenho certeza, esta sim, interessa a toda sociedade brasileira.

Tereza Cruvinel
: O senhor não acha que é também interferência de um poder em outro, no caso do poder executivo no Congresso, no legislativo, a ação em curso pelo governo federal para impedir novas adesões da base governista ao requerimento de CPI da oposição? Desde a semana passada, o próprio presidente tem pegado o telefone e ligado para os seus deputados ou para os senadores para evitar uso da CPI...

Aécio Neves: Olha, eu preferiria que isso não ocorresse, Tereza, mas nós estamos vivendo um momento político delicado. O presidente tem uma visão em relação a essa questão, às conseqüências que ela poderia ter, inclusive, na situação econômica do Brasil hoje, e achou por bem falar diretamente com algumas figuras do Congresso, com as quais ele tem boa relação. Essa pesquisa a qual Eliane se refere mostra também que as pessoas não vinculam o presidente da República a essa denúncia de corrupção. Pessoas querem, óbvio que em qualquer país, em qualquer parte do mundo, onde você perguntar, que se apure denúncias de corrupção, todos vão querer que se apure, não quer dizer que todos concordam que o presidente, o governante é corrupto. No caso do Brasil, é claro que não é. O presidente Fernando Henrique sabe da delicadeza do momento, nós temos aí uma recessão clara de quase 10 anos no Japão, uma recessão que aponta nos Estados Unidos para os piores índices de crescimento econômico nos últimos 10 anos. Temos uma crise na Argentina, do nosso lado, e o governante tem o dever de alertar, eu preferiria sinceramente que ele não precisasse...

[...]: [nterrompendo] Deputado...

Aécio Neves: ..chegar a esse contato direto, mas ele faz o que julga o seu dever fazer, e a Câmara dos Deputados vai ter, à luz de todas as informações, com a expressão da opinião pública, ou de setores de oposição de um lado e também da liderança do governo de outra, definir o que achar mais adequado.

José Paulo Kupfer: Deputado, eu queria entender, o senhor está dizendo que a recessão de longa data no Japão, os problemas da economia americana, vamos botar a Argentina nisso, isso faz com que as questões políticas, os conflitos políticos devam ser guardados para um outro momento, devam ser reservados que nem um frango que ainda vai ser passado no molho?

Aécio Neves: Não, de forma nenhuma, porque na democracia isso jamais vai acontecer, sobretudo quando existe, e tem que existir, a liberdade de imprensa...

José Paulo Kupfer: Mas esse...

Aécio Neves:
Como deve ocorrer, não é...

José Paulo Kupfer: ...é um argumento que tem sido usado com freqüência.

Aécio Neves: Eu acho que neste instante, e você, como analista econômico extremamente competente e respeitado, sabe que esse é um momento delicado, é preciso que se tenha cautela e que se tenha responsabilidade, eu acho muito mais adequado...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Deputado, desculpe, há 30 anos que o nosso momento econômico é um momento delicado.

Aécio Neves: Não, eu acho que...

José Paulo Kupfer: Eu pelo menos desde que eu acompanho, nunca deixou de ser.

Aécio Neves: É, e eu acho que a responsabilidade deve orientar as ações em todos os momentos, inclusive neste. Eu me sentiria muito mais confortável - e falo isso sem qualquer constrangimento - [de] estar lá aprovando uma CPI que busque efetivamente examinar, investigar um fato determinado, uma denúncia que tem indícios claros de corrupção - eu vi a expressão no jornal de hoje - do que ficar lá vendo esse armarinho, peça que montaram lá com 18 propostas diferentes, uma que acusa a outra, outra que acusa...

[...]: Justamente.

Aécio Neves:
Isso não é bom, porque você pode estar perdendo a oportunidade de ter o governo como autoridade necessária para enfrentar as dificuldades internas, inclusive, mas também essas dificuldades externas, e o Congresso paralisado. Eu acho que nós avançamos muito no ponto de vista econômico  nos últimos anos. O que me preocupa, Kupfer, é exatamente no momento em que precisamos avançar ainda na questão tributária, avançar na questão da reforma política, votar leis extremamente importantes na Câmara e no Senado, para que se consolide esses avanços que conquistamos....Você sabe que o Brasil está remando contra a maré hoje, apesar de todos os países estarem encaminhados para um quadro - nem todos, mas algumas das principais economias do mundo - caminhando para um quadro recessivo, o Brasil continua caminhando positivamente, com perspectiva de crescimento na economia. Eu temo que uma disputa eminentemente política, que me parece a origem dessa CPI, dificulte o encaminhamento das questões fundamentais para o país. Portanto, CPI não se deve temer, é um instrumento que a Câmara tem, que o Congresso tem, que deve ser utilizado, mas deve ser utilizado responsavelmente para apurar denúncias e não apenas para instrumentalizar posições políticas contraditórias.

Getulio Bittencourt: Presidente, o senhor falou duas vezes que essa questão tem origem, na verdade, na disputa da presidência do Senado, com acusações recíprocas de corrupção entre os senadores Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho. O senhor se referiu como uma discussão de questões pessoais.  E o que eu queria lhe perguntar é, embora tome essa forma, se na verdade o que está colocado não é um prenúncio da sucessão presidencial. Há posições sendo adotadas agora, mas já com vistas da sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso? Não é possível ver dessa maneira?

Aécio Neves:
Olha, eu acho, em partes. Você tem razão é natural que a dois anos da sucessão todos os partidos comecem a pensar, vamos chamar assim, no seu plano B...

Getulio Bittencourt
: Posicionamento.

Aécio Neves:
Na sua segunda alternativa, inclusive aqueles que estão na base do governo, eles têm alternativa de caminhar com o governo, mas cada um deles pensa claramente também em uma outra estratégia, se não houver garantias ali ou de boa posição naquela aliança ou mesmo da perspectiva de vitória daquela aliança, a oposição também está nisso com muita clareza fazendo seu jogo sucessório. Precisa[mos] desmistificar algumas coisas. CPI não pode ser vista como um grande fantasma. O que deve ser visto com preocupação, eu repito, é nós impedirmos, paralisarmos definitivamente a ação  legislativa transformando a Câmara dos Deputados em uma grande delegacia de polícia. Será que isso que é o essencial? Eu, por exemplo, Getulio, pretendo fazer um grande seminário no próximo mês sobre a questão do Mercosul, para chegarmos na questão da Alca. O Mercosul, ao meu ver, está por um fio. Nós estamos aí com o Chile que já fez sua opção em relacionamento direto.

Getulio Bittencourt:
[interrompendo] Na Alca!

Aécio Neves
: Com os Estados Unidos e a Alca. A Argentina em um processo de dependência crescente dos Estados Unidos em função da sua fragilidade momentânea, que pode acabar apontando para um caminho direto de relação com os Estados Unidos... Você sabe que o ministro Cavallo [Domingo Cavallo ministro da Economia da Argentina, em 2001] tem uma relação muito estreita com o tesouro americano, e certamente isso vai ser colocado nessa pauta de negociações. Nós temos aí um Uruguai que até hoje não sabe direito se o Mercosul, para ele, é bom ou não é. Ele está entrando um pouco nisso pela pressão de nós todos, na verdade você tem no Brasil hoje, no momento em que eu vejo, governos frágeis, sobretudo da Argentina, neste instante. Eu quero chamar a Câmara dos Deputados desses países, o parlamento desses países para trazer essas discussões para o encontro parlamentar, porque o segundo passo é nós, em conjunto, negociarmos a nossa entrada na Alca. Se os Estados Unidos conseguirem fazer o que pretendem fazer, que é a cooptação individual de cada um dos países do Cone Sul para que entre em uma posição vantajosa para os Estados Unidos, nós certamente poderemos estar dando, aí sim, um desastroso passo para o futuro da economia brasileira. Esse é um exemplo, poderia citar outro, como no campo energético, que pretendo também discutir na Câmara. Esse é o exemplo de uma matéria que eu temo que esteja com sua discussão prejudicada, em função da transformação da Câmara, repito, em uma grande delegacia de polícia.

Ariosto Teixeira: Nessa agenda que o senhor menciona, que é uma agenda que obviamente tem como um dos seus objetivos superar esse momento de instabilidade que o país vive e que tem reflexos internacionais, seria possível o Brasil fazer alguma coisa, a política no Brasil fazer algumas coisas parecidas com que o Chile e a Argentina fizeram na véspera ou nos períodos anteriores a suas recentes sucessões? Um pacto entre as forças políticas em que se colocaram algumas questões acima da campanha, quer dizer, além de se afastar desde logo o argumento que a instabilidade parlamentar poderia prejudicar o país, prejudicar a economia, como a gente sabe que esta instabilidade hoje tem a ver com a sucessão de 2002, com os movimentos pré-sucessão de 2002. Seria possível um pacto dessa forma, ou melhor, o senhor aceitaria liderar um movimento nessa direção?

Aécio Neves: Olha, o que eu acho que é possível nessa questão é, sobretudo, os partidos que têm projetos comuns de governo, porque estão sustentando esse governo até hoje, era muito importante - e em uma recente conversa da qual participou o próprio presidente da República, nós avançamos nessa direção -  é importante que paralisemos agora essa disputa pessoal personalista, que é quem está melhor quem está pior, e tentarmos encontrar um projeto que nos unifique. Eu, desde minha campanha à presidência da Câmara, dizia "há pessoas que estão muito preocupadas em manter um certo condomínio de poder para chegar às eleições com esse condomínio, têm que se preocupar com o essencial que esse condomínio vai propor, que esse grupo de partido tem a apresentar para sucessão do presidente Fernando Henrique". Quais as grandes questões que podem efetivamente movimentar a opinião pública e permitir que essa proposta avance? A questão urbana, por exemplo, é uma delas. Eu pessoalmente acredito que o que está faltando é nós paralisarmos um pouco essa luta personalista dentro dos nossos partidos, não apenas no PSDB, é estabelecermos um projeto que possam unir esses partidos, um grande projeto, uma grande proposta, uma grande bandeira de inserção social profunda do próximo governo. Nós até hoje avançamos na questão da estabilidade, mas é preciso que ela seja palpável, que ela chegue na casa das pessoas, que ela possa estar presente na vida dos cidadãos brasileiros, e isso passa por um compromisso, se nós pudermos parar um pouco de discutir nomes e discutirmos propostas, nós estaremos dando uma grande contribuição ao país. Isso já foi discutido recentemente e certamente em uma das próximas reuniões que nós teremos - inclusive no próximo sábado haverá uma reunião do meu partido, das suas principais lideranças, um pouco nessa linha - vamos parar de discutir nomes e vamos ver qual o projeto que o PSDB tem para futuro, que não pode ser mais apenas a estabilidade.

Andrei Meirelles
: Deputado.

Aécio Neves: Pois não.

Andrei Meirelles
: Você disse aí que a CPI não é um grande fantasma, mas toda vez que o Congresso ameaça investigar o ex-ministro, Eduardo Jorge Caldas Pereira [ex-secretário-geral da presidência da República no governo de Fernando Henrique Cardoso], o nervosismo toma conta do Palácio do Planalto, saem "operações abafa". E se sabe, por exemplo, o senador Antônio Carlos Magalhães disse aos procuradores que os dados estão incompletos, haveria outros dados que poderiam chegar ao Eduardo Jorge, inclusive ao presidente, não seria o caso de investigar de vez esse caso?

Aécio Neves: Andrei, eu acho que...

Andrei Meirelles
: Até nessa "árvore de natal" que é a CPI da corrupção?

Aécio Neves
: Eu acho que deve, e acho, inclusive, que dentro da sociedade democrática como a nossa, existem instituições que tem esse dever, Entre elas o Ministério Público que deve fazê-lo com maior profundidade. Olha, eu quero repetir aqui eu não sou e nem estou aqui como líder do governo para defender a não-criação da CPI que, eu repito, como presidente da Câmara dos Deputados eu instalarei a CPI no momento que ela chegar. O que eu acho é que a CPI deve ser para o parlamento - falo no ponto de vista institucional - o último dos recursos. Não podemos, em função de disputas políticas, colocarmos a CPI sempre como primeiro instrumento, porque não é nossa primeira responsabilidade. A primeira responsabilidade da Câmara é legislar, nós temos a Justiça, tem o Ministério Público e, dentro do próprio Congresso, a Câmara e o Senado, existem outras instâncias de investigação que devem também serem utilizadas. Se tiver, Andrei, algo consistente em relação ao Eduardo Jorge, em relação a quem quer que seja, concordo com você, tem que ser investigado e tem que ser punido. Eu apenas estou absolutamente convencido que o presidente Fernando Henrique Cardoso, e acho que os brasileiros, a pesquisa da Folha mostra isso com muita clareza, sabem disso, é um homem de bem, íntegro, correto e que está tentando conduzir o Brasil da melhor forma possível.

Andrei Meirelles: É, mas o Ministério Público, a gente sabe, é desaparelhado, não tem as mesmas condições do Congresso. Toda vez que se ameaça no Congresso, se joga para debaixo do pano.

Aécio Neves: Eu acho... Olha, o Ministério Público tem hoje condições que jamais teve. Ele precisa se aparelhar e agora precisa também ter um pouco mais de cuidado com a sua própria credibilidade. O Ministério Público não pode se transformar também em um instrumento de ação político-partidária porque é ruim para a democracia. Olha, eu estive, há três ou quatro dias atrás, recebendo no meu gabinete na presidência da Câmara, membros do Ministério Público de Minas Gerais que fazem um trabalho excepcional no meu estado, e acho que esse é um dos mais importantes instrumentos que nós temos na democracia. Eles próprios condenam a ação, segundo eles, não correta de um ou outro membro do Ministério Público. O que nós queremos é fortalecer o Ministério. Ali tem que haver a investigação em primeiro momento, a Câmara tem nas CPIs, um instrumento investigatório, a sua última alternativa, e está se transformando hoje, Andrei, na prioridade. Eu tenho tido uma dificuldade enorme em estabelecer essa agenda...

Eliane Cantanhêde: [interrompendo] Agora, deputado...

Aécio Neves
: Você acompanha a Câmara dos Deputados e sabe disso, porque houve uma contaminação do quadro político, e que eu farei a força que puder fazer, para mostrar ao país que a Câmara dos Deputados continua trabalhando e vai trabalhar naquilo que é essencial. E o essencial é aprimorar nossa legislação, essencial é avançar na questão da reforma política, na questão tributária, no debate das grandes questões que interessam o país.

Eliane Cantanhêde: O senhor não acha que fica muito difícil? Senhor, você... é complicado, a gente vai chegando a uma faixa que eu nunca sei se chamo de você ou senhor...

Aécio Neves
: Como você preferir.

Eliane Cantanhêde
: Mas acho que vai ter que continuar sendo você.

Aécio Neves:
Com muito prazer.

Eliane Cantanhêde: Você não acha que é muito difícil falar em retomar a agenda do parlamento, e você retomar a força do parlamento e fazer discussão da Alca, se o presidente do Senado Federal, o senador Jáder Barbalho, está sob uma série de suspensões, uma série de denúncias e nunca deu uma só palavra para explicar isso?

Aécio Neves
: Olha eu...

Eliane Cantanhêde
: Que legitimidade? Você fica sempre falando da Câmara, Câmara, mas a Câmara não é uma entidade autônoma sozinha, quer dizer, você tem um Congresso que fica todo sob suspeição na medida em que seu presidente também está sob suspeição.

Aécio Neves: Eu não acho que o Congresso esteja todo sob suspeição. Eu sou presidente da Câmara, e a Câmara tem uma agenda a ser cumprida. Em determinados momentos, nós vamos ter essas ações convergentes com o Senado, mas eu não esperarei que se supere essa disputa, essa briga, essas denúncias, que esclareçam dentro do Senado, para fazer a Câmara trabalhar. Eu acho, Eliane, com absoluta sinceridade, a maior contribuição que eu posso dar ao país, nesta hora, é fazer com que a Câmara dos Deputados funcione. Ela tem funcionado, apenas não tem tido a repercussão, enfim, que eu acho que teria de ter havido, em relação a várias matérias que nós votamos, em função dessa grande crise, mas insistirei nessa caminhada, o homem público tem que responder pelos seus atos...

Eliane Cantanhêde: Inclusive Jáder Barbalho.

Aécio Neves: Eu acho que sim, inclusive Jáder Barbalho, inclusive o senador Antônio Carlos, inclusive o senhor Eduardo Jorge, qualquer um que, se de alguma forma participa da vida pública, tem que dar resposta, se a sociedade vai considerá-la satisfatória ou não é outra questão, e certamente ele responderá por isso à frente também, poderá ser punido pelas urnas em eleição futura. Mas não pode haver a contaminação de toda classe política. Isso não é bom para democracia. As pessoas não podem olhar para Câmara dos Deputados e para o Senado e achar que aquilo é um "mar de lama" porque não é, ali existem pessoas das regiões mais distantes do país, com formação social... enfim, com origens diferentes, compromissos doutrinários em ideológicos distintos, mas pessoas de bem que estão ali lutando para que o país melhore, e essas pessoas não podem estar desestimuladas a trabalhar em função de denúncias que atingem uma ínfima maioria de parlamentares. Portanto, o meu papel, o que é? É enfrentar a corrente, é remar contra maré e dizer o seguinte: “não, na Câmara não tem nenhum problema”, nós temos uma agenda essa semana que vota as leis das SAs, daqui a três semanas, eu estou votando as medidas provisórias, e daí por diante...

[...]: [interrompendo] Deputado!

Aécio Neves:
Eu acho que é a forma de contribuir que eu possa...

José Paulo Kupfer: Vota, quer dizer, eu estou ouvindo bem...

Aécio Neves: Vamos lá.

José Paulo Kupfer: O senhor diz que vota a Lei das SAs esta semana? Com 200 emendas que ainda não foram fechadas, quer dizer, tem um grande acordo que, pelo menos eu, aqui, que fico na planície em São Paulo e lidando mais com as coisas econômicas, não tinha notícias?

Aécio Neves
: Ô, Kupfer, essa matéria tem sido discutida ao longo dos últimos anos, eu acredito que você acompanhou isso.

José Paulo Kupfer: Não, não tem sido longamente discutido.

Aécio Neves:
O que nós avançamos, avançamos como...

José Paulo Kupfer
: Só que remanesce 200 emendas, eu e nossos colegas...

Aécio Neves
: Avançamos muito pelo entendimento...
 
José Paulo Kupfer: Neste momento, segunda-feira desta semana, o senhor está dizendo que vai votar esta semana, ou o senhor está dizendo que está procurando colocar na ordem do dia as questões positivas, as reformas que o próprio governo tem grande interesse que estejam em discussão, para exatamente evitar, primeiro, que o debate sucessório cresça, e segundo - como já me disseram aqui, empresários aqui de São Paulo - que os políticos continuem à solta, como eles estão no momento?

Aécio Neves: Essa generalização sempre é indevida, Kupfer, e acaba sendo... 
  
José Paulo Kupfer: Eu interpretei errado...

Aécio Neves: Porque quando você...

José Paulo Kupfer
: Posso mudar, posso mudar...

Aécio Neves
: Fala em políticos, você coloca com...

José Paulo Kupfer
: Vai votar essa semana a própria lei de...

Aécio Neves: Na quarta feira essa matéria estará em plenário, houve um grande entendimento...

José Paulo Kupfer:
O que significa? Eu não estou acostumado com as coisas do legislativo.

Aécio Neves
: Muito simples, ela está em plenário e ela será...

José Paulo Kupfer
: O que significa entrar em plenário?

Aécio Neves
: Ela será colocada em plenário para votação, encaminhada...

José Paulo Kupfer: Pode não ser votada é isso?

Aécio Neves
: Se a maioria do plenário resolver voltar o requerimento para retirá-la de pauta aí não depende de mim. O meu papel é colocá-la em votação e estimular a negociação. E lhe informo, houve uma grande negociação nas últimas semanas envolvendo aí o deputado [Antonio] Kandir, o deputado Armando Monteiro - que participou dessa discussão e tinha algumas dúvidas em relação à matéria - as oposições, os líderes da oposição... e a colocação dessa matéria foi proposta por mim e acertada na reunião de terça-feira do colégio de líderes, portanto, há o consenso dos líderes de colocá-la em votação. Eu quero mudar um pouco uma regra que existiu na Câmara ao longo desses anos que era a seguinte: a matéria só vai à plenário quando obtiver consenso absoluto. Eu acho que devo dar um tempo para discussão, devo dar um tempo até para que o consenso não seja alcançado. Mas em determinado momento, essa matéria tem que ir à votação e ganha quem tiver mais votos. E essa Lei das SAs, e aqueles que acompanharam nosso trabalho mais de perto no Congresso sabem disso, lá atrás como líder do PSDB, eu fiz vários esforços em vários momentos para colocá-la em votação, porque eu acho que ela tem um reflexo, e não é apenas para escamotear ou para, enfim, desviar as atenções. Você sabe muito bem disso, ela tem um efeito grande na questão do mercado de capitais, ela tira dúvidas que estão hoje inibindo a participação de determinado tipo de investidores em empresa de capital aberto hoje, e o texto que as lideranças estão chegando, ele é um texto de equilíbrio, que permite aos acionistas minoritários alguma segurança que os estimule a entrar no mercado de ações, mas também não desestimula aqueles que detêm o controle das empresas e continuar tendo essas empresas com capital aberto. Portanto, é um texto de equilíbrio, um avanço muito grande e eu estou muito otimista de que nós vamos votá-la na próxima quarta feira.

Paulo Markun: Presidente, a revista Veja desta semana publica uma matéria mostrando que deputados estão comprando - se não me engano foi a revista Veja,  acho que não estou errando aqui! - apartamentos em flats em Brasília com os recursos do auxílio-moradia. Eu queria que o senhor comentasse essa notícia, e o fato de que o senhor defende a venda dos apartamentos funcionais, na íntegra, e uma outra forma de resolver esse problema, queria saber como que está isso?

Aécio Neves:
Quanto à primeira pergunta, se isso está à venda, não tenho nenhuma comprovação disso, é o uso indevido de um recurso que é utilizado apenas circunstancialmente para assegurar moradia ao parlamentar que não tenha imóvel hoje...

Paulo Markun
: Só para entender, em um caso desses, a Câmara pode tomar algum tipo de providência hoje?

Aécio Neves
: Se chegar alguma denúncia formal, certamente que sim. Em relação aos imóveis funcionais essa é uma daquelas questões que começam mal e depois precisam ser muito esclarecidas. Eu assumi a presidência da Câmara, eu diria, com duas prioridades fundamentais, primeira delas: é fazer a reinserção da Câmara na sociedade, fazer com que as pessoas olhem para Câmara e vejam ali um corpo que trabalha não em benefício pessoal ou, enfim, em questões corporativas, mas trabalha para a sociedade, e a outra é dar absoluta transparência ao orçamento da Câmara dos Deputados, a Câmara tem um orçamento hoje de 1 bilhão e 500 milhões de reais, é preciso que a sociedade saiba com clareza como esse recurso está sendo utilizado. Eu, de imediato, já fiz a suspensão de dezenas de licitações que estavam em andamento, estou fazendo internamente uma consulta em todas as áreas da casa para saber onde eu posso inibir gastos, vamos fazer a extinção de algumas centenas de cargos na Câmara dos Deputados, e todas as licitações em andamento que não eram para ação normal ou cotidiana da Câmara, como material de expediente, por exemplo, foram paralisadas para serem avaliadas. Eu chego à Câmara porque eu quero fazer uma economia desse recurso para utilizar de maneira devida. E, eu chego lá e me deparo com a Câmara proprietária de cerca de 430 imóveis, 260 deles desocupados, e a perspectiva tem sido crescente. Nós não estamos com 260 desocupados e com a expectativa de amanhã, 30 ou 40 virem a ser ocupados, ao contrário, a cada semana dois ou três são desocupados, porque o parlamentar não se considera mais em condições de ter imóvel em Brasília, de ter outro no estado, enfim, é mais uma estrutura funcional. O que é que me parece lógico: esses imóveis, cada um deles tem hoje um custo mensal para a Câmara entre 1000 e 1200 reais de manutenção, de manutenção desde a terceirização do serviço de vigilância, de limpeza até a troca, enfim, de partes de apartamentos que se deterioram, e quando o apartamento está vazio se deteriora com mais rapidez ainda. Eu fico imaginando, será que o mais adequado é ficar quieto, deixar esses 260 apartamentos parados lá, vamos fingir que não há essa despesa, está previsto no orçamento da Câmara e não vamos tocar nesse assunto porque é polêmico, ou vamos fazer o contrário como eu fiz? Olha, existe essa despesa hoje, que ao meu ver não deveria, esse recurso poderia ser gasto na informatização de toda Câmara, na comunicação maior da Câmara, na melhor comunicação da Câmara com a sociedade, para que o parlamentar trabalhe em melhores condições, tudo isso me parece mais razoável do que gastar esse dinheiro mantendo apartamentos, que é, na verdade, o recurso que interessa a muitas empresas que fazem esses tipos de serviço...

[...]: [interrompendo] Deputado.

Aécio Neves:
E a nossa proposta sempre foi, para ficar muito claro, entregar esses apartamentos para Caixa Econômica Federal, que faria alienação desses imóveis com as regras de mercados hoje, sem qualquer privilégio a qualquer deputado. Tem um grupo de parlamentares hoje da mesa diretora trabalhando uma proposta nessa direção. O que eu posso lhe adiantar é que essa proposta vai ser colocada à opinião pública até porque essa matéria tem que ser aprovada pelo plenário do Congresso Nacional, nós estamos falando da alienação de imóveis do parlamento, eu só garanto uma coisa, se for para que haja privilégio para parlamentar adquirir imóvel, eu não venderei esses imóveis, porque eu não vou macular a imagem da Câmara em algo que pode ser positivo. O que eu imagino é que se, em 1960, a Câmara teve 500 imóveis que justificava porque Brasília não tinha hotel, não tinha como acomodar seus parlamentares, no ano 2001 a realidade é diferente. Eu vou em cada um dos problemas, Markun, que eu encontrar. Vou trazer a opinião pública para que se discuta, pode ser que até amanhã o caminho seja não vender, continuo achando que esses recursos gastos na conservação desses apartamentos, o que se poderia adquirir com a venda deles, poderia ser muito mais bem utilizado em beneficio do parlamento e da sociedade do que está sendo hoje.

 

Teodomiro Braga: Deputado, mudando a agenda do nosso debate: sucessão presidencial. Um recente encontro em Minas Gerais na Federação das Indústrias, ao mencionar as dificuldades dos candidatos do PSDB, José Serra [foi ministro  da Saúde de Fernando Henrique, candidato derrotado pelo PSDB à presidência da República (2002), prefeito (2004) saindo em 2006 para assumir o governo do estado de São Paulo] e Paulo Renato [foi deputado federal e ministro da Educação de Fernando Henrique] o senhor fez a pergunta aos empresários presentes: "o que acham do [Pedro] Malan?". O senhor é simpático à candidatura do Malan [ministro da Fazenda nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso]?

Aécio Neves: Isso foi...

Teodomiro Braga: E como o senhor analisa também a pesquisa da Folha de S. Paulo de ontem, que mostrou a consolidação e o crescimento da candidatura do José Serra como provável candidato do PSDB?
      
Aécio Neves:
Olha, essa conversa em relação ao Malan, isso foi na verdade a continuidade de uma conversa anterior que eu havia tido com o presidente da Federação das Indústrias [...],  e que nas nossas conversas o nome do Malan sempre surgiu, eu pessoalmente acho, hoje, isso muito difícil que ocorra, em primeiro lugar porque ele não é filiado a nenhum partido, não é filiado portanto ao PSDB, e o quadro avança hoje, pelo menos internamente dentro do partido, entorno dos nomes que estão colocados, fazer uma especulação hoje entorno de um nome fora do quadro partidário, e que não tem demonstrado nenhuma, enfim, pelo menos de público, nenhuma movimentação, nenhuma intenção nessa direção é muito difícil, eu acho improvável hoje essa candidatura. E o PSDB, volto àquilo que eu estava dizendo anteriormente, mais do que estimular nomes e é muito bom para o partido que tenha mais de uma alternativa, nós todos assistimos com muita alegria os números do ministro José Serra, o deputado Tasso Jereissati [senador desde 2002] continua sendo uma presença muito forte no partido, um nome ainda que é possível de ser candidato, temos aí o Paulo Renato, temos o Pimenta, é bom que o PSDB, fala-se, fala-se...

Tereza Cruvinel
: [interrompendo] O senhor se esqueceu ou não quis citar o Geraldo Alckmin? [do PSDB paulista, como José Serra, foi governador e candidato derrotado à presidência da República]

Aécio Neves: Não, eu ia dizer, você que me interrompeu.

Tereza Cruvinel: Desculpe, desculpe...

Aécio Neves: Fala-se no Geraldo, que é um quadro dessa nova geração tucana. Que bom que o PSDB tem todos esses nomes, mas que mau, o PSDB ainda não conseguiu apresentar com clareza o novo projeto!

[..]: Deputado...

Aécio Neves: O candidato ganha eleição não apenas por estar filiado à máquina, ou por ser sócio de um eventual êxito econômico, ganha eleição aquele que apresentar perspectiva de continuar com esse projeto econômico que está aí, mas, mais do que isso, avançar, fazer com que ele se transforme, eu já disse e repito...

[...]: Deputado, mas...

Aécio Neves
: Em benefício sociais para as pessoas, o que está faltando e acho que há tempo ainda, por isso fica esse alerta, o que está faltando é estabelecermos um novo projeto para os próximos quatro anos.

Teodomiro Braga: Você falou que bom que o PSDB tem vários nomes, mas a pesquisa da Folha de ontem mostra que só tem um nome, que é o José Serra, é o único que tem...

Eliane Cantanhêde
: Você disse que não vamos discutir candidatura e chama ele de candidato.
                     
Teodomiro Braga: É o único que tem um percentual significativo, Tasso Jereissati tem próximo de 1 e o José Serra tem...

Aécio Neves
: É porque eu estava lendo a pesquisa, a pesquisa fala de candidatos, não fala de avaliação de ministro. É muito bom que o José Serra tenha esses índices, acho que ele tem que ficar feliz com isso, nós todos temos que ficar felizes... Mas não vamos... Na minha terra diz-se muito: você não pode botar o carro adiante dos bois, porque a expectativa é sempre de que ele não ande. Então, vamos com calma, nós temos que consolidar o projeto de país que está aí, temos que avançar nas reformas que ainda faltam na Câmara dos Deputados, e estabelecer o grande projeto que vai comandar, que vai conduzir a candidatura, seja do Serra, seja do Tasso, do Geraldo ou de quem for, isso para mim é mais urgente do que indicarmos um nome e que amanhã eventualmente não vai ter condições de vencer as eleições.

Getulio Bittencourt
: Presidente, tem uma questão sobre a sua pauta exatamente, que eu achei preocupante. o senhor quer acabar com o poder do governo de legislar pelas medidas provisórias...

Aécio Neves: Inibi-lo.

Getulio Bittencourt
: Inibi-lo. E o senhor disse também que isso não é contra o governo. O que eu pergunto ao senhor é o seguinte: o Brasil, tendo essa estrutura partidária que tem, que é muito fragmentada, e hoje é muito difícil conseguir consenso e maioria, ao fazer isso o senhor não vai amarrar esse governo, impedi-lo de funcionar?

Aécio Neves
: Não, de forma alguma, o projeto que foi discutido cujo relator é o deputado Roberto Brant, ele é equilibrado, e seria esse projeto que iria à votação, o equívoco em relação às medidas provisórias não é nem o número exagerado de reedições que faz o governo, o grande equívoco, o nó que nós temos que desatar. É porque a Câmara dos Deputados não tem nenhum instrumento que obrigue ela votar as medidas provisórias, no momento que você criar um instrumento que você seja obrigado a votar a favor, muitas vezes, inclusive, ou contra as medidas provisórias, isso por si só já é um fator inibidor da edição, vamos chamar assim, desregrada das medidas provisórias. O atual sistema ele é sedutor, não é [só] para este governo, é para qualquer governo. Amanhã, se o Lula  [Luiz Inácio Lula da Silva, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e presidente do Brasil desde 2002, quando ganhou a eleição de José Serra, sendo reeleito em 2006] ganha à eleição, ele vai ficar muito seduzido porque qualquer negociação com o Congresso é muito complexa, é muito mais fácil você editar uma medida provisória...

[...]: [interrompendo] Deputado.

Aécio Neves: Mas, a partir do momento em que você estabelece, como estabelece esse projeto, a obrigatoriedade que, depois da primeira reedição, só pode fazer portanto duas reedições, portanto uma vale para 60 dias, e outra reedição por mais 60 dias, ao fim desse prazo, você tranca a pauta e obriga a Câmara a deliberar, você já está criando por si só, com esse gesto, um fator inibidor às edições das medidas provisórias sucessivas. Está permitindo que a Câmara dos Deputados, que o poder legislativo resgate aquela que é a sua ação prioritária e originária, que é a capacidade de legislar que nós perdemos hoje.

Ariosto Teixeira
: Existe, assim como existe em relação as lei das SAs, um grande entendimento, um grande acordo, segundo o senhor mencionou há pouco.  Existiria também em relação.... - é uma proposta de emenda que requer um quórum qualificado, um quórum muito mais difícil - existe um acordo no Congresso e um acordo evidentemente também com o executivo? O presidente da República concorda com o texto que está para ser votado?

Aécio Neves
: Olha, o presidente tem preocupações, e me parece naturais, muito na linha do que falava aqui o Getulio, de estar amanhã amarrado, impedido de editar medida provisória. No momento, por exemplo, em um passado recente, isso ocorreu em uma crise em matéria tributária, por exemplo, já que esse capítulo já foi objeto de reforma. Em momento de uma crise emergencial, o líder está preso, amarrado em relação a determinadas matérias. O que eu digo é o seguinte: a proposta que nós pretendemos votar deixa o governo com alguns instrumentos para serem utilizados em momentos vitais para o país. Eu aprendi uma coisa, Ariosto, que é o seguinte: se eu for esperar sempre o consenso permanentemente em matérias que não interessam fundamentalmente ao governo, esse consenso não vai vir. Em relação às posições é a mesma coisa, eu estou marcando prazo para as matérias serem votadas...

[...]: Até lá que se construa um entendimento.

Aécio Neves: Eu estou estabelecendo uma regra nova na Câmara. Eu terei, e já tenho para as três próximas semanas. Mas a minha idéia é que, a partir de maio, eu possa ter no dia primeiro de maio, a agenda de todo mês divulgada, é aquela agenda: essas vão ser as matérias votadas na primeira semana, na segunda, na terceira e na quarta do mês, para que...

[...]: [interrompendo] Presidente!

Aécio Neves: ...sabendo com antecedência qual matéria que vai entrar em votação, as lideranças se preocupem ou em buscar o bom senso ou em fazer concessões...

[...]: Quer dizer, o governo vai à luta.

Aécio Neves
: A concessão no trabalho parlamentar, ela é feita na última hora, ela é feita em cima da pressão, portanto, eu disse que não adiarei e não adiarei a data que defini para votar as medidas provisórias, dia 25 de abril...

[...]:
25 de abril.

Aécio Neves:
Estabeleci um prazo para que, durante essas próximas semanas, as lideranças do governo, de situação e de oposição, ou façam entendimento ou senão as lideranças do governo façam um trabalho que acham que têm que fazer para derrubar aquilo que não acham adequado.

Paulo Markun: Vindo de um mineiro é uma surpresa.

Tereza Cruvinel
: É!

Aécio Neves:
Mas sabe que esses novos mineiros hoje estão ousando um pouco mais, a minha candidatura...

Tereza Cruvinel:
Presidente...

Aécio Neves
: Markun, foi o início de alguma ousadia, uma ousadia claro com os pés fincado na realidade com base em uma estratégia muito clara, mas o gesto é de ousadia, e que eu acredito vai ser importante para o parlamento no futuro. A minha eleição sepultou o caciquismo na Câmara dos Deputados, sepultou o tempo dos candidatos ungidos pelas forças externas. Olha, eu tenho uma amizade pessoal muito grande com o presidente Fernando Henrique, eu o admiro, acho ele um dos grandes homens públicos do seu tempo, e a história, tenho certeza, reconhecerá isso. Muitos de nós já reconhecemos, mas a história reconhecerá. Mas no começo dessa campanha, minha candidatura não interessava ao Planalto, é muito claro isso, era mais importante que houvesse um equilíbrio entre os outros principais partidos da base no campo congressual...

Tereza Cruvinel
: O governo aderiu a sua candidatura?

Aécio Neves
: Nós enfrentamos isso dentro das regras, olha, eu comecei e terminei minha campanha dizendo a mesma coisa, "é preciso que as regras da Câmara sejam respeitadas"...

Tereza Cruvinel:
Ah por favor, eu quero falar sobre isso, por favor!

Aécio Neves
: E é preciso que se tenha um projeto, eu fiz uma candidatura [com a proposta] que é respeitar o regimento da Câmara, que apresentava uma proposta nova, eleito presidente da Câmara, continuarei respeitando o regimento da Câmara, mas vou continuar ousando da mesma forma que eu ousei na minha candidatura.

Tereza Cruvinel:
Olha, presidente, a sua campanha realmente teve como norte principal os compromissos institucionais, menos os compromissos fisiológicos que em outras eleições na Câmara nortearam a disputa, dentro disso acho muito louvável se você conseguir realmente votar as medidas provisórias nesta data histórica, 25 de abril, dia da votação da Emenda das Diretas...

Aécio Neves
: [Da] Revolução dos Cravos também...

Tereza Cruvinel:
Revolução dos Cravos também. Acho essa alteração de método, "eu marco a votação e vocês se entendam", também acho muito positivo porque o colégio de líderes até aqui vivia a reboque do Palácio do Planalto, só se votou nos últimos 6 anos no dia e o quê o Palácio do Planalto quis. Se o senhor já modificar isso, eu acho muito interessante. Agora, tem outro aspecto dentro do seu compromisso, com a independência do legislativo, que se apresenta agora neste momento. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que é um tabu para ese governo, tem um compromisso de intocabilidade muito grande com essa lei, estabeleceu uma avaliação bimestral, das receitas e despesas e, originalmente, autorizava o governo o poder executivo a cortar diretamente recursos dos outros dois poderes. O Supremo Tribunal Federal, em obediência à independência dos poderes acabou de, há pouco tempo, tornou sem efeito esse artigo da lei. Mesmo assim, acho que na quinta-feira ou sexta-feira o presidente assinou o decreto recomendando os cortes orçamentários dos outros dois poderes. Nós sabemos que o poder judiciário, os presidentes do Supremo Tribunal Federal e do STJ [Supremo Tribunal de Justiça] devem se reunir hoje, inclusive para discutir isso, os dois tribunais superiores do país reagiram muito mal, achando isso uma interferência indevida. Eu queria saber o que o senhor acha dessa atitude do poder executivo, e o que o senhor acha desse dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal no momento em que os prefeitos e muitas outras instâncias do país se rebelam contra essa lei, no que ela tem, não no seu compromisso com a responsabilidade fiscal, mas no que ela tem de inexeqüível?

Aécio Neves:
Olha, eu vou começar do final para chegar na primeira questão que você colocou.

Tereza Cruvinel
: Desculpe!

Aécio Neves:
Ela é muito ampla, mas muito interessante. Eu recebi um telefonema na última sexta-feira comunicando ao presidente da Câmara dos Deputados, me dizendo que tinha feito isso em relação aos presidentes dos outros poderes, de que seria necessário um corte na Câmara, no orçamento do  legislativo, em função da avaliação de metas que havia feito o executivo. Eu tenho uma reunião da mesa diretora da Câmara esta semana, vou fazer uma  avaliação sobre isso, porque aí há uma distorção. Na verdade, o orçamento do executivo quando vai ao Congresso, até pelas razões óbvias, ele é engrossado, ele é fortalecido, portanto, quando se fala em cortar executivo, depois desse orçamento aprovado no Congresso, na verdade, você não está cortando no orçamento previamente enviado, há uma distorção que, nesse aspecto, é favorável ao executivo...

Tereza Cruvinel
: Que é a receita superestimável?

Aécio Neves: É claro. Existe por nossa parte toda intenção em fazer. A Lei de Responsabilidade Fiscal, Tereza, para mim é um paradigma novo que se criou na administração pública brasileira, é [nova] e, portanto deve ser sustentada nas suas questões fundamentais, inclusive com as penas que estão estabelecidas para quem a descumprir. Agora, é preciso que ela seja avaliada na realidade, com números na frente. Eu, por exemplo, externo algo que certamente não vai agradar setores do governo, e também não é esse o meu papel...

Tereza Cruvinel:
O governo reclamou de o senhor ter admitido criar um grupo de trabalho para reavaliar aspecto da lei discutidos pela oposição?

Aécio Neves: Será criado da forma como eu disse, sem que se crie...

Tereza Cruvinel: Mas o governo reclamou com o senhor?

Aécio Neves: Não comigo diretamente...

Tereza Cruvinel: Mas reclamou?

Aécio Neves: Entre muros, choramingou um pouco por aí, mas isso não me preocupa, porque eu discutirei essa questão, [há] mecanismos na Câmara para fazê-lo, não sou da ótica daqueles que querem burlar a lei para continuar...

Tereza Cruvinel: [interrompendo] Ou seja, o governo acha que o senhor ou o Congresso deve fazer o que ele quer?

Aécio Neves: ...comprometendo despesas futuras. Não, nós não queremos discutir essa questão da Lei de Responsabilidade Fiscal no que ela tem de essencial, até porque nós já votamos. Mas, por exemplo, vou te dar uma questão pontual: você está desestimulando o aumento de arrecadação no momento em que você consegue enxugar a máquina, consegue combater a sonegação na sua unidade administrativa, seja município, seja estado, ou seja União.  Você consegue azeitar a máquina e arrecadar mais, criar condições de arrecadar mais, essa arrecadação não pode ser transformada em investimentos sociais, por exemplo.

Tereza Cruvinel: Hum, hum.

Aécio Neves
: Essa é uma questão que eu acho que pode ser discutida, você estimular que haja um aumento de arrecadação, porque só se considera na lei, arrecadação nova, a criação de novos impostos.

Tereza Cruvinel: De impostos ou corte de despesas, então aí nós não progredimos nunca no social?

Aécio Neves:
É que você cria um gargalo, mas a sua permissão, você me permite, Markun?

Paulo Markun: Eu queria entender isso, quer dizer, em relação a essa recomendação do governo, qual vai ser a atitude da Câmara?

Aécio Neves: Nós vamos reunir a mesa diretora da Câmara. A Câmara, para falar a verdade, já está preparada para fazer eventuais cortes, vou repetir, Markun, nós seremos muito severos no cumprimento da lei de ajuste fiscal, mas não será o executivo que vai definir esses cortes. Nós vamos avaliar em função também da arrecadação, enfim, somos um país só, a arrecadação é uma só. No momento em que nós tivermos convencidos de que houve um decreto nessa arrecadação, nós vamos estabelecer qual será esse corte, nós vamos única e exclusivamente cumprir uma determinação do poder executivo até...

Tereza Cruvinel: Ou seja, o número do governo pode ser revisto pela própria Câmara?

Aécio Neves
: É isso, é fundamentalmente isso, agora...

Eliane Cantanhêde:
Agora deputado...

Aécio Neves
: Até porque nós estamos falando em autonomia de poderes. Mas me permite só em um minuto responder...

Eliane Cantanhêde
: Tá!

Aécio Neves:
A primeira parte...

Eliane Cantanhêde: Depois eu queria fazer só um parênteses.

Aécio Neves: A primeira parte da pergunta da Tereza, quando ela fala da agenda que nós estamos buscando, quando você fala que é positivo buscar uma agenda  na sociedade, nós já começamos a fazer isso, eu coloquei matérias em votação, Tereza, que eram originárias de projetos da oposição extremamente importantes, talvez não para o país, para sufocar a crise política que está aí, mas para as pessoas atingidas por ela. O projeto, por exemplo, que obriga os planos de saúde a fazer cirurgia reparatória de mama nos casos de mutilação em função de câncer foi aprovado, aquela que estabelece crime ao assédio sexual, colocando no nível das legislações mais avançadas no mundo, o Código das Cidades, o novo critério para repassar recursos do Fundo de Participação, valorizando os pequenos municípios e as pequenas cidades, houve uma série de medidas que nós tomamos e, aliás, nenhuma delas foi originária do executivo, todas elas foram...

Tereza Cruvinel: A coleta de sangue foi um presente do Congresso ao governo.

Aécio Neves: O projeto que regulamenta a comercialização de sangue que o governo sancionou há duas semanas atrás, nós tiramos da gaveta, esqueceram até de convidar o presidente da Câmara para sanção, mas nós tiramos da gaveta...

Tereza Cruvinel:
Mas o governo faturou como se fosse dele, quando a iniciativa era do Congresso.

Aécio Neves
: Tiramos da gaveta um projeto que estava ali amarrado, e todos aprovaram, isso mostra que é possível ter uma agenda que seja uma agenda da sociedade e não exclusivamente do governo. Com o governo nós vamos cooperar, é óbvio que vamos cooperar nas questões que foram essenciais ao país.

Eliane Cantanhêde: Agora, a pergunta é exatamente isso.  É curioso, porque eu estive hoje com a prefeita Marta Suplicy [política e psicóloga, foi prefeita de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e ministra do Turismo do governo Lula] e ela defendeu exatamente essa mudança na Lei da Responsabilidade Fiscal. Como ela esteve com você na semana passada, foi ela que fez a sua cabeça para mudança?

Aécio Neves
: Não, não chegamos a falar sobre essa questão específica, até porque foi uma reunião com toda bancada de São Paulo...

Tereza Cruvinel: Não, o senhor acolheu os três pontos propostos pela oposição semana passada...

Aécio Neves: Não, é...

Tereza Cruvinel:
Inclusive este.

Aécio Neves:
É, eu recebi a visita da prefeita Marta, eu já havia, na campanha eleitoral, conversado um pouco com ela sobre a lei e, dizendo que a lei é fundamental, que nós temos que ter muito cuidado ao iniciar esse debate, até para que nós não venhamos a dar carona àqueles que querem efetivamente - não acredito que seja o objetivo da prefeita Marta, e certamente não é - que queiram ter maior liberdade administrativa, voltar ao tempo da farra fiscal, e que eventualmente possa pegar carona nessa discussão, portanto, ela tem que ser muito pontual. Eu recebi no meu gabinete, como receberei quantas vezes for procurado, a bancada de São Paulo de todos os partidos, inclusive o porta-voz da reunião foi até o deputado Paulo Kobayashi que é o coordenador da bancada, e estava lá a prefeita Marta. E o que eles querem é que nós possamos, à luz da realidade, debater essa questão. Eu não considero um tabu debater essa questão, algumas pessoas se afligem, vamos discuti-la, mas sempre preservando o que a lei tem de fundamental, que é a obrigatoriedade que se cumpra determinadas metas, e que não se comprometa o orçamento atual no futuro, e que, na verdade, não se comprometa o orçamento futuro agora...

[...]: Presidente...

Aécio Neves:
E nessa questão específica, me parece que qualquer sistema deve estimular o aumento da arrecadação com a fiscalização da utilização do recurso. No momento em que você impede que seja considerado receita nova o aumento de arrecadação, o combate à sonegação, por exemplo, eu acho que aí, sim, há uma distorção que pode ser discutida.

Andrei Meirelles: Deputado.      
       
Paulo Markun
: Andrei!

Andrei Meirelles: É, tenho umas informações que o painel eletrônico do Senado é violável, eu queria saber o seguinte: como é o painel eletrônico da Câmara? Como se dá esse controle? E qual sua posição em relação a que se acabe o voto secreto no Congresso?

Aécio Neves: Olha, o voto secreto é uma prerrogativa constitucional. Eu tomei o cuidado, Andrei, de logo após todas essas denúncias que surgiram, mandar alguém me informar como é o painel da Câmara. A informação que eu tenho, dos técnicos que fizeram para mim esse laudo, é de que o painel da Câmara tem o que eles chamam de algumas chaves que não [há] no painel do Senado.  Portanto, ele é mais seguro em relação ao painel do Senado, ele poderia ser violado, segundo as informações técnicas que eu tenho, durante o processo de votação. Porque, você sabe, o sistema eletrônico que foi estabelecido na Câmara - e aí o  da Câmara leva vantagem em relação do Senado, porque o da Câmara tem assinatura digital, o Senado não tem - na Câmara você para votar você tem que ir lá e mostrar a sua digital, e apenas quando a máquina reconhece a sua digital seu voto é contabilizado. Mas chegaram a me dizer que é possível durante o  processo de votação... porque nosso sistema possibilita alteração do voto durante o processo de votação, até o encerramento do processo você pode mudar duas ou três vezes o seu voto, você pode ter se enganado, pode se convencer, enfim, o sistema proporciona isso. Então, durante o processo de votação ele é vulnerável, portanto nossa recomendação é de que haverá vigilância da segurança da casa permanente, nem que seja por uma defesa, porque não vai haver nada disso na Câmara, mas [para] defesa da própria instituição haverá uma vigilância que não havia antes no sistema central de controle...

[...]:
[interrompendo] Presidente...

Aécio Neves
: Depois de encerrada a votação, segundo os técnicos nos informam, não há no painel da Câmara possibilidade de violação.

Andrei Meirelles: Só uma coisa, o senhor disse que era constitucional a existência de voto secreto no Congresso, mas queria saber a sua posição?

Aécio Neves
: Olha, eu estou até aberto a essa discussão, mas eu não acho que se deva acabar com o voto secreto, não vejo que isso resolva o problema, o que nós temos é que considerar, criar condições para que não haja violação, porque o voto secreto...

Andrei Meirelles
: Isso daria transparência para o eleitor não é?

Aécio Neves: Mas em determinadas matérias o voto aberto pode acabar tendo um resultado ao inverso do que você quer alcançar, que é a pressão que acaba vindo em determinadas matérias por exemplos nos vetos constitucionais, é a norma, é a tradição. Reza a tradição de que o voto seja secreto exatamente  para que não haja nenhum tipo de pressão. Eu, pessoalmente, não teria a menor dificuldade em estabelecer que todas votações são abertas, mas não vou fazer disso também, Andrei, uma peça demagógica de que isso dá mais lisura ao processo. O que dá lisura ao processo é nós termos parlamentares que possam responder perante suas regiões, seus estados, pelo que fazem ali...

Paulo Markun:
Presidente.

Aécio Neves:
E o voto secreto de um parlamentar digno é um processo absolutamente natural. E eu não vejo nisso um risco à instituição ou uma desvalorização da instituição ou da sede parlamentar...

[...]: Presidente.

Aécio Neves:
Até porque ele é restrito a votações muito específicas.

Getulio Bittencourt:
[interrompendo] Eu queria fazer uma provocação.

Aécio Neves
: A minha foi por voto secreto, se fosse voto aberto eu não sei se me elegeria presidente.

Getulio Bittencourt: Eu queria fazer uma provocação ao senhor. Algumas vezes, nesta entrevista, o senhor disse que no Brasil e na Câmara estão perdendo tempo com assuntos que não são relevantes. Há pessoas em vez de idéias e propostas, enfim, um projeto para o Brasil. E a pergunta para o senhor é: o senhor tem um projeto para o Brasil, dá para o senhor nos dar uma idéia geral?

Aécio Neves
: Eu acho que eu, pessoalmente, seria superestimar demais a minha capacidade, mas eu faço parte de um grupo político, Getulio, que tem sim um projeto para o Brasil, que passou no primeiro instante pelas reformas, buscando redimensionar o Estado e seu papel na economia. Nós não defendemos o Estado paternalista, com o qual nós convivemos durante tanto tempo, eu também não considero que o mercado por si só possa ser todo crescimento e distribuição de renda. Ele pode até atender o primeiro, mas certamente não atenderá adequadamente, a segunda questão, que é a distribuição adequada de renda. O modelo do Estado enxugando as suas ações empresariais, vamos dizer assim, mas mantendo um poder regulador sobre determinados setores da economia, a nosso ver, é um modelo adequado, porque ao meu ver, o monopólio privado é mais nefasto, é mais perverso para o país do que o próprio monopólio público, que já é muito ruim. Portanto esse modelo de Estado é importante, agora o que nós precisamos é esse modelo onde o Estado se enxuga, mas ele continua tendo um papel fiscalizador, através das agências importantes. Eu acho que tem muita coisa que precisa ser construída ainda. Uma outra discussão que eu vou trazer para a Câmara dentro desse modelo que nós preconizamos de país, é em relação ao Banco Central e à política monetária. Eu acho que o Banco Central precisa ter uma maior autonomia do que tem hoje. Eu defendo mandatos dos presidentes do Banco Central, e mais, a possibilidade, através de uma autorização do Senado da República, para que eventualmente solicitado pelo presidente da República, ou pela maioria do Senado da República, possa haver a destituição daquela diretoria. Você não permite que o presidente da República possa eventualmente, quem seja - eu não falo nem desse porque não aconteceria - possa em função de um descontentamento político circunstancial alterar a política monetária do país. Portanto, alguns ajustes nós precisamos fazer. Qual é o grande desafio? Qual é o modelo que se tem hoje? O desafio está nas grandes cidades? Todo esforço que nós fizermos hoje, para consolidar a estabilidade, precisa ter um fim. E qual é esse fim? A pobreza, Getulio, existe nos principais países do mundo, existe no Brasil, infelizmente nós vamos conviver com ela ainda durante muitas décadas, essa é a realidade. Mas a miséria, a miséria é indutora da violência, da desagregação social, a miséria que está aí hoje pautando das discussões no país, ela está nos cinturões das grandes cidades, essa indutora da violência, da criminalidade, essa que precisa ser combatida, e será combatida com uma ação muito bem direcionada, pontual nesses cinturões. Isso passa pela questão de habitação, pela questão de transporte de massa, pela questão do saneamento. Nós inauguramos agora a discussão da questão do saneamento na Câmara, pelas próprias áreas da segurança pública, pelo próprio meio ambiente, é um conjunto, um mutirão que precisa ser encontrado, enfim, uma parceria que precisa ser encontrada entre os vários níveis da administração pública para enfrentar essa questão. Então, se você pergunta, qual que é o modelo de país? O modelo é o modelo social democrata onde haja poderes menores do que havia anteriormente aos mandatários, mas onde haja algo que não existe hoje, Getulio, isso que é o fundamental: a parceria maior do Congresso e, eu falo isso para dizer que nós precisamos ter partidos políticos, essencialmente partidos políticos com fidelidade partidária que tenha um compromisso programático claro. A nossa democracia só vai avançar e as conseqüências sociais desse avanço só vão vir, no momento em que nós tivermos um quadro partidário estável e que represente segmentos de pensamentos da opinião pública, e não como nós temos hoje, um quadro extremamente diversificado, onde várias pequenas legendas que representam interesses paroquiais, pessoais, muitas vezes pouco legítimos e condenáveis, acabam contaminando todo o processo legislativo.

Eliane Cantanhêde: É o discurso de 2006!

[risos]

Eliane Cantanhêde: Gostou não é, Aécio? Que foi isso?

[risos]

Paulo Markun
: Presidente, um outro tema que o senhor colocou na sua plataforma foram modificações na TV Câmara, aliás, a propósito dessa questão, do dia 25 de abril, provavelmente se naquele 25 de abril existisse a TV Câmara e existisse a liberdade de imprensa que a gente tem hoje em dia, talvez o resultado fosse diferente. Que modificações são essas e o que o senhor imagina que ela possa fazer?

Aécio Neves: Olha, a TV Câmara já avançou muito e é um instrumento importante, não apenas para a promoção dos parlamentares, ao contrário, mas para o fortalecimento da instituição. A TV Câmara e a TV Cultura, você sabe porque você, inclusive, coordenou um desses trabalhos e iniciou algumas parcerias, uma delas é esse belíssimo trabalho em relação ao dia 25 de abril, dia não da [votação da Emenda] das Diretas, foi dia do AI5 com discursos do Covas, do Márcio Moreira Alves, você traz para agora, para o presente um momento que, pelo menos duas gerações de brasileiros, conhece apenas à distância, de ouvir falar. Nós pretendemos avançar nesse tipo de cooperação, mas eu quero uma TV Câmara, Markun, mais ousada também, estou usando muito esse termo, mas acho que ele é o mais adequado na comunicação. O que aparece em relação à Câmara dos Deputados - e vou ficar só na questão da Câmara dos Deputados, e não vou culpar a imprensa por causa disso, porque a imprensa jornalística ela enfim, ela dá o que é notícia - a notícia em grande parte das vezes, na maioria das vezes, não é sempre, mas na maioria das vezes, são questões polêmicas e nem sempre abonadora para a Câmara dos Deputados. O que eu quero é mostrar, por exemplo, nós falávamos agora do projeto que regulamenta a coleta de sangue, algo fundamental para hemofílicos, sobretudo para a população de baixa renda. É preciso que as pessoas vejam as coisas positivas que a Câmara faz, o Código de Trânsito, por exemplo, está aí hoje reduzindo aí, em níveis próximo de países mais avançados do mundo, os acidentes de trânsito, foi uma discussão feita dentro da Câmara, uma vitória da Câmara, esse projeto que eu falei agora em relação à mulher, um problema direto discutido dentro da Câmara. Eu preciso, eu tenho a obrigação como presidente de uma instituição na qual eu acredito, e é ali o mais importante instrumento da democracia a meu ver, não é no executivo que a sociedade está representada em toda sua estratificação, é na Câmara dos Deputados, com seus defeitos certamente os têm...

José Paulo Kupfer:
Presidente.

Aécio Neves:
Mas com suas grandes virtudes...

José Paulo Kupfer:
Presidente...

Aécio Neves:
O que eu quero é que as pessoas conheçam um pouco mais o trabalho da Câmara, e eu estou criando...[sendo interrompido] eu vou te responder nesse instante...

José Paulo Kupfer:
Tá bom, obrigado.

Aécio Neves: Eu estou criando algo que vai ser, talvez, a grande novidade dessa nossa gestão. Pegando carona na questão da TV Câmara - e não vou perder a oportunidade de dizer sobre isso - eu pretendo dentro de 15 dias estar aprovando no plenário a criação da nova, da décima sétima comissão permanente da Câmara. Nós temos hoje dezesseis comissões permanentes. Ela será a comissão de Legislação Participativa, é inspirada na comissão de petições que funcionam hoje no Parlamento Europeu, e é aí a grande novidade, ela receberá diretamente das entidades organizadas, desde sindicatos, ONGs ou associações comunitárias, associações de bairro, propostas de legislação. As pessoas poderão acessar diretamente essa comissão. Ela, em um prazo previamente estabelecido de 40, 60 dias irá examinar aquela matéria, e essa matéria, se aprovada pelo colegiado dessa comissão, irá para votação em plenário.

[...]:
Agora...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Presidente, presidente...

Aécio Neves: Portanto nós estamos permitindo que a sociedade olhe para o Congresso e veja uma janela escancarada para apresentar sua proposta ou sugestão...

Tereza Cruvinel:
O indivíduo pobre...

Aécio Neves: E nessa linha nós criamos, inclusive, na última semana, a Ouvidoria da Câmara. Essa é outro contexto [voltada] para receber reclamações, contribuições e sugestões sobre o trabalho parlamentar.

José Paulo Kupfer:
Eu queria voltar um pouco ao final do outro bloco, pergunta que o colega Getulio fez, perguntando sobre projeto do PSDB, que é uma coisa muito importante com um partido altamente importante. Temos uma eleição daqui a dois anos e o senhor está mesmo querendo discutir projetos. Eu tentei acompanhar, eu sou jornalista já velho, eu tenho até rapidez, todos os itens do seu projeto... eu realmente não consegui, eu estou achando que não tem projeto, tanta coisa, tanta coisa e tanta coisa comum, habitação, transporte de massa, segurança, saúde, questão urbana...Isso não é projeto!

Aécio Neves
: Olha...

José Paulo Kupfer: É uma lista das nossas aflições...

Aécio Neves: O conteúdo das...

José Paulo Kupfer: E nós viemos com elas há muito tempo. O que é prioritário nesse projeto?

Aécio Neves: Mas que bom que seja assim. Porque um projeto tem que ser resultante das nossas aflições, e você construiu, através de um programa...

José Paulo Kupfer:
Qual é a prioridade?

Aécio Neves:
Olha, o que nós fizemos até agora, foi dar uma ênfase muito grande à questão da estabilidade...

José Paulo Kupfer:
Sim.

Aécio Neves:
Vamos chamar de reordenamento do Estado. O Estado hoje tem um perfil diferente do que tinha lá atrás, creio eu, você pode até discordar, mas pelo menos me perguntou o que eu defendo...

José Paulo Kupfer:
Não, claro, perfeito.

Aécio Neves:
Ele desperdiça menos...

José Paulo Kupfer: Não, claro, perfeito.

Aécio Neves: Ele hoje tem instrumento de fiscalização sobre a ação de determinados setores...

José Paulo Kupfer:
Está perfeito...

Aécio Neves:
Que não tinha antes, esse é um modelo. Agora a estabilidade, a meu ver, é uma conquista, ela não pode mais ser uma meta...

José Paulo Kupfer:
Tá!

Aécio Neves:
O que fazer com ela, qual que é o próximo passo? Não dá para inventar, às vezes, o óbvio acaba sendo o caminho mais adequado...

José Paulo Kupfer: Deixa eu tentar fazer com o senhor um pequeno exercício...

Aécio Neves: Vamos lá!

José Paulo Kupfer:
Não que eu seja contra também, eu sou a favor também de uma autonomia maior para o Banco Central, vamos pegar isso e vamos ver assim: na semana passada, por causa das metas de inflação, que muita gente acha que não estão assim tão...

Aécio Neves: [interrompendo] Maiores...

José Paulo Kupfer:
Em risco. O governo aumentou as taxas de juros, que significa um sinal. Se vai acontecer mesmo, a gente não sabe. É um sinal de freio no crescimento, está certo? Ou seja, a estabilidade é realmente o ponto, isso ficou claro na mensagem, é o ponto do governo, como é que se inverte isso? Daqui a dois anos em uma crise como essa, como é que se faria?

Aécio Neves: Não, você não tem que inverter, a estabilidade é pressuposto, é condição absolutamente fundamental para que nós alcancemos o que nós queremos, o crescimento da economia, uma distribuição melhor de renda, e eu cheguei a dizer de ações pontuais, que a meu ver, aceleram a obtenção desse resultado. Mas quando eu falo em uma autonomia maior do Banco Central, e você como analista econômico competente que é, você sabe que isso sinaliza de forma positiva para o mercado, o que não poderia permitir é que eventualmente, fôssemos dizer que tivesse na presidência da República - para ir no mesmo exemplo que você cita - uma outra figura com menos densidade do que o presidente Fernando Henrique.

José Paulo Kupfer:
O Lula não é?

Aécio Neves: Não, eu nem sei. O Lula hoje, eu gosto muito do Lula, pessoalmente, eu gosto do Lula.

José Paulo Kupfer:
Mas assim uma figura...

Aécio Neves: Alguém, vamos dizer, que seja um pouco mais sensível a um clamor do imediatismo, da curva da popularidade.

José Paulo Kupfer: Esforçado.

Aécio Neves:
Vamos dizer que o presidente do Banco Central faz uma ação dessas, que ele chama de preventiva. Eu não vou aqui analisar, até porque eu acho que ele é hoje uma das poucas unanimidades do país, vamos dizer que o presidente resolve "não, não gostei disso porque isso pode me afetar, porque estamos em um processo eleitoral",  e vai e demite o presidente do Banco Central e manda alterar aquela medida. Eu acho que o fato de você ter uma garantia de um mandato para uma diretoria... mas não é um mandato absoluto, onde um presidente do Banco Central passa a ser o próprio presidente da República. Não. Ele tem que se subordinar às linhas gerais de uma política...

José Paulo Kupfer:
[interrompendo] O senhor acha que o povo brasileiro...

Aécio Neves: ...econômica, que seja vencedoras na urnas.

José Paulo Kupfer: ...seria capaz, hoje, no começo do terceiro milênio, de eleger um presidente com uma cabeça dessas? Se vai me prejudicar politicamente ou derrubar o Banco Central...

Aécio Neves: Não, isso é mais... isso é mais corriqueiro que você possa imaginar...   

José Paulo Kupfer: É possível que isso ocorra? Nosso sistema político...

[...]: Presidente.

José Paulo Kupfer:
...permite esse tipo de vazamento?

Tereza Cruvinel:
Isso é muito perigoso, esse negócio de ficar moldando o futuro.

Aécio Neves: Isso é corriqueiro. Há pouco tempo atrás, nós elegemos um presidente que foi capaz de coisas muito piores que essa, o que nós temos que fazer é estabelecer regras que ultrapassem as pessoas, ultrapassem os mandatos, eu acho que é um aprimoramento. Mas é uma discussão, ela não está acabada, eu estou aqui propondo as linhas gerais dela, quem sou eu para definir o que seja o melhor caminho, mas eu tenho a condição...

José Paulo Kupfer:
Não, porque a base dela tem o cheiro de desqualificação de candidatos que não tenham um pensamento...

Aécio Neves: Não, ao contrário...

Tereza Cruvinel:
A base dela, presidente, é o seguinte: nós fizemos sucessor, nós garantimos um modelo econômico. Essa proposta é autoritária, presidente!

Aécio Neves:
Não é isso...

[...]: Uma camisa de força.

Tereza Cruvinel:
É.

Aécio Neves: Não, é porque você cria...você cria uma instância, você...Olha, não é um mandato absoluto, vou repetir, onde o presidente do Banco Central acaba se impondo ao próprio presidente da República, não, você cria salva-guarda, você cria uma opção extrema que onde houver o descumprimento...

[...]: São metas operacionais, presidente.

Aécio Neves:
...das metas que foram vencedoras nas eleições, obviamente você tem o Senado como representação da federação para poder cortar o mandato dessa...

[todos falam simultaneamente]

Aécio Neves:
Veja como é um assunto que deve ser discutido...

José Paulo Kupfer:
Claro!

Aécio Neves:
Só aqui tem [várias] posições tão divergentes, e eu vou levar essa discussão para dentro da Câmara dos Deputados, eu não quero que a solução venha por uma medida provisória ou por um ato apenas do executivo.

Paulo Markun:
Ariosto.

Ariosto Teixeira: Deputado, essa questão eu entendo como, quer dizer, uma forma de dar independência operacional à diretoria do Banco Central, mas minha pergunta é outra...

José Paulo Kupfer:
Ela já tem...

Ariosto Teixeira: O senhor falou ao longo do tempo aqui, nesses dois blocos anteriores, em ousadia. A gente que acompanhou sua eleição no Congresso, na Câmara dos Deputados, sabe que ela foi resultado também de um movimento ousado. O senhor é filho de políticos...

[...]: Neto!

Ariosto Teixeira:
Teve um avô [Tancredo Neves] que era considerado moderado, mas na verdade, era ousado porque chegou a ser primeiro ministro, presidente da República. Eu lhe perguntaria: presidente da República está nos seus planos, está no seu horizonte futuro?

Aécio Neves: Me permita ser presidente da Câmara! Eu estava comentando agora pouco com...

Ariosto Teixeira: Que a Eliane falou assim: 2006 está próximo...

Eliane Cantanhêde: E ele riu gostosamente, ficou registrado aqui.

Aécio Neves: A gente não pode ficar, em uma hora dessas, especulando sobre algo que é inimaginável neste instante. Eu sei a minha dimensão hoje, eu tenho um desafio pela frente, eu tenho um desafio que é fazer uma gestão na Câmara dos Deputados que seja revolucionária. Eu dizia isso na campanha e continuo dizendo hoje e tenho um norte do que é preciso fazer...

[todos falam simultaneamente]

Aécio Neves: E eu tenho uma vantagem, Ariosto. As coisas para mim aconteceram muito cedo e aconteceram sem qualquer mérito pessoal, aconteceram por uma questão exclusivamente hereditária. Eu pude chegar ao governo de Minas ao lado de meu avô, eu pude chegar à presidência da República e ver tudo aquilo que envolve o poder. Isso não me seduz mais, eu não trabalho por obsessão por cargo nenhum...

[...]: Deputado, mas...

Aécio Neves: Eu gosto do que faço, a Câmara é minha casa, eu estou lá há 15 anos, acho que aprendi muito, tenho muito que aprender ainda. Mas eu quero usar essa minha experiência e autoridade que eu tenho hoje. E eu a tenho, porque venci em uma eleição democrata onde os parlamentares escolheram seus candidatos, disputei com parlamentares de grande expressão, disputei de um lado com o PFL, de outro lado com PT, que tem candidatura própria, além de dois outros candidatos. E eu vou usar essa autoridade. Se meu avô me deixou alguns ensinamentos, exatamente um deles é esse: “Não abdique da autoridade do cargo que você ocupa. Não em benefício pessoal, mas do próprio cargo”. E eu, o que couber na presidência da Câmara, vou encaminhar muitas reformas e muitas transformações do Parlamento.

[...]: Deputado...

Teodomiro Braga: Deputado, o senhor acha que para presidente da República o senhor tem primeiro que segurar o governo de Minas?

Aécio Neves: Primeiro precisa ter votos, que eu não tenho.

Teodomiro Braga: O senhor foi o deputado mais votado do PSDB.

Aécio Neves:
É, mas está longe, está longe disso. Mesmo essa coisa de Minas, fala-se muito "você é mineiro sabe?". É que no nosso campo poderia ser uma das alternativas. A candidatura majoritária é muito diferente de uma candidatura proporcional. Eu posso ser candidato a vereador, a deputado estadual, deputado federal, se eu reunir uma reunião de amigos uma base razoavelmente sólida, eu posso ser candidato e me eleger. A candidatura majoritária não, ela tem uma certa participação das circunstâncias, você não pode se inventar uma candidatura. A candidatura majoritária, para ter sucesso, precisa ter uma grande dose de naturalidade, portanto, eu faço meu trabalho aqui, se o caminho for esse em Minas vamos discuti-lo dentro de um grande projeto para Minas. Se não for, eu te garanto o seguinte: eu não fico frustrado por um segundo, porque eu sou alguém que faço política é gostando da política, gostando da vida. Então eu aprendi a não ter obsessão, o político que assume o cargo, que bota o pé no degrau da escada da vida pública e já quer botar o outro pé no degrau seguinte, ele tem uma chance enorme de cair.

[...]: Mas foi eleição para presidente da Câmara?

Eliane Cantanhêde: Agora, quando você fala da sua eleição, você diz que foi uma revolução na Câmara, você agora falou das suas possibilidades em Minas, a gente está falando de presidente da República, mas um fato novo na sua eleição na Câmara, é que você está fazendo uma renovação muito nítida nos quadros do PSDB, que hoje é o partido do presidente da República, e que é um partido com boas chances em 2002. Quer dizer, você na Câmara e o Alckmin em São Paulo projeta o quê para esse partido, que ao chegar ao poder, sofreu esse processo que o Collor chamava de "peemedebilização", ou seja, do fisiologismo das velhas práticas. O que isso significa? E isso aqui é um compromisso que você está assumindo aqui...

Teodomiro Braga: Deputado, completando o que...

Eliane Cantanhêde:
Em público.

Teodomiro Braga:
A Eliane falou, só para não perder... o senhor falou desse grupo político aí, e do qual o senhor faz parte, que fez esse projeto político. E esse grupo político, o principal objetivo dele é manter a hegemonia do poder nas mãos do PSDB? E quem mais faz parte desse grupo político?

Aécio Neves:
Vamos lá. Eu vou responder com muita objetividade para que fique aqui gravado. O PSDB nasceu em função de algumas grandes e poucas figuras, entre elas Fernando Henrique, Mário Covas, Montoro [André Franco Montoro (1916-1999) foi governador de São Paulo], o próprio Serra, o Pimenta [João Pimenta da Veiga Filho], eram figuras que, em seu estados, alguns até no país, orientavam, eram formadores de opinião, conduziam outras pessoas. Eu vim ajudar na criação do PSDB inspirado por Mário Covas, que foi na minha eleição - você acompanhou isso - a peça mais importante, e por essas outras figuras. Agora felizmente o PSDB se renova...

Eliane Cantanhêde: Deles todos que você citou, só tem um com perspectiva futura, que é o José Serra.

Aécio Neves:
Isso porque é natural, o tempo vai passando com uma rapidez, infelizmente para uns, como foi o caso do Covas, e esse lamento é do país inteiro. Outros estão aí, mas o partido se renova, se renova de forma positiva. Eu vou abstrair o nome disso, para ficar no Geraldo [Alkmim]. O Geraldo é um pouco dessa cara que o PSDB precisa ter: ético, correto, e que vai fazer uma obra administrativa, tenho certeza, muito importante. O que é mais importante agora, veja você Teodomiro, para nós do PSDB, para essa nova geração do PSDB, que faz política com decência, que acredita que é importante fazer vida pública, que quer que novas gerações sejam estimuladas a fazer vida pública, que fica indignado quando vê todo mundo comparado nesse balaio geral, nós não estamos nesse balaio, a gente está fazendo um projeto sério para o país, e que bom que a gente está lá,  como outras figuras de outros partidos também sérias estão lá. O que é importante para mim agora, pessoalmente, mais do que ganhar a eleição...Todo mundo que entra na política quer ganhar eleição, mas, mais do que ganhar eleição é reconstruir o PSDB, é fazer com que o PSDB...

Eliane Cantanhêde:
Você acha que o PSDB está se destruindo?

Aécio Neves:
Não, mas é [re]construir o PSDB na sua essência, nas suas propostas...

Eliane Cantanhêde: Então, por favor, você está reconhecendo que ele perdeu esse caminho?

Aécio Neves: Eu vou bater de novo naquilo. O PSDB precisa...é claro, qualquer partido, Eliane, que chegue ao poder, sofre, se desgasta. O PSDB chegou muito cedo ao poder, o PSDB, com menos de oito anos de existência, assumiu os governos dos principais estados e a presidência da República. É óbvio que se desgasta, é óbvio que incha. O que eu quero é que o PSDB, com clareza, e as conversas que nós vamos ter sucessivamente daqui por diante, repito, uma sábado agora em Belém do Pará, pois é, isso o PSDB discutindo a realidade do país, seu projeto futuro. Os nomes, no que depender da minha contribuição, ficarão para depois.

Tereza Cruvinel:
Por favor, dentro dessa reconstrução do PMDB...

Aécio Neves:
PMDB?

Tereza Cruvinel: PSDB, desculpe, o senhor diz: o mais importante não é ganhar a eleição, é construir o PSDB recuperar suas origens. Dentro disso, é importante manter a aliança, ou é preferível para o PSDB, para esse objetivo de resgatar a sua identidade, seu perfil social democrata, seguir sozinho e não mais com o PMDB e o PFL? O governador Mário Covas dizia, declarava extinto, cumprida...
 
Paulo Markun:
Disse aqui no Roda Viva, inclusive lembra? Disse aqui no Roda Viva.

Tereza Cruvinel:
Disse aqui em um programa nosso exatamente, que não havia mais sentido...[que] o Fernando Henrique que era o pólo de unidade, que na próxima eleição não tinha mais necessidade disso, disse muitas vezes.

Aécio Neves:
Não, eu te respondo com muita clareza, a prioridade não pode ser manter aliança a qualquer custo. Eu acho que é muito mais importante hoje nós resgatarmos a proposta do partido e construirmos um projeto para o futuro.

Tereza Cruvinel: Seguir sozinho então, é isso?

Aécio Neves: Não, se a aliança puder estar junta, seria muito bom. Mas a aliança não pode se impor ao projeto do partido. A minha própria eleição, Tereza, teve essa leitura. De um lado estavam aqueles que achavam que o papel do PSDB era simplesmente levar o governo do Fernando Henrique até o último instante, oprimido pela força dos outros dois partidos. Não importa o papel do PSDB, essa será a sina do PSDB. Eu e tantos outros, uma bancada inteira na Câmara Federal, de nomes espetaculares, de enorme representatividade, achávamos o seguinte: não, o PSDB tem que se impor como partido porque nós seremos leais ao Fernando Henrique até o final, porque nós acreditamos nele, seremos leais sem qualquer...

Tereza Cruvinel: É, a audácia de sua candidatura foi, sobretudo, isso.

Aécio Neves:
De chantagem, mas o projeto do PSDB vai além do governo do presidente Fernando Henrique.  Isso sempre foi muito claro para nós, vamos construir um partido, vamos fazer da presidência da Câmara não um instrumento partidário, mas também de visibilidade para algumas ações do partido, mas vamos pensar no PSDB pós-Fernando Henrique.

Andrei Meirelles:
Presidente, é o seguinte: o senhor diz aí que vai fazer uma revolução na Câmara, que sua eleição significa o fim do caciquismo, eu queria saber o seguinte, para fazer isso tudo tem que ter o apoio do colégio de líderes naturalmente, etc. O senhor acredita que vai acabar com o caciquismo  estando com parceiros, líderes como Inocêncio Oliveira, Jardel Oliveira Lima, Adelmo Leão e Roberto Jéferson [deputados federais]?

Aécio Neves:
Olha, nós estamos fazendo já coisas importantes na Câmara. E a Câmara é sensível, Andrei, sensível às coisas boas. A Câmara é formada, na sua grande maioria, vou repetir aqui - quem ouve lá fora diz que isso não é verdade -  a grande maioria de pessoas é de bem, é por isso que nós estamos lá, e é possível se você tem uma agenda adequada, você construir essa agenda com a participação desses aí que você falou...

Andrei Meirelles:
Eles vão abrir mão dos poderes que eles têm, para isso?

Aécio Neves: Entre tantos outros...

[..]: Presidente...

Aécio Neves: Não abrirão mão, mas eu acho que nós conquistamos um espaço de poderes que não nos foi dado. Foi conquistado e cabe a nós agora, a esse grupo político, impor o ritmo de trabalho das prioridades da Câmara. Eu acho que os outros não se colocarão contra ela, até porque muitos desses que você cita aí apoiaram a nossa candidatura, e não vão deixar de apoiar nosso projeto de administração.

Getulio Bittencourt: Presidente, o senhor começou o programa preocupado com a crise econômica na Argentina, os problemas nos Estados Unidos, no Japão e talvez um pouco na Europa. Eu queria que o senhor focasse um pouco na questão da Argentina, porque o senhor também disse que está procurando os congressos na área do Mercosul para...
 
Aécio Neves:
Perfeito!

Getulio Bittencourt:
...aprofundar entendimentos e tal. Que contribuição o senhor acha que nós deveríamos dar para ajudar a Argentina a sair dessa crise, se é que nós deveríamos dar algo?

Aécio Neves: Olha, eu acho que nós temos que dar, dentro do ponto de vista estratégico, não apenas da solidariedade a vizinhos. Já demos, inclusive, um agora no momento em que o Brasil apóia uma medida que significará uma concorrência muito maior, a que os fabricantes invistam no Brasil. Então, o que é importante na minha visão neste instante... Não me preocupa, Getulio, a gravidade da crise Argentina e o que ela possa interferir, por exemplo, quais conseqüências dela em uma eventual recessão no Brasil. Não, o Brasil hoje está muito bem estruturado. A crise argentina não me preocupa do ponto de vista dos seus efeitos diretos no Brasil. Alguns setores vão perder se houver uma recessão aprofundada na Argentina, mas o que me preocupa gravemente é a recessão americana, esta sim tem uma conseqüência direta no Brasil e, sobretudo, a fragilidade que a Argentina pode estar vivendo, e as conseqüências dessa fragilidade para uma eventual aliança com os Estados Unidos e o fim do Mercosul.

[...]: Presidente...

Aécio Neves:
O Mercosul é hoje o grande instrumento, o único instrumento em definitivo que nós temos para negociar de forma razoável nossa entrada na Alca, que acabará sendo o nosso destino. A minha preocupação, nesse instante, é sim com o agravamento da situação americana. Mas em relação à Argentina, é muito mais da vulnerabilidade deles em relação ao grande parceiro do norte do que das conseqüências de uma crise argentina.

[...]: [interrompendo] Presidente...

Aécio Neves:
...para uma...
 
[...]:
Presidente, mas o que os parlamentos...

Aécio Neves: ...recessão no Brasil, nós suportamos uma crise Argentina.

Getulio Bittencourt: O que os parlamentos poderiam fazer para melhorar essa situação?

Aécio Neves:
Olha, eu convidarei os presidentes dos parlamentos dos países do Mercosul, possivelmente até alguns outros de países que não são filiados ao Mercosul. Eu gostaria até de chamar o Chile para participar dessa conversa, eu farei contatos pessoais, já tem algumas pessoas trabalhando, enfim, intermediando essas conversas, mas o objetivo é que eu faça contato...

[...]: Presidente...

Aécio Neves:
...pessoal com esse parlamento, com os líderes partidários e chamá-los em uma grande discussão, para vermos o que nos interessa. Se nós permitimos que essa decisão seja tomada por governo apenas, por executivos, sobretudo em um momento de fragilidade de uns, em relação aos Estados Unidos, eu temo que nós possamos amanhã ter que correr muito, mais muito mesmo, atrás de um prejuízo talvez quase que inalcançável.

José Paulo Kupfer:
Tá certo. Presidente, acho que já está no fim do programa pelo que eu estou...

Paulo Markun:
Ainda temos um tempinho.

José Paulo Kupfer:
E é um tema que a gente nem tocou, um tema muito aborrecido, mas quando a gente fala de Congresso e especialmente da autonomia dos poderes, e de ouvir os interesses na nação, infelizmente a gente tem que falar nele, a gente ia perder aqui, ia ficar feio para todos nós: reforma tributária. Desculpe, enfim, o governo mudou, acho, até que fez bem, porque a coisa era um bolo muito grande, com muitas arestas, muitos inimigos reunidos, fatiou esse negócio, a gente não sabe que fatiação é essa, se é em forma de salame, têm bons nomes. Como é que vai ser isso? Já que o senhor tem agendas, datas, 25 de abril, 12 de maio... Como é que vai se dar a história, o processo da reforma tributária no Congresso? Um poder independente de um governo que já está arrecadando muito, está feliz com isso, e o resto é conversa furada, evidentemente... Como é que isso vai funcionar?

Aécio Neves:
Você traz um assunto absolutamente importante que realmente não poderia ficar fora deste programa. Em primeiro lugar, eu espero que a crise “cepeista” que toma conta da nação brasileira, não impeça que trabalhemos, inclusive em relação a essa matéria, nas outras que nós falamos, mas nessa especialmente. Eu resumiria essa questão da seguinte forma: nós temos hoje dois contenciosos em relação à reforma tributária. Em primeiro lugar, é uma compreensão de que não dará para votar um grande projeto como se tentou lá atrás. Talvez lá atrás nós tivéssemos chegado perto, talvez o governo poderia ter ajudado um pouco mais. Eu falo com muita franqueza, nós tivemos um grande momento para votar um grande projeto de reforma tributária, perdemos aquele momento. Nós temos dois contenciosos fundamentais que nós temos que enfrentar, um deles é a questão do ICMS [Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação], nós perdemos a guerra fiscal criando ICMS único, e a outra questão [que são] contribuições cumulativas, contribuições em cascatas. A primeira das questões, a questão do ICMS, e era fundamental para acabar com a guerra fiscal onde todos perdem no final, a grande verdade é essa, eu vejo dificuldades de aprová-la agora, a realidade é essa. Apesar de o governo ter chamado essa discussão, vejo dificuldade porque você tem participado dessa discussão, de um lado, o poder executivo, da Fazenda e da arrecadação, como você diz, tem arrecadado muito, você tem o Congresso Nacional no lado de cá, e você tem os executivos estaduais, você tem governos estaduais com interesses conflitantes, interesses que impediram que a reforma fosse votada lá atrás. Portanto, todos esses atores envolvidos no processo e, sobretudo, quando se fala em governo, eu falo da influência do governo na base parlamentar, que acaba fazendo com que convicções...

José Paulo Kupfer:
E os...

Aécio Neves:
Vamos lá, e convicções de alguns parlamentares...

José Paulo Kupfer:
As contribuições...

Aécio Neves:
Convicções de alguns parlamentares se submetam aos interesses de seus governadores...

José Paulo Kupfer:
Isso é claro, a gente sabe que isso aí é um rolo...

Aécio Neves:
Aliás, a verdade é essa.

José Paulo Kupfer:
É um rolo que...

Aécio Neves:
Mas eu vejo uma grande possibilidade de nós avançarmos na questões das contribuições, essa os atores são apenas dois, além do contribuinte que vai ser beneficiado por ela...

José Paulo Kupfer: Mas está indo ao contrário que é a...

Aécio Neves:
Que é o poder executivo...

José Paulo Kupfer:
A famosa CPMF cada vez está ficando mais...

Aécio Neves: Que é o poder...

José Paulo Kupfer: ...mais alta e mais permanente, está indo ao contrário, esquisito isso?

Aécio Neves: ...que é o poder executivo e o Congresso Nacional. A nossa intenção quando você fala em datas - eu não tenho uma data marcada para colocar ela em votação, porque eu não posso marcar uma data que depois não vai ser cumprida - mas eu já convoquei...

José Paulo Kupfer: Mas não é a idéia de colocar a data e soltar o...

Aécio Neves:
Mas eu coloco a data, porque...

José Paulo Kupfer
: ..."soltar os bois e a boiada", isso é um dado.

Aécio Neves: Mas eu coloco a data com um mínimo de conversa. Essa é uma matéria prioritária, e te digo que é uma matéria para ser votada no primeiro semestre, mas o que eu pretendo? Primeiro: o que nós vamos votar, vamos avançar nas contribuições, é cumulativo nas contribuições de cascatas, eu acho que é o primeiro aspecto que teria que ser votado. Não que se abandone o outro, mas esse eu vejo que há mais condições políticas com as pessoas que eu converso, eu estou chamando as pessoas para trabalhar.

José Paulo Kupfer:
Há um desejo da sociedade...

Aécio Neves:
É isso...

José Paulo Kupfer:
Como um todo absoluto, só não tem do governo!

Aécio Neves:
Portanto, cabe a nós da Câmara, a reforma tributária...

José Paulo Kupfer:
Se é um poder independente, já tinha que ter posto isso para funcionar...

Aécio Neves:
Mas não foi, mas, até porque não foi, nós vamos deixar de votar, a forma como ela foi colocada impediu a sua aprovação, vamos colocar de uma forma diferente, e é fatiada mesmo, eu não vejo outro caminho, gostaria muito que fosse diferente, mas eu prefiro avançar em determinados aspectos, buscar uma maioria para uma concepção, pelo menos da questão que é urgentíssima, porque significa o quê? O deslanche da economia, significa a oxigenação...

José Paulo Kupfer: Competitividade... 

Aécio Neves:
...do setor produtivo, exatamente em razão da competitividade. E acho que essa é uma matéria para ser votada no primeiro semestre, já convoquei as principais figuras...

José Paulo Kupfer:
Mas não dá para ter a data.

Aécio Neves:
...das principais figuras da Câmara...

José Paulo Kupfer:
29 de junho, por exemplo?

Aécio Neves:
Não, porque não foi discutido ainda. Eu acho que é algo que dá para votar no primeiro semestre. No momento que eu sentir que existe um grupo majoritário ou pelo menos próximo disso em uma determinada direção, pode ter certeza que essa matéria vai ser colocada em votação e comunicado previamente.

[...]: Presidente.

Paulo Markun: Nosso tempo está acabando, mas eu queria colocar uma última questão. Se não me falha a memória, o seu avô começou na política cedo,  não estou enganado nisso?

Aécio Neves: Começou cedo, meu avô queria ser marinheiro, mas foi inscrever-se na marinha, ele não passou, pela altura.

Paulo Markun: É.

Aécio Neves:
Aí ele resolveu fazer política, foi promotor de justiça e depois se candidatou a vereador...

José Paulo Kupfer:
Essa é a velha nostalgia mineira.

Paulo Markun:
Jovem? 
            
José Paulo Kupfer: Do mar.

Aécio Neves:
Eu diria que a marinha perdeu um grande homem.

[risos]

Paulo Markun:
O senhor começou cedo também, está certo? Agora eu vejo, entre os jovens de hoje, muito pouco interesse pela política, muito pouca vocação, não conheço um garoto de 15, 16, 17, 18 anos que diga: "eu quero ser político". E, apesar de toda experiência que eu mesmo tenho e meus colegas aqui têm, de acompanhar a vida política e de ter algum tipo de atuação política, eu tenho que dizer que é difícil contra-argumentar, diante de uma porção de exemplos que a gente viu nos últimos tempos da ação política. Eu queria fazer uma última pergunta juntando as duas coisas, a primeira: da convivência que o senhor teve com Tancredo Neves, teu avô. Qual foi a lição maior que ele deixou? E a segunda, como é que dá para reverter, se é que dá para reverter isso? Imaginar que a gente vai ter jovens políticos, ou jovens interessados na vida política, principalmente na política parlamentar representativa, já que não pintou até agora um outro meio de decidir as coisas do poder, que não seja eles, todos os outros meios que eu conheço, deram errados, são maus resultados, não é sempre que aparece um salvador da pátria, ou alguém que diz que vai resolver a coisa...

Aécio Neves:
O resultado não é bom.

Paulo Markun:
Na força, o resultado não é bom.

Aécio Neves:
Markun, olha, eu tenho a mesma preocupação que você. Nós somos da mesma geração, e há um desencanto pela atividade política. Eu acho que a política padece de um grande mal hoje, além das ações pontuais, que é a generalização - quando se fala de política, parece que todos estão muitos parecidos. Eu vou fazer a minha parte, e o esforço que eu puder, para mostrar que não é assim, sobretudo que não há espaço vazio na política, se  há alguém bem intencionado, com propostas adequadas. Olha, e elas existem em todos os campos, existem naqueles que pensam como eu penso ou próximo do que eu penso. Existem também bons pensamentos naqueles que pensam diferentes de mim, mas o espaço sempre será ocupado, ou por alguém que esteja bem intencionado ou se não for, será por outro. Portanto, eu acho que é um trabalho de todos mostrar que é, através da vida pública, não vejo outro caminho a não ser em um regime que nos prive das liberdades. Não existe outro caminho, a não ser na vida pública, para nós melhorarmos o país. Portanto, o que nós precisamos é qualificar a vida pública brasileira. Os partidos têm um papel importante em estimular o surgimento de novas lideranças, mas tem feito muito pouco esse papel. Você me perguntou algo que eu vou lhe responder de forma muito objetiva. Que lição eu possa ter do Tancredo, além do convívio, do amor. Tancredo fazia isso com alegria, Tancredo fazia política gostando, porque ele tinha objetivos e é isso que talvez tenha ficado para mim de forma mais clara. A política,  você tem que ter objetivos claros e você pode até mudar, transigir nas estratégias para chegar nesse objetivo, você só não pode transigir nos princípios na ética, isso que é fundamental. Existe uma geração que está vindo aí com um compromisso muito claro com a ética, eu acho que o Mário Covas é, para essa nossa geração, a maior inspiração. Eu digo aqui com muita franqueza, se não fosse a firmeza dele e a clareza com que ele expressava suas opiniões, eu provavelmente não estaria aqui hoje sentado como presidente da Câmara dos Deputados. Foi, inclusive dentro do meu partido, a voz mais firme de apoio que eu tive que me estimulou nas horas adequadas. Eu cito Mário Covas para essas pessoas que estão nos assistindo, que existem muitos, mas muitos políticos de bem, talvez não da estatura do Mário Covas, mas homens de bem espalhados por este país. Que nós temos que fazer é exercer o mandato adequadamente e de forma correta mostrando o que nós fazemos. Está aí de novo, a TV Câmara, os veículos de comunicação. Eu quero que o sujeito lá de Rondônia saiba que o deputado dele, que é um deputado correto, está fazendo pela região, que não chegue lá só a imagem da grande mídia falando dos grandes escândalos, eu quero que o sujeito do Centro-Oeste saiba que o parlamentar dele faz para aquela região. Portanto eu vou fazer a minha parte, Markun, não tenho a ilusão de que isso se resolva do dia para noite. Esse é um processo, mas eu posso afirmar aqui na presidência da Câmara dos Deputados chegou alguém que tem a intenção de mostrar para opinião pública a importância da Câmara como instrumento de debate dos grandes temas nacionais, como radiografia da sociedade brasileira, se ela tem mazelas, é preciso que a sociedade tenha mais cuidado no momento de dar seu voto, mas eu estou convencido que ela tem muito mais virtudes, do que mazelas. Por isso eu tenho um enorme orgulho de fazer o que estou fazendo, e quem sabe, daqui para frente, a gente vai poder olhar para trás e dizer: olha, as coisas começaram a mudar, existe um processo de renovação natural na vida pública e pelo menos de minha parte, o esforço que puder fazer nessa direção, eu vou fazer.

Paulo Markun
: Presidente, muito obrigado pela sua entrevista, obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa também ligado. Nós estaremos de volta na próxima segunda-feira, sempre às dez e meia da noite, uma ótima semana e até lá.

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