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Memória Roda Viva

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Otávio Frias Filho

26/2/1996

O diretor de um dos jornais de maior circulação do país fala de sua vida pessoal, teatro, política editorial e Brasil

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Matinas Suzuki: Boa noite. Ele é o diretor do jornal de maior circulação no Brasil. No centro do Roda Viva está Otávio Frias Filho. Trinta e oito anos de idade, formado em direito. Há doze anos Otávio Frias Filho dirige a Folha de S. Paulo. Nesse período, o jornal passou por uma grande transformação e registrou recordes de venda no país. Agora, com o novo parque gráfico, a Folha anuncia nova reformulação nas suas páginas. Otávio Frias Filho é também dramaturgo e já teve três peças encenadas. Para entrevistar o diretor de redação da Folha de S. Paulo, nós convidamos essa noite o jornalista Alberto Dines, fundador e coordenador do Laboratório de Estudos de Jornalismo da Unicamp; o diretor de jornalismo da CNT, Ricardo Kotscho, aliás, o novo diretor de jornalismo da CNT; o jornalista Boris Casoy, do TJ Brasil, do SBT; a cenógrafa e diretora de cinema Daniela Thomas; o Dante Matiussi, diretor e editor da Revista Imprensa e Marco Antônio de Rezende, diretor de redação da revista VIP/Exame. O Roda Viva é transmitido em rede nacional, com 48 outras emissoras, de 18 estados e, a partir de hoje, nós contamos também com a TV Brasil Central, de Goiás, que cobre 110 municípios goianos. Boa noite, Otávio.

Otávio Frias Filho: Boa noite.

 
Matinas Suzuki: Tudo bem?

Otávio Frias Filho: Tudo, e você?

Matinas Suzuki: Você... Bom, a Folha está anunciando uma nova mudança, uma nova cara do jornal. Eu queria te perguntar no que consiste essa mudança, em primeiro lugar e, em segundo, por que os jornais mudam de cara, Otávio?

Otávio Frias Filho: Bom, essa mudança já está sendo preparada há bastante tempo. E ela deve marcar, a partir de domingo que vem, a entrada em funcionamento do novo centro gráfico da Folha. Que vai permitir uma capacidade de impressão bastante maior do que a gente tem até hoje e vai permitir, sobretudo, a impressão de uma quantidade muito maior de páginas, em cor. A Folha está qualificando, em termos de slogan, em que ela entra na era da cor total, ela passa a ter, a partir do domingo que vem, na edição São Paulo, uma grande quantidade de cor, e na edição nacional, uma quantidade maior do que vem tendo até agora. A Folha tem duas edições, a nacional e a São Paulo. Os jornais mudam de cara porque as pessoas gostam de novidades. Os jornais têm esse compromisso com a novidade, com a notícia, com o que é inédito e nós estamos com a mesma estrutura gráfica na Folha, já há alguns anos e estamos muito otimistas e muito contentes com a possibilidade de submeter a nossa reforma gráfica ao escrutínio do leitor, a partir do domingo que vem.

 Matinas Suzuki: E há mudanças de conteúdo também no jornal? Você poderia dar um pouco de detalhes. Antecipar alguma coisa do que tem nessa mudança.

Otávio Frias Filho: É, eu não quero muito entrar em detalhes, porque o tempo do programa é curto e também porque eu também não quero esvaziar o efeito da surpresa, que a gente espera obter com a edição de domingo que vem [dia 3 de março de 1996]. Mas, a gente está empenhado em melhorar também o conteúdo. Estamos empenhados em, neste domingo, fazer uma edição histórica em termos de qualidade noticiosa, qualidade analítica, enfim, informativa. E a gente espera que esta mudança gráfica venha a alavancar, a catapultar uma melhoria do jornal também do ponto de vista conteudístico.
 

Boris Casoy: Otávio, será que a Folha, sob o aspecto editorial, tal como ela chega hoje às bancas, é o jornal dos seus sonhos?

Otávio Frias Filho: Não, eu acho que não. Acho que nós, que trabalhamos com jornalismo, estamos sempre vivendo uma frustração diária, porque os jornais são feitos sob a égide da pressa. Há uma urgência muito grande, há uma premência muito grande, então, a quantidade de falhas, de incompletudes, de deficiências, é sempre muito grande. A gente vive numa permanente insatisfação com os resultados obtidos e este é um dos aspectos, para alguns, estimulantes, da profissão e, para outros, muito frustrante da profissão. Eu estava lembrando recentemente que o Datafolha [instituto de pesquisas] fez uma pesquisa curiosa. Ele mediu a quantidade de palavras que a Folha publica por edição. E chegou-se a conclusão que: se computar, se computarem as edições regionais que a Folha publica no interior de São Paulo, a quantidade de palavras de uma edição da Folha, em qualquer dia da semana, é muito próxima da quantidade de palavras que existe no livro Os Sertões, de Euclides da Cunha. Então, dá para imaginar o que é você fazer um Os Sertões, [mexe a mão esquerda] em termos de quantidade de texto, de volume de palavras, de um dia para o outro.

Dante Matiussi: Otávio, eu gostaria que você explicasse: quando você assumiu a direção da Folha, você, me parece, tinha 27 anos. Faz onze anos isso. A Folha deveria ser, na época, o quarto ou quinto jornal em tiragem, no país. Hoje, ela atingiu a maior circulação brasileira, através de um marketing agressivo e também de uma, discutível na época, reforma editorial que você fez. Eu queria que você resumisse esses onze anos e o que possibilitou à Folha alcançar esse ponto dela hoje, quer dizer, o jornal mais polêmico, mais discutido e de maior tiragem do Brasil.

Otávio Frias Filho: Eu acho que foi um conjunto muito grande de coisas. Nós procuramos colocar, com toda clareza, o primado do leitor sobre qualquer outra instância, em termos de atendimento [mexe as duas mãos], serviço que o jornal estava prestando. Nós temos uma preocupação obsessiva em identificar as necessidades do leitor e de procurar atender estas necessidades de maneira mais rápida e mais eficaz possível. Nós estabelecemos alguns pressupostos em termos de projeto editorial. A gente costuma dizer que está empenhado em praticar um jornalismo que seja crítico, apartidário e pluralista. Ou seja, um jornalismo que exerça uma faculdade de interpelar, de criticar, de questionar as formas de poder em geral. Um jornalismo, que ao mesmo tempo, não se perfile, em termos automáticos, com nenhum tipo de posição no aspecto político-partidário [gesticulando]. Daí essa idéia de apartidário e ao mesmo tempo essa idéia de pluralista, ou seja, um jornalismo que se preocupa em trazer ao leitor todo tipo de controvérsia e que procura espelhar nas suas páginas as diversas tendências políticas, econômicas ou culturais, que existam na sociedade e de maneira tão proporcional e tão fiel quanto possível. Eu acho que esses pressupostos, que no começo da sua execução encontraram uma série de resistências e dificuldades, hoje estão, basicamente, incorporados ao patrimônio comum da imprensa brasileira. E a gente está procurando melhorar. Nós não podemos, digamos, nos satisfazer com o que a gente conseguiu até hoje, porque considera que, embora os resultados numéricos sejam de fato expressivos, ainda há muito que fazer, ainda há muito que melhorar nos jornais. A gente procura ter e estimular uma visão muito crítica em relação ao próprio jornal, em relação à própria Folha.

Dante Matiussi: O que você acha, qual é o maior defeito da Folha hoje e qual foi o maior pecado, jornalístico, dizendo assim, que a Folha cometeu nesses onze anos?

Otávio Frias Filho: Olha, o maior defeito, tenho receio de tomar o programa inteiro, se eu for falar de defeitos, porque são inúmeros. A gente está sempre às voltas com textos que são mal escritos ou que não são escritos com a necessária clareza, a necessária exatidão. As apurações, muitas vezes, são mal formuladas, são mal concluídas, dado até a esse caráter de urgência [olha pra cima] que existe no jornalismo. Mesmo a utilização da cor, que a gente tem feito até agora, é uma utilização muito precária, muito deficiente. Então, como a gente só tem cor, até esse momento, em 10% das páginas, houve uma tendência de carregá-las, do ponto de vista cromático, do ponto de vista do uso da cor. Agora, o que a gente deve ter, na edição São Paulo, a partir da semana que vem, 75% de páginas em cor. Na edição nacional, 25% de páginas em cor, sendo que, a partir de agosto [mexe a mão direita], a gente deve ter na São Paulo 100% de páginas em cor e na nacional, 75% de páginas em cor. Esperamos fazer um jornal que seja mais atrativo do ponto de vista plástico, do ponto de vista visual. E, ao mesmo tempo, um jornal que possa combinar essas cores de uma maneira mais harmônica, menos estridente, digamos.


Ricardo Kotscho: Otávio, há pouco tempo, O Globo [jornal com sede no Rio de Janeiro] também fez uma reforma gráfica profunda, mudou completamente a cara do jornal. Não só uma reforma gráfica, mas mudou também a apresentação das matérias. São matérias mais longas, aprofundam mais os assuntos, menos assuntos por páginas. A Folha vai pela mesma linha? [gesticulando] E a outra pergunta é: se isso mostra uma inversão de tendência de dez anos atrás, que era da notícia curta, rápida, para se aprofundar mais nos assuntos, investir mais na reportagem, você acha que é isso que está acontecendo e a Folha está indo por essa linha?

Otávio Frias Filho: Eu acho assim, em primeiro lugar, que o O Globo é um jornal que tem melhorado muito nesses últimos anos e a reforma gráfica que eles fizeram recentemente faz parte desse esforço de melhoria.  No entanto, o problema básico de O Globo, a meu ver, é um problema de credibilidade, quer dizer, os negócios do grupo Globo, os negócios do Dr. Roberto Marinho [presidente das Organizações Globo. Morto em 2003] são tão tentaculares e têm tantas imbricações, digamos, com o Estado e com o governo e com tantas ramificações do Estado, que sempre existe esse problema de credibilidade. Por exemplo, você está assistindo um noticiário qualquer da Rede Globo e, de repente, você vê lá uma matéria, uma reportagem sobre: “volta à moda dos ioiôs! Os ioiôs voltaram a ser moda!” [gesticulando] Quer dizer, a primeira coisa que ocorre a você é : "o Dr. Roberto Marinho deve ter entrado no mercado de ioiôs e por isso estão fazendo esta matéria". Então, é uma questão de credibilidade. Acho que eles procuraram, com a reforma gráfica que fizeram no jornal O Globo, dar, digamos, uma aparência de maior solenidade, matérias mais longas, assim por diante. Nosso objetivo não é esse. Quer dizer, nós continuamos perseguindo uma política de ter textos mais concisos, de ter informações que sejam apreensíveis de uma forma mais eficaz, mais econômica, mais rápida, porque a gente acha que, na competição dos jornais com os outros meios de comunicação, sobretudo com meios de comunicação da área eletrônica, que tem se desenvolvido de forma vertiginosa nestes últimos anos e até nestes últimos meses, é muito importante, eu dizia que, nessa competição, os jornais procurem se tornar uma leitura mais rápida, mais utilitária, mais pragmática, mais imediata.

Ricardo Kotscho: Mas aí não corre o risco de reproduzir a televisão, de ficar muito parecido com o noticiário da televisão?

Otávio Frias Filho: É, eu faria uma distinção. Eu acho que em termos formais, quer dizer, no que diz respeito à forma, o jornais tem que buscar uma competitividade maior com os meios eletrônicos, seja a televisão, seja os meios que são derivados do emprego do computador. Do ponto de vista de conteúdo, eu diria o contrário. Eu acho que os jornais tem que procurar se diferenciar da linguagem dos veículos eletrônicos e acho que para isso eles têm algumas faculdades que só eles podem exercer. Por exemplo, eles têm uma capacidade de exercer a crítica num diapasão muito mais profundo, muito mais radical do que os meios eletrônicos e eles têm a possibilidade de oferecer ao consumidor um tipo de material analítico, de apoio, de reflexão que os meios eletrônicos, até por sua própria natureza, tem uma dificuldade muito maior ou até uma impossibilidade de fazer. Então, eu acho que do ponto de vista de forma a gente tem que ganhar competitividade em relação aos meios mais modernos e do ponto de vista do conteúdo eu concordaria com você. Se eu entendi com exatidão o que você colocou, eu concordaria que os jornais tem que procurar se diferenciar da televisão e dos demais meios mais modernos.

Alberto Dines: Otávio, nós estamos aqui antecipando, fazendo uma avant-première da festa da Folha. Todos nós fazemos isso com prazer, eu acho, cada um de nós tem alguma coisa a ver com a Folha, o que nos deixa a todos, pelo menos a mim, muito feliz. Mas eu acho também que nós podemos aproveitar esse grande acontecimento que vai ser a edição do dia três, a nova fase a partir do dia três, para pensar também o problema da imprensa brasileira. Mas vamos começar pelo aspecto gráfico, visual, que é a grande virada da Folha. E aí temos duas [faz o gesto com os dedos] perguntas. O último visual da Folha foi muito inspirado no modelo americano do USA Today [jornal diário de maior circulação dos Estados Unidos]. Hoje, o projeto gráfico, eu diria, pelo que eu vi na edição de ontem, um pequeno prospecto, é um projeto mais clean, mais europeu, mais elegante, eu diria, pelo que eu pude apreender. Então, eu gostaria que: primeiro você explicasse um pouco a diferença do USA Today para um jornal europeu, que a Europa não está muito em moda aqui no Brasil, infelizmente. O outro aspecto eu gostaria que você também pensasse alto sobre esse assunto é que a grande... Os jornais brasileiros têm todos mudados ultimamente. E tudo sob a égide de um binômio que, para mim, é extremamente perigoso, que é a Universidade Navarra [Universidade fundada na Espanha em 1952] e o Pointer Institute [centro de pesquisas relecionadas à comunicação e escola de estudos da mídia], de Miami, que é uma combinação extremamente esdrúxula e significativa. Mas a Folha e O Globo escaparam dessa presença maciça do Navarra e do Pointer Institute. Eu gostaria que você também explicasse também porque a Folha fez esse tipo de opção, saindo de uma coisa quase institucional. Porque, a maioria dos jornais brasileiros, a partir da Sociedade Interamericana de Imprensa, tem optado muito pelo modelo, não apenas visual, mas ideológico de Navarra e do Pointer Institute.

Otávio Frias Filho: É, eu acho que você tem toda a razão [gesticulando]. A gente não tem nenhum tipo de vinculação com esses dois centros de estudos em jornalismo e, no entanto, a Folha sempre procurou se beneficiar muito das influências externas, quer dizer, a gente sempre procurou alimentar uma atitude, digamos cosmopolita, e sempre procuramos aprender com as experiências da imprensa internacional, especificamente a imprensa americana e a imprensa européia. E, naquela época, a gente sofreu, de fato, a influência do USA Today, pelo menos do ponto de vista formal, gráfico, entre outras influências que exerceram impacto sobre o jornal naquela época. Essa reforma que está sendo implantada agora, neste final de semana, ela foi preparada ao longo de dois anos, por uma artista gráfica que vem trabalhando com a Folha, já há vários anos. A Eliana Stefan teve a consultoria de um escritório de designer alemão: o escritório do Eric Spiekermann, mas essa consultoria se resumiu, digamos, a aspecto tipográfico, a reforma gráfica como um todo. O arcabouço da estrutura gráfica foi todo concebido aqui em São Paulo. E eu não sei se concordaria, no sentido de que haveria uma transição de uma influência mais americana nos anos 80 sobre a Folha e uma influência, agora, mais européia. Eu voltaria à resposta que eu procurei dar à questão anterior, no sentido de que, como no momento, a gente tem uma limitação muito grande no uso da cor, a tendência é de usar essa cor de uma forma muito abusiva, muito maciça. Na medida em que a gente vai ter um jornal todo ele colorizado, por assim dizer, a gente espera poder ter um uso mais suave. Essa reforma é mais baseada, por exemplo, em tons pastéis que em tons puros. Mas o objetivo é o mesmo, quer dizer: aumentar a legibilidade, facilitar a inserção do leitor em cada página [junta as mãos], facilitar ao leitor a tarefa de escolher os assuntos que ele vai ler. A gente tem consciência que o leitor tem cada vez menos tempo para dedicar à leitura de jornais, como de resto à leitura em geral. A gente tem consciência também que essa leitura é cada vez mais seletiva, dado o caráter pragmático, utilitário, do ato de ler na nossa época.

Marco Antônio de Rezende: Otávio, você falou agora há pouco do espírito crítico do jornal. Mas, o que se nota é que, às vezes, esse espírito crítico se transforma em criticismo e que desemboca até num mau-humor ou num catastrofismo. Essa tendência, você acha que ela resulta, talvez, da Folha querer suprir a falta de uma verdadeira oposição política no Brasil 

Otávio Frias Filho: É, nós não nos colocamos como um jornal de oposição. Nós nos colocamos como um jornal crítico e apartidário, como eu havia dito anteriormente. Essa função da imprensa tem, de fato, um aspecto muito antipático, sobretudo, nas épocas, como no período atual, em que há um certo clima de otimismo, uma certa sensação de que as coisas vão bem, do ponto de vista da economia, do ponto de vista da gestão governamental. A função da imprensa acaba, digamos, adquirindo um relevo mais antipático, mais hostil. Eu estou convencido de que os jornais existem para, se é para simplificar, existem para falar mal dos governos. Acho que a função da imprensa é uma função de interpelação, é uma função de questionamento. Acho que não cabe à imprensa realçar as coisas que vão bem. Acho que não cabe à imprensa ajudar o governo em tarefas de mobilizar a população, motivar a sociedade, em torno de objetivos que são dele governo. Quer dizer, a imprensa deve se colocar, a meu ver, como uma instância autônoma em relação ao governo, nos seus três níveis e num momento, digamos, de relativo otimismo, a tendência é justamente de os jornais passarem por antipáticos, dado esse catastrofismo, como você colocou. Mas eu vejo utilidade nisso e a Folha teve condições de mostrar essa utilidade quando ela foi, por exemplo, muito criticada, dada a sua atitude de animosidade em relação ao então candidato Fernando Collor [Fernando Collor de Mello], depois presidente Fernando Collor, e mais tarde houve tudo o que nós sabemos, houve o impeachment, etc., e até a posição [leva as mãos ao peito], digamos, de crítica, da Folha, se diluiu e quase que desapareceu diante do fato de que o conjunto da mídia passou a atacar de uma forma muito agressiva o presidente que estava sendo impedido.

Marco Antônio de Rezende: Mas você acha que seria atenuada essa característica do jornal se houvesse uma oposição política real mais articulada?

Otávio Frias Filho: Eu acho que sim, eu acho que a dificuldade que a oposição está enfrentando em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, é semelhante à dificuldade que a imprensa está enfrentando com relação a esse mesmo governo. Quer dizer, em períodos anteriores, para falar pelo menos em nome da imprensa, que é um assunto do qual eu conheço um pouco, em períodos anteriores era fácil você exercer, digamos [olha pra cima], uma atividade ou uma atitude crítica em relação aos governos, porque havia, digamos, um fundamento ideológico para esse tipo de espírito crítico. Então, por exemplo, a questão da democracia dos direitos humanos na época do regime militar ou a questão do anti-fisiologismo, do anti-corporativismo no período do presidente Sarney, ou mesmo a questão de que é necessário que haja um mínimo de identidade entre as aparências e a essência de um governo, no caso do governo Collor. Então, você tinha um fundamento minimamente conceitual, ideológico até, como base no qual exercer esse espírito crítico que a meu ver deve ser um dado permanente da atividade de imprensa. O que está ocorrendo hoje é que as opções ideológicas se esgotaram. Como a gente sabe, em todos os lugares do mundo, os mais diferentes governos, os mais diferentes regimes, estão procurando aplicar uma receita econômica que é praticamente a mesma. E o debate ideológico, portanto, se estreitou muito, para não dizer que ele desapareceu. Não é a toa que a CUT [Central Única dos Trabalhadores], por exemplo, o Vicentinho [Vicente Paulo da Silva, ex-presidente da CUT],  têm hoje pontos de identidade [junta as mãos] muito grandes com relação ao governo, que tradicionalmente era adversário do PT [Partido dos Trabalhadores] e da CUT. A dificuldade consiste, a meu ver, em a imprensa conseguir transitar de uma crítica que tenha uma base conceitual ideológica, como no passado, para uma crítica que tenha uma acepção mais técnica. Por exemplo, se você ver, se você for verificar os casos que envolveram algum tipo de estardalhaço público nos últimos meses, o caso  Sivam, o caso da pasta rosa, o caso do Banco Econômico, são todos casos em que há um componente de tecnicalidade [gesticulando], de detalhamento especializado, muito grandes. E eu acho que a imprensa está tendo muitas dificuldades de conseguir, não só em separar o joio do trigo no meio dessa questões que assumem uma característica tão técnica e tão pouco ideológica, como também, está tendo grandes dificuldades em conseguir transmitir ao leitor, de uma forma clara, concisa, didática, como seria desejável [pontua com as mãos], o que está embutido em cada um desses casos. Acho que, de fato, a imprensa vive uma crise, não provocada pelo governo, mas provocada por uma conjuntura que, em última análise, é internacional.

Matinas Suzuki: Eu queria pedir licença aqui, há várias pessoas querendo fazer pergunta, mas para aproveitar o ponto sobre como foi a atuação da Folha durante o período Collor... Olhando hoje o que passou, é uma crítica comum à Folha dizer que naquele momento a Folha, por exemplo, deixou de ser pluripartidarista, para ser um jornal militante, anti-Collor, essa coisa toda. Como é que você avalia esse momento da Folha? Você acha que ela passou realmente do limite, que ela se comportou dentro dos princípios que você acha que o jornal deveria andar?

Otávio Frias Filho: Eu acho que, em vários momentos, a Folha ultrapassou os limites. Quer dizer, a gente teve uma atitude de procurar marcar uma independência, de modo muito precoce, já durante a época da campanha eleitoral. Isso já provocou, digamos, todo um consciencioso entre o Collor e a Folha. Poucos dias depois de tomar posse houve aquele incidente em que ele determinou que o prédio da Folha fosse invadido por agentes da Polícia Federal. Isso, obviamente, contribuiu para deteriorar o relacionamento que havia entre o novo governo e a Folha, se é que se pode dizer que havia um relacionamento. A Folha já vinha publicando várias reportagens consideradas críticas ou hostis em relação ao Fernando Collor e, durante o curto governo dele, as coisas foram piorando em termos de relacionamento entre o jornal e a administração federal, culminando com o processo que ele moveu contra quatro jornalistas da Folha, um deles eu próprio. Então eu acho que houve excessos aqui e ali, mas, de modo geral, nossa preocupação era de sempre evitar uma campanha de perseguição contra Fernando Collor e contra o seu governo. Nós sempre procuramos fazer questão de abrir as páginas para que o governo Collor, na época, apresentasse a sua versão sobre os fatos. E, mais tarde, já na época do impeachment, quando virou, digamos, uma espécie de lugar comum atacar o Collor, dizer que ele era farsante, etc., etc. [gesticulando], a Folha começou a ser, ao contrário, muito criticada porque a insistia em dar oportunidade a que o Collor se manifestasse. A Folha publicou vários artigos do Collor, enquanto presidente e, mesmo depois de ter sido impedido, porque a Folha achava que essa questão do pluralismo é uma questão muito dogmática para que pudesse sacrificá-la em nome de uma desavença política, afinal de contas, conjuntural.

Alberto Dines: Otávio, você citou dois escândalos recentes, do Sivam e da Pasta Cor-de-Rosa e citou o nome de um ex-presidente, que não é o Collor, é o Sarney. A mim causa espécie ver o Sarney escrevendo na Folha e, duas páginas seguintes, ele sendo acusado de estar envolvido nesses escândalos. Na imprensa americana e européia isso não é usual, políticos com mandatos, inclusive é um problema ético do político em si, mas já que ele não tem esse problema, eu acho que o jornal deveria, ao menos a imprensa brasileira devia repensar, essa oportunidade que dá a alguns políticos com mandato de se expressarem em detrimentos dos outros quinhentos. Especialmente alguns políticos como o Sarney, que volta e meia estão envolvidos em episódios não muito abonadores ou Delfim Neto, cuja presença na Folha, a mim me incomoda, sabendo o quanto a Folha sofreu pressões na fase anterior, dos governos dos quais o ex-ministro Delfim Neto participou tão ativamente.

Otávio Frias Filho: Eu entendo o ponto de vista. Nossa preocupação é no sentido de que essas pessoas que você mencionou representam parcelas significativas da opinião pública, são pessoas que têm uma atuação, em termos políticos, em termos políticos institucionais até [gesticulando], como é o caso do ex-presidente Sarney, e o jornal tem esse compromisso de trazer também essas visões... [faz uma breve pausa] para o conjunto de seus leitores, para o seu eleitorado. Se você for...

Alberto Dines: [interrompendo] Por que não os outros quinhentos parlamentares?

Otávio Frias Filho: Mas há, quer dizer, você tem colunistas que têm posições diametralmente opostas às do presidente Sarney e as do deputado Delfim Neto, na Folha. Quer dizer, é uma quantidade muito grande de colunistas, que são hostis, digamos a visão tradicional da política brasileira, que tem uma visão contestatória, que são colunistas ou colaboradores de esquerda. Até se você for fazer o cômputo, digamos, das pessoas que tem coluna fixa na Folha, provavelmente a conclusão será de que existe um maior número de colunistas que são do contra [faz o sinal de aspas com os dedos], no sentido de serem contra a política tradicional, de serem contra o status quo, no sentido de atacarem o governo federal, atacarem essas idéias de neoliberalismo, de privatização. É possível até que o número de colunistas contrários a isso tudo seja maior do que aqueles que são favoráveis.

Alberto Dines: Eu perguntei por que esses dois parlamentares e não os outros quinhentos ou seiscentos? Eleitos, com direitos iguais, não é?

Otávio Frias Filho: É, [sorri] aí o jornal não tem quinhentas ou seiscentas colunas para oferecer a cada um deles [gesticulando]. Eu insisto, acho que são pessoas, com todo o tipo de divergência pessoal que eu possa ter, e tenho em relação ao passado, e em relação a atuação presente desses dois personagens, não há como negar que eles têm, digamos [junta as mãos], um papel proeminente na história recente do país.

Boris Casoy: Otávio, até que ponto essas dificuldades que você citou ao responder ao Rezende, de a Folha, dos jornais brasileiros, levarem ao leitor o que acontece, quando as coisas são um pouco mais técnicas, um pouco mais profundas, um pouco mais sofisticadas? Até que ponto isso envolve um problema que nós enfrentamos juntos na Folha e que eu continuo enfrentando no SBT, que é a qualidade do profissional de jornalismo brasileiro formado pelas escolas de comunicação?

Otávio Frias Filho: Sem dúvida, quer dizer, eu acho que essa qualidade, na grande maioria dos casos, deixa bastante a desejar. Eu sempre fui uma pessoa que tive posições críticas em relação, não só a obrigatoriedade do diploma em comunicações para que se possa, para que uma pessoa possa exercer a profissão de jornalista, como também dos conteúdos dos cursos de comunicações. Eu continuo achando que os jornais e a mídia em geral só se beneficiariam da possibilidade de recrutar a maior quantidade possível de especialistas, desde que esses especialistas tenham um mínimo de aptidão para o ritmo jornalístico, para a linguagem do jornalismo. Acho que uma redação, por mais que ela tenha toda uma interface industrial, e essa interface é cada vez maior, nos dias atuais, ela nunca deixa de ser uma espécie de atelier. Convém que você tenha numa redação pessoas com as formações as mais variadas: desenhistas, filósofos, historiadores, economistas. Eu acho que essas pessoas é que poderiam trazer um aporte de especialização, que permitisse aos jornais exercer esse espírito crítico de uma forma responsável, se você quiser, e por outro lado permitiria também aos jornais destrinchar esse mundo de tecnicalidades de forma a torná-lo traduzível, apreensível por parte do leitor.

Boris Casoy: Mas, Otávio, o que mais me assusta é que quando essas pessoas tiveram uma intervenção no jornal, realmente, elas não conseguiram traduzir jornalisticamente o que se imaginava que fosse um potencial aproveitável em termos jornalístico. Quer dizer: eu acho que nós acabamos caindo num nó profissional, que eu não vejo perspectivas. A não ser que as empresas tomem a si a tarefa do ensino.

Otávio Frias Filho: No que diz respeito, por exemplo, à Folha, nossa interpretação é que a Constituição de 1988 tornou a regulamentação da profissão letra morta, na medida que a Constituição estabeleceu que não se admitirão restrições ao exercício de atividade intelectual e o jornalismo é, quer se queira, quer não se queira, uma atividade intelectual. Ao mesmo tempo, eu acho que há uma saída para as escolas de comunicação [gesticulando]. Quer dizer, não só porque você tem boas escolas de comunicação no país, como também porque eu acho que uma ampla reforma das escolas de comunicação permitiria resolver o problema. Eu estou pensando, por exemplo, no seguinte: "eu acho que as escolas de comunicação deviam ter um compromisso de fazer com que o aluno saísse conhecendo e dominando perfeitamente o português, o inglês e história geral". O restante, ao meu ver [leva a mão esquerda ao peito], deveria ser ocupado, em termos de formação universitária, por créditos que o aluno realizasse em outros cursos, a critério de sua própria escolha. Quer dizer, haverá um aluno de comunicações que terá maior inclinação por medicina e nada impediria que ele fizesse a maior parte de seus créditos numa faculdade de medicina da mesma universidade. E outro que tenha interesse por arqueologia, que também será útil na profissão de jornalista. Então, que ele faça a maior parte de seus créditos na faculdade de história ou na faculdade de filologia, ou o que seja, e a faculdade de jornalismo deveria, a meu ver, está concentrada no ensino das técnicas de jornalismo, que é um ensino bastante elementar, porque o jornalismo como a gente sabe não é um saber, não é uma ciência, é meramente uma técnica. E deviam ter esse compromisso, de que pelo menos, cada aluno saísse que saísse de uma escola de comunicações conhecendo bem o português, o inglês, porque é a língua franca, é a língua universal e história geral, porque a história é a base de tudo, a meu ver.

Daniela Thomas: Está difícil... sou um peixe fora d'água, um pouco [ri]. Vou ver se eu consigo puxar um pouco para a nossa outra seara, o outro universo aqui do Otávio, e aproveitando esse papel crítico da imprensa antiga, que já não estamos mais em pauta... O Otávio escreveu uma peça, que eu gosto muito, chamada Rancor e nela existem duas personagens: o Leon, que é um artista, um autor, muito angustiado e um outro personagem que é o Dadá: um jornalista e tem uma seqüência que imita um pouco o encontro do Mephisto com o Fausto [Fausto, obra de Goethe]. O Dadá propõe uma série de regalias, de sucesso, de projeção na carreira em troca de certos favores, que ele escreveria certos artigos no jornal. Aí eu fico pensando no Otávio dramaturgo, superconsciente do papel crítico, da imprensa, como é que ele vive. Na peça, tinha uma coisa curiosa: um espelho um negócio que era meio transparente. O Mephisto e o Fausto, encarnados no Leon e no Dadá, formavam um só rosto. Eu pensei que, não estava escrito isso no projeto, mas isso aconteceu na encenação. Eu imaginei o quanto esse rosto não seria o rosto do próprio Otávio, meio Mephisto, meio Fausto. E como é que ele conseguia sobreviver a ver seu trabalho nunca apreciado pela crítica? Como eu vejo o meu, por exemplo, da seguinte forma: os que trabalham para você são excessivamente zelosos e preocupados, seja em qualquer direção, ou seja, eles tratam seu trabalho com uma seriedade, talvez, que eu jamais merecerei, ou qualquer outra pessoa por um... mesmo zelo, medo, enfim! Os jornalistas da concorrência vão te tratar sempre com ou indiferença total ou..., enfim. E alguns outros jornalistas, aproveitando a oportunidade, vão meter o pau, porque vão aproveitar para se vingar de você. Como é que você sobrevive a isso? Como é que você enfrenta essa esquizofrenia da sua vida dupla?

Otávio Frias Filho: Bom, primeiro, para o bem ou para o mal, eu não estou a altura de nenhum dos dois personagens, nem Mephisto, nem Fausto [risos]. Minha condição é bem mais terrena, digamos. Eu acho que esse problema existe, de fato. Agora, para uma pessoa que tem, digamos, uma atividade autoral, para uma pessoa que tem uma atividade artística, como é o seu caso, toda crítica é muito relativizada. Você sabe que ninguém conhece exatamente o valor do que está fazendo, em termos artísticos, em termos culturais [gesticulando], e a possibilidade de elucidação desse valor por parte da crítica é uma quimera. Uma fantasia, quer dizer, a gente sabe que muito tempo depois de ter realizado um trabalho, eventualmente muito tempo depois da morte de quem realizou esse trabalho, é que vai se aferir com alguma clareza o valor daquilo que tinha sido feito. Então, eu acho que no meu caso, esse relativismo, digamos, do valor da crítica só se torna mais aguçado por conta destas circunstâncias...

Daniela Thomas: Mas eu vou mais longe ainda, se me permite. É o seguinte,: quando eu vi o seu livro, o Tutankaton [1991], que é um livro composto por três peças do Otávio, eu achei muito curioso, pois nunca tinha visto um livro assim. Onde, além das peças, ao final de cada peça tinha um ensaio crítico, quase que assim... era uma espécie de... como eu diria... um guia para navegar no processo de criação do autor e quase que refutava, quase que impedia um crítico, principalmente o crítico da imprensa, que é como você diz, tem uma pressa [gesticulando] de trazer o material, que impedia de fazer uma crítica, quase! Era difícil mesmo. Eu vejo você muito consciente desse processo crítico, a ponto de transformar isso, quase num processo neurótico, ao fazer a própria crítica. Eu fiquei impressionada com esse livro. Eu nunca vi uma coisa assim. Não sei se existe outro assim. É uma curiosidade que reflete essa coisa mephistofélica, faustíca, sei lá, que é esse...

Otávio Frias Filho: É, eu tenho um amigo que fala assim, a título de brincadeira, que eu escrevo ensaio como quem escreve peças, que escrevo peças como quem escreve ensaios. Trocando as coisas. Mas essa questão da crítica, no meu caso, das três peças que foram montadas, duas tiveram crítica muito negativa na Folha, que as pessoas tendem a esquecer. Eu não esqueço porque... [risos], mas das três peças que eu tive montadas, a primeira e a terceira tiveram críticas extremamente negativas na Folha. A segunda, de fato, teve uma crítica favorável, embora os elogios fossem muito mais para a montagem, para os atores, que eram justamente a Bete Coelho, o Sérgio Mamberti e o Renato Borghi, extraordinários atores, do que para o texto. E, ao contrário, no Estado de S. Paulo, por exemplo, eu tenho tido críticas até simpáticas. Quer dizer, as coisas realmente se invertem de uma forma assim, para mim, muito surpreendente.

Ricardo Kotscho: [interrompendo] Otávio, eu queria fazer uma pergunta mais no campo pessoal, na mesma linha da dela. Eu já li várias entrevistas que você deu na imprensa e fica uma visão de jornal, de jornalismo, muito amarga. Como o nome da peça, muito rancorosa. Eu queria saber de você como é possível fazer uma coisa boa sem sentir prazer, sem sentir alegria, no que a gente faz? Como é que você suporta tanto [risos] sofrimento? Queria só lembrar algumas declarações: "jornal é como o inferno, ser diretor de redação da Folha é muito chato, muito chato mesmo, minha vida pessoal quase inexiste, só tenho tempo e lazer de madrugada". Como é que você faz?

Otávio Frias Filho: É [sorri], eu estou conversando com um jornalista que tem uma atitude justamente contrária. Você é um apaixonado pelo jornalismo. Eu sei que você não consegue, inclusive, se desligar da sua atividade profissional, eu sei que sábado e domingo você está pensando notícia, está pautando... você não faz outra coisa, e eu acho isso admirável, porque isso realmente constitui uma vocação, no sentido mais alto, mais nobre da palavra. Eu acho, até porque o jornalismo não foi exatamente uma escolha, no meu caso, embora tenha sido parcialmente uma escolha. Acho que eu não tenho esse tipo de vocação. Quer dizer, eu não tenho uma vocação tão, digamos, poderosa, como a que você Ricardo tem ou...

Ricardo Kotscho: [interrompendo] Mas, hoje isso ainda é um sofrimento para você exercer esse ofício? Hoje? Depois de 12 anos na chefia de redação da Folha, você ainda sofre ou mudou um pouco isso [risos]?

Otávio Frias Filho: Tem uma característica que não muda, que é essa característica de perfeccionismo. Quer dizer, é um dado de personalidade [gesticulando]. Então, para mim, a leitura de qualquer jornal é quase desagradável, por esse lado, assim, de perfeccionismo. E da Folha então é muito desagradável muitas vezes, porque eu assumo como minha toda e qualquer falha que eu puder detectar [gesticulando], todo problema que eu vir. Uma das seções, por exemplo, que eu me recuso, terminantemente, a ler antes dela ser publicada, é a seção "Erramos". Porque eu não quero me aborrecer de véspera. Então eu só leio as retificações que a Folha publica todos os dias na página três. O "Erramos" eu só leio com o jornal impresso, já no dia seguinte. Porque, realmente, tem este aspecto doloroso. É muita responsabilidade.

Matinas Suzuki: Otávio, eu preciso fazer pergunta de alguns telespectadores, que eu selecionei algumas. Se você pudesse responder, na medida que a gente deixou correr muito o programa, se você pudesse responder um pouco mais rapidamente. O Luis Augusto, aqui de São Paulo, pergunta por que a Folha de S. Paulo faz tanta crítica à administração do prefeito Maluf, quando vemos que a sua administração é aprovada pela maioria da população e é a melhor dos últimos anos em São Paulo? A Folha é um jornal petista?

Otávio Frias Filho: Respondo agora?

Matinas Suzuki: Pode responder.

Otávio Frias Filho: Está dentro daquela idéia de exercer um espírito crítico em relação aos governos em geral, isso inclui a área municipal, inclui a prefeitura. Nós, evidentemente, não somos um jornal petista, a gente tem procurado exercer este mesmo espírito crítico em relação a administrações de candidatos eleitos pelo PT [Partido dos Trabalhadores] e a Folha é muito acusada de ser mercadológica, de seguir apenas pelas forças ou pelos interesses de mercado, e eis aí um exemplo de uma situação claramente oposta, quer dizer, o fato de que a maioria da população, segundo as pesquisas, até mesmo pesquisas do próprio Datafolha apontam uma situação de aprovação da gestão do prefeito Maluf. Isso não leva a Folha a aderir ao prefeito Maluf. Pelo contrário, isso estimula a Folha a manter uma atitude de isenção, de distanciamento e a gente está convencido, realmente, que para a oxigenação política da sociedade, para a garantia de que a cidadania terá anteparos contra eventuais abusos de poder. Enfim, promessas não realizadas, etc., etc. É fundamental você manter essa atitude de isenção, de distanciamento e de espírito crítico.

Matinas Suzuki: O Ronaldo Simões, de Campinas, o Geraldo Gomes Gatoline, de Jundiaí e o Paulo Assis Filho, de Jacareí, perguntam sobre seções da Folha. O Ronaldo pergunta por que a Folha dá tão pouco espaço às notícias internacionais? O Geraldo Gomes pergunta por que a Folha é tão econômica em seções como Economia, Internacional e Esportes e o Paulo Assis Filho pergunta por que a página de Esportes da Folha é tão pequena e não atualiza as estatísticas na segunda-feira?

Otávio Frias Filho: Nós gostaríamos de fazer um jornal que fosse maior do que o que ele é, em termos de número de páginas. Isso não é possível e tende a se tornar cada vez menos possível, até em função do preço do papel imprensa. Quer dizer, só para o telespectador ter uma idéia, ao longo do ano de 1995 o preço do papel de imprensa praticamente duplicou e o papel de imprensa é o principal insumo, a principal mercadoria que é utilizada na feitura de um jornal diário. Então, nós trabalhamos com restrições de espaço que são bastante rigorosas e isso inclui, inclusive, o aumento de nossa responsabilidade como jornalistas, na medida em que a gente tem que traduzir um mundo de coisas. Tem que relatar uma infinidade de assuntos num espaço que é, cada vez mais, um espaço exíguo e exige, portanto, dos jornalistas em geral, uma habilidade de concisão e condensação que são crescentes. Essas reclamações são procedentes e a gente está procurando conciliar a necessidade de trabalhar com espaço mais exíguo com o desejo que a gente tem de, dentro deste espaço, oferecer um serviço mais informativo e que seja o mais completo possível.

Dante Matiussi: Otávio, eu pediria sua permissão para voltar num assunto que o Kotscho tocou, de caráter pessoal. Eu não gosto muito de fazer pergunta sobre isso, mas a sua personalidade, algumas declarações suas me surpreendem e eu gostaria que você, se possível, pudesse falar sobre elas. Uma delas foi quando você confessou para a Playboy [revista mensal, de circulação nacional voltada ao público masculino] que é uma pessoa infeliz. Que tem como causa isso a sua insatisfação com tudo e até com você mesmo. Com o que você fez, com o que você faz e com o que você tem para fazer. Quer dizer, você reúne todas as condições para ser uma pessoa feliz. Você vem de boa família, você teve boas escolas, você é rico, você tem possibilidade de fazer qualquer coisa que você quiser na sua vida, de viajar. Você não gosta de viajar, você tem medo de avião.  Quer me explicar um pouquinho isso e também essa frase sua? Quer dizer, primeiro essa infelicidade, que tipo de infelicidade é essa? Quer dizer, você está fazendo realmente aquilo que você não quer fazer, é uma coisa que te impuseram, pelo fato de você ser herdeiro da Folha? E segundo, você disse também, uma frase muito bonita, que é o seguinte, palavras suas: "eu acho que cada pessoa deve inventar um sentido para a própria vida". Isso eu posso concluir então, dada a sua infelicidade confessada, que você não inventou um sentido para a sua vida ainda?

Otávio Frias Filho: [ri] Muito bem. Primeiro, existe todo um folclore. Essa declaração foi feita há muitos anos, num contexto específico sobre se eu estava satisfeito com o que eu tinha conquistado em termos de vida e, evidentemente, eu respondi que não. Acho que, realmente infelizes são as pessoas que declaram, em algum momento da vida, que estão satisfeitas com tudo, que tudo é exatamente como elas gostariam que fosse. E a gente sabe que o mundo é um abismo de injustiças, de tragédias. A gente sabe que a condição humana é uma condição fortemente vocacionada, digamos, para a infelicidade. Então eu acho que é, no mínimo irresponsável digamos, se em determinada altura da vida, sobretudo uma pessoa com a idade que eu tenho, se essa pessoa chegasse e dissesse sim, sou feliz, plenamente realizado, as coisas são exatamente como eu gostaria que fossem, seja no plano pessoal, seja no plano não pessoal. Então, foi nesse sentido que eu dei esta declaração. Agora, existe muito folclore e existe também uma idéia de confundir o que você escreve, o que você fala, com a sua situação íntima, pessoal. Muitas vezes eu escrevo com tons, digamos, pessimistas. Muitas vezes eu fui acusado, até por leitores da própria Folha, de ser catastrofista, de ser derrotista, de só ver o lado negativo das coisas, e tal. Isso é um lado da sua personalidade. Isso não quer dizer que a sua personalidade, como um todo, seja isso. No meu caso, certamente não é.

Dante Matiussi: Otávio, mas então qual é o sentido que você inventou para a sua vida?

Otávio Frias Filho: Essa é uma pergunta muito pessoal, não posso responder. [risos]

Matinas Suzuki: Otávio, eu pediria licença, para a gente fazer um intervalinho e a gente volta daqui a pouquinho com o segundo tempo da entrevista de Otávio Frias Filho. Ate já.

[Intervalo]

Matinas Suzuki: Bem, nós voltamos com o Roda Viva, que hoje entrevista Otávio Frias Filho, diretor de redação da Folha de S. Paulo. Otávio, bom, nós terminamos a primeira rodada e avançamos aí um pouco em perguntas mais pessoais, mas há uma boa parte de seus amigos que têm uma outra versão da história, que você é uma pessoa muito bem-humorada, que você é um excelente amigo, que você gosta de conviver com os amigos, essa coisa toda. Quer dizer, tem esse outro lado? E você encontra espaço no jornal para viver esse outro lado? Tem alguma coisa no jornal que te dá prazer? Nós falamos de tudo que você não gosta, essa coisa toda, mas não tem nenhum pedaço, nada na imprensa que você goste, que realmente te dá prazer? Quer dizer, seria possível você ficar tanto tempo, porque, por mais que você tenha encarado isso como missão, são doze ano e você começou antes disso no jornal, quer dizer, se não houvesse nada que realmente te desse um pouco de prazer, seria possível você ficar tanto tempo no jornal?

Otávio Frias Filho: É [sorri], eu acho que, do ponto de vista de personalidade, é claro que tem um outro lado, de ser exatamente isso que você falou, de gostar de conversar, de gostar de ficar fazendo piadas, de gostar de fazer imitações. Esse tipo de coisa e eu acho até que eu forcei esse lado, entre aspas, sério da personalidade em função da responsabilidade de assumir esse tipo de cargo, num período relativamente precoce da vida e tudo mais. E é claro que tem coisas que dão satisfação no jornal, quando você consegue fazer uma edição, que por milagre as coisas se ajeitam e é quase uma combinação estatística de coisas. De repente aquela edição resulta uma edição viva, trepidante, inquietante, isso, claro, dá uma satisfação. E eu gosto muito de escrever. Então, as oportunidades para escrever também são um lado, assim, prazeroso.

Boris Casoy: Otávio, numa empresa familiar, eu acho que a Folha se deu bem. Tem você como diretor de redação e tem seu irmão Luis na área administrativa e comercial. Eu trabalhei na Folha durante 15 anos. Você é meu sucessor como editor-chefe, e eu não poderia deixar de te perguntar uma coisa que me é muito impressionante pela convivência, que até acabou criando laços fraternos de amizade, a respeito de seu pai [Octávio Frias de Oliveira, fundador da Folha  de S. Paulo, falecido em abril de 2007]. Nós estamos falando de você, estamos falando da Folha, mas eu acho que ele tem uma participação extremamente valiosa, não só sob o aspecto comercial e sob o aspecto de administração, mas uma experiência que ele tem transmitido, com maestria, no aspecto jornalístico. Eu sempre digo que se ele não é o melhor, talvez, é um dos melhores jornalistas. Eu conheço, ele refuta isso até com certa veemência. Ele é um homem que se esconde, não gosta de aparecer, é um homem de bastidores. Gosta do que faz, tem mais de 80 anos e participa da vida diária da Folha. Eu gostaria que você transmitisse aos telespectadores quem é o seu pai.

Otávio Frias Filho: Bem, é uma pessoa realmente extraordinária, em termos assim de influência, de exemplo e de modelo foi, sem dúvida, uma coisa que teve uma presença totalmente marcante na minha vida. E também na vida do meu irmão. Até hoje ele continua muito ativo no jornal, é o espírito do jornal, a alma do jornal. Quer dizer, recentemente eu tomei conhecimento de uma espécie de brincadeira, que teria sido feita pelo presidente da República [Fernando Henrique Cardoso], no sentido de que com o Frias as coisas vão muito bem, dá para conversar, dá para dialogar. O Frias, ele se referindo, naturalmente, ao meu pai. O problema seria a redação da Folha. E isso é, realmente, uma ingenuidade enorme, porque meu pai tem uma noção, um conhecimento e um controle sobre o que acontece no jornal muito grande. Diariamente, eu converso com ele, levo consultas para que ele decida. As vezes, várias vezes por dia, meu irmão faz a mesma coisa na área mais estratégica, na área empresarial, na gestão do grupo como um todo, porque, como você sabe, meu irmão tem assumido, com muita capacidade e com muito talento, a meu ver, essa condição de líder do grupo, como um todo, e a minha atuação tem se restrito a parte redacional, à parte jornalística, que é o pouco que eu sei fazer nesse mundo de mídia é, digamos, estar ligado a essa parte propriamente jornalística. Isso tudo ocorre sob a supervisão do meu pai. Ele tem sido realmente um inspirador, tanto do ponto de vista jornalístico, como do ponto de vista político, como também, naturalmente, uma vez que ele é empresário, do ponto de vista empresarial. A gente, como você sabe, chama inclusive na gíria interna meu pai de Aiatolá [chefe religioso, mais poderoso, do Islã], porque ele não tem cargo executivo nenhum, mas quem decide é sempre ele.

Marco Antônio de Rezende: Otávio, a revista que eu dirijo, a VIP/Exame, fez este mês uma reportagem de capa sobre você e o jornal que você dirige. É uma reportagem em tons muito positivos, talvez até positivos demais. Eu gostaria que tivesse sido um pouco mais crítica, mas hoje eu queria que você fosse também positivo em relação ao seu principal concorrente, O Estado de S. Paulo. Queria que você resumisse, rapidamente, quais são os dois pontos mais positivos e os dois pontos mais negativos, na sua opinião, do seu principal concorrente, O Estado de S. Paulo?

Otávio Frias Filho: Bem, dois pontos positivos, entre outros, eu citaria... eu estou, digamos, dando por estabelecido que é um jornal de qualidade, que é um jornal de nível, etc. Dois pontos positivos que eu destacaria: em primeiro lugar é a própria continuidade deste jornal. Quer dizer, é um jornal centenário, é um jornal que tem se mantido, bem ou mal, dentro de uma linha sistemática de coerência, etc., etc. Então, acho que a própria continuidade, o próprio fato de esse jornal existir há tanto tempo e num ambiente tão precário, onde as coisas são tão temporárias e tão fugazes como o ambiente brasileiro, acho que isso já é um ponto altamente positivo. E o segundo ponto é a aptidão que esse jornal tem demonstrado no sentido de, às vezes, com atraso, às vezes com contragosto, às vezes a reboque dos acontecimentos, mas a aptidão que ele tem demonstrado no sentido de se autoreformar, no sentido de fazer modificações. Ele é muitas vezes acusado de ser um jornal paquidérmico. Acho que isso em parte é verdade, mas o fato é que O Estado de S. Paulo tem sete vidas. Bem ou mal ele tem se renovado ao longo do tempo. Os dois aspectos negativos, digamos, para ser cavalheiro, vou reduzir isso a um aspecto negativo, que eu acho que resume todos os demais. Eu acho que é um jornal que poderia estar oferecendo uma visão alternativa de jornalismo, à visão que está sendo dada pela Folha. Eu gostaria, acho que isso seria muito mais estimulante do ponto de vista profissional, isso seria muito mais proveitoso do ponto de vista da opinião pública, do eleitorado em São Paulo e também nos outros estados. Se você tivesse, em São Paulo, dois jornais com visões opostas, diferentes, em termos de visão de jornalismo, visão de mundo, sociedade, etc. Eu acho que O Estado de S. Paulo renunciou à sua identidade tradicional e não substituiu essa identidade por nada que seja, digamos, interessante, na medida em que essa nova identidade do jornal O Estado de S. Paulo, a meu ver, é, em grande medida, resultado de uma mimetização das técnicas e das inovações, dos recursos que a  vem utilizando. Ou seja, eu acho lamentável que a gente não possa ter em São Paulo dois jornais competindo não só em termos comerciais e mercadológicos, mas também em termos ideológicos, em termos de enfoque jornalístico, em termos de estilo, em termos de abordagem e isso não tem ocorrido. Infelizmente, de vários anos para cá, o jornal O Estado de S. Paulo tem se limitado, digamos, a aderir, às vezes tardiamente, a iniciativas adotadas pela Folha.

Marco Antônio de Rezende: [interrompendo] Só para completar, o Estadão às vezes é paquidérmico, mas até porque ele está carregado de anúncios classificados. Você não sente uma ponta de amargura pelo fato da Folha ter passado o Estadão em muitos aspectos: tiragem, faturamento. Mas que não tenha conseguido vencer a batalha dos classificados?

Otávio Frias Filho: Mas nós ainda vamos vencer. Nós temos melhorado nosso desempenho no único mercado que é o mercado, em São Paulo, no qual a gente não detém a primazia, que é essa dos classificados. Hoje, a nossa situação já é bastante competitiva, quer dizer, se você considerar o conjunto dos anúncios publicados nos dois principais jornais de São Paulo, a Folha detém algo como 43%, 45% da fatia de mercado classificados, ou seja, nós estamos próximos de chegar a dividir meio a meio esse mercado de classificados com a concorrência local. Eu acho que é um resultado bastante bom em se tratando do último bastião onde a concorrência local ainda detém uma expressão de hegemonia.

Alberto Dines: Foi referido aqui, por você especialmente, esse mimetismo do Estadão com relação à Folha, mas, como eu sou mais velho, eu me lembro que na fase anterior quem copiava o Estadão era a Folha, quer dizer, o que o Estadão fazia era dogmático. A Folha não tinha departamento de publicidade porque o Estadão não tinha departamento de publicidade. A Folha não queria crescer no Rio de Janeiro - eu era o chefe da sucursal da Folha no Rio de Janeiro - porque o Estadão não tinha interesse em crescer no Rio de Janeiro. O que fez o clic, a virada, para mudar essa posição? E, uma segunda pergunta, que eu acho que tem a ver um pouco com isso. Você falou no Grupo Folha, mas o Grupo Folha é o seguinte: tem um jornal de sucesso e outros dois jornais que não são sucesso. Por que o talento de vocês todos só conseguiu fazer da Folha este grande jornal e não conseguiu fazer da Folha da Tarde um grande jornal, ou mesmo, do Notícias Populares um grande jornal?

Otávio Frias Filho: Bem, eu diria que não é possível fazer todas as coisas ao mesmo tempo. Mas, eu vou chegar lá. Antes vou procurar responder a primeira parte da questão. Eu destacaria, desde logo, que houve algo em comum entre o Estadão e a Folha de S. Paulo nos anos 50, 60 e 70, que foi a presença de um grande jornalista, um dos maiores jornalistas brasileiros do pós-guerra, talvez o maior, que foi o Cláudio Abramo, que reorganizou a redação do Estado de S. Paulo durante os anos 50. Transformou O Estado de S. Paulo, pelo menos em termos jornalísticos, no grande jornal que ele veio a se tornar a seguir e, logo em seguida, o Cláudio Abramo, em comum acordo com o meu pai, eles tinham muitas desavenças, muitas rusgas, mas tinham também uma grande afeição mútua e uma grande admiração recíproca. Em seguida, o Cláudio Abramo, a partir do começo dos anos 60, fez um trabalho semelhante de reorganização jornalística na Folha, com resultados também notáveis. Então, eu diria que a personalidade do Cláudio Abramo, de certa forma, uniu esses dois jornais. E, no período dos anos 60, dos anos 70, mesmo nos anos 80, nós aprendemos muito com o jornal O Estado de S. Paulo. Eu digo: nós da Folha. Nós aprendemos na competição, nós aprendemos nas derrotas que nós sofremos, aprendemos... ao analisar o exemplo histórico do Estado de S. Paulo como jornal. E a gente começou realmente a ter resultados melhores, ou mais precisos, ou mais significativos, pelo menos do ponto de vista numérico, quando a gente começou a ter uma posição cada vez mais firme de fazer as coisas diferentes do que elas vinham sendo feitas. Fazer as coisas diferentes da maneira pela qual O Estado de S. Paulo as fazia. No que diz respeito ao grupo, nós estamos passando por uma fase de grande expansão, quer dizer, a Folha está entrando no mercado de informações on-line, deve ter uma série de novidades aí nesse mercado recém aberto ao longo deste ano de 96. Nós estamos instalando uma gráfica comercial junto do centro gráfico da Folha, em Tamboré. Essa gráfica comercial deve estar em funcionamento já a partir de julho de 96. Deve ser uma gráfica de grandes proporções, com uma capacidade tecnológica também muito boa. Então, é um grupo que está crescendo. A vocação da Folha deve ser cada vez mais de ser menos um jornal, no sentido tradicional, e mais um grupo que tem atividades em várias áreas do mercado de comunicações, sendo que o jornal tenderá a ser cada vez mais uma dessas atividades.

Alberto Dines: Televisão não?

Otávio Frias Filho: No momento não existe nada em cogitação, mas... como os meios de comunicação tendem a ser unificados, com uma linguagem tecnológica comum, eu acho que nada impede que isso venha a ocorrer no futuro.

Ricardo Kotscho: Mudando um pouco de assunto, vamos falar um pouco de utopia. Parece, e a gente viveu isso junto, que a campanha das diretas [campanha das "Diretas Já!", na década de 1980 que reivindicava eleições presidenciais diretas no Brasil] foi a última grande utopia brasileira, que uniu o povo em torno de uma bandeira, de uma idéia. Qual é hoje a tua utopia? E eu pergunto se é possível viver sem utopia, sem sonhos?

Otávio Frias Filho: Eu acho que há, sem dúvida, uma crise de utopias no mundo inteiro. Isto tem sido objeto de estudos, de comentários, de ensaios, de reflexões e isso tem aparecido também na imprensa. Não há, digamos, uma idéia de um horizonte social ou coletivo que possa aplicar uma transformação, uma renovação da vida, uma mudança mais profunda da vida em sociedade, ou da vida pessoal. Então, nesse sentido eu acho que o cenário em que a gente vive justifica um certo pessimismo. Eu, obviamente, não tenho nenhuma fórmula mágica de que utopia deveria substituir essas utopias, com as quais a gente estava acostumado, com as quais a gente estava sintonizado, que foram utopias que ruíram, mas eu concordo com você no sentido de que não é possível viver sem utopias. Acho que, mais cedo ou mais tarde, provavelmente mais cedo do que gente imagina, deve haver outro tipo de utopia no horizonte.

Ricardo Kotscho: Por onde que você está vendo isso, algum sinal em algum lugar, num pedaço de mundo ou na sociedade brasileira?

Otávio Frias Filho: Eu acho que é um momento de muita confusão, de signos que estão sendo embaralhados, de posições que estão sendo trocadas. A nossa terminologia, a nossa nomenclatura está entrando rapidamente em obsolescência. Então, eu acho que essa é uma oportunidade. Esse momento que a gente está vivendo agora, eu diria, é talvez mais uma oportunidade para a gente estar revolvendo as coisas e mudando mentalidade e experimentando pensar o contrário do que a gente pensava anteriormente, para a gente ver quais vão ser os resultados, que momento para a gente estar procurando fixar, ou cristalizar algum tipo de nova utopia. Até porque eu acho que se ela surgir - e quando ela surgir - vai ser de uma maneira natural, espontânea e não vai depender de uma pessoa ou de outra articular de forma mental, ou de forma cerebral esse tipo de perspectiva. Acho eu, não sei!

Daniela Thomas: Vou tentar voltar aqui para o meu lado novamente, aproveitando a deixa do Dines sobre o Cláudio Abramo, figura paterna, teve seu pai antes do Cláudio Abramo e você tem a sua peça, voltando a ela, Tutankaton, que é uma peça sobre... O Philip Lass fez uma ópera, a Aknatem [que fala sobre a descoberta do túmulo de Tuthankhamon], né? ele é da teoria que o Aknatem foi o primeiro indivíduo da história, pai de Tuthankhamon e o Tuthankhamon então, o Tutankaton, que você transforma em Tuthankhamon. Ele refuta essa revolução, totalmente, acho que nunca houve nada parecido na história. A revolução do indivíduo no meio daquela coisa alicerçada, aquela coisa estruturada assim e... ele volta atrás. Inicialmente pressionado, mas na sua peça especialmente, ele volta atrás com quase um gozo, ao voltar atrás e restabelecer as estruturas anteriores do estado egípcio, da região egípcia. E eu, lendo as matérias da pesquisa, fiquei pensando: "nossa, a gente sempre escreve a mesma história"! Já ouviu essa história, não é? A gente só escreve uma história, a nossa história e é sempre a mesma história. Essa Tuthankhamon, Tutankaton e o Cláudio Abramo, Aknatem, continuam, Mephisto, Fausto, agora Aknatem. O que eu estou querendo insinuar é que essa suposta reforma técnica, não, tempos técnicos que estamos vivendo hoje..., em oposição a tempos ideológicos, eu acho isso quase uma falácia. Eu não consigo acreditar que a gente possa conviver num país como esse e falar sobre técnica entendeu? Um país em que o mercado é uma pequena parcela de uma grande miséria, de uma população sofrida e a gente falando de tecnicalidade. Então, é fascinante para mim, eu não sei aonde é que eu vou chegar com essa pergunta [risos], eu queria saber se você se expia... sabe, talvez, essa culpa que você tenha de ter matado o seu pai, entendeu, não o Frias, o Abramo, nas suas peças. Você usa suas peças... é aí que você mexe nesses desvãos profundos da sua alma?

Otávio Frias Filho: E a pergunta? [risos]

Daniela Thomas: Acabei de fazer! [risos]

Otávio Frias Filho: Bom, eu posso comentar. Essa peça, Tutankatom, de fato ela trabalha com metáforas regressivas. Acho que o período que a gente vive, sob todo um tipo de enfoque, é altamente regressivo. Ela foi escrita na época que estava caindo o muro de Berlim [ na Alemanha, em 9 de novembro de 1989]. Então, tem também uma dimensão política nesta metáfora, mas é só isso. Quer dizer, é uma metáfora. Você sabe tanto quanto eu que um trabalho de ficção, uma peça de teatro, a gente faz quase que de brincadeira, quase que por divertimento, por fantasia, alucinação, etc. Então não quer dizer muita coisa além dessa metáfora em si, de uma idéia regressiva, de voltar as coisas como elas eram, de refazer tudo que tinha sido feito antes, e assim por diante. Embora eu tenha, no período final da vida do Cláudio Abramo, tido muitas divergências com ele e ele tenha tido o que parece ter sido uma série de desgostos comigo e tal. Eu estaria longe de dizer que eu matei Cláudio Abramo. Quer dizer, essa culpa que você me imputou, eu não tive. Pelo contrário, eu acho que a homenagem, inclusive, que eu estou prestando aqui é um indicativo de quanto eu devo a ele como profissional, como jornalista, como intelectual, como pessoa e a profunda admiração que eu dedico a ele, desde aquela época e que segue inalterada até hoje, apesar das divergências e das diferenças que apareceram no período dos últimos anos da vida dele.

Boris Casoy: Otávio, quero voltar ao mercado. Quando nós estávamos juntos na Folha, nós tínhamos dois conceitos básicos que eu quero ver se se mantêm, e quero que você os comente. Primeiro é o de que, acompanhando o que acontecia no mercado americano, nas grandes cidades brasileiras só sobraria um grande jornal. Nós nos referíamos, basicamente, a São Paulo e Rio, naquela oportunidade. E, o segundo, que o inimigo preferencial da imprensa era a televisão. Gostaria que você me dissesse se essas teses, essas teorias ainda permanecem vivas e o que você acha delas hoje?

Otávio Frias Filho: Eu acho que elas fazem sentido ainda. Existe uma tendência de concentração também no setor de mídia, até pelo caráter muito vultoso dos investimentos que são requeridos e então a idéia de que existe uma grande possibilidade, eu não diria uma certeza, mas é uma possibilidade de que, com o tempo, na maior parte das grandes cidades, permaneça, ou reste, apenas um jornal, digamos, de influência, de larga circulação. Acho que isso é mais do que uma possibilidade. Isso já ocorreu em várias cidades [gesticulando] e deverá ocorrer em outros. Isso não quer dizer que vá ocorrer, necessariamente, em São Paulo ou no Rio. Até acho que não seria desejável que isso se verificasse em qualquer dessas duas cidades, porque acho que é importante que a opinião pública conte, pelo menos, com dois jornais de peso, de influência, de prestígio, de respeitabilidade, etc. Com relação a televisão também, acho que ela é um grande adversário do jornal. Acho que a ela se acrescentam agora esses meios de informação on-line, de informação simultânea, que acho que também representam, por um outro lado, à subsistência dos jornais, mas eu acho que os jornais têm muito futuro pela frente, em termos de reter o interesse dos leitores, em termos de ampliar a sua capacidade de informação, em termos de se fazerem mais úteis, em termos de aumentarem sua tiragem, sua circulação...

Boris Casoy: Você acha que esse formato do jornal de papel distribuído nas grandes cidades através de carros, caminhões, tudo, vai perdurar por muito tempo ou vai ser substituído por um sistema eletrônico qualquer?

Otávio Frias Filho: Eu acho que ninguém sabe responder ao certo  a essa questão, mas a minha impressão, e é meramente uma impressão, é que esse formato papel deve subsistir ainda por muitos anos. Diria, provavelmente por várias décadas, se é que alguma vez ele vai desaparecer. De qualquer maneira, do ponto de vista estritamente jornalístico, a diferença não é tanta. Qualquer que seja o suporte da informação, seja a tela de um computador, seja cristal líquido ou que seja o formato papel tradicional, você sempre vai estar precisando de um grupo de pessoas que apurem as informações e que relatem essas informações. Você vai continuar chamando essas pessoas de repórteres e você vai sempre estar precisando de um grupo de pessoas que organize, condense essas informações e você vai continuar chamando esse segundo grupo de pessoas de editores [gesticulando]. Então, do ponto de vista estritamente jornalístico não existe uma dependência em relação ao suporte, em relação ao formato.

Dante Matiussi: Eu gostaria de voltar a política da nossa profissão, aqui, da grande imprensa..., é comum se dizer que a grande imprensa, ela, uma crítica que se faz, ela é atrelada ao poder. Alguns críticos mais contundentes, mais ferozes, dizem até que ela é o braço do poder, ela é o poder, ela é elitista. Então, eu gostaria de desmembrar minha pergunta em três itens, para que você falasse sobre eles. Primeiro: você acha que a grande imprensa ela é elitista, ela é atrelada ao poder, ela se deixa facilmente seduzir pelo poder? Segunda: você não acha que a grande imprensa está sendo benevolente em relação ao governo Fernando Henrique? E o terceiro e último ponto: o Fernando Henrique, já estamos brincando com ele, dizendo que ele está viajando muito. Até hoje o Boris fez uma brincadeira com ele no TJ Brasil. Diz que ele visitou o Brasil, entre uma viagem e outra. Então eu queria saber de você o seguinte: onde você acha que o governo Fernando Henrique vai nos levar? Quer dizer, aonde ele vai levar o país, vai levar os cidadãos desse país com o plano real?

Otávio Frias Filho: Bem, eu acho que, em primeiro lugar, toda sociedade é dotada de vários sistemas de poder. E a imprensa, sem dúvida, as comunicações em geral, fazem parte desse sistema de poder. Isso é um truísmo, quer dizer, não existe uma sociedade onde não existam sistemas de poder e na nossa sociedade a imprensa é um deles, assim como a universidade é um deles, assim como o poder político estatal é outro, etc., etc. Eu acho que a questão não é a imprensa deixar de se configurar como uma forma de poder, porque isso seria impossível, seria uma ilusão, uma fantasia. Mas a questão é que a imprensa se desenvolva como uma forma de poder relativamente autônoma às outras formas, especificamente, às formas de poder econômico privado e às formas de poder governamental público. Eu acho que, neste sentido, tem havido um grande avanço nos últimos anos, nas últimas décadas, especialmente após o fim do regime militar. A sensação que eu tenho é de que a imprensa e o jornalismo, especificamente, têm atuado de maneira cada vez mais autônoma em relação, seja o poder econômico, seja o poder político. E a contrapartida disso é que aumenta a dependência, aumenta o enraizamento nas forças de mercado, quer dizer, na medida que a imprensa depende mais do mercado, ela depende menos do poder econômico, do poder político. Com relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, eu concordo totalmente. Eu acho que, de um modo geral, a imprensa brasileira tem sido quase que de um servilismo em relação a esse governo. Poucas vezes eu presenciei na minha vida profissional, exceto naquele curto interregno inicial do governo Collor, poucas vezes, eu dizia, eu presenciei na mídia um espetáculo de tamanha adesão em relação ao governo, aos valores do governo, aos supostos acertos desse governo, às políticas desse governo. Eu acho que mais do que nunca, é importante que a gente tenha órgãos de comunicação, órgãos de imprensa que não se deixem contaminar por esse clima de entusiasmo, de adesismo, de oba-oba em relação a esse governo. E, com relação a terceira parte da pergunta, sobre onde o governo Fernando Henrique vai nos levar, eu diria, evidentemente, que não sei. Ninguém sabe, mas as chances de o cenário ser mais ou menos o que eu vou procurar resumir agora são grandes, a saber: uma inclusão crescente da economia brasileira na economia internacional. Uma inclusão, portanto, dos setores sociais integrados da economia brasileira, em termos, digamos simplificadores, da classe média à essa economia internacional e à mentalidade internacional e à cultura internacional. E, ao mesmo tempo, como conseqüência ou contrapartida disso, uma exclusão crescente da grande maioria das pessoas, da população pobre, das benesses desse tipo de desenvolvimento. E a perspectiva que eu vejo, é uma perspectiva bastante preocupante de que se aprofunde o abismo, infelizmente tradicional da nossa sociedade, entre os pobres e a classe média, porque num país como o Brasil, ser de classe média já é ser rico.

Matinas Suzuki: Otávio, a Sônia Costa, de São Mateus, Espírito Santo, o Jaime Silveira, daqui de São Paulo e o Paulo, que é estudante aqui da Lapa, os três perguntam se é possível ter um jornal mais barato no Brasil? Se os jornais não são caros?

Otávio Frias Filho: A Folha de S. Paulo, por exemplo, o exemplar na banca, nos dias de semana, custa R$ 1. Um maço de cigarros popular custa R$ 1,35. Então, comparativamente, não me parece um produto caro. É claro que se fosse possível fazê-lo a preço mais barato, isso seria o ideal, até porque a gente tem, apesar do crescimento da tiragem de jornal em geral - é importante observar que não é só a Folha que tem crescido em termos de circulação nos últimos anos -, mas os principais jornais brasileiros, como um todo, tem experimentado um período de crescimento de circulação nos últimos anos. Apesar disso, as nossas tiragens são muito pequenas, se comparadas com países europeus ou mesmo com países da América Latina, com a Argentina e com o Chile. Quer dizer, a participação do grupo de pessoas que são leitoras de jornal em países desse tipo, comparativamente ao conjunto da população, é muito maior, nesses países que eu mencionava, do que no Brasil.

Matinas Suzuki: Otávio, a Beth Rastingue, aqui de São Paulo, diz que essa entrevista está levantando muito a sua bola e pergunta o seguinte: se a Folha não recorre, resumindo o que ela disse, ao expediente de circulação gratuita, ou seja, vence a assinatura ela continua enviando, só para aumentar, artificialmente, a circulação do jornal?

Otávio Frias Filho: Não, que eu saiba esses números não são computados no quadro de circulação do jornal, embora não seja exatamente a minha área. Até onde eu estou informado, esse tipo de procedimento não é adotado pela Folha e se alguém, eventualmente, o está adotando, é sem o conhecimento e sem a anuência do jornal e do departamento responsável pela circulação. Absolutamente não.

Matinas Suzuki: E a Lu Grimaldi, que é atriz aqui de São Paulo, pergunta o seguinte: dentro das mudanças que passam a ocorrer na Folha de S. Paulo, que como você disse, tem um compromisso com as novidades, haverá uma preocupação com o conteúdo da "Revista da Folha"? “Pois acho ridículo certas abordagens superficiais, chegando a ser um jornalismo leviano”.

Otávio Frias Filho: É, eu acho que o jornal, nas suas diversas partes, deve ter, enfim, linguagens e conteúdos que sejam do interesse dos diversos segmentos que compõem o leitorado. Um jornal com eleitorado tão amplo, como é o caso da Folha, conta, necessariamente, com grupos que são muito heterogêneos nos seus interesses, nas suas preocupações, nos seus gostos e assim por diante. Então acho que há perfeitamente espaço para publicações, como a revista, que a Lu Grimaldi, no caso, está considerando aí de um ponto de vista mais crítico e há também espaço também para publicações que vão num sentido totalmente oposto, como por exemplo o "Caderno Mais", que é um caderno que muitos leitores da Folha consideram pesado, intragável, chato. Mas há uma parcela importante de leitores que consideram mais uma espécie de ponte entre ele leitor e uma série de coisas que estão acontecendo em termos de literatura, de psicanálise, de filosofia, de pensamento, em última análise, não só no Brasil, como no mundo todo.

Marco Antônio de Rezende: Otávio, eu infelizmente nunca li nenhuma peça sua e nem vi nenhuma peça sua, portanto eu não sei avaliar se você tem talento para o teatro. Mas parece evidente que você tem vocação, ou ao menos é uma atividade que você exerce com declarado prazer, talvez uma das poucas a qual você se dedica realmente... na qual você extrai, efetivamente, prazer e satisfação. Portanto, a minha pergunta é a seguinte: "você admite a possibilidade de se dedicar exclusivamente ao teatro, contratando um jornalista para dirigir a Folha de S. Paulo no seu lugar"?

Otávio Frias Filho: Olha, eu sempre costumo dizer que a minha disposição de trabalhar na Folha permanece enquanto eu achar que estou sendo de alguma utilidade. Eu acho que eu tenho sido de alguma utilidade ao longo desses anos e eu acho, no entanto, que as minhas idéias, em termos de jornalismo, em grande parte, as poucas idéias que eu tive a respeito de jornalismo, em grande parte, são idéias que já foram apresentadas, já foram discutidas, já foram testadas e já foram implementadas, já foram absorvidas, eventualmente, no que elas possam ter de contribuição mais permanente. Eu tenho realmente muito interesse por outras atividades que são extrajornalísticas. O teatro é uma delas. Então [olha pra baixo], eu não excluo nenhuma hipótese, quer dizer, é possível que eu venha no futuro a me dedicar a outras coisas que não tenham nada a ver com jornalismo.

Alberto Dines: Em primeiro lugar, um comentário que você não precisa comentar, mas eu fico extremamente feliz de ver uma reviravolta na Folha, como instituição, com relação ao Cláudio Abramo [mexe as mãos]. Eu sempre vi, com muita tristeza a tentativa soviética de fazer a história do jeito que se queria e sem reconhecer o mérito do Cláudio, inclusive nessa atual situação da Folha. Chegou-se até a contratar um historiador para fazer a história da Folha onde o nome do Cláudio praticamente não aparecia. Mas é um comentário que faço, de regojizo desse ambiente festivo que nós temos aqui de achar que nós estamos indo num bom caminho [sorri]. Agora, a pergunta é o seguinte: eu fiquei muito impressionado com uma frase que você disse logo no início e eu não pude replicá-la, quando você disse que o jornal não está obrigado a ver as coisas boas que acontecem no Brasil. Em primeiro lugar, uma explicação, quer dizer, o jornal é uma empresa privada, mas presta um serviço público. E um serviço público garantido pela Constituição, em vários capítulos. Sendo assim, ela tem compromissos de refletir o que está acontecendo com fidelidade. Ela não pode fazer uma opção niilista, negativista, criticista, deixando de reconhecer que existem algumas coisas, eu não digo só com relação ao governo Fernando Henrique, de quem eu sou um admirador, ao contrário de você, mas com relação a uma série de coisas. A Folha tem uma posição niilista que, às vezes, me preocupa. E já tentou até apagar isso com umas... "O Brasil que deu certo", fez algumas matérias assim. Mas, percebe-se que fez sem entusiasmo, sem vocação. Agora, com isso está traindo alguns de seus compromissos públicos de refletir o que se passa na sociedade. Porque se pode até não gostar do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas o Brasil tem gente fazendo coisas perfeitas, inclusive vocês. O Brasil são 150 milhões de pessoas, quer dizer, essa opção pelo não, pelo negativo, é uma forma de fugir da fidelidade à realidade.

Otávio Frias Filho: Bom, eu não vou comentar o aspecto Cláudio Abramo, porque você me pediu que eu não comentasse, mas eu não concordo [sorri]. Mas deixa eu me ater aí a parte mais substantiva, digamos, do que você está colocando, Dines. Eu concordo, não haveria como discordar, que a função dos jornais deve ser relatar a realidade tal como ela ocorre com o máximo de precisão possível, com o máximo de fidelidade, a proporcionalidade [abre os braços], inclusive, respeitada entre as diversas dimensões dos fatos. Eu só acho que o ânimo que deve estar por trás desse trabalho de reprodução, digamos, da realidade ou pelo menos dos aspectos mais visíveis, ou pelo menos mais aparentes da realidade, deve ser um ânimo de interpelar, de criticar, de inconformismo. Eu acho que quando isso não ocorre na mídia a conseqüência é a hipnose coletiva que a gente viu ocorrer durante o primeiro ano e meio do governo Collor. A mídia inteira apoiava, aplaudia e a sociedade ficou completamente hipnotizada, ficou completamente alienada, sem qualquer capacidade de reação diante de um presidente eleito pelo voto que, aos poucos, foi se revelando uma espécie de pequeno Bonaparte. Então, eu acho que o episódio Collor deveria deixar um saldo de ensinamento para nós que é o seguinte: "o quão é arriscado quando a mídia começa a se entusiasmar com planos de governo. O quão é arriscado quando a mídia começa a ter simpatia por governantes". E, do ponto de vista pessoal, eu tenho não só simpatia, como grande admiração pelo Fernando Henrique Cardoso. Quer dizer, eu acho que é um grande intelectual, teve uma contribuição muito importante na sociologia do Brasil nos anos 60, 70 e 80. Eu, em grande parte, fui aluno de alunos dele. Ele foi colunista do jornal, eu tenho, digamos, o privilégio de ocupar hoje uma coluna semanal que foi durante vários anos... [pausa], cujo titular foi durante muitos anos o hoje presidente Fernando Henrique Cardoso. Então, do ponto de vista pessoal, eu só teria elogios a fazer a ele. O que eu acho que é muito diferente a gente como jornal, onde tem que prevalecer uma política impessoal, uma política tão objetiva quanto possível, acho que é diferente a gente entrar nessa onda de entusiasmo, de apoio e de vamos dar certo, o governo vai dar certo, o governo está certo. O governo não está, necessariamente, certo e a nossa função é, eu não digo apontar falhas, mas procurar dar divulgação, dar visibilidade pública, aos problemas, as contradições, as promessas não cumpridas...

Alberto Dines: [interrompendo] E onde ficam os estímulos aos acertos?

Otávio Frias Filho: Como?

Alberto Dines: Onde ficam os estímulos aos acertos? Senão fica empurrando o Brasil para o abismo! Quer dizer, vamos pular do décimo quinto andar porque não vai dar certo.

Otávio Frias Filho: Não, não acho isso. Acho que o Brasil vai dar certo, acho que o Brasil...

Alberto Dines: [interrompendo] Ah, então já está dando certo!

Otávio Frias Filho: [risos] Acho que o Brasil não está, de forma alguma, perto do abismo. O que eu acho é que não é função da imprensa entrar na torcida “do governo vai dar certo".

Alberto Dines: Não, mas o país está dando certo, não é o governo.

Otávio Frias Filho: Acho que o país dar certo ou não, independe de mim, de você, da imprensa, do governo, de todas essas instituições, quer dizer, é um processo muito mais profundo, muito mais larvar, ... quase que inconsciente. Acho que o que a imprensa e o governo fizerem ou deixarem de fazer vai ter muito pouca conseqüência, a meu ver, sobre o país dar certo ou dar errado. Acho eu.

 Daniela Thomas: [sorri] Eu vou agora tentar fazer parte da turma aqui e falar, comentar... quando você respondeu ao Dines anteriormente, sobre a questão do Fernando Henrique e a classe média, você identificou esse buraco crescente: distanciamento da classe média, das classes menos favorecidas no Brasil, da pobreza, da miséria. Essa tendência de virar-se mais para o primeiro mundo, quase uma inveja que as pessoas estão tratando de acumular, de consumir, de acumular. O jornal, ao ser apartidário, ao ser pluralista [gesticulando], você diz que está sendo obrigado a aceitar as pressões. O mercado passa a ser seu principal elemento de estímulo, que exige do jornal as suas posturas diárias e então substituindo, vamos dizer assim, um jornal romântico, um jornalismo romântico. Eu imagino que a maioria dos jornalistas aqui presentes são mais... sensíveis, mais ligados a isso. Então, um jornalismo assim... como o New York Times fala, ligado, de rabo preso com a verdade, de rabo preso com o fato, não de rabo preso com o leitor. Porque se o leitor é a classe média, se a classe média está tendendo a alienação crescente, o jornal vai se tornar um jornal de serviços para uma classe que está ficando altamente desinteressante. Eu acho que um pouco a Lu, a revista eu me lembro, um pouco, eu vi uma coisa hilária na revista que era "mulher da Folha verão", uma mulher que tinha lido, uma mulher exemplar, assim, a musa do verão. Bom, aí ela tinha lido dois livros na vida, os dois livros eram do Paulo Coelho. Eu fiquei pensando: “gente, você entende?” Eu não tenho preconceito quanto a um jornal de variedades dentro da Folha, esse tipo de coisa, mas ao aliar-se com o leitor, você pode estar jogando, você pode transformar sua empresa numa Forbes five-hundred [revista americana de economia, finanças e negócios fundada em 1917]. Mas o jornalismo dessa empresa não está, sei lá, cometendo suicídio, talvez... o ser jornalista, falar sobre fatos e realidade.

Otávio Frias Filho: Eu acho que essa questão da subordinação aos interesses do leitor, não há como escapar dela. A publicação que não adotar isso como uma política muito firme, muito decidida, tende a desaparecer [junta as mãos]. E, especificamente, ou infelizmente, o leitor de classe média, porque é quem compra, é quem assim, é quem lê jornal. Então, a nossa clientela, não adianta a gente se iludir e iludir os outros, a nossa clientela é uma clientela de classe média.

Daniela Thomas: [interrompendo] Mas você acha que tem a obrigação de... você atende a um país, entendeu? Mesmo que, mesmo servindo a clientela de... falar de fatos, falar dos fatos da outra classe, do outro leitor que não lê?

Otávio Frias Filho: Sem dúvida, por exemplo, nós temos diariamente duas páginas e meia de assuntos internacionais na Folha. Não atrai anúncios. Atrai muito poucos leitores, no entanto, a gente mantém isso. Aos domingos, a gente publica um caderno, que é o "Caderno Mais", de quatorze páginas. Não tem anúncio. Ou tem muito pouco anúncio e não é porque o jornal está circulando com o "Caderno Mais" que vai aumentar a circulação. Quer dizer, pelo contrário, o "Caderno Mais" não interfere em nada nesses números, seja de circulação, seja de publicidade. No entanto, o jornal se dá ao luxo de perder dinheiro, se você quiser...

Daniela Thomas: [interrompendo] Vai poder continuar se dando?

Otávio Frias Filho: ... publicando um caderno de quatorze páginas. Eu acho que vai poder continuar se dando a esse luxo e acho que isso é o outro lado do jornalismo, quer dizer, é um lado que não implica necessariamente numa preocupação imediata com o mercado, mas tem a ver com valores que são mais universais, tem a ver com uma preocupação que é menos imediata, tem a ver com questão toda de imagem, de institucionalidade, de serviços prestados a uma parcela que é pequena [mexe as mãos] em termos numéricos, mas que é muito expressiva em termos de influência cultural, em termos de influência política e assim por diante.

Matinas Suzuki: Otávio, infelizmente o nosso tempo está acabando e eu gostaria de fazer uma última pergunta que é da Ana Cristina Alencar, de Sorocaba: Se você é casado e tem filhos e se não, se tem planos para o futuro?

Otávio Frias Filho: [risos] Não, eu não sou casado, não tenho filhos. Gostaria muito de um dia vir a ter filhos, embora ache isso uma responsabilidade muito grande. Acho que ter um filho é uma responsabilidade maior até do que dirigir a redação de um jornal como a Folha. Acho que é uma coisa que a gente deve pensar muitas vezes antes de optar por realizar, mas gostaria muito que pudesse acontecer comigo um dia [sorri].

Matinas Suzuki: Otávio, muito obrigado por sua presença esta noite. Eu gostaria de dizer aos telespectadores que reclamaram da ausência de jornalistas de outros jornais nesta bancada que nós convidamos, muitos deles não puderam vir. Outros por motivos compreensíveis também se recusaram a participar do programa. Queria lembrar a vocês também que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Até lá, muito obrigado pela sua atenção, muito obrigado pela presença da nossa bancada de entrevistadores, que talvez tenha sido uma das mais comportadas de toda a história do Roda Viva e eu lembro a vocês que a gente volta na próxima segunda-feira entrevistando o cineasta Fábio Barreto, que está indicado para o Oscar com o filme O Quatrilho. Até lá, uma boa semana para todos e uma boa noite.

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