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Paulo Markun: O governo está às vésperas do anúncio de medidas que buscam promover o crescimento econômico. À frente do comando da economia está Guido Mantega. Há 16 anos ele participa das principais decisões econômicas do PT [Partidos dos Trabalhadores] e do presidente Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil entre 2003 e 2006, reeleito entre 2007-2010]. Coube a ele a tarefa de substituir Antônio Palocci [ministro da Fazenda até março de 2006, quando saiu em meio a denúncias de abuso de poder] após a maior crise do Ministério da Fazenda no governo Lula.
[Comentarista]: Guido Mantega integra a equipe econômica do PT desde 1989. Na administração de Luiza Erundina [prefeita de São Paulo entre 1989 e 1993] na prefeitura de São Paulo, ele foi chefe de gabinete do secretário de Planejamento Paul Singer [economista ligado ao PT] e depois diretor de Orçamento. Em 1993, tornou-se o principal assessor econômico de Lula, e em 1994, foi um dos coordenadores do programa do PT na derrota para o presidente Fernando Henrique Cardoso [presidente do Brasil entre 1995-1998 e reeleito entre 1999-2002]. Na época, Mantega foi um crítico do Plano Real e da alta taxa de juros. Com a vitória de Lula em 2002, colaborou na transição de governo e foi chamado para a primeira equipe ministerial. Na pasta de Planejamento, Mantega enfrentou dificuldades com a proposta do projeto de lei das PPPs, as parcerias público-privadas. Durante o governo Lula, Mantega também foi presidente do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Em março deste ano, com a polêmica da quebra do sigilo bancário do caseiro Francinildo Santos da Costa, o ministro da Fazenda Antônio Palocci caiu, e Mantega ocupou a vaga. Guido Mantega nasceu em Gênova, na Itália, em 1949, e veio ao Brasil com três anos. É formado em economia pela USP [Universidade de São Paulo], com doutorado em sociologia.
Paulo Markun: Para entrevistar o ministro da Fazenda Guido Mantega, nós convidamos Alexandre Machado, comentarista da TV Cultura; Delmo Moreira, diretor-executivo do jornal O Estado de S. Paulo; Valderez Caetano, repórter especial da Gazeta Mercantil e do Jornal do Brasil; Vinícius Torres Freire, colunista de economia do jornal Folha de S. Paulo; José Fucs, repórter especial de economia da revista Época e Marco Antônio Rocha, editorialista do jornal O Estado de S. Paulo. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando com seus desenhos os momentos e flagrantes do programa. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV para todo o Brasil. Você pode participar do programa mandando a sua crítica, pergunta ou sugestão pelo telefone, aqui de São Paulo, que é (011) 3677- 1310. Se preferir o fax, é 3677-1311, e pela internet, você pode acessar o site do programa, que é www.tvcultura.com.br/rodaviva e mandar o seu e-mail. Boa noite, ministro.
Guido Mantega: Boa noite, Markun.
Paulo Markun: Queria saber do senhor o seguinte: o que é possível o governo fazer no âmbito das suas deliberações para destravar a economia, fazer com que a gente alcance um patamar de crescimento mais significativo no ano que vem, já que boa parte das coisas que poderiam ser feitas não está na alçada do governo, depende de mudanças importantes, como reforma tributária e outras alterações?
Guido Mantega: Markun, o governo pode fazer muita coisa, barateando o investimento, por exemplo, que é a mola mestra de um crescimento maior. Então, neste momento, nós estamos ocupados, produzindo um conjunto de medidas que tem como principal objetivo alavancar o crescimento maior no país. E acho que, neste primeiro mandato do presidente Lula, nós conseguimos eliminar uma série de desequilíbrios que havia na economia brasileira, conseguimos solidificar os fundamentos da economia. Por exemplo, a inflação, que era um problema no passado, hoje está sob controle, está domada, e isso cria uma condição favorável para um crescimento maior, para a queda da taxa de juros. Então, hoje, nós temos que continuar nessa rota que nós estamos percorrendo desde o primeiro mandato, que é continuar aumentando o crédito na economia, continuar reduzindo a taxa de juros, criar um ambiente propício para o investimento privado e aumentar o investimento público. O investimento privado está crescendo este ano a uma taxa de aproximadamente 7% a 8% no ano, significa que já há um certo ânimo do empresariado para produzir mais, tendo em vista que o mercado consumidor está crescendo. Nós estamos com aumento de vendas no varejo este ano de aproximadamente 6% em relação ao ano passado, a massa salarial está crescendo. Então o mercado consumidor está se robustecendo. Significa que o tal do mercado de massa, que a gente vinha propugnando, está se tornando realidade. O empresariado tem que olhar para esse mercado, a indústria automobilística, setor eletroeletrônico, setor de alimentos, vestuário, calçado, etc. O mercado está crescendo e a economia vai caminhando para patamares mais avançados. Este ano nós não vamos crescer muito, o PIB [Produto Interno Bruto], que é uma medida média do que acontece na economia... mas as exportações estão indo muito bem, os servidores...
Paulo Markun: Nós vamos crescer menos do que se diria que íamos crescer há poucos meses atrás?
Guido Mantega: É, ficou aquém das expectativas, mas se você decompuser a economia em setores, você vai ver que há setores indo muito bem. Então, por exemplo, construção civil é um setor que está deslanchando, está crescendo 5,5 a 6%, setor automobilístico voltado para o mercado interno está crescendo acho que 10 ou 12%, o consumo de automóveis, setor eletroeletrônico... Se você olhar segmentadamente, você tem vários setores indo bem, outros setores indo menos bem, aqueles que são alvo de uma concorrência internacional mais forte, setor de vestuário, calçado, moveleiro, alguns vão bem, outros vão menos bem. Agora, a economia brasileira caminha para um patamar maior de crescimento, porque as condições estão dadas, as condições são mais favoráveis. A taxa de juros foi muito alta no Brasil, é verdade, mas ela está caindo consecutivamente, há mais de 13 meses. Como a inflação caiu, mais rapidamente talvez do que a gente esperava, então a taxa de juros que está caindo não conseguiu acompanhar o ritmo, mas ela vai caminhar para a direção adequada. Então, acredito que nós estamos neste segundo mandato, defronte de situações, condições muito favoráveis para um crescimento sustentável.
Marco Antonio Rocha: Se o senhor me permite...
Guido Mantega: Sim.
Marco Antonio Rocha: Acompanhando o seu raciocínio, a sua exposição, o governo apostou de certa maneira na expansão do consumo, do mercado de consumos como forma de puxar a economia, de obter um desenvolvimento maior da economia. Mas isso não se refletiu até agora no crescimento do PIB, no crescimento proporcional do PIB. Na sua opinião, por que isso não repassou para o conjunto da economia?
Guido Mantega: Bom, a demanda das famílias cresceu aproximadamente 4%, 4,5% no ano de 2006.
Marco Antonio Rocha: Pois é.
Guido Mantega: É um bom crescimento. Depois você tem a demanda do governo. Então, somado, dá mais de 5%, uma parte disso...
Marco Antonio Rocha: Mas o PIB está crescendo menos de 3%.
Guido Mantega: Está crescendo menos porque uma parte disso foi ocupada pelas importações. Hoje a economia brasileira é aberta, você tem que exportar bastante, e nós continuamos tendo muito sucesso no comércio exterior, vamos fazer o superávit comercial em torno de 45 bilhões de dólares, e também estamos elevando as importações. Tem que haver equilíbrio, você não pode querer só exportar, só ocupar outros mercados e não receber as mercadorias de outros países, então, a importação ocupou um espaço. O que nós temos que fazer...
Marco Antonio Rocha: Esse espaço não poderia ter sido ocupado pela indústria nacional, aumentando emprego e produção?
Guido Mantega: Ele será ocupada pela indústria nacional se o crescimento dessa demanda ao invés de crescer 4,5%, 5%, crescer 5,5%, 6% ou 7%, é isso que nós esperamos que vá acontecer a partir do próximo ano, esta demanda continua crescendo...
Marco Antonio Rocha: Mesmo com a China chegando aí? [risos]
Guido Mantega: Mesmo com a China chegando, porque a China é competitiva numa série de itens, mas não é em outros itens. Além disso, nós fizemos um acordo em relação à indústria têxtil, estabelecendo cotas para os produtos chineses. Estamos combatendo a entrada ilegal de produtos que, muitas vezes, atrapalha a produção nacional. Tudo isso está sendo feito e ,com isso, a demanda interna continua crescendo e ela será ocupada pelos produtos nacionais também.
Marco Antonio Rocha: Quer dizer, vocês vão continuar apostando na demanda?
Alexandre Machado: Desculpe. O senhor falou a respeito da taxa de juros, que a taxa de juros está decrescendo, mas que a inflação caiu junto, e a taxa de juros real efetivamente não caiu tanto. Qual é o limite que o senhor prevê de queda do juro real? Porque até agora o que caiu foi essa queda dos juros, junto com inflação...
Guido Mantega: Bom, quando a gente fala em taxas de juros no Brasil, temos que olhar as várias taxas que compõem o sistema financeiro brasileiro. Não existe só uma taxa, existe, por exemplo, a TJLP [Taxa de Juros a Longo Prazo] que hoje está no seu menor patamar de toda a história, desde que ela foi criada, 6,85, é uma taxa favorável.
Alexandre Machado: É, taxa Selic...[interrompendo]
Guido Mantega: ...Já é taxa de Primeiro Mundo, digamos assim. Você tem a taxa da agricultura que é 3% pequenininho, 6% médio, e 8.75% para o maior, então são taxas bastante favoráveis. Você tem hoje taxas de juros para habitação, coisa que não havia no país há muito tempo, 11,99 (%) ao ano, taxa fixa de 11,99 ao ano. Então, as várias taxas de juros que compõem a economia brasileira têm caído ao longo desses anos. Para crédito ao consumidor, as taxas caíram muito.
Paulo Markun: Mas... ministro, tem que ter o “mas” nesse raciocínio!
Guido Mantega: O consumidor brasileiro estava acostumado a comprar uma geladeira, comprar um produto qualquer, pagando 120, 140% de juros ao ano, mesmo com inflação razoável. Hoje, com crédito consignado que foi implementado por este governo, paga-se muito menos, de 3%, 4% ao mês. É metade daquilo que era.
[todos falam simultaneamente]
Alexandre Machado: Estou te falando da taxa Selic, menos a taxa de inflação, quer dizer, então essa é considerada taxa de juros real. Por que essa não cai?
Guido Mantega: Não é só essa, há taxas de juros reais, porque se você é um investidor, se você quer fazer um investimento, você não vai pegar Selic, você vai onde? Vai no BNDES, apresenta um projeto e consegue recurso a 8, 9% ao ano, então você consegue para investir um recurso...
Valderez Caetano: Ministro, o senhor é tido como um grande otimista, enquanto o mercado inteiro está dizendo "não cresce, não cresce", o senhor diz "cresce, cresce". O que levou o senhor a sustentar durante este ano inteiro que a economia cresceu 4,5%, sendo que o crescimento do segundo trimestre desse ano já foi um fiasco de meio por cento? Foi político? Ou é porque tinha eleição e etc?
Guido Mantega: Não, nós começamos o ano com uma taxa de juros muito elevada, e ela foi caindo ao longo do tempo.
Alexandre Machado: Qual taxa de juros? [risos]
Guido Mantega: No caso a Selic, a taxa de juros a longo prazo, as demais taxas estavam caindo. Todas as taxas caíram ao longo do ano. Eu diria que este ano é um ano em que a inflação se comportou melhor. Nós tivemos quatro anos para reduzir a inflação de um patamar de dois dígitos, a inflação estava 12,5% em 2002, quando nós assumimos o governo e viemos reduzir a inflação. Quando você reduz a inflação, faz-se uma política monetária um pouco mais rígida até atingir o patamar que você quer. Atingido esse patamar, que foi este ano, que é de 4%, 4,5%, aí você começa a soltar política monetária, além disso, crédito... tinha pouquíssimo crédito na economia brasileira, até...
Valderez Caetano: Então não foi político, ministro?
Guido Mantega: Não, não foi político, apenas é uma questão de timing. Então, você agora vai ter esse crescimento, eu tenho certeza absoluta com essas condições.
José Fucs: O senhor acha que o Banco Central errou a mão, foi excesso de conservadorismo do Banco Central trabalhar com uma taxa projetando uma inflação maior do que a que efetivamente nós tivemos?
Guido Mantega: Eu acredito que não foi. Também é muito difícil você "acertar na mosca" em economia, é só você pegar as previsões a cada ano, agora é época de fazer previsão. Marco Antônio Rocha sabe muito bem, pega as previsões da maioria dos economistas agora para dizer quanto vai crescer o PIB ano que vem, quanto vai ser a inflação, você pode ver que todo mundo erra.
Delmo Moreira: Tem que pegar a sua [previsão], ministro! [risos]
Guido Mantega: Inclusive eu já errei muito, sou economista normal, portanto erro também [risos]. Agora, o que nós podemos dizer é que o Banco Central tem acertado desde setembro do ano passado quando ele tem reduzido a taxa Selic, e o mais importante não é queda da Selic, é a taxa de médio e longo prazo que você mede, as taxas de 360 dias, porque são as taxas de longo prazo que orientam os investimentos produtivos.
Delmo Moreira: O senhor chamava esse tipo de política monetária de "política monetária recessiva que leva à estagnação". O que mudou?
Guido Mantega: Quando eu falava isso?
Delmo Moreira: Não sei!
Guido Mantega: Não estou lembrado. Quando falei isso? Não estou me lembrando...
Delmo Moreira: Que não se mexe em câmbio, não afrouxa o controle de inflação, não se baixa juros por decreto, não é necessário um esforço adicional para ampliar o superávit primário que senhor falou, e o senhor também não vê necessidade, como já declarou, de uma mudança estrutural para cortar gastos. Com esses princípios, como crescer, ministro? Quer dizer, é praticamente a mesma receita que se tem há 12 anos e se cresce muito pouco.
Guido Mantega: Não, não é mesma receita que se tem há 12 anos, mesmo porque há 12 anos atrás a situação da economia brasileira era completamente outra, você tinha uma inflação aguda, crise da dívida externa, crise da dívida interna, e agora você não tem nada disso. Agora você tem 84 bilhões de dólares de reserva, que eliminou a nossa vulnerabilidade externa, então, hoje o Brasil não é mais suscetível, pelo menos com facilidade, a um ataque cambial, ataque especulativo cambial. Tornou-se uma economia forte, saudável, e isso foi o grande avanço que nós tivemos. As taxas de juros, eu repito, caminham para um patamar normal, se você projetar a trajetória que nós estamos tendo, vai para um patamar...E a economia só não reagiu ainda de forma totalmente adequada, por quê? Porque a economia reage cinco, seis meses depois de a taxa estar caindo. Então, nós hoje estamos reagindo à taxa de juros Selic de seis meses atrás, a TJLP veio caindo ao longo do ano, não era a mesma, pega a taxa no início do ano...Então, todas as taxas de juros estão caindo, o crédito está se expandindo a 25%, 30%, o crédito para a pessoa física, para o consumidor, cresceu 100% em quatro anos. É extraordinário! Então, estamos hoje com patamar de crédito razoável, não vou dizer que é uma maravilha, mas era péssimo, agora é razoável, e caminhamos para patamares melhores.
Delmo Moreira: Isso é suficiente para fazer o país crescer?
Guido Mantega: Nós estamos hoje caminhando para uma política de desenvolvimento, o país agora tem as condições de desenvolvimento, não tinha quando era vulnerável externamente, quando estava sujeito a ataques especulativos, quando o risco país era 800, 900 - eu estou pegando a média, não estou pegando patamar mais alto, que foi 2 mil e 400 pontos - hoje é quase 200, vai para baixo de 200 provavelmente. Isso significa que existe confiança no país, que existe gente que quer investir no país e sabe que vai ter segurança nos próximos anos, e isso já começa a acontecer. Muitas vezes não se dá no timing que a gente gostaria, gostaria já de ter crescido 5% o ano passado, 5% este ano, mas não é o que a gente gostaria que [realmente] acontece, é aquilo que é possível. O que o presidente Lula quis é que a gente fizesse um caminho gradual, sem aquelas biotecnias que se faziam no passado. No passado teve muito plano maluco aqui na economia brasileira, planos heterodoxos, choques, congelamento de preços... O presidente Lula não queria fazer nada disso. Queria fazer política gradual que colocasse o país em condições de um crescimento seguro, que quando começasse ele não tivesse que retroceder como retrocedeu em muitas outras vezes.
Paulo Markun: Só está demorando um pouquinho para começar...
Guido Mantega: Como?
Paulo Markun: Só está demorando um pouco mais para começar.
Guido Mantega: Foi uma fase de transição, mas o Brasil é outro. A gente só olha para o PIB, mas se você olhar tudo que avançamos em vários setores, o Brasil é um outro país, o Brasil hoje é um país que coloca títulos no mercado internacional em reais, colocamos títulos em reais, com vencimento em dez anos, título de dez anos em reais. Isso mostra como o país mudou e como está pronto para esse crescimento.
Paulo Markun: Ministro, vamos fazer um rápido intervalo. Voltamos num instante com Roda Viva que tem hoje na platéia, Francisco da Silva Coelho, presidente da Ordem dos Economistas do Brasil; Fernanda Bueno Ferraz, economista da Bovespa; Topázio Silveira, presidente da Associação Brasileira de Teleserviços, e Nelson Carneiro, presidente do conselho fiscal da ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. A gente volta já.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com Roda Viva, esta noite entrevistando o ministro da Fazenda Guido Mantega. Vamos ver, ministro, a pergunta do economista Eduardo Giannetti.
[VT de Eduardo Giannetti]: Muito boa noite, ministro Mantega. Boa noite a todos. O Brasil tem hoje, no final de 2006, a melhor combinação de juros real primário e expectativa de inflação desde o início do Plano Real. No entanto nós temos ainda as taxas de juros mais altas do mundo e por uma larga margem. A novidade é que, em 2007, se não houver uma surpresa, nós vamos ter, [pela] primeira vez a condição de testar até onde pode cair a taxa de juros no Brasil sem deflagrar pressões inflacionárias. As minhas perguntas são duas. Primeira, como o senhor entende o fato de o Brasil estar com as taxas de juros tão altas por tanto tempo? Por que as taxas de juros no Brasil são tão cronicamente elevadas? E segundo lugar, qual é a sua estimativa do chamado juro neutro, ou seja, o menor juro primário, compatível com máximo crescimento não-inflacionário da economia? Até onde pode chegar no ano que vem essa redução do juro primário que a gente vem observando desde setembro do ano passado?
Guido Mantega: Boa noite, Eduardo Giannetti. O Brasil tem, historicamente, juros muito elevados por causa do desequilíbrio fiscal e desequilíbrio inflacionário. Durante muitos anos, o Brasil teve, mais precisamente nos últimos 25 anos, déficits orçamentários recorrentes, uma inflação que chegou a ser a mais elevada do mundo, não é? E tivemos também a crise da dívida externa nos anos 80. Tudo isso causava temor dos investidores, de modo que eles, muitas vezes, buscavam sair, fugir do país para não perder o seu patrimônio. Dessa maneira, os governos praticavam juros elevados, seja para reter os capitais aqui, seja para frear o crescimento que teoricamente poderia causar inflação e assim por diante. Felizmente, esse período está totalmente superado. Hoje, nós superamos o problema inflacionário crônico do passado, superamos o problema dos déficits orçamentários. Hoje, o Brasil tem superávit primário, ainda tem déficit nominal, porém, estamos no caminho da sua redução, ele vai estar se reduzindo nos próximos anos, e nós temos uma dívida externa totalmente sob controle. Então, o cenário que implicava em taxas de juros muito elevadas foi eliminado. E acho que houve também um pouco de mau hábito de se praticar no Brasil taxas de juros elevadas, se acostumou a economia brasileira com taxas excessivamente elevadas. Tínhamos um cenário desfavorável e também se criou esse vício de taxas elevadas. Nós já estamos caminhando para a normalidade, tanto que todas as taxas estão se reduzindo no Brasil. E nós poderemos caminhar em breve para taxas semelhantes a países emergentes, com condições parecidas com o Brasil. Com risco cada vez menor, inflação cada vez menor, as taxas nominais estão sendo reduzidas.
Valderez Caetano: O senhor falou em crise fiscal...
Paulo Markun: O senhor deixou de responder a pergunta final, que estimativa o senhor faz de...
Guido Mantega: É, eu não faço uma estimativa, mas digo que nos próximos anos nós poderemos chegar a uma Selic real de 5%, aproximadamente. Não gosto de cravar um número porque depois ele é um pouco mais ou pouco menos, mas podemos caminhar nessa direção, e não será a longo prazo. Como nós temos autoridade monetária, nós temos o Banco Central, o Copom [Comitê de Política Monetária, criado em 1996], que tem uma autonomia em relação às demais instâncias de governo, prefiro não dizer aqui, porque senão vão dizer que eu estou apontando o caminho que o Copom tem que seguir. O Copom tem que mirar na meta de inflação, o Conselho Monetário Nacional estabelece a meta. Eu diria que a meta que está estabelecida hoje é uma meta confortável, 4,5%, é o centro da meta, que permite ao mesmo tempo praticar um juro cada vez menor, que haja espaço para a economia crescer, com a estabilidade desejada. Então, acho que nós estamos no caminho certo.
Vinicius Torres Freire: Vamos falar de uma coisa que pode influenciar mais, que é plano fiscal. Vamos falar um pouco de futuro de crescimento, juros passados já foi, mas o plano fiscal deve sair na quinta-feira. Eu tenho uma dúvida principal que ronda aí o plano pacote, que é se o superávit primário vai ser reduzido para que os investimentos sejam aumentados através do Projeto-Piloto de Investimentos? Se o PPI [Projeto-Piloto de Investimentos] for usado até o limite, o superávit pode cair para baixo de 4%, o governo vai ou não mexer nisso? Primeira pergunta, vai aumentar o superávit? Segundo, Eletrobrás, mais especificamente - que vai ser muito importante nesse pacote, porque pode envolver investimentos de dezenas de milhões de reais - a conta da Eletrobrás, em parte, vai retirar da conta dos superávits, do balanço fiscal? Então, PPI, aumento de investimento vai se dar com redução de superávit de 4,25%? Eletrobrás vai ou não entrar no balanço fiscal? Quer dizer, o novo investimento da Eletrobrás, nesse caso, vai fazer por empresas privadas, sendo minoritários... parece que é o espírito do pacote.
Guido Mantega: A idéia não é tirar a Eletrobrás da conta do primário, da conta fiscal...
Vinicius Torres Freire: Está falando a mais difícil!
Guido Mantega: Comecei falando o mais fácil. Agora, só para dar uma idéia da coerência desse conjunto de medidas que nós estamos fazendo, qual é o objetivo? É estimular o aumento do investimento público e privado no país porque nós consideramos que isso é a mola mestra de um crescimento maior, de um crescimento equilibrado. Para que isso seja feito, nós temos que aumentar investimento público. O investimento público vem caindo ao longo do tempo por causa de crise fiscal, já que havia pouco espaço fiscal, o espaço veio diminuindo, quando nós assumimos, tivemos que aumentar o superávit primário e tiramos justamente do investimento público. Agora, é o momento de aumentar o investimento público, e nós queremos fazer isso com os recursos da arrecadação, a arrecadação vai indo bem. Nós queremos também estabelecer um programa fiscal de longo prazo que estabeleça limites para o aumento da despesa corrente. Então, se a despesa corrente crescer menos do que o PIB, você vai ter um espaço orçamentário para colocar mais recursos no investimento. Não é muito difícil de visualizar isso.
Paulo Markun: Isso não significa cortar gastos?
[...]: Aquele redutor dos gastos públicos não foi aprovado.
Guido Mantega: Isso não significa cortar gastos. Existe um tipo de gasto que nós estamos sempre cortando, que é o gasto de custeio da máquina. Isso eu posso mostrar para vocês que nós temos reduzido, por exemplo, passagens e diárias do funcionalismo, que não é para passear, diga-se de passagem, que é para prestar serviços. É a Polícia Federal que vai fazer uma ação, é o Exército que se desloca, são os agentes de saúde que vão fazer as suas ações, mesmo assim sempre tem algum supérfluo, e nós temos cortado reiteradamente, este gasto de custeio é reiteradamente cortado, ele hoje está num patamar muito inferior a 2002, depois eu posso até passar os dados. Agora, o que nós queremos fazer é estabelecer regras para que o aumento do gasto corrente, o mais pesado, que ele cresça menos do que o PIB. De modo que se nós tivermos o crescimento do PIB de 5%... é claro que o aumento da arrecadação é proporcional ao aumento do PIB...
Valderez Caetano: [interrompendo] Ministro...
Guido Mantega: ...Você vai ter um aumento desse gasto que é, por exemplo, gasto de pessoal. Que ele cresça menos do que o PIB, que ele cresça! Não é arrocho, ninguém está querendo aqui fazer um arrocho salarial, mas que cresça, digamos, 80%, 70%, cresça uma parcela do PIB. Isso te deixa uma margem para colocar investimento. Em função disso, nós vamos apresentar...
Paulo Markun: No ano de 2002, diversos ministérios tiveram um gasto efetivo de dinheiro à disposição muito inferior ao que havia sido planejado. Quer dizer, fica difícil imaginar como da noite para o dia o governo vai aumentar investimento se sequer essa tarefa, digamos assim, ele tem conseguido fazer e, em muitos casos, não é por falta de vontade, é porque havia um arrocho no sentido de acertar as contas.
Guido Mantega: Não é da noite para o dia, nós passamos quatro anos. Eu acho que nós reorganizamos as contas públicas, existe um equilíbrio fiscal hoje e você tem um espaço um pouquinho maior. Então, vamos fazer um plano de investimentos mais robusto, de modo que ele exerça um efeito de puxar o investimento privado. Investimento de infra-estrutura, estradas, pontes, portos, aeroportos, etc, tudo isso vai puxar investimento. Agora, nós temos como estabilizar despesa corrente, que significa gasto com a previdência, com pessoal, com funcionalismo, uma série de outros gastos. O governo não pretende reduzir os programas sociais, isso tem que ficar muito claro.
Delmo Moreira: Isso mexe ou não no número de superávit primário?
Guido Mantega: Não pretendemos mexer no número do superávit primário, embora o PPI nos faculte isso e esteja combinado. Este ano, por exemplo, vamos terminar um pouco acima de 4,25. Então o mais importante não é esse número, o mais importante é relação dívida/PIB, é isso que importa. Então eu garanto aos senhores que nós estamos diminuindo a relação dívida/PIB, e isso vai continuar diminuindo nos próximos anos. Nós apresentaremos, nesse programa de medidas, nesse conjunto de medidas, uma projeção da relação dívida/PIB, quanto ela vai ser nos próximos anos, se pusermos em prática essas medidas de caráter fiscal que nós estamos elaborando. Ao mesmo tempo, essas medidas de investimento vão estimular o crescimento da economia perfeitamente sustentável.
Delmo Moreira: Alguns economistas têm dito que o pacote que está se montando é feito apenas de medidas pontuais, alguns favores tributários e que ele não tem dentro dele nenhuma medida de alcance horizontal que pudesse pegar a economia inteira, como exoneração de folha de pagamento, algo assim. O senhor acredita que a economia pode dar a resposta que os senhores pretendem com essas medidas pontuais e esses arrochos tributários?
Guido Mantega: Não acho que sejam pontuais, isso é opinião de quem não conhece essas medidas, mesmo porque elas ainda não foram divulgadas, e também não vou divulgá-las aqui.
Delmo Moreira: Mas já foram discutidas publicamente até por gente de sua equipe.
Guido Mantega: Algumas medidas... Posso dizer, de forma bastante genérica, que nós vamos desonerar o investimento. E isso é bom, é uma medida horizontal que beneficia todo o setor produtivo. Vamos desonerar vários setores da economia, aliás, já temos feito isso. Se você pegar um setor de construção civil, pega o setor de construção civil...
Delmo Moreira: [interrompendo] Qual será a maior ambição do pacote?
Guido Mantega: Eu prefiro falar daquilo que já fizemos para não anunciar precocemente o pacote - e já estou falando pacote, estou influenciado – [risos de Guido Mantega] o conjunto de medidas que vão estimular o crescimento. Eu acho que elas serão eficazes, serão eficientes, elas são coerentes. Vamos mostrar a coerência dessas medidas e elas vão impulsionar um crescimento que já está se dando. O que nós queremos não é que só cresça o investimento público, queremos que cresça o investimento privado. Hoje, o volume de investimento no Brasil é de 20, 21% do PIB, destes 21%, 18, 19% é o setor privado, então ele que tem que se animar e ele vai ser animado por um lado pelo mercado interno que está aumentando, pelo mercado externo, que continua favorável, vai ser melhorado pela queda dos juros que vai continuar ocorrendo e pela desoneração tributária que nós vamos fazer. Não vamos fazer uma desoneração ampla porque as contas públicas não permitem isso, nós vamos gradualmente desonerando, à medida que a economia cresce mais, a gente continua arrecadando, a gente desonera mais, vamos desonerando à medida que você vai tendo resultado.
[todos falam simultaneamente]
[...]: O Rachid [Jorge Rachid, secretário da Receita Federal - órgão do Ministério da Fazenda, responsável por arrecadar impostos, fiscalizar empresas e pessoas físicas e cobrar tributos atrasados - entre 2003 e 2008] vai deixar? O presidente Lula já está achando o pacote...
Guido Mantega: O Rachid é um funcionário muito eficiente, e que...
Marco Antonio Rocha: Tem que obedecer.
Guido Mantega: Que tem que obedecer.
Valderez Caetano: Vamos voltar à questão fiscal? O governo tem sinalizado que onde esses gastos correntes mais pesam é na saúde, na previdência, no salário dos funcionários e no salário mínimo. [Sobre] salário dos funcionários, há uma idéia aí de estabelecer um teto - embora o legislativo já tenha extrapolado - mas estabelecer um teto que seria inflação mais 1,5%. Pelo menos é o que a gente tem escrito, seria uma forma para crescer a folha de salário todo ano, todos os três poderes teriam só essa forma. Segundo, saúde, fala-se em desvincular a questão do indexador - indexador é cruel, ele cresce mais do que qualquer outro indexador da economia - na saúde. Previdência, não se sabe, mas o presidente quer que o Congresso discuta a idade mínima. E salário mínimo, já está aí colocado que o reajuste vai ser menor. Eu quero saber o seguinte: vocês, o governo, têm condição de enfrentar o Congresso ou de conseguir aliados para coisas assim tão ..que é grande lobby no Congresso, como questão da saúde? Por exemplo, reduzir o dinheiro para a saúde?
Guido Mantega: Valderez, você conhece o programa mais do que eu mesmo, que estou lá dentro e nem sabia que eram todos esses itens do programa.
Valderez Caetano: Conheço sim, é o meu trabalho. [sorri]
Guido Mantega: Seja lá o que for, digamos que sejam essas medidas, acho que não serão todas essas medidas que você falou, está certo? Acho que não serão, mas digamos que fossem algumas dessas medidas, eu acredito que hoje nós vamos encontrar uma forte receptividade no Congresso, porque o Congresso também quer que o país se desenvolva, que o país cresça mais, e acho que vai haver uma cumplicidade desse congresso. Claro que a oposição continua, vai fazer oposição, vai questionar, vai criticar, mas eu acredito que nós podemos entrar num entendimento e aprovar projetos de interesse nacional, o exemplo disso é a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, exemplo de como oposição e o governo podem se juntar para aprovar uma lei que será muito favorável para o pequeno e médio investidor, o produtor brasileiro, que é aquele que mais emprega gente. Esse setor está sendo desonerado, essa lei é muito importante, e nos juntamos todos e aprovamos a lei. A Super-Receita deverá ser aprovada também, está em vias de ser aprovada. E a Super-Receita é um aperfeiçoamento importante na gestão da receita da previdência, na qual havia problemas no passado, vai ser aperfeiçoado e, na Receita Federal tudo isso vai ganhar eficácia e melhorar para o contribuinte. Ele não vai precisar ter duas fiscalizações, duas guias, etc, já unifica. Sem falar da reforma tributária... Uma outra medida importante que está colocada nesse projeto é uma reforma tributária que venha simplificar essa estrutura tributária que nós temos, que não é eficiente, que é de certa forma irracional, e que pode ser melhorada, e acredito que nós possamos convencer os governadores...
[...]: ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços]? [interrompendo]
Guido Mantega: ...pela cumplicidade dela. [sendo interrompido] Não, IVA [Imposto Nacional sobre Valor Adicionado] nacional, o objetivo é IVA nacional. Não é o projeto que está lá, existe um projeto que é mais modesto que seria só fazer uma unificação dos ICMS.
Vinicius Torres Freire: Vão propor o IVA nacional em 2007?
Guido Mantega: Vamos aprovar um IVA nacional, que não será implantado imediatamente porque isso é complicado. Porém, caminharemos para ele, acho que a sociedade brasileira está madura para uma reforma, que está contida nesse conjunto de medidas.
Paulo Markun: [interrompendo] Só um minutinho, vamos só explicar, ministro, o que é o IVA, que é Imposto de Valor Agregado, uma espécie de imposto que vem depois de emitida a nota [fiscal], se acrescenta ali, portanto, fica mais fácil identificar quanto é, reduzir ou aumentar, não sei se estou correto. [risos]
Guido Mantega: Você pega todos os tributos e junta num só chamado IVA, de valor agregado, com exceção do Imposto de Renda, você tem lá dentro ICMS, IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados], o ISS [Imposto sobre Serviços].
Paulo Markun: Essa proposta vai sair na quinta-feira já?
Guido Mantega: Não, na quinta-feira vai sair que nós vamos começar o debate de uma reforma tributária - porque isso não se faz de um dia para noite - nós temos uma proposta que será para colocar a discussão em campo, os governadores têm que participar. Eu já tenho sondado alguns governadores com quais eu tenho falado, e eu acredito que com esses governadores que estão aí, nós temos chance de conseguir.
Vinicius Torres Freire: Estadual ou federal?
Guido Mantega: Ninguém vai perder dinheiro, né?
Vinicius Torres Freire: Mas a arrecadação estadual vai continuar ou vai ser federalizada e depois distribuída?
Guido Mantega: Então, não é um bolo, à medida que nós temos e estamos implementando a nota fiscal eletrônica, uma base eletrônica de arrecadação. Por exemplo, a União fez um acordo com o estado de São Paulo, nós unificamos a arrecadação, a nossa base de arrecadação, então, é o único arquivo que possui informação que gera tantos impostos federais como os impostos estaduais. Nós vamos ter isso para o Brasil todo, vamos fazer convênios.
Vinicius Torres Freire: Hoje, a arrecadação vai ser federal e vai ter uma redistribuição ou vai ser...?
Guido Mantega: Isso será discutido ao longo da reforma, não tem uma definição. O que eu posso dizer é com que com essa nota fiscal eletrônica, com esta “eletronificação”, digamos, de todos os tributos, você tem uma base onde você calcula com precisão aquilo que é do estado de São Paulo, estado da Bahia, e tudo mais. Resolve o problema da origem, destino. Aí tem que tomar uma decisão, o pacto federativo terá que ser preservado...
Vinicius Torres Freire: [interrompendo] Já falou com Serra [José Serra, governador do estado de São Paulo eleito em 2006] sobre isso?
Guido Mantega: Já falei com o Serra sobre isso e ele falou: “Olha, vamos ter dificuldades, mas eu gosto da idéia. Eu só não quero que São Paulo perca recursos nisso, porque no passado, quando eu propunha medidas parecidas, os outros estados queriam tirar". Então nós vamos garantir que nenhum estado perca recurso e o fiador é a União. sso será uma grande modernização, simplifica a arrecadação, facilita a vida do contribuinte, porque ele não emite mais 200 notas, ele não tem mais arquivo de papel, é tudo eletrônico, e a fiscalização aumenta muito, você não...
Delmo Moreira: Só São Paulo até agora, ministro?
Guido Mantega: São Paulo e Bahia já têm convênio, e temos cinco municípios.
Delmo Moreira: E para chegar em todos os estados?
Guido Mantega: Em dois anos, nos dois próximos anos nós acreditamos fazer convênios com todos os estados, estamos dando incentivo para que eles se modernizem, porque requer uma modernização do sistema estadual, e todo mundo quer fazer, porque é melhor: O resultado disso é combate à sonegação; todo mundo tem que pagar tributo, a arrecadação acaba crescendo por conta disso, e aí todo mundo pode ser desonerado, você só vai poder desonerar realmente quando todo mundo pagar tributos, todo mundo paga e paga menos.
[...]: Mas antes disso o IVA de jeito nenhum? É um, dois anos?
Guido Mantega: O IVA, dois anos. Por isso que eu disse, é processo, você vai pondo em prática, pode unificar ICMS antes, por exemplo, definir origem e destino, os créditos de importação que são complicados hoje, que tem a famosa Lei Kandir, tudo isso você vai melhorando, modernizando e, em dois anos, você completa e caminha para esse novo sistema. O Brasil vai ganhar muito!
Alexandre Machado: Só uma perguntinha, é uma pergunta política. O senhor fala como ministro de segundo mandato, não de um final de mandato. O senhor já está fazendo toda essa amarração para o próximo mandato. O que falta para anunciar a continuidade do senhor como ministro da Fazenda?
Guido Mantega: Não falo como ministro do segundo mandato, eu falo como ministro que teve a incumbência de definir uma série de medidas, definir uma série de programas. O presidente quer tê-los antes de começar o segundo mandato, tanto que ele quer anunciar, quer dizer “os instrumentos que eu tenho para levar a economia brasileira a um crescimento vigoroso, são as seguintes medidas”, ele quer anunciar, tem lá as medidas e são anunciadas ainda no primeiro mandato. Então eu, por enquanto, sou um ministro do primeiro mandato.
Paulo Markun: Ministro, vamos para mais um intervalo. Nós voltamos já com o Roda Viva, que tem na platéia esta noite João Pedro da Silva, conselheiro do Conselho Regional de Economia da 2ª Região, de São Paulo; Cássio Solto Santos, médico; Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e mestre em economia pela USP, e Celina Martins Ramalho, conselheira do Conselho Regional de Economia da 2ª Região, de São Paulo. A gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva. Esta noite entrevistamos o ministro da Fazenda Guido Mantega, que está no cargo desde março deste ano, quando então o ministro Antônio Palocci pediu demissão. Ministro, perguntas aqui de telespectadores, e há várias nessa direção. Daniela Landi, de São Paulo, pergunta o seguinte: como a equipe financeira do governo vai reagir ao aumento determinado pelos parlamentares de 91% para os próprios parlamentares quando se começa a discutir o aumento do salário mínimo? E a mesma pergunta, em outra direção, é de José Colinos, que disse: o senhor disse que o Congresso deve arcar com esse vergonhoso aumento, mas o Congresso tem renda própria para isso?
Guido Mantega: Veja, o Congresso é soberano, quando é legislativo, tem autonomia para decidir o aumento de vencimentos, então nós não podemos fazer nada a respeito. O que eu posso dizer é que nós não pretendemos dar recursos adicionais para que eles possam bancar esse aumento de gastos. Aquilo que foi dito pelos presidentes da Câmara e do Senado é que eles farão caber dentro do orçamento que eles possuem, eles vão cortar outras despesas de modo a não aumentar o gasto geral do Congresso. A minha preocupação é que isso desencadeie...
Paulo Markun: [interrompendo] Já desencadeou.
Guido Mantega: ...um processo generalizado de pedido de aumento, porque se você tem um poder que aumenta 90%, é óbvio que tem lá o funcionalismo do legislativo que pode querer aumento também, aí o judiciário também quer, executivo também quer, e aí nós não seguramos mais tudo isso. Essa é a minha preocupação.
Paulo Markun: O governo não pode fazer nada?
Guido Mantega: O que governo pode fazer e vai fazer é aquilo que estará no programa que nós vamos apresentar quinta-feira, que é um limitador para o aumento da folha de salários dos vários poderes, é isso que nós vamos fazer.
Paulo Markun: Isso tem que ser aprovado pelo Congresso?
Guido Mantega: É claro.
Paulo Markun: Por esses mesmos deputados e senadores que aprovaram 90%.
Guido Mantega: Eles estão dizendo que não interferem. Eu fiquei muito preocupado, confesso, com esse aumento. Agora, eu não tenho autoridade para nem autorizar e nem desautorizar, quem sou eu para dizer isso. Agora, 90%...[demonstra preocupação]
José Fucs: Ministro.
Guido Mantega: Diga.
José Fucs: Nesse pacote de medidas que será anunciado na quinta-feira, ou conjunto de medidas, como o senhor prefere, já havia sido apresentado um esboço para o presidente Lula algumas semanas atrás, e o presidente Lula pediu mais ambição no pacote, ele não ficou satisfeito com aquilo que foi oferecido e mostrado naquele momento. O que, de fato, haverá de ambicioso que a gente pode esperar que o pacote trará para melhorar a vida das empresas, dos cidadãos e para destravar o Brasil, como se pretende?
Guido Mantega: A espinha dorsal desse programa é um programa de investimentos robusto, que vai aumentar oferta de infra-estrutura, vai garantir que haverá energia elétrica suficiente, que você vai ter mais portos, mais agilidade para processar importação e exportação, que você vai ter mais rodovias, e melhores condições do que temos hoje, mais ferrovias, e assim por diante. Então, isso por si só, diminui o custo do setor privado, agiliza as operações e tem aquilo que os economistas chamam de economia externa, cria uma externalidade, reduz o custo das empresas. Então, isso é um efeito benéfico, acho que será um programa robusto de investimentos, e nós sabemos que cada real que o setor público investe, atrás dele vem 1,5 real do setor privado. Então, se você investiu 1% do PIB, vêm mais 1,5% do setor privado que se soma ao volume de investimentos que você já tem hoje. Então, é uma sinergia entre o investimento público e investimento privado.
José Fucs: O Estado brasileiro ainda tem condições de estar alavancando investimento no Brasil, mesmo com essas medidas de contenção e de esforço para gerar recursos? Não seria muito mais conveniente abrir espaço para que a iniciativa privada pudesse de fato investir na infra-estrutura livremente, sem as amarras das restrições regulamentares, etc?
Guido Mantega: Mas isso está sendo feito. Meu desejo é o que setor privado fique a testa, libere-se esse processo de investimento no país. O setor público nunca vai poder investir mais do que 1%, 2%, 3% do PIB, no máximo, o restante fica a cargo do setor privado. E para o setor privado, nós temos dado facilidade. No setor elétrico, espero que o setor privado faça todo o investimento, se associe, associação minoritária para o setor público, mas que eles façam o investimento. E para isso nós temos linha de crédito do BNDES e etc. Saneamento, agora nós aprovamos, o Congresso aprovou uma nova lei de saneamento, finalmente. Eu acho que isso é uma regulamentação importante que vai destravar investimentos no setor de saneamento, e nós estaremos aumentando recursos para saneamento nesse programa que vamos anunciar. Saneamento é fundamental porque ele resolve um problema de saúde da população, portanto é um problema social, e ao mesmo tempo estimula indústria de base, a construção civil, etc, então ele tem esse fator.
Marco Antonio Rocha: Ministro, uma das coisas que está travando o investimento privado no Brasil é insegurança jurídica de um lado, e insegurança regulatória de outro lado. Muita gente, neste país, está deixando de investir ou está reduzindo a sua perspectiva de investimento em função disso. O próprio presidente Lula "levantou essa peteca" ao falar das dificuldades junto à Justiça, dificuldades a respeito do meio ambiente e tal, que inibem muitos investimentos privados. O próprio presidente Lula falou isso. O que vocês podem fazer para que essa coisa se...se organize melhor?
Guido Mantega: A segurança jurídica é fundamental e você tem razão. Só que nós avançamos muito, por exemplo, aprovamos a alienação fiduciária, aprovamos a lei de recuperação das empresas, tudo isso são novos mecanismos que dão mais proteção ao crédito. O próprio crédito consignado é um avanço jurídico que dá garantia. Hoje você veja o financiamento de automóveis, porque tem essa segurança, como eles se multiplicaram... alienação fiduciária... e mais, o patrimônio de afetação do setor de construção civil está possibilitando esse boom na construção civil. Já está começando faltar mão-de-obra na construção civil, graças a essas mudanças que dão mais segurança jurídica. Agora, há mais coisas a se fazer, mas estou dizendo que nós já estamos caminhando, alienação fiduciária foi fundamental, você não teria habitacional sem ela. Mas você tem razão, temos que avançar mais nesse sentido. Do ponto de vista da regulação também estamos avançando, nós temos aqui a regulação do setor elétrico, foi feito o modelo para o setor elétrico, alguns podem criticar, mas existe. Existem regras claras, normas, agora existe para o setor de saneamento. Então, na medida do possível, nós vamos aperfeiçoando essas regras de modo a dar mais segurança, mais estabilidade para os investimentos.
Valderez Caetano: Ministro, o senhor é apoiado, dentro do PT, por uma ala dita desenvolvimentista. O senhor é tido como desenvolvimentista. Só que vai completar 1 ano em março que o senhor assumiu o Ministério da Fazenda. E o que a gente vê é que a grande parte do que está aí, inclusive esse crédito consignado, aumento de dinheiro para agricultura familiar, o Bolsa Família, foram decisões do ministro Palocci. Em o que senhor enxerga, se enxerga, diferença do ministro Palocci?
Guido Mantega: Bom, eu sou muito diferente do ministro Palocci, ele tem mais cabelo do que eu, era um pouquinho mais robusto do que eu, parece agora que até emagreceu. E, na verdade, tanto o ministro Palocci quanto eu, nós praticamos, nós implementamos a política econômica do governo, não é política do ministro A ou do ministro B, é uma política que o governo resolveu, o presidente Lula determinou resolver no início e está sendo posta em prática ao longo do tempo. Então, por exemplo, eu fiz um pacote para construção civil, que é uma continuação das medidas anteriores, é uma continuação. Nós desoneramos o IPI sobre uma série de insumos, nós modificamos a TR [Taxa Referencial] para construção civil, nós fizemos várias coisas e continuamos fazendo.
Valderez Caetano: Baixou a TJLP.
Guido Mantega: Baixamos a TJLP.
Marco Antonio Rocha: O que a Valderez observou é o que senhor não imprimiu ainda a sua personalidade. O senhor está administrando uma herança que veio do passado em termos de política econômica, a sua face não apareceu ainda.
Guido Mantega: A herança é uma herança boa.
Valderez Caetano: Segundo mandato do governo, né?
Guido Mantega: Herança é boa porque se você não tivesse eliminado a inflação, se você não tivesse dado segurança, feito essas reformas que nós falamos algumas aqui, fizemos muito mais do que isso, se você não tivesse diminuído a vulnerabilidade externa do país, você hoje não teria um programa habitacional como esse que está se deslanchando. Então o desenvolvimento está vindo, ele já começou, não é? E ele vai acontecer.
[...]: O "espetáculo do crescimento"...
Guido Mantega: A maioria da população brasileira já está usufruindo do "espetáculo do crescimento", vejam as pesquisas que saíram hoje, que saíram ontem.
Paulo Markun: Desculpe, ministro, ela está se referindo à melhora da qualidade de vida que assegura o Bolsa Família.
Guido Mantega: Não só Bolsa Família, o emprego cresceu de forma considerável, a massa salarial está crescendo, quer dizer, que o salário médio começou a crescer. O crédito para a população de baixa renda, cresceu de forma extraordinária. A inclusão, a bancarização já incorporou cerca de 15 milhões de brasileiros, aquele cidadão que não tem dinheiro, não tem recurso, que agora tem lá uma continha, tem um cartão, tem um mínimo de crédito.
Paulo Markun: O senhor acha que é condição mínima necessária para o crescimento?
Guido Mantega: Então eu poderia dizer hoje... já se disse no passado, se não me engano, foi o general, presidente que disse o seguinte: “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.
[...]: Médici! [referindo-se à frase "A economia vai bem, o povo é que vai mal", de Emílio Garrastazu Médici, presidente do Brasil entre 1969-1974, durante o regime militar]
[todos falam simultaneamente]
Guido Mantega: Hoje eu digo o contrário, a economia vai mal e o povo vai bem. Eu diria que hoje nós estamos caminhando para uma situação de convergência, onde a economia será melhor, e a população continuará indo bem. Você não pode ignorar que 70%, 80% da população melhorou a sua condição de vida, tem acesso ao computador, ao comércio...
Marco Antonio Rocha: [interrompendo] Nesse segundo período do presidente Lula, o índice agora...Hoje foram divulgados os índices de apoio popular ao presidente Lula, nunca se viu um presidente no Brasil começar com período de governo com tamanho...
Valderez Caetano: 57%.
Marco Antonio Rocha: ...do índice de aprovação popular. O presidente Lula começa o segundo mandato desse jeito, de modo que com esse apoio, e com essas condições que o senhor está mencionando aí de infra-estrutura, de organização e tal, se não fizer um governo maravilhoso eu não sei quem é que vai poder fazer no Brasil, tem todas as chances para isso. Agora, o que me surpreende, ministro, me perdoe, é que o senhor já estava no governo durante toda campanha eleitoral, todos vocês tinham certeza que o presidente seria reeleito, a única surpresa foi não ter sido reeleito no primeiro turno, vocês sabiam o que governo seria o mesmo, por que só agora que está vindo esse... O que vocês ficaram fazendo durante esse tempo todo que já não prepararam o pacote que vai ser anunciado quinta-feira?
Guido Mantega: Veja, Marco Antonio, em primeiro lugar, constatar isso, que há todo esse apoio da população ,é porque ela está avaliando o primeiro governo, significa que ela está fazendo uma boa avaliação do primeiro governo, significa que ela melhorou de vida, a vida da população melhorou.
Marco Antonio Rocha: É verdade, é verdade.
Guido Mantega: Então isso é uma realidade. O cidadão de baixa renda pode comprar um computador, um programa especial que foi feito, desoneração tributária, mais um financiamento especial de longo prazo, o cidadão tem acesso ao computador, acesso a bens de consumos duráveis de modo geral, daqui a pouco também ao automóvel e à casa, então isso é um grande avanço. Muita coisa foi feita no primeiro mandato. Assim que eu entrei no governo nós tínhamos pela frente a crise da agricultura, em março deste ano [2006]. A agricultura estava em crise, não está mais em crise, em parte pelas medidas que nós tomamos, em parte porque houve uma recuperação dos preços de algumas commodities, alguns grãos.
Delmo Moreira: E quais medidas, ministro, o senhor acha que foram importantes para recuperação da agricultura?
Guido Mantega: Na agricultura nós refinanciamos vários créditos, só que não no longo prazo como se fazia no passado - você dava mais 25 anos para pagar, o sujeito nunca paga - nós financiamos por 5 anos e só os créditos em dificuldades 2004 e 2005, que, portanto, tinham uma responsabilidade. Nós demos mais recursos para a compra antecipada da safra, então puxamos os preços para cima, começamos a criar um seguro rural de modo a dar uma garantia, estamos criando mecanismos anticíclicos para antecipar e precaver a crise. Além, disso, montamos um pacote cambial que começa a dar resultados, as coisas demoram para dar resultados, mas aquele pacote que permite que uma parte do recurso da exportação fique lá fora, demorou um pouco para ser normatizado, agora já vai começar a fazer efeito. Nós desburocratizamos o controle da importação e da exportação, tinha um monte de guia que não vai precisar mais, permitimos o fechamento do câmbio na mesma hora, no mesmo dia, então não tem perda, diminuiu a perda, é uma série de medidas. Então fizemos o pacote cambial, fizemos o agrícola e fizemos o pacote de construção civil, que é um setor que está indo muito bem, e ainda vai...
[todos falam simultaneamente]
Guido Mantega: Eu acho que para esse período até que foi muita coisa. Depois começa a campanha eleitoral, a campanha sempre atrapalha um pouco o funcionamento do governo, nós procuramos funcionar normalmente, mas sempre tem um outro ritmo. Agora terminou a campanha, é a oportunidade de você preparar o funcionamento do segundo governo. Nós estamos nos antecipando, porque se fosse uma eleição de um novo presidente, isso ia levar um ano, você ia ter um período de adaptação, formação do ministério, conhecimento da realidade.
Paulo Markun: Isso talvez explique parte da disposição dos eleitores de manter o presidente.
Guido Mantega: Exatamente.
Paulo Markun: O senhor é a favor da reeleição?
Guido Mantega: Como nós somos um governo que continua, uma série de coisas continuarão, não é que você está mudando tudo. Então, por exemplo, a política monetária e cambial continua só que agora numa nova fase, a fase de inflação mais baixa, a fase que você alcançou a meta que você queria alcançar de 4,5%, não precisa fazer aquele esforço que você fazia antes, então a política monetária se torna mais flexível, mas ela continua, política cambial também continua, a política de câmbio flexível, política de meta de inflação.
Paulo Markun: Não há uma distância enorme entre isso, o que PT, digamos, pratica no governo, e aquilo que o PT preconizava quando era oposição? Não há uma diferença muito grande, inclusive, em relação, digamos, a uma manutenção de um sistema que era altamente criticado?
Guido Mantega: Mas as coisas mudam, Markun. Se você fazia, você tinha uma política que ela estava adequada a uma determinada circunstância, determinados cenários, determinados problemas, você tem outros problemas, outros cenários, outras circunstâncias. Não tem jeito, você tem que mudar, se você ficar igual, se você pensar da mesma maneira que você pensava nos anos 60, preconizando os mesmos instrumentos do anos 60, você ficou para trás no tempo, você não viu o que aconteceu. No mundo globalizado, a economia brasileira é economia aberta que não era naquele tempo, é uma economia que faz parte do mercado internacional, então, muitas coisas mudaram, e nós tivemos que mudar. Acho que a mudança é positiva, negativo é você ficar igual, ficar estagnado, ficar parado no tempo.
Delmo Moreira: Falando em mudança, muda a equipe? Agora está se falando na saída do Bernardo Appy [secretário executivo do Ministério da Fazenda até 2007, quando foi nomeado secretário de Política Econômica, por Guido Mantega].
Guido Mantega: Não, essa história do Bernardo Appy é mera intriga, não sei quem está tentando fazer uma intriga dele comigo. Bernardo Appy foi nomeado por mim, portanto, é uma pessoa da minha confiança e não poderia propor nada, ele não era, ele não era mais secretário executivo do Palocci, que era o Murilo Portugal, então ele não era mais. Conheço o Bernardo Appy há muito tempo, ele é economista do PT há muito anos, muito competente, muito esforçado, trabalha "que nem um condenado", tem energia e muito conhecimento. Ele foi professor da PUC (-SP) [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo] no tempo que eu também fui professor da PUC, então nós temos toda a sintonia possível, eu só o nomeei, porque eu tenho plena confiança nele, então, tudo aquilo que ele faz é porque nós estamos de acordo, se eu não tivesse de acordo ele seria demitido.
Delmo Moreira: Quanto à Previdência, ministro?
Guido Mantega: Não teria esse conflito, é uma pessoa que eu coloquei e posso tirar.
Delmo Moreira: Mas quanto à Previdência? Ele defendeu uma reforma mais pesada da Previdência.
Guido Mantega: Isso aí é fofoca.
Delmo Moreira: Ele defendeu publicamente.
Guido Mantega: Nós fazemos cenários, não sei se você é economista, mas economista faz cenário, vamos discutir uma reforma mais profunda, menos profunda, com reforma, sem reforma, com gestão, sem gestão, várias alternativas são analisadas, e o papel dele e de outros membros da equipe, por exemplo, Júlio Almeida que está aqui, secretário de Política Econômica, todos trabalham na mesma equipe e todos eles fazem as mesmas coisas, tenho absoluta confiança em todos eles, são todos pessoas que eu nomeei, e os que estavam lá e eu mantive, que é uma minoria, é porque eu também tenho confiança, o dia que eu não tiver eu demito, tiro e ponho outro lá.
Paulo Markun: Ministro, vamos para mais um intervalo. A entrevista desta noite é acompanhado na platéia por [...], diretor do Departamento de Comunicação da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], Gilson de Lima Garófano, vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil e professor da USP e da PUC-SP; Camilo Barbieri, médico; Carlos Eduardo Oliveira, conselheiro do Conselho Regional de Economia da 2ª Região, de São Paulo; e Júlio Sérgio Gomes de Almeida, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. A gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com Roda Viva entrevistando esta noite o ministro da Fazenda Guido Mantega. Ministro, o professor de economia da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], fundador da Facamp [Faculdades de Campinas], Luiz Gonzaga Belluzzo, tem uma pergunta sobre desenvolvimento brasileiro. Vamos ver.
[VT com Luiz Gonzaga Belluzzo]: Ministro Guido, boa noite. Todos nós sabemos que a palavra desenvolvimentismo voltou à moda, mas sabemos também que este termo designa um episódio peculiar na vida dos países mais atrasados, é típico de meados dos anos 50. Como o senhor definiria de maneira mais adequada, diante das novas condições mundiais, um projeto de desenvolvimento para o Brasil, em linhas gerais?
Guido Mantega: Bom, na verdade, o que nós queremos implementar no Brasil não é o desenvolvimentismo dos anos 60, né? Mesmo porque era um tipo de crescimento que concentrava renda, que excluía os trabalhadores, esperava a renda crescer para depois distribuí-la. E o que nós queremos implementar hoje é o que eu chamaria de social-desenvolvimentismo, um crescimento mais arrojado da economia, mais rigoroso, que ao mesmo tempo gere mais empregos. Então, você tem que estimular, por exemplo, pequena e média empresa, dar mais crédito, reduzir tributação, e estimular segmento, estimular agricultura familiar, pequeno agricultor que gera muito emprego, e ao mesmo tempo que distribua a renda, aí é importante a ação do Estado, porque muitas vezes você precisa complementar isso, complementar esse crescimento, a geração de emprego, também com programas sociais emergenciais como é o caso do Bolsa Família.
Paulo Markun: O senhor acha que essa emergência acaba algum dia, emergência do Bolsa Família?
Guido Mantega: Na medida em que você aumenta o nível de emprego e oferece oportunidade para essas famílias, a tendência é demandar menos esse programa. Esse programa foi feito para aquelas famílias que imediatamente não tinham o suficiente para sobreviver, para se alimentar, então se resolveu esse problema de forma emergencial. Agora as famílias têm ambições maiores, não querem ficar ganhando cem, cento e poucos reais por mês, evidentemente. Na medida em que você apresenta possibilidade de um emprego, elas vão deixar de ganhar o Bolsa Família e vão ganhar três vez mais, quatro vezes mais a partir de uma renda, de um emprego. Por exemplo, a construção civil ou mesmo a construção pesada, quando ela se expande, ela contrata muita mão-de-obra, por isso que a construção civil é importante, porque tem esse efeito social de gerar muita mão-de-obra.
Alexandre Machado: O senhor não acredita então que esse Bolsa Família vai se transformar no que o senador Suplicy [Eduardo Matarazzo Suplicy, senador do PT pelo estado de São Paulo] defende, que é a renda mínima de cidadania em que, na verdade, as pessoas não deixariam de receber esses subsídios do governo, mas todos os cidadãos receberiam uma renda mínima?
Guido Mantega: Eu não sei, são duas coisas diferentes. Uma coisa é o Bolsa Família, que enfrenta uma situação emergencial, e hoje, chegou a 11 milhões e tantas [famílias]. Então, são 40 milhões de pessoas que estão sendo beneficiadas com esse programa. Eu acredito que pelo andar da carruagem, pela evolução das coisas, principalmente nessas regiões onde o Bolsa Família é mais presente - o Nordeste, o Norte do país, que são regiões que o PIB está crescendo muito mais rapidamente, e, portanto, os empregos estão aumentando de forma considerável - certamente vai baixar a demanda, então você pode ter, em vez de 11, dez, nove, depende da necessidade, por enquanto o governo pretende mantê-lo porque tem exercido um efeito muito favorável, muito positivo. Mas, ao longo do tempo o cidadão vai preferir o emprego, um rendimento maior, acesso ao mercado de trabalho mais amplo, ao mercado de consumo também. Então acredito que a tendência é diminuir, e aí, depois, poderá ser transformado - porque é outra concepção, a do subsídio, garantir uma renda - mas é justamente por esse segmento mais pobre da população. O que nós queremos é acabar com a miséria, e já com essa política que foi feita nesses anos, alguns milhões de miseráveis deixaram de ser miseráveis, eles passaram para o estrato superior, então a necessidade já diminuiu.
José Fucs: Ministro, não seria muito mais adequado, talvez, e se pensando no programa de geração de renda, adotar o programa de micro-crédito como o que foi implementado pelo Yunus [Muhammad Yunus, criador do micro-crédito - ver entrevista com Yunus no Roda Viva], ganhador do Prêmio Nobel [2006], em Bangladesh? É uma coisa que permite a geração de uma atividade auto-sustentada e que, ao longo do tempo, vai dar condições de aquela pessoa evoluir economicamente, crescer, melhorar sua renda, em vez do Bolsa Família, que acaba servindo como um fator de acomodação?
Guido Mantega: Eu acho que são necessários os dois instrumentos, o Bolsa Família, porque o cidadão está morrendo de fome, a família não tem o que comer, tem que colocar o filho na escola e aí você tem que dar um auxílio imediato, aumento do micro-crédito também é fundamental e nós fizemos isso. Se você fizer uma contagem do volume de crédito que foi liberado para pessoa física, para micro, pequeno empreendedor, nós superamos os números do Yunus. Os números do Yunus, se eu não me engano, dá 5, 6 bilhões de dólares, nós superamos. Só o BNDES libera, para micro e pequena empresa, cerca de 12 bilhões de reais, que dá mais ou menos isso, se você somar mais programas de micro-créditos que nós temos em vários dos nossos bancos, nós hoje já temos mais crédito. Você tem razão, as duas coisas são importantes. E essa bancarização que eu mencionei nada mais é do que um pequeno crédito que se dá a uma população de muito baixa renda, cidadão que não tinha acesso ao banco, mas tem um carrinho de pipoca, tem uma atividade, faz sanduíche na esquina, ele recebe 600 reais. Com 600 reais ele muda equipamento, aumenta produtividade, daqui a pouco ele contrata uma pessoa, isso está sendo feito.
José Fucs: A gente sabe que os empregos das grandes empresas dificilmente - que foram cortados nos últimos anos no Brasil e em outros países - dificilmente voltarão, por conta dos ganhos tecnológicos, de eficiência, e etc. E o que se pretende fazer para estimular o empreendedorismo que, nos Estados Unidos, acabou sendo fator responsável, na década de 90, pela geração de quase 30 milhões de empregos?
Guido Mantega: É. Nós conseguimos criar mais de nove milhões de postos de trabalho nesses quatro anos de governo. Agora, é importante estimular o empreendedorismo, você tem razão. Então existem, por exemplo, venture capital, empresas de venture capital, que foram criadas, por exemplo, no BNDES. O BNDES tem uma linha de crédito especial para empresas de venture capital. Só para traduzir para o telespectador, são empresas que se arriscam a desenvolver uma nova tecnologia, é um pequeno empreendedor que descobre uma nova modalidade, uma nova tecnologia, purificação da água, por exemplo, com novo método, mas ele não tem dinheiro para levar adiante aquela descoberta, aquele empreendimento, então você tem fundo venture capital, o BNDES coloca recursos lá, financia esse empreendedor, se torna sócio do empreendedor. Se ele for bem-sucedido, lucra com ele, se ele não for bem-sucedido, se perde.
José Fucs: Mas num nível mais maciço para milhares, para centenas de milhares de pessoas, talvez milhões, o que pode ser feito no sentido de estimular o espírito empreendedor do brasileiro que aparece nas pesquisas internacionais como um dos mais altos do mundo?
Guido Mantega: Bom, o espírito empreendedor do brasileiro vai ser estimulado, em primeiro lugar, como um mercado consumidor, ele tem que produzir alguma coisa para poder vender. Segundo lugar, ele tem que ter condições para desenvolver uma tecnologia, e nós criamos a Lei de Inovação, recém aprovada no Congresso. Ela dá facilidade, por exemplo, a um grupo de universitários que fizeram uma descoberta, que tem um novo procedimento produtivo. Eles poderão conseguir recursos para levar adiante esse empreendimento. Então, a Lei de Inovação é muito importante, você tem os fundos setoriais do Ministério da Ciência e Tecnologia, cuja verba hoje alcança três bilhões de reais, quando nós começamos dava menos de um bilhão.
[...]:90% são para....
Guido Mantega: Não senhor, três bilhões liberados, tem algum outro parado.
Vinicius Torres Freire: 40%.
Guido Mantega: Pois é. Mas o que se tem que olhar nesse copo d'água, a parte que está cheia, não a parte que está vazia, e vai enchendo. Quer dizer, 13 bilhões de reais para ciência e tecnologia é um avanço de mais de 100% em relação ao recurso que você tinha. Então, você está avançando. Então ciência e tecnologia, estímulo à inovação, ao empreendedorismo, isso é fundamental, porque hoje o mundo compete por tecnologia. O que nós descobrimos é que o pequeno pode também participar dessa competição e ser bem sucedido.
Vinicius Torres Freire: Só uma pergunta de interesse da economia popular. Está se falando muito da redução dos juros pagos da cardeneta de poupança, porque afinal a taxa de juros básica da economia vai cair e pode chegar a 8% no final do ano. Tirando imposto, vai ficar mais ou menos o que a poupança rende.
Guido Mantega: Então você é um otimista, né?
Vinicius Torres Freire: Real no final do ano.
Guido Mantega: Uma tendência de queda. É bom que registrem o que Vinicius está dizendo! [sorri]. Eu compartilho do seu otimismo, estou com você.
Vinicius Torres Freire: Mas vai estar nessa mesma faixa, porque vai estar na mesma faixa de juros, o risco é da faixa de investimento, a poupança tem mais cobertura. Então, está se discutindo a redução do pagamento do nível da taxa de poupança, como está isso no governo, e quando pode se esperar uma mudança para isso? No final do ano?
Guido Mantega: De fato, à medida que as taxa de juros estão caindo na economia, e a inflação está diminuindo, essa remuneração da poupança se tornou talvez excessiva. Nós vamos, em algum momento, ter que lidar com isso, não é fácil, porque a poupança tornou-se o totem da economia brasileira, é uma das instituições mais duradouras e mais seguras, então, precisa-se de muita delicadeza para mexer com isso.
Vinicius Torres Freire: Está na mesa do presidente ou não?
Guido Mantega: Não, não está na mesa do presidente.
Vinicius Torres Freire: Discute isso antes do final do ano ou não?
Guido Mantega: Não sei, é um problema que temos que enfrentar em breve.
Paulo Markun: Ministro, o nosso tempo está acabando, eu vou fazer uma última pergunta, que é a seguinte: o senhor é parte integrante da equipe econômica de um partido que não tinha equipe econômica, partido que tinha várias, inha e tem várias correntes, e tinha alguns militantes e dirigentes que se dedicaram a essa atividade econômica, do pensamento econômico, como é o caso do senhor, o caso do senador Aloizio Mercadante [ver entrevista com Mercadante no Roda Viva], etc. Como é possível, digamos, seguir uma regra tão precisa, numa linha tão determinada - e muitos vêem uma linha tão parecida quanto a do governo anterior - sendo o representante de um governo que tem o Partido dos Trabalhadores como sua sustentação principal?
Guido Mantega: Primeiro lugar, nós sempre tivemos equipes econômicas, sempre tivemos muitos economistas.
Paulo Markun: Eu digo "equipe econômica" no sentido que era usado, no governo Fernando Henrique, com esse tom pejorativo.
Guido Mantega: Antes de ir para o governo você não tem equipe, você tem um grupo de economistas, e nós sempre tivemos um grupo grande, que sempre discutiu as questões brasileiras. Você citou o Aloizio Mercadante. Maria da Conceição Tavares, Paulo Oliveira Batista, já foi desse grupo também, temos várias pessoas, economistas de peso... Bernardo Appy, que continua da ala mais jovem. Então, nós sempre discutimos e formulamos propostas econômicas. Não teve nenhuma dificuldade quando nos tornamos governo, aliás, começamos em instâncias municipais e estaduais. Eu, por exemplo, comecei a trabalhar no governo da Luiza Erundina, em São Paulo.
Paulo Markun: Sim, diretor de Orçamento, não é?
Guido Mantega: Diretor de Orçamento. Então ganhei experiência de orçamento...
[...]: Trabalhou com Almir [...]
Guido Mantega: Almir [...] era meu colega, aliás, um grande quadro que está aí, e que dá consultorias, que ajuda, é uma pessoa muito inteligente, conhece muito finanças públicas. Então, não nos faltam quadros e não nos falta reflexão, e nós sabemos quais são os instrumentos adequados que você tem que utilizar diante de um determinado cenário. Por exemplo, você pegava economia brasileira em 2003, sem reserva em caixa, menos de 15 bilhões para uma dívida externa de 200 e tantos bilhões, com risco internacional sério, a inflação voltando a subir. Então, qual o tratamento que se dá para essa economia? Você tem que usar instrumento específico, não vai usar instrumentos do passado que não respondem a essa situação. Conseguimos ser bem sucedidos, conseguimos reverter esse quadro, conseguimos dar estabilidade, não criar nenhum ataque especulativo, que poderia haver. Se houvesse um ataque especulativo, nós estávamos perdidos ali, com 15 bilhões em caixa, um ataque de 100 bilhões você estava perdido. Aí acontecia no Brasil que o aconteceu na Argentina em 2001, e, no entanto, isso tudo foi revertido. Hoje nós estamos numa situação confortável, significa que o nosso instrumental foi eficiente, hoje o Brasil - pergunta lá fora, veja o rating [avaliação feita por empresas especializadas sobre a capacidade de um país ou uma empresa saldar seus compromissos financeiros] que nós temos, nas várias empresas de rating - é um país confiável, é um país seguro.
Valderez Caetano: Mas a Argentina está crescendo 8%, ministro.
Guido Mantega: Mas Argentina é outro país, com outras características. Tem gente que compara Brasil com Haiti, que é absurdo. Com o Haiti, ou com a China, ou com a Índia.
[...]: Mas só o crescimento, ministro.
Guido Mantega: Só o crescimento, mas você isola a variável e esquece todo o resto. Esquece toda a miséria, esquece que não tem estrutura, esquece que nós já crescemos no passado, aquilo que Índia e a China não cresceram no passado, estão crescendo agora. [Esquece] Que é uma disparidade tremenda, por exemplo, jurídica. Que segurança jurídica existe em alguns desses países? O Brasil oferece muito mais, converse com os empresários. O Brasil é um país que evoluiu. Acho que o nosso instrumental foi eficiente, tanto que trouxemos o país para essa situação em que ele se encontra agora, acho que fomos bem sucedidos nessa tarefa.
Paulo Markun: Ministro, muito obrigado pela sua entrevista, obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa. E na próxima segunda-feira, dia 25, logo depois do Natal, no dia de Natal, teremos aqui uma entrevista com o empresário, advogado e homem de cultura, José Mindlin. Ótima semana, bom Natal e até lá.
Guido Mantega: Obrigado.