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Memória Roda Viva

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Paulo Renato de Souza

13/2/1995

O então ministro da Educação defende as novas medidas federais para as escolas, do maternal às universidades, entre essas a implantação de uma rede de TV educativa com cursos de capacitação e aperfeiçoamento

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Heródoto Barbeiro: Boa noite. O Brasil tem cerca de 330 mil escolas; somando-se as instituições públicas e as particulares. Nelas, estudam 42 milhões de alunos, do maternal até a universidade. São números impressionantes, mas há outras estatísticas que são de arrepiar: é também aqui, neste país, que quatro milhões de crianças de sete a 14 anos de idade nunca sentaram em um banco escolar. Um em cada cinco brasileiros não sabe ler. De cada cem alunos matriculados na pré-escola, só quatro chegarão à universidade. No centro do Roda Viva, encarregado de mudar esse quadro, o ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Ex-reitor da Unicamp, secretário da Educação em São Paulo e um dos mais ativos coordenadores do plano de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso [eleito presidente em 1994 pelo PSDB, foi reeleito em 1998, depois de aprovada a Emenda Constitucional número 16, permitindo a reeleição], Paulo Renato de Souza acabou de anunciar uma lista de ousadas medidas para a educação. Nela consta, entre outros, o lançamento de um programa de aperfeiçoamento dos professores utilizando satélites. O ministro quer ainda descentralizar a distribuição dos recursos das 290 mil escolas públicas e acabar também com o vestibular. Para entrevistar o ministro Paulo Renato de Souza, nós convidamos os jornalistas: Leonardo Trevisan, jornalista do Estado de S. Paulo; Paula Alzugaray, repórter da revista Isto É; Joaquim de Carvalho, repórter da revista Veja; João Vitor Strauss, diretor de redação da revista Nova Escola; Vinicius Torres Freire, repórter da Folha de S. Paulo; o José Paulo Kupfer, editor chefe do jornal Zero Hora aqui em São Paulo, e Ana Maria Sanches, diretora da Casa de Produção e Comunicação. Este programa Roda Viva é transmitido em rede nacional simultaneamente por 27 emissoras de televisão que cobrem todo o país. E hoje também temos a participação da TVE do Rio de Janeiro e da TV Nacional de Brasília. Ministro, boa noite.

Paulo Renato de Souza: Boa noite.

Heródoto Barbeiro: Ministro, entre tantas questões importantes que o senhor vai ter que mexer na educação brasileira,  gostaria de que inicialmente o senhor falasse um pouquinho a respeito do nosso ensino universitário, já que o senhor foi também reitor da Unicamp. Ministro, como o senhor pretende acabar com a chamada indústria dos diplomas que existe no Brasil? E mais: eu gostaria de que o senhor dissesse também se, para acabar com essa indústria dos diplomas, há necessidade de se promover aí uma privatização do ensino superior no Brasil.

Paulo Renato de Souza: Bom, na verdade nós não pensamos em nenhum esquema de privatização do ensino superior, não é? Acho que na área da universidade é onde mais claramente aparece um problema que nós enfrentamos hoje no Ministério da Educação e que foi o produto da evolução do sistema educacional e da atuação do governo federal em relação à educação. O ministério tem hoje uma função mais credenciadora do que avaliadora, não é? E nós temos que mudar essa atitude, o ministério e o governo federal têm que ser muito mais avaliadores do que credenciadores. Na medida em que nós formos mais avaliadores do que credenciadores e conseguirmos vincular o funcionamento das universidades, dos cursos superiores ao seu desempenho acadêmico, nós vamos eliminar a questão da indústria dos diplomas, tenho certeza.

Heródoto Barbeiro: Agora, ministro, quer dizer que no passado o ministério, assim, funcionava mais como um cartório?

Paulo Renato de Souza: Eu diria que sim. Essa era a acusação que se fazia ao Conselho Federal de Educação, tanto que o ministro Murilo Hingel [ministro da Educação e do Desporto no governo Itamar Franco (período: 1992-1994)], acho que em boa hora decidiu pelo seu fechamento, não é? E há uma proposta, já no Congresso, de revisão da estrutura do conselho e – nós acrescentaríamos até – de revisão das funções do conselho, para que no futuro, deixe o caráter realmente cartorial. Porque a universidade ou a faculdade, uma vez credenciada e transformada em universidade, ela praticamente tem uma coisa permanente, não é? Uma licença permanente de atuação, o que não está de acordo com o próprio sistema brasileiro, que é bastante cartorial na própria concepção histórica. Diploma no Brasil vale muito, o que não ocorre em outros países. O diploma, no Brasil, dá o direito de exercer uma profissão, coisa que nos outros países não é tão clara, não é? Portanto, se o diploma no Brasil dá o direito de exercer uma profissão, nós temos que cuidar realmente da qualidade desse diploma.

Heródoto Barbeiro: Joaquim de Carvalho.

Joaquim de Carvalho: Ministro, em São Paulo tem universidades em que até gente que teve açougue hoje é reitor de universidade  Tem muita universidade hoje formando pessoas e com a possibilidade de criar cursos sem nenhuma restrição, quer dizer, o senhor fala que pretende mudar a finalidade do Conselho Federal de Educação, evitando que novas universidades sejam criadas. Mas o que é possível fazer para acabar com essas universidades ou para melhorar essas universidades agora? Porque são muitas. Hoje, no interior, você tem universidades em cidades de quarenta mil habitantes, cinquenta mil habitantes. Acho que o Brasil deve ser o país que mais tem universidade no mundo, não sei se o senhor tem esse levantamento. E nós sabemos que não tem professores com doutorado suficiente para tantas universidades. O que é possível fazer para acabar com essa farsa do ensino superior, da universidade?

Paulo Renato de Souza: Acho que nós estamos em uma excelente oportunidade para atacar o problema de frente, justamente porque nós estamos com a oportunidade, junto com o Congresso, de redefinir o Conselho Federal de Educação, não é? E, ao redefinir o conselho, acho que é possível estabelecer as normas, a forma pela qual nós vamos partir da situação atual para uma própria revisão de situação, não é? Fazendo, por exemplo, a própria legislação prever o recredenciamento e a avaliação da universidade, portanto acho que, se nós formos seguir a legislação, nós temos um caminho para melhorar a qualidade do que já existe hoje, que tenho...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Essa avaliação atingiria as universidades federais também?

Paulo Renato de Souza: Também, obviamente.

Leonardo Trevisan: E o corporativismo dos professores?

Paulo Renato de Souza: Mas eu diria [que] já, hoje, a universidade tem uma consciência...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: ...que é difícil avaliar professor, não é ministro?

Paulo Renato de Souza: É, mas acho que nós temos já uma experiência de avaliação na pós-graduação que é boa, eu diria uma experiência que outros países da América Latina querem adaptar e ter a assistência do Brasil em relação à avaliação da pós-graduação. Agora, avaliar graduação é diferente. A avaliação da graduação não pode ser feita com os mesmos critérios da pós-graduação. Não é pelo número de publicações. Nós temos que avaliar a qualidade de ensino. Eu diria que é teste em aluno, exame em aluno, porque isso é o que vai mostrar realmente se a faculdade, a universidade está funcionando ou não do ponto de vista do ensino.

Joaquim de Carvalho: Ministro, ouço falar em avaliação já há algum tempo e isso não foi feito, quer dizer, isso o professor Goldemberg [secretário da Ciência e Tecnologia (1990-1991), ministro da Educação (1991-1992) durante o governo de Fernando Collor (1990-1992), secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo (2002)] falava, o professor Chiarelli [ministro da Educação (1990-1991) no governo Fernando Collor (1990-1992), também foi deputado federal (1979-1982) pelo PMDB e senador (1983-1991) pelo PFL] chegou a falar. Por que não é feita a avaliação? Depois da avaliação, diria o seguinte: olha, tal universidade é nota zero, não faça inscrição para o vestibular daquela universidade. Existe algum lobby? Porque nós sabemos que tem senadores proprietários de universidades.

Paulo Renato de Souza: Eu diria que... Não sei as razões, na universidade, por que não se fez a avaliação. Mas, de fato, no primeiro grau, já houve duas avaliações feitas pelo ministério e vamos falar disso depois quando tratarmos do primeiro grau. Mas, na questão da universidade, de fato, o que nós temos é a avaliação da pós-graduação, como disse, não é? Mas não tenho nenhuma dúvida, isso está no nosso programa de governo, um programa que foi discutido com o presidente. Ele o subscreve totalmente, um programa em que a sociedade votou, um programa onde está claramente a idéia de que nós temos que avaliar as universidades.

Joaquim de Carvalho: Mas há resistência disso? Isso pelo contato que o senhor já teve nesses...

Paulo Renato de Souza: Não senti até o momento. É só um mês e pouco, não senti essa resistência...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Mas as aulas não começaram, não é, ministro?

Paulo Renato de Souza: As aulas não começaram, mas eu diria: nós vamos fazer, porque acho que a sociedade... Essa pergunta que vocês estão fazendo é o que escuto em todo lugar, não é? Há uma grande insatisfação com o sistema universitário no Brasil pela sociedade.

Joaquim de Carvalho: Veja bem, ministro, até o final do seu mandato, o senhor pode assumir esse compromisso aqui...

Paulo Renato de Souza: Assumo.

Joaquim de Carvalho: ...de que até o final do seu mandato vai ter avaliação das universidades públicas e privadas?

Leonardo Trevisan: Nós vamos ter avaliação das universidades?

Paulo Renato de Souza: Assumo. Públicas e privadas. E oxalá [tomara que] eu possa começar isso este ano.

Heródoto Barbeiro: Ministro, só para dar um espaço para o telespectador antes de passar para o José Paulo. A nossa telespectadora de São Paulo, dona Alessandra Alestese, quer saber do senhor o seguinte: se nós poderemos utilizar no Brasil uma experiência feita nas universidades argentinas, que acabaram com o vestibular, se isso também faz parte das metas do senhor enquanto ministro da Educação.

Paulo Renato de Souza: No sentido argentino, não. Não terminaremos com o vestibular no mesmo sentido argentino, que é o ingresso livre, em que nós temos uma universidade, em Buenos Aires, com mais de duzentos mil alunos. Isso é impossível e é contra aquilo que nós sempre pregamos em matéria de universidade. Uma universidade tem que ser seletiva; o problema é discutir a forma de seleção, não é? E é possível estabelecer formas alternativas de seleção,  [diferentes] dessas do atual vestibular. Como, aliás, eu já, desde o início, coloquei como uma possibilidade: por exemplo, utilizar uma coisa que nós vamos fazer, não por causa da universidade, mas por causa do segundo grau, que é a avaliação dos alunos no final do segundo grau. E [fazer] com que essa avaliação universal dos alunos possa servir como base para que as universidades, na sua autonomia, adotem esse resultado como um dos critérios de ingresso na universidade, como, aliás, ocorre em outros países.

Heródoto Barbeiro: Vamos à pergunta agora do José Paulo Kupfer.

José Paulo Kupfer: Eu queria voltar para o começo e começar do ensino básico, porque acho que [é] daí que a gente pode chegar nos problemas do ensino superior. Durante muito tempo nesse país achou-se que o problema do nosso ensino básico era a evasão. Os alunos, as crianças que entravam na escola e deixavam de freqüentar a escola. O problema aí não era bem da escola. E aí, hoje em dia, já se sabe melhor – parece que até há um consenso nesse sentido – que o problema da escola no primeiro grau é [o] da repetência. Se não me engano, os números são confusos nessa área, mas metade dos ingressantes na primeira série do primeiro grau repetem de ano. O que explica isso e como isso pode ser atacado em um processo de quatro anos?

Paulo Renato de Souza: José Paulo, me permita antes de entrar na resposta. Eu gostaria de esclarecer um ponto. Na introdução, quando mencionou o número de quatro milhões de alunos fora da escola, você disse [haver] quatro milhões de alunos nunca freqüentaram a escola. Não é, digamos assim... a frase não é totalmente correta, porque o que ocorre? Quatro milhões de alunos, na faixa de sete a 14 anos, estão fora da escola. Muitos deles já freqüentaram por muitos anos e a abandonaram justamente,...em parte, uma causa importante é a repetência, não é? E alguns não conseguiram entrar. Aqueles entre sete e 14 anos que estão fora da escola, em geral... os cortes de idade que concentram esses números são os de sete, oito anos e 13, 14 anos.

José Paulo Kupfer: Por quê?

Paulo Renato de Souza: As de 13, 14, porque já desistiram; repetiram tanto, que já foram embora. E [as de] sete e oito não entraram, justamente porque a primeira série está tão congestionada pela repetência, que não conseguem a vaga e só vão conseguir com oito ou nove anos...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Caso eu esteja errado, são quase 12 anos em média para completar o primeiro grau, é isso?

Paulo Renato de Souza: Os que completam primeiro grau no Brasil levam em média 11 anos e meio, não é? Esse é um dado impressionante, porque significa o seguinte...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: [Qual] o custo disso?

Paulo Renato de Souza: Tendo esse dado presente, nós nos demos conta de que, na verdade, estamos usando 50% a mais de recursos do que precisaríamos para o mesmo resultado, não é? Isso é o que parece.

José Paulo Kupfer: Quer dizer, a gente pode dizer que não faltam escolas e não faltam verbas, nós estamos é desperdiçando em vários sentidos...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Em geral, eu diria que isso é uma afirmação verdadeira, no sentido de que nós poderíamos obter um resultado muito melhor com os recursos que nós já aplicamos na educação.

José Paulo Kupfer: Que primeira medida, ministro, o governo pode tomar para começar a enfrentar, a solucionar esse problema?

Paulo Renato de Souza: Bom, acho que há várias medidas, não é uma só...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Não é uma antena parabólica?

Paulo Renato de Souza: Não.

José Paulo Kupfer: Provavelmente.

Paulo Renato de Souza: Não...

Ana Maria Sanches [interrompendo]: Mas está no programa.

Paulo Renato de Souza: Mas também...

José Paulo Kupfer: E não é a primeira talvez.

[risos]

Paulo Renato de Souza: Em educação, acho que o que os dois anos na secretaria me ensinaram – e depois na Unicamp, mas especialmente os dois anos de secretaria –, primeiro, que não há panacéia. Não existe uma coisa que seja milagrosa, que solucione o problema da educação. A gente percorre o interior do estado de São Paulo e vê os esqueletos de todos os projetos educacionais milagrosos que estão aí em todas as escolas.

José Paulo Kupfer: Nos armários...

Paulo Renato de Souza: Estão nas escolas fisicamente. Agora, é preciso, atacar, colocar a escola como centro da atenção. O que o governo federal pode fazer desde o momento em que ele não rege as escolas, não tem gerência sobre as escolas? Ele pode, junto com os estados, oferecer as condições para que as escolas funcionem melhor e o presidente Fernando Henrique mencionou no seu discurso na semana passada os cinco pontos que são a nossa prioridade do primeiro grau, que é conseguir que os recursos cheguem à escola, ou seja, levar os recursos diretamente para a escola e entregar diretamente na escola os recursos federais, não é? Isso nunca foi feito no Brasil, muito importante que se diga. Isso já foi feito em São Paulo, quando eu era secretário da Educação, e em Minas Gerais, há dois anos, no governo anterior, e que vai continuar sendo agora...

José Paulo Kupfer: Deixa tentar complementar, sem querer cortar, mas cortando...

Paulo Renato de Souza: Já cortando...

José Paulo Kupfer: É. Concretizar um pouco isso. Por quantas mãos um recurso que sai lá de Brasília, em média, padrão, típico, passa até chegar, se é que chega, na escola lá no interior?

Paulo Renato de Souza: Olha, eu estava aqui antes mostrando ao João Paulo... Um gráfico de todos os caminhos e as coisas que tem que ser feitas...

José Paulo Kupfer: E dá mais ou menos um sessenta centímetros.

Paulo Renato de Souza: Uns sessenta centímetros de papel ali, com todos os quadradinhos onde ele passa, não são? Os papéis para essa ação.

José Paulo Kupfer: Deu para contar mais ou menos [por] quantas mãos ele passa?

Paulo Renato de Souza: Olha, acho que são, realmente em termos de papéis, de aprovações, realmente são muitas mãos, muita burocracia, não é? Nós queremos simplificar esse processo. Agora, isso na hipótese de que o dinheiro que é destinado à escola chegue à escola, porque acho que boa parte do dinheiro, hoje, não chega à escola não porque seja desviado por corrupção, não se trata disso. É que ele não necessariamente significa uma adicionalidade àquilo que o prefeito já faria. Conheço muitos, tenho muitos amigos...

Heródoto Barbeiro: Agora, ministro, um pouco dessa verba também, chamada "educação", não é verba que asfalta as ruas nas proximidades, fazem jardim na porta da escola? E dizem que essa verba é da educação...

Paulo Renato de Souza: É. Eu, em São Paulo, quando era secretário, às vezes crescia a escola junto com o estádio de futebol do lado. Quando terminava a escola, terminava o estádio de futebol, era a mesma coisa.

Heródoto Barbeiro: Ana Maria, por favor.

Paulo Renato de Souza: Esse é o ponto, só para concluir: tenho muitos amigos que são secretários municipais, que são prefeitos e eles apresentam um projeto, vão à Brasília, conseguem o dinheiro para um projeto que eles iam fazer de qualquer maneira. Então, conhecendo isso, a gente tem realmente que assegurar que o dinheiro chegue na escola, colocando o dinheiro na escola. Avançou-se nos últimos anos. O ministro Goldemberg começou a melhorar isso quando começou a exigir projetos para transferir a verba para o município. E o ministro Murilo Hingel também avançou ao dizer que os projetos deveriam ser entregues nas delegacias. O que evitou a ação dos lobbies em Brasília. E, além disso, começou anunciar no rádio, na Hora do Brasil, para quais prefeituras ia o dinheiro. Ora... mas o simples fato de anunciar significa que o problema existe. E não significa que se vai solucionar 100% do problema, porque nós não vamos esperar que a população, [só] porque ouviu na Hora do Brasil, passe a fiscalizar numa forma tão eficiente e que coíba todos os abusos. Além disso, eu já, nesse mês e meio, recebi reitores de universidades querendo a verba do salário educação para construir uma biblioteca para a universidade. Mas como? Isso é a verba do primeiro grau. “Não, mas nós vamos abrir a universidade para o primeiro grau também”. Ora, isso não é dinheiro do primeiro grau, isso é dinheiro da universidade. No ano passado se gastaram com a universidade, da verba do salário-educação, 100 milhões de reais...

Ana Maria Sanches: Pois é, ministro, essa é uma briga que o primeiro grau faz com o Ministério da Educação há muito tempo. Porque ele está sendo lesado, não é? Nas percentagens que recebe, há muito tempo não recebe 50%...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Acho que nunca recebeu.

Ana Maria Sanches: É, pois é. O seu antecessor procurou tratar desse problema e ele dizia que era muito difícil não atribuir às universidades aqueles recursos todos, porque elas sustentavam 44 hospitais e uma porção de [outras] coisas, até fazendas-modelo. Como o senhor vai fazer para... Já que a ênfase é no primeiro grau – e acho que é isso mesmo, não adianta discutir a universidade se a gente não fechar a torneirinha  –, como o senhor pretende entregar ao primeiro grau o que ele precisa sem prejudicar as universidades? Como o senhor vai fazer essa mágica?

Paulo Renato de Souza: Bom, em primeiro lugar acho que é deixar de passar os recursos do primeiro grau para a universidade, como vem ocorrendo, não é? Através desses projetos – que são projetos um pouco, digamos, não totalmente corretos, não é? – de passar dinheiro, por exemplo, para que as universidades, supostamente, treinem os professores do primeiro grau, de acordo com os interesses da universidade, não com a demanda do primeiro grau... E muitos desses projetos significavam que as universidades compravam computador, compravam equipamentos para treinar o professor e depois fica com o equipamento. Bibliotecas são construídas... E temos vários desses projetos ainda em andamento. [Em] Primeiro lugar é [preciso] cortar isso: dinheiro do primeiro grau é do primeiro grau. O salário-educação é para o primeiro grau e ponto. Esse é um ponto muito importante. Segundo, nós não podemos realmente interromper o que vem sendo feito na universidade, nem temos condições legais de fazer isso, portanto, eu diria, neste ano acho que vai ser impossível chegar aos 50%, mas vamos trabalhar para isso. Trabalhar para isso como? O dinheiro que vai aumentar no Ministério da Educação é o dinheiro para o primeiro grau. A universidade, nós temos que trabalhar com o mesmo recurso e mais eficiência, maior número de vagas, mais alunos, melhorar a relação professor/aluno que hoje na universidade brasileira é muito baixa. Se nós chegarmos a um padrão norueguês, está ótimo, porque  [a Noruega] é um país desenvolvido que não é um padrão, digamos, é um padrão intermediário no cenário internacional, se chegarmos a uma relação professor/aluno... Portanto, o que nós temos que fazer com a universidade é buscar mais eficiência com os mesmos recursos que nós temos hoje lá e aumentar todo o recurso adicional tem que ser dirigido ao primeiro grau.

Vinicius Torres Freire: Ministro, minha pergunta é sobre o ensino básico, mas já que o senhor tocou em universidades, a universidade federal tem levado 50, 60% dos recursos na última década. Ensino básico levado do 2%, 3% do orçamento do ministério. O senhor disse que vai elevar para 50%. Então, o senhor vai eliminar todos os outros gastos do ministério ou, então, o senhor vai tirar dinheiro das universidades federais? As universidades federais hoje estão gastando 95% dos orçamentos delas com pessoal. Então, o senhor vai tirar um pedaço das universidades federais?

Paulo Renato de Souza: Não, eu disse justamente que não podia fazer isso.

Vinicius Torres Freire: Então o que o senhor vai fazer? Hoje, o presidente Fernando Henrique disse hoje, em Campo Mourão, que as universidades federais têm o dinheiro que têm e está bom. E elas precisam melhorar o gerenciamento.

Paulo Renato de Souza: É isso.

Vinicius Torres Freire: Mas se o senhor vai aumentar 50% do produto gasto em ensino básico...

Ana Maria Sanches [interrompendo]: Qual é a mágica?

Vinicius Torres Freire: Vai ter um monte... escola secundária técnica federal vai para o buraco, os outros programas também, quer dizer, como o senhor vai fazer isso?

Paulo Renato de Souza: O que disse é exatamente... Nós vamos manter, em termos absolutos, o valor do recurso global para as universidades e exigir maior eficiência da universidade. Agora, todo acréscimo... Nós esperamos que a economia continue a crescer, que isso gere mais impostos e que a verba vinculada dos 18% continue chegando à educação e que o salário educação continue a crescer. Então, todo o recurso adicional vai para o primeiro grau, é isso que estou dizendo. Não estou dizendo que vou cortar o resto.

Vinicius Torres Freire [interrompendo]: O adicional?

Paulo Renato de Souza: Exatamente. Mas não posso... É exatamente isto: todos os professores das universidades são estáveis, não é possível cortar uma parte, não é?

Heródoto Barbeiro: O senhor vai congelar, então?

Paulo Renato de Souza: Congelar como?

Heródoto Barbeiro: As verbas? Nas universidades federais?

Paulo Renato de Souza: Não, nós vamos manter o conjunto dos recursos dos últimos anos. Vamos estabelecer um critério de redistribuição desses recursos de acordo com a produtividade, de acordo com o que a universidade presta de serviço à sociedade. Já estamos discutindo com os reitores, inclusive, já houve uma discussão de como estabelecer essa redistribuição. Mas, no seu conjunto, eu diria: neste momento a prioridade é o primeiro grau. Nós não vamos aumentar os recursos no seu conjunto em termos reais.

Heródoto Barbeiro [interrompendo]: Voltando à pergunta da Paula, depois nós voltamos [a essa questão]. Paula, por favor.

Paula Alzugaray: Por favor, qual seria, então, essa prioridade do primeiro grau? Quer dizer, será que é tão importante instalar uma antena parabólica em cada unidade da rede oficial enquanto nós temos aí tantos alunos que ainda não têm acesso nem a uma merenda escolar? Quais são as prioridades desse dinheiro direcionado?

Paulo Renato de Souza: Eu tinha começado responder ao João Paulo, depois a conversa foi falando...

Vinicius Torres Freire [interrompendo]: Então, posso emendar?

Heródoto Barbeiro: Pode emendar.

Vinicius Torres Freire: O João Paulo tinha perguntado quais eram as cinco prioridades para o ensino básico. É currículo mínimo, que já tem...

Paulo Renato de Souza [interrompendo] : Não, não tem. No Brasil não tem.

Vinicius Torres Freire: Não. Nacional, não, mas todos os estados têm currículo.

Paulo Renato de Souza: Não, não senhor.

Vinicius Torres Freire: Sim.

Paulo Renato de Souza: Não. Não todos.

Vinicius Torres Freire: ...livro didático, melhorar os livros didáticos, que é um horror, retreinar e formar professores, avaliar alunos e jogar a verba diretamente lá. Aqui vejo problemas em duas coisas: treinar professor e jogar a verba diretamente. Aqui em São Paulo, na década de 1970, 1980 se fez um monte de cursos de reciclagem para professor, um montão. Todos, centenas de milhares foram treinados, mais do que a rede inteira, e não melhorou um traço na...

Ana Maria Sanches [interrompendo]: Melhorou, sim.

Vinicius Torres Freire: Na reprovação zero.

Ana Maria Sanches: Melhorou, sim.

Vinicius Torres Freire: Não, na reprovação, não...

Paulo Renato de Souza: A reprovação, apesar dos índices hoje, a reprovação vem melhorando.

Vinicius Torres Freire: A reprovação melhorou depois de 1991.

Paulo Renato de Souza: Ela vem melhorando com o tempo.

Vinicius Torres Freire: A secretária de Educação aqui, a Rose Neubauer, disse que essa reciclagem não "dava pé". Você tem que fazer alguma coisa de acordo com a demanda de cada escola; essa reciclagem centralizada nunca deu certo. E, agora, o senhor está com a idéia de fazer um programa de educação a distância através de TV. Se a reciclagem centralizada não deu certo aqui, o senhor acha que vai fazer essa reciclagem centralizada como, com uma variedade cultural tão grande? Como o senhor vai fazer isso? Por que correlação é que [se] faz a eficiência da escola aumentar? É aluno na sala de aula e professor dando aula e cumprindo currículo segundo a secretária Rose. Então?

Paulo Renato de Souza: É. É isso. Só que você tem que saber da hora...

Paula Alzugaray [interrompendo]: Voltando um pouco atrás, quer dizer, falando de tecnologia...

Vinícius Torres Freire [interrompendo]: Como [se] vai retreinar?

Paula Alzugaray:...e de necessidade básica, não é? Quer dizer, falando de futuro e de passado... Vamos pensar no futuro, em tecnologia. Mas e o problema que a gente tem em infra-estrutura básica, não é?

Paulo Renato de Souza: Isso sempre! Quando eu era secretário de Educação, lancei a coisa, o programa de computador na escola e ouvi essa mesma crítica. Naquela ocasião, acho que a crítica tinha [razão], tanto que nós não levamos o computador para escola, porque o custo daquilo seria realmente muito alto face às demandas e necessidades da escola. Agora, hoje, instalar um televisor, um videocassete, uma antena parabólica em uma escola, custa 1.000 reais, 1.200 reais, ou seja, dois anos atrás não defenderia esse programa. É que o custo da tecnologia baixou tanto nos dois últimos anos, que hoje é possível sonhar em ter um televisor em cada escola, não com o dinheiro do ministério, com dinheiro da comunidade...

João Vitor Strauss [interrompendo]: Nas duzentas mil escolas?

Paulo Renato de Souza: É possível.

João Vitor Strauss: Em todo o Brasil?

Paulo Renato de Souza: Por que não? Isso nós podemos...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: É um belo mercado para quem vende televisão, videocassete, antena também.

Paulo Renato de Souza: É, mas nós não vamos fazer nem uma concorrência centralizada, não. Esse dinheiro nós queremos que a comunidade... Acho que é perfeitamente possível que em cada bairro, o comerciante do bairro, o dono da padaria, o dono da oficina mecânica, se há essa consciência, por isto nós estamos lançando essa campanha Acorda, Brasil, está na hora da escola [programa federal lançado em março de 1995, que tem como objetivo melhorar a qualidade do ensino público e divulgar ações educacionais inovadoras em todo o país, através da parceria pública privada]: para mobilizar a sociedade. Se fizermos isso, é muito fácil. É muito fácil que cada escola tenha esse equipamento básico. O que nós queremos não é fazer o treinamento da escola e do professor pela televisão. Isso não dá resultado. O que nós queremos é ter os programas de treinamento de professor, oferecer para o conjunto do Brasil e, em conjunto com as secretarias estaduais e municipais, estabelecer o programa de treinamento, no qual tem que haver monitor. Tem que haver grupos de professores reunindo-se para assistir à programação e discutindo... Agora, não podemos fazer isso com o que nós temos hoje, que é simplesmente uma programação transmitida das sete às oito da manhã em alguns canais. O que nós queremos fazer é uma rede nacional, usando inicialmente todas as TVs. E a experiência desta televisão, da TV Cultura, é importante nesse sentido e será das grandes experiências a serem incorporadas. Uma rede nacional, liderada pela Forte TV, que ofereça em horários amplos, inicialmente, uma programação para que seja utilizada, digamos, de acordo com as necessidades da escola e de cada sistema de ensino...

[interrompido]

Paulo Renato de Souza: Agora, nós queremos chegar, ainda esse ano, não só a formar a rede das TVs educativas, mas ter um sinal de satélite dedicado à educação. Aí, um sinal que possa estar até 24 horas por dia à disposição da educação, coisa que não existe hoje.

Vinícius Torres Freire: Agora, o segundo ponto era repassar a verba – o que eu achava um problema – diretamente para a escola. Quem vai fazer a auditoria disso?

Paulo Renato de Souza: Olha, em Minas Gerais... Quando fiz a experiência em São Paulo, repassei diretamente para a conta da diretora. Nós avaliamos isso depois. Asseguro que não houve desvio de verba, porque a diretora sabia, nós anunciamos no Diário Oficial, os professores sabiam, a diretora sabe onde gastar melhor para a escola. E acho que nós vamos, de qualquer maneira, mesmo que haja algum desvio, diminuir o desvio em relação ao que existe hoje.

Vinícius Torres Freire: Por que o diretor é mais confiável do que o prefeito?

Paulo Renato de Souza: Não é isso. O diretor está lá na escola, está dentro da sala de aula. O prefeito, como eu disse, pode estar usando o dinheiro misturado com outro dinheiro, não necessariamente como uma adicionalidade para a educação. Eu, dando para a diretora, tenho certeza de que será uma adicionalidade. Agora, a prestação de contas: em Minas Gerais, obrigaram as escolas a organizar a Associação de Pais e Mestres. Cada escola recebe através da Associação de Pais e Mestres. E, no Paraná, tenho entendido que é assim também. Essa pode ser uma saída. Nós temos que chegar a esses mecanismos de envolver a sociedade, envolver a comunidade e isso vai fiscalizar melhor.

Joaquim Carvalho: Ministro, deixe-me aproveitar essa pergunta, ministro, para dizer o seguinte: o senhor é economista...

Paulo Renato de Souza: Sim, senhor. Ainda sou.

Joaquim Carvalho: Vou falar de números. Se hoje acabar, se hoje o senhor eliminar todos os intermediários e repassar a verba diretamente ao diretor de escola, da verba de investimento que o Ministério da Educação tem, quanto é que daria para cada escola?

Paulo Renato de Souza: Olha, da verba que é repassada para os prefeitos e os governadores no repasse...

Paula Alzugaray: Quanto daria para cada escola?

Paulo Renato de Souza: Isso são trezentos milhões de reais. São 197 mil escolas e em média são 1.500 reais por escola. Eu lhe asseguro que é bastante.

Joaquim Carvalho: Ao longo do ano?

Paulo Renato de Souza: Para um ano. Eu lhe asseguro que isso...

Joaquim Carvalho: 1.500 dólares...

Paulo Renato de Souza: 1.500 reais.

Joaquim Carvalho: 1.500 reais, isso é o salário de um professor universitário.

Paulo Renato de Souza: Pois é.

Joaquim Carvalho: De um professor.

Paulo Renato de Souza: Pois é.

Ana Maria Sanches: Mas há escola com meia dúzia de alunos. A relação não é bem essa.

Paulo Renato de Souza: Não, espera um momentinho. Aqui, nessa pergunta há uma coisa subentendida, o único recurso que chega na escola é o recurso do governo federal, não é verdade. A maior parte do recurso para a escola de primeiro e segundo grau vem do estado e município. O governo federal é uma adicionalidade a isso, muito adicional e muito pequeno.

Joaquim Carvalho: Por que não passa tudo para o estado?

Paulo Renato de Souza: Agora, digo o seguinte: colocar em uma escola de cem alunos do interior do nordeste mil reais na mão da diretora eu lhe asseguro que faz diferença.

Heródoto Barbeiro: Ministro, o salário do professor está fora disso?   

Paulo Renato de Souza: O salário está fora.

Heródoto Barbeiro: Apenas para responder aqui ao senhor Lázaro dos Santos, em São Paulo, ele quer saber o seguinte: "Como fica a situação do salário dos professores?"

Paulo Renato de Souza: O salário dos professores é responsabilidade de estados e municípios, não é responsabilidade do governo federal, porque nós não gerimos a rede de primeiro e segundo grau. O que nós queremos fazer...

Ana Maria Sanches: Mas o senhor não acha que isso prejudica os seus planos?

Paulo Renato de Souza: Deixe-me terminar, vamos lá. Olhe, o salário de professor é realmente  um ponto central.  Nós temos que melhorar o salário do professor como condição para melhorar o ensino. Agora, isso não é tudo. Nós temos avaliações em Minas Gerais que mostram que escolas com salários totalmente diferentes têm o mesmo resultado. Então, não é uma panacéia, tampouco melhorar o salário do professor, como muita coisa, é importante.

Heródoto Barbeiro: Aqueles professores que recebem meio salário mínimo no interior do Brasil... No Maranhão, no Piauí, me parece que recebem meio salário. Isso vai acabar, ministro?

Leonardo Trevisan: Não, está errado, são só 15 reais.

Heródoto Barbeiro: Quanto?

Leonardo Trevisan: Em Nossa Senhora dos Remédios, Piauí, a professora Maria das Graças Menezes recebe15 reais, ministro. É um fato e ela está feliz. É o que me deixa muito preocupado. O senhor não fica?

Paulo Renato de Souza: Fico também, mas tem também casos mais graves ainda. Tem aquela professora que não recebe nada, porque elas entram com estagiárias na expectativa de ter um emprego no futuro. Então, a situação realmente no interior é complicada.  Essa campanha tem também a finalidade de conscientizar a população, os prefeitos, os vereadores para a questão da qualidade na educação, que hoje não é um tema de discussão política. O que é discussão política? Constrói-se ou não se constrói escola, não é? Isso é um tema de discussão política. Agora, a qualidade não é um tema de discussão política. E nós queremos chamar atenção para isso, porque, na medida em que isso for um tema de discussão política, tenho certeza de que o salário dos professores vai melhorar, porque vão se dedicar mais recursos dos estados e dos municípios para os salários dos professores. E, além disso, nós temos que discutir o salário dos professores no conjunto do que são as carreiras dos professores, não é?

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Só um minutinho. Eu gostaria de fazer uma pergunta em relação diretamente a recurso de educação, que me parece o "X" do problema. Nós todos... Me passa sempre uma impressão de que o senhor é um incorrigível otimista, não é? Tenho a impressão de que nós temos, assim, as melhores das expectativas. Penso sempre no professor que está escondido lá em São Raimundo Nonato, ouvindo a TV Educativa, não é? Como ele reage a isso? E fico pensando que recurso é também uma decisão federal. Com toda a razão, o senhor diz que salário dos professores é uma instância municipal e estadual, mas o federal tem alguns problemas. Vamos a um deles, é uma pergunta até um pouco delicada. A MP [Medida Provisória] 812, de alguma forma fez uma dedução no imposto de renda daquelas...

Paulo Renato de Souza: Um absurdo!

Leonardo Trevisan: Fiquei espantado, quarenta mil escolas só, contra 330 mil. A dedução do imposto de renda permite que cada pai – tenho filho na escola particular, fiquei muito contente, viu, ministro? – cada pai passe de 150 para 444 reais a dedução. Uma conta otimista prevê um desgaste de perda de receita do governo, alguma coisa em torno de duzentos milhões de reais. Agora, vamos ver o seguinte: quando nós falamos duzentos milhões de reais, nós temos a idéia, perdemos a idéia da grandeza... O que são duzentos milhões de reais? O programa de livro didático custou 137 milhões de dólares, não, reais no ano passado. Ora, daria para fazer dois programas de livros didáticos se não mexêssemos nisso.

Vinicius Torres de Freire [interrompendo]: E botar antena parabólica e TV em todas as escolas.

Leonardo Trevisan: TV para escola. E mais, ministro, nós poderíamos pensar em fazer um programa de reciclagem de professores real. Há experiências muito significativas nesse lado. Como a gente fica quando a vontade federal esbarra na MP 812? O senhor foi ouvido para a MP ou não?

Paulo Renato de Souza: Não, a MP foi emitida ainda no governo anterior.

Leonardo Trevisan: É, no dia 31, naquela célebre emissão do ido dia 31. Há possibilidade de mudar isso, ministro?

Paulo Renato de Souza: Infelizmente, não, pelo problema da anualidade [princípio constitucional que estabelece que despesas e receitas, sejam correntes, sejam de capital, sejam previstas com base em programas e planos com duração de um ano].

Leonardo Trevisan: Então, temos que convir que perdemos duzentos milhões de reais para a educação.

Paulo Renato de Souza: Este ano, infelizmente. Isso foi algo que causou profunda decepção tanto no ministro da Educação como no ministro do Planejamento e ministro da Fazenda, porque foi algo incluído na medida 812. É uma medida tão complexa, tão ampla! Foi realmente uma falha...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Mas veja, ministro, três ministros...

Joaquim de Carvalho [interrompendo]: Ela foi aprovada?

Leonardo Trevisan: Foi aprovada. Não, ela segue sendo reeditada.

Vinicius Torres Freire [interrompendo]: Foi aprovada agora.

Paulo Renato de Souza: Foi aprovada...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Não, não, não, ela foi aprovada, porque é matéria tributária, houve um acordo...

Paulo Renato de Souza: Ela tinha que ser aprovada, porque é matéria tributária, senão não poderia ser reeditada.

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Tem toda razão. Agora, ministro, só um minuto. Nós temos três ministros nomeados...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Agora, nós vamos revisar isso no ano que vem.

Leonardo Trevisan: Nós temos três ministros nominados pelo senhor aqui: o ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento, o ministro da Educação que estão contra essa MP. Nós não podemos fazer nada?

Paulo Renato de Souza: Infelizmente, pela questão da anualidade, nós não podemos fazer nada esse ano. Agora, consultei o ministro do Planejamento, o ministro da Fazenda e, apesar da concordância deles com a argumentação que levantei, exatamente nesse sentido. Quando nós estamos precisando de dinheiro para a escola pública, nós estamos dando isenção fiscal para a escola privada, não é? Nós vamos ter que mexer nisso apenas no ano que vem.

Leonardo Trevisan: Ministro, aproveitando ainda mais uma vez a sua voz: como  anda o comportamento das escolas privadas tanto na qualidade de ensino quanto na questão das mensalidades? Vamos primeiro à qualidade de ensino. A Fundação Carlos Chagas diz que a qualidade de ensino é a mesma. Ela tem razão?

Paulo Renato de Souza: Tem razão. É o seguinte: aquela situação do sujeito...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Então, o povo pode ouvir isso com clareza, que a escola pública é igualzinha a escola privada?

Paulo Renato de Souza: Não, vamos explicar. Sabe aquela situação do sujeito que está com um pé em um fogareiro e um pé em um bloco de gelo. Na média, ele está em uma boa temperatura, não é?

[risos]

Paulo Renato de Souza: Então, a escola privada é a melhor e a pior. Já era desde o tempo em que eu era secretário de educação. É a melhor e a pior. Na média, é igual à escola particular a escola pública. A escola privada é a melhor e a pior, não é?

Ana Maria Sanches: Acho que isso não ficou muito bem explicado para o telespectador.

[risos]

Paulo Renato de Souza: Não? Nós temos nas escolas privadas as melhores escolas e as piores. Quer dizer, na média, você tira pela média a aprovação e tal, como soma escolas muito boas e escolas muito ruins, na média, ela é igual à pública.

Ana Maria Sanches: Sim, mas acho que ainda não ficou... Se eu puder dar uma contribuição...

Paulo Renato de Souza: Por favor.

Ana Maria Sanches: Acho que a gente poderia dizer que nós temos grupos de boas escolas, aquelas que cobram mensalidades altíssimas em geral – particulares, portanto – e que são muito boas.  E uma infinidade de escolas particulares com uma qualidade ruim...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: ...Que também cobram mensalidades altíssimas.

Ana Maria Sanches: É. Acho que essa informação é sempre passada de um jeito meio enigmático. Por isso, fiz questão de falar de um modo mais simples.

Paulo Renato de Souza: É. E é verdade. Quando fui secretário de Educação em São Paulo, o que me deu mais dor de cabeça foram as escolas particulares de má qualidade, as "fábricas de diploma", escolas que não funcionam. Havia escolas que tocavam a campainha sem nenhum aluno dentro. Tocavam a campainha a cada hora para que os vizinhos escutassem e achassem que tinha aluno e pudessem depois testemunhar, no processo que movíamos contra a escola, que a escola estava funcionando. Não tinha nenhum aluno e era uma fábrica de diploma. Nós conseguimos fechar a escola, porque fomos atrás dos funcionários da Secretaria da Educação que tinham recebido título de magistério naquela escola e que tinham, ao mesmo tempo, freqüência em uma cidade em Presidente Prudente versus uma cidade [que ficava] muito longe.

Leonardo Trevisan: Veja bem: quando é colocado em caso isolado cada assunto do ensino particular, você tem ou a ilha de excelência ou tem o caso muito grave. Vamos pegar na média. Como um bom economista, vamos pegar na média. Na média, a educação privada é de idêntica qualidade à educação pública?

Paulo Renato de Souza: Na média é.

Leonardo Trevisan: Em suma, os pais estão sendo enganados? O senhor atesta isso?

Paulo Renato de Souza: É que cada pai não tem o seu filho na média das escolas, ele tem o filho ou na escola boa ou na escola ruim.

[risos]

Leonardo Trevisan: O senhor realmente "nasceu em Minas", ministro [brinca com a característica popularmente atribuída aos mineiros, que seriam escorregadios, esquivos].

Paulo Renato de Souza: Não é que nasci em Minas, é a verdade. Escute: você não tem filho na escola particular?

Leonardo Trevisan: Tenho filho na escola particular.

Paulo Renato de Souza: E por que você não bota na pública? Porque acha que a sua particular é melhor que a pública.

Leonardo Trevisan: Não necessariamente. Não é essa a primeira razão.

Paulo Renato de Souza: Qual é a primeira razão então?

Leonardo Trevisan: A primeira razão é uma estrutura educacional...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Vou entrevistar agora.

[risos]

Leonardo Trevisan: Nós não podemos inverter os papéis, ministro.

[risos]

Leonardo Trevisan: Nós precisamos ter muito cuidado com isso, porque senão eu iria comentar a questão das mensalidades. De alguma forma, o senhor já empurrou o problema...

Heródoto Barbeiro [interrompendo]: Não, nós não vamos falar sobre isso... Antes de passar para o Trevisan, ministro... Antes, rapidamente, os telespectadores Laura Leite, de Campos Grande, a Laís Moreira, de Campinas, o Jean Roberto, de Ribeirão Preto, o Sergio Oliveira, de Londrina, Paraná, quer dizer, a quantidade é enorme, apenas ilustrativa... Boa parte das perguntas chegando a respeito da questão do vestibular gostariam de que o senhor esclarecesse melhor, porque tem algumas pessoas preocupadas, achando que esse tipo de vestibular seria ainda mais seletivo e privilegiaria mais alunos do ensino particular do que os do ensino público. E eles não teriam condições de concorrer em pé de igualdade. Eu gostaria de que o senhor desse uma palavrinha antes de responder ao Trevisan.

Paulo Renato de Souza: Olha, quando se pensa em um exame de segundo grau, avaliação do segundo grau, se pensa obviamente em um exame que tenha como objetivo melhorar o segundo grau. Quando criei o vestibular da Unicamp, nos separamos da Fuvest [Fundação Universitária para Vestibular, responsável por organizar o vestibular da Universidade de São Paulo (USP)], tínhamos como objetivo uma seleção melhor dos alunos, que não privilegiasse a questão do conhecimento acumulado, mas a capacidade de raciocínio, de expressão do aluno. E isso pode se alcançar em um exame de avaliação do aluno do segundo grau e teve como conseqüência, realmente, uma seleção não-discriminatória em conta da escola pública. Os números mostram que os candidatos e os aprovados têm mais ou menos a mesma proporção entre escola pública e privada [na Unicamp]. O que ocorre, se nós tivéssemos um exame nacional, de suficiência do segundo grau, em primeiro lugar, nós estaríamos melhorando o segundo grau, nós estaríamos dizendo a cada escola quanto ela aprovou naquele exame do segundo grau. Estaríamos transformando a aprovação do segundo grau pelas escolas como um fato realmente político, de melhoria da qualidade de ensino e de luta da sociedade por melhorar aquelas escolas em primeiro lugar. [Em] Segundo lugar, se tivermos um sistema de seleção... Por exemplo, vamos supor que a Universidade de São Paulo adota um sistema como esse, adota o nosso exame nacional como um dos critérios para ingresso. Ela pode dizer, como ocorre com muitas universidades em outros países, "vou aceitar alunos que tenham feito, vamos dizer, quinhentos ou seiscentos pontos nesse exame, acima disso vou aceitar" Então, esses são os candidatos que são relevantes para ela. [Para] esses candidatos, ela pode introduzir critérios adicionais, pode dizer "desses que obtiveram quinhentos pontos ou mais, são todos preparados para a minha universidade; vou selecionar 50% que vêm da escola pública, 50% que vêm da escola privada". Um aluno lá de Manaus ou de Belém que fez  quinhentos pontos pode dizer “quero entrar na Universidade São Paulo” ou um aluno do interior do estado...

Heródoto Barbeiro [interrompendo] Mas, sem concurso público, isso não seria inconstitucional, ministro?

Paulo Renato de Souza: Por quê?

Heródoto Barbeiro: Separar metade das vagas para escola pública e metade para escola particular?

Paulo Renato de Souza: Não. Quero estabelecer que cada universidade estabeleça o seu critério, desde que seja transparente, igualitário. E esse pode ser um critério, por que não? Porque em outros países...

Vinicius Torres Freire [interrompendo]: Inclusive as privadas? Porque a USP tem autonomia, ela pode fazer o vestibular que ela quiser...

Paulo Renato de Souza: Não, hoje não. Ela pode fazer o vestibular que quiser, mas tem que ser vestibular.

Vinicius Torres Freire: Sim. Ela tem autonomia para fazer vestibular que quiser.

Paulo Renato de Souza: Mas, sim... mas não pode estabelecer outros critérios, não é? E nós queremos mudar isso.

Heródoto Barbeiro [interrompendo]: Agora, ministro, ainda assim, a proporção seria muito grande, porque aluno de escola pública é muito maior.

Vinicius Torres Freire: É para isso que o Ministério da Educação, pode fazer isso com as federais, determinar mais ou menos o critério, não é?

Paulo Renato de Souza: Não. Não é tudo legislação. A legislação prevê o vestibular, o exame.

Vinícius Torres Freire: Sim, mas o que estou dizendo? Ele pode determinar um critério para as federais, mas não pode fazer isso para a Universidade de São Paulo...

Paulo Renato de Souza: Mesmo para as federais, dentro da autonomia, nós não queremos também interferir.

Leonardo Trevisan: Ministro, nós não estamos deslocando um pouco a questão quando falamos de vestibular? Quando nós falamos de vestibular, estamos deixando de lado... estamos tratando quase sempre das famosas, três famosas carreiras: engenharia, medicina e direito. E os dados do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] finalizam  noventa mil vagas ociosas, noventa mil em quinhentos mil, que são oferecidas anualmente. É bastante, não é, ministro?

Paulo Renato de Souza: É muito.

Leonardo Trevisan: E essas vagas estão basicamente concentradas em cursos que vão oferecer vagas para licenciatura, cursos para professores. Não está havendo uma desproporção – e talvez nós estejamos olhando um pouco a árvore, não a floresta –, quando a gente lida com a questão do vestibular e deixa de lado o que deveria ser uma política educacional que privilegiasse o que é a verdadeira vontade do aluno? Alguns dados são interessantes sobre a USP, não é? Por exemplo: o número de questões, o número de procura de alunos para os três famosos cursos fabricantes de doutores está caindo. Ele se estabilizou faz um ano e pouco. Faz dois vestibulares ele vinha caindo e subiu uns cursos novos. Não está havendo um despreparo brutal por parte da política educacional do governo quanto à escola que deve ser privilegiada? Fiquei muito preocupado, porque em uma entrevista sua o senhor comentou que iria retreinar professores universitários, através da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior], com bolsas de estudo, recapacitar professores universitários. E ia privilegiar a área de engenharia, medicina e direito.

Paulo Renato de Souza: Não disse isso.

Leonardo Trevisan: Está no Jornal do Brasil, ministro. Vamos procurar? [Abre o Jornal do Brasil]

Vinicius Torres Freire: É o Zagottis. Falou isso para mim também

Paulo Renato de Souza: O Zagottis pode ter [dito], mas não me lembro de ter colocado isso, ter dito essa frase, não.

Vinicius Torres Freire: Ele falou isso para mim.

Leonardo Trevisan: O programa vai começar incentivando o intercâmbio nos cursos chamados prioritários, entre eles medicina engenharia e administração.

Paulo Renato de Souza: Mas isso não está... está na minha boca?

Leonardo Trevisan: Não está na boca... O senhor tem toda razão, não está exatamente na sua boca, está na boca do seu secretário de Educação Superior, Décio Leal da Costa [Zagottis (1940-1996). Durante o governo Sarney (1985-1990), assumiu o posto de secretário especial da Ciência e Tecnologia (1989-1990)]. Pensei que houvesse uma integração entre os dois.

Paulo Renato de Souza: Não, existe. Agora, não me lembrava de ter dito essa frase. Por isso é que disse “olha, eu... essa frase não me lembro de ter dito, agora...”.

Vinicius Torres Freire [interrompendo]: Não, ele ainda dá uma justificativa, pela importância social, medicina e engenharia para avançar tecnologicamente o país. Ele explicava...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Acho que, aqui, de fato, se nós olharmos...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Será que nós não estamos olhando mesmo um pouco errado a situação do vestibular?

Paulo Renato de Souza: Acho que nós temos que olhar, em primeiro lugar: é verdade que, hoje, se nós olharmos no conjunto do sistema universitário, sobram vagas...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Sim, noventa mil.

Paulo Renato de Souza: Sobram vagas. O problema do vestibular é mais para selecionar entre carreiras do que selecionar alunos para ingressar na universidade, não é? Agora, onde nós temos realmente cursos de má qualidade, que acabam tendo conseqüências sociais mais sérias, é exatamente nessas três áreas.  Não é?

Leonardo Trevisan: Sim.

Paulo Renato de Souza: Então, o treinamento de professores não é um problema de dizermos "bom, dado que essas carreiras estão na USP estagnadas, nós vamos nos preocupar com as outras formações de professores nas outras carreiras." Porque  não estamos preocupados em retreinar os professores de medicina, engenharia e direito da USP, nós estamos preocupados em retreinar os professores de engenharia, direito e medicina das faculdades privadas onde a qualidade é muito baixa.

Leonardo Trevisan: Mas aí não seria um investimento público, um dinheiro público em um investimento privado, ministro?

Paulo Renato de Souza: Não é um investimento privado. Nós temos que cuidar, a nossa responsabilidade é cuidar da qualidade do ensino, não é? E nós temos a Capes que, como Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal  de Ensino Superior, tem programas de mestrado e financia bolsas em todas as universidades, não apenas nas públicas.

Heródoto Barbeiro: Ministro, eles vão fazer um rápido intervalo, a gente vai voltar já, já. A gente volta daqui a pouco no Roda Viva, conversando hoje com o ministro da Educação Paulo Renato de Souza. Até já.

[intervalo]

Heródoto Barbeiro: E nós voltamos aqui com o Roda Viva. Hoje nós estamos conversando com o ministro da Educação e Esportes... e do Desporto. É isso, não, ministro, o nome correto?

Paulo Renato de Souza: É isso.

Heródoto Barbeiro: Doutor Paulo Renato de Souza, o senhor ameaçou falar um pouco a respeito de mensalidade escolar e, olha, tenho aqui pergunta da Bahia, do Paraná, de Fortaleza, de Minas Gerais e de São José dos Campos. São pessoas de todo Brasil, que querem que o senhor fale, rapidamente, a respeito do preço das mensalidades escolares.

Paulo Renato de Souza: Olha, eu disse que essa não é uma questão do Ministério da Educação, porque a preocupação do Ministério da Educação é melhorar a qualidade da escola pública, do ensino público. Quem está na escola particular são os nossos filhos, os filhos da classe média, os filhos da classe alta, de advogados, engenheiros, médicos, economistas, pessoas que têm todas as condições de lutar pelos seus interesses, pelos seus direitos, de negociar com as escolas de boas condições. Acho que não é o papel do Ministério da Educação intermediar essa relação, defender os interesses da classe média, que tem condições, perfeitamente, de se entender com os diretores de escola. Portanto acho que a orientação, inclusive do governo, é paulatinamente sair dessa questão; mas, enquanto não sair, é uma questão da área econômica, não é uma questão do Ministério da Educação.

João Vitor Strauss: Há pouco o senhor mencionou a campanha Acorda, Brasil, em que o próprio presidente se envolveu para motivar, sensibilizar a sociedade para a importância do ensino básico. Eu me pergunto: um milhão e trezentos mil professores, aproximadamente, do ensino básico vêm experimentando uma queda progressiva e paulatina no prestígio da profissão, na sua própria auto-estima, com os seus salários irrisórios, seu universo todo meio decadente, com problemas etc... Pergunto: como acordar esse exército de professores? Se, de repente, o próprio presidente, o próprio ministro não conseguem transmitir, assim, uma coisa mais concreta, mais palpável em termos de melhoria salarial, até para que eles possam ser cobrados, não é? Porque chega ser irônico. Mas, segundo noticiou a Folha de S. Paulo, o presidente... Depois daquela aula que proferiu em Santa Maria da Vitória, no interior da Bahia, o que aconteceu é que a escola usou como pretexto o presidente ter estado lá e não teve aula antes, não teve aula no dia, não teve aula no dia seguinte. Praticamente ficou cinco dias parada. Isso é um pouco do retrato, não só do ensino público, até da escola privada, não é? Como acordar o Brasil, mais especificamente o professorado?

Paulo Renato de Souza: Acho que a nossa campanha está pensada para despertar, para acordar a sociedade para o problema da educação, acordar no sentido de mostrar que o problema da educação é esse grande monstro que aparece à nossa frente. E que, pelo seu tamanho, nos afigura, às vezes, impossível de ser atacado. E tende a gerar até uma atitude de conformismo, dizer "é assim, é impossível, é tão grande o problema, que nós não podemos atacá-lo". Acho que a idéia da campanha é justamente mostrar que está na mão de cada um de nós dar uma pequena contribuição para melhorar a educação, não é? Porque não podemos atacar o problema por um lado apenas. A nossa idéia é que, depois de um ano realmente bombardeando a sociedade com informações, com o problema do salário do professor, com o problema da preparação do professor, da qualidade do livro didático, do currículo básico.... e que realmente a sociedade, em primeiro lugar, tenha a educação como a sua prioridade nacional básica número um. [Em] Segundo lugar, que cada um saiba o que pode fazer para melhorar a educação: que o aluno saiba que  tem que estudar mais; que o professor saiba que tem que aprender a dar aula melhor,;que o diretor saiba que gerir a escola é uma arte difícil e que ele precisa se capacitar para isso; que o pai saiba que tem que participar do conselho da escola; que o comerciante do bairro saiba que pode comprar um televisor para ajudar a escola, que pode participar da pintura, contribuindo para comprar a pintura da escola ou com a reforma da escola; que a grande empresa saiba que pode adotar uma ou mais escolas,;que os jornalistas saibam que é importante colocar a escola na primeira página dos jornais, que os meios de comunicação dêem importância para a questão da escola. Enfim, é mobilizar a sociedade, porque acho que, se cada um de nós... É mostrar que os políticos têm que se preocupar com a qualidade da educação, que os vereadores têm que se preocupar [com] que a verba da educação, que os 25% realmente cheguem na escola e não sejam desviados para outras finalidades, não burlem a legislação, que os deputados saibam que têm que lutar por mais recursos para a escola...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Ministro, da maneira como o senhor está colocando, que é até poética, vamos ter um inferno brasileiro. Se tem um compartimento brasileiro, [vai estar] lotado daqui a alguns anos, porque a boa intenção vai envolver todo país. E o resultado disso, como é que seria? Seria alguma coisa coercitiva? Por exemplo, se uma escola não consegue nota X na média dos seus alunos, vai fechar por um período. É coercitivo? De que maneira seria essa consciência?

Paulo Renato de Souza: Acho, primeiro, que isso está muito vinculado à avaliação, a sua pergunta, não é?

José Paulo Kupfer: Exatamente.

Paulo Renato de Souza: Quer dizer, o que nós queremos com a avaliação? A avaliação hoje, de forma incipiente, se faz já desde 1990 no primeiro grau. Fez-se avaliação, em alguns estados, na primeira, terceira, quinta e sétima séries em 1990 e 1992, não é? O que nós queremos? Queremos transformar essa avaliação em permanente, anual, abrangente do conjunto às oito séries, abrangente de todos os estados. Nós queremos fazer um ranking do sistema, queremos mostrar que um estado é melhor que o outro para que aquilo também se transforme em um motivo de... até motivação de campanha política, motivação de bandeiras da sociedade e dos políticos, não é? Porque nós achamos que isso é uma boa maneira de fazer política da educação. Nunca se fez.

José Paulo Kupfer: Por que isso falta no Brasil? É uma pergunta de sociologia de botequim, mas eu queria que o senhor refletisse um pouco: por que outros países têm esse tipo de consciência e nós não conseguimos?

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Acho um engano isso. O brasileiro tem essa consciência, sim.

Paulo Renato de Souza: Tem.

Leonardo Trevisan: Os dados estão aqui. Olha, se a gente for olhar a população brasileira que tem uma renda familiar unitária per capita com até um quarto do salário mínimo, ou seja, é "rés do chão" [espaço situado no térreo. Aqui, o sentido é dizer o grupo que é a base social]. Em 1981, 61% das crianças nessa faixa...[segundo dados do] IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], 61% dessas crianças nessa faixa iam à escola. Com a década perdida, ministro, que o senhor conhece o assunto melhor do que eu, como economista, saltou em 1989 para 72%, ou seja, a sociedade brasileira, mesmo lá no "rés do chão", gosta de escola, sim.

Paulo Renato de Souza: Gosta.

Leonardo Trevisan: Põe filho na escola, sim. Agora, ministro, nós temos um complemento da pesquisa, que é muito grave para todos nós. Se a gente for olhar os índices, há um trabalho do professor Sergio Couto Ribeiro...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Costa Ribeiro [(1937-1995) contribuiu para o estudo da reformulação da educação no ensino superior entre 1983 e 1987 e ainda para os estudos sobre o ensino médio, em especial o acesso à universidade, o vestibular. Autor da obra Vestibular: a visão de professores e alunos das instituições de ensino superior hoje, entre outras].

Leonardo Trevisan: Costa Ribeiro, exatamente, publicado em 1993 do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. Vai mostrar que, em 1973, o índice de 47% das crianças tinha uma... a partir da escolaridade formal, fechada, elas tinham um padrão de vida melhor do que seus pais, ou seja, até 1973 a escola implicava em ascensão social. Se a gente for olhar esse mesmo dado em 1981, já tinha caído para 39%. E em 1988 para 37%. O dado pior é o dado da decadência, aquela família que, mesmo tendo feito a escola, caiu. Em 1973, era 11% e em 1988 caiu para 27%...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Aumentou para 27%.

Leonardo Trevisan: ...ou seja, a pessoa fez a escola, passou pelo ciclo escolar e terminou o ciclo escolar... Ela tem uma vida pior que a de seus pais. Isso dá alguma conotação de que o nosso problema não está, como nós estamos habituados a fazer, em empurrar o problema para a sociedade, empurrar o problema para o aluno, empurrar o problema para aquele que deveria pegar a criança pela mão e levar para dentro da escola, como tem promotor público que faz. Muito bem, perfeitamente, ótimo que leve a criança para a escola. O problema não é esse...

Paula Alzugaray [interrompendo]: O problema é a escola.

Leonardo Trevisan: O problema é que a escola que está sendo oferecida para essa criança faz isso. Implica em decadência social e não em ascensão.

Paulo Renato de Souza: Esse é um ponto culminante.

Leonardo Trevisan: Então, veja bem, se a ascensão está ocorrendo assim, o que nós temos que fazer com a escola, ministro? Parece-me que a questão está em pararmos de procurar crucificar alguém, seja o pai, seja o aluno que é repetente. Aí ficamos em uma discussão nacional – se é repetência ou se é evasão – e não vamos discutir quem capacita, quem é o professor, quem é que faz alguma coisa pelo professor. Ministro, praticamente o senhor tem o poder nas mãos. O que nós vamos fazer pelo professor? A dona Maria das Graças Menezes, que ganha 15 reais, o que ela pode esperar do ministro da Educação Paulo Renato de Souza?

Ana Maria Sanchez [interrompendo]: Eu queria acrescentar, porque acho que estamos discutindo pouco uma coisa que é central no pensamento que vocês estão expondo e que também a sociedade reconhece como um problema muito grave, que é a falta de capacitação do professor.

Leonardo Trevisan: Sim.

Paulo Renato de Souza: Olha, na verdade é um problema que vai estar na mão do prefeito ou do governador, provavelmente do prefeito. Se ela, no Nordeste com mais probabilidade...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Piauí.

Paulo Renato de Souza: Ela é uma professora municipal, não é?  O governo federal, o que ele tem que fazer é passar a tomar a iniciativa de discutir com os governadores e com os prefeitos [qual é] a prioridade real para a educação do primeiro grau. Nós temos estados que estão gastando mais com universidades que com primeiro grau. Nós temos municípios que gastam mais com faculdades do que com primeiro grau.

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Mas o salário nos dá isso?

Paulo Renato de Souza: O salário do professor está aí.

Leonardo Trevisan: O salário do professor é uma decisão política.

Paulo Renato de Souza: Não, mas o salário do professor está aí, porque, se ele gasta mais com outro nível de ensino ou se não aplica no primeiro grau, não paga salários adequados ao professor, não é?

Leonardo Trevisan: Sim.

Paulo Renato de Souza: O que temos de garantir é que o salário chegue lá. E nós temos que garantir também que não haja também desperdício. Nós temos hoje sistemas... A relação professor aluno em vários estados do Brasil é muito diferente. Nós temos estados onde milhares de professores estão fora da escola, seja porque estão em licença médica, seja porque estão encostados em outros órgãos, afastados, não é? Isso é custo para a educação. O que é isso? É menor salário. Nós temos que também levar [em consideração] os dados da eficiência do sistema educacional e da gestão escolar. E nós queremos fazer essa discussão com os governadores, por isso o presidente disse que vai chamar os governadores para conversar. E nós vamos ter esses dados na mão; para cada estado do Brasil, quanto está gastando, qual é o salário, o piso, qual é a média dos salários, quantos professores têm, qual é a relação professor aluno. Esses dados, que são dados gerenciais da educação, não existem. Hoje não existe, pelo menos não estão disponíveis em um livro de avaliação do sistema educacional. Nós queremos trazer essa informação para a sociedade, para que vocês possam discutir com o prefeito, com o respectivo governador por que aquela professora está ganhando 15 reais.

Heródoto Barbeiro: Ok. Vamos pela ordem. Ana Maria, por favor.

Ana Maria Sanches: A outra questão, que é a da capacitação, ele é um profissional mal remunerado e mal preparado, porque ele vem dessas escolas que...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Mas, olha, não só isso. Vou dizer o seguinte...

Ana Maria Sanches: E são décadas, não é? São décadas...

Paulo Renato de Souza: Eu fui secretário da Educação em São Paulo durante dois anos. Tentei mudar uma resolução do Conselho Estadual de Educação e não consegui. A resolução dizia o seguinte: o aluno do magistério que tivesse feito a especialização em pré-escola estava habilitado a dar aulas em pré-escola e primeira à quarta. Agora, quem fizesse primeira à quarta não estava habilitado para dar aula em pré-escola. Não sei se já mudou isso. Tentei dois anos, não consegui que o Conselho Estadual de Educação aprovasse a mudança nessa resolução. Adivinha aonde é que iam todos os professores? Se especializar em pré-escola, obviamente, porque o mercado então era total se ele se especializasse em primeira à quarta; não tinha condições, ou seja, os professores que entravam no magistério nunca foram treinados para alfabetizar, não sabiam alfabetizar.

[Sobreposição de vozes]

Paulo Renato de Souza: E [havia] professor de São Paulo que tinha feito curso de magistério, porque havia o interesse das escolas.

Leonardo Trevisan: O senhor tem notícia de que os cursos de magistério estão fechando em São Paulo?

Paulo Renato de Souza: É, imagino.

Ana Maria Sanches: Não há mais professores. É a questão... Acho que a gente devia insistir um pouco nisso, porque acho que é o fulcro central, quando se pretende melhorar a qualidade de ensino, discutir isso. Acho que a gente deveria falar um pouco mais sobre a capacitação, como ela vai ser feita, com que recursos. Se o senhor acredita que apenas através de ensino a distância ela pode ser feita, se não é preciso ser monitorado de qualquer outra maneira, acho que a gente precisaria falar um pouquinho mais sobre isso.

Paula Alzugaray: E outra questão, quer dizer, a capacitação por ensino a distância vai substituir o magistério para o professor que não concluiu o segundo grau, não é? Como vai ficar essa questão? Quer dizer, os cursos a distância são cursos de aperfeiçoamento do professor...

Ana Maria Sanches [interrompendo]: Ou de formação?

Paulo Renato de Souza: Tem que ser necessariamente...

Paula Alzugaray: ...que substituem o magistério?

Paulo Renato de Souza: Não, tem que ser necessariamente cursos de aperfeiçoamento, não é? Necessariamente, porque o curso de formação é um curso que, digamos, pertence ao âmbito estadual. É um curso que tem as suas normas, as suas exigências em termo de tempo, de aprovações, de currículo e conteúdo etc. Agora, acho muito importante a questão de que não é simplesmente a capacitação via televisão, entregue, digamos assim, que vai de uma maneira sem controle e sem segmento, vai melhorar o professor. Insisto no que disse: a responsabilidade, inclusive da capacitação, tem que ser dos sistemas estaduais e municipais, que são os sistemas que têm a gerência do sistema dos professores. O que nós queremos é oferecer um subsídio, é o que nós podemos fazer. O ministério não pode sair pelo Brasil afora treinando professor. Seria totalmente ineficiente, ineficaz e não teria sentido. Nós estaríamos atropelando o sistema e não queremos atropelar nenhum sistema estadual nem municipal, nós queremos trabalhar junto com os secretários. E, portanto, oferecer aquilo que nós podemos oferecer: um sistema nacional de televisão, a definição de um padrão curricular, cuidar da qualidade do livro didático. É o que nós podemos fazer no primeiro grau. Agora, o resto é por conta realmente dos governadores dos estados e dos municípios, que são os responsáveis pelos sistemas.

[Sobreposição de vozes]

Ana Maria Sanches: De onde está tirando tanta fé, já que a situação é essa?

Paulo Renato de Souza: Sempre fui otimista.

[risos]

Heródoto Barbeiro [interrompendo]: Ministro...

Paula Alzugaray: Quer dizer, o foco é então... O professor que já tem uma formação, quer dizer, é a continuidade...

Paulo Renato de Souza: Ou não: se ele não tem formação, também nós damos algum treinamento.

Paula Alzugaray: É o preparo do professor.

Paulo Renato de Souza: Ele prepara, melhora, mas não vamos substituir, não vamos dar um diploma para o professor...

Paula Alzugaray: E a questão dos magistérios?

Paulo Renato de Souza: A questão dos magistérios... Acabei de contar o meu drama como secretário em São Paulo. Acredito que esse seja o drama de todos os secretários estaduais, não é? Porque é a eles que corresponde a gerência do sistema, inclusive a gerência de qualidade do sistema e a definição dos conteúdos e o controle dos cursos de magistério. Esse é um problema, agora nós queremos trabalhar junto, muito junto com os secretários, não é? Liderando esse processo de melhoria, inclusive, dos cursos de magistério, que são cruciais para melhorar o ensino.

Heródoto Barbeiro: Ministro, eu queria dizer que o senhor acabou de responder a pergunta do senhor Salomão Sales Couto, de Recife em Pernambuco, e também da Ana Maria Soares, em Salvador, na Bahia, que está vendo Roda Viva. Ministro, alguns telespectadores estão perguntando também o seguinte: o senhor falou aí agora a respeito de investimento mais na escola superior do que no curso primário. Volto a insistir na questão: isso passa pela privatização do ensino superior ou não? É uma forma de o Estado se livrar desse tipo de gasto?

Paulo Renato de Souza: Privatização... É a segunda vez já que falam em privatização. O que significa privatização do ensino superior? Privatizar as universidades federais?

Heródoto Barbeiro: Ou seja, transformar uma escola pública em uma escola paga?

Paulo Renato de Souza: Não, isso nunca.

Heródoto Barbeiro: Não, isso não se discute?

Paulo Renato de Souza: Ensino pago ou ensino gratuito é outra discussão, não é? Isso não tem nada a ver com privatização do ensino, nada a ver, não é? Eu queria destacar um ponto que é extremamente importante na questão da universidade. Nós não queremos privatizar as universidades. Agora, o que quero é dar mais autonomia para as universidades. O que acontece hoje nas universidades públicas federais? Quem faz a política universitária, quem cria cursos, fecha cursos são os reitores e quem administra as universidades é o MEC [Ministério da Educação]. Tem que ser ao contrário. Quem tem que fazer a política é o ministério e quem tem que administrar são as universidades. E nós temos que inverter isto. Inverter como? Estabelecendo uma forma, realmente, de autonomia da universidade federal, pela qual ela tenha total gerência sobres seus recursos, humanos, de capital, de investimento, recursos correntes...

Vinicius Torres Freire: [interrompendo] Projeto de lei que está agora nas universidades federais...

Joaquim Carvalho: Eu queria perguntar o seguinte, ministro, eu queria voltar à questão colocada pelo Leonardo, que são aqueles números que ele apresentou, que são muito bons.  A decadência da escola coincide com a passagem do ensino obrigatório de quatro para oito anos. Então, me parece que o problema central hoje é a falta de recursos, quer dizer, o Estado brasileiro não tem condição de oferecer oito anos de escola para todos os brasileiros. O Estado não tem. Quando existia o grupo escolar, as pessoas mais velhas, mais antigas devem se lembrar, muita gente que tinha só a quarta série – cito dois casos: o Amador Aguiar [(1904-1991) na década de 1920, somente com o segundo grau completo foi trabalhar no Banco Noroeste, em Birigui, e anos mais tarde conseguiu fundar o Bradesco, um dos maiores bancos privados do país], presidente do Bradesco, e o Lula  [líder sindical  nos anos 1980, fundou o Partido dos Trabalhadores e foi eleito presidente do Brasil em 2002 e reeleito em 2006], presidente do PT, dois que tinham quarta série conseguiram ascensão social – conseguia, enfim, tinha o pensamento mais elaborado. Porque a escola era uma escola melhor, quer dizer, o Estado tinha condição de responder a essa demanda de quatro anos. Oito anos de ensino obrigatório, não é comum no mundo. Existem países de primeiro mundo onde o ensino obrigatório é de seis anos. As pessoas cursam mais, mas o Estado tem obrigação de dar seis anos, e dar bem. Eu sei que seria absurdo falar em volta de grupo escolar...

Paulo Renato de Souza: Não, o projeto de lei do senador Darcy Ribeiro [LDB] vai nessa direção.

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Sim. E, aliás, está aprovado, não é ministro?

Paulo Renato de Souza: Não.

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Na Câmara, passa agora pelo Senado. Está no Senado.

Joaquim Carvalho: Ministro, o senhor é a favor dessa idéia?

Paulo Renato de Souza: Olha, vamos começar por partes, não é? Concordo que foi um erro termos passado o ensino obrigatório para oito anos, quando passamos. Esse é o primeiro ponto. Portanto, eu diria, em princípio, que sou a favor de que o Estado devesse ter uma obrigação menor, não é? Em relação...

Joaquim Carvalho [interrompendo]: E de mais qualidade.

Paulo Renato de Souza: E de mais qualidade. Garantir quatro anos de aprovação para todo mundo seria fantástico no Brasil, não é? Agora, acho que a essas alturas nós não podemos voltar atrás. Acho que não podemos voltar atrás, temos que realmente terminar, porque acho que também não foi... Você fez uma afirmação que é um pouco complicada, vamos dizer assim: a decadência começou ali.

Joaquim Carvalho: Passou por, coincidiu, eu disse. Coincidiu.

Paulo Renato de Souza: Começou ali porque aquilo... Sabe o que aconteceu? É que a década de 1970 foi a década da grande mudança demográfica no Brasil, em que a população migrou do campo para a cidade, não é?

Leonardo Trevisan [interrompendo]: É verdade.

Paulo Renato de Souza: Onde realmente já começou a aparecer uma grande demanda por ensino e uma grande demanda localizada nas periferias urbanas. Quando assumi a Secretaria de Educação em São Paulo, tínhamos seis mil salas de aula sobrando e oito mil faltando ao mesmo tempo.

José Paulo Kupfer [interrompendo]: E se continuarem a construir escolas?

Paulo Renato de Souza: Não, mas é que as escolas são necessárias na periferia, enquanto que no centro da cidade sobram salas de aula, porque a população mudou, houve uma mudança demográfica muito importante. Então, em cima de uma mudança demográfica brutal, um crescimento da população brutal, nós acoplamos em cima disso uma mudança de quatro para oito anos. Foi realmente um erro histórico.

Joaquim Carvalho: E não há em sua opinião, não podemos voltar...

Paulo Renato de Souza: Acho que não podemos mais, nós já passamos o pior, que foi a transição demográfica.

Joaquim Carvalho [interrompendo]: Passamos?

Paulo Renato de Souza: Acho que sim.

Joaquim Carvalho: O senhor disse...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Agora, disseram o seguinte: "o Estado não tem condições de o Brasil dar oito anos". Acho que tem, porque ele está dando o equivalente...

Joaquim Carvalho [interrompendo]: Se hoje todos os pais tirassem os seus alunos da escola privada, se eu tirasse o meu filho da escola privada, se todos os pais tirassem, a rede pública teria condição de atender essa demanda? Eu fiz essa pergunta, porque o senhor disse que a mensalidade escolar não é um problema do Estado. Acho que é, porque, hoje, se todos os pais tirarem os alunos da escola particular – e eles farão isso com certeza se houver escola de boa qualidade na rede pública –, o Estado atende?

Paulo Renato de Souza: O Estado já está dando 12 anos de ensino, não está? Para quem termina as oito séries.

Joaquim Carvalho: Para quem isso? Está dando para quem?

Paulo Renato de Souza: Está dando para os que terminam as oito séries, ele está dando 12 anos.

[...]: Ele fica 12 anos na escola...

Joaquim Carvalho [interrompendo]: Mas ele está dando uma coisa... o que ele dá não é faz-de-conta? Quer dizer, a pessoa que termina hoje o segundo grau, eu diria que ela não tem a mesma capacidade de quem terminou quatro anos.

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Um dado só, um momentinho. Sabe qual é a média de freqüência dos alunos brasileiros na escola? São sete anos. Ele vai à escola sete anos em média, dado do Sergio [Costa Ribeiro]. Infelizmente ele morreu no começo... logo no começo do ano. E eu, quando vim coordenar o programa do então candidato senador Fernando Henrique, em junho, fui visitar uma pessoa apenas em especial. Foi o Sergio, para conversar sobre educação. Não tinha idéia de que ia ser ministro da Educação, fui visitar o Sergio na casa dele. Ele já estava muito doente e me contou uma história muito interessante. Ele disse: "Olha, descobri que, em Minas Gerais, tinha um aluno que estava havia sete anos no primeiro grau, na primeira série". Fui a Minas Gerais para conhecer o herói, porque um aluno que fica sete anos repetindo a mesma coisa é um herói. E ele tem uma vontade de aprender brutal, não é?

Leonardo Trevisan [interrompendo]: A culpa não é do aluno.

Paulo Renato de Souza: O Estado está dando sete anos.

Joaquim Carvalho [interrompendo]: A sociedade quer escola.

Paulo Renato de Souza: O Estado está dando sete anos para as crianças brasileiras.

Joaquim Carvalho: Mas de boa qualidade?

Paulo Renato de Souza: Não, mas nós temos que melhorar a qualidade. E acho que é possível melhorar a qualidade com o recurso estamos gastando.

Joaquim Carvalho: Se se reduzisse a obrigatoriedade não... Matematicamente a possibilidade é maior.

Paulo Renato de Souza: Olha, matematicamente tem tanta coisa. Vamos dizer o seguinte: se nós estamos levando 12 anos para formar oito, nós estamos com 50% a mais de professores do que o necessário, ou seja, 50% dos salários já podiam ter aumentado, não é? Nós temos 25 anos de aposentadoria para professor, se tivéssemos trinta anos, o salário poderia ser 20% maior, não é? Se nós tivéssemos...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Ministro, nós temos que ter muito cuidado com esse raciocínio, porque senão nós vamos por a culpa de todos os males da educação brasileira no coitado do professor.

Paulo Renato de Souza: Não, senhor. Não estou dizendo isso. Estou dizendo que, se nós vamos entrar em uma discussão verdadeira, temos que tocar em todos os pontos, não é?

Leonardo Trevisan: Sim! Perfeitamente.

Paulo Renato de Souza: E está havendo muito desperdício...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Concordo inteiramente.

Paulo Renato de Souza: Não é? E há, digamos assim, nós acabamos com os nossos professores – eu me incluo nessa categoria–, nós acabamos trocando, no passado, salário por benefícios diretos.

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Ministro, eu queria aprender aqui humildemente essa sua conta – deve estar certa–: se os professores se aposentassem aos trinta anos e não aos 25, ganhariam mais. Acho que é uma conta matemática

Paulo Renato de Souza: Claro, seriam necessários menores [contingentes], menos professores, hoje, não é?

José Paulo Kupfer: O senhor garante isso? Essa troca para eles?

Paulo Renato de Souza: Não, é que acho que essa troca foi feita de maneira errada no passado.

José Paulo Kupfer: Não, foi feita ao contrário, talvez, mas é uma conta matemática.

Paulo Renato de Souza: Pois é. Mas é que, hoje, a conseqüência é isso. Foi feita errada no passado. Nós adotamos princípios de benefício social para as carreiras. Isso eu vi tanto no estado de São Paulo, coordenei as carreiras, a questão salarial no estado de São Paulo durante o governo Montoro [(1916-1999) advogado, foi governador do estado de São Paulo pelo PMBD entre 1983 e 1987, foi também senador e deputado federal pelo PSDB]. Eu vi tanto... Antes de ser secretário da Educação, vi tanto isso no estado de São Paulo. Nós nos enganamos a nós mesmos com benefícios adicionais que os países mais desenvolvidos nem têm, ou seja, benefícios como quatro meses de licença-maternidade nós copiamos dos países nórdicos, onde a taxa de crescimento da população é menos de 1%, onde é possível dar esses benefícios. Agora, nós estamos...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Veja bem, ministro, então nós estamos chegando a uma conclusão. Estamos chegando a uma pequena conclusão de que nós temos, na educação também, que é uma coisa que estava passando um pouco pelo brasileiro comum... de que o nosso problema não era tanto de verbas com educação e sim da forma como nós gastávamos essa verba.

Paulo Renato de Souza: Estou totalmente convencido.

Leonardo Trevisan: Muito bem, acho que o problema passa a ser um pouquinho de verbas. Vamos nos dirigir, agora, ao funcionário do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] que teve uma...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Ex, ex!

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Ex-funcionário do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], não é? Vamos pensar que a gente poderia ter uma outra forma de arranjar recursos para a educação. Nós temos uma forma que é 18%, a forma constitucional, 18%. Pelos dados a que tive acesso, nós, em 1990, dedicávamos 19,7 bilhões de dólares para a educação, em 1991, 15; em 1992, 13,7. Em 1993, recuperamos um pouco isso, voltamos a um patamar médio, ou seja, ministro, a teoria dos 18% não tem funcionado, porque de alguma forma o valor de dinheiro destinado à educação vem caindo. Ele acompanha o ciclo econômico. Veja bem, agora, nós não podemos... porque, se acompanharmos o ciclo econômico, vamos pensar: "nós acompanhamos o ciclo econômico, está tudo muito bem formulado". O ciclo cai, se pressuporia que a qualidade da educação caísse junto, porque tem menos dinheiro. Isso é inaceitável, ministro. No entanto, não estaria na hora de reformularmos esse conceito constitucional, essa idéia constitucional de 18%? O senhor tem insistido muito nos jornais que é favorável a esses 18%.  Quando a crise vem, a educação cai, o Brasil e nenhum país do mundo podem suportar isso.

Paulo Renato de Souza: Só que, se não fossem os 18%, cairia mais.

Leonardo Trevisan: Será ministro?

Paulo Renato de Souza: Não tenho dúvida.

Leonardo Trevisan: Se nós ficássemos em índices. Não estaria na hora de inteligência, ministro? Se nós criarmos alguma forma nova?

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Espera aí, ministro, agora vou pedir licença! O senhor é um economista também, um homem de governo, o senhor vai defender na nossa frente a vinculação das aposentadorias de todos os pagamentos ao salário mínimo? Coisa que o governo quer terminar, porque é o mesmo problema. Eu queria que o senhor fizesse essa defesa nesse momento.

Paulo Renato de Souza: Ué, mas isso o presidente Fernando Henrique acaba de... Estive com ele essa tarde e ele disse claramente...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Porque, certamente as pessoas que, por exemplo, hoje, estavam aqui em São Paulo, brigando com a polícia em cima de uma coisa que parece muito absurda, um aumento de 81%, defendiam o seu argumento, que é o seguinte: se tirassem isso, ai, deles...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Não, José Paulo, não dá para...

José Paulo Kupfer: Não teriam mais nada.

Paulo Renato de Souza: Não, não. Aqui não dá para comparar situações, certo?

José Paulo Kupfer: Não é isso, não?

Paulo Renato de Souza: São coisas totalmente incomparáveis.

José Paulo Kupfer: São vinculações, porque alguém vai meter a mão; então, vincula e segura legalmente...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Não. São vinculações [distintas]... uma vinculação aos salários é uma coisa, do salário do funcionalismo em geral, está certo? Outra vinculação é a questão da educação.

José Paulo Kupfer: Ué! É a mesma coisa.

Paulo Renato de Souza: Não! Não é não senhor. Aqui há uma prioridade para uma área da educação.

José Paulo Kupfer: Seria facilmente uma questão de decisão política e não íamos ficar ao sabor do sobe e  desce do PIB [Produto Interno Bruto].

Leonardo Trevisan: Veja, o país precisa de tanto para cuidar da sua educação e de sua saúde e ponto final.

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Como nós não temos condições de termos que tomar decisões políticas...

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Senão, não vamos fazer obras.

José Paulo Kupfer: Nesse sentido, vamos fixar logo, constitucionalmente, e aí pronto...

[risos]

José Paulo Kupfer: É o que os funcionários alegam também.

Paulo Renato de Souza: Posso falar?

Heródoto Barbeiro: Por favor, eu gostaria de que o senhor respondesse então. Pode falar, por favor. Kupfer, por favor, o ministro.

Paulo Renato de Souza: Olhe, em primeiro lugar esses dados, em termos reais, estão calculados em dólar. E o dólar, nesse período, variou bastante por razões que nada têm a ver com as condições de vida do Brasil, com o poder de compra dos salários que são o maior componente dos gastos da educação. Portanto querer vincular, em um período de uma inflação brutal, que variou muito ao longo do ano, que em 1990, nós tivemos 80% de inflação em um mês e depois zero no mês seguinte. Se o gasto foi feito em um mês ou no outro, a diferença é brutal e esses dados nossos não estão deflacionados por mês. Portanto, nesses dados de valor real em dólar ano a ano eu não acredito, para mim não servem para nada. Não servem para nada.

Leonardo Trevisan: Nós estamos pondo em dúvida as estatísticas nacionais, ministro.

Paulo Renato de Souza: Mas, olha, não estou pondo em dúvida, estou sendo apenas científico.

Leonardo Trevisan: Devemos pôr em dúvida as estatísticas nacionais?

Paulo Renato de Souza: Não, nós não vamos ser aqui... nós somos todos economistas formados. Todos sabemos o valor dos dados e para que eles podem ser usados e para que não podem ser usados. Nós não vamos comparar o produto nacional bruto em dólar ano a ano. Se nós formos tomar esses dados, nós vamos chegar à conclusão de que o produto caiu 10 ou 20% de um ano para outro. Coisa que não aconteceu, porque as nossas contas nacionais não são feitas em dólar...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Mas, então, para que vincular, ministro? Para que vincular então?

Leonardo Trevisan [interrompendo]: Me parece lógica a pergunta dele: então, para que vincular?

Paulo Renato de Souza: Não, um momento, estou respondendo primeiro à questão de por que o valor absoluto, esse que foi mencionado, não tem sentido como indicador da inflação.

Leonardo Trevisan: Sim, entendi perfeitamente.

Paulo Renato de Souza: Agora, a questão da vinculação. Acho que, em princípio, em termos a históricos, não sou favorável a vinculações de qualquer espécie, porque acho que é uma maneira que não é transparente de mostrar os recursos, onde os recursos são aplicados. Por exemplo, quando um prefeito diz que está aplicando na educação e cria uma faculdade municipal e não está aplicando no primeiro grau, mas cria porque tem que aplicar os 25% ou constrói um ginásio de esportes ou uma ponte na frente da escola para dizer que está aplicando 25%, só por causa da vinculação... Ele estabelece aqui uma satisfação geral para o seu eleitorado, diz “olha, estou aplicando 25% e não me pergunte mais sobre isso”, enquanto, se não tivesse isso ele teria talvez de explicar muito mais, não é?

José Paulo Kupfer: Sim, claro.

Paulo Renato de Souza: Muito mais. Agora, vamos olhar as circunstâncias históricas desse momento...

Leonardo Trevisan: Aí o senhor está levando "água para o nosso moinho".

Paulo Renato de Souza: Não, senhor, estou falando em tese. Agora, vamos ver a questão concreta: Brasil, 1995, a situação da educação do jeito que está. Se não houver a vinculação, os recursos vão diminuir, como diminuíram, mais do que na educação, na área da saúde...

José Paulo Kupfer: [interrompendo] Por que vai diminuir?

Paulo Renato de Souza: Porque, infelizmente, a educação não é uma prioridade política nacional e que nós temos que fazer. A sociedade brasileira obrigou, através do Congresso, a colocar os 18% como uma forma de estabelecer alguma barreira, alguma fronteira aqui. Talvez, se nós formos bem-sucedidos nessa campanha de levar à conscientização nacional, talvez, se nós formos bem sucedidos na coisa de levar o Brasil a colocar a educação, realmente, como uma prioridade, possamos dispensar no futuro a vinculação dos 18, dos 25%. Nesse momento, sou contra.

João Vitor Strauss: Mas, ministro, já não acontecem situações em que, por exemplo, municípios que já resolveram, já equacionaram muito bem o seu ensino básico. Já não têm mais o que investir em construção, já têm toda uma estrutura...

Paulo Renato de Souza: [interrompendo] Tem algum exemplo disso ou não? Algum município que o senhor pode me dar como exemplo?

João Vitor Strauss: Não sei, o Brasil é grande...

Paulo Renato de Souza [interrompendo]: Não tenho. Não tenho nenhum.

Leonardo Trevisan: Montes Claros, em Minas, é um exemplo. Tem um equacionamento parcial.

Paulo Renato de Souza: O salário do professor é alto?

Leonardo Trevisan: Agora, o senhor veja que eu não saberia responder. O salário do professor eu não saberia responder.

Ana Maria Sanches: [interrompendo] Nesse momento é onde você vai investir se você já resolveu o resto.

Heródoto Barbeiro: Ministro, tem uma pergunta aqui, a respeito do Mercosul, do nosso telespectador, o senhor Carlos Henrique Grailen: "Ministro, em relação ao Mercosul, me parece que, para haver uma compatibilidade, teríamos que ter quatro anos no segundo grau. É isso?"

Paulo Renato de Souza: Os países que integram o Mercosul têm quatro anos no segundo grau.

Heródoto Barbeiro: E a segunda questão seria o seguinte: a introdução do ensino de espanhol no Brasil. Pensa-se nisso? Cogita-se disso? Parece que é uma idéia do [ex] presidente Itamar Franco.

Paulo Renato de Souza: [interrompendo] Tem um projeto de lei encaminhado pelo governo, pelo [ex] presidente Itamar Franco a que o presidente Fernando Henrique reiterou o seu apoio, não é? No sentido de...

Heródoto Barbeiro: [interrompendo] Mas é como currículo obrigatório ou não?

Paulo Renato de Souza: Eu não tenho certeza...

Heródoto Barbeiro: Optativo.

Paulo Renato de Souza: Me parece que é obrigatório o ensino de espanhol em algumas séries do segundo grau.

Vinicius Torres Freire: Voltando para a escola, reprovação é um assunto grave de resolver, não é? A Secretária de Educação daqui de São Paulo disse que, nas escolas que têm gente, coordenador pedagógico, professor e material, vai acabar com a reprovação. Ela vai botar essa criança para ser retreinada e essa criança vai pular de série. O senhor é a favor ou contra esse critério?

Paulo Renato de Souza: Não é que ela vai acabar com a reprovação, ela vai fazer...

Vinicius Torres Freire [interrompendo]: Não. Vai botar um decreto.

Paulo Renato de Souza: Não, vai fazer o ajuste na seriação com a idade. Sou a favor, porque nesse momento, a defasagem, os senhores assistiram à aula que o presidente Fernando Henrique foi dar lá no interior da Bahia. E o presidente, no começo da aula, até para mostrar um pouco a situação, o retrato do ensino, ele perguntou o nome e a idade de cada aluno, não é? E nós tínhamos na sala uma aluna de seis anos que estava na segunda série e uma de 15 que estava na terceira, não é? E isso é o retrato da nossa escola de hoje. Alunos de... às vezes, com diferenças até maior do que essa. Aquela menina de 15 anos estava envergonhada, eu estava lá e passei quase todo tempo observando. Ela estava envergonhada de estar no meio dos meninos de seis, sete anos.

Vinicius Torres Freire: Não tem nenhuma medida federal para sanar essa...

Paulo Renato de Souza: Não. Não é medida federal. Quem vai tomar essa medida vai ser a secretária de São Paulo e nós vamos apoiar isso. Como em outros estados também está se pensando nisso, ou seja, estabelece-se um exame de todas as crianças que já passaram da idade de quarta série, não é? Dá-se um treinamento especial a essas crianças, cursos especiais e faz-se um exame de suficiência para a quarta série e passa para a quinta. E o mesmo fazemos na oitava. Isso é uma forma que nós chamamos de acerto na seriação, acerto do fluxo escolar. É uma proposta da secretária [de Educação do estado de São Paulo] Rose [Neubauer], que nós estamos apoiando.

Ana Maria Sanches: E, falando na experiência paulista, vocês apoiariam também uma sugestão de CB, de Ciclo Básico [implementado pelo governador Franco Montoro em 1983 por meio de decreto estadual com o objetivo de reverter os altos índices de reprovação escolar, em especial do 1º e 2º ano do ensino fundamental. Instaurou-se nas escola de rede municipal o projeto de reorganização curricular e a "não-reprovação" nos primeiros anos, com o intuito de estimular o aluno a frequentar a escola] para o país?

Paulo Renato de Souza: Instalei o ciclo básico.

Ana Maria Sanches: Sim, então, e devido aos bons resultados que ele tem mostrado...

Paulo Renato de Souza: Sou totalmente a favor.

Ana Maria Sanches: O governo pensa, vocês pensam em fazer essa sugestão?

Paulo Renato de Souza: Nós não podemos obrigar isso. Mas nós queremos trabalhar isso.

Ana Maria Sanches: Não, claro que não, mas vocês pensam em fazer essa sugestão e apóiam iniciativas como essas?

Paulo Renato de Souza: Certamente. Acho que é uma experiência que demonstrou dar resultados importantes, não é? É uma experiência que... Em outros países, temos uma situação muito semelhante a essa, de uma avaliação que não significa uma reprovação, mas significa encaminhar o aluno em uma outra direção, estabelecer classes de apoio, um apoio extra, não é? Eu acho que... por que não caminhar nessa direção?

José Paulo Kupfer: Ministro, se toda essa campanha, todo esse seu esforço for bem-sucedido, talvez logo nós vamos também ter mais responsabilidade nacional, além do futebol e da economia, teremos a educação, que não é como os outros dois, tão simples quanto parece. Será que o senhor não poderia aqui começar a explicar melhor o que talvez a gente imagine seja o raciocínio convencional de que, se não há reprovação, no final das contas, o ensino vai cair de qualidade. Vão ser aprovados e diplomados "burros funcionais" nesse país?

Paulo Renato de Souza: Olha, nós não queremos... Não se trata de simplesmente dizer que não vai haver reprovação e que os alunos serão aprovados por decreto. Não é, vamos muito longe disso. Em outros países nós temos sistemas educacionais em que não existe...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Em que países, por exemplo?

Paulo Renato de Souza: Estados Unidos, por exemplo, não existe reprovação nas oito primeiras séries.

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Como funciona lá?

Paulo Renato de Souza: Funciona, [por]que o aluno é permanentemente avaliado, não é? O professor procura dar reforço com classes adicionais para aqueles alunos que se atrasam. E, ao longo do curso, acaba se estabelecendo currículo de intensidade diferente.

José Paulo Kupfer: Quer dizer, tem o inverso também, enfim: o aluno pode procurar um currículo mais pesado, não é?

Paulo Renato de Souza: Mais pesado ou mais simples, ele vai sendo dirigido para o currículo mais pesado ou mais simples. O sistema é criticado também, muito criticado...

Paula Alzugaray [interrompendo]: Essas classes adicionais não encarecem muito? Você já tem um gasto com repetência muito grande?

Paulo Renato de Souza: É. Mas, olha, nada se compara ao gasto da repetência, nada se compara. E nós deixaremos de ter o gasto da repetência, esse é o ponto. A classe adicional é para que não exista repetência.

José Paulo Kupfer: Então vamos voltar aqui: como é que o sujeito chega lá, o rapaz chega no final dessa história...

Paulo Renato de Souza: Então, ele termina a oitava série...

José Paulo Kupfer [interrompendo]: Com um chapéu de burro na cabeça e aprovado.

Paulo Renato de Souza: Não, ele termina a oitava série. Os alunos que terminam a oitava série em uma mesma escola, no fundo, lá vêem matérias diferentes. Terminam a oitava série, mas um viu matemática mais avançada e o outro menos avançada. É criticável o sistema. Mas pergunto se isso não tem também uma certa vantagem, a criança, pelo menos, ir a cada ano, ainda que não aprenda tudo que deveria aprender, ver coisas diferentes e ter uma visão do conjunto da matéria... [É melhor] do que ficar repetindo a cada ano a mesma coisa sem passar de ano. Aqui, nós não estamos vendo o que é ideal. Ideal é o aluno aprovar, ter um bom aproveitamento...

Heródoto Barbeiro: Um esclarecimento, ministro, um esclarecimento. O senhor José Carlos Faccine, aqui de São Paulo, diz o seguinte: "Por que as delegacias de ensino fazem pressão para que todos os alunos não sejam reprovados? O senhor conhece esse tipo de orientação, para não reprovar ninguém?"

Paulo Renato de Souza: Não, não conheço orientação. E, ao contrário, o que acontece é que isto foi uma grande contribuição do professor Sergio Costa Ribeiro. Ele mostrou que os dados educacionais são totalmente falsos em relação à realidade. Porque os dados educacionais mostram uma reprovação muito pequena. O que acontece é que os alunos não fazem exame, são desaconselhados a fazer exames e aparece como evasão e não como repetência, quando é uma repetência.

Heródoto Barbeiro: Do Paraná, Curitiba, dona Leni Gareto quer saber do senhor o seguinte: "Por que em alguns cursos o diploma é obrigatório?" E ela me diz o seguinte aqui: "Para ser professor, não?" E ela diz aqui: "Nas áreas rurais, as pessoas, às vezes, nem têm qualquer tipo de formação."

Paulo Renato de Souza: Não, o diploma é obrigatório, inclusive para se registrar como professor tem que vir nas delegacias do ministério se registrar. O problema é que, por falta de professor, no interior, especialmente no Nordeste, se acaba contratando professor que não tem capacitação, por falta de professor com capacitação na área. Mas o diploma de professor é obrigatório. Isso é um dos tantos defeitos da legislação brasileira, que é eminentemente credencialista e legalista. Nós colocamos na lei que o diploma é obrigatório e nos satisfazemos com isso. E, na realidade, é diferente.

Joaquim de Carvalho: Ministro, o senhor falou bastante em orçamento e queria lhe fazer uma pergunta, com todo respeito: o senhor não está no lugar errado no governo federal? O senhor não deveria estar na Secretaria de Planejamento, que era o cargo que lhe foi prometido pelo presidente Fernando Henrique?

Paulo Renato de Souza: Não, nunca houve isso. O presidente Fernando Henrique me convidou para ser ministro da Educação. Eu vim para o Brasil, estava trabalhando em Washington para coordenar a campanha, coordenar a elaboração do programa de governo. O que fiz... eu me sinto, realmente... foi um dos períodos de trabalho mais intensos e mais gratificantes da minha vida. Depois da eleição, o presidente me convidou para coordenar a transição. O que fiz também com muita satisfação, um trabalho realmente muito intenso. E, ao término disso, o presidente me convidou para ser ministro da Educação.

Joaquim de Carvalho: O senhor não quis ser secretário do Planejamento?

Paulo Renato de Souza: Não, não, não fui, porque o presidente me convidou para ser ministro da Educação, coisa em que, aliás, hoje me sinto realmente como um peixe na água, não é? Sinto-me realmente muito feliz nessa área e acho que o desafio na educação é um desafio viável, não é? Acho que o desafio é muito grande, mas é um desafio bonito e viável.

Heródoto Barbeiro: Ministro Paulo Renato de Souza, nós queremos agradecer a sua gentileza pela participação aqui no Roda Viva. Muito obrigado, ministro.

Paulo Renato de Souza: Muito obrigado a todos vocês e novamente é uma grande alegria regressar a minha TV Cultura. Fui conselheiro daqui tantos anos, como secretário da Educação, como reitor, período em que a TV Cultura realmente ganhou uma expressão nacional. E quero realmente contar com a TV Cultura como uma peça muito importante nesse nosso esforço de recuperar a educação no Brasil.

Heródoto Barbeiro: Ok. Muito obrigado. Muito obrigado também aqui à presença dos jornalistas que participaram conosco dessa edição do Roda Viva. E nós voltamos na próxima semana às 10 e meia da noite. Muito obrigado e até lá.

Paulo Renato morreu em 25 de junho de 2011, aos 65 anos, após sofrer um infarto fulminante, na cidade de São Roque, interior de São Paulo, onde passava o feriado de Corpus Christi em um hotel da cidade.

 

 

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