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Memória Roda Viva

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Nelson Jobim

1/10/2007

Jobim avalia a articulação do Ministério da Defesa com as Forças Armadas e qual deve ser a postura desta em relação à proteção do território nacional e segurança pública

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Paulo Markun: A crise aérea acaba de completar um ano e o Roda Viva entrevista hoje Nelson Jobim, novo ministro da Defesa, responsável pelo setor da aviação e pela reformulação do Plano Nacional de Defesa. Você vê a entrevista em um instante.

[intervalo]

Paulo Markun: Nelson Jobim integra uma lista de quase uma dezena de políticos que trabalharam, ou estavam politicamente ligados ao governo Fernando Henrique [Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e presidente do Brasil entre 1994 e 2002 pelo Partido da Social Democracia Brasileira (
PSDB)] e que foram chamados para fazer parte da administração Lula [Luis Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil desde 2003 pelo Partido dos Trabalhadores (PT)]. À frente do Ministério da Defesa, ele assume uma área delicada: militares insatisfeitos com salários, falta de verba para as Forças Armadas e a desorganização que se abateu sobre o sistema de transporte aéreo do país.

[Comentarista]:
Nelson Jobim é o quarto ministro de Lula na Defesa. E o sexto desde que o órgão foi criado em 1999 por Fernando Henrique Cardoso para integrar as três Forças Armadas [Exército, Marinha e Aeronáutica] e colocá-las sob o comando de um ministro civil. Gaúcho de Santa Maria e formado em direito, Jobim começou carreira política nos anos 1980 e se elegeu duas vezes deputado federal pelo Rio Grande do Sul. Em 1995, foi ministro da Justiça de FHC [Fernando Henrique Cardoso] e depois ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal. Aposentado em 2006, tentou disputar a presidência do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], mas desistiu. Voltou agora à cena federal como ministro da Defesa no pico da crise do setor aéreo, desencadeada depois do acidente com o Boeing da Gol [empresa Gol Linhas Aéreas] na Amazônia, no ano passado. O choque do Boeing com um jato executivo, que deixou 154 mortos, levantou suspeitas sobre a segurança do controle aéreo no país. Acusados e pressionados, os controladores reagiram até com motins para protestar contra o excesso de trabalho, falhas em equipamentos e defasagem tecnológica do sistema de controle do tráfego de aviões. Atrasos e cancelamentos de vôos provocaram tumultos nos aeroportos, prejuízos econômicos e conflito político em Brasília. Duas CPIs [Comissão Parlamentar de Inquérito] foram criadas - uma na Câmara, outra no Senado - para apurar responsabilidades pelo apagão aéreo. Mas tudo ficou ainda pior em julho deste ano, com o mais grave desastre aéreo do Brasil com o Airbus da TAM em São Paulo e que matou 199 pessoas. Exploração comercial excessiva, infra-estrutura saturada, incapacidade administrativa, denúncias de irregularidades, descaso, erro humano. A tragédia de Congonhas [Aeroporto de Congonhas, em São Paulo] expôs ainda mais os problemas do setor aéreo, questionando principalmente a ação dos órgãos de controle, no caso, a Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], a agência que regula o transporte aéreo, e a Infraero [Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária]
, empresa que administra os aeroportos. Desgastado por dez meses de crise, o então ministro da Defesa, Waldir Pires, foi substituído por Nelson Jobim que, de imediato, deu início ao processo de troca das diretorias da Infraero e da Anac, além de abrir investigação sobre irregularidades nas duas empresas. O novo ministro também determinou a reforma da pista do aeroporto de Guarulhos [Aeroporto Internacional de São Paulo Governador André Franco Montoro, também conhecido como aeroporto de Cumbica], reduziu as pistas de Congonhas para criar áreas de escape, diminuindo também o número de operações diárias e de conexões no aeroporto mais movimentado do país. Mas a reestruturação do setor aéreo terá que enfrentar suas próprias estatísticas. O número de passageiros cresceu de 72 milhões, em 2003, para 102 milhões, em 2006. O aumento é de 42%. O número de aeronaves, no entanto, caiu. Em 2003, a frota era de trezentos e cinqüenta aviões. Em 2006, 265, 25% a menos. Com isso, os aviões passaram a voar mais horas por dia. Em 2003, eram sete horas por dia. Em 2006, passou para três horas por dia, 86% a mais. O tempo de manutenção da frota diminuiu. A pontualidade também. Em 2003, o atraso atingia 14% dos vôos. Em 2006, os atrasos envolveram 25% dos vôos. Quanto à segurança das pistas, oito dos dez principais aeroportos do país apresentam defeitos, que vão de pista escorregadia até buracos nos asfalto. Entre todos, só Cumbica tem um sistema completo de segurança. Relatório recente da Iata [sigla em inglês da Associação Internacional em Transporte Aéreo] informou que o Brasil teve 3,5 vezes mais acidentes do que a média mundial em 2006, e que o controle de tráfego aéreo compromete a segurança dos vôos no país. 

Paulo Markun: Para entrevistar o ministro da Defesa, Nelson Jobim, convidamos Roberto Godoy, jornalista do jornal O Estado de S. Paulo, especialista em assuntos militares; Merval Pereira, colunista de O Globo;  Eliana Cantanhêde, colunista do jornal Folha de S. Paulo; Mário Simas Filho, editor-chefe da revista IstoÉ; Eliézer Rizzo de Oliveira, pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas. Convidamos também João Roberto Martins Filho, sociólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos e presidente da Associação de Estudos de Defesa. Temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e flagrantes do programa. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV pela rede pública para todo o Brasil. Também é transmitido pela Rádio Cultura AM. Para participar, você pode fazer sua pergunta pelo telefone (11) 3677-1310 ou pelo fax (11) 3677-1311, e pode também mandar sua pergunta pelo site <www.cultura.com.br/rodaviva>. Boa noite, ministro.

Nelson Jobim: Boa noite.

Paulo Markun:
A gente pode ter a impressão de que o auge da crise aérea ficou para trás, evidentemen
te isso é indiscutível. O senhor acha que em algum momento nós teremos um raio X completo do que aconteceu, para que se possa saber as responsabilidades efetivas?

Nelson Jobim: 
Bem, o Decea [Departamento de Controle do Espaço Aéreo], que é o organismo que verifica não a responsabilidade, mas as causas dos dois acidentes, tanto da Gol como da TAM no Brasil, já está encerrando a parte relativa à Gol. O da TAM, ainda há algumas análises a fazer para verificar as causas do acidente e recomendar providências. Veja bem, o Decea não apura responsabilidades...

Paulo Markun: [interrompendo] Mas nós estamos falando... Eu perguntei, ministro, não exatamente sobre os acidentes - porque acidentes a gente apura a causa, em todos os países - mas eu digo do apagão aéreo, da crise aérea, seja como for que a gente denominar essa seqüência de problemas que se inicia muito claramente no acidente da Gol e se potencializa no acidente da TAM.

Nelson Jobim:
Houve uma série de problemas que nós estamos tentando compor. Principalmente, houve uma espécie de desorganização do sistema. As entidades vão conversar entre si, a Infraero, Anac, a Conac [Conselho de Aviação Civil]. Faltava uma estruturação do sistema e nós fizemos uma linha de princípio e ordem no sistema. Ou seja, nós temos de um lado a Infraero, que opera com a infra-estrutura portuária, isto é, aeroportos, pistas, etc, e a Anac, que opera com a fiscalização e regulação. E esses organismos não estavam, digamos, concatenados, no sentido de atender a uma regra. E o que nós precisamos fazer é exatamente isso, via Conac, que é o órgão máximo do sistema. Procurarmos otimizar e maximizar o uso da infra-estrutura portuária, a bem do cliente, do consumidor. E essa maximização definida pelo Conac, a ser executada pela Anac e Infraero, além do Decea, que faz o controle aéreo, nos leva a ter segurança, regularidade, pontualidade, qualidade dos serviços e preços.

Merval Pereira:
Ministro, essa falta de entendimento entre esses órgãos todos não tem na sua raiz um problema que é o problema do Ministério da Defesa, desde que ele foi implantado? É o choque entre o poder civil e o poder militar, que até hoje não encontraram uma maneira de conviver bem?

Nelson Jobim: Não, Merval. Não, porque esse apêndice, que é o problema da aviação civil, não fecha essa questão das origens militares.

Merval Pereira: Os controladores de vôo, foi um problema exatamente desse. [interrompendo]

Nelson Jobim: Aí é problema de salário também, os controladores procuraram otimizar sua posição em termos salariais. Como são militares - você tem uma quantidade imensa de militares no controle aéreo, nós formamos nessa linha, a tradição brasileira caminhou por essa linha - eles tentaram, num determinado momento, resolver o problema [deles], que é um problema sério...

Paulo Markun:
[interrompendo] Tentaram fazer uma greve? Porque otimizar a condição salarial numa atividade tão grande, reduzindo sua atividade, não é greve?

Nelson Jobim:
Mais ou menos isso, caminharam para isso, tanto é que houve aí um problema de motim, já há denúncias que estão circulando no poder judiciário, que é assunto exclusivamente do judiciário militar. Mas a situação dos controladores era essa, exatamente essa, têm um poder e tentaram usá-lo para efeito de conseguir certos resultados salariais. O governo, num determinado momento, fez os contatos e depois o presidente Lula resolveu entregar a solução do problema ao comandante da Aeronáutica, que aí determinou a prisão de alguns, etc. Hoje o problema está resolvido.

Mário Simas Filho: Esse descompasso de todos esses órgãos certamente já havia antes do acidente do avião da Gol.

Nelson Jobim:  Descompasso?

Mário Simas Filho: Entre todos os órgãos que trabalham nessa questão.

Nelson Jobim: O acidente da Gol é que trouxe o problema à tona. Não foi causado por essa desconexão, foi um problema técnico, está sendo levantado pelo Decea, e aí apareceu o problema. No momento em que começou a se vincular que os controladores teriam algum índice de culpa naquilo, aí surgiu... e detonou o problema todo.

Eliane Cantanhêde: Agora, ministro, aqui no Brasil, os problemas vão se sobrepondo e um vai enterrando o outro. O acidente da Gol teve uma característica muito própria de controle de tráfego aéreo e o do Airbus [da TAM] já tem outras características que entram naquilo que o senhor falou, na briga dos órgãos. Mas, o acidente da Gol expôs uma situação do controle aéreo que ninguém discute mais. Todo mundo resumiu aquela questão ao controlador pedindo aumento. Será que é tão simples assim? Há uma radiografia de como é o sistema de radares, como é o sistema de segurança do controle aéreo? Não estou falando de Infraero, de Anac, de nada disso...

Merval Pereira:
As zonas cinzentas que saíam do radar...

Nelson Jobim: Veja bem, o que nós temos em relação a isso? O nosso sistema de radares... O problema de segurança do vôo, em termos de trânsito, não tem problema. Os radares correspondem, mais ou menos, a uma - digamos - a uma luz de lanterna. Quanto mais alto, mais eles são abrangentes. Quando se está a dez mil metros, tem uma cobertura completa. Quando vai baixando, vai abrindo espaços, como todos que acontecem. [Nessa situação o] controle se dá pelo rádio, ou seja, pelo sistema de rádio, e não teria dificuldade. Ou seja, a parte onde circula a aviação civil, está toda coberta. Não há nenhum problema em relação a isso. A questão do vôo do acidente da Gol teve aquele problema do transponder. O transponder dá a altitude do avião. [Estando o transponder desligado], você não tem [a] altitude. Naquela rota, 370, você não tinha a informação de qual era a altitude em que estava um dos aviões.

Eliane Cantanhêde: Ministro, desculpa, mas o acidente da Gol mostrou que os controladores são muito despreparados. Eles não sabem falar a língua da aviação, que é o inglês, eles não respeitaram várias regras, independentemente do erro dos pilotos. Tanto que o IPM [Inquérito Policial Militar] da própria Aeronáutica acusa os controladores...

Nelson Jobim: Eu entendo essa situação. Nós estamos exatamente fazendo uma formação nova em relação aos controladores. Inclusive, nós temos a obrigação com a Organização de Aviação Civil Internacional
(Oaci), de fazer com que, no período de dois anos, tivéssemos os controladores todos falando inglês. Estamos formando novos controladores junto ao CTA [Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial] da Aeronáutica, e vamos resolver o problema da substituição de controladores. Nesse ponto, do controle de tráfego aéreo, nós entendemos que problema está se resolvendo. A questão futura da desmilitarização ou não, não é algo para levantar agora, vai depender exatamente da transposição do sistema de controle de radar para satélite. Aí nós teríamos condições de reservar o problema do controle militar via satélite e trabalharmos com o problema dos satélites.

Renato Godoy: O senhor não é o ministro do "apagão", é o ministro da Defesa e tem se esforçado para deixar isso bem claro. Mas o senhor tem uma missão extremamente difícil... se olhar para as
coisas que estão razoáveis, vinte anos de defasagem, algumas delas mais do que isso. Que tipo de plano diretor o senhor pretende ter para resolver os problemas das Forças Armadas como profissão, equipamento?

Nelson Jobim: Roberto, veja bem, o problema que tivemos com as Forças Armadas foi o problema da transição. Quando houve a transição, questão de defesa e de segurança era visto pela esquerda como a questão de repressão. Você não tinha nenhum discurso, nenhum projeto em relação à defesa, como não tinha projeto em relação à segurança. Tudo isso era tratado como segurança, era contra os direitos humanos e defesa não era assunto porque estava vinculado à repressão política. Isso teve conseqüências em relação ao isolamento dos militares. Os militares acabaram ficando isolados em relação ao processo global político novo que a transição nos trouxe, inclusive a Constituição de 1988. Agora o que nós precisamos fazer e começamos a fazer? Um novo Plano Estratégico Nacional de Defesa para estabelecer, definir as tarefas das Formas Armadas, ou seja, do Exército, Marinha e Aeronáutica. E aí nós temos a seguinte situação: o Exército, por exemplo, nós temos uma imensidão de território com fronteiras imensas e temos de um lado também restrições orçamentárias. Como você compatibiliza a necessidade de estabelecer um processo de defesa com essa situação? Isto é um ponto fulcral em relação aos militares. Com isso nós teríamos que trabalhar em cima de uma força de movimento rápido e também discutirmos o problema do aquartelamento. O aquartelamento é um modelo que tem que se aplicar a todo o país, ou [um] modelo que se justifica somente na fronteira da Amazônia? E qual é a política que nós teríamos com a Amazônia? Com isso, o que nós queremos fazer? Já iniciamos a discussão do assunto, já fizemos a primeira reunião com a Marinha, faremos uma segunda reunião com o grupo da Aeronáutica e, por último, uma reunião com o Exército, para situar os temas, definir as tarefas, saber como, por exemplo, o exército enfrentaria a invasão, a entrada no território brasileiro de uma força paramilitar [associação civil, armada e com estrutura semelhante à militar. Geralmente tem objetivos político-partidários, religiosos ou ideológico
s], apoiado ou não por países estrangeiros?

Merval Pereira: Esse problema já apareceu no Pan [Jogos Pan-Americanos, evento esportivo organizado no Rio de Janeiro,em 2007], quando estavam organizando a segurança do Pan, ficou claro que o Brasil não tinha helicóptero para...

Nelson Jobim: Merval, feita essa pergunta, a pergunta primária é: como pretende a Força [Forças Armadas] desempenhar essa tarefa? Estabelecida a resposta, você terá que estabelecer outros critérios como qual a mudança de perfil necessária da tropa para atender a tarefa, quais os instrumentos necessários para isso, qual é o tipo de equipamento. Ou seja, a verdade é o seguinte Roberto, a política em relação às Forças Armadas acabou sendo feita por elas próprias e, às vezes, pelo seu próprio comandante. O que queremos estabelecer é definida a tarefa, definidos os equipamentos, formular a política. Mas com uma condição: que se possa inserir esse projeto de defesa dentro do desenvolvimento nacional e ter um braço privado para desenvolver a indústria de defesa.

Roberto Godoy: É um plano nacional da indústria de defesa?

Nelson Jobim: Exatamente, aí você acopla os dois problemas. Por exemplo, vamos supor: na Marinha, você tem dois grandes problemas, as águas azuis e as marrons. Como é que você vai operar com as águas azuis, que é o oceano? Que tipo de proteção nós precisamos? Que tipo de defesa nós precisamos? Você tem uma grande parte do petróleo brasileiro que se produz na plataforma das águas azuis. Nós vamos precisar de um porta-aviões ou de um submarino nuclear? Evidentemente que precisamos de um submarino de produção nuclear. Daí porque o projeto Aramar tem que ser um projeto que caminhe. E o projeto Aramar está caminhando no fechamento do ciclo da produção do combustível. Se não fecharmos o ciclo, você não tem uma estrutura de defesa, porque basta o fornecedor internacional cortar e você não tem defesa nenhuma.

Paulo Markun: Ministro, eu queria voltar ao assunto que iniciou o programa - no bloco subseqüente voltaremos à questão das Forças Armadas -, enfim, da estrutura de defesa do país, porque o diretor-executivo do Procon [Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor] de São Paulo, Roberto Pfeiffer, tem uma questão abordando a relação passageiro e companhia aérea. Vamos ver.

[VT com Roberto Pfeiffer]
: Os órgãos de defesa do consumidor têm constatado falhas das companhias aéreas na prestação de informação sobre atrasos e cancelamento de vôos, bem como sistemáticos desrespeitos aos deveres de assistência, sobretudo em alimentação e hospedagem. Isso tem gerado ações coletivas, individuais e multas aplicadas, por exemplo, pelo Procon. Gostaria de saber que medidas preventivas de índole normativa e fiscalizatória podem ser tomadas pelo Ministério da Defesa?

Nelson Jobim: Bem, nesse caso, nós agora determinamos... Porque, veja, nós estamos com problema em relação à indústria que eu estou reestruturando, a Anac, e reestruturamos a Infraero. A idéia fundamental é que a Anac possa determinar que todos os passageiros tenham informações sobre os atrasos. Na verdade nós reduzimos os atrasos. Em agosto estavam na ordem de 15%... quando se fala atraso é além de uma hora, está claro isso?

Paulo Markun: Às vezes não está claro para o passageiro, mas aqui está. [sorri]

Nelson Jobim: É, mais de uma hora que você avalia, antes de uma hora não. Os atrasos foram de 15% em agosto e em setembro reduzimos para 6%. Começamos a reduzir os atrasos além de uma hora, não os atrasos menores. A idéia era estabelecer informações. Essas informações podem ser feitas até por um sistema que a Infraero está examinando para comprar, que é um sistema através do celular. Ao adquirir a passagem, o consumidor compraria e lançaria o seu nome no celular e esse celular receberia informações por esse sistema de controle. Outra coisa, você vai no aeroporto e encontra aquelas informações de televisão. Está escrito lá: "confirmado" ou "atrasado". Agora, o atrasado, você não sabe o que significa isso. Você tem que estabelecer também no nível de informação - que nós vamos trabalhar junto à Infraero. Estamos estudando o levantamento no sistema que possa a empresa informar o tempo do atraso. Às vezes o atraso pode ser de dez minutos, pode ser de quinze minutos ou pode ser de três horas ou de cinco horas.

Paulo Markun:
Dez minutos acho que nem anunciam.

Nelson Jobim: É preciso uma transparência de informações. Esse é o mecanismo.

Paulo Markun: Pergunta para encerrar o bloco. O Vitor Viana, de São Paulo, pergunta o seguinte: o senhor acredita que aumentar o espaço entre as poltronas irá resolver o problema do caos aéreo?

Nelson Jobim: [risos] Seguramente, vai resolver o problema de muita gente. Não só os de 1,90m, mas também o Godoy  [refere-se a um dos entrevistadores, Renato Godoy] vai ter o problema resolvido.

Paulo Markun: O senhor acha que é possível exigir isso, que as companhias...

Nelson Jobim: É possível, inclusive a Anac já está fazendo um estudo no sentido de que, se você deixar, vai acabar viajando em pé.

Merval Pereira: No corredor dos aviões, aquela malinha que você puxa, que começou com pessoal de bordo, agora vem de todo mundo. A malinha é feita exatamente na largura do corredor. A minha mala hoje batia toda hora, devem ter encurtado o corredor.

Nelson Jobim: Ou você cresceu a mala. [risos]

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun:
Ministro, vamos fazer um rápido intervalo. Voltamos num instante o com o Roda Viva, que hoje tem na platéia Manoel Muller, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Design; Juliana Sassi, estudante de jornalismo da Universidade Metodista; Fernando Simbaluqui, estudante de jornalismo da Universidade de São Paulo; e Alencar Costa, diretor administrativo da Codesp [Companhia Docas do Estado de São Paulo]. A gente volta já.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, que essa noite entrevista o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Ele tem as atribuições que vão além da aviação civil, evidentemente. A pasta administrada pelo ministro é responsável pelas três Forças Armadas: Exército, Marinha e Aeronáutica. O ministro cuida do orçamento da Defesa, das políticas e operações militares e do serviço militar, e é figura central na discussão sobre se o Exército deve ou não ajudar na segurança pública. Nelson Jobim tem missão de fazer engrenar um ministério que patina desde a sua criação.
 
[Comentarista]:
O Ministério da Defesa é órgão do governo federal incumbido de exercer a direção das Forças Armadas. Uma medida do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999, extinguiu o Estado Maior das Forças Armadas e transformou em comandos os ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica com um ministro civil. O ministro Nelson Jobim quer alterar uma norma: o Ministério da Defesa é o único que não tem um secretário executivo, já que a idéia de alguém para intermediar as conversas com as autoridades não agrada os militares. As Forças Armadas têm 312 homens em suas tropas, sendo 189 mil no Exército, 65 mil na Aeronáutica e 58 mil na Marinha. O grosso das tropas está no sul e no sudeste do país. A defesa da fronteira é uma das atribuições mais importantes de uma pasta onde todas as ações são prioritárias. Traficantes, contrabandistas e madeireiros ameaçam os 18 mil quilômetros de fronteira. O Ministério da Defesa também é responsável pelas missões de paz em outros países. Atualmente, o Brasil tem mais de mil homens no Haiti. Exercícios são efetuados com freqüência como a operação Solimões, realizada na Amazônia no segundo semestre, que reuniu três mil homens do Exército, Aeronáutica e Marinha e custou quatro milhões de reais. Através da Infraero, administra 67 aeroportos, 84 unidades de apoio à navegação aérea e 33 terminais de logística de carga. Na aviação civil, dos 17 maiores aeroportos, só Cumbica tem pacote completo de segurança. Responsável pelo Programa Espacial Brasileiro, o Ministério da Defesa não colaborou com recursos e o Brasil foi excluído da construção da Estação Espacial Internacional. O projeto do submarino nuclear [submarino de propulsão nuclear, que resiste mais horas sem abastecimento, portanto, sem subidas à superfície, sendo mais difícil de ser detectado]
também está atrasado, já consumiu dois bilhões de reais nos últimos 28 anos e precisa de outros dois milhões para a conclusão.

Paulo Markun: Ministro, o senhor considera que o Ministério da Defesa está estruturado, ele funciona, é o elo de ligação entre as três Forças hoje?

Nelson Jobim: Ainda não. Quando se discutiu esse assunto lá em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, eu era ministro da Justiça. E a discussão iniciou. Havia grandes dúvidas sobre isso e houve concessões. A Lei Complementar 97 [1999] estabeleceu, digamos, um nível de autonomia em relação às Forças, que acabou não se juntando. Então o nosso objetivo agora, por determinação do presidente Lula, é exatamente fazer com que o Ministério da Defesa tenha a sua estruturação correta, através de formulações políticas. Se você verificar a política de defesa nacional que foi formulada, ela é uma retórica de outra coisa. O Godoy conhece bem isso [vira-se para Renato Godoy]. É uma espécie de uma tese de mestrado que pode ser aprovada em qualquer escola, mas que não está aferrada à situação real do país, em termos de política estratégica. É isso que nós queremos mudar em termos de estruturação do Ministério... e fazer com que nós tenhamos... porque esse Ministério ficou muito à vista, porque se teve esse problema da crise aérea. Mas na verdade a questão da aviação civil é um apêndice do Ministério, não é a linha importante do Ministério, ficou importante por causa dessa situação.

João Roberto Martins Filho: Não seria mais fácil a gente ter um equacionamento a médio prazo dessa complexidade toda de questões que o Ministério tem que cuidar, se houvesse já um empenho em elaborar um "Livro de Defesa Nacional"?
 
Nelson Jobim: Não tenha dúvida nenhuma. Esse é um dos objetivos.

Paulo Markun: E o que vem a ser um "Livro de Defesa Nacional"?

Nelson Jobim: É para estudar toda essa conjuntura global. Inclusive a França está fazendo isso agora.

João Roberto Martins Filho: A Argentina tem, o Chile tem.

Nelson Jobim: Estamos trabalhando nesse sentido. Ou seja, pedimos ao Estado-Maior de Defesa para começar a trabalhar nesse livro de defesa... que faça reunião de estudos.

Eliézer Rizzo de Oliveira: Desculpa, ministro, diversos países organizaram metodologicamente a elaboração desse livro, de maneira a ter uma contribuição importante de setores governamentais e setores não-governamentais. A minha primeira pergunta é se o senhor pretende adotar uma atitude nesse sentido? Porque não seria interessante, no meu modo de ver, que a elaboração do Livro de Defesa repetisse a elaboração da política de defesa que foi, no sentido mais técnico, paroquial - diplomatas, administradores e militares. A experiência de alguns países vizinhos...

Nelson Jobim:  A idéia é a seguinte, professor: Eu não acredito em um debate aberto, completamente aberto, que acaba não tendo nada. Então, a idéia é termos um paper inicial, e esse paper ser um referencial para a discussão, nem que seja para negá-lo integralmente. Mas pelo menos tem o início da discussão. Se não vai ficar uma coisa pulverizada. Aí as pessoas começam a falar, idiossincrasicamente, “eu me interesso pelo assunto tal, então valorizo o assunto tal”. Então, a idéia é termos um paper básico e abrimos essa discussão com o setor, inclusive, acadêmico.

Eliézer Rizzo de Oliveira:  O senhor preside um grupo de trabalho para elaborar a Estratégia Nacional de Defesa, não é? Isso se dará concomitantemente? Como se relaciona uma coisa com a outra?

Nelson Jobim: Será concomitantemente. Porque nós temos algumas coisas que são urgentes, que é o problema do reaparelhamento [modernização dos equipamentos militares]
das Forças Armadas. Nós entendemos que o reaparelhamento não pode ser a partir da perspectiva [...] sem termos uma definição de uma política de defesa e uma política de estratégia. Porque aí você vai ficar "desadequado" em relação às necessidades que temos. Então veja, o que nós queremos fazer é trabalhar lateralmente, porque as instruções do presidente Lula são no sentido de caminhar para o reaparelhamento. Tanto é que nós aumentamos o orçamento das Forças Armadas, [que] era de um total de seis bilhões e nós aumentamos para nove bilhões no primeiro momento, com [um] acordo com o Ministério do Planejamento que, na execução orçamentária, poderíamos chegar a dez bilhões. E nós destinamos agora no orçamento [...] não da Marinha, mas dentro do orçamento da Defesa, porque lá você separa, tem um pedaço para o Ministério da Defesa propriamente dito, para as suas despesas próprias e depois o correspondente à verbas para a Marinha, o Exército e Aeronáutica [...]  e desse conjunto nós destinamos cento e trinta milhões para o submarino nuclear, ou seja, para o projeto Aramar, averbado à Defesa e não entrando na Marinha.

Paulo Markun: Agora, ministro, eu não resisto à observação, que me parece pertinente nesse caso, que é aquela velha história de quando o técnico da seleção chegou para o Mané Garrincha [jogador de futebol da seleção brasileira] e contou como é que a gente ia ganhar o jogo. Como é que se explica para três Forças a importância que têm o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, e que têm corporações tão fechadas em si? Dizer o seguinte: "não, esperem um pouquinho, todas as suas reivindicações serão atendidas se e quando houver um Livro que vai dizer o que cabe a cada um".

Nelson Jobim: Por isso que eu respondi ao professor que era simultâneo. Porque nós temos que atender à necessidade progressiva do reaparelhamento. Eu não posso pensar em aguardar uma discussão que possa levar um ano, talvez mais para fazer esse reaparelhamento. Por isso, o Plano Estratégico já começa a correr e nós temos que apresentar esse Plano ao presidente Lula em sete de setembro do ano que vem [2008]. Essa discussão começa a se abrir primeiro entre as Forças e depois abrimos com um grupo da sociedade, naquilo que é restrito, para então nós definirmos os investimentos necessários. Mas temos coisas que são óbvias no investimento. O projeto Aramar é um deles, que é óbvio. Nós temos também os problemas relativos ao monitoramento da Amazônia, ou seja, há necessidade de aviões na Amazônia. Você não pode pensar em blindados na Amazônia, não tem o mínimo sentido. Precisamos ter o monitoramento na Amazônia, mas sempre com a perspectiva de privilegiar o produto nacional.

Paulo Markun: Porque o submarino nuclear é assim tão claro e indiscutível?

João Roberto Martins Filho: Há seis meses atrás a Marinha tinha desistido de dar prioridade a esse projeto. Voltou agora, mas durante um tempo ela...

Nelson Jobim: Não havia dinheiro João. Nós estamos fechando o nosso ciclo da produção do, do... É necessário pelo seguinte, porque é a única forma dissuasiva que você tem. Um submarino nuclear, com propulsão nuclear, é que tem condição de ser dissuasório em relação à Amazônia azul, em relação às águas azuis. O que a gente chama de Amazônia azul, é linguagem da Marinha. O Brasil não tem nenhuma pretensão expansionista, absolutamente nenhuma pretensão expansionista. Nós precisamos ter uma estrutura armada brasileira, ou seja, um organismo de defesa que seja dissuasório e que dê força à palavra do Brasil no arbitrariamento das questões sul-americanas...

Merval Pereira: A região está ficando...é todo mundo muito amigo e tal, mas o Chávez  [Hugo Rafael Chávez Frías, militar e presidente da Venezuela] está se armando muito, tem o problema da Colômbia, das Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], e os Estados Unidos na Colômbia. A região, que é uma região...

Nelson Jobim:  Mas não é corrida armamentista. Veja bem, o nosso problema não é esse.

Merval Pereira: Mas existe.

Nelson Jobim: O nosso problema é termos efetivamente a possibilidade de dizer “se alguém resolver entrar aqui, vai se afastar”.
 
Roberto Godoy: Sim, mas existe uma corrida armamentista, do lado de lá. Mas veja, eu acho que se a gente tem um país que está... esse governo - e acho que já o anterior também vivia essa situação, num país que ficou um século e meio sem guerra - de repente tem uma situação em que ele... Obviamente não estou imaginando que alguém vá nos agredir, atravessar a fronteira, coisa desse tipo. Se bem que se eu morasse do lado oeste, eu estava tratando de mudar de casa rapidinho. O senhor sabe bem por quê.

Nelson Jobim: Eu sei disso.

Roberto Godoy: E para entrar aqui tem que passar pela região de savana do Brasil, que gera um problema. E o nosso querido Chávez está comprando novecentos blindados para passar por lá, não é? Vai receber entre 2008 e 2013. Agora, exatamente diante disso, o senhor não acha que isso tinha que ser muito rápido?

Nelson Jobim: Exatamente por isso que nós estamos trabalhando.

Eliézer Rizzo de Oliveira:
É um ano, não é ministro?

Nelson Jobim: É menos.

Eliézer Rizzo de Oliveira: Eu digo, o presidente Lula deu um ano para esse grupo de trabalho.
 
Nelson Jobim:  Deu um ano para terminar o projeto, mas não significa que você não tenha soluções parciais.

Eliane Cantanhêde: Não é só uma questão de uma corrida armamentista, de uma competição nesse nível. Mas o problema é o seguinte: na discussão da política externa brasileira, que é uma política grandiosa, do papel de liderança não só do Brasil, mas como do presidente Lula nesse cenário, como é que você pode falar em liderança se o Chávez está mais armado, se o Peru está mais armado, se a Colômbia está mais armada? É por isso, talvez, que o presidente esteja tão interessado.

Nelson Jobim: A possibilidade de o Brasil ser um grande árbitro nas questões latino-americanas depende da sua possibilidade de ter a defesa interna, senão não tem sentido.

[sobreposição de vozes]

Roberto Godoy: Eu fico preocupado, porque das 17 brigadas, meia dúzia só são operacionais.

Nelson Jobim:  Por isso temos que recuperar tudo.

João Roberto Martins Filho: Ministro, o senhor acha realmente que esses países estão mais armados que o Brasil? A Colômbia e a Venezuela? O senhor acha que a afirmação vale? Quer dizer, Colômbia e Venezuela estão mais bem armadas que o Brasil?

Nelson Jobim: Acho que não vale, não é o caso.

Eliane Cantanhêde:
No nível de compra sim. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica têm essa avaliação. Com as compras de submarino, de avião, de tanque e de fuzis do Chávez...

Nelson Jobim: Tem que separar o que é real e o que é retórico, no sentido de justificar o que se compra aqui. Devagar...

Mário Simas Filho:
Eu queria trazer outra questão. Já no governo Fernando Henrique Cardoso se falava do projeto FX, que era para reequipar a Aeronáutica com aviões-caças. Feita uma concorrência, lobby daqui, lobby de lá, não aconteceu nada. Se discutiu a transferência... 

Nelson Jobim: O FX anterior, eles abandonaram. Vamos ter que estudar tudo de novo, pois estão superados.

Mário Simas Filho:
Pois é, passou. Aí vem o governo Lula, retoma o projeto, novas discussões. Se discute a diferença tecnológica que, sem dúvida, é importante para retomada da nossa indústria, para o desenvolvimento disso tudo. E não acontece nada. Você comprou o quê? Você comprou avião usado que não transferiu tecnologia, está tecnologicamente superado. Certo?

Nelson Jobim:  Exatamente por isso que esse...

Mário Simas Filho: Por que agora será diferente? Por que a pressa agora é diferente da pressa anterior? O que garante que agora será diferente?

Nelson Jobim: Eu não posso falar pelo passado, mas eu te falo pelo futuro: vai ser diferente. Pode ficar certo que vai ser diferente.

Mário Simas Filho: O senhor tem prazos para esse reequipamento? O senhor pode precisar?

Nelson Jobim: Veja, nós temos que formular esse projeto até sete de setembro do ano que vem e vamos trabalhar agora no sentido de desenvolver, de prosseguir no desenvolvimento da questão do submarino, do projeto Aramar. Vamos trabalhar em relação à renovação do projeto FX. Vamos deixar bem claro: FX significa F, que é de caça, e X é uma incógnita, não se sabe qual é o X que entra aqui, se é um avião americano, se é um avião russo, etc. Isso significa o FX. Bom, esse FX, vamos ter que rever toda a situação. Hoje aquele material está todo superado, aquela discussão está toda superada. Você tem novas hipóteses de aviões. Então, vamos trabalhar nesse sentido também, mas não esquecendo que é fundamental para nós o monitoramento. Com isso nós temos aviões aqui no Brasil através da própria Infraero, que já tem três. Nós precisamos de sete aviões para fechar exatamente aquela parte baixa do controle aéreo. Inclusive a questão da Amazônia, que é absolutamente necessária em relação a isso. Agora, veja, tudo isso se vincula à utilização de uma infra-estrutura de indústria nacional. Porque não dá para se pensar que alguém vá transferir tecnologia nisso, porque não transfere.

Eliane Cantanhêde: E no caso da Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.]? A Embraer não conseguiu vender o avião para a Venezuela porque os Estados Unidos vetaram, já que tinha componente americano.

Eliézer Rizzo de Oliveira: Ministro, um pouco antes de o senhor assumir suas funções, trabalhava-se na Presidência da República, no setor de assuntos estratégicos, a figura de um exército sul-americano projetado para os anos seguintes, que teria uma liderança do Brasil. Eu creio que isso daí foi um esforço teórico que não foi levado a sério e nem deveria mesmo. No entanto, existem propostas na nossa região, vindas, sobretudo da Argentina, de organização de uma estrutura regional de defesa. O seu antecessor não direto, o ministro Viegas [José Viegas Filho, ministro da Defesa entre 2002 e 2004] recebeu pressão direta do colega da Argentina no sentido de montar um Estado-Maior imediatamente. Isso existe ainda? Qual sua posição a respeito?

Nelson Jobim: Não tenho notícia disso. Eu agora vou fazer uma viagem ao Chile e também para a Argentina e, eventualmente, poderá haver essa discussão. Mas não tem nada, absolutamente nada.

Merval Pereira:
Tinha até uma proposta de indústria comum de defesa dos países.

Nelson Jobim: Não tem nada.

Paulo Markun: Ministro, à propósito de indústria, o José Alexandre, aqui de São Paulo, pergunta se o senhor apoiaria a criação de indústria de armas para a exportação?

Nelson Jobim: Nós já temos.

Paulo Markun: Sim, mas houve momentos em que essa questão ficou discutida até à beira do plebiscito.

Nelson Jobim: Eu não vejo problema nenhum. O problema de ter uma indústria de defesa... vem uma questão econômica evidente: nós não podemos tentar estimular a existência da indústria de defesa só com consumo interno. Você tem que ter uma indústria de defesa que tenha a capacidade de exportação, isso não tenha dúvida nenhuma, senão não tem sentido. Você vai pretender que essa indústria de defesa nacional vá se manter com compras exclusivamente feitas pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica? E outra parte: para nós estimularmos essa indústria de defesa, nós precisamos ter uma política de compras públicas, porque você define uma determinada coisa e depois não compra. E não só isso, você tem que ter uma flexibilização em termos de concorrência para privilegiar o produto nacional. Evidentemente que, se nós quisermos ter um compromisso com isso, precisamos ter uma definição de políticas de compras públicas e flexibilização no sistema da concorrência. Por que, senão, nós sabemos. Eu vou contar uma história para vocês. Teve alguns casos, por exemplo, em relação a uniformes. Então, concorre a indústria nacional oferecendo uniforme das Forças Armadas. E concorre uma outra indústria, que era um escritório do Rio de Janeiro que importa do exterior os uniformes porque ganhou a concorrência tendo em vista a questão do preço. Aí vem o uniforme da China, uma coisa desse tipo. Se nós queremos ter esse compromisso, precisamos deixar claro. Daí porque esse plano estratégico definirá qual é a política sobre isso, se é uma decisão brasileira de termos uma indústria de defesa competitiva.

Paulo Markun: O senhor acha que deveria ter?

Nelson Jobim: Evidentemente que sim. E por uma razão muito simples. Imagina o seguinte, vamos pensar no caso que você perguntou do submarino nuclear. Vamos supor que você não tenha o fechamento do sistema - porque ainda não temos o ciclo completo do enriquecimento do urânio, faltam dois dados, que nós estamos fazendo no exterior ainda, que está no desenvolvimento e tecnologia aqui no Brasil -  aí você tem o submarino, mas para movimentar depende de um insumo estrangeiro. Você acha que isso é dissuasório? Se pode cortar a qualquer momento, nós sabemos perfeitamente que qualquer problema que haja internacionalmente, a primeira coisa é cortar fornecimento dessa natureza. Então não é dissuasório coisa nenhuma. Então, ou queremos ter uma defesa ou não queremos ter. Para termos uma estrutura de defesa real, dissuasória, eficaz, precisamos ter autonomia, ou seja, precisamos ter soberania em relação aos insumos dessa força, senão não adianta. Então não adianta a gente brincar de que teoricamente vamos... Não temos nada disso.

Paulo Markun: Ministro.

João Roberto Martins Filho:
Qual você acha que é a contribuição que as universidades podem dar para essas questões de defesa no Brasil?

Nelson Jobim: Não tenha dúvida que será a grande contribuição, precisamos trazer a universidade para discutir esse assunto. Nós temos teóricos importantes nesse setor. Exatamente para definir por exemplo, o que importa em relação à aeronáutica: é mais importante os FXs ou o monitoramento? É discussão que temos que fazer, concorda?

João Roberto Martins Filho: E o Ministério já tem um programa com a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] que é um programa excelente de financiamento, o Programa Pró-Defesa. O senhor pretende manter esse programa?

Nelson Jobim: Manter e estimular isso. Inclusive estimular o desenvolvimento do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Nós precisamos fazer com que o CPA da Aeronáutica seja exatamente o precursor de desenvolvimento de tecnologia, e investir grandemente nisso, de conhecimento.

Paulo Markun:
Ministro, vamos fazer mais um rápido intervalo e voltamos num instante com o Roda Viva que é acompanhado na platéia hoje por Antônio Gonçalves, advogado; Renata Montessanti, estudante de Ciências Sociais da PUC-SP; Carlos Alberto Cavalcanti Lima, estudante do curso de Direito da Universidade Municipal de São Caetano do Sul; pelo comandante José Carlos Cavalcanti Salles, ajudantes de ordens do ministro da Defesa e Cunha Bueno, ex secretário da Cultura de São Paulo. A gente volta já.

[intervalo]


Paulo Markun: Voltamos com o Roda Viva que entrevista hoje o ministro da Defesa Nelson Jobim. Participam da entrevista Roberto Godoy, do jornal O Estado de S. Paulo, Merval Pereira, de O Globo, Eliane Cantanhêde da Folha de S. Paulo, Mário Simas Filho editor-chefe da Istoé, Eliézer Rizzo de Oliveira, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas e João Roberto Martins Filho, da Universidade Federal de São Carlos. Ministro, nós temos aqui uma pergunta registrada pela TVE do Rio de Janeiro, que ouviu o professor Celso Castro, diretor do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, vamos acompanhar.

Celso Castro: Ministro Jobim, boa noite. Eu gostaria de lhe fazer duas perguntas, uma diz respeito a um tema muito pouco debatido no Brasil, embora afete todos os anos a vida de milhares de jovens, que é a obrigatoriedade do serviço militar. Eu gostaria de saber sua visão a respeito desse assunto. A segunda pergunta diz respeito à participação das mulheres nas Forças Armadas brasileiras. O Exército e a Marinha possuem quadros complementares com contingente ainda pequeno embora crescente de mulheres, a Força Aérea por sua vez já forma mulheres na academia da Força Aérea, como oficiais da linha bélica da Força. Eu gostaria de saber a sua opinião a respeito de um eventual aumento da presença feminina nas Forças Armadas Brasileiras.

Nelson Jobim: Bem, em relação à questão do serviço militar. Nós temos que tomar uma decisão em relação a isso, ou seja, eu entendo de que o serviço militar obrigatório é a forma pelo qual você insere ou assenta as Forças Armadas na nação. Ou seja, se você descola isso e profissionaliza as Forças Armadas, ela fica descolada de um compromisso com a nação, ou seja, com o país, e você pode jogar, inclusive, numa corporização muito mais forte, levando inclusive a eventuais mercenarismos. Eu sustento a absoluta necessidade de se manter, inclusive o estímulo, ao serviço militar obrigatório para fazer com que possa ter uma oxigenação com o compromisso, com a nação, e não exclusivamente uma estrutura meramente profissionalizante ou profissional daquilo tudo. Acho que nós temos que estimular isso e nos preocuparmos com outro preâmbulo: lembrem-se que as Forças Armadas sempre foram no Brasil um nivelamento republicano. Você tinha origens de pessoas que vinham de diversos estamentos sociais e se entravam para as Forças Armadas, se desenvolviam ali dentro. Em várias regiões do país, inclusive com técnicas de transição. Vejam o que se fez no império e o que se fez na República em relação ao problema da manutenção da união nacional. Não é por brincadeira não que o Brasil, a América portuguesa permaneceu unida. Ela permaneceu unida por causa de uma decisão política que vinha de Dom Pedro II. Qual era a técnica que se fazia? Nenhum militar comandante de força comandava o estado de sua origem, ou seja, os cariocas iam para o Sul, os gaúchos iam para o Norte, Nordeste, e você não tinha compromisso dos chefes militares dos exércitos com as elites locais. Então, eu sustento a absoluta necessidade de termos uma melhoria das condições militares, para fazer com que setores que hoje estão cada tez mais se afastando da carreira militar, por questões salariais, possam retornar a participar disso para termos um desenho da nação dentro das próprias estruturas das Forças Armadas. Senão, se nós pensarmos: "Não podemos ter serviço militar obrigatório, vamos afastar disso tudo" - nós temos que pensar nisso. E mais, eu acho, inclusive, que alguns setores que possam trazer serviços às Forças Armadas... Eu dou exemplo para vocês, como a questão da medicina. Nós temos hospitais na Amazônia que não têm como funcionar, porque não têm médico. Eu botaria uma pergunta, só uma pergunta; nós temos um estudo público gratuito, não temos? Nós temos a USP [Universidade de São Paulo], não temos? Por que não podemos pensar numa determinada prestação de serviços, decorrentes de retribuição ao tempo em que a nação sustentou, pelo menos, para servir um período de tempo remunerado - evidentemente remunerado - em um desses hospitais que nós encontramos na Amazônia? Eu marquei uma viagem, vou fazer uma viagem de uma semana inteira visitando todos os postos de fronteira desde a Venezuela, passando pela divisa na Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia. Vou começar junto ao Pico de Neblina e terminar no Príncipe da Beira, em Rondônia, para verificar toda a situação desses nossos batalhões de fronteira e inclusive em relação ao problema ético, que é a questão básica da Amazônia. Então, eu entendo que nós temos que discutir que tipo de Forças Armadas queremos. No meu ponto de vista, nós queremos Forças Armadas que estejam inseridas na nação e quem alimenta isso é exatamente o serviço militar obrigatório.

Paulo Markun: Suponho então que a participação das mulheres o senhor acha razoável.

Nelson Jobim: Lógico, aumentar a participação da mulher. Agora, veja bem, a participação da mulher não pode ser uma coisa imposta. É uma decisão que se toma oferecendo quadros para isso. Nós vamos participar agora em - eu não me lembro qual é a data - mas eu vou na formatura das Forças Armadas de um batalhão de mulheres. Nós encontramos mulheres na Amazônia. Evidentemente que você não pode pretender, num primeiro momento, que as mulheres vão para os batalhões de selva, que operam nas linhas de fronteira. Aí já é mais complicado. Mas eu acho que nós temos que alimentar isso, estimular essa participação global. Afinal, todos nós somos iguais, não é isso, Eliane? [risos]

Eliane Cantanhêde:
Agora, ministro, nessa discussão toda sobre Forças Armadas é importante também se contextualizar hoje a discussão do emprego das Forças Armadas. O emprego constitucional, que é uma discussão que em toda reunião de ministros da Defesa aqui da região, por exemplo, sempre surge...o Brasil sempre muito cauteloso. Já não é o momento, num país como o Brasil, que não tem inimigo externo, mas que tem raia à guerra civil em alguns pontos urbanos, se discutir o emprego das Forças Armadas em situações específicas de combate de violência interna?

Nelson Jobim: Vamos botar um pouco de doutrina nisso. A grande discussão em relação às Forças Armadas eram as guerras simétricas, ou seja, as guerras de Estados nacionais com Estados nacionais. Agora surge um conceito novo guerra chamado de guerra assimétrica, que é uma guerra com setores não-organizados, o crime organizado, etc, que viabiliza isso. Aí vem um problema que é o uso das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem. Eu chamarei a atenção que as Forças Armadas brasileiras têm essa operação no Haiti e com absoluto sucesso. Nós verificamos claramente a competência com que se conduziu os militares brasileiros. Nós temos mil e cinqüenta militares de infantaria, de tropa, e temos cento e cinqüenta do batalhão de engenharia. Esses mil e duzentos brasileiros, principalmente os de tropa, conseguiram resolver o problema da bandidagem, dentro de uma área urbana. Então, tem condições, tem expertise para operar. Agora, temos um problema, que é a discussão que eu quero abrir: o estatuto jurídico dessa tropa no Haiti é completamente distinto do estatuto jurídico dessa tropa dentro do Brasil. Ou seja, lá você tem um tratado do Haiti com a ONU [Organização das Nações Unidas] e você inclui o que eles chamam de privilégio, que são estatutos de garantias dos militares para desenvolver suas atividades. A questão é: se nós vamos fazer esse tipo de atividade aqui, de repente vem um mandado de segurança, um habeas corpus e as coisas se complicam. Então temos que abrir essa discussão.

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun: Eu imagino a reação da associação dos moradores das favelas em relação à presença das Forças Armadas.

Nelson Jobim: Veja o que aconteceu lá. Deixa eu dar um exemplo do Haiti. A história que tem no Haiti é que havia aqueles bandos armados que tomaram conta. O que aconteceu lá? Aconteceu de nós, a tropa brasileira entrar e "amaciar o terreno", conseguir destruir aquela organização e hoje ter o absoluto prestígio com a população.

Paulo Markun: Lá havia uma falência absoluta do Estado. Não se trata aqui da mesma coisa ou se trata?

Nelson Jobim: Não se trata. Nós temos que discutir, para cruzar as Forças Armadas nesse tipo de atividade, o estatuto do uso dessa força dentro do país.

Merval Pereira: A falência do Estado, não como lá, mas em termos [...] aqui há, porque o Estado não entra em alguns lugares.

Nelson Jobim: No Rio de Janeiro, você está falando?

Merval Pereira: No Rio de Janeiro, em São Paulo, em muitos lugares no país. Então há. O problema é reconhecer isso, estudar e discutir uma ação que permita resolver essa situação.

Nelson Jobim:  O problema é discutir resultados. A dificuldade de debater esse tipo de coisa é que a gente começa a discutir princípios. Nós temos que discutir formas de solução de uma questão objetiva. Reconhecer a existência do problema - já é um problema reconhecido - reconhecer que tipo de problema nós temos e encontrar uma forma adequada ao problema, e não adequada ao princípio que eu escrevi, ou que sustentei num discurso assim, assado. Precisa de pragmatismo.
.
Eliane Cantanhêde: Isso parece ser uma declaração muito favorável à mudança da... enfim, da mudança da Constituição. Me pareceu um posicionamento favorável. Não vamos discutir isso ideologicamente, vamos discutir pragmaticamente.

Nelson Jobim: A discussão ideológica não funciona. Se for discutir ideologicamente, nós vamos ficar discutindo academicamente, coisa que brasileiro não gosta muito, e acabamos não nos comprometendo com coisa nenhuma.

Eliane Cantanhêde:
A minha pergunta objetivamente é se foi uma manifestação de simpatia pela idéia?

Nelson Jobim: É uma manifestação de simpatia, claro.

Eliézer Rizzo de Oliveira:
O senhor anunciou isso nos primeiros dias. Mas há uma diferença muito grande do Brasil com o Haiti. Dentre outras é que nós temos a segurança pública que tem que ser organizada em 26 estados e no Distrito Federal. Então a situação é muito mais complicada. Mas eu gostaria que o senhor comentasse uma coisa: o papel das Forças, do Exército, em particular, na garantia da lei e da ordem, ou seja, como uma força de reserva a ser usada em situações especiais e a Força Nacional de Segurança, que é uma situação que também tende a ser cristalizada já que há uma proposta de emenda constitucional para colocá-la na Constituição. Essa Força Nacional serve de um certo anteparo para crises mais graves que envolveriam a participação do exército...

Nelson Jobim: Veja bem Eliezér, nós temos um problema aí em relação às Forças Armadas. Vamos pensar que nós caminhássemos para essa solução. A instrução das Forças Armadas não é uma instrução para esse outro tipo de ação. Porque isso é ação de segurança pública, não é ação em que você vá tratar com inimigo. Inimigo, mata-se. Então, a instrução que se tem... Vejam o que aconteceu depois da Revolução de 1964. Quando a Revolução de 1964 assumiu, Getúlio [presidente Getúlio Vargas] já havia destruído as polícias militares, quebrado o braço armado dos governadores em 1932, quando transformou as polícias militares e estaduais em reservas do Exército, e se estabeleceu ainda que este deveria definir o efetivo e os armamento das policiais militares para reduzir o poderio que elas tiveram durante aquele período todo. O que nós tivemos depois disso? Em 1964 se criou o conceito de guerra revolucionária interna, da Escola Superior de Guerra etc. A instrução militar passou para a mão do Exército. Nós tivemos numa mudança do perfil da instrução militar em que começou a se dar a instrução de infantaria. E houve uma adequação, porque com a segurança pública, você não trata com o inimigo, você trata com o cidadão delinqüente ou com uma organização criminosa, mas não trata com o inimigo. Para essa hipótese, se nós resolvêssemos, discutindo claramente, estabelecer um quinhão do Exército, nós teríamos que ter tropas especiais para isso, com instruções especiais para esse tipo de coisa.

Eliézer Rizzo de Oliveira:
Estão sendo treinadas.

Nelson Jobim: É lógico.

Eliane Cantanhêde: No Haiti foi isso.

Roberto Godoy:
Eu conversei com um general que participou de uma das reuniões no Rio de Janeiro quando, de novo, o assunto foi retomado. O senhor ainda não tinha assumido. E o que ele disse foi assim: “O que se pretendeu ali foi dizer exatamente o que a gente não podia fazer e não o que a gente podia”. Essa história de que ele falou: "Tropa morro acima, bandido morro abaixo e blindado na avenida...". Ele falou: “Olha, nós não somos samba-enredo, não é para isso, se a gente for, é para ficar e fazer uma ação social paralela.”

Nelson Jobim: É o que eles fazem.

Roberto Godoy: Só que, enfim, depois não avançou.

João Roberto Martins Filho:
Ainda sobre 1964. De tempos em tempos, independente do que a gente tiver discutindo aqui, volta a questão da herança do regime militar. O senhor não acha que vai chegar uma hora que as Forças Armadas vão ter que reconhecer que foram cometidos erros graves naquele período, para que isso não volte o tempo todo e elas possam começar numa política de futuro?

Nelson Jobim: Eu acho esse assunto tem que ser encerrado. Vou contar uma coisa. Quando nós assumimos em 1996 o Ministério da Justiça, surgiu a discussão sobre os desaparecidos e se produziu a Legislação dos Desaparecidos. A discussão é a seguinte: não se pode manter um passado oculto, porque esse passado acaba se impondo. Quem não quiser enfrentar o fato acaba se incomodando, porque ele vai voltar. Então, atualmente não há mais nenhuma razão para nós atribuirmos às Força Armadas que se estrutura hoje - que se vincula ao processo democrático - o que aconteceu nos anos 1960, no período relativo aos anos 1960. As Forças Armadas hoje, no Brasil, têm um compromisso absoluto com o processo democrático. Evidente que têm vozes que ainda estão fincadas no passado.

Paulo Markun: Vozes com autoridade na tropa.

Nelson Jobim: Não muitos, não.

Paulo Markun: O que falta para que essa sua tese se instale?

Nelson Jobim: O quê?

Paulo Markun: O que é que falta para essa tese de que é preciso resolver o passado...

Nelson Jobim: Isso é um processo. Não é uma coisa que se toma a decisão e se diz “hoje vai ser assim”. É um processo e nós temos que assumir isso, ou seja, botar na cara que essas coisas estão resolvidas, e que nós temos... Porque, veja, o que aconteceu em relação à forma do enfrentamento do problema - que o João Roberto refere - foi o abandono, o sucateamento das Forças Armadas. Foi a resposta que se deu sem diálogo. Agora nós temos que reconhecer a necessidade de termos Forças Armadas aparelhadas. Esse é o compromisso, inclusive, começando isso em 2008, com a melhoria do próprio orçamento dentro das limitações, evidentemente, mas dentro de um critério, de um processo, e que nós possamos superar esse trauma, já vencido, desse problema.

Eliane Cantanhêde:
Agora, além do trauma, na questão prática: as famílias e as pessoas comprometidas com essa luta antiga, de, enfim, de aparecimento dos corpos, defendem que haja uma comissão e que apareçam... Defendem que haja relatório e achem os corpos. E o outro lado diz que não tem corpo, que não tem como achar. Como é que se resolve isso do ponto de vista prático?

Nelson Jobim: Veja bem, tem uma decisão judicial que, agora - porque é a questão da [Guerrilha do] Araguaia, basicamente - determina que em cento e vinte dias se encontre a solução, ou se dê resposta a esses problemas. Isso é uma questão judicial, não é uma questão que diga ao Ministério da Defesa, diz respeito à AGU [Advocacia-Geral da União], que vai executar essa decisão. Nós vamos colaborar totalmente em relação à isso. Inclusive, eu vou ter uma reunião com o comandante da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, para colocarmos o tema em termos de cumprimento da execução judicial, e para encerrar esse tema, vencer essa etapa e passarmos adiante.

Eliane Cantanhêde: Mas isso já teve. Foi uma decisão judicial, teve uma Comissão, pegaram os helicópteros, foram lá, voltaram, não acharam nenhum corpo e ficou por isso mesmo. 

Nelson Jobim: E se não tiver e se não se encontrar, nós não podemos fazer nada.

Eliane Cantanhêde:
É, mas não é só corpo, não é? O que o professor perguntou...é um reconhecimento.

Nelson Jobim: Mas o Estado brasileiro já reconheceu inclusive.

Eliézer Rizzo de Oliveira: Já reconheceu com a Lei dos Desaparecidos.

Nelson Jobim: A Lei dos Desaparecidos é um reconhecimento explícito.

Eliézer Rizzo de Oliveira:
Os países são diferentes. Na Argentina, um chefe de Exército fez o reconhecimento “nós fizemos, matamos, etc”. No Brasil, foi uma lei, que é a Lei dos Desaparecidos.

Paulo Markun: Mas, na Argentina a lei foi estabelecida de um determinado modo e no atual governo se modificou.

Nelson Jobim: Mas aí ele falou de anistia, aí é outra coisa.

Eliezer Rizzo De Oliveira:
Não, eu não falei de anistia. Eu to falando da Lei
de Reconhecimento dos desaparecidos

Paulo Markun: Mas o que eu estou dizendo é o fato de que na Argentina - que você mencionou - a questão estava resolvida e se revisou isso num processo do atual governo. O que muitos setores reclamam é exatamente uma revisão desse processo. A questão é saber se essa revisão é viável ou não.

Nelson Jobim: Eu quero saber o seguinte: isso interessa ao país? Interessa a construção do ajuste de contas do país com seu o futuro. Interessa toda essa questão do levantamento? O fato é que nós temos uma decisão judicial que temos que executar.

João Roberto Martins Filho:
Mas o senhor mesmo disse que isso pode prejudicar as Forças Armadas. Se eu fosse um oficial das Forças Armadas hoje, será que eu não começaria já a pensar que alguma coisa mais objetiva tem que ser feita para acertar essa conta com o passado? A questão dos familiares é uma questão de foro íntimo. Eles têm todo o direito de ir até o...

Nelson Jobim: Evidentemente.

João Roberto Martins Filho: Agora, os erros foram cometidos. Estão comprovados historicamente, mas as Forças têm extrema dificuldade para admitir isso. Algumas mais do que outras. O Exército é mais renitente.

Nelson Jobim: Foi o mais envolvido, não é? A Marinha é menos. Agora, o fato é o seguinte: Eu quero dizer uma coisa para vocês: a minha perspectiva em relação a tudo isso é resolver o futuro, ou seja, nós temos que resolver a situação do futuro. Eu concordo com professor João Roberto em relação a examinar o passado, mas eu examino passado para a construção do futuro. Eu não examino o passado para retaliar. E nós temos uma tendência enorme [a retaliar] - inclusive em política é muito comum, o político assume o governo e sua primeira função é retaliar o governo anterior - e perde-se um tempo imenso retaliando o passado.

Eliane Cantanhêde:
A herança maldita.

Nelson Jobim: É, coisas desse tipo.

Eliane Cantanhêde: Aí depois fica pondo todo mundo da herança maldita no Ministério. Olha aí o exemplo.

Nelson Jobim: [risos] Também não é assim, não é bem assim, não tem nada a ver com isso. O fato é o seguinte, não adianta nós caminharmos na retaliação do passado, não resolve-se coisa algum nesse sentido. O que nós precisamos é construir o futuro, resolvendo as questões do passado, colocando de forma transparente as situações do passado. Agora, tentar retaliar no futuro o passado, não dá conclusão.  Isso aí é para sentença judicial, não para atividade política.

Paulo Markun: Ministro. Antes de fazer o intervalo, lembro que o telespectador pode enviar suas perguntas pelo telefone, ou pelo site do programa www.tvcultura.com.br/rodaviva. No site você acessa o blog da [TV] Cultura, deixa sua crítica, sua sugestão, sua reclamação, seja o que for, em relação a nossa programação como um todo. A gente vai fazer um intervalo e lembra que programa tem na platéia Eduardo Menutti, presidente da Juventude Popular Socialista; Pablo Iban, geógrafo; Daniel de Oliveira, gerente de projetos; Rodrigo Lopes, estudante do curso de direito da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e Paulo Batista, advogado. A gente volta já.

[intervalo]

Paulo Markun:
Vejam amanhã no Jornal da Cultura, às dez da noite, uma reportagem especial sobre os 15 anos do massacre do Carandiru. Essa reportagem traz um retrato da situação vivida hoje em vários presídios do Brasil. O Roda Viva de hoje entrevista o ministro da Defesa Nelson Jobim. Ministro, o senhor falou aí em Forças Armadas, falou também, obviamente, da questão dos aeroportos. Vamos falar um pouco de política? O senhor considera que o partido a que o senhor pertence, o PMDB, tem desempenhado uma função importante para o país? Ele tem uma linha definida?

Nelson Jobim: O PMDB,
principalmente depois de 1988 - coincidiu com a morte do doutor Ulysses [Ulysses Guimarães] - acabou sendo uma confederação de partidos regionais, uma grande confederação de partidos regionais. Eu dizia, na época, que era um partido, uma grande confederação de partidos regionais em solução. E ainda continua sendo. Tanto é que o encravamento do PMDB nas regiões é muito forte, muito forte regionalmente.

Merval Pereira: Um desses líderes regionais é o presidente do Senado, Renan Calheiros, líder de Alagoas, e que, no momento, é o grande problema político do país, não é? O senhor acha que o PMDB tem obrigação de apoiar o presidente do Senado, Renan Calheiros, até o final, haja o que houver? [O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) renunciou à presidência do Senado, em dezembro de 2007, após envolvimento com uma série de denúncias. A principal delas foi ter supostamente usado dinheiro de uma empreiteira para pagar pensão à filha que teve com a jornalista Mônica Veloso].

Nelson Jobim: Eu tenho a impressão que o PMDB poderia sugerir ao presidente Renan certas condutas. Isso é problema do presidente do partido. Agora tomada a decisão por ele, tem que apoiar, senão não é partidário. Faz parte do jogo, ou seja, ou você é colega de partido ou não é colega de partido. E aí vem o fato de que, na questão Renan Calheiros ,eu tenho uma posição muito clara, mas não é uma posição política, é uma posição dos meus atos de juiz e de advogado. Curiosamente na situação do Renan Calheiros inverteu-se o ônus da prova, ou seja, aqueles que deveriam ter provado que ele tivesse pago, exigiram dele que ele provasse que não tivesse pago. Exigiram a prova de fato negativo. E toda a discussão que se travou foi o fato dele não ter provado que não fez, ou seja, a exigência da prova de fato negativo. E nós sabemos perfeitamente a impossibilidade de se provar um fato negativo.

Merval Pereira: Mas ali não era um problema criminal, era um problema de decoro político, não precisa ter prova. 

Nelson Jobim:  Não precisa ter prova? Você acha que não precisa ter prova?

Merval Pereira: Não. Em termos políticos, não.

Nelson Jobim: Quais eram os indícios de que tivesse usado o dinheiro?

Merval Pereira: Usar um lobista...

Nelson Jobim: Mas esse é um indício...Se houve um fato agora, deveria ter sido provado. Não provaram.

Merval Pereira: Se fosse um dentista ninguém estava desconfiando que um dentista teria pago...

Nelson Jobim: O fato é que isso é muito bom quando acontece com os outros. Nós sabemos perfeitamente o ônus que se paga pela inversão do ônus da prova.

Mário Simas Filho: O senhor acha que o STF [Supremo Tribunal Federal] poderá ser o responsável pela reforma política que o Congresso não faz?

Nelson Jobim: Eu não posso responder.

Mário Simas Filho: Ele vai julgar agora a questão desse troca-troca partidário. Isso não é o judiciário efetivando uma "reforma política" ou dando início a ela?

Nelson Jobim: Houve uma decisão do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], que foi muito criticada, inclusive pelo Merval, sobre a questão da verticalização. Lembra-se disso? [pergunta para Merval]

Merval Pereira: Lembro.

Nelson Jobim: Então, denunciaram que o TSE não podia fazer reforma política. Agora está ao contrário. Então veja que as coisas mudam de...

Merval Pereira: Não, não. Eu critiquei quando o TSE voltou atrás. Quando impôs a verticalização eu apoiei. Depois o TSE voltou atrás.

Nelson Jobim: Voltou atrás do quê?

Merval Pereira: Na verticalização. O senhor não lembra? Ano passado teve um...

Nelson Jobim:  Não.

Merval Pereira: Teve! O TSE voltou atrás completamente. Renan Calheiros, José Sarney e Antônio Carlos Magalhães foram ao TSE...

Nelson Jobim: Na verticalização, não. Houve até emenda constitucional.

Merval Pereira: Exatamente, o TSE decidiu que não podia ser verticalização porque tinha que ter alguma regra, não sei o quê.

Nelson Jobim: Não.

Merval Pereira: Foi! Ano passado, antes da eleição, claro que teve.

Eliane Cantanhêde: O seu partido, o PMDB, acabou de passar uma rasteira, porque o Mangabeira [Roberto Mangabeira Unger] tem sido decisivo no seu projeto de fazer um plano de defesa.

Nelson Jobim: Está coordenando o trabalho.

Eliane Cantanhêde: E como é que o senhor reagiu a essa posição do seu próprio partido?

Nelson Jobim: É lamentável.

Eliane Cantanhêde: O senhor tentou articular?

Nelson Jobim: Fiquei sabendo depois sobre o fato. Não havia notícias em relação a isso. Agora, é lamentável que isso tenha ocorrido porque, efetivamente, eu creio que o presidente Lula vai encontrar uma solução para o problema. A contribuição que o professor Mangabeira está dando ao Ministério da Defesa é importantíssima. Creio que é uma contribuição exatamente ao problema da estratégia de defesa. Ele tem imenso conhecimento, tem uma relação internacional muito forte - quem não foi aluno, foi colega dele - no mundo todo e, com isso, nós tivemos uma surpresa. Agora, espero que isso se resolva, que haja uma forma de resolver o assunto. E ele vai continuar colaborando com o Ministério da Defesa para exatamente coordenar esse grupo que nós estamos trabalhando.

Eliane Cantanhêde: Na outra ponta a gente tem aqui o Zuanazzi [Milton Zuanazzi, presidente da Anac]. O senhor que tem que mandar nas Forças Armadas, o senhor é o chefe da defesa, mas não consegue se entender com seu conterrâneo, o senhor manda recado pela imprensa de que ele tem que sair, aí a Anac inteira caiu e ele continua lá.

Nelson Jobim: As coisas não são assim.

Eliane Cantanhêde: É uma briga de gaúcho isso, o que é isso?

Nelson Jobim: Acontece que tu tens que lembrar de que só poderá haver uma renúncia da presidência da Infraero no momento que você tiver no mínimo três. Porque, como presidente, ele pode operar pelos estatutos. Agora, nós precisamos designar três nomes. Então nós teremos condições de discutir a renúncia ou não da presidência. Agora, nós já indicamos um, que já foi aprovado pela Comissão do Senado, que é o brigadeiro Allemander [Allemander Pereira Filho], um especialista em questões aéreas, tráfego aéreo propriamente dito. Nós já indicamos mais um, que é o doutor Guaranis [Marcelo dos Guaranis], especialista em regulação.Vamos indicar mais dois de infra-estrutura aeroportuária e, por último, pretendo indicar a doutora Solange [Solange Paiva Vieira, economista] para ser a presidente da Anac, que seria então a grande gestora. E aí você teria um conjunto de personagens que teria regulação, infra estrutura, circulação aérea e gestão.

Paulo Markun: Ministro, o nosso tempo está acabando eu queria fazer uma última pergunta, retomando um pouco que a Eliane mencionou, com um outro viés. O senhor foi Ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, tem ótimas relações com o governador de São Paulo, José Serra...

Nelson Jobim: Meu padrinho de casamento.

Paulo Markun: É ministro do presidente Lula. Isso demonstra que há mais semelhanças e diferenças entre o PT e o PSDB? Ou que, enfim, o senhor é o nome acima dessas diferenças e, portanto, até mesmo um candidato a 2010?

Nelson Jobim: Nem pensar. Eu sou candidato a voltar a minha advocacia. Eu não queria vir para o Ministério da Defesa, acabei vindo, as injunções acabaram me determinando, embora a Eliane não acredite, mas na verdade, eu recebi uma ordem da minha mulher para vir. E o fato é que as minhas relações... Desde que eu comecei no Congresso em 1987, eu sempre tive relações com todos. Nunca tive problemas com ninguém. Tive conflitos, debates, mas sempre uma relação de transparência. Quando o presidente Lula resolveu me chamar para o Ministério da Defesa, no primeiro momento reagi, não aceitei. Na terceira vez, acabei aceitando. E aceitei na quarta vez. Acabei aceitando dentro de uma circunstância, pra atender um determinado... Não há que se confundir relações pessoais com relações institucionais. A gente não pode pessoalizar as coisas, eu sei que tem muita gente que pessoaliza isso. Há vários colegas que se afastam da sua função, entram em pânico. Você, quando assume uma determinada função, enche de amigo de infância de tudo que é lado esperando certos benefícios e benesses. O fato é que alguns confundem a função com a pessoa e isso dá um pânico. Às vezes, as pessoas entram em depressão. Não é o meu caso, absolutamente não é o meu caso. Eu vim para cumprir uma tarefa. Quero deixar bem claro o seguinte.: aprendi que se você faz projetos - você acaba se preocupando com o projeto e não cumprindo adequadamente a tarefa - porque, às vezes, o cumprimento exato da tarefa e o cumprimento dessa missão seriam... os dados, os elementos podem, inclusive, prejudicar projetos. Você tem que fazer opções. Então eu não faço projeto, absolutamente não faço projeto. O meu projeto básico é voltar à atividade de advocacia.

Paulo Markun: Muito obrigado pela sua entrevista, o Roda Viva vai chegando ao fim, agradeço a nossa bancada de entrevistadores e a você que está em casa. Lembro que o programa Roda Viva estará de volta na próxima segunda-feira, quando entrevistaremos José Padilha, diretor do filme Tropa de elite. Uma ótima semana e até lá.
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