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Memória Roda Viva

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Paulo Coelho

21/4/2003

O autor que acabara de lançar seu livro Onze minutos faz declarações sobre sua vida e sua obra: afirma que seus livros não são de auto-ajuda, que não professa o misticismo e que se considera um escritor muito bom

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[Programa gravado, não permitindo a participação de telespectadores]

Heródoto Barbeiro: Olá! Boa noite! Depois que ficou famoso, toda vez que ele lança um livro, a história se repete, os leitores fiéis correm para as livrarias e os críticos retornam também ao ataque. Considerando a crítica literária um mal necessário, ele segue em frente com o seu estilo, mantendo a posição de escritor brasileiro mais lido em todo o mundo. O Roda Viva entrevista, esta noite, o mago, o alquimista e agora imortal da Academia Brasileira de Letras, Paulo Coelho. Ele reaparece com um novo livro, onde deixou o esoterismo de lado e pela primeira vez em sua carreira aborda um tema ligado a sexo.

[Comentarista Valéria Grillo]: Era uma vez uma prostituta chamada Maria, a clássica fórmula da fábula abre o conto de fadas adulto de Onze minutos, o novo livro onde o Paulo Coelho, fala de sexo e prostituição, inspirado na vida de uma prostituta. O título refere-se ao tempo médio de uma relação sexual, segundo a estimativa do autor. A história desse carioca de 55 anos, está contada na página pessoal que ele abriu na internet, e que é vista por mais de 5 mil pessoas por dia, e pode ser lida em 14 idiomas. Antes de dedicar-se inteiramente à literatura, Paulo Coelho trabalhou como diretor e autor de teatro, jornalista e compositor - foi parceiro de Raul Seixas [(1945-1989) cantor e compositor baiano, anárquico ícone do rock brasileiro, famoso pela vida desregrada, enorme fã-clube que se mantém mesmo após sua morte e inúmeras canções, conhecidas de norte a sul do país, como Metamorfose ambulante, por exemplo] em 60 composições. Entre os anos de 70 e 80, Paulo Coelho viajou pelo mundo como hippie para conhecer sociedades secretas e religiões orientais. Em 1986 fez o Caminho de Santiago, aventura que deu origem ao O diário de um mago. Em 1987, publicou O alquimista, que acabou se transformando no livro brasileiro mais vendido de todos os tempos: 11 milhões de exemplares em 18 países. A Warner Bros. [Warner Bros. Entertainment é uma das maiores produtoras de filmes e programas de televisão do mundo] comprou os direitos de filmagens e vendas envolvendo o roteiro do filme. Na seqüência vieram mais nove livros que geraram números inigualáveis na indústria editorial brasileira, cerca de 54 milhões de exemplares, vendidos em 56 línguas em mais de 150 países. Paulo Coelho também escreve colunas semanais em mais de 40 jornais brasileiros e estrangeiros e já recebeu mais de uma dezena de prêmios no Brasil e no exterior. No ano passado [2002] foi escolhido o novo imortal da Academia Brasileira de Letras. Lembrando ter sido eleito no dia de São Thiago de Compostela e tomado posse no dia de São Judas Tadeu. Abriu o discurso de posse em latim, dizendo que "a glória do mundo é transitória." E definiu sua entrada na Academia não como uma resposta, mas como uma pergunta aos críticos que sempre o taxaram de mau escritor.

Heródoto Barbeiro: Bem, e para entrevistar o escritor Paulo Coelho, que está aqui conosco hoje no Roda Viva, nós convidamos o Ricardo Soares, que é documentarista da TV Cultura e diretor do programa Mundo da Literatura da Rede Sesc e Senac de Televisão, o Manuel da Costa Pinto, editor da revista Cult, Luis Antônio Giron, editor de cultura da revista Época, Cassiano Elek Machado, que é repórter do caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, o Fábio Altman, editor da revista Isto É Dinheiro, Cecília Costa que é editora do caderno Prosa & Verso do jornal O Globo e Wagner Carelli que é o publisher da W11 Editores. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados da federação brasileira, mas hoje, como o programa está  sendo gravado com Paulo Coelho, aquela participação ao vivo que você está acostumado a fazer no programa não acontece. Paulo, boa noite.

Paulo Coelho: Ola! Heródoto é um prazer estar aqui.

Heródoto Barbeiro: Recentemente nós tivemos a oportunidade de conversar a respeito do Oriente Médio e você, nos seus livros, mostra um conhecimento bom a respeito do Oriente Médio e, principalmente, dos acontecimentos que envolveram o Iraque. Então, antes de começar pelo lado da literatura vou puxar pelo lado jornalístico e queria que você comentasse um pouco conosco se essa Guerra do Iraque, onde está lá o mundo ocidental e o mundo oriental, é o choque possível entre duas civilizações de culturas tão diferentes e de origens tão diversas.

Paulo Coelho: Eu acho que o risco é colocar nesse plano, quer dizer, um choque de civilizações. Não é. Não acredito que seja. Acredito que os planos dessa guerra, criados pelos chamados neo-conservadores, entre os quais você tem o Rumsfeld [Donald Rumsfeld, ex-secretário da defesa dos EUA], eram de uma grande expansão. Por outro lado, eu penso que a reação popular valeu alguma coisa, as pessoas têm essa sensação de impotência, mas acho que não. Eu acho que eles esperavam um outro tipo de resposta. Então, teoricamente, na minha opinião, acho que nesse momento a guerra acaba no Iraque. Começa e acaba. Eu penso que a tendência era expandir através do chamado "eixo do mal", e mesmo refazer o mapa político do Oriente Médio.

Heródoto Barbeiro: Em algum momento você achou que essa guerra poderia se tornar uma guerra entre islamitas e cristãos?

Paulo Coelho: Eles têm se provocado um pouco, mas eu acho que não, inclusive são muito provocados dentro do próprio Islã, como se fosse um jihad [luta, mediante vontade pessoal, para buscar e conquistar a fé perfeita], como se fosse uma Guerra Santa. É uma guerra baseada em interesses que todos nós sabemos, mas não acredito que o petróleo seja um desses interesses, acredito que é mais uma guerra de mercado. Mas se isso ocorrer – e aqui tem alguns jornalistas que eu já dei entrevistas há 10 anos, falando dessas possíveis guerras religiosas – se isso degenerar para esse ponto vai ficar muito complicado porque nós vamos entrar em um tipo de luta onde não existe uma mesa para discussão, quer dizer, qual é o Deus mais forte? Isso não se prova não se discute, não há diplomacia em torno disso. Então eu espero que a coisa fique por aí. Agora, você me pergunta se eu estou otimista? Eu não estou muito otimista não. Eu não acho que a Guerra do Afeganistão tenha acabado, foi acabada uma primeira batalha, mesmo durante a Guerra do Iraque. Agora, tenho visto ataques, continuam os ataques ali. Não acho que a conquista de Bagdá ou mesmo a queda do Iraque vai significar o final dessa guerra, a coisa vai se prolongar. O que eu estou otimista é que pelo menos não vai haver uma ampliação dessa situação bélica.

Fábio Altman: Paulo, a gente tem assistido nesses últimos dias, um crescimento muito grande de uma onda de anti-americanismo no mundo. Talvez pela postura demasiadamente arrogante dos americanos, a gente viu na semana passada, a estátua do Saddam Hussein sendo derrubada em Bagdá, os americanos colocaram uma bandeira dos Estados Unidos na estátua. Como você acha que vai ficar o mundo diante disso? Diante dessa onda de anti-americanismo? Não pode ser esse um dos resultados do atual conflito?

Paulo Coelho: Fábio, infelizmente, vai ser. Mas é um equívoco. Eu recentemente publiquei um artigo chamado "Obrigado presidente Bush" [publicado em 08/03/2003 na Folha Online] esse artigo foi traduzido em “zilhões” de jornais, e virou, no dia 9 de abril, o artigo mais lido da internet. E realmente, isso está colocando os americanos muito na defensiva, quer dizer, eles entendem qualquer coisa contra essa guerra como se fosse uma manifestação anti-americana. E, o que se está se vendo é que como um lado está extrapolando, o outro também está. Acho um grande perigo, enfim, muitos americanos eu tive oportunidade de ver, através das respostas dos e-mails, são contra a guerra, não a maioria, mas são contra a guerra, e o grande perigo é esse, botar a coisa na defensiva e a coisa virar realmente anti-americana.

Ricardo Soares: Paulo, você esteve no Irã, onde você foi muito bem recebido, inclusive, isso foi registrado em um documentário do People & Arts, o que eu quero perguntar para você é o seguinte: tendo estado no Irã e tendo chegado ao inconsciente coletivo do Irã, essa percepção exatamente do que estamos falando desse anti-americanismo, dessa Guerra Santa, a convivência dos seus leitores, a recepção que você teve; você acha... Isso é perceptível? Que percepção tem você desse aspecto que estamos falando, tendo estado no Irã?

Paulo Coelho: Eu já estive em vários países árabes, o Iraque não é considerado um país árabe. Eu queria então generalizar sem entrar em detalhes específicos de tal e tal país. Não existe isso, ou não existia, eu acho que a situação mudou muito depois da invasão do Iraque. Você chega ao Irã, ou em qualquer outro país, e as pessoas gostam de coca-cola, elas estão a fim de escutar um rock, estão a fim de um jeans. A mesma coisa, por exemplo, quando eu estive nos países da esfera, enfim, da ex-cortina de ferro, eu me lembro de ir ao mercado negro de Praga e encontrar lá discos de rock sendo vendidos, e os sonhos do cara era ir para o Texas, enfim, você não consegue reprimir certo tipo de coisas. Agora, como a guerra radicaliza as opiniões, até aqui mesmo a gente está ouvindo falar em boicotar produtos americanos, mas pela minha experiência pré-guerra isso não acontecia. E eu posso dar uma experiência pós-guerra que é Kosovo, ou melhor, a Iugoslávia, [onde] houve um sentimento anti-americano muito grande, que não durou muito tempo.

Heródoto Barbeiro: Paulo, quando você lembrou a expressão do presidente Bush, "eixo do mal", que é o Iraque, Coréia do Norte e Irã, isso está no sentido estritamente político ou nós podemos chegar num sentido esotérico do mal representando pelo demônio?

Paulo Coelho: Acho que a idéia dele foi essa. Inclusive, você vê claramente - antes o Reagan sendo flagrado, porque foi um erro de jornalismo, feito agora, pegaram o Bush se maquiando - o Reagan foi flagrado chamando a Rússia de império do mal também. Ele estava se referindo muito à coisa da "guerra nas estrelas", [referência ao plano elaborado por Reagan, que ele chamava de iniciativa de defesa estratégica, e que as pessoas, meio jocosamente, passaram a chamar de "guerra nas estrelas" - nome da série de filmes norte-americanos - porque era um projeto custoso e que não se sabia se iria funcionar] que no final terminou se transformando numa realidade. Não, eu acho que, realmente, aí foi uma primeira tentativa de pegar três países..., no sentido muito mais prático.

Luís Antônio Giron: Paulo, na entrevista que a gente fez, até a propósito do artigo que você escreveu que é "Obrigado presidente Bush", você falou de uma reflexão sua a respeita da transformação de monstros em heróis, por causa de todo esse conflito no Oriente Médio. Esses conflitos mundiais que o império americano anda levando adiante, como é que você vê isso?

Paulo Coelho: É o que está acontecendo. Hoje em dia, se você vê Bin Laden, que é um terrorista que bombardeou lá, não sei aliás, mas, vamos dizer, ao qual foram imputados os atentados de 11 de setembro, virou um herói, quer dizer, durante o início da Guerra do Iraque, o Saddam Hussein com todos os crimes que ele cometeu passou a ser um herói - o único que está se batendo contra o império americano. É o que tem acontecido, a gente vê isso no decorrer da história.  Agora, existe infelizmente, a frase do Abba, aliás Abba é um grande conjunto musical, aproveito para dizer aqui que gosto muito, estive com a Frida recentemente que diz “o vencedor leva tudo”, então essa é a dura realidade. Então, no final, os vencedores que também agiram arbitrariamente, e não estou falando do povo americano, estou falando do Bush, vai virar o grande herói quando na verdade a atitude foi monstruosa.

Heródoto Barbeiro: Ou, "ao vencedor as batatas", como dizia o Machado de Assis.

Manuel da Costa Pinto: Paulo, de qualquer forma, o que a gente está falando sempre aqui é de algum tipo de política regida por idéias inspiradas em discursos religiosos, em misticismo. E você é um escritor identificado com esoterismo e misticismo. Como distinguir esse misticismo instrumentalizado politicamente daquele misticismo, experiência espiritual, esotérica que você professa nos seus livros?

Paulo Coelho: Primeiro me deixa discordar um pouco, eu não professo nenhum misticismo nos meus livros. Uma vez dito isso, você tem que ir para a noite dos tempos realmente para saber que a guerra, curiosamente, está na alma do ser humano, ela é um rito, ela é um rito que o homem não pode viver sem ele. Essa é a trágica realidade. Ela está muito mais ligada à idéia do sacrifício, quer dizer, quando você vai - existem vários tratados a esse respeito - mas quando você vai para a guerra… Porque eu fico pensando como é que vão me obrigar a ir para um lugar que eu vou morrer? É uma coisa muito, muito forte. E, no entanto, você vê que em todo esse rito laico da guerra existe a idéia do sacrifício. E o sacrifício é uma coisa presente na religião. Mas eu não vou para a guerra para matar, eu vou para a guerra para me oferecer em sacrifício ao meu país. Você tem alguns sintomas ou alguns exemplos muito simbólicos disso, quer dizer, o soldado desconhecido é a pessoa comum, é aquele que é sempre reverenciado, faz parte do ritual da visita de qualquer presidente, de qualquer país, visitar o [monumento dedicado ao soldado desconhecido] homem comum que se ofereceu em sacrifício pelo seu país, ele nunca visita o herói que libertou. Ele visita o herói que morreu. Isso é um dos aspectos da guerra como um objeto sagrado. Outra coisa que você vê também, e acho que foi Ítalo Calvino [(1923-1985) escritor italiano, nascido em Cuba, famoso internacionalmente por obras como O visconde partido ao meio (1952), O barão nas árvores (1957) e O cavaleiro inexistente (1959)] que escreveu sobre os Comícios de Nuremberg. Você vê, mas não tenho certeza agora, acho que foi [Elias] Canetti [(1905-1994), novelista, ensaísta, sociólogo e teatrólogo de origem búlgara, prêmio Nobel de literatura de 1981], agora eu não me lembro. Mas você vê que no processo de guerra, a vida de milhões de pessoas, que consiste em assistir televisão, trabalhar no lugar que não quer, enfim, viver de uma maneira muito convencional e aborrecida, ela passa a ter um sentido. E, se referindo aos Comícios de Nuremberg, logo na ascensão de Hitler, aquela massa gigantesca acha que a vida da massa está justificada, então ela vai ao ataque. A guerra por trás do que possa parecer, e é aí que os políticos manipulam muito bem, ela dá um sentido a vida do homem comum que termina na homenagem do soldado desconhecido.

Fábio Altman: Mas Paulo, você não acha que nunca se viu como agora, nessa guerra, uma onda tão grande de passeatas, de movimentos pacifistas, isso não daria mais sentido ao ser humano do que ir a guerra?

Paulo Coelho: Acho que sim Fábio. Acho que a gente está mudando esse paradigma. Eu acho que esses movimentos pacifistas estão dando resultado, por mais que, neste momento, a gente veja, mas não podiam parar uma guerra no meio, mas tão dando resultado, eu acho que eles vão parar essa primeira guerra no final. Eu acho, eu posso estar enganado, e vir aqui no Roda Viva, e pedir desculpas publicamente, mas acho que a partir de agora eles vão ficar muito mais cautelosos.

Heródoto Barbeiro: Paulo, quando você usou a expressão império romano...

Paulo Coelho: Americano...

Heródoto Barbeiro: Império americano, as pessoas têm associado império americano, imaginam que é aquele período de ascensão para apogeu e queda, não é? A minha pergunta para você é a seguinte: você acha que a história se repete?

Paulo Coelho: A história se repete, os impérios se repetem, quer dizer, alguns impérios mais rápidos, feito o império de Alexandre, por exemplo. E outros bem mais demorados, que foi o império egípcio ou o mesmo o império romano, sendo que ambos os impérios lideram com coisas muito inteligentes, a pax romana [expressão latina para "a paz romana”] era uma pax que dizia: você faz o que você quiser, enfim, você tem essa liberdade total, mas você faz parte dessa estrutura de poder. Nós vimos agora, mesmo o império soviético, não vamos dizer que não vimos, se desmoronou muito rápido, mas a história se repete e sempre vai haver esse mecanismo de expansão e contração de uma potência maior, para isso você tem que ter primeiro uma potência definida como única. Você não pode ter duas iguais. Tínhamos, há 10 anos, 15 anos, Rússia e Estados Unidos, e aí pelo próprio processo de expansão, ela se enfraquece. Ou seja, estamos discutindo teoria de guerra que é uma coisa surrealista...

Cecília Costa: Posso fazer uma pergunta então?  [risos]

Paulo Coelho: Eu acho que na medida em que ela vai se expandindo, se expandindo, se expandindo, se agigantando é que nem uma firma qualquer, a comparação é pertinente, você termina perdendo o controle e ela se enfraquece, fica muito vulnerável.

Cecília Costa: Tomara, vamos ver a derrocada do império americano.

Paulo Coelho: Não, não vamos. Eu acho que não vamos ver a derrocada do império americano, acho que talvez nossos bisnetos sim, acho que nós não.

Cecília Costa: Paulo, você quando escreveu sobre o Obrigado presidente Bush e recebeu aquelas cartas todas, você disse que houve uma reclamação por você estar tendo uma atitude política, que alguns leitores falaram que não queriam de você um posicionamento político. Eu fico curiosa com relação ao Onze minutos, que já está em primeiro lugar na lista dos mais vendidos da ficção, se você também teve reclamações de leitores, desde o lançamento, porque você está meio assim...

Paulo Coelho: Estava...

Cecília Costa: Com medo de entrar na questão de sexo, e principalmente sobre a cena tal, masoquista, já houve alguma reação, alguém já te mandou...?

Paulo Coelho: Houve, houve algumas reações. Deixa eu dizer, com relação à carta, [Obrigado presidente Bush] as reclamações que vieram foram de leitores que eram a favor da guerra, ou seja, todos os outros leitores que eram contra a guerra, e pessoas que nunca tinham me lido e que são contra a guerra se posicionaram a favor do texto. Outra coisa que eu quero ressalvar também é que eu não imaginava esse tipo de repercussão. E, terceiro, é que não vi nenhum outro intelectual - eu ouvi coisas aqui, coisas ali, circulou um texto apócrifo do [Gabriel] Garcia Marques [jornalista e escritor colombiano, autor de Cem anos de solidão] na internet, mas não é do Garcia Marques  - mas não vi ninguém se posicionar claramente. Com relação ao Onze minutos eu tinha…

Cecília Costa: [interrompendo] Eu faço uma observação que houve até intelectuais brasileiros, assinaram um abaixo-assinado, vários, era o Leonardo Boff [teólogo, desligado das funções de padre da Igreja Católica por ser um dos criadores da Teologia da Libertação - ver entrevista com Boff no Roda Viva], é contra a guerra…

 Paulo Coelho: Ai que bom…

Cecília Costa: Mas eles assinaram isso exatamente um dia antes da guerra, e acabou que não teve muito espaço nos jornais.

Paulo Coelho: Bom… Bom você colocar isso...

Cecília Costa: Mas houve um pronunciamento dos intelectuais brasileiros.

Paulo Coelho: Houve também do Saramago, agora estou me lembrando, ele também colocou. Mas, de uma maneira geral, eu achava que a posição tinha que ser mais clara. Houve de alguns mas, coisas meio pingadas. Com relação à Onze minutos, tive sim.

Cecília Costa: Teve reclamação?

Paulo Coelho: Tive. No momento, que estou dando esta entrevista, eu tive uns 80 e-mails para minha surpresa, e as pessoas se descrevem, porque já que a Maria é uma prostituta, elas se descrevem, são mães de famílias ou não sei o quê, ou elas são estudantes, e tem sido extremamente positivo. Eu não tinha exatamente medo, Cecília. Eu tinha…

Cecília Costa: A reação do leitor tem sido boa?

Paulo Coelho: Tem, tem, incrivelmente boa.

Ricardo Soares: E a Igreja, Paulo?

Paulo Coelho: A Igreja não vai se manifestar.

Ricardo Soares: Você guarda uma posição de respeito em relação às tradições da Igreja Católica. Eu até pergunto se a Igreja não...

Paulo Coelho: Não vai se manifestar. Eu acredito que não vá se manifestar.  A reação tem sido muito boa.

Cecília Costa: Quer dizer, ninguém ficou chocado? Quer dizer, nenhuma...

Paulo Coelho: Até o momento ninguém. Até agora ninguém. Teve um homem, que foi numa conversa... o que é que ele falou? Ele queria associar muito o livro a um tipo de misticismo.

Wagner Carelli: Paulo, uma continuação disso aqui, na apresentação da sua vida [que os entrevistadores recebem da direção do programa], na pequena biografia, diz que você abandonou os temas esotéricos...

Paulo Coelho: Você permite...

Wagner Carelli: Só um instantinho. Aqui, você falando com o Manuel, ele falou: “que você professa o misticismo”, e você reagiu imediatamente. Eu queria primeiro perguntar uma coisa, se você em algum momento se julgou um escritor esotérico?

Paulo Coelho: Não. Desde o primeiro livro O diário de um mago, não.

Wagner Carelli: Essa é a primeira pergunta. A segunda é o seguinte, de qualquer forma sua literatura está ligada, eu calculo que o grande êxito, a expressão e a repercussão impressionante que tem a sua literatura, é que você lida com algo que está dentro das pessoas. Você mostra para elas, você monta o quebra-cabeça de algo que as pessoas têm dentro de si, que elas se identificam naquele momento, que é o grande mérito da literatura em si, de abrir para pessoas o mundo interno delas, e permitir a elas, que elas lidem com as suas ilimitações, que eu acho, que é o grande mérito da literatura. Ela democratiza o fato de você poder. Qualquer um olha e lê o seu livro e fala: “sim, eu posso...”.

Paulo Coelho: Eu vou pegar isso daí...

Wagner Carelli: Agora, nessa segunda pergunta, é o seguinte: você não acha que você começa a frustrar os seus leitores, no momento, que você se afasta um pouco deles?

Paulo Coelho: Não.

Cassiano Elek Machado: Eu queria adicionar uma pergunta na rebarba dele, eu ia fazer uma pergunta parecida. Eu queria saber, você apareceu no cenário, até nas primeiras reportagens, com uma figura de mago, até que ponto a figura do mago hoje, ela te incomoda? E você tenta se livrar dessa capa?

Paulo Coelho: Então, vamos dizer, ela não me incomoda nada. Recentemente num programa de televisão alguém me disse, me perguntou: “mas existem até pessoas que acham que você é mago”. Eu disse: “eu também acho isso, eu também assumo isso inteiramente". Acho que o processo da magia faz parte da minha vida, e fará parte da minha vida para sempre. Isso é uma coisa a qual eu me dedico desde a minha juventude, e espero continuar, através dos dias que me serão concedidos. Uma vez dito isso, eu tenho dois referenciais, o primeiro é o Brasil. O que aconteceu no Brasil? O primeiro livro a sair foi O diário de um mago onde eu mostrei a capa e espada, essa imagem foi muito emblemática. Enquanto no resto do mundo o primeiro livro a sair foi O alquimista, que não tem nada de esotérico, nada. Tanto é que eles queriam trocar o título, queriam botar outro título, mas o livro nunca foi caracterizado como tal, embora, repito, assumo inteiramente, todo o meu percurso espiritual dentro da magia. O que aconteceu? A imagem foi tão forte e o título do livro, nos outros países, por uma questão de tradução, só por uma questão de tradução, o livro O diário de um mago foi traduzido por Peregrinos de Compostela, ou como A peregrinação, nunca traduziram como O diário de um mago. É uma palavra que é complicada traduzir, em inglês, por exemplo, usa uma palavra latina. Em espanhol, o mago é o mágico que faz mágica.

Wagner Carelli: Fora daqui você não foi associado a um mago?

Paulo Coelho: Não fui, em lugar nenhum. O que não tira, isso assumirei pelo resto da minha vida, o meu percurso dentro da magia que é uma coisa que toca.  Agora, falando dos temas dos livros... Heródoto, eu já abordei muito outros temas, que não há magia, em diversos livros meus. Eu dou alguns exemplos clássicos: o primeiro é Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei, ele não toca nesse tema, O monte cinco, é muito mais um livro sobre a tragédia, onde eu procuro analisar você ser preso, mas tem, enfim, um anjo, tem a vida de Elias que é um profeta. Mas Verônica decide morrer é um livro que nem toca no tema. Curiosamente, foram livros que tiveram um grande sucesso de vendas também. Então, eu acho que o leitor não se identificava necessariamente com o tema magia, ele se identifica com isso que você falou que é o caminho das pessoas comuns, quer dizer, todos nós podemos, em algum momento da vida, despertar o nosso potencial.

Fábio Altman: Nesse aspecto seus livros são livros de auto-ajuda?

Paulo Coelho: Claro que não. Claro que não. Talvez eu soubesse definir o que é auto-ajuda, porque eu já li. São livros com receitas, faça isso, faça aquilo, e eu acho que não existe nenhuma receita nos meus livros.

Cecília Costa: Eu acho que você mantém um lado hippie nos seus livros, um velho hippie.

Paulo Coelho: E no meu físico. Olha isso aqui... [mostra o rabinho nos cabelos].

[Risos]

Cecília Costa: Nesse sentido eu concordo com o Wagner: tem um pouquinho de pó de alminha, um pouco de alma e espiritualidade, mas tem o lado libertário, onde ele [Wagner] fala do ilimitado e do que é possível. Você abre janelas e portas. Saiam do seu cotidiano!…

Paulo Coelho: Isso é uma boa definição, eu acho que é o lado libertário.

Cecília Costa: ...não fiquem em um casamento entediante! Vivam o sexo até o final! Ou se você for considerado louco pela sua família, saia porta a fora!...

Paulo Coelho: Foi o que aconteceu comigo.

Cecília Costa: ... e vá viver a sua loucura! Acho que isso que atrai um pouco, essa é a minha explicação. Agora, se você tiver alguma explicação para você vender 53 milhões de livros…

Paulo Coelho: Não, não tenho. Mas isso que você falou é muito verdade, porque foi o que aconteceu nas minhas histórias de vida, desde o Raul [Seixas] aos momentos que eu estive no asilo.

Heródoto Barbeiro: Paulo, gostaria de fazer uma pergunta puxando para o lado esotérico, vou repetir a você uma pergunta que foi feita para o Sidarta Gautama [Buda]...

Paulo Coelho: Poxa vida!

Heródoto Barbeiro: Posso fazer?

Paulo Coelho: Por favor.

Horódoto Barbeiro: O que acontece com a pessoa depois que ela morre?

Paulo Coelho: Ô, Heródoto, primeiro é preciso morrer, para a gente ter essa resposta concreta. Agora, se você me perguntasse, no próprio discurso da Academia Brasileira de Letras eu cito - eu acredito em vida após a morte, acredito não, tenho certeza - eu cito isso, porque eu pergunto: “por que nós buscamos a glória?” Essa frase em latim “sic transit Gloria mundi”, quer dizer, a glória do mundo é transitória, e nós buscamos ela. E é uma coisa que faz parte da nossa vida. Por que que nós buscamos e não temos resposta para isso nem nada. Mas eu acho que, no dia final, no dia que você morrer, Deus - que eu acredito profundamente - vai te fazer uma pergunta muito simples, não foi se você pecou, se você traiu, se você fez isso? “Você amou o suficiente?” Eu acho que a tua resposta a essa frase é básica. Borges [Jorge Luis Borges Acevedo (1899-1986) escritor, poeta, tradutor, crítico e ensaísta argentino, considerado um dos mais importantes escritores da literatura mundial]  tem uma poesia que é muito interessante - talvez eu me estenda um pouquinho aqui - mas ele diz que o inferno e o céu são a mesma face que você vai contemplar pela eternidade. E se você teve uma relação de amor com aquele rosto, que pode ser alguém que você conheceu, isso vai ser o paraíso porque você vai estar contemplando o objeto do seu amor. Se você teve uma relação de ódio, isso vai ser uma relação de inferno, você está condenado à eternidade a contemplar, enfim, o teu ódio, o teu próprio ódio. A imagem de Borges, a gente acreditando ou não acreditando, é uma imagem muito forte, então…

Ricardo Soares: [interrompendo] Paulo, você está falando do Borges aqui, e eu estava lendo uma citação sua ao Borges, ia até pedir licença para fazer uma auto-referência. Porque em 1988, eu fiz uma reportagem com você e você estava na Editora Eccos ainda, não era o autor de sucesso que você se tornou posteriormente, estava vendendo muito bem no Rio de Janeiro... Porque estou citando essa matéria - foi uma relíquia achada pelo pessoal de pesquisa da TV Cultura - porque na matéria você dizia assim..., nós estamos falando de guerra, de misticismos e eu queria voltar um pouco para a literatura, já que você citou Borges. Você dizia nessa entrevista, na época a estratégia de divulgação vendia você como um mago, pipetas e tubos de ensaio, você dizia assim naquela ocasião "que o mal maior do escritor brasileiro, é querer ser sempre genial, ninguém quer simplesmente contar uma boa história, todos se voltam apenas para o lado intelectual. Que gostaria muito de ser Saint-Exupéry [Antoine de Saint-Exupéry, aviador e escritor francês cujo livro mais conhecido é O pequeno príncipe, clássico da literatura infanto-juvenil que se tornou o livro francês mais vendido no mundo e o terceiro mais traduzido. Desapareceu enquanto pilotava seu avião e seu corpo nunca foi encontrado] e não um James Joyce [(1882-1941) escritor irlandês, cujo romance Ulisses é considerado, pela crítica especializada, uma das maiores obras da literatura mundial] você continua pensando igual?

Paulo Coelho: Continuo...

Ricardo Soares: Você prefere ser Saint-Exupéry?

Paulo Coelho: Sem dúvida, sem dúvida, além do mais Saint-Exupéry até virou um bilhete de 50 francos na França, tem uma história aventureira, foi uma pessoa que viveu e no Brasil infelizmente é um escritor que não tem muito respeito. Mas se eu tivesse que escolher entre os dois, hoje eu diria Ricardo, eu prefiro ser Paulo Coelho. Mas se me fosse colocado as duas maneiras de viver, a do Saint-Exupéry e do Joyce, eu ficaria muito mais com a maneira de viver do piloto que foi e não sei o que lá, e que morava no deserto, e que um dia o avião desapareceu durante a guerra. Do que uma pessoa que estava muito fechada no seu mundo, embora não tenha nenhuma crítica. Vamos dar outra comparação que é o Proust [Marcel Proust (1871-1922) escritor francês conhecido pela obra Em busca do tempo perdido] e o Hemingway [Ernest Hemingway (1899-1961), escritor e jornalista norte-americano cujos ideais de coragem e honra exerceram influência sobre uma legião de leitores. Viveu muito tempo na Europa, principalmente em Paris e participou da Guerra Civil Espanhola. Entre suas obras destacam-se Por quem os sinos dobram, Adeus às armas e O velho e o mar], dois que tiveram duas vidas radicalmente diferentes, eu ainda ficaria se tivesse que viver lá nas caçadas, indo para Cuba, fumando [referência à vida de aventuras de Hemingway], mas eu não daria um tiro no rosto feito o Hemingway.

Ricardo Soares: Mais emoção do que razão, é isso?

Paulo Coelho: Não, não. Eu acho que ambos lidam com a emoção e com a razão. Joyce tem emoção, Saint-Exupéry tem razão. Agora, a escolha de vida e a escolha de como transmitir isso está muito mais clara e objetiva em Hemingway, do que está em Joyce, do que está em Proust, embora eu adore Proust.

Cassiano Elek Machado: Eu ia te perguntar..., você fala sempre, quando te perguntam o que você gosta de ler, você fala do Borges, do Hemingway, Saint-Exupéry e até quando ele fez essa referência ao Joyce eu lembro que você falou mal do Ulisses uma vez e depois falou que gostava do Dublinenses, etc...

Paulo Coelho: Que é mais difícil...

Cassiano Elek Machado: Você não criticou frontalmente nenhum desses... nem Ulisses de James Joyce. Queria saber, você que é tão criticado tem a sua literatura tão atacada, o que você acha que é uma má literatura? O que você lê e fala: “isso aqui é horrível, não consigo ler”.

Paulo Coelho: Primeiro eu queria... Eu vou dar uma rodada, e ver quem leu Ulisses até o final? Sejam honestos. Ninguém. O Giron leu. Mas você leu até o final?

Luís Antônio Giron: Não consegui ler a tradução do Antônio Houaiss, mas o original é mais fácil.

Heródoto Barbeiro: Isso é muito chique... [risos]

Cecília Costa: Eu cheguei quase até o final do monólogo da Molly Bloon.

Paulo Coelho: Eu li o monólogo da Molly Bloon evidentemente.

Luís Antônio Giron: O Joyce, ele foi um escritor emocional, ele foi um cara que viajou muito também né...

Ricardo Soares: Eu não quis dizer que ele era cético, queria saber nesse paradoxo que ele faz entre a razão e a emoção...

Luís Antônio Giron: Na aventura da escrita ele se diferencia do Exupéry, sem desmerecer Exupéry. Eu queria saber você ,Paulo, como você escreve? Porque a gente sempre fala nisso, não sei se o telespectador sabe disso, como você escreve? Você escreve pensando nessa aventura da vida? Você escreve pensando na história? Que tipo de relação que você tem com a escrita?

Paulo Coelho: Perfeito, então eu vou pegar a pergunta do Cassiano que eu não respondi que é o que é má literatura? É muito difícil julgar, mas já que você me perguntou eu vou me dar a liberdade de ser um crítico. Má literatura é aquela que a pessoa pensa no vestido, não pensa no corpo que está dentro do vestido. Usando uma coisa de moda, ou seja, as pessoas se concentraram tanto na forma, na forma e na forma que esqueceram o conteúdo. Então é uma roupa lindíssima onde, durante anos, a gente viu associado a idéia da genialidade com a incompreensão, o que não é verdade. Eu sempre, volta e meia, ouço citar o exemplo de Van Gogh [(1853-1890) pintor holandês considerado um dos principais representantes da pintura mundial]. Quem lê a vida de Van Gogh, por favor, o Van Gogh tinha um irmão que era marchand [pessoa que comercializa obras de arte], e que foi ele que não queria vender quadros de Van Gogh, que o Van Gogh nunca vendeu um quadro enquanto vivo, mas não é bem assim. Embora exista uma série de outros escritores que realmente foram mal sucedidos.

Cassiano Elek Machado: Baudelaire [Charles Baudelaire (1821-1867), poeta e crítico de arte francês que influenciou, com suas obras, diversas gerações até a atualidade. É considerado o pai do simbolismo francês e celebrado como o primeiro poeta moderno] vendeu 500 exemplares de As flores do mal.

Paulo Coelho: Baudelaire, por opção, por opção também. Era, como o Raul chamaria, um maluco beleza. Baudelaire era o típico maluco beleza. E outros, você vê aí, a gente pode entrar, enfim, em um caminho interminável. Voltando a sua pergunta, então má literatura é isso. Uma excelente forma em um conteúdo sofrível e medíocre. Então aí Giron, passando para a sua pergunta, o meu processo de escrever é muito inconsciente no que se refere ao tema. Eu tenho evidentemente “zilhões” de idéias, mas eu tenho uma que fica ali remoendo, crescendo e nesse momento que eu escrevo uma vida a cada três anos ou dois anos, eu tento forçar algumas idéias e não consigo. Eu posso até exemplificar como a música, eu tinha uma grande vontade escrever uma letra sobre um livro indiano que é uma batalha, é o Bhagavad Gita, que é um dos clássicos da literatura indiana, e não conseguia, não conseguia, e dizia: “isso jamais virará uma letra de música”. E aconteceu que um dia, lá em Dias D’Avila, na Bahia, o Raul disse, “pô, já que a gente não pode escrever sobre o livro, porque não escrevemos sobre o momento do livro?”, que é o momento que Arjuna se vira pra Krishina e diz: – “quem é você?” E ele começou: “sou a luz das estrelas”. Eu digo, aí, vamos por aí, vamos por aí. Em quatro minutos saiu à letra de 4 minutos, que no final eu disse: “Raul, eu fiz uma letra muito grande e nós vamos cortar”.

Ricardo Soares: Desculpa Paulo, mas vocês estavam aonde? Dias D’Ávila?

Paulo Coelho: Dias D’Avila na Bahia. E o Raul aí disse: “não corta essa letra, não corta”. O título original era A letra A tem meu nome, e foi brilhante ele ter me dito aquilo porque não existia música de quatro minutos, para começar. Não existia possibilidade que uma rádio tocasse músicas de quatro minutos, não sei como hoje em dia é. Mas naquela época não existia essa possibilidade. Ele disse: “vamos deixar essa letra inteira”, e de repente você vê que essa música foi cantada por todas as classes sociais, o título é "Gita", uma letra que é baseada em contradições o tempo todo, quer dizer, não é uma coisa linear, enfim, eu digo: "eu sou os olhos do cego e a cegueira da visão, eu sou dos sonhos, eu sou o amor", e depois falo mal do amor numa outra hora. E as pessoas absorveram isso com muita sensibilidade e entenderam perfeitamente. Agora, Giron, para terminar a minha resposta à sua pergunta: por mais que eu possa elaborar, elocubrar sobre o processo da criação, ele permanece em mistério, e se eu tentar desvendá-lo totalmente, eu vou cair nas seguintes armadilhas, querer agradar o leitor, eu vou querer repetir uma fórmula, eu vou querer terminar um livro rapidamente, que eu termino rapidamente, mas espontaneamente, então é uma área que eu procuro não desvendar muito não.

Manuel da Costa Pinto: Paulo, uma pergunta... seja como for, a crítica literária que o Heródoto abriu falando que é um mal necessário, são palavras suas?

Paulo Coelho: Não, não.

Heródoto Barbeiro: São palavras do texto que eu li aqui. [risos]

Manuel da Costa Pinto: Então está certo, mas seriam um mal necessário, de qualquer maneira, existe uma cisão entre o público que lê os seus livros e a crítica literária considerada acadêmica, não acadêmica da Academia Brasileira de Letras, mas acadêmica no sentido das universidades, dos pesquisadores, aquelas pessoas que compõem o sistema literário, que bem ou mal estão escrevendo a história da literatura brasileira e que vão determinar - não que um crítico vá determinar ali no seu gabinete quem vai fazer - quem vai ficar e quem não vai ficar na história da literatura brasileira. Mas de qualquer maneira a recepção crítica acaba influenciando os leitores, e os leitores que são pesquisadores que refletem entre as relações entre escritores, as relações de continuidade e descontinuidade. E, para esses críticos literários acadêmicos, e pesquisadores teóricos de literatura, críticos literários, você não está numa linha de continuidade de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Clarice Lispector, por exemplo. Então para esses críticos, eu não acho que eu não estou cometendo nenhuma inverdade, mas para esses críticos, você não está nessa linha de continuidade. Agora, se você pertence a isso, essa linha de continuidade, o que você acha que os críticos não viram? É muito provável, é muito possível que os críticos não tenham visto isso.

Paulo Coelho: Não, não é provável. Mas eu quero pegar uma linha sua que você colocou no meio da sua pergunta, em nenhum lugar do mundo que eu tenha notícia, não foi o crítico que determinou quem ficou. Quem ficou foi Homero, porque ele era popular. Quem ficou foi Shakespeare [William Shakespeare (1564-1616) considerado o maior dramaturgo inglês e um dos maiores nomes da dramaturgia mundial, autor de Romeu e Julieta, cuja obra é referência para o cinema e o teatro contemporâneo] que aliás é uma descoberta muito recente, Shakespeare foi descoberto, quer dizer claro já existia, mas volta à luz no século XIX, porque era uma pessoa criticadíssima. Se você pega os grandes escritores no final elogiados pela crítica no final do século XIX, quem ficou dos grandes escritores elogiados pela crítica? Eu te digo isso porque eu li muito sobre isso, isso me ajudou muito nos momentos: "porra, porque tem que ser assim?" Aí eu li as biografias dos caras e vi que não havia exceção. O que a crítica malhava era necessariamente a idéia fascista de que o povo é burro e que nós somos inteligentes. Então, voltando ao final do século XIX, ficam um romance e um escritor. No final do período vitoriano, o escritor é Oscar Wilde [(1854-1900) escritor irlandês de vida bastante tumultuada, autor, entre outros, do romance O retrato de Dorian Gray] que não podia ter sido mais malhado e mais combatido pela crítica. E o livro é Drácula, de Bram Stoker, que aqui infelizmente foi colocado no gueto do terror. As pessoas não lêem, infelizmente, uma literatura que eu acho genial que é ficção científica, porque acha que é tudo robô, disco voador e não é nada disso. É uma literatura que quando você vai ver é um Matrix, quando você vai ver 2001 [uma odisséia no espaço - obra-prima de Stanley Kubrick, filme considerado um clássico absoluto da ficção científica], quando você vai ver alguns filmes que tocam, têm clássicos de ficção científica fantásticos. Mas está no gueto ali.

Manuel da Costa Pinto: Mas eu discordo de você, desculpe eu vou fazer um parêntese, Balzac [Honoré de Balzac (1799-1850) romancista francês, autor da extensa obra onde se destaca A comédia humana] foi reconhecido em seu tempo, Stendhal [Henri-Marie Beyle (1783-1842), mais conhecido como Stendhal, escritor francês] foi reconhecido em seu tempo, Tolstói [Leon Tolstói, (1828-1910) escritor russo] foi reconhecido em seu tempo...

Paulo Coelho: Zola [Émile Zola (1840-1902), escritor francês, também conhecido pelo caso Dreyfus] era lido escondido. Não, não…

Manuel da Costa Pinto: Zola, ele tinha inimigos políticos por causa do affair

Paulo Coelho: Não, não, antes do affair

Manuel da Costa Pinto: Dostoiévski [Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881) um dos maiores escritores da literatura russa] que foi um escritor que foi preso e caiu que caiu em desgraça, Dostoiévski morreu em glória.

Wagner Carelli:  Balzac não era respeitado.

Paulo Coelho: Era considerada literatura popular.

Wagner Carelli: Balzac não era respeitado. E Stendhal diziam que ele era um gênio.

Cecília Costa: E, em relação à academia, ele tentou duas vezes entrar para a Academia Francesa [de Literatura].

Manuel da Costa Pinto: A Academia Francesa e a Academia Brasileira não se confundem com a dimensão crítica...

Cecilia Costa: Ele era lido e popular, mas não era respeitado pela crítica...

Paulo Coelho: Voltando à Zola, se você vir um filme clássico do caso Dreyfus..., bom, as pessoas saiam da livraria com livro ,sei lá, da teoria da relatividade, não, não tinha sido descrito, mas qualquer um, saíam com o livro do Zola escondido [dentro dele]. Isso você vai ver é uma coisa que eu posso falar de cadeira, relativamente. Evidente que você vai encontrar exceções de pessoas que foram reconhecidas, mas as pessoas que ficaram, a crítica não teve nada, nada, nenhuma interferência. Na verdade, o que mantém um escritor vivo, não estou dizendo que é o meu caso, é o inconsciente coletivo. É quantas pessoas o leram, e hoje em dia você vê, basta você fazer um download na internet como as minhas obras são trabalhadas no sistema acadêmico clássico, não quer dizer, que o orientador da tese goste, mas ele já permite. Houve uma época, que as pessoas tinham que entrar na justiça para poder falar de um livro meu. O Wagner conhece melhor...

Fábio Altman: Pela sua resposta que você disse que leu muita coisa a respeito dessa relação de crítico e escritores, me parece que, enfim, isso já te preocupou em algum momento, ou seja...

Paulo Coelho: Houve um momento de dor, eu te digo quando foi…

Fábio Altman: Então eu queria te perguntar uma coisa específica, a crítica sempre falou muito mal dos seus livros, inclusive, entrando em detalhes do idioma português. Houve alguma crítica específica, eu queria que você desse um exemplo que tenha  feito você parar para pensar e que, a partir daí, você mudou o modo de escrever alguma coisa, que seja uma frase ou uma palavra?

Paulo Coelho: Houve uma crítica do Luís Garcia, que era negativa, em 1990, sobre Brida, que ele dizia que eu abusava de maiúsculas e eu disse: ele tem razão. Fora isso, eu li todas as críticas…

Fábio Altman: E a partir daí você começou a usar menos maiúsculas?

Paulo Coelho: Menos maiúsculas. A partir daí, eu me passei a me policiar...

Cecília Costa: E você acha que Wilson Martins não leu, não é? Que ele o critica... uma vez você me disso isso.

Paulo Coelho: Não, pode ter lido, pode ter lido. Agora só para completar a pergunta do Fábio, se a crítica já me incomodou. Ela me assustou, quando saiu Brida. Eu me lembro que eu estava aqui em São Paulo, eu estava em um apart hotel..., porra, era pau de tudo quanto é lado, eu não sabia por quê. A sua idéia é que as pessoas vão gostar, você vai de ser totalmente ignorado pela crítica ao pau que de repente der. Você [apontando] foi uma exceção, Wagner Carelli.

Ricardo Soares: Só que, Wagner Carelli, fazendo um adendo nessa história, uma vez uma jornalista conhecida que não vou citar o nome, falou assim: “Muito me admira”, citando... devia ter uma matéria com você, “muito me admira que você, Wagner Carelli, algumas pessoas que a gente acha que são sérios, levem a sério o Paulo Coelho”. Só para ver o tamanho do preconceito naquele começo...

Paulo Coelho: Então, nesse momento, eu me lembro de ir para a janela do hotel, tinha sido criticado por um amigo, imagina, por um amigo, eu digo que coisa é essa. Mas foram 20 minutos que eu senti aquele momento, que não é legal. Isso me incomoda, todos nós temos no fundo o sonho que vamos agradar gregos e troianos, não agradamos nunca gregos e troianos. Às vezes agradamos a gregos, às vezes a troianos e às vezes a ninguém. Então, nesse momento, eu disse, a única maneira que eu tenho, vamos dizer assim, de me educar é começar a ler biografias. Aí comecei, e hoje em dia, só para completar o tema, o que eu tenho visto é que em todos os países isso se repete com o escritor mais vendido naquele lugar...

Fábio Altman: [interrompendo] A crítica já não bate tanto e você, haja vista as resenhas feitas em relação ao Onze minutos. Quem mudou? Os críticos ou você?

Paulo Coelho: Eu não mudei.

Fábio Altman: Os críticos aprenderam?

Cecília Costa: Foi traumático...

Ricardo Soares: Foi escrito que Onze minutos, pode ser que se eu estiver errado vocês me corrijam, algumas vezes eu li que Onze minutos seria o seu livro mais bem escrito, segundo a crítica...

Paulo Coelho: Foi Giron que disse.

Ricardo Soares: Eu li isso numa resenha de um jornal de Minas também. Você particularmente o Paulo Coelho…

Paulo Coelho: Nego isso.

Ricardo Soares: Qual o livro você considera o mais bem escrito? Não estamos falando de forma.

Paulo Coelho: Isso é uma coisa que fico muito contente com a crítica dela dizer que o Onze minutos é o meu livro mais bem escrito. Mas não é verdade, em minha opinião, eu acho que todos os meus livros são muito bem escritos.

Ricardo Soares: Não tem um estilo direto, um estilo formal?

Paulo Coelho: Tem um emblemático...

Cecília Costa: O diário de um mago.

Paulo Coelho: Que é O diário de um mago que é o livro que me projetou.

Cassiano Elek Machado: Eu queria perguntar, você falou do O diário de um mago, antes de O diário de um mago você tinha um livro chamado Arquivos do inferno, eu vi uma entrevista você dizendo que esse livro era diferente de todos os outros que você fez antes. Que era um livro mais ambicioso literariamente, eu queria saber por que esse livro não voltou...

Paulo Coelho: Eu não sei se usei essa palavra “mais ambicioso literariamente”, mas a verdade Cassiano, que o caminho de Santiago marca um momento de decisão na minha vida, que não é preciso complicar para ser bem entendido e respeitado. E aí você vem com toda aquela barreira que nós estamos acostumados, que somos destratados, adorei o fato de Partículas elementares ter sido publicado e é um livro que faz uma grande apologia das coisas mais complicadas do mundo e depois ele, Houellebecq [Michel Houellebecq, escritor francês], que é meu amigo, vai lá e diz “isso tudo é uma invenção”, mas o livro recebeu as melhores críticas possíveis.

Ricardo Soares: Mas o Arquivo do inferno que ele acabou de citar, você renegou uma época.

Paulo Coelho: Não, não. Eu renego o Manual prático do vampirismo. Mas o Arquivo do inferno é um livro que eu gostaria de sentar e rever e republicar. É um livro muito bom, muito bom.

Heródoto Barbeiro: Paulo, uma questão técnica, o meu companheiro aqui do ponto me disse que foi você que usou essa expressão em uma entrevista, que a crítica é um mal necessário. Você usou alguma vez essa expressão?

 Paulo Coelho: Eu não me recordo, o que talvez eu tenha dito, posso ter usado, mas o que eu tenha dito: “é que a crítica não usaria essa palavra “mal”, isso eu acho muito difícil. Mas eu diria que a crítica é necessária a favor ou contra. A gente estava falando dos monstros transformados em heróis, e vice-versa. Certas coisas, você não pode ver como elas vão acontecer. Na medida, em que a crítica for muito violenta, a reação do meu leitor foi muito violenta. Eles disseram: “ele é ótimo, e vamos brigar por ele”. Isso que aconteceu com você, aconteceu com o meu leitor de rua. Eu canso de receber e-mails: minha professora falou na aula não leia isso, e ele falou por quê? Então uma reação apaixonada, ela só pode ser provocada por duas forças em confronto, e a crítica nesse ponto não foi um mal necessário, a crítica foi necessária.

Ricardo Teixeira: Isso que você disse em 1988, que o mal maior do escritor brasileiro é querer ser sempre genial…

Paulo Coelho: Do escritor mundial...

Ricardo Teixeira: Você acha que isso é por influência da mesma crítica a qual Manuel estava se referindo. No Brasil, lógico que não estou generalizando, existe uma cobrança de síndrome de obra-prima, quer dizer, ninguém pode fazer literatura de entretenimento, ninguém pode fazer literatura digestiva, todo mundo tem que ser genial, trabalhar forma... Você acha que o escritor tem que ser genial?

[...]: Ninguém pode contar uma história...

Ricardo Teixeira: Exatamente... Você acha que o escritor tem que ser genial?

Paulo Coelho: Acho o escritor genial na medida em que ele conta uma história. Eu acho As mil e uma noites um livro genial, eu acho Dom Quixote, eu acho A Odisséia, eu acho que são histórias hiper bem elaboradas, quer dizer, eu acho todas as peças de Shakespeare, não todas, algumas eu tenho problemas de leitura mesmo. Mas que são histórias sempre com sangue, crimes e traições e coisas assim...

Ricardo Soares: Se fosse por unanimidade dos críticos, os irmãos Campos [referência aos poetas Haroldo e Augusto de Campos], venderiam mais que o Paulo Coelho, por que a crítica...

Paulo Coelho: Eu não acho... Então, o que justamente o Manuel falou: a crítica nunca foi um paradigma. Recentemente, eu ouvi em uma rádio de São Paulo, um cara falar mal de Beethoven e Beethoven respondendo, é uma carta dessa época, dizendo, a sua crítica vai passar e se ela for lembrada algum dia, é por minha causa. E efetivamente na rádio de São Paulo, eles leram a crítica de Beethoven por causa de Beethoven.

 

Manuel da Costa Pinto: Mas, você não acha que essas coisas, Paulo, são exceções que confirmam a regra, por exemplo, a célebre recusa do manuscrito do Em busca do tempo perdido, do Proust, o primeiro volume, pelo André Gide, que era leitor da editora Gallimard. O livro acabou sendo publicado por outra editora, quer dizer, era um grande escritor, André Gide recusando um outro, que seria maior do que Gide, que é o Proust. De uma maneira geral, isso não acontece. Você citou Genet [Jean Genet, escritor francês] , por exemplo, o Genet apareceu para o mundo por causa do Sartre [Jean-Paul Sartre, filósofo existencialista francês] e o Sartre era um grande crítico literário, a crítica literária principalmente... Também não acho que seja muito justo talvez comparar a crítica literária do século XIX com a do século XX, em que ela adquire uma consistência maior, isso também é importante. Eu acho que, de uma maneira geral, é muito mais difícil você apontar grandes erros da crítica literária no século XX do que apontar no século XIX. E daí eu volto a minha pergunta, eu não estou afirmando que a crítica literária brasileira esteja certa em relação aos seus livros, mas eu gostaria de saber o que você acha que os críticos brasileiros não viram nos seus livros?

Paulo Coelho: Eu não sei, não estou na pele deles. Mas eu continuo...

Manuel da Costa Pinto: [interrompendo] Mas você leu? Você certamente leu e falou: “Pô, mas ele colocou o óbvio que estava ali”...

Paulo Coelho: Acontece um fenômeno muito interessante... Mas eu não quero perder o início da sua pergunta... A crítica, ela replica, então, se um jornal como a Folha de S. PauloO Globo, uma revista feito a Veja, Época, ele é a favor ou contra, outros jornais vão ser a favor ou contra, eles vão se pautar exatamente. E agora na crítica de Onze minutos você vê claramente quase parte e cópia das críticas que saíram nos grandes jornais. Então, ela é muito pautada, por que ninguém quer estar por fora, e quem está por dentro, quem? É o Cassiano, é o Wagner, é o Fábio, é o Ricardo Soares, é o Giron. Então ela é meio pautada no Brasil inteiro pelo que acontece no Rio. Mas voltando a tua pergunta, eu acho que você está citando exceções à regra e se você for mesmo ver a vida, enfim, até do próprio Sartre, você vai ver que ele levou muito pau, você vai ver que a gente não vê isso, mas todas essas pessoas... E que é o lado positivo talvez o que o Heródoto falou. Quando você leva o pau, e eu vou te citar dois exemplos clássicos, você tem duas alternativas, isso que aconteceu comigo aqui em São Paulo. Eu vinha para a reunião lá do hotel e dizia: “Porra meu, que merda, e agora”. [risos] Aí você pode, ou aceitar e mudar o seu estilo, ou se julgar uma pessoa injustiçada e dizer “essas pessoas não me entendem”. Porque esse é o grande lance, quando a gente fala que o escritor não foi compreendido, não é pelo público, é normalmente pela crítica.

Cassiano Elek Machado: Por isso é que você disse que é vanguarda, uma vez?

Paulo Coelho: Por isso que eu sou vanguarda. Então eu vou citar dois exemplos de duas pessoas que caíram nessa armadilha, três: um foi Patrick Süskind que escreveu O perfume, que eu acho um livro brilhante, acontece que a crítica foi implacável com ele, disse é uma droga de livro, o Patrick Süskind que tinha uma peça chamada "Trombone", depois...

Manuel da Costa Pinto: O contrabaixo.

Paulo Coelho: O contrabaixo, perdão, nunca mais escreveu nada, mora lá no sul da França e promete que vai escrever. O segundo exemplo foi Jostein Gaarder que escreveu O mundo de Sofia que foi outro pau universal, no Brasil até não houve tanto pau não. E o Jostein Gaarder quis cooptar a crítica, então o seu próximo livro já tenta seduzir a crítica e aí dançou, não teve uma posição. O terceiro é a Suzana Tamaro, não fez muito sucesso no Brasil mais foi um fenômeno de venda no mundo inteiro, ela escreveu Vai onde te leva o coração (Va' dove ti porta il cuore) e quando chegou o seu próximo livro, foi detonada, eu a defendi publicamente na Itália, levei um pau também, como você defende uma mulher dessas e ela saiu com um próximo livro que eu acho que se chamava Anima Mundi, que quis agradar os críticos, não agradou nem aos leitores e nem aos críticos. Então qual é a coisa mais positiva do crítico? Ele te põe um desafio: você acredita no que você faz, cara? Você sabe o que você está fazendo? E se você disser: "eu sei e vou continuar apesar da sua crítica, eu vou fazer dessa maneira e você não vai me paralisar", então ele é um adversário no sentido muito positivo, porque você vai passar ano, passar ano, e claro que vai haver, o que é normal que é uma união entre as duas pessoas, quer dizer, entre o crítico e o escritor.

Heródoto Barbeiro: Paulo, um pouco ainda da sua concepção de mundo, na abertura deste bloco, em que etapa da história da civilização você acha que nós estamos? Veja bem, nós temos um operário no poder do Brasil, nós temos as grandes transformações mundiais, nós temos o clone, nós temos a nanotecnologia, em que parte, em que etapa da civilização nós estamos? Agora falando do ser humano como um todo.

Paulo Coelho: Heródoto é uma pergunta muito difícil mas, se eu tivesse que sintetizar em uma frase, eu diria que a gente está no "fio na navalha", ou seja, estamos cruzando eventualmente para um lugar muito bom, mas é um momento onde os ânimos estão muito acirrados e a gente pode cair. Falam do capitalismo selvagem, falam de uma mundialização não bem compreendida, falam, enfim, da tendência objetiva e concreta das guerras religiosas. E, ao mesmo tempo, uma vez atravessando esse fio da navalha eu falo de novos valores que, aliás, é o que marca muito os meus livros. Quer dizer, voltar para uma certa simplicidade, saber que um jardineiro e um engenheiro são duas pessoas absolutamente iguais, talvez um ganhe um pouquinho mais que o outro, eu não acredito que a diferença de salário entre um jardineiro e um engenheiro no mundo inteiro seja muito grande, nem no Brasil e nem fora. Mas eu faço jardim porque eu gosto, faço engenharia porque eu gosto. Abrir mais o seu lado intuitivo, o seu lado feminino, uma percepção diferente da realidade. E, finalmente, isso tudo, sem que seja necessário um super-homem. Isso sendo o caminho das pessoas comuns. Então eu diria que nós estamos...

Heródoto Barbeiro: Sem super-homem e sem revolução?

Paulo Coelho: Não, a revolução, aí é que está, a revolução já está acontecendo há algum tempo, o que não aconteceu é uma massa crítica. Então, de repente por exemplo, quando os Beatles aconteceram, o mundo inteiro pegou fogo por causa dos Beatles, mas os Beatles vieram apenas mostrar o lado visível da revolução. Foi aquilo que provocou a parte visível do iceberg, mas aquilo era uma corrente que já vinha sendo montada. Um vulcão que estava preste a explodir. Então, a revolução, os guerreiros da luz, eu acho que isso já é uma coisa muito concreta, muito concreta.

Heródoto Barbeiro: Giron.

Luís Antônio Giron: Então, Paulo, falando em massa crítica, eu queria retomar aquela acesa discussão, aqui, que estava levando. Eu queria fazer uma observação em relação à recepção que a crítica tem da obra do Paulo Coelho. A minha opinião, eu não sei se é a sua, é que a crítica não conhece a sua obra como um todo, ela não considera, por exemplo, a sua fase de poeta, ela não considera a sua fase dramaturgo, a crítica não considera os primeiros livros, a crítica não leu você como um todo, e eu nunca li de fato, um trabalho crítico de peso que considerasse a estética do Paulo Coelho ou a estrutura do Paulo Coelho. Isso, aliás, é uma sugestão até para o Cassiano de organizar ali no [caderno] "Mais", ou para o Manuel, organizar um tipo de conhecimento da obra que não foi, quer dizer, a crítica na verdade brasileira provinciana como sempre, ela fica com o narizinho empinado e não lida com a matéria literária, ela fica no preconceito, eu não sei o que você pensa...

Paulo Coelho: Você sabe Giron, eu nunca critico a crítica, faz parte, enfim, é um compromisso meu. Mas, infelizmente, isso é verdade. Eu acho que não há um conhecimento, você pinça de um livro uma frase xis e faz a crítica inteira em cima daquela frase não é? Evidente, que em um livro de 254 páginas ou que 300, você vai usar uma frase que é lugar comum. Mas aquela frase vai ser destacada e colocada e tudo, infelizmente, é verdade. Agora, parte da culpa é minha, porque tão pouco eu abri, eu mostrei esse lado. Eu acho que já é hora de mostrar mais, o que eu fiz no resto da minha vida, como é que vem as minhas peças de teatro, todo o meu trabalho como compositor, e por aí. Então, eu tenho uma dose de responsabilidade nesse desconhecimento, e que foi muito pautado justamente por 90, por 1990 quando saiu Brida e que a partir daí foi suavizando até, enfim. Hoje em dia já não é, tanto é que Onze minutos recebeu críticas muito boas e a Globo publicou um jornal com essas críticas.

Wagner Carelli: Agora Paulo, eu concordo com você quando você fala ao Manuel que a crítica não vai determinar a qualidade do livro. Mas eu não concordo quando você diz que o número de leitores ou a leitura que ele recebeu, também vai determinar ...

Paulo Coelho: A qualidade não...

Wagner Carelli: Eu acho que o que vai determinar a qualidade de um livro é a prevalência, é como a verdade, a verdade é o que prevalece, é aquilo que vai dar continuidade, ou seja, o seu livro vai ser lido e vai ter substâncias e vai bater naquele leitor como hoje, em qualquer momento, em qualquer tempo, e vai ser uma doação do seu talento à humanidade, sempre. Agora, você acredita que seus livros vão permanecer? Que a sua literatura vai permanecer?

Paulo Coelho: Eu quero te dizer que, eu concordo com você...

Cassiano Elek Machado: Eu só ia perguntar se "a glória do mundo é provisória", que é a sua frase...

Paulo Coelho: É de São Paulo, minha frase é de São Paulo, o santo. [risos]

[...]: Paulo Coelho, o pecador...

Cassiano Elek Machado: Sim, a frase com que você abriu o seu discurso na Academia Brasileira de Letras. Então é assim, até que ponto, a sua glória, também, você vislumbra como provisória?

Wagner Carelli: Porque amanhã você pode não ter 70 milhões de leitores. Muito provavelmente, não vai ter, porque você vai ter menos, mas você...

Cecília Costa: Mas quando você falou hoje aqui, que entre...

Wagner Carelli: Mas vai permanecer...

Cecília Costa: James Joyce e Saint-Exupéry. Hoje você já se posicionaria como: eu sou Paulo Coelho...

Paulo Coelho: Isso.

Cecília Costa: Quer dizer, você está ficando com uma noção maior do seu valor literário?

Paulo Coelho: Claro.

Cecília Costa: É isso que está acontecendo ao longo dos anos?

Paulo Coelho: Não, eu acho que desde o começo, e aí não vai nenhuma arrogância eu espero que vocês me entendam muito bem. Eu digo e repito, eu acho que eu escrevo muito bem. Eu acho, que eu tenho um estilo claro.  Eu posso ter no passado alguns erros de concordância, mas eu escrevo bem, e tenho que dizer isso sem nenhuma falsa modéstia. Uma vez dito isso, também concordo com você que não é a massa de leitores que determina o sucesso, como tampouco é a crítica. Você me pergunta Wagner, uma coisa que eu não saberia te responder, se eu resistirei? Eu posso te dizer, com relação à música eu resisti, quer dizer, as músicas que a garotada canta hoje do Raul Seixas, eu fiz quando nem os pais deles eram nascidos. E é uma coisa espontânea, não tem nenhum trabalho, essas coisas e tal. A geração que lê hoje, os meus primeiros livros, é uma geração que, enfim, O diário de um mago, tem 17 anos. Pessoas que não tinham nascido e os livros seguem vendendo. Então, eu passei de uma geração para outra. Isso me dá uma alegria? Claro! Evidente! Mas, se eu vou permanecer? "Ask him",  pergunta ao chefe.  

Wagner Carelli: Agora, se você permaneceu, qual é a qualidade intrínseca que você vê na sua literatura? Quando você diz escrevo bem, o que é que te diz isso?

Paulo Coelho: Porque eu sei ser direto sem ser superficial.

Ricardo Soares: Ser direto sem ser superficial?

Paulo Coelho: É isso.

Wagner Carelli: Mas não tem a ver muito mais com o conteúdo, com o que você está dizendo...

Paulo Coelho: Sem dúvida...

Wagner Carelli: Com aquilo, por exemplo...

Paulo Coelho: Sem dúvida, você só pode ser direto sem ser superficial, se você tiver conteúdo...

Wagner Carelli: Isso. E nesse caso, você não admitiria que é o teu caminho espiritual que te levou a escrever o que você escreve, da maneira que você escreve? E o que você está passando é esse teu caminho, essa tua experiência de caminho interior...

Paulo Coelho: Olha! Você me colocou em um dos momentos que eu fiquei mais sem graça aqui, por que eu tive que falar naquilo que eu acredito. Que eu sou um bom escritor, eu realmente acredito nisso. Mas fiquei um pouco sem graça...

Wagner Carelli: Mas você é um bom escritor.

Paulo Coelho: Obrigado. Mas aí eu penso em Mohamed Ali [lutador norte-americano e lenda viva do boxe mundial, pelas sucessivas vitórias nas décadas de 1960 e 70, nascido com o nome de Cassius Clay, mudou de nome quando se converteu ao islamismo no auge da luta pelos direitos civis dos negros nos EUA] ele dizia: “eu sou o melhor lutador”. Porque se ele dizia eu sou o melhor lutador... Eu acho as pessoas não podem também se esconder atrás da modéstia e dizer: eu não sei, vou deixar. Não. Está ali o melhor de mim, eu acho que é bom. Eu acho que a prova de que pelo menos já passou uma geração, é uma prova de qualidade. Eu acho que o conteúdo tem a ver sim. E eu não diria a minha vida espiritual, eu diria, a minha vida. Que é a soma da minha vida espiritual, minha vida mundana, minha vida, enfim, todas as minhas muitas vidas que eu vivi até hoje...

Fábio Altman: Paulo, você acha que todo mundo que faz muito sucesso é bom?

Paulo Coelho: Não.

Fábio Altman: A gente pega alguns exemplos: Roberto Carlos, Michael Jackson... [ambos cantores com grande público, tanto o brasileiro quanto o norte-americano]

Paulo Coelho: Roberto sim, Roberto Carlos eu acho bom...

Fábio Altman: Milhões? Números grandes significam sucesso?

Paulo Coelho: Michael Jackson não. Não, acho não...

Fábio Altman: Mas qual o segredo de uma pessoa que consegue atrair tanta gente para a sua arte, e ela não ser boa, é marketing? É o que?

Paulo Coelho: Não, eu não acredito nessa história de marketing tampouco. Porque, veja bem, você, pior marketing que o meu, não é possível. Eu não tive no início nenhum anúncio, nem nada, o Ricardo foi um dos raros caras que me entrevistaram, o Wagner também. E o marketing que eu tive foi só pau; pau, pau, pau. Quer dizer, não pode haver marketing pior que esse. Eu fui para o exterior, quem é Paulo Coelho, o que é isso, não sabemos quem é não. Pô! Cheguei na França, a minha editora, e ela conta isso no livro dela, ela escreveu um livro sobre a nossa relação. Ela disse que ela estava indo para o banco vender à editora, passou por uma banca de jornais e comprou o L’Express daquele dia, e eu tinha entrado nos cinco mais vendidos, que depois eu fui para primeiro. Mas era uma editora pequena, continua sendo uma editora pequena e há essa coisa da fidelidade. Então, eu não sei, por exemplo, uma pessoa que tenho uma grande curiosidade para entender, e não consigo entender, é Britney Spears, [cantora norte-americana, famosa também pelos sucessivos escândalos e internações para desintoxicação] eu já perguntei a "zilhões" de pessoas por que ela faz sucesso, e não só não vou conseguir entender...

Ricardo Soares: Mas também está cheio de exemplos aqui no Brasil não é Paulo? Você é quase um mineiro, você não fala, mas no Brasil está cheio de gente igual à Britney Spears, o "breganejo" todo aí...

Paulo Coelho: Mas vamos à Britney Spears, porque foi considerada no ano passado a artista mais influente. Nós estamos falando da maior vendedora, nós estamos falando da considerada artista mais influente... Aí eu perguntei a várias pessoas e nenhuma delas assumia: “eu escuto Britney Spears”. Você sabe o que acontece Fábio... Eu nunca vi, nesses 10 anos, nas famosas colunas que eu leio, seja da Veja, do O Globo, do JB, da Folha de S. Paulo, de onde tiver, eu nunca vi um livro meu ser citado.

Fábio Altman: Por quê? Por que não pega bem?...

Paulo Coelho: Não sei, aí é que está...

Cecília Costa: Nenhum ser citado?

Ricardo Soares: Bill Clinton [ex-presidente norte-americano] leu o seu livro, você acha que se o Bush [presidente norte-americano que sucedeu Clinton e muito criticado pelas posições em relação ao meio ambiente e relações internacionais, em particular pela Guerra do Iraque] tivesse lido o seu livro, ele teria feito tudo diferente ou não? [risos]

Cassiano Elek Machado: Paulo, você estava comentando fenômenos como a Britney Spears, ele falou de Michael Jackson, etc. Eu queria que você comentasse um outro, entre aspas, mago que é um dos poucos que voa por cima de você em termos de vendagem, que é o Harry Potter [personagem de livros e filmes do mesmo nome, de enorme sucesso], queria saber como você interpreta esse fenômeno?

Paulo Coelho: Veja bem, que livros maravilhosos...

Cecília Costa: Ele deve adorar...

Paulo Coelho: Eu não sei se vocês leram o Harry Potter. É ótimo, é maravilhoso. E a mulher [a autora] entende muito bem da coisa, então você está... Você leu?

Fábio Altman: Li, as crianças adoram...

Ricardo Soares: E são esculhambadíssimo os livros também, a crítica também esculhamba...

Paulo Coelho: Não, o Harry Potter tem uma tolerância da crítica...

[...]: Os livros são muito bons, é grande literatura...

[..]: É a melhor literatura juvenil...

Cecília Costa: Por que você quis tanto a Academia [Brasileira de Letras]? Quer dizer, não era a academia ali do Manuel, é a nossa velha academia centenária do Machado [de Assis], estava ligado um pouco a essa questão dos críticos? Era assim...

Paulo Coelho: Não.

Cecília Costa: ...uma "bofetada de luva de pelica", por que você lutou tanto?

Paulo Coelho: Veja lá, se eu vou me candidatar e correr o risco de perder uma eleição para dar uma "bofetada" em crítico. Eu queria porque era um sonho, faz parte do meu sonho de infância, de ir na Academia, enfim, é um lugar emblemático, é um lugar onde as pessoas são muito diferentes...

Ricardo Soares: Você acha que ali só tem bons escritores, Paulo Coelho?

Paulo Coelho: Não vamos entrar nesse mérito, mas eu acredito que tenha, não vamos entrar nesse mérito...

Manuel da Costa Pinto: O que você lê de autores brasileiros contemporâneos? O que você gosta? A gente falou de vários escritores estrangeiros...

Paulo Coelho: O que você chama de contemporâneo?

Cassiano Elek Machado: Avalia o Jorge Amado e tal, tem que ser mais para cá... [Jorge Amado (1912-2001), escritor baiano que celebrizou, no país e no mundo, personagens típicas da Bahia, autor de Gabriela, cravo e canela, entre muitos outros].

Manuel da Costa Pinto: Não sei exatamente, dos que surgiram nos últimos 20 anos...

[...]: O que está sendo feito hoje, do Jorge Amado para cá.

[...]: Você conhece?  Acompanha?

Paulo Coelho: Acompanho.

Manuel da Costa Pinto: Tanto em poesia quanto em prosa, seria. Porque tem muitos escritores, no Rio, por exemplo, tem poetas como Carlito Azevedo, Sebastião Uchoa Leite, Francisco Alvin que é de uma geração da contracultura, que saiu na poesia...

Paulo Coelho: Manuel...

Manuel da Costa Pinto: Na prosa tem o Milton Hatoum...

Paulo Coelho: Manuel, eu não vou responder essa pergunta, seria extremamente injusto. Porque eu iria destacar umas e significaria não destacar outras. É muito complicada a tua pergunta, porque são pessoas que eu conheço a luta, algumas delas. O que elas têm feito para mostrar, para dar visibilidade ao trabalho delas, que é o que eu fiz para dar visibilidade ao meu trabalho, e citar dois ou três e não citar todos, seria uma coisa muito delicada, muito delicada. Agora, se a gente puder citar de Jorge Amado pra lá, eu cito.

Heródoto Barbeiro: Para trás do Jorge Amado, para trás...

Manuel da Costa Pinto: Você acha que você tem precursores na literatura brasileira?

Paulo Coelho: Nunca pensei nisso...

Cecília Costa: O Malba Tahan...[pseudônimo de Júlio Cesar de Mello e Souza (1895-1974) que publicou mais de 120 livros sobre matemática e literatura infanto-juvenil, sendo sua obra mais popular O homem que calculava, premiada pela Academia Brasileira de Letras, traduzida para vários idiomas e objeto de artigo na Science]

Paulo Coelho: O Malba Tahan um grande escritor.

Cecília Costa: Não seria um precursor seu?

Paulo Coelho: Seria um precursor...

Cassiano Elek Machado: Vasconcelos que você citou na Academia Brasileira de Letras.

Paulo Coelho: Eu citei, fiz questão de citar José Mauro Vasconcelos...[(1920-1984), escritor brasileiro também muito lido no exterior, autor, entre outros, de Meu pé de laranja lima]

Ricardo Soares: Esquecidíssimo, não é?

Paulo Coelho: Esquecidíssimo, injustiçadíssimo...

Ricardo Soares: Que vendia como Paulo Coelho na década de 70...

Paulo Coelho: Exato...

Wagner Carelli:  Esse não permaneceu...

Paulo Coelho: Esse não permaneceu, sabe por quê?

Wagner Carelli: Por quê?

Paulo Coelho: Pelo mesmo fenômeno do Patrick Süskind e de Jostein Gaarder e...

Wagner Carelli: Mas, por que ele parou, ou se intimidou...

Paulo Coelho: Ele se intimidou totalmente, ele se intimidou...

Wagner Carelli: Mas os livros dele ainda estão aí: Rosinha, minha canoa, O outro... Meu pé de laranja lima.

[...]: Já não vende mais o Meu pé de laranja lima. [O romance, de 1968, foi adaptado pela Tupi e pela Globo como novelas televisivas de sucesso, e também foi levado para o cinema]

Cecília Costa: Mas o Malba Tahan mais próximo...

Paulo Coelho: Que também nunca foi um autor que vendesse muito, não é?

Manuel da Costa Pinto: Mas o Malba Tahan está aí...

Paulo Coelho: Mas, se eu tivesse que dizer as minhas influências brasileiras, as minhas influências, infelizmente, são mais estrangeiras. Mas as minhas influências brasileiras iriam para Malba Tahan, eu citei no meu discurso de posse, ela iria para o Aluísio Azevedo que eu tenho uma grande admiração...

Ricardo Soares: Álvares Azevedo?

Paulo Coelho: Não, Aluísio Azevedo [(1857-1913), escritor considerado o pioneiro do naturalismo no Brasil, autor de O cortiço].

Wagner Carelli: E o Zé Mauro você citou como homenagem...

Paulo Coelho: Eu nunca li o Zé Mauro, mas não li e já gostei. [risos]

Paulo Coelho: Porque tem essa crítica, não é Giron? Que as pessoas declararam...

Cecília Costa: Ao contrário, eu não li, não gostei...

Luís Antônio Giron: Agora, você conheceu o Malba Tahan, tem esse episódio, você teve...

Paulo Coelho: Conheci o Malba Tahan, quando eu tinha 10 anos, eu pedi para os meus tios que conheciam ele, para me levar, quer dizer, conhecer o Malba Tahan é até uma força de expressão, nós jantamos na mesma mesa. Eu era um garoto de 10 anos, eu tinha adoração como ainda tenho adoração pelo trabalho dele. Felizmente estão sendo reeditados...

Cecília Costa: Mas, e os estrangeiros? Poderia falar da influência dos estrangeiros?

Paulo Coelho: E a gente estava discutindo, porque a Cecília outro dia, foi me entrevistar, e ela disse que...

Cecília Costa: O rato.

Paulo Coelho: Não, o lápis.

Cecília Costa: O lápis. O lápis estava no seu inconsciente.

Paulo Coelho: O lápis que aparece na...

Cecília Costa: Ele plagiou o Thomas Mann...[(1875-1955), escritor alemão, filho de mãe brasileira, prêmio Nobel de literatura, autor de A montanha mágica]

Paulo Coelho: O lápis que aparece no Onze minutos é uma citação de Thomas Mann, não é...

Cecília Costa: Foi de tanto ir a Davos...[risos]

Manuel da Costa Pinto: Aliás, Paulo, a gente acabou falando tão pouco do livro, que afinal Onze minutos acaba de ser lançado. A gente acabou falando pouco. Eu queria retornar uma pergunta do início, você falou pouco, assim de recusa, não professa o misticismo...

Paulo Coelho: Como é que é? Eu falei?

Manuel da Costa Pinto: Eu falei que você professa o misticismo, e você falou: “não, contesto essa informação”. Mas tem um caráter, não o misticismo no sentido de esoterismo, de cultos, procedimentos, rituais, nada disso. Mas tem um caráter de sacralidade que você busca nesse livro, do amor, quer dizer, então, nesse caso aqui, o misticismo no sentido de uma revelação interior, uma espécie de acesso direto à verdade...

Paulo Coelho: Mas Manuel, você que é uma pessoa tão precisa nas suas palavras...

Manuel da Costa Pinto: Isso está aqui presente...

Paulo Coelho: Você é uma pessoa muito precisa nas suas palavras. Então, eu acho que sacralidade, eu também não sei como a palavra misticismo pode ser entendida. Mas eu acho, que se você dissesse a sacralidade, eu tenderia a aceitar muito. Porque eu penso que a sacralidade está muito mais ligada com o cotidiano, com o dia-a-dia, com a revelação, com o fato de dar um momento. Estamos aqui, sentados no Roda Viva, que está sendo visto por... Enfim, agora as pessoas e todos nós aqui estamos levando a sério o que a gente está fazendo, estamos procurando dar o sentido sagrado ao nosso trabalho aqui. Agora, o misticismo já é uma coisa mais sulfurosa, já é uma coisa que está profundamente ligada a uma concepção que Onze minutos é prontamente contra, que é separar o que é material do que é imaterial. Então, eu diria que, nesse ponto, quanto a sacralidade é o meu objetivo nesse livro. Onde somos mais hipócritas? Somos no sexo. É a nossa área onde nós temos permissão para ser hipócritas, por que a gente está agradando, por que a gente está fazendo, enfim, tentando deixar o outro feliz e sem saber que as conseqüências disso são altamente frustrantes. Então, não só nesse livro, como em todos os outros, está a sacralidade do presente...

Ricardo Soares: Paulo, essa história da sacralidade que foi abordada, embora você tenha restrições a colocar, você como escritor místico ou você nega veementemente a auto-ajuda, mas o início da sua carreira conhecida, vem com O alquimista e com O diário de um mago...

Paulo Coelho: Isso.

Ricardo Soares: Que você então ali, em O diário de um mago, você recria toda a sua trajetória no belíssimo caminho de Santiago. O que eu queria saber de você, que é uma história interessante, você contou isso no passado e que valia a pena você dizer de novo, em que momento, no caso do Caminho de Santiago, que é um caminho percorrido por milhares de peregrinos todos os anos no mundo inteiro, em que momento, daquele caminho, você resolve colocar aquilo no papel e por quê? Porque de certa forma, esse caminho, se eu estiver errado você me corrija, marca o início do seu caminho como escritor mundialmente conhecido como você é. Que momento do caminho, ou foi antes do caminho, que você fala, eu vou escrever isso, eu vou contar isso, eu vou ser o Paulo Coelho de 2003 aqui, com 40 milhões de livros vendidos, eu já perdi até a conta de quantos livros...

[...]: 54.

Ricardo Soares: Eu errei por 14. Eu queria que você retomasse essa história porque é uma história emblemática, na minha...

Paulo Coelho: Eu não sei... O caminho em si, ele foi seguido de passagem, minha tendência era sofisticar, era complicar... Enfim, a vida era muito mais complicada do que ela deveria ser. E quando eu fui fazer o Caminho de Santiago, uma série de fatores, a própria viagem, o processo da viagem ele te purifica. Ele faz entender que a magia está no caminho das pessoas comuns. Daí eu sempre recusava, justamente, o rótulo de esotérico, porque o esotérico é o fechado, enquanto o resto é aberto. E eu era muito nessa tradição clássica da lua. Olha, Ricardo, eu não sei que resposta eu te dei naquela época, mas eu posso te dizer, que quando acabou o Caminho de Santiago eu senti um imenso senso de frustração. Eu olhei aquela catedral e disse: “e agora, o que eu vou fazer da minha vida”.  Eu tive uma aventura extraordinária, e passei por um período de três ou quatro meses de ressaca, e resolvi não voltar para o Brasil, resolvi morar em Madri. E, por mais incrível e surrealista que a história seja, ela é a seguinte: um belo dia, a minha mulher e eu, em um domingo, nós resolvemos ir, estavam todos os lugares fechados, e em Madri tem um lugar chamado Vip’s, que fica aberto dia e noite, e tinha um Vip’s lá longe, a gente começou a andar, ela disse: “Paulo, o seu sonho é ser escritor, você tem que escrever”. Eu digo: “Mas Cristina, e aí, como é que a gente vai viver essas coisas todas”... Ela disse: “Isso é uma questão secundária, a questão primária é como você vai ser, enfim, contente com a vida, por que você está infeliz e o Caminho de Santiago te deixou mais infeliz ainda, por que você tinha todo esse potencial, tinha toda essa responsabilidade e não vai realizar”.  E aí, nós chegamos ao Vip’s e eu me lembro que a decisão que mudou a minha vida foi tomada em uma lanchonete. Sabe como é que é?  Não foi assim no lugar de um por do sol, sabe: com Deus existe... um raio...

Cecília Costa: É a dessacralização.

Paulo Coelho: É, e naquela lanchonete eu disse: Cris, você segura a barra. Ela disse: “eu seguro”. Eu disse: então eu juro, eu não juro nunca, eu juro raramente. Eu juro que a partir de hoje, eu não faço mais nada a não ser escrever. Eu tinha 20 mil - sempre a música me deu muito dinheiro - 20 mil dólares, vamos colocar em dólares, sei lá qual era a moeda. Eu disse: dá para vivermos dois anos mais ou menos, mas aí eu investi 5 mil nas pessoas que nos ajudaram naquele momento, e pouco a pouco, boca a boca, a coisa foi crescendo, crescendo. Mas se você quer que eu seja específico, foi no Vip’s, eu não me lembro o que eu estava comendo...

Ricardo Soares: O Caminho de Santiago, o escritor que você é, se deve a percorrer esse Caminho de Santiago.

Paulo Coelho: Sem dúvidas, é uma coisa grata.

Ricardo Soares: Depois, a conseqüente visita ao Vip’s de Madri.

Paulo Coelho: Isso, exatamente.

Cassiano Elek Machado: Paulo, você acabou de falar, que jurou que ia ser só um escritor. Eu queria saber se isso tem alguma relação com o fato de você nunca mais ter feito música, se você voltaria para a música? Ou se esse seu juramento também te impede...

Paulo Coelho: Não, o meu juramento não inclui música, inclui um sinal que eu tive em 82 que, enfim, é uma história longa, daqui a pouco o Heródoto vai dizer, vai acabar...

Heródoto Barbeiro: Nós temos tempo ainda.

Paulo Coelho: Mas, enfim, esqueçamos o sinal, depois eu conto para vocês. A música eu nunca disse, nunca mais eu vou fazer. Tem coisas na minha vida que eu disse, nunca mais eu vou fazer...

Cecília Costa: Você nunca disse isso, nunca mais vou fazer?

Paulo Coelho: Em música não...

Cecília Costa: Porque está escrito isso...

Paulo Coelho: Disse, por exemplo, para pó, cocaína, mais ligado a essas áreas mais práticas da vida, eu disse nunca mais.

Ricardo Soares: Mas, letras você não fez mais?

Paulo Coelho: Pois é, aí é que está. Mas não jurei. Aí, em janeiro deste ano, eu estou lá nas montanhas, curtindo as montanhas, e recebo um telefonema da Dulce Pontes, eu não sei se vocês conhecem a Dulce Pontes, é uma cantora portuguesa muito famosa.

Ricardo Soares: Cantora portuguesa.

Paulo Coelho: Aí ela diz assim: “Você quer fazer uma letra para um filme A missão?” Eu detesto o que eu vou falar agora que é chamado “name dropping” [fazer citações desnecessariamente], por que ela disse: “é o seu amigo Peter Gabriel que vai fazer”. Realmente eu e o Peter Gabriel temos um carinho muito grande um pelo outro, fizemos um evento agora em Dallas, vamos tentar fazer um evento em Milão em junho. Pedro e Paulo porque é uma coisa a caminho de Roma. Então o Peter me telefonou e me mandou o CD, e ficou aquele negócio um mês em cima da minha mesa, e eu não conseguia, como eu sofria com aquilo, porque eu olhava, eu via, eu gostava, ensaiava, mas eu não conseguia fazer. Aí, no final de um mês, peguei o telefone e disse: “eu não consigo fazer”. "Ah! Mas vem para a Inglaterra, a gente faz junto". “Eu não consigo”, eu acho que são linguagens feitas... Giron, eu não saberia se eu conseguiria escrever teatro hoje em dia, eu não saberia. Você vai se especializando, se especializando, vai se concentrando, vai também, aprendendo o que a vida te ensina...

Ricardo Soares: Fechou? Você acha que fechou uma comportinha ali e não acontece?

Paulo Coelho: Ricardo eu não sei, mas eu não me vejo neste momento...

Ricardo Soares: Porque as letras suas que... O Giron estava falando do desconhecimento da obra. Muita gente atribui só à música, que são clássicos do rock and roll brasileiro, que são letras suas não é?

Paulo Coelho: É, mas não sei. Deus dirá! Assim feito a pergunta do Wagner, será que você vai ser reconhecido? Eu não sei.

Heródoto Barbeiro: Paulo, nós estamos encerrando o Roda Viva. Duas rápidas perguntinhas em pouco tempo...

Paulo Coelho: Vai.

Heródoto Barbeiro: Lembra do primeiro Roda Viva?

Paulo Coelho: Lembro, lembro, lembro.

Heródoto Barbeiro: Este aqui foi muito diferente daquele outro?

Paulo Coelho: Foi. Foi muito mais suave.

Heródoto Barbeiro: Aquele foi muito mais agressivo do que este?

Paulo Coelho: Foi.

Heródoto Barbeiro: Foi em uma outra época.

Paulo Coelho: Porque eu não sabia o que me esperava aqui. Foi bem mais... Eu não sei se alguém estava presente no meu Roda Viva aqui... [roda a cadeira tentando identificar alguém]

Heródoto Barbeiro: Eu estava.

Paulo Coelho: Só você, mais ninguém. Aliás, eu não interferi na escolha não, isso é bom dizer, porque terminei encontrando grandes amigos aqui.

Heródoto Barbeiro: E você acha que isso de certa forma reflete também uma... vamos dizer assim, essa diferença, o diapasão do tratamento, do tom deste programa, reflete um pouco do que a sociedade pensava na época e pensa agora, em relação ao seu trabalho?

Paulo Coelho: Não sei Heródoto, para falar a verdade, eu não sei. Eu acho que, com essas pessoas todas aqui, eu já tive no decorrer deste ano, relações, enfim, positivas, negativas, já nos pegamos aí no decorrer desses anos e isso pelo menos criou, pelo menos das pessoas que vieram aqui, quer dizer, eu não interferi na escolha, criou uma compreensão maior do que as outras.

Heródoto Barbeiro: Bom, para encerrar agora. Se você tivesse que ir para uma ilha e levar um livro só, que livro você levaria?

Paulo Coelho: Que livro que eu levaria? "Como fazer um bote". [risos]

Heródoto Barbeiro: Paulo, muito obrigado pela sua participação aqui no Roda Viva...

Paulo Coelho: Obrigado a você.

Heródoto Barbeiro: Eu quero agradecer a gentileza de todos aqui, participando conosco do Roda Viva, muito obrigado pela participação. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira, no seu horário e com a sua participação ao vivo. Paulo, mais uma vez obrigado. Boa noite, telespectador. E até a próxima segunda-feira, boa semana.

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