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Memória Roda Viva

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Marta Suplicy

12/8/1988

Ante de tornar-se política, sexóloga famosa por dar conselhos na televisão, Marta fala de seu novo livro que trata de educação sexual nas escolas.

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[Programa ao vivo, permitindo perguntas dos telespectadores]

Augusto Nunes: Boa noite, estamos começando mais um Roda Viva, pela TV Cultura de São Paulo. Este programa é transmitido ao vivo também pela Rádio Cultura AM, pelas TVs Educativas de Porto Alegre, Bahia, Piauí e pela TV Cultura de Curitiba e ainda retransmitido pelas TVs Educativas de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. O programa Roda Viva é apresentado ao vivo, portanto, os telespectadores que desejarem encaminharem as suas perguntas a nossa convidada desta noite poderão fazê-lo que em seguida serão encaminhadas a nossa entrevistada, que é a sexóloga Marta Suplicy. Marta Suplicy já é uma figura bastante conhecida de milhões de brasileiros, também pelas suas aparições na TV, também por seus livros, mais recentemente a Marta Suplicy lançou um livro Sexo para adolescente, que já é um sucesso de público. O que Marta escreveu no livro e outras de suas idéias serão certamente objeto das nossas conversas, enquanto ela estiver sentada ao centro de uma Roda Viva formada pelos seguintes entrevistadores: Célia Pardi, diretora de redação da revista Claudia; Ricardo Kotscho, repórter da sucursal paulista do Jornal do Brasil; José Carlos Bardawil, diretor da sucursal de Brasília da revista Isto É Senhor; Carlos Costa, diretor de redação da revista Playboy; Sônia Racy, responsável pela coluna Dois do jornal O Estado de S. Paulo; Terezinha Lopes, repórter da sucursal de São Paulo do jornal O Globo; Ricardo Soares, apresentador do programa Metrópole, da TV Cultura e repórter do jornal O Estado de S. Paulo; Moacyr Japiassu, redator-chefe da revista Elle. Também estará conosco registrando cenas desta nossa conversa, o cartunista Paulo Caruso. Registramos a presença aqui, entre os convidados da produção, do ex-deputado Eduardo Matarazzo Suplicy e também de Gilda Bacau Fuks, que é psiquiatra e sexóloga. Gilda é professora de psicopatologia sexual da Universidade Federal da Bahia, registramos e agradecemos a sua presença. Marta, não é a primeira vez que você defende opiniões, digamos, polêmicas. Agora, você pode ter comprado uma boa briga com uma das preferências nacionais ao afirmar que a Xuxa faz mal para crianças de uma determinada faixa de idade. O que é que você declarou exatamente em uma entrevista ao jornal Folha da Tarde?

Marta Suplicy: Olha, é o seguinte, eu acho que já está na hora de psicólogos, psicanalistas, psiquiatras, cientistas sociais começarem a investigar e pesquisar o que o programa da Xuxa e talvez alguns outros programas de violência podem ocasionar para a criança. Eu fiz algumas hipóteses, porque você também não pode falar uma coisa dessas sem ter algumas hipóteses. As hipóteses que eu fiz foram baseadas na seguinte teoria - que depois eu quero, eu mesma, questionar as teorias - que a criança sofre um processo de desenvolvimento, que passa em diferentes fases segundo Freud. Quando ela chega aos cinco, seis anos, ela estaria vivendo o Complexo de Édipo segundo Freud - segundo Melanie Klein [(1882 – 1960) psicoterapeuta austríaca freudiana] isso vem muito antes, mas segundo Freud estaria por aí - mas dos seis aos nove ela vive um processo que se chamaria de latência, onde ocorre uma dessexualização da criança e o processo de sublimação, quer dizer, ela canaliza a energia sexual para alguma outra coisa que não o sexo, essa idade é para os esportes, para os estudos, para esse tipo de coisa. O que eu observo que está acontecendo com o programa da Xuxa... e aí não é uma coisa com a Xuxa que eu acho, sabe, eu acho ela engraçadinha, charmosa, tem uma eroticidade que eu gosto pessoalmente, eu acho ela uma graça. Não é com ela, e acho que se por acaso estiver acontecendo alguma coisa ela nem tem idéia disso, quer dizer, não é responsabilidade dela isso, é responsabilidade de nós profissionais estarmos atentos para o que por ventura possa estar acontecendo, eu digo possa estar e eu acho que pode estar.

Augusto Nunes: O que é que pode estar acontecendo?

Marta Suplicy: Pode estar acontecendo alguma coisa referente à criança estar sendo erotizada em uma hora onde ela devia estar mais para..., onde geralmente ela está mais para dentro elaborando essas outras, sublimando o desejo sexual. Agora se...

Augusto Nunes: [interrompendo] Qual é essa faixa de idade?

Marta Suplicy: Seis a nove. Se isso está ocorrendo ou não eu não sei. Não estou dizendo que está ou não está, é uma questão que eu coloco. Agora, tem um outro ângulo que eu também queria colocar, que eu acho interessante, que estou partindo de uma teoria para dizer “o que será que está acontecendo com a nossa criancinha?” Já viu que está aparecendo a televisão com a Xuxa, mas é muito interessante a gente pensar do outro lado também, nós não temos que encaixar as nossas teorias no que está acontecendo, a gente tem que ver se o que está acontecendo está [se] encaixando nas teorias, ou se as teorias estão sendo questionadas. As teorias não são universais e é isso que eu me proponho e gostaria, aliás eu não me proponho porque não é a minha área fazer pesquisa, mas tem gente que faz pesquisa na área infantil e que deveria se dedicar a esse tipo de pesquisa para ver daqui um, dois anos qual é o resultado.

Augusto Nunes: Ricardo Kotscho, Jornal do Brasil.

Marta Suplicy: Fala, Ricardo.

Ricardo Kotscho: Para colaborar um pouco da tua pesquisa, das questões que você levantou, então a pergunta que eu preparei aqui é em cima de uma noticia do jornal hoje, a coluna do Zózimo [Barrozo do Amaral] do Jornal do Brasil publicou uma nota contando uma história de um menino, o Rodrigo de 10 anos. Perguntaram a ele que notícia gostaria de ver estampada no painel popular do PT e o Rodrigo lascou lá “Rodrigo foi para o motel com a Xuxa”. É uma questão que eu escolhi.

Marta Suplicy: É engraçado, porque as pessoas dizem que nessa idade eles não pensão nada, olha aí, mas tudo bem, eu até esperaria isso.

Ricardo Kotscho: O programa da Xuxa vai para o ar no mesmo tempo que o seu programa [ia], o Consultório sexual [Marta tinha um quadro no programa TV Mulher, que ia ao ar todas as manhãs pela Rede Globo]; e eu queria saber, com toda a honestidade, o que é melhor para a sexualidade dos baixinhos nesse horário, o programa da Xuxa ou o programa da Marta Suplicy?

Marta Suplicy: Eu acho que você podia fazer até uma pergunta de outro ângulo, que eu já tinha pensado que seria complicado para eu responder.

Ricardo Kotscho: Então eu faço.

Marta Suplicy: Seria assim: “Por que o seu não erotizava e o dela erotiza?"...

Ricardo Kotscho: Isso, é isso.

Marta Suplicy: Essa é a grande questão Ricardo, mas eu pensei sobre isso, sabe o que é que eu acho? Que assim, o meu [programa], eu não acho que erotizava e quando as mães diziam que erotizava, "coitadas das criancinhas"... Não, a gente tem toda uma teoria: se a criança não está preparada para aquilo, ela não absorve aquilo. E eu não acho que erotizava realmente nada, nunca observei nada de erotização naquilo que eu falava e as crianças não estavam interessadas. Com esse mesmo livro que eu escrevi Sexo para adolescente, eu fiz uma pesquisa na Bienal que era muito interessante, eu dava o livro para alguma criança e dizia para ela escolher no índice do livro o capitulo em que ela ia começar e aí eu adivinharia a idade dela. Era na lata, porque eu fiz uma pesquisa para escrever o livro. Quando ela olhava tudo e dizia “hum, não sei”, não estava interessada, era oito anos, porque não estava interessada. Então esse é um ponto, eu não senti que eu erotizava... talvez porque eu não seja uma figura erótica, não me vista eroticamente, não tinha nada erótico naquele programa. Aliás, eu tomava um cuidado enorme para ir fantasiada de freira, além do que, quer dizer, era uma proposta minha nesse sentido, eu tinha medo inclusive do que podia... de tudo isso. O da Xuxa parte para o lado oposto, é uma proposta de brincadeira, de tudo, com uma mulher muito erótica. Durante um tempo eu até achei que não devia ser nada ruim, porque as crianças só estão acostumadas a se identificar com modelos de freira mesmo, de tudo é feio, tudo é pecado, você usa tudo fechadinho, você nada pode e de repente ela se identifica com uma mulher sedutora, bonita, gostosa, e eu não achava nada errado nisso. Mas aí eu comecei a pensar outras coisas, e se não for bem assim e se passar por outros caminhos? Eu não sei se passa ou não, temos que pensar.

Moacyr Japiassu: Dona Marta. Posso fazer à senhora uma pergunta mais adulta?

Marta Suplicy: Por que, até agora foi infantilidade?

Moacyr Japiassu: Não, só se falou da Xuxa, de criança...

Marta Suplicy: É um assunto muito sério, não há nada de infantil nisso, não sei de onde você está tirando isso, mas pode fazer a sua pergunta adulta, vamos ver.

Moacyr Japiassu: Eu queria saber o seguinte - acredito que todo o telespectador está muito interessado nesse ponto - veja bem, o brasileiro acorda com a conversa ao pé do rádio, dorme preocupado com os aumentos do dia seguinte.

Marta Suplicy: Ao pé do rádio é a do presidente, é de manhã [referência ao programa matinal com o presidente da República, transmitido pela Radiobras]?

Moacyr Japiassu: Pode ser também, pode ser... Então, veja a senhora que é um problema muito sério, nós vivemos sob uma pressão muito grande.

Marta Suplicy: É verdade.

Moacyr Japiassu: Diante dessas dificuldades da vida moderna, a senhora acha, com o perdão da expressão, que o brasileiro é bom de cama? É possível ser bom de cama no Brasil, com essas dificuldades?

Marta Suplicy: Eu não acho que você saiu da infantilidade com essa tal grosseria, inclusive para uma coisa muito generalizada que é muito difícil eu responder, é uma coisa... Como é que eu vou responder isso, meu senhor?

Moacyr Japiassu: Mas os problemas, as tensões não perturbam o desempenho?

Marta Suplicy: Eu posso dizer que pessoas que convivem com tensões, elas lidam de uma maneira ou de outra com elas, tensões afetam o comportamento sexual do homem e da mulher igualmente. Agora, depende muito da vulnerabilidade do organismo dessa pessoa, porque tem pessoas que ficam tensas e tem crise de impotência, tem pessoas que ficam tensas e têm mais vontade de ter relação sexual, isso depende muito do indivíduo, de várias coisas que não tem a ver com... Não dá para falar “olha, o brasileiro é assim, é assado”.

José Carlos Bardawil: Dona Marta, por favor.

Augusto Nunes: Depois a Sônia Racy, do Estadão, manda ver.

José Carlos Bardawil: Em recente entrevista que a senhora deu à minha revista, Isto É Senhor, a senhora colocou uma observação transcendental, digamos assim, sobre sexo.

Marta Suplicy: Transcendental, o que é que é?

José Carlos Bardawil: Porque a senhora disse que neste momento se verifica uma volta ao passado, em termos dos costumes sexuais, em todo o mundo e no Brasil também. A senhora podia colocar detalhadamente?

Marta Suplicy:  Essa volta ao passado no externo, não é, eu acho que o senhor está se referindo ao que eu falei de véu e grinalda, o casamento de véu e grinalda?

José Carlos Bardawil: Exato.

Marta Suplicy: Sim, isso eu acho. Eu demorei muito tempo para conseguir entender que fenômeno era esse das pessoas estarem resolvendo casar de véu e grinalda de novo. Eu não sei se eu tenho a resposta, pelo menos eu fiz uma hipótese que para mim foi mais satisfatória do que até então eu tinha entendido. Eu achei que esses casamentos eram geralmente frutos da geração que viveu com pais que casaram no cartório, sem véu e grinalda, que tinham vidas muito liberais, que a mãe foi trabalhar e que essas pessoas faziam disso uma negação do jeito que elas foram criadas. Quer dizer, nós não queremos esse tipo de pai e mãe, nós queremos outro tipo de vida, nós queremos cuidar do nosso filho, nós queremos outro tipo de relação e eu acho que foi por aí, agora  fala...

José Carlos Bardawil: Mas nessa volta ao passado não está uma observação bem mais profunda do que essa, digamos, hoje as pessoas não estão se reprimindo mais sexualmente do que a menos de dez anos atrás, há 15 anos?

Marta Suplicy: Não, aí eu acho que você está tocando em outra coisa, eu acho que o movimento...

Augusto Nunes: [interrompendo] Por causa da aids?

Marta Suplicy: É na aids que você quer chegar, não é?

José Carlos Bardawil: Talvez seja a aids, talvez, não, eu acho que essa... coisa até pela minha observação...

Marta Suplicy: Não, eu não acho que tem uma repressão.

José Carlos Bardawil: É anterior à aids até.

Marta Suplicy: É, eu não acho que tem uma repressão, eu acho que era um movimento muito bonito do que estava ocorrendo de dentro para fora, anterior à aids, você tem toda a razão.

José Carlos Bardawil: Exatamente.

Marta Suplicy: Porque, você veja, foi uma liberação sexual nos anos 1960, com pílula tal, discurso feminista, uma liberação. Foi da tese para a antítese, estava chegando em uma síntese, no Brasil era embrionária mas já estava chegando, os single's bar [bar para solteiros] estavam fechando, a tal da amizade colorida [a expressão a relações com parceiros eventuais] ninguém mais ouvia falar, não estava em sucesso essa amizade colorida, por quê? Porque as pessoas perceberam que um parceiro por uma noite, uma transa com quem você não conhece não levava a nada, era uma coisa muito vazia. Pode até ser que ocorra na fase de uma pessoa, ou em uma época da vida, mas não é isso como modus vivendi não vai levar a nada e as pessoas, depois daquele primeiro - e aí eu estou falando principalmente das mulheres. Não é porque... quando a liberdade começou era assim “vamos imitar o comportamento masculino”, e para perceber que não tinha nada a ver o comportamento masculino, não era isso que ia levar a maior felicidade.  Então uma coisa que era de dentro, de amadurecimento, veio de repente impactada com a aids, que é uma coisa de fora, um movimento externo, tentando controlar um comportamento que estava mudando naturalmente. Agora, eu não acho que é no sentido de repressão, eu acho posso estar enganada, que é no sentido de evolução, seria muito interessante se assim fosse.

Sônia Racy: Bom, vou mudar um pouquinho de assunto. Marta, você tem um consultório, e como é que você acha que os seus pacientes se sentem tendo uma psicóloga, sexóloga famosa?

Marta Suplicy: Danadinha você, Sônia..., Olha, esperou, esperou e conseguiu perguntar um dia. Olha é um trabalho que, na análise, bom, eu trabalho como analista, então eu acho que um pouco já tem o rótulo de como eu trabalho, de como eu sou conhecida como sexóloga. Fazer análise com uma pessoa que é sexóloga, a pessoa já fica meio atrapalhada em dizer que faz análise comigo, porque todo mundo acha que é um problema sexual, e não é isso, porque há dez  anos que eu não trabalho mais com sexologia e nem trato de educação sexual, mas já começa por aí o problema.

Sônia Racy: Mas você mantém esse rótulo de sexóloga!

Marta Suplicy: Mantenho porque o trabalho que eu faço... Não, nem mantenho, eles usam.

Augusto Nunes: [interrompendo] Marta, também o interesse, pelo assunto?

Marta Suplicy: Eu mantenho porque na área de educação e prevenção eu trabalho na sexologia, e é a área que eu sou conhecida publicamente.

Augusto Nunes: Você não gosta de ser chamada de sexóloga?

Marta Suplicy: Não e nem me acho. Agora, eu já estou achando, outro dia eu estava brincando que eu virei até o honoris causa, porque eu não tenho nem o diploma de sexóloga,eu nem sou sexóloga no sentido de que eu nem tenho o diploma de sexologia, porque quando eu estudei isso nem tinha diploma, era uma coisa muito pioneira. Mas eu acho que, trabalhando agora na linha analítica, o que acontece é que é um trabalho diário disso, porque eu estou lançando um livro, é um assunto.

Sônia Racy: Mas os seus pacientes têm acesso a toda sua vida, sabem...

Marta Suplicy: Tudo.

Sônia Racy:  E como é que funciona isso?

Marta Suplicy: É um trabalho que você trabalha analiticamente, que você interpreta, tem hora que você lida como dados de realidade...  Agora, nesse momento está um inferno, porque tem que desmarcar sessão o tempo inteiro, está todo mundo por aqui [faz um gesto passando a mão pela testa, como se todos estivessem muito ocupados] e aí é complicado.

Sônia Racy: Os seus pacientes têm que ser pacientes com você também?

Marta Suplicy: É eu acho que até tem que ser sim, eu acho que até tem que ser, mas é o que mais ou menos...

Sônia Racy: Fazer encontro com paciência...

Marta Suplicy: É algo que é, até um colega uma vez falou: "Daria até, um dia, para vocês escreverem sobre o trabalho de ser uma figura pública, e como é que consegue ser psicanalista". Mas eu acho que eu não tenho isso tão bem elaborado, às vezes me atrapalho com os pacientes também.

Augusto Nunes: Agora, Marta.

Marta Suplicy: Então ainda não dá para pensar nisso.

Augusto Nunes: Marta, antes da pergunta do Carlos Costa, da Playboy, o Marcelo Ramos, de Higienópolis, diz assim, que ao que consta, você nunca teria tratado clinicamente, crianças ou adolescentes, então como é que você escreve sobre isso?

Marta Suplicy: Olha, nunca tratei e nunca fui professora, além do que... qual o nome dele? É Carlos, Carlos é o nome dele?

Augusto Nunes: Marcelo.

Marta Suplicy: Marcelo, nem nunca fui professora. Olha, esse era um dos grandes problemas que eu enfrentei para escrever um livro para adolescente, para me orientar sobre isso. Primeiro a editora pôs uma pessoa que tinha experiência nessa área para discutir comigo o texto para escola, eu não tinha idéia, o texto foi reescrito umas oito vezes, porque exatamente eu fazia um pouco complicado. Eu não tinha idéia de que tinha que fazer trabalho para a professora depois que tinha que lidar com aquilo na classe e, ao mesmo tempo, eu convidei dez pessoas que tinham experiência mais para pedagógica, na área de sexualidade, para trabalhar comigo durante um ano. Era um grupo que se encontrou todas às quintas-feiras, quinzenalmente, tem dois representantes aqui, a Iana e o Antônio Carlos Egito, dos dez que fizeram parte desse grupo, onde nós juntos escrevemos o livro do professor, que acompanha esse livro, mas não dá para comprar na livraria, é um livro que acompanha gratuitamente as escolas, que ensina o professor como lidar com o livro. Porque um livro de sexo você não usa como livro de matemática ou português e nem a avaliação de uma aula de sexo é acadêmica, não tem prova, é tudo feito de outro jeito. Então, esse pessoal, eles foram de extrema valia para mim, porque realmente eu não tinha nenhuma experiência com criança nesse sentido, eu tinha experiência de estudo, isso eu tinha, teórica, filhos, mas de prática com crianças, não.

Carlos Costa: Marta, justamente sobre o processo de confecção do teu livro, que você cita muito as cartas de adolescentes como introdução ao tema, de onde você tem essas cartas, quer dizer, é um arquivo que você tem?

Marta Suplicy: Não, eu tenho um arquivo grande da TV mulher, de cartas de adolescentes e tenho, assim, sei lá que número eu tenho de palestras no Brasil todo, com que eles me escrevem e eu guardo, tem papelzinho e tal. Nenhuma das cartas utilizadas no livro é uma carta real, é uma junção de cartas e de perguntas que eu recebi em palestras e coisas assim.

Carlos Costa: Ligado com isso, você tinha falado da adequação da teoria à realidade, quer dizer, vamos ver se a realidade é adequada com a teoria. Você não acha que o problema da aids, toda a campanha, digamos, governamental, em televisão sobre Aids, despertou não só no adolescente mas sobretudo no pré adolescente uma curiosidade que normalmente ele não teria de saber o que é camisinha, o que não é camisinha?

Marta Suplicy: Eu acho que o adolescente já estava muito desperto para isso, eu acho que ele ficou com medo, porque foi feito uma campanha na base do medo, muito semelhante, eu acho, à campanha que nós todos fomos sujeitos na nossa adolescência, quando o que a gente recebia como informação era o cuidado com a gravidez, cuidado com a doença venérea e agora ficou "cuidado com a aids que você morre". Eu acho que o grande problema da aids na educação é ser utilizada como mais uma força negativa em uma hora, como eu estava explicando para o jornalista...[olhando para trás procurando o jornalista]

Augusto Nunes: José Carlos, da Isto É.

Marta Suplicy: José Carlos da Isto É, que já estava sendo encarado o sexo de outra forma, uma outra possibilidade e que eu acho que estava havendo já até um resgate do prazer com uma responsabilidade e com tudo que se precisa ter para você viver e com a Aids eu acho que veio cortar isso.

Carlos Costa: Você não tem notado, digamos, que crianças de oito anos tenham tido dúvidas e curiosidades?

Marta Suplicy: Tenho, tenho.

Carlos Costa: Que normalmente elas não teriam?

Marta Suplicy: Inclusive, na minha pesquisa aparece isso nitidamente, perguntas completamente tipo Fantástico [referência ao programa jornalístico da Rede Globo], assim: "Posso pegar aids?"; criança de nove anos perguntando isso. Até pode com uma transfusão neste país, mas é uma coisa que ficou parte do pesadelo da criança e eu fico com muita pena, porque isso coloca um peso na sexualidade que a gente estava conseguindo retirar e conseguindo ensinar de outra forma, como uma coisa espontânea, bonita e que você tem que se proteger. Não tem que se proteger só da aids, tem que se proteger de milhares de coisas.

Augusto Nunes: Para completar a roda, então, a Terezinha, a Célia e o Ricardo, tá? Terezinha.

Terezinha Lopes: Marta, você convive na sua casa com pessoas que têm atividades mais diversificadas possíveis, eu queria saber o seguinte: você gosta mais de ser conhecida como a mulher do político Eduardo Suplicy, como a mãe do roqueiro Supla ou como a sexóloga Marta Suplicy?

Marta Suplicy: Ah, vai perguntar isso para mim, Terezinha? Eu gosto de ser conhecida como eu mesma, é o que eu sempre briguei na vida, que a mulher é conhecida como a filha. Você ainda esqueceu de que eu sou a filha do meu pai, a filha do Cicrano, a mulher do Fulano e a mãe do Beltrano, quer dizer...

Terezinha Lopes: Mas isso interfere em [alguma] coisa? Alguma vez você ouve assim, "a Marta é a mulher do Eduardo ou o Eduardo é a mulher da Marta Suplicy". Isso influi em alguma coisa no relacionamento?

Marta Suplicy: Ah, isso acontece direto, tanto ele é meu marido, quanto eu sou a mulher dele.

Terezinha Lopes: Mas isso profissionalmente...

Marta Suplicy: E eu sou a mãe do Supla, então teve épocas em que eu fazia campanha para o Eduardo e que eu chegava nos lugares e eles falavam assim para mim: "Mas o Supla não vem?, olha, olha, a mãe dele chegou". E eu era atacada por menininhas, era a mãe do Supla que elas queriam ver, não queriam saber do que eu queria falar e nem o santinho da minha campanha, elas não queriam nada, elas queriam era o Supla. Isso ocorreu muito, mas eu acho que faz parte, eu não me ofendo, nem acho nada, aliás, para falar a verdade, eu acho até gostoso, não é um grilo não.

Célia Pardi: Marta, voltando ao seu livro, esse livro vai ser vendido para as escolas, principalmente... que eu acho que esse é o seu maior objetivo... e eu queria saber uma coisa, quem mais, quer dizer, quem vai comprar mais, você acha, as escolas, os adolescentes ou os pais?

Marta Suplicy: Você vai ficar muito surpreendida, Célia, eu não sei se é mais, mas eu senti um tipo de público na Bienal, que eu jamais esperava, de adultos.

Célia Pardi: De adultos.

Marta Suplicy: Que tem interesse pelo livro e que eu não sei porque, eu acho que talvez porque o livro tenha a letra grande, é um livro fácil de ler, é barato, o que também hoje conta, mas a mim me surpreendeu.

Célia Pardi: Adultos pais, ou adultos adultos.

Marta Suplicy: Adultos de 25 anos e às vezes pessoas de 40, eu falava, “dedicatória para quem?”, ele falava: “Bom, para João”, e eu falava: “que idade tem?” para por uma gracinha na dedicatória, “Ah, sou eu mesmo”.

Célia Pardi: É, eu acho engraçado você citar um exemplo masculino, porque quando eu era diretora da Capricho, a gente fez um guia especial de sexo, amor e sexo, e a gente teve um numero enorme de meninos comprando a revista, é uma coisa impressionante. E também a Quatro Rodas lançou um guia de sexo no ano passado, se eu não me engano e, enfim, pela pesquisa também ficou sabendo que os meninos compraram muito, como você vê esse interesse dos meninos por isso?

Marta Suplicy: Aliás, você está falando nisso e agora eu estou pensando, na Bienal [do Livro] foram mais meninos que compraram do que meninas..., é verdade.

Célia Pardi: Eu, pelo o que eu tenho visto nas minhas experiências profissionais nessa área, têm tido um interesse...

Marta Suplicy: Agora, tem coisas, Célia, que na minha experiência nunca imaginei que fosse passar por isso... Da mãe trazer o garotão de 16 anos “Vamos comprar!” “Não, mãe, não mãe, não mãe”. Eu não sei se era de vergonha da mãe estar levando ou não querer dar bandeira que queria ler o livro, eu não sei, mas não foi uma, foram umas quatro ou cinco [vezes], eu achei muito engraçado.

Célia Pardi: Porque seria muito interessante que os pais, que eu acho que os pais têm uma grande dificuldade, sem dúvida nenhuma, de chegar perto dos próprios filhos e conversar sobre esse assunto, é uma coisa ainda muito complicada, muito delicada, eu acho que a própria relação pai e filho complica um pouco o esclarecimento de tudo isso, e eu espero que realmente já esteja bem mais...

Augusto Nunes: [interrompendo] Aliás, Célia, Marta só ligado a isso...

Marta Suplicy: Espere aí, só completar o que a Célia falou, o que ela está falando é se as crianças, se os pais compram, não é? Os pais compram e várias vezes, na Bienal, também ocorreu de eu dizer “mas a sua filha tem quatro anos e não é um livro para a sua filha de quatro anos”. Eles falam “Não faz mal, é para quando ela crescer”. Aí eu falo “não, tudo bem, para quando ela crescer”.

Célia Pardi: E você acha?

Marta Suplicy: Aí até no começo eu sugeria “não, tem De onde viemos?; sobre os bebês é melhor, aquele que passa..." “Não, mas nós queremos”. Aí eu falei, não passa por aí, ele quer ler é outra coisa.

Augusto Nunes: Marta, viu Célia, antes da pergunta, antes que a Célia complete e o Ricardo faça a sua pergunta, fechando a roda. São questões muito ligadas ao que você está dizendo. O Juvanis Pimenta, do Butantã, quer dizer: "Com quantos anos pode dar início a educação sexual de uma criança, quando é que devem ocorrer as primeiras conversas?"

Marta Suplicy: Pára por aí, porque essa já é uma aula aí.

Augusto Nunes: Então eu paro por aqui, depois eu faço outra.

Marta Suplicy: Olha, a educação, nós falamos de dois tipos de educação: é a educação formal e a informal. A informal, no útero da mãe você já está dando, a partir das expectativas que você tem em relação a essa criança, ela já vai... o tipo de expectativa já vai influenciar a vida sexual e, por exemplo - eu vou dar um exemplo da informal - quando o pai dá um tapinha no traseiro da mãe, ele está dando educação sexual, ele está mostrando que ele tem desejo por essa mãe, se a mãe faz “Tira a mão, tira a mão, não quero”, ela está mostrando alguma coisa, ela está educando. Se a mãe dá um beijo no pai gostoso de volta, ela também está mostrando desejo; se a mãe dá um abraço carinhoso, o pai dá um outro beijo carinhoso, eles estão mostrando amor, educação sexual é isso. Você, querendo ou não querendo, você está fazendo o tempo inteiro, todo o dia. Agora, a informal é, por exemplo, a que eu estou batalhando para ter na escola. Agora, o que a escola vai dar... quer dizer, a formal é a da escola, o que a escola vai dar não tem como substituir a da mãe ou do pai, o que é da família a escola não tem como prover, não se põe essa questão, porque é impossível.

José Carlos Bardawil: Agora, dona Marta, só referente a essa pergunta que a senhora está falando, recentemente um grupo de professoras no Rio Grande do Sul tentou dar aulas de sexo ao vivo com...se deu muito mal, elas foram punidas.

Marta Suplicy: Olha, isso é uma coisa seríssima.

José Carlos Bardawil: A senhora apoiaria esse tipo de aula, ou a senhora...?

Marta Suplicy: Ah, o que é que o senhor acha, vai? Ah, tem limite, né?

José Carlos Bardawil: Tem limite.

Marta Suplicy: Agora, tem uma coisa que hoje eu fui participar em uma palestra de manhã - que eu ouvi e que eu acho interessantíssimo para vocês da imprensa pesquisarem - porque se aconteceu isso é de uma seriedade que, olha, eu não pude apurar. Quem contou foi uma pessoa do Sul, comentando, é um Congresso de Educação Sexual que está ocorrendo aqui em São Paulo, na Secretaria da Educação, e essa mesa redonda, esse participante comentou que o trabalho dessas professoras do Sul, e eu falei “aquelas que apareceram nua?”, até perguntei. Ele falou “Não, não é bem isso, não é isso”, mas aí ele falou que era em Osório, que foi exatamente, eu lembro, que era o nome da cidadezinha, e lá ele contou outra história, gente, que eu teria vontade de saber qual é a verdade do que aconteceu. A história que ele me contou é a seguinte: é um grupo de professores que está estudando sexualidade há bastante tempo, e resolveu utilizar o método Paulo Freire de outra forma, ao invés de você utilizar os instrumentos de trabalho da pessoa para fazê-la se alfabetizar, eles estavam ensinando a criança a se alfabetizar através do próprio corpo. Então era assim: pulmão, pulmão, coloque a mão no pulmão e parece que foi assim que a coisa aconteceu... mas que ninguém ficou nu e que não era, não passou por aí, foi um escândalo da cidade muito conservadora. Eles foram realmente em uma maternidade para ver barriga, então barriga, puseram a mão na barriga, em uma barriga de uma mãe.

José Carlos Bardawil: Eu lhe perguntei porque geralmente há uma reação da sociedade quando se fala em sexo.

Marta Suplicy: É, mas esse tipo...

José Carlos Bardawil: Ainda mais sexo na escola, então eu queria saber exatamente a sua posição a respeito.

Marta Suplicy: Olha, a minha posição é óbvia, quer dizer.

José Carlos Bardawil: Se é a favor, se é contra?

Marta Suplicy: Ao quê?

José Carlos Bardawil: Ao ensino de sexo na escola?

Marta Suplicy: Mas eu escrevi o livro para isso, como é que eu vou ser contra?

José Carlos Bardawil: Sim, mas, de que forma, a senhora revelou agora mesmo que foi contra o fato das moças aparecerem nuas.

Marta Suplicy: Mas porque isso é descabido, não faz...

José Carlos Bardawil: Eu queria que a senhora colocasse exatamente como é que a senhora é a favor.

Marta Suplicy: Eu sou a favor do bom senso, eu sou a favor do bom senso, eu não sou a favor das loucuras da vida.

José Carlos Bardawil: E não é bom senso mostrar corpos nus na escola, é isso?

Marta Suplicy: Eu acho que não é.

José Carlos Bardawil: Não é, e o que é que seria o bom senso?

Marta Suplicy: O bom senso seria ter um espaço para se debater qualquer coisa sobre sexo.

Augusto Nunes: Bardawil, deixa eu interromper.

José Carlos Bardawil: Palavras, não corpos; tudo bem, ficou mais claro.

Augusto Nunes: Bardawil, é que eu interrompi a Célia, a Célia completa a sua pergunta, em seguida o Ricardo, e aí jogo livre.

Marta Suplicy: Deixa eu fazer só uma crítica ao que eu falei?

Augusto Nunes: Faça.

Marta Suplicy: Eu falei debater, agora hoje de tarde nesse congresso eu fui pega porque o que..., eu não estou lembrada o nome da outra pessoa da mesa redonda que falalava "que a gente gosta muito de debater e falar, e o toque está proibido". Eu achei muito interessante, para mim o toque está proibido na sala de aula, por quê? Temos que pensar o porque, o que é que tem de feio, por que é que está proibido.

Augusto Nunes: Célia.

Célia Pardi: Era voltando ao livro, se você imagina que os adolescentes, hoje em dia, leriam o seu livro escondidos, como a gente lia o que a gente tinha acesso do pai e da mãe?

Marta Suplicy: Não, Célia, ao contrário, os pais levam pela mão e ficam lá vendo comprar o livro.

Célia Pardi: Você acha, mas e aqueles que os pais não compram, você acha que eles leriam escondidos?

Marta Suplicy: Ah, os [adolescentes] que os pais não compram certamente leriam, como lêem tudo escondido. Agora o que aconteceu é que eu acho que saiu do banheiro, do grafite, do feio, entrou na sala de visita, o sexo entrou, esse livro vai ser lido na sala de visita, ninguém vai ter vergonha de por na mesa.

Célia Pardi: Independente.

Marta Suplicy: É normal.

Célia Pardi: Infelizmente a aids está aí, como o Carlinhos colocou, independente de todo o negativismo da aids, e claro de toda a tragédia de tudo? Quer dizer, a aids de alguma maneira, você acha que ela trouxe o sexo, a falar sobre o debate sobre o sexo... entre, trouxe isso, não é?

Marta Suplicy: Infelizmente, Célia, vai ser pela porta da aids que a educação sexual vai entrar nas escolas.

Ricardo Soares: Marta, eu queria fazer uma pergunta sobre a Marta Suplicy.

Augusto Nunes: Em seguida, jogo livre, fique à vontade.

Ricardo Soares: A Marta Suplicy e os meios de comunicação, desde que você estava na TV Mulher, na TV Globo, quando você começou o teu trabalho falando em sexo na televisão, aconteceram uma série de piadinhas a seu respeito. Piadinhas moralistas, machistas e hoje tem um quadro na televisão, no programa do Jô e do Fausto Silva, que ironiza o seu desempenho televisivo, a sua postura como sexóloga. Eu quero saber como é que você encara isso, com absoluto bom humor ou isso te irrita, como é que você vê essa...

Marta Suplicy: É um grande trabalho para não me irritar, eu diria.

Ricardo Soares: Quando você se vê retratada daquele jeito, caricato, o que você...?

Marta Suplicy: Olha, eu não..., do Jô eu não vi na televisão, para te falar, eu vi no teatro e era engraçado. O do Tatá, que é no Fausto Silva [Na época, Fausto Silva apresentava o programa Perdidos na noite, em que atuavam os comediantes Tatá e Escova], às vezes me irrita um pouco, porque é uma tal baixaria que eu fico pensando assim, imagina se alguém me confunde com isso, que coisa horrorosa, será que alguém vai pensar que sou eu que estou falando essas barbaridades? E às vezes ele fala algumas coisas que eu me divirto e acho engraçado, então eu não tenho nada contra, eu acho que tudo bem.

José Carlos Bardawil: Já que estamos falando de baixaria, como é que a senhora encara aquela personagem na novela das sete, que é uma sexóloga devoradora de homens e tal?

Marta Suplicy: Ah, eu nem conheço, essa é nova no meu...

José Carlos Bardawil: É uma sexóloga que na verdade diz ser sexóloga apenas para devorar toda a turma, não é?

Antônio Kandir: Bardawil, por falar nisso, deixa eu voltar de um lado, como é que...

José Carlos Bardawil: E com que fome ela devora.

Antônio Kandir: Como é que essa história toda começou, você foi a primeira pessoa a popularizar o ofício de sexóloga no Brasil. Falou em Marta Suplicy, falou em sexo. Como foi a descoberta dessa vocação, o que te levou a se especializar nesse ramo da psicologia, a teoria ou a prática?

Marta Suplicy: A teoria ou a prática?

Ricardo Kotscho: Como é que você foi parar aí?

Marta Suplicy: Acho que tudo sempre é junto, no sentido de que quando você escolhe uma coisa de interesse, sempre tem a ver com você, qualquer carreira. E isso me levou muito tempo para pensar, porque eu tinha uma teoria porquê, e umas hipóteses outras porquê, a que posso dizer... as partes teóricas e hipóteses outras ficam para mim mesma. A teórica: eu estava trabalhando em um hospital de guerra, de veteranos de guerra em Stanford nos Estados Unidos e apareceu um paciente com impotência, foi a época que o Masters e Johnson estavam apresentando os primeiros trabalhos. Eu me lembro que fui para o meu supervisor e disse que tinha vontade de tratá-lo [o paciente] nesse novo método que estava aparecendo. Ele falou: “Olha, aqui em Stanford nós não temos nada aqui no hospital, mas nós temos no setor de ginecologia - um pessoal jovem que está fazendo meio debaixo do pano um trabalho nessa área e fazendo um grupo de estudos - por que você não vai falar lá?” Eu fui, eles me aceitaram e eu passei a trabalhar com eles, passei a atender esse paciente nessas técnicas novas de Masters e Johnson, que eram bem diferentes do tipo de formação que eu estava tendo lá em Stanford. E foi assim que começou. Aí, quando eu comecei a fazer isso, eu achei que no Brasil não tinha ninguém fazendo isso - que eu soubesse - que seria um campo novo, interessante e resolvi me especializar nisso. E fiz isso, cheguei no Brasil, vim trabalhar nisso... No começo meu pai ficava com os olhos deste tamanho, achava que eu era completamente louca de trabalhar, que coisa horrorosa; o Eduardo, quando eu disse que ia trabalhar nisso, ele falou: “Mas não tem outra coisa para você escolher, Marta? Isso?” E assim foi... e eu tive um interesse muito grande na sexologia em muito tempo, até uma hora que eu comecei a achar que tinha coisa que eu não entendia, eu não sabia a resposta.  E comecei a ver que muitos aspectos, que eram referentes a comportamentos humanos mais profundos que eu queria estudar... e não dá para você estudar tudo na vida. Aí eu resolvi largar um pouco sexologia e estudar psicanálise, formação, fazer formação de estudo de psicanálise. O que aconteceu foi que na hora em que eu tomei essa resolução foi a hora que a TV Globo me convidou para fazer isso.

Ricardo Kotscho: E hoje Marta, o teu sucesso no programa da TV Globo aumentou o numero de sexólogos no Brasil hoje? Quantos são mais ou menos, como é que está isso?

Marta Suplicy: Hoje já tem bastante, viu, tem muita gente trabalhando em sexologia. Agora, não tem muitos lugares de formação ainda, não é?

Augusto Nunes: Marta, muita gente quer saber que tipo de educação sexual você deu, por exemplo, aos seus filhos. E o Cid Eduardo Freitas, do Brooklin, por exemplo, pergunta se você considera que tenha dado a educação ideal a eles, e eu queria...

Marta Suplicy: Imagina, eu adoraria.

Augusto Nunes: Pois é, eu queria te perguntar.

Marta Suplicy: Nada de ideal a gente consegue fazer.

Augusto Nunes: Agora, Marta, só um segundinho, eu queria te perguntar exatamente isso: se você tivesse lido, quando você foi mãe pela primeira vez, livros escritos por alguém como Marta Suplicy, o que é que você teria mudado na educação que você deu a eles?

Marta Suplicy: Em relação ao sexo, nada, em relação a educação mais ampla, muita coisa.

Augusto Nunes: Quanto a educação sexual, nada?

Marta Suplicy: Se eu tivesse lido um Bruno Bettelheim, quando eu tive o primeiro filho, teria me ajudado. Bom, e de educação sexual eu acho... acho não, [não teria mudado] nada mesmo. Instintivamente eu fiz as coisas mais ou menos como tinham que ser feitas. Agora, a educação sexual na minha casa nunca foi uma educação formal, de chegar um dia na sala de visita e dizer: “olha, hoje nós vamos falar de sexo”. É um assunto que se falava normal.

Augusto Nunes: Normalmente. À vontade, perguntem.

Sônia Racy: E se a sua mãe tivesse lido o seu livro, o que é que seria diferente?

Marta Suplicy: Ah,seria bastante, viu, porque a minha mãe não deu nenhuma educação sexual mais, assim, digo, informativa. Mas ela tinha uma coisa que eu achava importante, que ela me transmitiu. Primeiro, nada ela respondia com mentira, isso era verdade, quer dizer, se eu via um modess [marca de absorvente íntimo] ela me explicava o que era e tal. Mas era uma coisa, assim, meio nublada, porque eu nunca pude perguntar também o que era uma relação sexual, porque eu não tinha espaço para isso. Agora, ela ensinava o respeito, o respeito que uma pessoa tem que ter por si mesmo e pelo outro, isso é uma coisa que foi toda a base da minha educação, eu acho, e acho que isso foi legal.

José Carlos Bardawil: Marta, você aprendeu sexo como todo mundo da nossa geração? Através dos colegas, da escola?

Marta Suplicy: É, também... Quer dizer, eu tinha esse tipo de informação da minha mãe, e eu sentia que poderia ir perguntar. Mas eu não sentia tanta abertura para perguntar, tanto é que eu não perguntava, mas tive essas informações com as amigas e nas revistas que eu conseguia ler, mas também não eram revistas apropriadas, eram, sei lá...

José Carlos Bardawil: Mas houve algum ponto, assim, de sexo que ficou sendo um mistério para a senhora por muito tempo?

Marta Suplicy: Não, que eu me lembre não.

José Carlos Bardawil: Que a senhora lembra?

Marta Suplicy: Para mim era uma coisa... sexo para mim nunca foi uma coisa de tão problemática, era uma coisa... não era também normal, porque tinha todo aquele negócio de freira, de mãe que você não pode falar tanto, mas não foi uma coisa assim tão grandiosa, que...

Moacyr Japiassu: [interrompendo] Por obséquio, nesse exemplar da revista Elle.

Marta Suplicy: Bela propaganda, está linda, deixa eu ver?

Moacyr Japiassu: Eu trouxe para a senhora, inclusive.

Marta Suplicy: Mas eu gosto e acho lindo, às melhores amigas minhas já quis passar essa revista, a Silvinha.

Moacyr Japiassu: Eu trouxe para a senhora, inclusive, porque esta não está nas bancas ainda, mas eu não trouxe aqui para fazer um comercial não, é apenas uma pergunta. É que nós temos aqui uma entrevista que está magnífica, modéstia à parte, com a Dóris Lessing. E ela diz aqui: “Homens e mulheres amam de forma diferente. É uma estupidez pensar que somos parecidos”. A senhora, como encara esse problema? Porque no fundo isso é um enorme problema.

Marta Suplicy: Ela tem toda a razão e, nesse livro, Sexo para adolescentes, eu coloco exatamente... aí que eu acho que o meu filho adolescente me ajudou muito, a vivência da sexualidade na adolescência, como é diferente, não é? Obrigado, você acha que eu devo mostrar, ou não? [recebendo em mãos o exemplar da revista Elle]

[risos]

Moacyr Japiassu: Sem dúvida.

Marta Suplicy: Eu acho que, Augusto, eu acho que você deve passar o meu livro, porque você não mostrou e eu fico aqui mostrando a Elle e não mostra meu livro, o que é isso?

Augusto Nunes: Não, o seu livro está sendo mostrado com insistência.

Marta Suplicy: Com insistência, então está bom.

Augusto Nunes: Com insistência.

Marta Suplicy: Bom, obrigado, fico até vermelha, mas não era para tanto.

Sônia Racy: Marta, você se acha uma mulher sensual?

Marta Suplicy: Ai, isso é um problema, não é? Hoje eu acho que até estou, mas geralmente eu acho que eu tenho até problema disso, que as pessoas falam “mas você não põe uma roupinha mais....”, eu estou no...

Sônia Racy: [interrompendo] Mas se você tem problema com isso? Com os outros, como é que você resolve o dos outros?

Marta Suplicy: Não, eu acho que eu tenho um problema nisso, de andar de forma exuberante sensualmente. Poderia andar muito mais do que eu ando, é nesse sentido. Agora, de outra forma eu não tenho...

Ricardo Soares: Marta, como é que você reage a cantadas elegantes e deselegantes?

Marta Suplicy: Olha, sei lá, como é que eu reajo a cantadas?

Ricardo Kotscho: Isso é uma pergunta ou uma ameaça?

Ricardo Soares: Pergunta.

Ricardo Kotscho: O marido dela está aí atrás.

Marta Suplicy: Para começar, olha, eu acho que para você trabalhar na área da sexualidade já inibe brutalmente as pessoas de te fazerem cantadas.

Ricardo Kotscho: Os homens se intimidam?

Marta Suplicy: Ah, bastante, eu acho que primeiro tem isso. Depois eu acho que passa por outros caminhos também, de eu ser casada publicamente com uma pessoa que as pessoas respeitam. Então eu acho que eu não sou muito alvo de cantadas. É uma coisa assim que eu não tenho que lidar tanto com isso. Cantada grosseira é raríssimo de acontecer e cantada de outro tipo também não é tão comum e, quando você não quer, você não quer, não tenho grandes problemas, acho que eu sou assertiva o suficiente.

Terezinha Lopes: Marta, o seu conhecimento sobre sexologia, de certa forma contribuiu para o sucesso de um casamento tão prolongado com o seu, quer dizer, você acha que conhecer ajudou de certa forma?

Marta Suplicy: Não, porque eu acho que o sexo, quando um casamento funciona, ele não é nenhum problema; e quando ele não funciona é que ele [o sexo] se torna [um problema]. É como casa... com a dona de casa: se você faz o serviço, arruma a casa, tem a comidinha, tem a roupinha toda arrumada, ninguém nem percebe que você fez. Basta você não fazer um dia para você ver que a casa vem abaixo. No casamento é assim, quer dizer, sexo nunca foi problema de nada e nunca foi isso que ajudou a manter ou a não manter; eu acho que o que ajuda a manter o casamento é outro tipo de vínculo. Eu acho que, no meu caso, o que seria mais é a paciência do marido, mais do que qualquer coisa.

Ricardo Kotscho: Marta, esse tempo da TV Globo, você recebeu milhares de cartas, até de mulher de desembargador reclamando que apanhavam do marido. Eu queria saber se esse ainda é o maior drama das esposas brasileiras, ao contrário do que dizia Nelson Rodrigues [refere-se à frase de Nelson Rodrigues "Nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais"].

Marta Suplicy: Olha, eu acho que não vou nem falar da minha experiência, porque eu acho que tem uma experiência da Rosimere Correia, delegada de polícia, que eu conversando há alguns meses atrás, ela colocou que o índice de mulher apanhando tem aumentado brutalmente, principalmente nas camadas mais altas, e a delegacia tem sido muito procurada pelas camadas mais altas, o que não era no começo. E muitos casos também de incestos, e que isso eu constatava freqüentemente, fazendo palestras na periferia vinham [para mim] bilhetinhos anônimos com as perguntas, e vinha “Meu pai buliu comigo, meu tio...”.

Ricardo Kotscho: E a que é que se atribui isso, Marta, como é que você explica esse fenômeno?

Marta Suplicy: Olha, nas classes menos privilegiadas eu sempre atribuí à...

Ricardo Kotscho: Promiscuidade.

Marta Suplicy: Promiscuidade. O jeito de morar muito difícil, ao alcoolismo, por aí. Nas classes mais favorecidas eu não saberia a que atribuir. Eu acho... eu não saberia, eu faria hipóteses assim sem fundamento.

Augusto Nunes: A propósito, você falou em classes menos privilegiadas. Abdu Salen, de Sumaré, quer saber se quando você fala de adolescentes no teu livro, você está falando de igualmente de adolescentes ricos e pobres?

Marta Suplicy: É uma boa pergunta e difícil de responder. Olha, porque para fazer o livro eu usei de várias coisas, eu usei de cartas da TV, eu usei de muitas perguntas de periferia que eu tinha. Mas usei basicamente  perguntas de uma grande escola de classe média em São Paulo, porque colocando-as eu achei que seriam, as pessoas teriam mais acesso a esse tipo de livro. Mas eu acho que atinge todas as classes... agora, particularidade com as classes menos privilegiadas eu não... não foi nada que eu situasse, a não ser o problema do incesto, como se fosse uma coisa mais desta classe e que agora parece que está até mudando e eu não tinha esse dado na época que foi escrito, não é? Eu pus um capitulo, um adendo no livro que falava de abuso sexual e, aliás, me deixou bastante desconfortável, porque o que eu tinha a propor era muito pouco. O que é que você fala para uma criança que vive um abuso sexual por parte do pai, do irmão, do tio? O que é que você fala para essa criança, em uma periferia? Era um problema que eu enfrentava a toda hora quando eu ia fazer uma palestra dessas, você fala para ela falar para a mãe. Eu aprendi com a própria experiência que a mãe nega, a mãe não quer ver, porque aí ela tem que mandar o pai embora, ela tem que tomar uma atitude que, para ela, ela não quer tomar, essa criança fica muito sozinha e muito perdida. Eu dou algumas sugestões, mas sinto que absolutamente nada que vai resolver o problema, não passa por sugestão o problema.

José Carlos Bardawil: Quer dizer, o livro é um livro realmente mais para a classe que freqüenta o seu consultório, mais para classe média alta, digamos assim?

Marta Suplicy: Não, eu não diria isso, é um livro escrito para adolescentes, eu diria. Eu diria que é para todas as classes, eu diria mais isso.

José Carlos Bardawil: Baseado em uma experiência, mas aquela que a senhora conhece, que é uma experiência...

Marta Suplicy: Você sempre acaba se baseando em uma mais que você conhece, mas você toma o cuidado de também favorecer as outras classes. E eu tive a editora atrás o tempo inteiro, me ajudando na elaboração desse livro.

José Carlos Bardawil: Por falar em editora, já é a terceira vez que a senhora fala na editora e eu faço uma pergunta: o livro foi feito por encomenda da editora ou foi idéia sua?

Marta Suplicy: A editora é a FTD, é uma das maiores editoras didáticas. E eu tinha vontade de fazer um livro sobre sexo para adolescente há bastante tempo. O que me tolhia era o trabalho que eu ia ter no sentido de ter que treinar esse grupo para acompanhar o livro, e que depois eu acabei fazendo mesmo. Então, só de pensar que eu ia ter que fazer isso, e aprender um monte de coisa que eu não tinha nenhuma experiência, como escrever livro didático, eu já falava “eu não quero fazer, era muito trabalho”. Mas quando a editora me propôs isso, eu sabendo do problema da aids, sabendo do interesse da editora eu pensei “ou eu escrevo ou eu perco o barco; alguém vai escrever”, e eu tenho condição de escrever um bom livro, eu vou fazer esse livro.

Augusto Nunes: Japiassu.

Marta Suplicy: Espere aí, tinha o fim da pergunta dele que eu queria responder que me interessava e eu acabei esquecendo.

José Carlos Bardawil: Eu perguntei se o livro...

Marta Suplicy: Da editora, eu queria falar um pouco de como o livro foi escrito, dá para falar, ou não?

Augusto Nunes: Claro.

Marta Suplicy: Bom, então era assim, eles pediram o livro. Aí eu comecei a escrever o livro e, como todo o livro que eu tinha escrito até hoje, eu mandava para a editora, publicava e tudo bem, muito ótimo e tal. De repente eu levei o maior susto, porque eu mandei o livro para a editora e mandei o livro para essa grande escola - que eu tinha feito a pesquisa para o corpo pedagógico dessa escola, que eram umas oito pessoas - esperando que venham comentários e pronto, eu ia mexer aqui ou ali.  De repente a editora me chama e fala assim: “Olha, vem aqui para uma reunião”. Eu já achei gozado, ir para uma reunião. Eles tinham dez pessoas em uma mesa com dez originais escritos de sugestão. Aí eles falaram muito candidamente: “Olha, Marta, se você não quiser ler os dez originais, nós temos aqui três folhas que resumem as críticas do original”. Aí eu falei “olha, eu nunca tive esse privilégio de trabalhar com uma editora que me cuidasse desse jeito, isso para mim é uma maravilha”. Catei os dez originais, levei para a praia - eu lembro que eu pus na minha cama os dez originais - e eu tenho um terração com uma mesa, e o meu original ficou na mesa, eu catava página número um, levava as dez páginas número um e punha no meu original o que eu achava procedente. E fiz isso o livro inteiro. Aí escrevi tudo, tirei um mês de férias, voltei achando que o livro estava lindo. Foi rescrito mais cinco vezes depois disso.

José Carlos Bardawil: Mas sempre por conselho da editora?

Marta Suplicy: Aí não. Foi dado para diferentes grupos para discutir, diferentes pessoas, teve muita gente que colaborou, muita gente.

Augusto Nunes: Japiassu, é a última pergunta da primeira parte do programa.

Moacyr Japiassu: Pois não. Dona Marta, a senhora é uma mulher rica, bem nascida, escreve bem, a senhora é uma mulher elegante e, evidentemente, o seu público é também um público privilegiado em todos esses sentidos, evidentemente.

Marta Suplicy: Em que sentido você está falando?

Moacyr Japiassu: Economicamente.

Marta Suplicy: Porque eu tenho um público, quando eu vou na Bahia, na praia a vendedora de acarajé chega para mim e é minha íntima. Ela convida, dá um acarajé, ela me conhece. É um público... eu não sei se você está enganado, eu posso trabalhar em consultório com uma classe mais privilegiada, mas o meu público não é o público de classe mais alta, absolutamente.

Moacyr Japiassu: Eu posso estar enganado quanto a isso, mas uma coisa é certa, dona Marta, o brasileiro continua acreditando mais no ovo de codorna, no amendoim, nessas coisas. E eu queria perguntar à senhora uma coisa muito simples, a síndrome, essa síndrome toda que o brasileiro costuma combater com ovo de codorna, psicologicamente...

Marta Suplicy: Não, espere aí, eu sou super difícil de entender piada, eu não entendo, o que é esse negócio de ovo de codorna?

Moacyr Japiassu: Não é piada, senhora.

Marta Suplicy: Não, eu não estou de gozação, eu não entendi mesmo, o que quer dizer?

Moacyr Japiassu: Sempre que eu faço uma pergunta popular a uma sexóloga ela acha que é uma piada. Aconteceu isso, eu não sei se é sua parente, com a dona Heleninha Matarazzo, que até hoje não me perdoou a uma pergunta que fiz, é uma pergunta popular.

Marta Suplicy: Desculpe, eu não estou nem brava, nem nada, eu estou querendo uma elucidação, mas continue a sua pergunta, talvez eu entenda no contexto.

Moacyr Japiassu: Porque é o seguinte, o brasileiro...

Augusto Nunes: Que o povo brasileiro acredita nos afrodisíacos naturais.

Moacyr Japiassu: Lógico.

Marta Suplicy: A sexóloga aqui não sabia que ovo de codorna é afrodisíaco, você me desculpe.

Moacyr Japiassu: Ah, não?

Marta Suplicy: Não, eu não sabia, você veja a minha ignorância. Você falando aí e eu não sabia. Mas agora foi tudo esclarecido, ovo de codorna é afrodisíaco, amanhã está aumentando aí a venda de ovo de codorna.

Moacyr Japiassu: Pois então, eu quero saber da senhora isso.

Marta Suplicy: Pois é, agora eu estou sabendo, vamos em frente.

Moacyr Japiassu: O ovo de codorna atrapalha ou ajuda?

Marta Suplicy: O ovo de codorna, como eu vou saber, meu senhor, se ovo de codorna ajuda?

[risos]

Augusto Nunes: Marta, nós vamos ter agora, teremos agora um pequeno intervalo. O programa Roda Viva, com a Marta Suplicy, você não quer ser chamada de sexóloga, é isso?

Marta Suplicy: Eu sou psicóloga clínica.

Augusto Nunes: O programa com a psicóloga clínica Marta Suplicy volta já, já.

[intervalo]

Augusto Nunes: Retomamos aqui a nossa conversa com a psicóloga Marta Suplicy, que é convidada do Roda Viva desta noite. Marta, antes de fazer uma bateria de perguntas, relacionadas com um único tema não abordado ainda aqui, a Marlene Santos, do Tucuruvi, só pede um esclarecimento que deve ser endereçado à filha dela, a Érica, que tem 11 anos. Ela quer saber exatamente em que aspecto o programa da Xuxa é erótico? Em seguida, eu vou fazer outras perguntas.

Marta Suplicy: Ela não percebe?

Augusto Nunes: Aparentemente, não.

Marta Suplicy: Então não sou eu que vou explicar.

Augusto Nunes: Está respondido. Bom, todas essas perguntas aqui, Marta - depois você receberá cópias de cada uma delas - dizem respeito a questão do homossexualismo, vou ler algumas. Fábio Albuquerque, do Ipiranga, pergunta simplesmente como você vê o problema do preconceito em relação ao homossexualismo? José Lopes Fernandes pergunta se o homossexualismo masculino é doença ou “sem vergonhice”?

Marta Suplicy: O feminino está separado?

Augusto Nunes: Saulo Pereira, de Mococa, interior de São Paulo, pergunta: “Como é que você encararia o homossexualismo de um filho, por exemplo?”  Roberto Andrade, do Pacaembu, simplesmente quer saber se você condena ou aceita o homossexualismo. Márcia Rizz, de Higienópolis, pergunta a sua opinião sobre a bissexualidade no homem e na mulher. E, finalmente, Mauro Ribeiro, da Aclimação, pergunta: “O que é que você acha da afirmação do psicanalista Eduardo Mascarenhas, segundo a qual a propagação da aids seria diretamente responsável pelo aumento dos casos de homossexualidade feminina?” Como você vê, são perguntas que se interligam.

Marta Suplicy: É tanta pergunta, não é? Olha, eu acho basicamente duas coisas, eu tenho o maior respeito pelas pessoas homossexuais e não acredito que seja uma doença. Agora, um dos problemas que eu tive, quando estava escrevendo o capitulo de homossexualidade nesse livro Sexo para adolescente, era a abordagem que se dá à homossexualidade. Porque você pode dar uma abordagem psicanalítica, onde entra no rol das perversões - e até explicar o sentido disso demora um pouco e era complicado para a criança de nove a 14 anos, basicamente para quem o livro era escrito. Quando eu escrevi o livro na parte da homossexualidade, eu recebi uma carta que eu achei muito interessante, de um senhor de Botucatu, que eu não conheço, dizendo que tinha ouvido falar que eu estava escrevendo um livro para criança e adolescente e que ele estava muito preocupado que postura eu ia ter em relação à homossexualidade. Eu tirei um xerox do capítulo e mandei para ele. Eu não sabia quem era, olha, foi a maior delícia e a maior surpresa. Eu recebi uma carta super ponderada, analisando muitos ângulos onde ele dizia “Olha, eu acho que você nesse... eu gosto do capítulo, da sua postura e tal, que não é uma postura de certo ou errado, mas uma postura de diminuir a ansiedade do adolescente frente a possível homossexualidade; da menininha que sai de mão dada com a amiguinha e que então ouve falar tanto que tem lesbianismo, homossexualidade, 'Será que eu estou ficando lésbica? Porque a gente brincou de dar beijo para ver como é que era' Ou o menino que vai brincar com um outro rapaz de fazer concurso disso ou daquilo, e fala: bom, será que eu sou bicha então?” Então era mais no sentido de lidar com esses tipos de ansiedades, dizendo: bom, isso tudo não quer dizer homossexualidade, não se estabelece nessa idade, é uma coisa que demora mais... era mais no sentido do aplacar; e foi uma postura pensada, no sentido de que como é um livro que o Brasil inteiro... para a gente que vai ler isso, sem nenhuma outra possibilidade, pelo menos esse tipo de grilo, quem tiver esse tipo de grilo, [poderá] ser acalmado nesse sentido. E sempre a colocação: se você for realmente homossexual, não há muito que se possa fazer, no sentido de que não é uma opção como se pensa. Em que alguém fala assim: olha, sábado eu vou ficar homossexual. Não ocorre, a pessoa é homossexual. E isso nas pesquisas, por exemplo. Agora, no congresso de sexologia que tivemos na Argentina, um dos maiores pesquisadores da área de sexualidade, que é o John Money, ele coloca algumas hipóteses que já vem se inventando há algum tempo sem... não é uma coisa confirmada, são hipóteses, que a homossexualidade teria até uma predisposição inata, quando o bebê nasce. Que foi da falta de fabricação de um determinado hormônio da mãe em uma determinada fase da gestação, que aí não produziu a masculinização ou a feminilização do cérebro que deveria ter produzido, e que aquilo predisporia o indivíduo para uma evolução da sua homossexualidade, dependendo da relação dele aí com o ambiente. Aí são muitas teorias, quer dizer, eu não quis por nada assim tão [elaborado]. Eu coloquei que a teoria psicanalítica acha alguma coisa em um outro gênero, John Money propõe isso, mas o que a gente tem que ter e saber é que se sabe muito pouco sobre sexo, muito menos ainda sobre homossexualidade. Ninguém descobriu que o homossexual tem hormônios diferentes, genes diferentes, nada. Tem-se milhares de hipóteses, teorias e se sabe pouco; e o que se tem que ter é respeito por pessoas que estão vivendo essa condição.

Augusto Nunes: Bom, a Célia Pardi, Ricardo e Ricardo Kotscho estão querendo fazer perguntas; a Célia tem precedente.

Marta Suplicy: Ah, e tem a do filho que eu não respondi, não é?

Augusto Nunes: Isso.

Marta Suplicy: Olha, eu não tive essa experiência. Agora, eu acho que eu não posso dizer que eu ficaria contente, porque eu acho que é uma situação super difícil de uma criança viver, de um adolescente e de um adulto. E a gente quer sempre proteger o filho de tudo que possa produzir sofrimento. Eu acho que se me acontecesse de um filho ser homossexual eu procuraria ajudar a ter o maior respeito e é isso que eu faria.

Augusto Nunes: Célia.

Célia Pardi: Agora, Marta, voltando ao ovo de codorna do Japiassu, você concorda que a sexualidade não está nem no ovo de codorna, nem nos órgãos sexuais e sim na cabeça?

Marta Suplicy: E nem nos livros, não é Célia, e nem nos livros.

Célia Pardi: E sim na cabeça, você concorda com isso?

Marta Suplicy: Eu concordo plenamente, inclusive eu acho que esse livro que eu escrevi é um livro que vai ser usado ali atrás. Não é um livro para ser usado na sala de aula, para ler assim, não é. Ele está ali, porque o que [de] mais importante que vai acontecer na escola não é a leitura do livro. Não, é a possibilidade de falar, é isso o que é mais importante...

Célia Pardi: De fazer a cabeça?

Marta Suplicy: De falar da parte emocional. E os grandes grilos que tem ocorrido em relação ao controle da gravidez passam por isso; eles ficam dando aula de como se engravida, e dando anticoncepção, sendo que a gravidez passa pela sexualidade, pelo desejo, pelo conflito, pelo medo. Eu posso saber tudo sobre, como eu também posso saber tudo sobre a aids e não adianta nada, porque passa por outros caminhos. Enquanto as campanhas do Ministério da Saúde não se conscientizarem disso, vão continuar jogando dinheiro fora.

Ricardo Soares: Marta, eu queria pegar...

Célia Pardi: Deixa eu só, deixa eu só....

Ricardo Soares: Só uma carona na sua pergunta, Célia.

Célia Pardi: É só mais uma coisinha que eu acho legal de falar, eu não sei quem perguntou, sobre o seu casamento que dura tantos anos. Você acredita que a convivência, esse passar de anos juntos, isso faz com que a sexualidade - o conhecer um ao outro que amplia a sua sexualidade, que libera a sua sexualidade - que ao invés de, sei lá, diz todo mundo [que] depois de dez anos de casado ninguém mais tem desejo um pelo outro, uma coisa assim. Você acredita na possibilidade de uma convivência, durante tanto tempo, ampliar, aumentar, ser mais gostoso?

Marta Suplicy: Olha, eu acho duas coisas. Em termos de desejo, obviamente muda, você não tem o [mesmo] desejo pela pessoa que você está há anos que você tinha quando você conheceu. Isso muda obviamente. A relação amorosa, relação sexual, a relação afetiva amplia extraordinariamente.

Célia Pardi: E o sexo fica mais gostoso?

Marta Suplicy: Eu acho que sim, acho que não dá para comparar uma pessoa que você tem uma relação sexual com ela e tem uma vida sexual há anos e como é agora, com o que era há 20 anos atrás, não dá.

Célia Pardi: Quer dizer que a idade trás essa vantagem para a gente, sem dúvida?

Marta Suplicy: Pelo menos [...], não é?

Ricardo Soares: Nesse teu livro, você deixou claro que é um livro que tem uma aplicação prática nas escolas, para adolescentes. Então eu pergunto o seguinte: como tratar isso? A partir do momento em que muitas professoras tem os seus próprios preconceitos, inclusive em escolas jesuíticas, escolas religiosas,onde da própria direção da escola partam preconceitos em relação aos temas que você discute.

Marta Suplicy: Olha.

Ricardo Soares: Não precisaria ser necessário...

Augusto Nunes: Ainda mais de uma editora católica.

Ricardo Soares: Exatamente.

Marta Suplicy: E de uma editora Marista [congregação católica que segue os preceitos de Maria, mãe de Jesus], não esqueça [refere-se à editora FTD].

Ricardo Soares: Não teria que haver uma apêndice com as professoras com preconceitos, padres com preconceitos?

Marta Suplicy: Olha, você está me perguntando basicamente, quem é o professor que vai dar essa aula, e nas escolas que eu tenho conversado... As pessoas partem da ilusão que deve ser o professor de biologia ou de ciências, o que é um erro, não é o professor dessa matéria que deve dar isso. Pode até ser, mas pode ser o de inglês, o de matemática, é a pessoa que se sentir mais à vontade com a sua sexualidade e a pessoa que os alunos tiverem um entendimento melhor. Nas escolas que eu fui, já está ocorrendo a educação sexual de uma forma inadequada, com o professor mais simpático aos alunos. Como ele [aluno] não pode falar em casa, ele vai falar com aquele professor que ele quer bem, que ele sabe que não vai criticá-lo, este professor é o escolhido, é uma escolha natural das crianças. Agora, ele não precisa ser heterossexual, ele não precisa ter uma vastíssima e variada e fantástica experiência sexual, ele não precisa ler todos os manuais de sexo, ele não precisa de nada disso. Ele precisa se sentir confortável com ele mesmo e ter um respeito pelas opiniões diferentes, não tentar impor o que está na cabeça dele como o certo, só isso. Agora, para precaução é que foi criado esse grupo de dez pessoas que estão dispostas a treinar um professorado em 14 horas; é óbvio que em 14 horas você não vai treinar ninguém, eu não tenho nenhuma ilusão.

Ricardo Soares: Eu pergunto se você não teme distorções, quer dizer, para que não peguem pessoas que têm os seus próprios preconceitos?

Marta Suplicy: É isso.

Ricardo Soares: Que porventura, que no caso...

Marta Suplicy: Claro que eu temo.

Ricardo Soares: Que não caia o perfil do professor que você quer.

Marta Suplicy: Claro que eu temo...

Ricardo Soares: Se for um professor preconceituoso, careta?

Marta Suplicy: Vai fazer parte, vai fazer parte.

Ricardo Soares: Você não teme que possa?

Marta Suplicy: Mas não é que a gente, por medo disso nós não podemos ficar presos às amarras do difícil e do medo. A gente vai começar esse trabalho, vai ter altos e baixos, esse livro vai ser rescrito 25 vezes, porque é uma coisa muito pioneira, muito. Eu fiz com o pouco que eu sabia, agora vai para as escolas, eles vão me devolver, eu vou reescrever e nós vamos aprender. Ficar com medo de que o professor é assim..., inclusive o pessoal que fez essa experiência em Campinas me deu dados - eles fazem parte desse grupo de dez pessoas - muito animadores, que fizeram em uma escola estadual de Campinas, e que está ocorrendo. As professoras foram com muito medo, assim, se sentindo muito pouco habilitadas e tal. E o resultado, a avaliação que foi feita dos cursos até hoje foi muito positiva, tanto para elas, como crescimento próprio, como para os alunos. Eu acho que a gente complica e tem mais medo do que na realidade a coisa é.

Moacyr Japiassu: Dona Marta, a senhora acha. Desculpe, posso fazer a minha pergunta?, é coisa rápida.

Augusto Nunes: Japiassu.

Moacyr Japiassu: Dona Marta, os pais, no Brasil, estão falando mais em sexo com os seus filhos? A senhora tem elementos para falar sobre isso?

Marta Suplicy: Não, eu gostaria de achar que estão. A informação que eu tenho é que algumas elites privilegiadas estão, muito mais do que há dez anos atrás. Mas são parcelas da população que eu não teria dados estatísticos para lhe colocar. Mas que eu ainda acharia muito poucos, muito poucos pais estão fazendo isso, a maioria de hoje... até nesse congresso que eu estive foi apresentada uma pesquisa que ocorreu em Belo Horizonte, em uma grande escola de Belo Horizonte, onde tem 30 mil alunos - eu nem sabia que tinha uma escola tão grande em Belo Horizonte, são várias escolas - e que a grande maioria dos alunos não têm esse espaço em casa para conversar. Então eu acho que isso ainda é um mito quando os pais falam “não, não devia ter na escola, devia ter em casa”. Isso são pesquisas americanas: vão se fazer as pesquisas com os filhos desses pais, eles não sabem absolutamente nada, porque é uma fantasia do pai que está explicando, não está explicando absolutamente nada e a criança está totalmente desinformada.

Moacyr Japiassu: E o pai também não sabe, não é?

Marta Suplicy: A maioria sabe pouco, a maioria tem muita vergonha de dizer que não sabe, a maioria tem a idéia de que tem que saber tudo. O que é uma besteira, você não tem que saber tudo para falar de sexo com o seu filho, é muito importante dizer que não sabe, dizer que se sente inconfortável de falar daquilo, que foi educado de outro jeito, mas que gostaria que você, filho, fosse educado diferente. Sabe, a honestidade, a sinceridade, o bom senso, passa por essas coisas, não é tão complicado.

Ricardo Kotscho: Eu queria fazer uma pergunta bem singela, Marta. or falar em sexo, qual é o teu símbolo sexual?

Marta Suplicy: Meu símbolo sexual? De homem? Olha, é complicado. Um homem que eu acho bonito? [fica pensando durante um tempo]

José Carlos Bardawil: A dúvida se instalou.

Marta Suplicy: Hmn?

Célia Pardi: Não vale falar que é o Eduardo.

Marta Suplicy: Não. Eu acho o Robert Redford um homem interessante. Qual mais homem bonito que eu acho, gozado, deu um branco...

Ricardo Kotscho: Dos nacionais?

Marta Suplicy: Dos nacionais fica mais complicado, não é, Ricardo?

Ricardo Kotscho: Acho que nós estamos sem chance.

[risos]

Marta Suplicy: Ah, eu acho que eu vou deixar para Sônia Braga brigar comigo, só isso, viu?

José Carlos Bardawil: O Kotscho fez uma pergunta singela, eu vou fazer uma pergunta um pouquinho mais, mais ampla. Há quem diga, dona Marta, que a revolução sexual dos anos 1960 acabou servindo mais ao homem, porque aumentou a promiscuidade e não trouxe, em contrapartida, o que era a proposta preferida das mulheres, que era o sexo com amor, com o verdadeiro amor. A senhora concorda com essa visão?

Marta Suplicy: Eu vou mais longe, eu acho que houve uma coisa muito mais séria, foi [que] as propostas das mulheres feministas no começo da década de 1960 - que era a possibilidade de liberação sexual - ela [a proposta] foi assimilada, deglutida e utilizada a favor do sistema patriarcal.

José Carlos Bardawil: A senhora concorda, então?

Marta Suplicy: Vai além, porque não foi mudada...

José Carlos Bardawil: Ela favoreceu ao homem, é isso?

Marta Suplicy: Não foi mudada a ideologia, porque a ideologia que se tinha há 20, 30 anos atrás, quando não existia a tal da liberdade sexual, era: segura o seu homem fazendo uma deliciosa torta de abacaxi.

José Carlos Bardawil: Claro...

Marta Suplicy: Era o que a nossa revista Claudia ensinava, aí há 10 anos atrás, o que é que a revista Nova ensinava? Como ter um orgasmos, dois orgasmos, simultâneo de ponta cabeça, porque se quisesse ela ensinava, a princípio a gente falava: nós feministas, que progresso, está ensinando, a gente falava de sexo, era considerada uma mulher leviana, agora qualquer mulher que pensasse em sexo, e de repente as revistas estão falando, olha que progresso. Não foi progresso, porque a ideologia continua a mesma, segura o seu homem. Antes você fazia torta de abacaxi para segurar o homem, agora você é a torta.

Célia Pardi: Marta, mas você não acha que as revistas estão atendendo um pouco melhor a esse tipo de assunto?

Marta Suplicy: Olha, que bom Célia, você agora como editora da Cláudia..., tem uma coisa muito séria que eu acho que está acontecendo com as revistas e a Claudia foi um dos veículos nisso.

Célia Pardi: Sem dúvida é importantíssimo.

Marta Suplicy: É que precisa ter essa consciência que é a oficialização da dupla jornada de trabalho que está ocorrendo através das revistas femininas, o que vem a ser isso? Vem a ser que se abre uma revista feminina e tem aquela mulher linda, maravilhosa, amante amantíssima, mãe extremosa, a casa dela é perfeita, ela é uma profissional competentíssima e aí você, fracassada, lê a revista e você fala: mas aonde estou eu? Eu não consigo fazer nada disso, sabe? Se eu estou fazendo um negócio, a casa está de perna para o ar, não sei o quê está estropiado, o marido está reclamando, nada, onde está essa maravilha? Agora, a revista fazendo isso é um desserviço extraordinário, porque ao mesmo tempo não deve ser tanto de maldade, deve ser no sentido de mostrar: “Olha, nós podemos chegar lá”. Não podemos chegar lá porque isso é mentira, isso é mulher biônica, que não existe. Quando você põe em uma revista que existe uma mulher que faz isso, a coitada da leitora que lê aquilo, o que é que ela faz? Ela lê aquilo e fala isso: “Ah!” - ela individualiza -  “Eu não sou assim, que vergonha, todas as outras são”. Então, em vez de lutar por creche, lutar para o marido dela dividir o trabalho no lar, lutar por essas coisas que realmente poderiam possibilitar uma vida melhor para ela, ela fica envergonhada, se sente uma rejeitada, uma abandonada, uma coitada. E fica dentro de um núcleo no quarto dela chorando e triste, e aí você dessocializa, acaba todo o trabalho da...

Célia Pardi: [interrompendo] Não, sem dúvida, é uma série de coisas que você está falando..., mas quando eu fiz a pergunta era em relação ao assunto sexo.

Marta Suplicy: Mas você acha que mulher biônica não passa pelo sexo?, tudo passa pelo sexo. Uma das grandes questões, aliás... a grande ênfase desse livro, que eu coloco, é na mudança dos papeis sexuais. Porque se não mudar o papel sexual, acaba em torta, não adianta, você vira a torta e esse livro vai ser usado para a torta se a gente não abrir o olho. Tanto é que tem um capitulozinho que se chama assim: nós mulheres... mulher não, garotas não nascem com tendência para lavar prato e nem rapazes com inclinação para sustentar mulheres, tem que partir desse tipo de discussão. Agora, isso é tão impregnado, Célia.

Célia Pardi: Eu sei.

Marta Suplicy: Que quando eu fui fazer esse livro tinha uma foto que eu pedia para ilustrar essa parte de que está mudando o papel sexual, que eu pedi um rapaz fazendo um papel sexual diferente, lavando louça, passando aspirador, sabe como veio a foto? Isso depois de explicar para uma agência - que todo mundo entendeu e era gente de gabarito - veio um rapaz segurando uma pilha de pratos, os pratos caindo e ele pondo a mão de desespero na cabeça, era a mudança de papel.

Sônia Racy: Mas isso é a mudança de papel sexual ou é mudança de papel, sei lá, biológico, uma divisão de tarefas? Desde que o mundo é mundo a mulher tem que cozinhar.

Marta Suplicy: Mudança de papel sexual é isso, papel sexual é o papel de um homem de um determinado tipo e o papel de mulher de um determinado tipo; o papel do homem é trazer dinheiro para a casa...

Augusto Nunes: [interrompendo] Um minutinho só, por favor, a Terezinha está querendo falar faz tempo.

Marta Suplicy: ... o papel sexual da mulher era de ficar em casa cuidando do filho, então a mudança de papel sexual é mudar isso.

Sônia Racy: Mudança de papel?

Marta Suplicy: Não, isso se chama papel sexual.

Terezinha Lopes: Marta, uma curiosidade minha, eu queria saber o seguinte. Você recebe vários tipos de abordagem de homens e mulheres nas ruas, sobre o tema que você estuda e persegue há alguns anos, e eu queria saber o seguinte: em relação aos homens, qual é a curiosidade principal deles em relação a esse assunto, qual é a principal abordagem que eles te fazem em relação...?

Marta Suplicy: A sexualidade você diz?

Terezinha Lopes: É.

Marta Suplicy: Olha, muito problema em relação a homossexualidade, eu diria em relação... mais em relação a homossexualidade basicamente, viu? A gravidez mais por parte do final de adolescência, em relação ao prazer da mulher é muito pouco que se pergunta.

Terezinha Lopes: Agora, houve algum tipo de pergunta, alguma vez, que te deixou rubra em relação a qualquer outra, que você não pudesse responder de jeito nenhum?

Marta Suplicy: Rubra, ah, já sim, alguma coisa mais grosseira, sim, acho que sim. Mas já teve muita pergunta também de eu responder errado, de falar besteira e depois...

Terezinha Lopes: [interrompendo] Proposital não, não é?

Marta Suplicy: Imagina se eu falar proposital, também não dá, não é?

Augusto Nunes: Marta, um minutinho. Ricardo, bom, tudo bem, qual foi a sua pergunta?

Ricardo Soares: Olha só, eu ia perguntar se...

Marta Suplicy: Eu posso contar um exemplo, dá tempo?

Augusto Nunes: Claro.

Ricardo Kotscho: Eu queria pedir isso, não é?, porque todo mundo só fala das histórias de sucesso, não é? E todo mundo dá mancada na vida.

Marta Suplicy: Essa foi um vexame absoluto, era uma mulher do Piauí, onde ela me escrevia dizendo que ela tinha 1 metro e 50 e poucos, tinha olhos verdes, era mãe solteira, sabia cozinhar, sabia tomar conta de criança e que ela estava me escrevendo porque ela queria arrumar um marido para eu falar esse anúncio na televisão. Eu estava naquela época de feminismo radical. Eu falei imagina, aonde você está com a cabeça, a mulher tem mais é que profissionalizar, ao invés de  casamento não é profissão e pa pa pa, pa pa pa, pa pa pa, sabe? Enchi a cabeça dela de teoria e achei - eu lembro que eu saí contente - mas falei: algo não soou muito certo... Aí eu lembro que eu recebi um monte de telegramas e telegramas que diziam assim, vários telegramas de pedido de casamento, que me espantou muito, e vários telegramas... ela queria casar, porque ela era muito pobre. O pai dizia que era mais uma boca na família para ele sustentar com a criança e não sei o quê, por isso que ela queria casar. E um telegrama de um homem, dizendo que eu era uma imoral, porque essa moça tão boa queria se casar, que era uma coisa tão bonita e eu estava indo contra o casamento. Não era absolutamente o que eu estava falando, mas era o que ele entendeu; e uma carta de uma senhora que me fez perceber a besteira que eu tinha falado, ela falou: "Marta, você está aonde, hein, no 'sul maravilha'? Esta mulher, no Piauí, nessas condições, se ela sair de casa provavelmente ela vai virar é prostituta, quer dizer, talvez o primeiro passo que ela esteja dando faz muito sentido, ela quer casar para se safar dessa condição, depois ela vai ver o que ela faz". Aí eu levei a carta, levei todas, falei: "olha, eu acho que eu falei uma besteira, acho que foi isso, isso, isso, e acho que Fulana realmente talvez seja o que se deva fazer agora. Eu não sei também se é certo ou errado, mas eu acho que você tem todo o direito de escolha, eu vou mandar todos esses telegramas que chegaram para você e boa sorte". Bom, um mês depois eu recebo uma cartinha dela: "Estou morando em Salvador, tenho até geladeira, casei com um viúvo, estou tão feliz, cuido de cinco criancinhas". Quem era eu para dizer o quê para essa mulher, não é?

Augusto Nunes: Marta, a Márcia Negromonte, de Higienópolis, observa que nas duas ocasiões em que perguntaram a você sobre sensualidade você respondeu falando de beleza física e pergunta...

Marta Suplicy: Sensualidade ou sexual?

Augusto Nunes: O que é que sensualidade tem a ver com a beleza física? A pergunta dela.

Marta Suplicy: Sensualidade?

Augusto Nunes: É.

Marta Suplicy: Olha, eu acho que não muito, porque tem mulheres que são extremamente sensuais e que não têm beleza física e têm mulheres lindíssimas, que são pastramis [carne bovina congelada servida em fatias finas], não tem nada de sensual. Eu acho que não tem a ver não, viu? E eu acho que tem mulheres que tem as duas coisas. Por exemplo, a Xuxa é bonita e tem sensualidade, tem a Luma de Oliveira, tem sei lá, tem mulheres que têm as duas coisas, tem outras que não têm.

Augusto Nunes: Agora, umas questões que não ficaram, a julgar pelas perguntas que chegam e muito bem esclarecidas, em seguida a gente retoma a roda. A Inês de Souza, de Jacareí, interior de São Paulo, ela diz o seguinte: que ela fala abertamente com os filhos, ela tem dois homens de 14 e 11 anos e uma menina de nove. Sobre sexo, diz que fala tudo. Gostaria de saber se isso é aconselhável ou se há limites. Sônia Andrade, de Taubaté, também no interior, pergunta o que você acha dos pais que tomam banho e dormem junto com os filhos. Essa é a mesma pergunta de Gerson Mariano, de Mogi das Cruzes.

Marta Suplicy: Olha, tudo isso tem que usar o bom senso, gente, eu lembro que também na época da TV mulher, uma vez eu estava falando da importância da nudez, que as crianças fazem a identificação com um sexo, com o outro... e a nudez nisso é importante, como o papai faz xixi, como a mamãe faz xixi, as primeiras perguntas com dois anos e meio vem de observar essa diferença. Um tem pêlo, a criança pergunta: "Você tem pêlo, eu não tenho pêlo, porque é que o papai tem pipi assim, porque é que a mamãe, onde está o da mamãe?" Quer dizer, isso vai identificando e a criança, vai podendo se identificar com o sexo dela. A partir disso eu recebia muitas cartas dizendo: "Agora é que você diz que a nudez é importante para isso eu ando nua na minha casa". Ficou louca, não é? O que eu posso dizer?, andar nua na casa, quer dizer... não é para fazer uma parada de nudez na casa, não é para forçar a barra nenhuma. Se você tem vergonha, você vai ficar sem roupa mas não vai ficar sem roupa numa boa. Você vai por a roupa, vai por aquilo, por a toalha, vai ficar constrangida, a criança capta. A educação sexual se faz muito mais pelo clima do que pela palavra; é isso o que importa, é como você... e qualquer tipo de coisa, uma coisa é o que você fala e a outra é o jeito que você fala; o que se capta é o jeito, não é o que você fala.  Então esse negócio de nudez tem que ser feito com bom senso, não é para fazer parada.

Ricardo Kotscho: Eu queria... só para não perder que é um assunto que passou aí, você falou de mudanças de papéis, que está no teu livro, o negócio dos pratos e tal, do homem e da mulher. Sabe que me contaram uma história no Colégio Santa Cruz, na festa dos esportes, que eu fiquei surpreso. Eu queria saber se é verdade, como é que você explica isso. É que as meninas lá jogam futebol, e você tem...

Marta Suplicy: O que, aliás, eu acho a maior besteira.

Ricardo Kotscho: Pois é, é sobre isso. Deixa só eu completar a pergunta, é exatamente isso, eu fiquei surpreso, porque eu achei que você como feminista tudo fosse a favor, porque a minha filha joga futebol, é boa goleira.

Marta Suplicy: É boa goleira?

Ricardo Kotscho: Boa goleira. Eu queria saber, a pergunta é o seguinte, eu até preparo aqui, se for verdade me diz uma coisa: você prefere ver menina jogando bola ou participando de concurso de miss? Porque as feministas parece que estão meio divididas sobre esse assunto.

Marta Suplicy: Nem uma coisa nem outra Ricardo, o que é isso?

Ricardo Kotscho: Por quê?

Marta Suplicy: Porque olha, uma vez eu fui a um colégio de um filho meu e a diretora me contou radiante que agora as meninas jogavam futebol na hora do recreio, tinha quadra de futebol. Eu falei: "mas isso é totalmente absurdo". Porque talvez não gostem de jogar futebol, eu nunca gostei de jogar futebol.

Ricardo Kotscho: Não, espere aí, é diferente, não obrigam.

Marta Suplicy: Eu acho que tem que ter a liberdade de...

Ricardo Kotscho: Joga quem quer.

Marta Suplicy: Mas tem que ter a liberdade de fazer outra atividade que quiserem, porque antes era proibido jogar futebol na escola, se você quisesse e fosse uma mulher. Hoje parece que tem escolas que a aula é obrigatória, hoje é o dia do futebol. No Santa Cruz talvez não seja assim.

Ricardo Kotscho: Não, joga quem quer.

Marta Suplicy: Tem outras que eram... então é assim, hoje é o dia do futebol, não temos discriminação, as meninas jogam futebol. E ninguém quer jogar futebol! Então, eu acho que tem que ter uma liberdade; e com jogos que são mais propícios ao sexo, mas como opção de ser feminino. Agora, não por obrigação, é sempre uma questão de opção. Talvez até tenha que ter uma forçação de barra no começo, em determinado tipo de coisa, porque vai ter menino que não vai querer fazer bordado, porque vai ser chamado de bicha; e menina que não vai querer fazer um esporte de futebol, porque pode ser atacada de machona.

Ricardo Kotscho: Mas por que você é contra pessoalmente a menina jogar futebol? Não entendi isso.

Marta Suplicy: Não é que eu sou contra, eu sou contra os colégios que fazem isso como obrigação, achando que estão fazendo uma igualdade, porque não é por aí.

José Carlos Bardawil: Marta, deixa eu falar, já que o namoro está voltando, o sexo está...

Ricardo Kotscho: [interrompendo] Ele é até nostálgico.

[risos]

Marta Suplicy: Ele é todo menino.

José Carlos Bardawil: A senhora acha que a virgindade tem alguma chance de voltar também?

Marta Suplicy: Nenhuma.

José Carlos Bardawil: Nenhuma?

Marta Suplicy: Nenhuma, já era...

José Carlos Bardawil: Por que não?

Marta Suplicy: Porque eu acho que foi uma conquista das mulheres, no sentido de não serem mais objeto. Quer dizer, ninguém hoje... quer dizer, ninguém... eu acho que ainda tem muita gente que é, é um mito achar que a virgindade caiu, não caiu. Eu acho que ela está em um processo de implantação [na verdade ela quer dizer de abandono] que não tem volta. Agora, tem muita gente que ainda aprecia e acha que tem uma coisa de importante.

Célia Pardi: Mas você não acredita que as adolescentes hoje elas pensam... na nossa época não ser virgem era uma coisa, tinha uma certa pressão... Hoje a menina tem mais possibilidade de escolher?

Marta Suplicy: Eu acho.

Célia Pardi: A hora que ela quer de ser virgem? Eu acho que...

Marta Suplicy: Eu acho, é a história do movimento - não é, Célia? - porque era uma época que você tinha que ser virgem, depois ficou uma época tão repressora quanto.

Célia Pardi: Exato, exato.

Marta Suplicy: Que você não tinha escolha. Você não podia ser virgem, a coitada [mulher] nos anos 1970.

Célia Pardi: É verdade.

Marta Suplicy: Se fosse virgem na USP, estava marginalizada.

Célia Pardi: É verdade.

Marta Suplicy: E hoje eu acho que tem uma possibilidade de opção: eu quero ser, não quero ser.

Célia Pardi: Eu quero ser, hoje isso é bem mais...

Marta Suplicy: Aonde, quando, como. Eu escolho, não é? Eu acho que é isso.

Célia Pardi: Eu acho isso um crescimento.

Marta Suplicy: Isso é o crescimento.

José Carlos Bardawil: Mas então está voltando?

Marta Suplicy: Voltando o quê?

José Carlos Bardawil: Então desmentiu o que você falou agora.

Célia Pardi: Não, a virgindade que era um tabu.

Marta Suplicy: Absolutamente, o que eu estou dizendo é que não é mais obrigação, é uma escolha.

Célia Pardi: É uma escolha.

Marta Suplicy: Quando, onde, como e com quem. Sendo que teve uma época onde era obrigado a ser, depois teve uma época que era obrigado a não ser.

José Carlos Bardawil: A não ser.

Marta Suplicy: Hoje você escolhe, é a grande evolução. A possibilidade de escolha e de não ser mal falada. Se resolver ter, e de não ser mal falada se resolver não ter. É uma escolha minha.

Ricardo Soares: Você estava falando de revista, eu vou lhe perguntar uma coisa. Estavam falando da Cláudia, da Nova, a gente está com o diretor de redação da Playboy que é o Carlos Costa. Eu quero saber qual é a tua avaliação sobre revistas do tipo da Playboy?

Marta Suplicy: Eu acho que se elas existem, são revistas que tem público. E que é um público que eu não acho menor mal que ele seja saciado no seu desejo desse tipo de revista.

Moacyr Japiassu: Dona Marta, deixa eu te fazer uma pergunta bem jornalística. A minha revista, a revista Elle, tem inúmeros...

Marta Suplicy: Não deixa barato, não deixa barato, já [que se] falou de uma [revista...].

Moacyr Japiassu: A pergunta procede, é que a revista é uma revista feminina muito lida por homens, isso no mundo inteiro. A Editora Abril também tem uma revista, que é a revista Nova, que fez uma pesquisa há pouco tempo e, para a surpresa inclusive de toda a redação, os homens devoravam a revista. E isso mostra que os homens estão muito preocupados com o que vai na cabeça das mulheres hoje?

Marta Suplicy: Eu acho que sim.

Moacyr Japiassu: Isso é muito bom, a senhora concorda?

Marta Suplicy: Acho muito bom, muito importante, eu acho que os homens estão assustados, eles estão estupefatos. Não é essa a palavra?

Moacyr Japiassu: Estupefato.

Marta Suplicy: Sem saber o que fazer com essa mulher. E acho que qualquer mudança que vá ocorrer na relação homem-mulher - pelo menos tem sido assim na história até agora - só ocorre por força da pressão da mulher. Quer dizer, na hora que a mulher pressiona ocorre a mudança. Isso se você for pensar... aí pode ser uma coisa até meio pesada o que eu vou dizer, mas eu não consigo dizer de um jeito mais bonito. Mas em uma relação, a metáfora é meio grosseira, mas em uma relação de patrão e empregado em uma fábrica, eu nunca ouvi dizer de o patrão chegar e falar: “Olha vocês estão produzindo tão bem meus operários que hoje vocês vão ter 20% de aumento”. Não existe isso. Como não existe na relação da dona de casa com a doméstica, de ela chegar e falar: “Olha eu estou adorando o teu trabalho, você vai ser aumentada 15%”. Agora, em uma época de inflação até isso pode ocorrer, mas eu estou dizendo [que] sem inflação não ocorre isso, a não ser que a vizinha queira roubar a empregada dela. Então eu acho que, em uma relação homem mulher onde o homem é servido pela mulher, onde tem muitas regalias e muito privilégio nessa sociedade patriarcal, não vai ocorrer o dia que espontaneamente o maridinho vai chegar em casa e vai dizer: “Olha, querida, de hoje em diante o supermercado sou eu que faço, de hoje em diante eu arrumarei todas as camas, de hoje em diante você não se preocupe que eu levanto cedo para cuidar do bebê para você dormir um pouco mais”. Não existe isso, existe na hora em que você fala: “Eu não agüento mais, tem que fazer, tem que mudar, eu não faço”. Aí ocorrem as separações, os desquites e a pancadaria, este aumento de violência. No começo quando me diziam: "Ah, isso é fruto do feminismo" E eu dizia: "não, não, nós não temos nada com isso" Hoje eu digo não, temos, temos tudo a ver com isso, porque a mulher parou de agüentar desaforo. Ela diz não e apanha, não sei até quando, mas está apanhando.

Moacyr Japiassu: E o homem lê as revistas femininas exatamente para que esse caminho seja mais próximo?

Marta Suplicy: Para entender um pouco o que se passa, ele está perdido realmente, eu acho que ele quer se informar.

Sônia Racy: Marta, você não acha que, vamos dizer, é um problema ficar falando sobre a problemática do sexo? No dia em que o sexo não for mais problema ninguém mais vai falar sobre ele, vai ser uma coisa natural?

Marta Suplicy: Acho uma maravilha, é o que eu mais quero.

Augusto Nunes: Marta, desculpe, Marta antes da tua resposta...

Marta Suplicy: É ativar esse programa de educação sexual na escola, para desativar daqui há alguns anos, quando não precisar mais.

Sônia Racy: Vai ser uma coisa natural, não tem mais...

Marta Suplicy: Exatamente.

Augusto Nunes: Antes que você responda à Sônia, eu queria incorporar aqui um pedido de esclarecimento do Salomão Rabinovitch, do Jardim Paulista, que diz que é psicanalista e seu amigo. Ele pede que você faça o seguinte esclarecimento: segundo ele, não existem sexólogos no Brasil, existem apenas psicólogos que tem formação para lidar com problemas da sexualidade. "Muitas pessoas chegam ao meu consultório", diz ele, "tendo passado por pessoas que se auto denominam sexólogos, mas na verdade não existe ainda formação para sexólogos no Brasil". É isso?

Marta Suplicy: É isso, a não ser que a Gilda possa me colocar alguma outra coisa, porque a Gilda que está aqui é uma das grandes sexólogas da Bahia. E das poucas pessoas que têm uma formação realmente que pode se dar o nome de sexóloga, das poucas. Aliás, talvez seja a única que eu conheça aqui no Brasil que possa se chamar de sexóloga mesmo, não é?

Ricardo Soares: A grosso modo, tem muita picaretagem nessa área no Brasil, Marta?

Marta Suplicy: Muita, muita, principalmente nas operações...

Augusto Nunes: Sônia, respondeu à tua pergunta? Porque eu acabei interrompendo.

Sônia Racy: Eu acho o seguinte: que, enfim, aí vai acabar a profissão de sexóloga, os livros não vão ser mais lidos, vai ser uma coisa natural que você... mas então porque todo esse movimento, eu acho que nenhum...

Marta Suplicy: Viu, Sônia, nem que... olha, se eu tivesse, chegasse em um grande programador de computação e dissesse assim: "me faça um programa para criar pessoas com disfunção sexual, inibições, atrapalhações, culpa e angústia referente ao sexo". Ele não me arrumaria um programa melhor do que o que nós temos hoje nas casas e nas escolas, em tudo quanto é canto.

Sônia Racy: Você acha que isso vai ser resolvido algum dia? O que é que você sente?

Marta Suplicy: Ah, eu tenho esperança [de] que com o desenvolvimento da humanidade mental, porque isso [caso] a gente chegue lá. Porque quando eu penso... mas não sei,  eu acho que sim, eu acho que chegaremos... Eu acho que tem uma evolução hoje do que há cem anos atrás. Se a gente for ver como é que era e como é que é, eu acho que a gente está melhor.

Ricardo Soares: Marta, quem são os seus teóricos? Desculpe, Sônia...

Sônia Racy: Ah, tudo bem...

Ricardo Soares: Quem são os seus teóricos de cabeceira? Quem são as pessoas que você lê para...

Marta Suplicy: Ah, deixa eu falar dos meus livros de cabeceira que não têm nada de sexo? É a Lya Luft, a Adélia Prado... Aliás, a Adélia Prado, a coisa que eu estou mais amando é o novo livro dela. Para chegar nas livrarias eu fui a três livrarias e não chegou a tal de Faca no peito. E é a glória aquela mulher, em termos de sexo, em termos de poesia.

Sônia Racy: Você também está se interessando um pouco sobre esse assunto?

Marta Suplicy: Mas [faz] um tempão, para fazer esse livro foi o maior sacrifício. Eu não tenho tanto interesse nessa área mais...

Ricardo Kotscho: Marta, vem cá, e se o Carlos Costa, diretor da Playboy, nosso amigo aqui ao lado, te convidasse para posar para a Playboy, o que você responderia para ele?

Augusto Nunes: Essa é a pergunta de alguns telespectadores...

Ricardo Kotscho: O que é que você diria para ele?

Marta Suplicy: Não. Que idéia!

Sônia Racy: Não, por quê?

Marta Suplicy: Não iria nem... isso.

Augusto Nunes: Por quê? Sônia.

Sônia Racy: É, por quê?

Marta Suplicy: Olha, primeiro porque eu sou contra, pessoalmente.

Sônia Racy: Você acha que é um coisa machista?

Marta Suplicy: Eu acho, eu acho. Acho que, por mais que as que possam, tentem dizer que é uma coisa artística... eu concebo o nu, por exemplo, em uma peça, em um filme, dentro de um contexto desse tipo. Mas em uma revista eu não concebo.

Ricardo Soares: Por que a diferença, Marta, já que o sujeito está pagando para comprar uma revista para...

Sônia Racy: Vende sexo escrito e vende sexo em fotos.

Marta Suplicy: Não.

Ricardo Soares: Por que você estabelece essa diferença?

Marta Suplicy: Porque eu acho que, no contexto de um filme, a nudez as vezes tem que estar ali, é implícita, tem que estar. Não tem o que fazer e é bonito e tudo. E em uma revista eu acho que passa por outros caminhos.

Sônia Racy: Mas teu livro vende porque é sobre sexo. A revista dele vende porque também tem sexo?

Marta Suplicy: É verdade.

Sônia Racy: Então, como?

Marta Suplicy: Uma tem uma finalidade, a outra tem outra, não é?

Sônia Racy: Não, enfim, no filme vende também, porque...

Marta Suplicy: Depende, eu acho que é feito com finalidades diferentes.

Augusto Nunes: Marta, o Eduardo passa um recado, pedindo para lembrar que, sobre crianças e adolescentes pobres, você teria esquecido de mencionar a sua primeira longa conversa que teve antes de fazer o livro.

Marta Suplicy: É verdade.

Augusto Nunes: Foi com o filhos e filhas de pescadores de Picinguaba, no litoral [paulista]. Como é que foi essa conversa?

Marta Suplicy: É verdade, eu tinha esquecido, boa lembrança... [olhando para Eduardo Suplicy] Olha, foi quando eu estava tomando o pé para escrever o livro. E, aliás, no livro eu coloco que foi uma coisa que eu achava que ia ser fácil e foi difícil. Aí o meu próprio filho, de 14 anos, o João, falou: "Mãe, você vai por isso no livro, não foi verdade?, você ficou quatro meses azucrinando todo mundo aqui em casa porque você não sabia como escrever esse livro" Aí eu lembrei como é fácil a gente esquecer o que a gente quer esquecer. Os primeiros quatro meses que eu aceitei escrever eu fiquei desesperada... porque eu não sabia por onde começar e eu lembro que eu tive essa conversa com os filhos de pescador. Foi muito interessante. Depois, também, comparando as perguntas deles com o pessoal da zona urbana, eram muito parecidas. [As crianças] Tinham na faixa de nove anos, a pergunta básica era o que é sexo. O que me chamou muito a atenção foi porque que eles querem saber do que é sexo com nove anos. E até eu perceber que o que eles querem saber é como é a mecânica do sexo... eles sabem que existe sexo, agora, como é que funciona mesmo aquilo ninguém explicou. Eles queriam saber isso. E tinha muito um pouco a história do Fantástico da vida, muita pergunta de aids, medo de aids, coisa de menstruação: "Será que os meninos vão perceber que eu estou menstruada?". Isso ainda existe, é um grande tabu, um grande medo. E as perguntas eram muito semelhantes da zona urbana, que foi [algo] muito interessante de eu perceber.

Sônia Racy: Marta, você acha que debater sexo ainda dá tesão em alguém?

Marta Suplicy: De jeito nenhum, nunca deu!  Debater é o jeito de esvaziar, você não tem tesão algum de sexo debatendo sexo.

Sônia Racy: Essa conversa rola sobre o problema e...

Marta Suplicy: Esvazia tudo, tudo, tudo, acaba qualquer possibilidade. Por isso que eu disse que o meu programa não era erótico. Você fica lá explicando, é assim, é assado, é assado, é assim. Não tem como erotizar nada que fica explicando tanto. O programa da Xuxa, toda engraçadinha, aquilo erotiza. Porque inclusive passa pelo inconsciente, ninguém de 10 anos está consciente que está erotizado, passa direto, não é?

José Carlos Bardawil: Marta, por favor. Pelo que a senhora colocou em outras perguntas aqui, em respostas, a senhora dá muita importância à divisão de responsabilidades entre o homem e a mulher.

Marta Suplicy: Sim.

José Carlos Bardawil: Eu lhe perguntaria então se essa divisão da responsabilidade - que parece que é um grande objetivo que a senhora acha que tem que ser atingido no casal, em um relacionamento entre duas pessoas de sexo diferentes - se ela depende da igualdade econômica entre o homem e a mulher.

Marta Suplicy: Olha...

José Carlos Bardawil: Ou não?

Marta Suplicy: Sim e não, não né? Porque se você..., depende, se o homem trabalha fora e a mulher trabalha dentro, fica meio absurdo a mulher querer que ele divida o serviço doméstico no qual já foi estabelecido uma divisão. Aí tem que ter mais um respeito pelo trabalho e não ser um mais valorizado que o outro. Agora, se os dois trabalham fora isso muda totalmente de figura, não é? Por exemplo, quem vai levar uma criança ao dentista é o pai, ou é a mãe, se os dois trabalham fora? Se a mãe trabalha em casa, geralmente fica com a mãe no sentido de que ela não tem horário de trabalho, de bater ponto. Nada mais fácil e faz parte dos encargos dela de divisão de trabalho.

Sônia Racy: Podemos mudar a vida do dentista, não é, dentista a domicílio?

Marta Suplicy: É, aí tirava o problema.

Ricardo Soares: Marta, como todo mundo conhece o teu perfil como conselheira sexual, como sexóloga, porque você não gosta, o que eu quero...

Marta Suplicy: Não conselheira, conselheira é de mais...

Ricardo Soares: O seguinte, para emendar com uma outra pergunta: como é que funciona a Marta Suplicy como conselheira política do Eduardo Matarazzo Suplicy?

Marta Suplicy: Devia perguntar para ele como é que é não é, como é que vai...

Ricardo Soares: Eu queria saber de você, como é que você...

José Carlos Bardawil: Eu acrescentaria.

Marta Suplicy: Eu palpito bastante.

José Carlos Bardawil: Uma outra pergunta ligada a essa, que eu estava com vontade de fazer há muito tempo. Quer dizer, a sua carreira de sexóloga - ou como prefere ser chamada, de psicóloga que responde também sobre o assunto de sexo - ela prejudica o Eduardo como político ou vice versa? Ou a carreira dele prejudica a sua?

Marta Suplicy: Não, isso no relacionamento sempre foi vivido como um acréscimo: a dele a minha e a minha a dele. Isso são coisas muito conversadas no sentido... eu acho que eu me enriqueci muito com a experiência que ele me trouxe para dentro de casa, sabe? Eu teria ficado muito assim [coloca as mãos em forma de tapadeiras laterais, como alguém de visão estreita] se eu ficasse só em um consultório de psicanálise ouvindo meia dúzia de pacientes. Eu acho que ir para a televisão também me ampliou muito o mundo, mas já tinha sido bastante ampliado pela atividade política do Eduardo. Eu acho que me acrescentou enormemente, enormemente.

Augusto Nunes: Terezinha, um minutinho.

Marta Suplicy: Eu acho que para ele também, eu acho que, por exemplo, as posições em relação à mulher, em relação... posições em relação à política e principalmente à mulher eu acho que a minha contribuição foi bastante grande.

Terezinha Lopes: Marta, Marta.

Augusto Nunes: Terezinha, é a ultima pergunta.

Sônia Racy: Quem leva as crianças ao dentista?

Marta Suplicy: No momento é o motorista. Olha aí, Célia, tem duas coisas, uma...

Sônia Racy: Como é o...

Marta Suplicy: O Eduardo sempre foi muito mais disposto a dividir...

Sônia Racy: [interrompendo] Ele tem isso com você...

Marta Suplicy: ... do que eu era disposta no sentido do meu machismo. Porque a mulher também pode ser muito machista.

Sônia Racy: Sim, e como!

Marta Suplicy: E eu acho que eu fui muito machista muito tempo, no sentido de lidar muito mal com isso, dele dizer: "Não, eu levo". Aí eu falo: "Imagina você levar, de jeito nenhum, de jeito nenhum". E aí acabava levando. E depois eu falo: "mas por que é que ele não pode levar?"

Augusto Nunes: Marta, a Terezinha vai fazer a última pergunta do programa.

Terezinha Lopes: Você falou aqui da paciência do Eduardo com você. Mas como a família... como você encara o despreendimento do Eduardo Suplicy? Voltar à política, quer dizer, de que maneira você está preparada para participar de mais uma campanha política. Como é que você está vendo a sucessão municipal? [Após ter sido candidato derrotado à prefeitura de São Paulo em 1985, Eduardo Suplicy foi eleito o vereador mais votado da cidade nas eleições de 1988].

Marta Suplicy: Bom, depois de todas as propagandas de Elle, Playboy, meu livro, vou fazer a campanha de vereador do meu marido também, é o mínimo que eu posso fazer nesse programa. Olha, essa campanha...

Ricardo Kotscho: Marta, só uma pergunta. Você acha que esse país tem jeito, além da campanha do Eduardo?

Marta Suplicy: Eu estou desanimada disso.

Augusto Nunes: Marta, para concluir.

Marta Suplicy: Eu acho que nessa campanha do Eduardo eu estou participando um pouco menos, no sentido em que eu estou muito envolvida no meu projeto pessoal. E eu acho que a campanha de vereador dele é uma campanha que ele está levando muito bem, com o nome a julgar que ele tem, com as idéias dele e tudo, não é? Agora eu acho que na campanha... O que é que é do Brasil, o que é que eu acho do Brasil?

Ricardo Kotscho: Se o país tem jeito?

Marta Suplicy: Eu adoraria dizer que eu acho que tem, mas eu vou ser honesta. Eu acho que eu só vou acreditar... para poder analisar se vai ter ou não vai ter jeito primeira coisa é ter a eleição para presidente da República, e aí a gente começa a ver o que vai acontecer, porque até então está [uma] zorra total. [Em 1988, vivia-se a expectativa para as primeiras eleições diretas para presidente da República após a ditadura militar. O então presidente José Sarney conseguiu alongar em mais um ano sua permanência na Presidência]

Augusto Nunes: Marta, nós temos que encerrar aqui o nosso Roda Viva, muito obrigado a Marta Suplicy pela sua presença aqui no programa e pelas respostas que ela nos deu. Muito obrigado aos entrevistadores. E eu agradeço também aos telespectadores que encaminharam as suas perguntas, evidentemente a maioria delas não pode ser transmitida a Marta no ar, mas ela receberá cópias de todas as perguntas.

Marta Suplicy: Para o próximo livro.

Augusto Nunes: Para o próximo livro. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira às 9h25, boa noite.

 

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