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Memória Roda Viva

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Nelson Jobim

18/4/1994

O deputado federal do PMDB pelo Rio Grande do Sul, responsável pela revisão constitucional, fala dos desafios de tal tarefa e critica a oposição ao governo FHC

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[programa ao vivo]

Roseli Tardeli: Boa noite. Iniciada em 6 de outubro do ano passado, a revisão constitucional patinou, patinou e vive nessa semana seu momento crucial; das 17 mil emendas apresentadas, apenas 15 foram votadas em primeiro turno e quatro foram aprovadas em dois turnos. Na próxima quarta-feira, os líderes dos partidos que defendem a revisão vão definir se antecipam ou não o encerramento dos trabalhos. Esses parlamentares tentarão, mais uma vez, um acordo com os representantes dos partidos que são contrários à revisão.  O problema é que cada partido tem posição fechada sobre os assuntos que devem ser votados e por isso não se estabeleceu uma agenda mínima. Já em clima de Copa do Mundo, o ministro da Fazenda Rubens Ricupero [ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco (1992-1994). Considerado uma dos fundadores do plano Real] declarou não ser possível virar o jogo por goleada. Segundo o ministro, estamos há vinte minutos do término, mas ainda dá para tentar virar o jogo. Ele já disse também que se a revisão não acontecer o futuro governo terá dificuldades administrativas e financeiras. No centro do Roda Viva desta noite está o deputado federal pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] do Rio Grande do Sul, Nelson Jobim,  relator da revisão constitucional. Gaúcho de Santa Maria, bacharel em direito e com mestrado em filosofia analítica e lógica matemática, Nelson Jobim, que foi líder de sua bancada na Assembléia Nacional Constituinte, exerce seu segundo mandato. Além de jazz, o deputado aprecia as poesias de Carlos Drumond de Andrade [(1902 - 1987) um dos maiores poetas brasileiro. Autor de Alguma poesia (1930); Sentimento do mundo (1940) entre outros] e também de Fernando Pessoa [(1888 - 1935), um dos maiores poeta da língua portuguesa. Criador de vários heterônimos, os mais conhecidos foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro]. Considerado um dos juristas mais respeitados do Congresso, o relator Nelson Jobim recebeu várias críticas pela forma como comandou os trabalhos da revisão. O presidente da Câmara, o deputado Inocêncio Oliveira [Foi presidente da Câmara dos Deputados entre 1993 e 1995. Eleito deputado federal por Pernambuco], o classificou de autoritário e o deputado José Genoino chegou a dizer que Jobim fez tudo por conta própria. Para entrevistar o deputado Nelson Jobim convidamos os seguintes jornalistas: Fernando Mitre, diretor executivo do Jornal da Tarde, Pamela Nunes, repórter do jornal O Estado de S. Paulo, José Roberto de Toledo, editor da coluna “Painel” da Folha de S.Paulo, Luciano Suassuna, repórter da revista Isto É, Dora Kramer, chefe de reportagem do Jornal do Brasil em Brasília, Fábio Pannunzio, repórter da TV Bandeirantes e Tonico Ferreira, repórter do TJ Brasil, do Sistema Brasileiro de Televisão. Deputado, boa noite. Por que a revisão constitucional não deu certo ou não está dando certo?

Nelson Jobim: Bem, eu precisava... como é seu nome?

Roseli Tardeli: Roseli.

Nelson Jobim: Observe, Roseli, que faltou na revisão constitucional um eixo. Ou seja, você não ter partidos nacionais que não tenham um programa nacional e que possam conduzir uma mudança do desenho do Estado brasileiro, que é o grande problema da Constituição brasileira. No que diz respeito às garantias individuais, definição da cidadania, a Constituição brasileira é rica, inclusive no sentido de não ter condições da sua vigência imediata, considerando a situação do país. No entanto, em relação ao desenho do Estado brasileiro, do sistema tributário, previdência, o modelo do Estado brasileiro e as relações com a economia etc, há grandes equívocos. E, para se alterar isso, você precisava ter um partido - ou partidos - que tivessem eixo nacional. Estar em um modelo, do meu ponto de vista, o modelo final do modelo partidário, que foi criado pelos militares e eu creio que a eleição de 1994 é radical nesse modelo partidário, nós não encontramos condições de ter nos parlamentares da Câmara um grande guarda-chuva que pudesse segurar a votação das matérias. O que significa isso? Significa o seguinte: determinadas matérias, principalmente àquelas impopulares, o parlamentar só se expõe e vota se tiver uma decisão partidária que lhe assegure consistência. Caso contrário, individualmente, ele não enfrenta, principalmente em ano eleitoral. Então, com isso, você não encontrou um eixo dentro do Congresso e, portanto, acabavam os parlamentares de se furtarem a votar a matéria na revisão. É bom deixar claro que a falta de quórum não é em decorrência da desídia ou da vagabundagem, a falta de quórum é exatamente em decorrência disso. Porque, observe bem, nos momentos de cassação, por exemplo, nas sessões de cassação, você tinha quórum absoluto, na hora de votar a revisão você não tinha mais quórum.

Roseli Tardeli: O senhor quer dizer com isso que os partidos contrários à revisão constitucional tiveram mais eixo, porque conseguiram aglutinar e fazer obstruções?

Nelson Jobim: Não, não absolutamente. Os partidos contrários à revisão constitucional também são contrários à revisão constitucional por questões partidárias. Ou seja, não é por questão de heroísmo e nem de grandes nacionalismos, nem de grande espírito público, não é nada disso. Vamos analisar durante o programa o nosso ponto de vista em relação a isso, mas eles tinham  sessenta votos, eu tinha oitenta votos. Eles aproveitaram um determinado momento ou aproveitaram durante tudo isso, essa circunstância de você não ter os partidos nacionais - PMDB, PFL  [Partido da Frente Liberal. De origem conservadora, foi criado após o fim do regime militar para abrigar ex-membros da Arena que se aliaram ao que se tornaria o primeiro governo civil. Em 2007 tornou-se o Democratas] sem eixo. O PMDB era uma situação terminal. O PMDB, hoje, eu poderia te dizer que é uma grande confederação de partidos regionais em situação terminal; o PFL com dificuldades imensas no que diz respeito às suas composições. Se você somar isso às alianças regionais, no que diz respeito às eleições que vão se realizar, agora, nesse ano, você vai verificar que era inviável os líderes partidários que estavam comprometidos com a revisão. Embora uns formalmente, outros substancialmente, eles produzissem um eixo dentro do processo revisional e foi isso que deteriorou a revisão constitucional.

Roseli Tardeli: Pois não.

Fernando Mitre: O sistema partidário, na verdade, continua e daqui a cinco anos, quando chegar a hora de voltar à revisão [constitucional] - se o seu projeto for apresentado mesmo e aprovado - esse sistema partidário estará de novo ainda não reformado, criando todos esses problemas, menos a circunstância eleitoral, que foram criadas...

Nelson Jobim: ...Foi um grande momento, foi um momento muito difícil porque, veja bem, não é só o sistema partidário, você tem problema com sistemas eleitorais.

Fernando Mitre: Também ligados, não é? Quer dizer, sem a fidelidade partidária... Quer dizer, negociar com quem lá dentro do Congresso? O ministro [da Fazenda] Mailson [da Nóbrega], quando saiu do governo, saiu meio traumatizado. Ele dizia o seguinte: “o Congresso tem quinhentos e tantos partidos, cada parlamentar é um partido, não há como negociar”.

Nelson Jobim: Mas você tem 19 legendas formais e tem, digamos,  quarenta legendas informais. Ou seja, basta ver, por exemplo, te dou o exemplo do PMDB. O PMDB é uma legenda, mas você acha que o PMDB com uma legenda com seus cem deputados corresponde a uma legenda só? Evidentemente que não.

Fernando Mitre: Você tem grupos corporativos.

Nelson Jobim: Lógico, então, você tem grupos corporativos. Você tem grupos regionais, e você tem um dado importante também, um dado absolutamente importante: o Congresso Nacional não é uma Assembléia Nacional, o Congresso Nacional é a Assembléia dos estados brasileiros. Ou seja, a eleição não se produz através da perspectiva nacional, a eleição se produz...

Fernando Mitre: ...Ela tem raízes históricas...

Nelson Jobim: ...Através das alianças regionais.

Fernando Mitre: Isso tem raízes históricas profundas. Quer dizer, é um problema enfrentar isso e mudar isso também.

Nelson Jobim: Lógico, isso vem desde 91, desde 1991.

Roseli Tardeli: Deixa eu passar...

Luciano Suassuna: Eu só queria identificar...

Roseli Tardeli: Pois não.

Luciano Suassuna: ...Melhor o responsável por essa, por esse fracasso dessa revisão. Porque o senhor disse que é o sistema partidário, mas há cinco ou há sete anos, quando começou a ser feita a Constituição de 1988, a gente tinha um quadro partidário tão caótico quanto o de hoje ou talvez um pouco maior, e o país era muito parecido com o país que se tem hoje. Por que o senhor acha que os partidos são culpados, agora, pelo fracasso se a Constituição...

Nelson Jobim: [interrompendo] Veja bem, eu não concordo...

Luciano Suassuna: ...se eles eram tão ruins em 1988?

Nelson Jobim: Eu não concordo com isso, Luciano. Você diz que em 1988, no que diz respeito aos partidos, é a mesma coisa de 1993 e não é. Porque lá você não estava terminando, lá você estava começando porque era, veja bem, foi exatamente em 1986 a primeira grande eleição depois do processo da sucessão de Tancredo Neves [(1910-1985) político mineiro membro, figura proeminente do PMDB. Eleito presidente nas últimas eleições indiretas no Brasil, em 1984, faleceu dias antes da posse, em 21 de abril daquele ano, em decorrência de infecção hospitalar], então veja bem...

Luciano Suassuna: Mas o PMDB era tão frente quanto é hoje...

[interrompido]

Nelson Jobim: Pois é, mas ele tinha mais consistência, você [não] tinha eixos no PMDB naquela época, você tinha líder, tinha um personagem. No caso era o Ulysses Guimarães, que te dava um eixo. Você tinha alguém que podia dar um “cotovelaço” em alguém; podia puxar a orelha de outros, no caso específico do PMDB. Depois de Ulysses, nós tivemos o fenômeno dessa disputa quercista [refere-se à disputa interna entre Orestes Quércia, eleito governador de SP em 1986. Foi um dos fundadores do PMDB, presidente nacional desse partido entre 1991 e 1993] e Roberto Cardoso Alves [(1927- 1996) deputado federal pelo PMDB de São Paulo e ministro da Indústria e Comércio (1988-1990) no governo Sarney. Líder do chamado Centrão, grupo de parlamentares conservadores], por exemplo, em que você estabeleceu uma enorme cizânia dentro do partido, isso se dá na questão terminal. Então, veja bem, em 1988 você tinha uma ligação do Congresso Nacional com as questões das corporações, onde você tinha a saída do processo ditatorial com o quê? Com as organizações da sociedade civil que se, digamos, que apareceram politicamente naquele período, como os grandes interlocutores. Depois, nós acabamos nos dando conta, a partir de 1988 e depois de 1988, que a organização da sociedade civil com a qual nós dialogamos, a grande parte dela nada mais era do que, digamos, reuniões corporativas que pretendiam assegurar seus espaços dentro do Brasil [depois] da eleição de 1988. O quadro em 1988 era diferente. Havia, digamos, uma visão política nacional com uma tentativa de se alcançar alguma coisa. Hoje já não tem mais isso.

[...]: Mas, deputado...

Luciano Suassuna: Mas para o futuro – só para terminar - para o futuro o que o senhor pretende, para o futuro, então? O  quadro também é sombrio? Quer dizer, se o senhor adia a revisão, o senhor... Se o Congresso Nacional adia a revisão para daqui a um ano, quando tiver tomado posse o novo presidente, o novo Congresso tiver tomado posse e o quadro partidário vai estar tão esfacelado quanto está hoje?

Nelson Jobim: O quadro eleitoral. Eu te diria o seguinte, bom, em primeiro lugar...

[interrompido]

Luciano Suassuna: Não vai sair revisão o ano que vem?

Nelson Jobim: Só uma palavra. Nós vamos adiar a revisão porque isso é inviável, juridicamente é inconstitucional qualquer tentativa de mudar [a data] 31 de maio. O que nós estamos propondo é outra coisa e vamos discutir no momento oportuno. Mas nada de adiar a revisão porque isso, a revisão termina no dia 31 de maio ou antes, se o Congresso votar o requerimento de antecipação do seu encerramento. Agora, não tem como transferir a revisão para o ano que vem ou coisa parecida. Ou seja, a hipótese, a oportunidade revisional desaparece.

Luciano Suassuna: Mas uma ampla reforma o ano que vem é inviável?

[interrompido]

Roseli Tardeli: Tonico Ferreira, pois não.

Antônio Carlos Ferreira: Esse quadro que o senhor traçou aí para explicar o fracasso da revisão é um quadro que já era conhecido e já estava desenhado há seis meses. O senhor até acha que estava desenhado antes ainda. Então, por que se insistiu em realizar a revisão quando nitidamente, naquele momento, não havia clima?

Nelson Jobim: Por uma razão...

Antônio Carlos Ferreira: Quando a gente estava aqui, aqui de São Paulo, a gente sempre tem uma visão um pouquinho diferente de Brasília. Eu, aqui em São Paulo, quando ouvi falar que havia contras à revisão...

Nelson Jobim: ...o estado de São Paulo tem uma visão diferente do Brasil.

[interrompido]

Antônio Carlos Ferreira: Eu achei isso meio esquisito, porque...

Nelson Jobim: O estado de São Paulo tem uma visão diferente do Brasil.

Antônio Carlos Ferreira: Está certo. Eu achei meio esquisito. Por que são contra a revisão? Aí, eu fui à Brasília por outro motivo, eu acho que foi para cobrir a Comissão da CPI do Orçamento, dos rombos do orçamento. E aí, eu cheguei lá e no primeiro dia conversei no Congresso e fiquei convencido de que não ia dar certo. Não havia clima, os partidos não estavam interessados. A opinião pública não tinha interesse nos temas que iam ser discutidos, era um ano eleitoral, uma desagregação partidária enorme. E em dois dias de Congresso eu mesmo fiquei convencido, a gente ficava convencido de que não havia clima. E vocês insistiram em fazer. Quer dizer, vocês insistiram em uma batalha previamente derrotada, não foi isso?

Nelson Jobim: Então, vamos ver.

Roseli Tardeli: Nessa linha, só para não perder...

Nelson Jobim [interrompendo]: ...espera um pouquinho aí. Eu tenho que responder isso.

[interrompido]

Roseli Tardeli: Só para não perder o raciocínio do Tonico Ferreira, a gente acabou de receber um fax do senhor Celso Nogueira dos Santos, que pergunta: "Por que tanta pressa na revisão constitucional se o Congresso não conseguiu sequer rever o pacote de abril de 1977 da ditadura? São Paulo continuará sendo representado por setenta deputados e três senadores para 34 milhões de habitantes, contra 89 deputados e 27 Senadores para menos de 12 milhões do Norte e Centro- oeste. Que federação é esta?"

Nelson Jobim: Veja bem, primeiro, está errado o número, não é 77, isso era em 1982. Eram 55 deputados e cinco [senadores], o mínimo de cinco e o máximo de seis. Isto em 1982, junho de 1982, na Emenda 22. Me deixa responder uma coisa. Imagina o seguinte: 1995, revisão constitucional, maioria absoluta, eleições de 1994, o presidente eleito em 1994, seja quem for, não terá maioria no Congresso Nacional. Porque não tem maioria no Congresso Nacional? Por aquilo que eu disse ao Mitre, as eleições não são nacionais, são regionais. Ou seja, os grandes cavalos, os grandes puxadores de voto na eleição para deputado e senador é o candidato a governador local e depende das alianças locais. Então, veja bem, o presidente da República eleito em 1994 não terá a maioria no Congresso Nacional. A maioria do Congresso Nacional normalmente é a maioria oposicionista ao presidente eleito. E se você pega a história brasileira antes de 1964, quando havia bipartidarismo – PSB [Partido Socialista Brasileiro], PTB [Partido Trabalhista Brasileiro] - ou tripartidarismo, você vai verificar que não há essa possibilidade. Então, veja bem, em 1995, para você fazer uma revisão constitucional por maioria absoluta de deputados e senadores, após uma eleição presidencial que será rigorosamente disputada, o que nós vamos ter? Outros, se o presidente viesse a fazer maioria, o que é inviável, impossível, mas mesmo que viesse, essa revisão constitucional de 1995 seria o quê? Seria seguramente nada mais, nada menos, do que a maximização do resultado da eleição. O presidente imporia a revisão aos deputados e senadores. Se fosse o contrário, e que seguramente será o contrário, a maioria oposicionista teria sido derrotada pelo presidente em 1994 e o que nós teríamos? Nós teríamos uma revisão constitucional e um desenho do Estado brasileiro para manejar o plano de governo do presidente eleito.

Antônio Carlos Ferreira: Então, por que não uma Assembléia eleita exclusivamente para rever a constituição?

Nelson Jobim: Eu acho que a solução melhor é aumentar o quórum, é isso o que eu estou propondo. Ou seja, que nós pudéssemos fazer uma reforma constitucional, que o Luciano mencionou, com a maioria de 3/5 em que você diminuiria a possibilidade de ter uma oposição de 3/5. Então, são 357 deputados e senadores, com isso você tem uma forma de fazer... Porque, veja bem, o grande equívoco no processo revisional, aliás no processo dos partidos políticos brasileiros, das posições de esquerda, direita, é que todos eles procuram colocar dentro da constituição, a sua visão de plano de governo. Então, eles não respeitam, digamos, o texto constitucional como uma regra no funcionamento do poder, mas eles pretendem engessar dentro do poder as suas visões de sociedade, as suas visões de economia, de relações de Estado e economia e, inclusive, o seu plano de governo. E aí o que acontece? Normalmente, o que acontece o seguinte: [por exemplo] em 1988, nós fizemos uma constituição tipicamente intervencionista no que diz respeito ao desenho do Estado. Muito bem, vamos supor o seguinte - para efeito de raciocínio - elege-se em 1994 um governo liberal, o que você vai ter? Vai ter um conflito da Constituição com a eleição, por quê? Porque sempre se tenta engessar dentro da constituição um modelo, digamos, de gestão da economia e de ações de Estado, isto é o grande equívoco que nós temos. Em 1934 aconteceu isso, quando nós copiamos a constituição de Weimar e estabelecemos uma constituição, digamos, de centro esquerda, de natureza social democrata etc, que estourou em 1937. Depois de 1946, fizemos uma constituição liberal, essa funcionou minimamente, embora o quadro partidário fosse um quadro partidário que tinha se produzido em 1937 e sobreviveu a 1946. Então, veja, a melhor solução era tentar fazer a revisão agora porque se fizéssemos a revisão em 1995, nós a faríamos dentro desse quadro brutal: em cima de um processo eleitoral que já está denunciando hoje que vai ser uma campanha eleitoral sanguinolenta em relação ao seus, aos diversos candidatos que venham a se estabelecer. Então, eu acho melhor, se tentou, não se conseguiu. Vamos criar agora o mecanismo que eu estou propondo. Vamos ver se nós aprovamos isso, que é um mecanismo permanente. Ou seja, você estabelece dentro da Constituição Federal um mecanismo da sua própria superação, um procedimento de sua própria superação. Eu recuei um pouco em relação à proposta inicial, porque agora estabeleci na redação final, no entendimento com o deputado Roberto Magalhães [PFL], hoje pela manhã, nós conversamos longamente e eu estabeleci um interstício de cinco anos. Ou seja, na nossa proposta da relatoria você poderá fazer a revisão, a reforma total da Constituição por maioria de três quintos em sessão unicameral de deputados e senadores. Ou seja, deputados e senadores considerados igualmente. E, ao final do procedimento, um referendo popular. Mas essa reforma [será] feita em um determinado ano. Outra reforma só poderá ser feita cinco anos depois para evitar a instabilidade. Aí você cria um mecanismo de superação.

Roseli Tardeli: Só para completar a roda, só para a gente completar, Fábio Pannunzio.

Fábio Pannunzio: Deputado, eu queria discordar do senhor quando o senhor faz a alegação dessa justificativa. Eu acho que atribuir a culpa pelo fracasso a uma entidade entérica, ao partido... O partido no parlamento não funciona, não existe exercício de liderança, as orientações não são acatadas. Mas existe um instrumento de fidelidade partidária. E outra coisa, os partidos não são aglomeração de pessoas que acontecem em torno de temas ideológicos e o plenário do Congresso revisional nem chegou a discutir nenhum tema polêmico porque, por uma decisão do senhor e dos demais sub-relatores, se resolveu colocar primeiro em votação temas que fossem consensuais ou tranqüilos. Então, efetivamente, não chegou a haver uma discussão, por exemplo, da ordem econômica, que dividia bastante, da reforma tributária, da reforma fiscal.

Nelson Jobim: Está errada a sua afirmação, o voto facultativo é tema não polêmico?

Fábio Pannunzio: Sim, mas o tema, eu quero.

[interrompido]

Nelson Jobim: Voto facultativo, não? Então tá, então não é verdadeira a afirmação que você está fazendo.

Fábio Pannunzio: O senhor mesmo sabe que diante, por exemplo, da quebra dos monopólios, isso é muito tranqüilo.

Nelson Jobim: Não, absolutamente, isso não é tranqüilo.

Fábio Pannunzio: O senhor acha que não?

Nelson Jobim: São focos completamente diferentes, é outra sala, em outra sala você tem outra coisa.

Fábio Pannunzio [interrompendo]: Então, vamos dizer o seguinte, os temas que apaixonariam o país de fato, que levariam lobbies para dentro do Congresso.

Nelson Jobim: Está bom, aí eu já concordo...

Fábio Pannunzio: ...que fariam com que a bancada trocasse votos e discursos agressivos, essa coisa toda que não aconteceu, foram deixados para depois. Possivelmente não se chegue até isso. E aí é que, por exemplo, gente como o presidente da Câmara, o deputado Inocêncio Oliveira passa a atribuir ao senhor, que era quem determinava a ordem, como as matérias eram votadas, a responsabilidade por esse fracasso. Então, eu queria saber: até que ponto o senhor tem mesmo responsabilidade no...

Nelson Jobim: [interrompendo] ...Vamos fazer um, vamos retificar uma afirmação errada: [a de] que eu sou responsável pela ordem. Não, não sou. A ordem é a ordem do regimento. Qual era a ordem do regimento? A apresentação de pareceres na ordem sucessiva de artigos e eu o fiz. Quem inclui a ordem do dia...

Fábio Pannunzio: ...um dos poucos temas aprovados durante essa, essa...

Nelson Jobim: ...não estou falando aprovado, eu estou falando da composição da ordem do dia.

Fábio Pannunzio: O senhor não passou na frente por decisão do senhor com o plenário, por exemplo?

Nelson Jobim: Não, absolutamente.

Fábio Pannunzio: O plano [...] FHC?

Nelson Jobim: Não, não, quem determinou isso foi o próprio plenário, os próprios líderes, ao incluir na pauta. Quem inclui na pauta, veja bem, quem inclui na pauta é um requerimento de preferência que é firmado pelos líderes partidários, não é por mim. Ou seja, os líderes partidários organizam a pauta. O que eu organizo, o que a relatoria organiza são os pareceres  determinados pelas lideranças nessa inclusão. Então, eu não tenho nada a ver com isso. Eu tenho a ver, isso sim, com o conteúdo dos pareceres, isso sim, isto é responsabilidade da relatoria, o conteúdo dos pareceres é responsabilidade. Agora, a forma de colocação, a negociação partidária é problema de um requerimento de preferência, que é votado pelas lideranças para incluir na pauta. Então, as matérias que foram concluídas na pauta – e eu acho correto que tenham sido incluídas as matérias de ordem política – principalmente considerando os problemas em relação ao dois de abril, que nós tínhamos que decidir tudo politicamente antes do dois de abril. Então, foi feito isso, agora está se tentando entrar na ordem econômica, na ordem econômica já cria problema, por quê? Porque a própria [...] já não está muito disposta a entrar na ordem econômica. Agora, veja bem, a culpa dos partidos, no que diz respeito à votação é o seguinte: essa revisão constitucional, na matéria do sistema previdenciário, na matéria do sistema tributário, na matéria, principalmente... de questões político partidárias, dependia do quê? De ter um eixo partidário, e quando eu chamo um eixo partidário significa o seguinte: você ter um guarda-chuva para que os parlamentares se protejam dos votos impopulares. Normalmente, o parlamentar que vota em uma determinada matéria impopular diz o seguinte: “Votei porque foi uma decisão partidária”. E você tem que colocar nisso, também, digamos, a ausência do governo federal no processo de definição dos temas que interessam ao executivo federal. E é bom lembrar que nós trouxemos ao Mitre como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal se compõe de personagens, digamos,  "estadistas" dos estados brasileiros. Quem representa a união federal no Congresso é o poder executivo. Ou seja, a força, maior ou menor, política do poder executivo dentro do Congresso é que pode ou não preservar os interesses da união. Porque os interesses da união são laterais.

Fernando Mitre: Mas, no entanto, o senhor tirou do regimento a possibilidade do governo de apresentar emendas, lembra?

Nelson Jobim: Não. Quem tirou foram eles...

Pamela Nunes: ...eu queria completar aqui...

Nelson Jobim: Eu coloquei no projeto e o governo pediu para tirar.

Fernando Mitre: Ah, foi isso? Então, precisamos discutir isso aqui!

Nelson Jobim: Claro, podemos.

Pamela Nunes: Completando aqui a pergunta dele. O senhor chegou a ser criticado pelo comportamento imperial, segundo o “baixo clero” [deputados federais de menor expressão] , como a gente chama em Brasília...

Nelson Jobim: O [José] Genoino chama.

Pamela Nunes: O [José] Genoino. [Então deputado federal pelo PT]

Nelson Jobim: O Genoino, vamos dar nome às pessoas.

Pamela Nunes: O senhor não acha que de certa forma esse tipo de comportamento impediu o debate? Se não, que [esse comportamento] impediu ou prejudicou o debate na revisão constitucional?

Nelson Jobim: Veja bem, o problema é saber o que é a função do relator. Vamos esclarecer, vamos chegar a um entendimento no que consiste a função do relator. Você tem 17 mil - 15.700 e poucas emendas -, o que somadas às outras séries deu 27.759 emendas. Dessas 27.759 emendas, eu, até hoje, dei parecer sobre 15.590, que correspondem aos 44 pareceres que foram apresentados. A função do relator ou da relatoria é tomar essas emendas todas e apresentar um parecer, organizar as emendas e colocar um parecer sobre elas concluindo com o substitutivo, escolhendo o substitutivo. Publica-se esse parecer e aí, a partir da publicação desse parecer até chegar ao plenário, até a ordem do dia, você tem um espaço lógico, que é o espaço da negociação política, que é o espaço exato em que os partidos políticos e as lideranças partidárias fariam as negociações intra-bancadas e extra-bancadas, para fixar a relação da sua bancada e do seu partido em relação ao parecer do relator. E, no momento em que chegasse ao plenário, chegariam negociados, ou seja, isso...

Pamela Nunes: Pois é, essa negociação não houve. Por quê, deputado?

Nelson Jobim: Não houve. Nós tentamos. Num primeiro momento, o presidente do Senado tentou uma sessão, depois o presidente da Câmara tentou, o deputado Inocêncio Oliveira tentou estabelecer uma mesa das lideranças para discussão. Depois o presidente, depois eu, depois o líder do PMDB, que ao fim atribuíram a ele. Ficou quatro, cinco ou seis reuniões que o líder do PMDB manteve hora e local etc. E não compareceu quase ninguém, ou seja, não houve a negociação política. Eu vou te dar um exemplo: imunidade parlamentar. [Para] a imunidade parlamentar nós conseguimos uma negociação de um texto, para traduzir um novo texto da imunidade parlamentar, que era a história de não ser processado de, enfim, não responder civilmente etc. Nós tentamos uma negociação, nós produzimos uma negociação, quando chegamos no plenário a negociação já estava rompida. Não havia, veja bem, não havia ligação entre o líder da bancada e a sua própria bancada.

Pamela Nunes: E isso para um tema que é considerado consensual, não é? Imunidade parlamentar?

Nelson Jobim: Consensual não era, mas o nível da consensualidade era maior, o nível da necessidade era maior.

Pamela Nunes: Mas quer dizer que...

Fábio Pannunzio: Mas do regimento que o senhor ajudou a redigir, esse regimento que isolou...

Nelson Jobim: Qual seria?

Fábio Pannunzio: Não acabou com o plenário? Olha, porque é o seguinte, efetivamente não houve negociação durante esse processo.

Nelson Jobim: Sim, mas qual é a relação da negociação estar fora de negociação com o rengimento?

Fábio Pannunzio: É que eles reclamavam do isolamento da relatoria com o resto do plenário...

Nelson Jobim: Sim, mas qual é a relação do rendimento com a falta de negociação?

Fábio Pannunzio: Eu quero saber o seguinte, olha, o senhor... a crítica que os parlamentares faziam...

[interrompido]

Nelson Jobim: Não, mas você fez uma afirmação.

Fábio Pannunzio: Eu estou falando para o senhor, por exemplo...

[interrompido]

Nelson Jobim: Tudo bem, mas você fez uma afirmação e eu quero saber ao que você está se referindo?

Fábio Pannunzio: Vários parlamentares criticaram o regimento porque ele não dava condição de negociação ao Congresso Nacional.

Nelson Jobim: Sim, mas em que consistia essa falta do regimento? Porque eu preciso entender.

Fábio Pannunzio: Eu é que pergunto ao senhor, eu quero saber, eu é que estou perguntando? Eu quero saber o seguinte: eu estou afirmando isso, porque essa é a critica do parlamentar, ou será...

[interrompido]

Nelson Jobim: Se você está afirmando, você tem que dizer por quê. Porque senão eu não posso responder...

José Roberto de Toledo: Deixa eu dar uma ajuda aqui. Eu vou, por exemplo... a formação de uma maioria que se chamou, quando foi formado o Congresso revisor, de "rolo compressor", que na verdade nunca existiu.. A prática mostrou que impedia, por exemplo, das minorias, representadas pelos contras, de negociarem ou de participarem da negociação, da confecção dos pareceres da votação, eles ...

[interrompido]

Nelson Jobim: Mas eles não participavam. Veja bem, isso também não é verdadeiro. Os contras em momento algum desejaram participar do processo revisional, sabe o porquê disso?

José Roberto de Toledo: Mas durante a discussão do regimento, havia uma, pelo menos uma parcela dos contras que chamavam para si as...

Nelson Jobim: Não passaram nada, não, passaram...

Fernando Mitre: Realmente, essa discussão, o senhor reduziu o número do regimento...

Nelson Jobim: É claro. Estabelecemos uma redução, nós estabelecemos um número “x”, ganhamos um terço, veja bem, o número que nós botamos é... - eu me lembro disso pois era um negócio dos destaques para votarem separados.

Fernando Mitre: É, e aí os contras não se apresentaram...

Dora Kramer: É, não se apresentaram.

Nelson Jobim: E aí nós reduzimos para 187, que se reduziu para 59, que era um número que é a soma, e depois essa foi o que se fez. E depois, na verdade, você tem que lembrar o seguinte: os contra [oposicionistas], eles não eram na verdade contra o processo de alteração da constituição, eles eram... eles não podiam se expor, o Partido dos Trabalhadores não podia se expor no processo revisional. Isto tem que se compreender claramente...

Fábio Pannunzio: Deputado, aí, houve...

Nelson Jobim: Isso tudo é uma questão política, não é um problema de se estar pensando no Brasil, é um problema eleitoral político, que nós vamos examinar em um momento.

Fábio Pannunzio: Na emenda aglutinativa do Fundo Social de Emergência [emenda constitucional que dá ao governo liberdade para dispor de 15% a 20% de todo o orçamento da União para combater a inflação e equilibrar os juros.  Foi criada ainda no governo Itamar Franco, aproveitando-se da revisão constitucional programada para 1994], o senhor foi criticado abertamente lá, porque houve uma inclusão - que depois foi esclarecido, que o senhor não incluiu aquilo - entre a primeira e a segunda votação, se eu não me engano, dizia respeito...

Pamela Nunes: Dos banqueiros, sobre os banqueiros.

Fábio Pannunzio: Exatamente. O senhor, naquele dia, passou durante toda a sessão sendo criticado pelos colegas, porque diziam que o senhor tinha criado uma coisa que não nasceu a partir da emendas .

Nelson Jobim: Disseram que eu tinha fraudado. Só que tinha um problema que eu não referi, a emenda daquele texto tinha sido apresentada pelos líderes de governo. E o próprio PDT [Partido Democrático Trabalhista, então na oposição] tinha apresentado um destaque para votar em separado. Mas como não era interesse meu levantar essa polêmica, porque nós queríamos era aprovar, então eu deixei, digamos, passar - entrou por um ouvido e saiu pelo outro a alegação de fraude. Depois veio e me pediu desculpa e tal, porque tinham se precipitado etc etc, mas ficou resolvido.

Fábio Pannunzio: Inclusive, os partidos que apoiavam o senhor naquele momento acabaram retirando esse apoio durante a sessão do plenário, diante daquele mal entendido que houve.

Nelson Jobim: É lógico, mas, veja bem, tudo isso o que foi? Não tinha nada de recessão, não tinha nada de regimento, isso aí era processo de entendimento político partidário. Uma coisa é você ter a regra regimental... sabe onde estava, Fábio, e você não percebeu? Onde é que está o erro do regimento? O regimento tem um erro fundamental e aí é que está o ponto onde o regimento não funcionou, e só nesse, que era o seguinte...

[interrompido]

Pamela Nunes: O intervalo.

Nelson Jobim: Deveria ter previsto de...

Pamela Nunes: O intervalo.

Nelson Jobim: Depois do parecer do relator um prazo de apreciação de emendas ao substitutivo, só isso, onde você tivesse, depois do parecer publicado, cinco dias para apresentar emendas ao parecer do relator. Então, daria, digamos, um espaço para empurrar a negociação política em cima das emendas apresentadas. Porque qual é o funcionamento? Você apresenta o relatório e em cima das emendas relativas ao artigo. Às vezes pode ser trezentas, quatrocentas emendas. Por exemplo, o poder judiciário tinha 3.800 emendas, eu apresentei cinco pareceres que compõe o negócio do poder judiciário. Muito bem, eu dei um parecer nas cinco emendas, cinco mil emendas. Então, se produziu um texto, e o que cabia no regimento, exclusivamente, era destacar as emendas apresentadas para serem votadas em cima do substitutivo do relator. Se nós tivéssemos criado um mecanismo de apresentação de emendas, essas cinco mil estariam mortas e o processo político se discutiria entre o projeto do relator que era o básico e o substitutivo, aí houve equivoco, aí realmente não alimentava o processo de decisão.

Dora Kramer: Deputado, o senhor começou a revisão, o senhor foi escolhido o relator da revisão na condição de unanimidade nacional. O senhor termina...

Nelson Jobim: Não, não. O PCdoB [Partido Comunista do Brasil] era contra e o PCdoB manifestou.

Dora Kramer: O PCdoB não pode ser considerado uma força de grande representatividade nacional...

Nelson Jobim: Isso é você quem está dizendo não sou eu, não é?

Dora Kramer: Sou eu que estou dizendo e estou afirmando. Assim como a afirmação de unanimidade nacional também é minha, também é minha.

Nelson Jobim: Já cansei de ser criticado pelo PCdoB por causa de vocês.

[risos]

Dora Kramer: E o senhor termina, termina a revisão com um desgaste profundo em alguns setores. Eu queria saber duas coisas: primeiro, se fosse o caso o senhor entraria de novo em uma dessas?

Roseli Tardeli: Em uma empreitada dessa?

Dora Kramer: E outra, eu queria que o senhor nomeasse os algozes da revisão.

José Roberto de Toledo: Pegando uma carona, a que o senhor atribui essa acusação de autoritário feita pelo presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira?

Dora Kramer: Sim, porque no mínimo o senhor foi acusado de autoritário.

Nelson Jobim: Não, várias coisas aí.

Dora Kramer: Foi a mesma, isso fora o negócio do imperial...

Nelson Jobim: ...presidente do sindicato e era tudo de direita, esquerda, vereador...

Dora Kramer: Então, eu queria saber, se fosse para fazer de novo... porque o Luiz Eduardo [Luiz Eduardo Magalhães, então líder do PFL na Câmara] teve aquele gesto de grandeza e tal, não sei o que, abriu mão, se escapuliu, quer dizer, hoje...

Nelson Jobim: Não, não, não, o Luiz Eduardo ajudou bastante.

Dora Kramer: Tudo bem, mas ele que seria o relator. Termina como uma figura cortejada para ser vice do Fernando Henrique e o senhor termina com um desgaste evidente. Então, isso o que eu queria saber, daria para entrar, o senhor entraria de novo, quer dizer, o senhor tem algum tipo de arrependimento, foi um erro ter entrado nessa? E quem são os algozes da revisão?

Nelson Jobim: Não, não foi um erro, absolutamente, eu detentor... não sei se tivesse que fazer de novo, eu faria, faria, porque...

Dora Kramer: Nas mesmas condições?

Nelson Jobim: Lógico, veja bem, o que é importante aí... Você tem que botar isso bem claro, uma coisa é ter essa visão tomista [referente à doutrina de São Tomás de Aquino (1225-1274) que se caracteriza pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo] de que as coisas têm que começar e têm que terminar. Se nós não botarmos uma visão dialética no processo, você não vai compreender claramente as coisas. Isto não é tipo casa que a gente começa a pintar e tem que terminar de pintar a casa se não a casa cai, não é assim. O processo de discussão que a revisão causou é importante. Ou seja, mesmo que nós não tenhamos aprovado grande coisa, e não vamos aprovar, ter levado à discussão o voto facultativo, ter levado à discussão o sistema eleitoral, isto determina que, quando voltarmos a discutir esse tema, esse tema que provavelmente possa ser para o ano que vem, no ano subseqüente, o patamar do início da discussão não é de 1988, é de 1993. Porque houve um momento entre 1993, 1994, em que se discutiu, veja bem, com certa transparência e com certa coragem, determinados temas que, em determinado momento, eram tabus. Ou você acha que discutir os... veja bem, eu vou te dar um exemplo para você compreender a dissonância da coisa. Talvez aquilo, no conjunto de vocês, talvez seja maioria pelo voto facultativo, não sei, mas talvez seja maioria pelo voto facultativo. Muito bem, lá na hora da votação, o coronel do gueto e do curral eleitoral vinha conversar comigo dizendo que era um absurdo o que eu havia proposto, porque ele vinha a perder a eleição. E ao mesmo tempo, a esquerda vinha dizer que era um absurdo, o voto...

Dora Kramer: Tem alguém conhecido que tenha feito essa [afirmação]?

Nelson Jobim: Tem, Roberto Freire [líder do governo Itamar Franco e líder do PPS (Partido Popular Socialista) no Senado] fez um enorme discurso em favor do voto obrigatório, dizendo que o sujeito tem a legitimidade da participação.

[interrompido]

Dora Kramer: Mas o Roberto Freire foi em público. E em particular, quem foi?

Fernando Mitre: Bom, o que acham disso, essa questão do voto obrigatório.

Nelson Jobim: Acham que, acham que o voto obrigatório faz com que... E não se dão conta que o eleitor não voluntário é o eleitor que vota por qualquer circunstância, é aquele que sendo não voluntário sabe que a sua decisão e o seu voto não é uma manifestação de consciência, é um ato do cumprimento de um dever, cujo o conteúdo é livre.

Roseli Tardeli: Deputado.

Nelson Jobim: E aí o que é que acontece? Acontece que ele vota de qualquer jeito. Ele vota para o primeiro sujeito que aparece. Ele vota porque o sujeito no programa de televisão...

Fernando Mitre: Mas há um razoável argumento...

Dora Kramer: Ele não respondeu...

Roseli Tardeli: Que ele não respondeu a segunda parte, pois não.

Dora Kramer: Ele não respondeu a segunda parte, os algozes, eu queria que o senhor nominasse os algozes. Porque o senhor fez uma análise de concepção.

Nelson Jobim: Não há, não há. Eu seria rigorosamente falso se fosse nominar é A, B, C que foram culpados.

Antônio Carlos Ferreira: Bom, então por categorias, os militares...

Dora Kramer: É, o governo, por exemplo?

Antônio Carlos Ferreira: Ou os sindicatos das estatais, os partidos políticos?

Dora Kramer: O senhor se queixou muito do governo, por exemplo.

Roseli Tardeli: Alguém em especial, deputado?

Nelson Jobim: Os partidos políticos.

Roseli Tardeli: Algum partido em especial?

Nelson Jobim: Os majoritários. Ou seja, veja bem, não, as lideranças... O partido do Luiz Eduardo [PFL] foi muito autoritário, o partido do Tarcísio Delgado [PMDB] foi muito autoritário. Embora o Tarcísio, na época da decisão interna do partido tenha sido contra a revisão, ele e o Odacir Klein [PMDB] foram contra o início da revisão...

Dora Kramer: Até do senhor também.

Nelson Jobim: Mas depois assumiram. E ele assumiu a liderança e cumpriu todas as suas determinações no sentido de tocar, mas o que se passou era, faltava essa, digamos, esse... Eu volto a repetir a palavra, eu não tenho outra, se vocês tiverem uma melhor, talvez possam nos ajudar, eixo entre os partidos.

Dora Kramer: Eu tenho, de repente não faltou liderança? Porque o processo do Collor [primeiro presidente da República eleito pelo voto direto após o regime militar, em 1989. Renunciou ao cargo em razão de um processo de impeachment fundamentado em acusações de corrupção em 1992] mostra que quando [se]  tem vontade e liderança para conduzir o processo dá para fazer tudo.

Nelson Jobim: Não, eu não te diria que faltou liderança...

Pamela Nunes: Aconteceu isso na votação do Fundo Social de Emergência.

Nelson Jobim: Havia uma ligação entre o interesse da liderança e mesmo que você tivesse um líder absoluto, havia, digamos, a falta de vontade de se expor.

Antônio Carlos Ferreira: Deputado...

Dora Kramer: Aí nós vamos chegar nos algozes?

[interrompido]

Roseli Tardeli: Vamos combinar uma coisa? Vamos fazer [uma] pergunta por vez, senão o telespectador não entende de jeito nenhum.

Fernando Mitre: Posso fazer uma?

Roseli Tardeli: Fernando Mitre, pois não.

Fernando Mitre: Não, é rapidinho. Eu acho o seguinte, ficou muito claro que a maioria no Congresso é a favor da revisão. Entende que sem a revisão o governo não avança, entende que algumas reformas são até dramáticas, é preciso que sejam feitas logo, como a previdência, reforma tributária e etc. No entanto, por razões políticas menores - e aí entra uma porção de coisas, desde a eleição que está aí, até corporativismo etc -  não se participou do processo. Isto fica muito claro. No entanto, o senhor vai insistir a partir de quarta-feira em devolver ao Congresso essa missão de reformar a Constituição. E eu repito a pergunta do Tonico [Antônio Carlos Ferreira]: por que não uma assembléia exclusiva, por que não colocar cem, 150 notáveis lá que façam o que precisa ser feito e voltem para a casa e deixem os políticos continuarem a festa?

Nelson Jobim: Não. Você sabe que eu, em 1985...

Fernando Mitre: Não será corporativismo isso também deputado?

Nelson Jobim: Não, não. Em 1985, 1986, quando eu estava operado, eu era vice-presidente da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] no Rio Grande do Sul. Tinha aquela bandeira da Constituinte exclusiva e apostei nisso, joguei nisso. E hoje eu me convenço de que não funcionaria, não funcionaria. Agora. Na época pode ser que tivesse funcionado, mas agora não teria condição de funcionar por uma razão muito simples: você faria essa eleição para a Assembléia Constituinte exclusiva? E quem seriam os candidatos?

Fernando Mitre: Os candidatos se apresentariam, há uma série de...

Nelson Jobim: E quem seriam os candidatos?

Fernando Mitre: Esses personagens todos nós, como jornalistas, entrevistamos.

Nelson Jobim: Você acha que eu não seria candidato?

[interrompido]

José Roberto de Toledo: Talvez não, deputado, porque se você colocar como proibição que o presidente se reeleja para o Congresso.

Fernando Mitre: Evidente.

José Roberto de Toledo: Então?

Nelson Jobim: Vamos puxar a nossa memória? Em 1934 foi assim e sabe o que aconteceu depois que os exclusivos votaram? Eles votaram a Constituição e eles se transformaram em deputados e senadores.

Dora Kramer: É.

José Roberto de Toledo: É.

Luciano Suassuna: Deputado...

Roseli Tardeli: O Luciano...

Luciano Suassuna: Por favor, espere aí...

Roseli Tardeli: Luciano Suassuna, Luciano.

Luciano Suassuna: Deputado, por favor.

[interrompido]

José Roberto de Toledo: É que a tendência é fechar.

Nelson Jobim: Mas não há, não há espaço para isso.

Roseli Tardeli: Luciano Suassuna, por favor.

Luciano Suassuna: O senhor aí, ao longo de um processo que responsabilizou primeiro os partidos, mas depois foram surgindo outras pistas de outros responsáveis, quer dizer, [o responsável] pelo fracasso da revisão é a desarticulação ou interesse pessoal de cada deputado ali, interesse político imediato das eleições. Há a falta de ação do governo, como o senhor disse, que faltou mais força de vontade em cumprir esse poder de ligação aí com a federação. Agora, por último, houve uma polêmica muito grande. Quer dizer, se acreditava que a revisão estava meio moribunda e tal. Mas o ministro [da Fazenda (1993-1994)] Fernando Henrique [durante o governo de Itamar Franco] quando saísse do Ministério, viria com essa liderança capaz de dar um eixo para a revisão. Isso porque ele tinha proposta e idéias, enfim, todas as coisas muito bem definidas. Ele mesmo dizia que era fundamental para o sucesso do plano haver a revisão. Bom, o senhor acha que ele, esse fracasso nessa iniciativa, o fracasso da revisão se deu pela omissão do ministro nessas duas semanas, desde que ele voltou?

Nelson Jobim: Não, absolutamente.

Pamela Nunes: Ou pela omissão do governo como um todo?

Nelson Jobim: Absolutamente, o Fernando fez muito bem. Porque se ele tivesse entrado a sua expressão seria verdadeira, mas ele voltou e não entrou. Ele percebeu que não havia como, digamos, entrar no processo e ter resultados positivos. Ele correria um risco político muito grande, era um equívoco se ele estivesse feito isso.

Luciano Suassuna: Agora, para frente, jogando para frente, o senhor acha, enfim, todas essas declarações que ele deu ao longo desse processo, que era fundamental haver a revisão para o sucesso do Plano [Real]...O plano fica comprometido sem a revisão?

Nelson Jobim: Não, veja bem, o que é importante ter presente é que, em relação ao plano de estabilização, no meu ponto de vista, a revisão constitucional é para médio e longo prazo. O que possibilita uma tentativa de uma reforma tributária no ano que vem e aí vem o ponto importante. Um presidente eleito, e aqui nós temos que jogar bem isso e compreender bem isso, um presidente eleito em 1994 o fará com um programa de governo. E terá condições de, em iniciando o processo, oferecer a emenda constitucional necessária e bancar a emenda constitucional porque estaria o quê? Ele vem plebiscitado pela nação com 35, quarenta milhões de votos no segundo turno, ele terá condições de negociar, veja bem, de negociar com quem? Ele terá condições, com seus  trinta milhões de votos de, digamos, colocar um "braço" para impedir o acesso de prefeitos que estão em fim de mandato. Portanto, estão frágeis. Mas os governadores que estão iniciando... Porque, veja, o nosso grande problema no sistema tributário é que você tem três grandes contenciosos no sistema tributários: primeiro contencioso é o que a gente fala todo dia aí, que é o contencioso entre o poder público e o contribuinte, sobre taxação, impostos declaratórios etc. O segundo contencioso grave, que é o contencioso entre as unidades federativas, união, estados e municípios e distrito federal. A distribuição da receita pública nacional é o segundo grande contencioso. E o terceiro grande contencioso é um contencioso que veio "de cara" no telefonema do nosso ouvinte, do nosso telespectador, quando começou a falar aqui em São Paulo, digamos, dos ódios em relação ao Norte e Nordeste, que é o contencioso entre o Sul e o Norte. E no sistema tributário isso é agudíssimo e somente um presidente da República com autoridade política pode bancar essa recomposição. Porque senão, vai ser uma guerra entre os estados e as regiões.

Roseli Tardeli: Deputado, o senhor já respondeu.

Nelson Jobim: Isso é possível fazer no ano que vem.

Roseli Tardeli: Deputado, o senhor já respondeu à questão do Luis Nassif, que passou um fax para nós; já respondeu ao José Luiz Ferreira, de Itaquera. E Selma Braga, aqui de São Paulo; Cristina Terra, de São Paulo; e Reginaldo de Souza, de Assis, interior de São Paulo, perguntam o seguinte: "Depois de toda essa onda de corrupção, o senhor acha que os parlamentares teriam condições de fazer essa revisão?"

Nelson Jobim: Claro que sim, qual é o problema? Nós estamos cumprindo e investigando a corrupção, não são todos corruptos, já se levantou, nós temos 11 processos de cassação, [alguns] deles, inclusive, já foram absolvidos na Comissão de Justiça, que é do deputado Aníbal Teixeira [(PTB- MG) Ex-ministro do Planejamento (1987-1988) do governo Sarney. Foi incluído na lista de pedidos de cassação da CPI do Orçamento sob a acusação de sonegação. Depois que as investigações terminaram, a Receita admitiu que enviou informações erradas à CPI] e que ficou nítido o equivoco da Comissão Parlamentar de Inquérito. E os outros nós vamos examinar. E, veja bem, nós vamos examinar com absoluta transparência no sentido da verificação de suas provas. Então, veja bem, o problema da corrupção foi algo que no Brasil se conseguiu... Eu pergunto o seguinte: “se fala tanto no processo de corrupção na Itália, quantos deputados foram cassados na Itália?”

Fernando Mitre: A Assembléia negou ao Congresso, pelo menos negou.

Nelson Jobim: Quantos deputados na Itália, que é nominada por alguns setores da imprensa brasileira como o grande exemplo [do combate] da corrupção, trazendo aqueles juízes para cá - que não são juízes, são promotores públicos - e fazendo discurso de corrupção, tentando nos ensinar o que nós vamos fazer. E quantos foram cassados e quantos processos reais [existe] lá? Nenhum.

Antônio Carlos Ferreira: Deputado

Fábio Pannunzio: Deputado, eu queria voltar

Antônio Carlos Ferreira: Essa pergunta do telespectador encaixa um pouco na pergunta que eu ia lha fazer. Porque eu acho que a pergunta mostra que houve um certo desinteresse da opinião pública, que eu acho que foi um fator muito importante da queda, da derrota da revisão. Eu acho que a população não se mobilizou - parecia, eu não digo que foi - mas parecia à opinião pública que aquilo era uma discussão de interesse das elites econômicas contra a burocracia estatal e interesses particulares dos congressistas. E isso vai ocorrer novamente se ela for feita daqui a um ano, daqui a cinco anos, se não houver uma mudança, se a população não se interessar, não achar que ali está se discutindo realmente a formação do Estado. O senhor não acha que isso é importante?

Nelson Jobim: Lógico, lógico.

Antônio Carlos Ferreira: Não devia ser feito algum esforço?

Nelson Jobim: Também é um problema de cultura política. Uma coisa é discutir, por exemplo, os seus interesses individuais, isso aí você sabe como bate. Agora, uma coisa muito complicada é compreender, por exemplo, que os seus interesses individuais dependem de um ajuste fiscal, isso parece um negócio meio etéreo, meio metafísico em relação ao cidadão. Então, veja, aí vem a grande responsabilidade política do estadista, que tem condição de produzir os ajustes do Estado. Não obstante no primeiro momento possa ser impopular a decisão. Ou você acha que... Por exemplo, eu vou te dar um exemplo, várias categorias me procuraram sobre o problema do sistema previdenciário, então, apareceram pessoas aposentadas, gente correta, pobre, simples, dizendo que queriam manter o sistema previdenciário tal qual estava posto porque era importante. E aí então eu perguntei: “mas escuta, vocês querem manter o sistema previdenciário como está?” “Sim, porque isso é importante, porque nós estamos com receio que começando o processo etc”. E eu disse: “vocês querem manter as aposentadorias privilegiadas de determinadas categorias do Estado, é isso o que vocês querem?” Eles disseram: “Não, não, não é isso. O que nós queremos...” “Sim, mas está no sistema previdenciário, a aposentadoria privilegiada de juiz de direito, aposentadoria privilegiada de jornalista, aposentadoria privilegiada, que é tudo classe média, tudo da classe média...”

Antônio Carlos Ferreira: A parlamentar.

Pamela Nunes: Aposentadoria parlamentar.

Nelson Jobim: A aposentadoria privilegiada de promotor público, aposentadoria privilegiada de parlamentares. Embora lá, o sistema de contribuição seja diferente.

Antônio Carlos Ferreira: Juízes e promotores... Há realmente, ainda mais quando eles atingem a idade.

Nelson Jobim: Professor universitário, você está falando com um sujeito que já poderia estar aposentado...

Antônio Carlos Ferreira: Você sabe que o Antônio Carlos Biscaia [Então procurador-geral do Rio de janeiro] vai se aposentar? Esse que está liderando a campanha contra a máfia do bicho vai se aposentar, agora, no próximo ano.

Nelson Jobim: Claro, então, veja bem.

Antônio Carlos Ferreira: Está na flor da idade.

Nelson Jobim: Claro, Tonico, veja bem, é evidente e, veja bem, a sobrevida de um personagem de classe média, nesse personagem aí, que vai dos setenta anos, 75, se aposenta aos 45, sobre quantos anos que contribuiu...

Antônio Carlos Ferreira: Vai pagar.

Nelson Jobim: Vai ter que pagar isso. Ou seja, o que tem de compreender é que aí que existe a função do grande personagem.

Antônio Carlos Ferreira: Mas essa discussão não chegou à opinião publica.

Nelson Jobim: Tem que passar para a sociedade isso.

Antônio Carlos Ferreira: Essa ainda não chegou.

Nelson Jobim: Não chegou, essa é a função do...

Pamela Nunes: Por que não chegou, deputado, por que não chegou?

Nelson Jobim: Não chegou porque, você veja bem, vamos pensar um pouquinho sobre 1988. Uma coisa foi a definição da cidadania, os direitos e garantias individuais, ela é rica, Constituição elogiada no mundo todo. Não vamos examinar se ela se realiza em concreto ou não, porque essas linhas, isso é bobagem. Dizer, por exemplo, que a Constituição tem coisas que promete, mas não cumpre... a Constituição é o horizonte futuro, leva a sociedade para frente. Se a Constituição fosse meramente a reprodução do status quo, ela não teria função de avanço. Bom, tudo bem, a Constituição de 1988 no que diz respeito àquilo que o Ulysses [Guimarães] chamava a "constituição da cidadania" é absolutamente rica com os instrumentos de proteção da cidadania, que veio do quê? Do problema da experiência com os militares, em que você tinha que se proteger contra o Estado e mostrar mecanismos de proteção contra o Estado. O próprio Ministério Público, a função do Ministério Público...

Antônio Carlos Ferreira: Ganhou a força...

Nelson Jobim: Nasceu por causa disso, porque você precisa ter um aparelho do Estado, um personagem remunerado pelo Estado, que tivesse proteção do Estado, para proteger o cidadão contra o próprio Estado. Isto foi a razão do Ministério [Público].

Antônio Carlos Ferreira: Contra a própria polícia no caso?

Nelson Jobim: Contra a própria polícia, isso está no sentido amplo, não é? Bom, então, veja bem, agora, no que diz respeito ao desenho do Estado brasileiro, nós fomos rigorosamente conservadores e reprodutores do modelo anterior, por culpa da esquerda. Porque a esquerda brasileira que, digamos, tinha um grande discurso naquele momento, a esquerda brasileira, como a esquerda do mundo, não tem um plano de Estado. Você não vai encontrar em lugar nenhum uma teoria do Estado socialista de direito. Você vai encontrar a teoria do Estado liberal, do Estado burguês liberal, isto nós temos aí literatura a valer, a direita brasileira é muito mais competente. Você falava, por exemplo, [de] reuniões da esquerda brasileira para tratar sobre administração pública, sobre sistema, sobre sistema orçamentário, isto não era coisa para conversar porque a esquerda queria fazer, digamos, a metalinguagem da sociedade, análises da sociedade. Então, quando nós produzimos o Estado nós achamos, naquele momento... aí vem um problema grave, nós achamos naquele momento...

Luciano Suassuna: E naquela época o senhor estava na esquerda.

Nelson Jobim: Continuo na esquerda, eu sou de esquerda.

Fábio Pannunzio: Mas o senhor, é verdade que...

Luciano Suassuna: O senhor estava nessa esquerda.

Fábio Pannunzio: Essa frase atribuída ao senhor de que a esquerda é reacionária e burra e a direita que é progressista, é verdadeira?

Pamela Nunes: Atribuíram ao senhor.

Nelson Jobim: Hoje, os conservadores de ontem passam a ser os progressistas. Hoje, a esquerda é conservadora, porque quer manter todos os privilégios de 1988... Todos os privilégios, todo o desenho do Estado equivocado em 1988 e que decorreu do quê?

Luciano Suassuna: O senhor mudou de lado agora, então?

Nelson Jobim: Não, não mudei de lado não.

Luciano Suassuna: Não, porque o senhor falou que estava na esquerda e, no entanto, o senhor propõe várias mudanças dessas aí...

Nelson Jobim: Não, absolutamente, eu continuo com o mesmo ponto de vista. Eu cometi erros em 1988. Vou te contar um erro - que é um erro típico - quando nós achamos que nacionalizando o subsolo brasileiro e estabelecendo que só as empresas brasileiras de capital nacional poderiam explorar o subsolo brasileiro...

Antônio Carlos Ferreira: Que nós íamos ficar mais ricos.

Nelson Jobim: Em 1988, eu vibrei.

Antônio Carlos Ferreira: Nós íamos ficar mais ricos.

Nelson Jobim: Claro, íamos ficar mais ricos e o que é que nós estávamos fazendo? Nós estávamos protegendo espaços de reserva de mercado para o empresariado nacional e brasileiro e não foi o que aconteceu. Isso era bandeira da esquerda, o pessoal de direita não queria isso. Então, veja bem, essa idéia de direita/esquerda fica complicada hoje. O que eu quero te dizer é o seguinte: em 1988, a realização do texto constitucional foi um acordo entre os parlamentares achando que fazendo um entendimento entre as categorias envolvidas no processo social, no que diz respeito ao desenho de Estado, você resolvia o problema, a ordem econômica. Nós achávamos que atribuindo ao empresariado nacional uma relação com o Estado e definindo a relação do empresariado nacional com a relação  ao Estado nós estávamos protegendo o consumidor. Nós achamos que fazendo um acordo entre juiz de direito, promotor e advogado no desenho do poder judiciário brasileiro, nós estávamos resolvendo o problema do usuário do serviço do poder judiciário. E foi um ledo engano. Porque as organizações da sociedade civil, parte delas, estavam segurando seus espaços dentro do Estado. Ou seja, hoje nós já podemos falar isso com absoluta transparência. Você acha que em 1988 podia dizer isso? Porque a importância dessas organizações da sociedade civil em um processo ditatorial, na derrubada da ditadura e na transição, foram importantíssimas e dali eles galgaram essa coisa. Então, em 1988 nós achávamos que tratando com a sociedade organizada nós estávamos tratando com o povo. E aí, quando nós... se tratando de economia, tratando com a sociedade organizada que era o empresariado, nós estávamos tratando com o povo. Povo coisa nenhuma. Nós estávamos tratando com os espaços corporativos, que vieram a se manifestar gravemente dentro dessa constitucional, e que cada um tem o seu, o seu quinhão dentro do Estado. Hoje, nós podemos dizer que...  A tentativa que nós fizemos, inclusive, nos pareceres todos que apresentamos que dizia o seguinte: o personagem futuro para estabelecer a revisão constitucional é o contribuinte. Aliás, é o cidadão, mas o cidadão visto nas suas cinco grandes posturas, na sua pentagonal caracterização, o cidadão, enquanto contribuinte... Vou te dar um exemplo, como a gente trata esse assunto? Na Justiça do Trabalho não tem lá os juízes classistas, juiz classista na Justiça o Trabalho? Eu recebia os sindicatos das confederações dos empregados, sindicatos dos empregados, dos trabalhadores. Todos eles favoráveis aos juízes classistas, dizendo que isso é um absurdo, acabar com o juiz classista. Aí você recebia a Confederação Nacional da Indústria, a Confederação Nacional de Bancos, a Confederação Nacional... Todos eles favoráveis ao juiz classista e diziam o seguinte: “Olha, nós precisamos ter uma representação”. É lógico que os empresários estavam mais articulados na linguagem do que os trabalhadores. Mas no fim, era tudo a mesma coisa. Significava o seguinte: "Precisamos ter dentro do processo da Justiça do Trabalho alguém que entenda das relações de trabalho, que seja o nosso representante e que sustente o nosso ponto de vista." Aí eu perguntava o seguinte: “tudo bem, agora eu pergunto, o contribuinte quer pagar isso? Vocês querem ter representante mas querem que o contribuinte brasileiro pague?” Está entendendo o que eu quero dizer cidadão contribuinte? O que interessa ao contribuinte, ao cidadão enquanto contribuinte, o cidadão enquanto eleitor, o cidadão enquanto consumidor, o cidadão enquanto usuário de serviço público para saber se ele realmente está interessado e se aquele tipo de serviço lhe presta e lhe serve. Esse era o ponto que nós tínhamos que examinar... e ainda o cidadão trabalhador e produtor seriam os cinco grandes pontos. Se você quer separar o trabalhador de produtor, serão seis. E esse seria o eixo no processo e, vejam, essa discussão, se a gente botar, não [vai dar] resultado no sentido da votação. E veja bem, Luciano, eu te diria que não é problema de responsabilidade, que os parlamentares ou parte deles não estariam interessados na revisão. Não é que não estejam interessados na revisão, estavam interessados em manter as suas posições equívocadas porque, tal qual a esquerda, não queriam se expor no processo de votação. Ou seja, não queriam se submeter a ter que votar contra os jornalistas. A ter que votar contra os juízes; a ter que votar contra os promotores na aposentadoria do tempo de serviço; a ter que votar contra si próprio no que diz respeito às redefinições dos institutos de previdência dos congressistas etc. Isso eles não queriam votar porque eles tinham uma proteção nacional...

Roseli Tardeli: Só um minutinho, vamos voltar a esse assunto daqui a pouquinho, o Roda Viva faz agora um pequeno intervalo e volta em instantes. Hoje nós estamos conversando com o relator da revisão constitucional, o deputado Nelson Jobim, até já.

[intervalo]

Roseli Tardeli: Nós voltamos com o programa Roda Viva que entrevista hoje o relator da revisão constitucional, o deputado Nelson Jobim [...] Deputado, o governo entrou tarde nessa questão toda? O ministro Ricupero disse que não podemos nos declarar derrotados no caso da revisão e disse que vai iniciar aí um grande esforço de mobilização.

Nelson Jobim: Roseli, vamos falar em números em vez de falar em teses. No 31 de Maio, considerando terça, quarta e quinta, nós temos 17 sessões para revisão...

Dora Kramer: Não pode considerar quarta, não é?

Nelson Jobim: [Temos] 17 sessões, muito bem. Dentro da Câmara você tem 11 processos de cassação e dentro do Congresso você tem  vinte medidas provisórias que os prazos terminam a partir do dia 28 de abril até 28 de maio, vinte medidas provisórias. Inclusive a medida provisória da URV [Unidade Real de Valor, indexador utilizado na transição para o real], que termina dia 28. E você tem ainda o orçamento da República para ser votado, está bom? Muito bem. Nós teríamos que votar em dois turnos as matérias que pudessem ser ajustadas a partir de quarta-feira. Dois turnos de votação significam, nos levantamentos que nós fizemos em um processo, digamos, muito rápido, 11 dias; 11 sessões para 17 sessões possíveis. [Isto] se você não computar os 15 processos de cassação da Câmara, que amanhã ocorrerão na quarta-feira, mas nas próximas semanas serão na terça-feira a votação das medidas provisórias e o início do processo orçamentário. Está respondida a pergunta.

Fábio Pannunzio: Morreu. Deputado, eu queria fazer um “ping pong” aqui com o senhor, porque o senhor não respondeu à pergunta da Dora e eu queria pegar uma carona na pergunta da Dora sobre os algozes dessa revisão. Então, eu tenho aqui uma relação de poucos nomes, mas de pessoas que estão hoje aí [se] atirando mutuamente atrás da responsabilidade por esse fracasso, da paternidade do fracasso. Então, eu quero saber a opinião do senhor, por exemplo...

Nelson Jobim: Não, o senhor tem que me perguntar se eu estou disposto a examinar nome.

Fábio Pannunzio: Sim, eu vou submeter o nome. O senhor pode falar...

Nelson Jobim: Porque se eu não estou disposto a examinar eu...

Fábio Pannunzio: ....mas eu vou, eu acho que o senhor não vai se recusar. Vamos lá, Itamar Franco é um dos algozes?

Nelson Jobim: Não.

Fábio Pannunzio: Não? O senhor acabou de responsabilizar...

Fernando Mitre:  [interrompendo] O presidente Itamar Franco hoje disse, depois que o Ricúpero fez toda essa marola ontem, que o problema da revisão era problema do Congresso. Ele disse agora, no final da tarde. O senhor diz não, é um não estranho.

Fábio Pannunzio: Aliás, o senhor já tinha dito que faltou empenho do governo.

Nelson Jobim: O problema da revisão da Constituição é um problema do Congresso

Fábio Pannunzio: Aliás, o senhor já tinha dito que faltou empenho...

Pamela Nunes: É, o governo já esteve na revisão por motivo de votação...

Dora Kramer: Ele não atrapalhou. Mas ele ajudou?

Nelson Jobim: Veja, o presidente Itamar Franco, no início do processo revisional tinha nomeado, inclusive, uma comissão para elaborar...Você lembra disso?

Dora Kramer: Podia terminar de fazer.

Nelson Jobim: ...presidida pelo atual ministro da Justiça, que depois da emenda dessa comissão se consumiu por aí. Ninguém sabe onde [as emendas] estão paradas porque umas foram apresentadas pelo poder executivo. E o líder do governo, Luiz Carlos dos Santos [PMDB-SP] refere que, agora, o governo está reorganizando um processo para a apresentação de emendas constitucionais.

Fernando Mitre: Meio tarde, não é?

Nelson Jobim: É o mesmo processo de revisão.

Roseli Tardeli: Deputado, mas o senhor chegou a declarar que o governo nunca tomou posição sobre coisa nenhuma aqui.

Nelson Jobim: Não. Eu estou dizendo, estou repetindo: fizeram a emenda e depois ficou por isso mesmo.

Fábio Pannunzio: Deputado...

Fernando Mitre: Não, mas você tem que contar aí que o governo pediu para tirar aquele item que permitia ao presidente apresentar emendas, só isso aí já responde à pergunta.

Nelson Jobim: Na versão inicial, na versão inicial do regimento interno previa que o presidente da República teria iniciativa e aí foi uma...

[sobreposição de vozes]

Fábio Pannunzio: Eu não consigo entender como o senhor diz que faltou empenho do governo e  não coloca o presidente entre os algozes. Mas eu vou passar para frente então.

Nelson Jobim: Eu nunca falei a palavra algoz, [ela] não foi usada. Não vai pretender que eu use as palavras que eu não gosto de usar.

[risos]

Fábio Pannunzio: Olha, eu tenho aqui... o senhor, por exemplo, durante as sessões, o senhor durante muitas vezes, isso era visível, era notório, o senhor assistia com enfado, por exemplo, a condução do senador Humberto Lucena [(1928-1998) Presidente do Senado por dois mandatos pelo PMDB, PE. Seu nome estava na CPI do Orçamento, porém foi inocentado das investigações], um senador que foi muito criticado na presidência do Trabalho. Ele foi um dos algozes ou não?

Nelson Jobim: Não.

Fábio Pannunzio: Qual foi a responsabilidade dele para esse fracasso?

Nelson Jobim: Não, foi ele que conduziu... O problema do senador Humberto Lucena é que ele conduziu o processo revisional como se estivesse conduzindo o Congresso ou o Senado. E ali, o processo tinha que ter maior participação interna do próprio presidente. Agora, ele tinha limitações, que eram as limitações do próprio regimento interno do Senado.

Fábio Pannunzio: Inocêncio Oliveira, que diz que vai dar o tiro de misericórdia?

Nelson Jobim: O Inocêncio é um sujeito extraordinariamente simpático e voluntarista. Todas as coisas que o Inocêncio diz, tudo é radical. Evidentemente, eu gosto muito do Inocêncio, acho ele absolutamente transparente.

Roseli Tardeli: Deputado, o senhor diz que gosta dele. Mas ele chamou o senhor de autoritário...

Nelson Jobim: Não tem importância. Eu adoro um sujeito que me intimida.

Fábio Pannunzio: Só para arrematar essa pergunta, quem foram os algozes, afinal de contas?

Nelson Jobim: Eu te disse, veja, é muito simplista a pretensão de achar que as revoluções e as dificuldades são decorrentes dos personagens. Isto aí é um erro, digamos, é tradicional na nossa história. Ou seja, nós temos a mania de ler a história e os fatos através de heróis e de personagens. Isto é uma coisa meio primitiva de certa forma, então...

[sobreposição de vozes]

Nelson Jobim: O que é realmente esse procedimento global, principalmente os partidos políticos. Volto a repetir, nós estamos no fim do modelo de partido organizado pelos militares.

Pamela Nunes: Deputado, o senhor desenhou um cronograma que todos nós entendemos que vai ser impossível fazer mais alguma coisa, realmente, na revisão constitucional. O senhor acha que ela deve ficar nessa agonia, agonizando até o dia 31 de Maio?

Nelson Jobim: Pamela, veja bem...

Pamela Nunes [interrompendo]: Qual é o seu timing, qual é o timing da revisão?

Nelson Jobim: Pamela, veja bem...

Pamela Nunes: Só para completar...

Antônio Carlos Ferreira: Ela quer desligar os aparelhos.

Pamela Nunes: É.

Antônio Carlos Ferreira: Quer desligar tudo.

Pamela Nunes: É, exatamente.

Antônio Carlos Ferreira: Deixar morrer.

Pamela Nunes: Pois é. Porque tem um parecer do senhor que já...

Nelson Jobim: Melhor que isso, tenha a eutanásia.

Pamela Nunes: Tem um parecer do senhor que já está pronto para ser votado, que é o sobre empresa nacional. O senhor acha que nem isso vai ser possível votar?

Nelson Jobim: Veja bem, Pamela, quando eu disse que vamos ter esse prazo todo, eu estava me referindo, deixando muito claro que você não tem condição de votar a reforma tributária, nem a reforma previdenciária.

Pamela Nunes: Certo.

Nelson Jobim: Um jornalista sabe, em Brasília, que você pergunta para qualquer parlamentar e para qualquer personagem qual é o problema mais importante é [a resposta é] a reforma tributária, depois falam a reforma previdenciária. Isso todo mundo, é unânime no sentido de que Brasília precisa de uma reforma tributária. Aí você pergunta em um segundo momento, aí você diz: “bom, mas qual é a reforma tributária?” Aí, cada um tem a sua reforma tributária na cabeça. Seja uma reforma tributária ortodoxa, que é pegar os velhos, os grandes, as bases tributárias como a renda, o consumo e a propriedade. E aí você tem uma imensa discussão sobre quais tributos incidem e como se dividem esses tributos. Ou você tem uma reforma tributária no modelo heterodoxo, o filho pródigo do imposto único e seus descendentes, tipo modelo IPMF [tornou-se, mais tarde, o já extinto CPMF imposto sobre os débitos lançados das contas mantidas em instituições financeiras] de Luiz Roberto Pontes [ministro-chefe da Casa Civil no governo Sarney (1985-1989) e deputado federal constituinte], que se aproxima muito desse modelo. Essa simplificação já seria substancial. Mas não há possibilidade nenhuma de você formar uma maioria, um eixo. Tanto é que eu disse o seguinte: quarta-feira os líderes vão se reunir para votar a reforma tributária como preferência. Tudo bem se botarem isso na agenda, mas eu quero saber dos líderes qual é o eixo dessa reforma.

Pamela Nunes: O mérito, o senhor quer saber qual é o acordo...

Nelson Jobim: Eu quero pelo menos o mínimo. Porque se colocar uma reforma tributária sem você ter um eixo mínimo o produto final vai ser terrível, é a mesma coisa com o sistema previdenciário. Se você botar para votar o sistema previdenciário sem um eixo e o senador Almir Gabriel [um dos membros fundadores do PSDB. Foi candidato a vice de Mário Covas durante as eleições presidenciais de 1990. Governador do estado do Pará entre 1995-2003], que trabalha nisso e entende disso, diz que no sistema tributário qualquer mudança de palavra é nove milhões de dólares. Nove milhões de dólares [para] o sistema previdenciário por causa das mudanças. Então, Pamela, poderá eventualmente ser votada alguma coisa. E eu espero que seja votada. No mínimo, entre outras coisas, você pode votar alguma coisa, mas essa alguma coisa precisa ter um consenso muito amplo, [pois] se tiver matéria sem consenso você acaba não votando.

Pamela Nunes: Esses dois pontos de ordem econômica, o senhor acha que é possível votar?

Nelson Jobim: Empresa nacional?

Pamela Nunes: Empresa nacional e exploração de subsolo?

Nelson Jobim: Olha, seria eventualmente possível um entendimento. Inclusive com a esquerda, porque a esquerda não teria muita dificuldade para votar, por exemplo, a questão do subsolo, só o PCdoB. O PCdoB é “trinossauro”, existe essa palavra?

Pamela Nunes: A gente cria agora.

Nelson Jobim: É, pode ser. Bom, então, salvo o PCdoB eu tenho a impressão que ela [a esquerda] poderia, inclusive, fazer a negociação. Mas veja bem, com algum ônus, porque para votar isso a esquerda, alguns setores da esquerda, se votar isso não pode votar monopólio, que é a bandeira final deles. Então, eu esperaria nós pudéssemos votar algumas coisas do varejo, eu digo com absoluta clareza, coisa do varejo, asneira absoluta de 1988, [por exemplo] universidade brasileira e instituto de pesquisa não podem contratar professores estrangeiros. Veja bem, Tonico, houve uma reserva de mercado à inteligência. A inteligência brasileira disse: "Somos auto-suficientes e aqui não entra ninguém". E acabou. As universidades [ficaram] enlouquecidas porque os professores estrangeiros...

Antônio Carlos Ferreira: Com tantos “prêmios Nobel”  que nós temos aqui, não? [diz ironicamente]

Nelson Jobim: Claro, é lógico.

Pamela Nunes: O senhor votou contra ou a favor em 1988, [sobre] essa questão da universidade?

Nelson Jobim: Não, o pior é o seguinte, nós votamos isso sem saber que estávamos votando isso, porque nós estabelecemos lá, depois no serviço público, aquele negócio do regime único. Começa juntar as coisas e não pega as conseqüências. Você acabou votando que só podiam ser contratados brasileiros, e a universidade caiu dentro do sistema único e aí acabou impedindo. Então, eu queria ver se, pelo menos, fazia uma emendinha lá, emendinha simples, universidades brasileiras poderão... É um troço cretino, botar "universidades poderão contratar professores estrangeiros da área técnica, professores etc". E inclusive a autonomia dos institutos de pesquisa, porque os institutos de pesquisas hoje, no Brasil, precisam remunerar com diferença os seus pesquisadores, que são altamente qualificados. E não pode dar o tratamento de um pesquisador do instituto de pesquisa com o mesmo tratamento que se dá em uma universidade do alto interior do Brasil. Então, se cria uma autonomia dos institutos, se pelo menos se votasse isso já dava um empurrão em alguma coisa. Poderemos votar alguma coisa do poder judiciário. Hoje, você tem no poder judiciário duas idéias “fora”, no meu ponto de vista: segurança jurídica e responsabilidade. São os dois grandes pontos da reforma que nós propusemos no sistema judiciário, segurança jurídica e responsabilidade. Ou seja, para evitar, por exemplo, que o cidadão tenha que ficar assistindo - o cidadão que eu digo é cada um de nós - tenha que ficar assistindo nas disputas de seus problemas jurídicos as disputas internas dos próprios juízes sobre os pontos de vista de uma determinada matéria. Então, veja bem, tem uma sentença de um juiz de direito lá de Santa Maria que decide de um jeito, o juiz de direito de Ribeirão Preto decide de outro, o Tribunal de São Paulo decide de um jeito, o Tribunal da Bahia decide de outro, o Tribunal de Santa Cataria de outro, o Tribunal de Piauí nem sabe o que é que está acontecendo e distribui de outro jeito. Aí você fica em um grande emaranhado, e esse mecanismo que nós estávamos criando é um mecanismo de criar uma segurança jurídica. Ou seja, para o personagem ficar sabendo o que tem que fazer em termos jurídicos...

Roseli Tardeli: Luciano Suassuna, pois não.

Luciano Suassuna: Deputado, eu acho, enfim... a gente passou aí um bloco inteiro discutindo casos, os porquês aí desse fracasso da revisão constitucional e é evidente que tem milhares de pontos que precisam ser melhorados daqui para frente. Mas eu queria trocar um pouco de assunto. Quer dizer, o senhor está no PMDB, uma liderança importante do PMDB e o partido está vivendo uma prévia para escolha do candidato a presidente. Em qual PMDB o senhor está?

Nelson Jobim: Eu sou "PMDBista" do Rio Grande do Sul.

Luciano Suassuna: No PMDB do Quércia?

Nelson Jobim: Vamos deixar bem claro o seguinte... Eu poderia te fazer uma pergunta, mas eu [mesmo] vou responder, se não seria uma coisa de inverter a entrevista e o meu entrevistador que eu gosto muito é o Fábio, então, veja bem...

Fábio Pannunzio: Obrigado.

Nelson Jobim: E eu te pergunto: qual é o PMDB que nós temos que falar? Eu te diria com absoluta transparência que não é um juízo de valor, é uma descrição de um dado de fato. O PMDB nacional é uma grande confederação terminal de partidos regionais, ou não é? É uma confederação inamistosa, terminal, moribunda de partidos regionais. E eu posso te afirmar com absoluta transparência que eu, Nelson Jobim, sou membro do PMDB do Rio Grande do Sul. Não sou um líder nacional, sou, digamos, um deputado do estado do Rio Grande do Sul, com uma característica que vem do nosso estado. Isso aí é um problema do Rio Grande, mas aí você pode perguntar: “Mas então porque não sai do PMDB?” Acontece que no Rio Grande do Sul, esse negócio de...

Luciano Suassuna: Justamente porque...

Pamela Nunes: [Para] onde o senhor vai?

Luciano Suassuna: O que é que o senhor está fazendo nele?

Nelson Jobim: Acontece que o PMDB do Rio Grande do Sul, em termos políticos... só são admitidos pelo eleitorado gaúcho [e] só são admitidas mudanças de partidos em decisões coletivas. O sujeito que muda individualmente do partido, sai do PMDB e vai para o PDT... está morto, ninguém vota mais, ele pode sobreviver a uma eleição. Eu tenho aquela palavra que se usa muito lá e talvez aqui também, o “vira casaca”. Isto é mortal, ou seja, o Rio Grande tem uma tradição bipartidária muito forte .

Roseli Tardeli: Deputado, como o senhor...

Nelson Jobim: Então, esse negócio de trocar de partido complica tudo.

Roseli Tardeli: Como o senhor acabou de dizer que não quer ser considerado, pelos seus eleitores lá do Rio Grande do Sul, como um "vira casaca", o senhor vai apoiar o candidato que sai da convenção do seu partido?

Nelson Jobim: Não.

Luciano Suassuna: Não?

Roseli Tardeli: Ué, então eu não entendi deputado.

Nelson Jobim: Eu defenderei, veja bem, eu te disse, vamos fazer, Roseli, nós temos que começar pela premissa da confederação nacional terminal de partidos regionais, o PMDB do Rio Grande do Sul.

Luciano Suassuna: Então o senhor já está na porta de saída?

Nelson Jobim: Não.

Luciano Suassuna: Não?

Nelson Jobim: Por isso eu disse, é difícil compreender que casa é essa que eu tenho que sair, se é a casa nacional ou não. Eu estou na casa regional e a casa nacional não existe... existem casas regionais que se comunicam entre elas. E, hoje, os canais de comunicação estão todos entupidos.

José Roberto de Toledo: Mas ao fazer isso o senhor não vai estar convalidando essa situação, como o senhor chamou, terminal, de uma confederação de partidos regionais?

Nelson Jobim: Não, eu estou reconhecendo, ou seja...

Dora Kramer: O senhor vai apoiar quem?

Nelson Jobim: Não, veja bem, o que nós vamos decidir lá é o seguinte, no meu ponto de vista eu defendo a seguinte tese: lá no Rio Grande do Sul, decidido na Convenção Nacional - e digo isso com transparência, sem problema nenhum - com as conseqüências que tiverem, se o candidato à presidência da República será o senhor Orestes Quércia eu defendo o João Pimenta, do PMDB do Rio Grande do Sul.

Fernando Mitre: Por quê, deputado?

Nelson Jobim: Por uma questão ética. Então, veja bem Mitre, eu não tenho dificuldade nenhuma em negociações políticas, porque acordos políticos você faz, protocolos políticos você faz. Mas o protocolo político que você faz vai depender de um problema ético e há um conflito ético entre nós do Sul e o próprio Orestes Quércia. Então, veja bem, vamos deixar bem claro isto, no meu ponto de vista a situação é a seguinte: quero ser transparente, defenderei o Rio Grande do Sul e o rompimento que vai depender de uma análise jurídica. Como se faz o rompimento? Pode ser um rompimento formal, no sentido de você tomar uma decisão de convenção ou poderá ser um rompimento no sentido de não fazer campanha. Ou seja, não colocar na propaganda eleitoral o título do seu partido. Agora, veja bem, vamos supor...

Fernando Mitre: O candidato do PMDB ao governo do Rio Grande do Sul também vai romper?

Nelson Jobim: Olha, se o PMDB do Rio Grande do Sul não rompe eu não sou candidato, encerro a minha vida política. Porque eu não vou fazer campanha.

Fernando Mitre: Supõe-se então que é isso, que o candidato do PMDB rompe com Orestes Quércia se ele for o candidato nacional?

Nelson Jobim: Eu espero que sim.

[sobreposição de vozes]

José Roberto de Toledo: Não [se] permite à executiva nacional do PMDB cassar o tempo de televisão do candidato a governador, caso ele faça campanha para outro candidato?

Nelson Jobim: Isto nós estamos estudando. Isto o foro vai discutir; isso é a Justiça Eleitoral.

Luciano Suassuna: Pode cassar primeiro a filiação.

José Roberto de Toledo: Ou seja, é prevista uma briga na Justiça Eleitoral.

Luciano Suassuna: Pode cassar a filiação.

Nelson Jobim: Não, não é fidelidade partidária...

[sobreposição de vozes]

Roseli Tardeli: O senhor disse que se o candidato, se o candidato for Orestes Quércia...?

Nelson Jobim: Eu disse, eu me referi que nós vamos ter que tomar, em cima das questões jurídicas, nós temos que tomar uma decisão que seja uma decisão viável no sentido da sobrevivência do partido. Agora, veja bem, qualquer decisão será de rompimento, pode ser de rompimento formal... Porque, veja bem, como dizia o doutor Ulysses, partido político grande é aquele partido em que você chega em uma cidade e tem quem bote, que faça palanque, quem bote o som, quem te recebe na praça; e isso não vai ter, isso não vai ter.

Fernando Mitre: No Rio Grande do Sul, isso o que eu iria perguntar, no Rio Grande do Sul, onde não se aceita o "vira casaca" aceita-se o grupo político que não...

Nelson Jobim: A decisão coletiva, a decisão coletiva...

Fernando Mitre: E se tivesse uma decisão unificada?

Nelson Jobim: Não se permite decisões individuais...

Roseli Tardeli: Pamela, só um minutinho.

Nelson Jobim: Absolutamente se respeita decisões coletivas, entendeu?

Roseli Tardeli: Pamela, um minutinho, José Roberto, um minutinho; o senhor disse que se o candidato for o Orestes Quércia o senhor defende o rompimento por uma questão ética. Primeiro, que questão ética é essa? E segundo, quem o PMDB do Rio Grande do Sul vai apoiar, então?

Nelson Jobim: Uma coisa é você, é você não apoiar, outra coisa é você decidir quem apóia, isso é o segundo momento. Cada coisa no seu tempo. Então, precisa primeiro resolver a primeira situação, que é o eventual rompimento, não o apoio, e depois vamos ver o quem que eventualmente seria necessário para nós...

Dora Kramer: Isso não é uma questão se o Sarney dá para ir, deputado?

Nelson Jobim: Se vamos subir em um palanque de alguém ou não vamos subir, vamos liberar. Porque, veja bem, dentro da posição do PMDB do estado nas pesquisas, nas conversas que eu tive - estou falando com transparência para vocês e para quem está nos vendo- você tem três, tem, já se percebe, por exemplo, uns que apóiam o Brizola, outros apóiam o Fernando [Henrique Cardoso], eu gostaria de apoiar o Fernando, e ainda outros...

José Roberto de Toledo: O Lula?

Nelson Jobim: Apoiariam o Lula.

José Roberto de Toledo: Ninguém apoiará Quércia?

Nelson Jobim: Não.

José Roberto de Toledo: Ninguém?

Nelson Jobim: Há uma unanimidade conjunta, há uma unanimidade a favor dele.

Roseli Tardeli: Essa posição é só do PMDB do Rio Grande do Sul? Ou o PMDB de outros estados também poderia ter a mesma posição dos senhores?

Nelson Jobim: Não sei, eu realmente não sei, porque eu não tenho tido contato. Com esse negocio de revisão...

Dora Kramer: Se [houver] um candidato fora do PMDB, o senhor apóia?

Nelson Jobim: Nós temos que examinar o problema, é difícil, porque a posição... é claro que a situação do Sarney é completamente diferente da situação de Quércia nesse sentido.

Dora Kramer: No que é que difere?

Luciano Suassuna: Inclusive, porque não é um PMDBista histórico, não é?

Dora Kramer: Deputado, qual é a diferença entre o Quércia e o Sarney? Assim, [diferença] básica.

Nelson Jobim: Veja bem, quando eu estou avaliando essa diferença, eu estou avaliando a diferença da perspectiva do eleitorado gaúcho.

Dora Kramer: Isso.

Nelson Jobim: E dentro do eleitorado gaúcho a perspectiva de Quércia é muito pior do que a perspectiva Sarney.

Fábio Pannunzio: E, deputado, como vota o PMDB gaúcho nessas prévias, então?

Nelson Jobim: Olha, se essa prévia for assim o Nelson Jobim ficará em Santa Maria.

Fábio Pannunzio: Não há nenhuma outra alternativa possível?

Nelson Jobim: Não virá à convenção.

Fábio Pannunzio: Aliás, tem um terceiro nome que é o do ex-governador do Paraná [refere-se a Roberto Requião].

Nelson Jobim: Não, mas mesmo assim, não.

Antônio Carlos Ferreira: Não é a primeira vez que o senhor ameaça abandonar a política. Isso é uma coisa tão ruim assim para o senhor, é um encargo grande esse?

Nelson Jobim: Não é um encargo. Você tem um limite de tolerância, ou seja, para mim, individualmente, por razões íntimas, eu não farei campanha para o governador Quércia, ele sabe disso.

Antônio Carlos Ferreira: O senhor já falou com ele?

Nelson Jobim: Se criam... Veja bem, se o partido não está... Vamos supor, se o partido decidisse fazer isso, eu não iria trair o partido, e como eu não trairia o partido? Não sendo candidato, acabou. Eu não nasci deputado. Não tenho problema nenhum de continuar no meu exercício profissional de advogado.

Luciano Suassuna: O senhor participa das prévias, então? Eu não consegui entender direito a condição do senhor nas prévias que ela perguntou.

Nelson Jobim: Não, eu não participo.

Fábio Pannunzio: Não participa, não vota, anula voto, como é esse negócio?

Nelson Jobim: Não vou.

Dora Kramer: Bom, o senhor está em um desconforto só nesse PMDB, não é?

Nelson Jobim: Quem?

Dora Kramer: O senhor.

Nelson Jobim: É aquela história, volto a repetir. Quer dizer, o conteúdo da sua pergunta não é nada mais do que a confirmação daquilo que eu já disse no início.

[sobreposição de vozes]

Nelson Jobim: Nós não podemos brincar com candidatura à presidência da República, por quê? Porque o fato é o seguinte: nós passamos a nossa geração, vocês todos, passaram sustentando no processo militar que a democracia era competente para gerir a coisa pública. O processo democrático começou, passamos Sarney, depois veio o Collor, depois veio o Itamar, a situação da população no que diz respeito à miséria piorou, ou não piorou? Isto é fato. Bom, se piorou, como você vai dizer a esse personagem que a democracia é competente para gerir a coisa pública?

Roseli Tardeli: Deputado, nessa sua vida de privação...

Nelson Jobim: Pessoal, nós não podemos brincar com isso, porque nós temos a nossa geração, que é a geração do discurso, da grande luta contra a tortura, contra a repressão. A nossa geração está mostrando uma incompetência para produzir resultados que prometia que faria bem.

Antônio Carlos Ferreira: Mas o senhor tem que colocar aí as virtudes da democracia, se não o telespectador vai achar que isso...

Nelson Jobim: É lógico, é lógico.

Roseli Tardeli: Só um minutinho.

Nelson Jobim: Isso é verdade.

Antônio Carlos Ferreira: Ninguém vai ser preso se for candidato.

Roseli Tardeli: Nessa sua linha, nessa sua linha, deputado.

Nelson Jobim: Agora, a classe média gosta muito disso.

Roseli Tardeli: Deputado.

Nelson Jobim: Porque ele está com o seu problema quase resolvido, é lógico.

Roseli Tardeli: Tonico, só um minutinho. Deputado, nessa sua linha de argumentação, o senhor Kleber Wanderlei, de Santo Amaro, pergunta: “Com as coisas que estão acontecendo no Brasil, o senhor não tem medo de daqui a um ano haver uma revolução civil ou militar?”

Nelson Jobim: Não tenho, os militares não têm mais estrutura para isso. Ou seja, cometeram um, já perceberam o erro dos  vinte anos, não querem reproduzir essa experiência. Eu te diria o seguinte, aquela nomenclatura militar desapareceu. Ou seja, hoje você, os militares são absolutamente técnicos e têm uma consciência nacional muito aguda, pelo menos os militares que eu conheço, com quem eu me relaciono .

Roseli Tardeli: Fale, Pannunzio, depois Fernando.

Fábio Pannunzio: Deputado, mas acontece o seguinte, essa situação do PMDB não mudou nada nos últimos meses. Ele sempre foi uma federação de partidos regionais em estado terminal como o senhor falou e houve um momento em que a legislação eleitoral permitia a troca de partidos sem que isso ocasionasse prejuízo. Quer dizer, o senhor, para sair do PMDB, o senhor não está contente com o seu partido e deixou isso muito claro. Não encontra alternativa nas prévias, não há um candidato plausível. Por que o senhor não saiu do PMDB antes que o barco “fosse a pique” [afundasse]?

Nelson Jobim: Porque eu sou gaúcho.

Fábio Pannunzio: E qual é a diferença?

[sobreposição de vozes]

Luciano Suassuna: E vocês trocam de partido quando deputado?

Nelson Jobim: Nunca.

Luciano Suassuna: Não, eu digo, quer dizer, acabou o PMDB, acabou o partido?

Pamela Nunes: Acabou o PMDB.

Luciano Suassuna: Depois dessa eleição vocês trocam de partido coletivamente?

Nelson Jobim: Em 1995 nós vamos tomar uma decisão coletiva - mas é tudo coletivo, está me entendendo bem?, não se permite decisões individuais.

Fábio Pannunzio: Então, doutor, deixa eu contextualizar isso. Por que todo o PMDB gaúcho não tomou essa decisão que todo mundo sabia que era inevitável?

Nelson Jobim: Por motivos locais.

Fábio Pannunzio: Ou vocês ainda tinham alguma esperança de que o Quércia fosse indicado...

Nelson Jobim: Não, por questões locais.

Luciano Suassuna: Não apostaram na candidatura do ministro [da Previdência Social (1992-1994) durante o governo Itamar Franco] Antônio Britto, não é?

Nelson Jobim: Não havia essa, havia um caminho por aí em determinado momento, não é?

Fábio Pannunzio: Só por isso?

Pamela Nunes: E por questões locais?

Nelson Jobim: No Rio Grande isso só é tudo, pode ser que não seja para ti lá em Minas.

Fábio Pannunzio: Não, não sei, talvez o Rio Grande do Sul seja um estado mais complicado, porque há políticos em outros estados que sobreviveram a essas trocas de partidos.

Nelson Jobim: Mas lá no Rio Grande não sobrevivem.

Antônio Carlos Ferreira: O senhor falou muito que os partidos não são o caminho para se fazer essa nova ordem. Então, o senhor falou muito e deu a entender que uma nova ordem ou uma nova liderança nacional talvez pudesse modificar a estrutura do país, a constituição e tudo. Então, vamos ver os dois candidatos mais bem colocados hoje nas pesquisas, que são o Lula e o Fernando Henrique. Qual dos dois tem mais condição de fazer isso?

Nelson Jobim: Eu acho que o Fernando tem mais condições, tendo em vista o leque de abrangências, digamos, o arco de abrangências de entendimentos que ele possa produzir. O Lula vive um dilema, um dilema que é a contradição do próprio partido. No meu ponto de vista... aí eu me baseio em um trabalho que foi feito, escrito na Folha de S.Paulo pelo Leôncio Martins Rodrigues [cientista político], em que ele... o artigo tem um título interessante, tem aquela frase famosa “os comunistas proletários do mundo unidos” [frase do Manifesto do partido comunista publicado em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels], não é isso? Aí a frase do artigo do Leôncio é assim “funcionários públicos unidos” e fez uma análise sobre o PT. Então, ele faz uma análise e conclui que toda a composição do diretório nacional, enfim, das tendências, o diabo a quatro, de que o PT se compõe de uma classe média, que não conhece o mercado e vive do Estado. Quando houve a cisão entre a Articulação [uma das correntes políticas do PT, então majoritária], a nomenclatura petista se radicalizou à esquerda e essa nomenclatura petista é uma nomenclatura que vive brutalmente do Estado. Ou seja, depende do quê? Das estatais e dos sindicatos dos servidores públicos. Se o PT no caso da revisão constitucional... veja bem, se o PT no caso da revisão constitucional tivesse que enfrentar o dilema de discutir a modernização ou não do Estado brasileiro, seja qual for o conteúdo que se dê a palavra modernização, ele enfrentaria o seguinte dilema: ou ele [atuaria] como um partido estatizante, com vago socialismo estatizante nacionalista e corporativo... - essa palavra não é minha, é do Leo [Leôncio Rodrigues]. Saindo assim ele evitava ou impedia o voto da classe média de que Lula depende para ganhar no segundo turno, que foi o problema de 1989. Se ele, pelo contrário, votasse por teses modernizantes, que pudesse, digamos, ter a confiança da classe média, ele romperia com...

Antônio Carlos Ferreira: Com a sua base tradicional.

Nelson Jobim: Com a sua nomenclatura. E a sua nomenclatura estaria, digamos, preparada para passar para, digamos, uma tentativa do PDT pegar isso. Porque na perspectiva do PDT, o problema do PDT no primeiro turno não é ninguém mais se não o PT, correto? Então, a tentativa era empurrar o PT para a social democracia para pegar a base pedetista, por isso que o PDT se radicaliza. Ora, para o Lula, evidentemente que a solução desse dilema, em sentido eleitoral, só pode ser resolvida depois da eleição.

Fernando Mitre: Esse é o dilema básico do PT. O senhor não vê, o senhor [não] acha que a candidatura do Fernando Henrique existe outro dilema básico também? O PSDB está fazendo uma aliança com o PFL, o senhor não vê um dilema profundo?

Nelson Jobim: Mas veja bem, mas veja bem...

Fernando Mitre: E, talvez, na correspondência do PT de igual...

Nelson Jobim: Tem que saber, tem que saber qual é a ala ou quais são as linhas que o PSDB está negociando com o PFL, está negociando com quem? Com os liberais do PFL? Veja bem, o que foi o MDB? O MDB não era uma aliança da centro-esquerda com os liberais, que isolaram a direita emedebista e isolaram a esquerda emedebista? Foi um grande núcleo que era uma aliança entre a centro-esquerda, os sociais democratas e os liberais? Então, eu não conheço bem o assunto como está sendo conduzido, mas eu creio que Fernando está conduzindo essa aliança com o PFL não com a direita do PFL, mas sim com os liberais do PFL que têm compromisso democrático.

José Roberto de Toledo: Antônio Carlos Magalhães é direita do PFL e liberal? [(1927-2007), empresário e político baiano com influência muito grande em seu estado, figura de sustentação dos governos militares, continuou influente nos governos pós-abertura política]

Nelson Jobim: Luiz Eduardo, Luiz Eduardo.

José Roberto de Toledo: Não, mas...

Nelson Jobim: Veja bem, não, não, espera aí um pouquinho, eu o conheço muito bem e vamos deixar bem claro que o Luiz Eduardo Magalhães [(1955-1998) Foi deputado estadual e deputado federal. Assumiu a presidência da Câmara entre 1995 e 1997. Filho de antonio Carlos Magalhães] não é o Antônio Carlos Magalhães.

José Roberto de Toledo: Sim, mas quem tem a força no PFL é o Antônio Carlos Magalhães...

Nelson Jobim: [O Luiz Eduardo] Tem personalidade própria, tem personalidade própria.

José Roberto de Toledo: ...ou o Luiz Eduardo Magalhães?

Luciano Suassuna: É o filho que vai trazer o pai para a aliança?

Pamela Nunes: Ou é o pai que vai levar o filho?

Roseli Tardeli: Deputado, ao longo do nosso programa o senhor já respondeu questão levantadas pelo Celso Davó, de Mogi Mirim; Marinho da Rocha, de São Paulo; Paulo Lara, também da capital; e o senhor Salomão Couto, do Recife. Márcia Cortez, de Campinas, tem uma preocupação que é seguida pelo senhor Antônio Carlos Gonzáles, de Porto Alegre, lá no Rio Grande do Sul. Já que o senhor se diz tão ético como o senhor defendeu com tanta veemência o caso Benevides na semana passada [CPI do Orçamento]?

Nelson Jobim: Veja bem, uma coisa eu tenho que deixar bem claro... em primeiro lugar, na questão do caso Benevides não pode dar explicação, na questão do caso Benevides o que é que eu fiz? A obrigação de juiz e a obrigação de membro da Comissão de Constituição de Justiça no que diz respeito ao processo de cassação - disso eu não abro mão em hipótese alguma - é provocar, aprofundar, perfurar, distender o relatório oferecido pelos relatores. Para quê? Para que fique demonstrado nitidamente a culpa. E, vejam bem, essa provocação, isto eu vou fazer em todos, no caso do Ibsen [Pinheiro], no caso do [Ricardo] Fiúza [Já passou pelos partidos Arena, PDS, PFL e outros. Durante as investigações da CPI do Orçamento, foi recomendada a sua cassação como deputado federal, devido a acusações de corrupção. Porém, foi absolvido pelo plenário da Câmara], eu vou para lá para provocar o relator, por quê? Porque eu quero arrancar a certeza para condenar ou a certeza para absolver, ou a dúvida para absolver. E disso não se abre mão, porque uma das coisas piores que tem - e isso eu quero deixar bem claro para vocês - é o seguinte: juiz pode ser venal, o que não se admite de juiz é ser covarde. Então, vamos deixar bem claro isso. Quando eu provoquei a situação no caso Benevides eu apertei o senhor relator para me explicar com detalhes onde estavam os fatos sobre os quais nós tínhamos que julgar, afirmar a sua incompatibilidade com o decoro parlamentar. E veja bem, Roseli, uma coisa completamente distinta é a existência desse fato [pega um copo de água na mão e mostra], o fato tem que estar rigorosamente demonstrado a sua existência. Há um juízo de valor sobre esse fato, dizendo que este fato é incompatível com o decoro parlamentar, aqui vem o juízo político. E quando se pretendeu, no primeiro julgamento - e fui eu um dos culpados disso -, quando se botou em julgamento Ézio Ferreira [PFL-AM], o relator do processo, um deputado suplente fez um relatório que não se examinou a defesa do Ézio, não examinou os fatos, dizendo que o relatório era político, que aquilo era um juízo político. Não, juízo político é o juízo de valor que eu tenho sobre a conduta. Mas eu não posso abrir mão de que essa conduta seja rigorosamente nítida, provada e demonstrada. E, vejam bem, o ônus da prova é da acusação. Então, eu não vou abrir mão, ou seja, não vou abrir mão de provocar, de discutir e de demandar.

Luciano Suassuna: E o senhor ficou convencido, deputado?

Nelson Jobim: Porque o clamor das ruas, veja bem, quando se diz, por exemplo, Luciano, quando se diz muito que nesse processo de cassação nós temos que respeitar o clamor das ruas... Agora, vocês hão de convir comigo que o fascismo ou o nazismo dos anos 1940, Hitler tinha o apoio das ruas, não tinha? Não viram A lista de Schindler, em que os judeus eram escorraçados no holocausto [filme de Steven Spielberg de 1993, que conta a história verídica de como o empresário alemão Oskar Schindler subornou membros dos altos escalões nazistas para salvar 1100 judeus da morte nos campos de concentração]? O clamor das ruas facilmente se torna cólera das religiões, ou não se torna?

Fábio Pannunzio: O Congresso tomou uma decisão fascista com relação ao deputado Carlos Benevides, ou não?

Nelson Jobim: Eu não estou referindo ao problema do Carlos Benevides, estou dizendo qual deve ser a conduta de um juiz. E quando você tem essa conduta... o que nós precisamos ter claramente é o seguinte: o processo vem, vamos examinar, vamos provocar e vamos ver as explicações do relator, convence, condena, não convence, absolve. Para convencer, condena-se.

Luciano Suassuna: E o senhor se convenceu das explicações do relator?

Nelson Jobim: Foi só uma delas só.

Fábio Pannunzio: O senhor considerou justo o resultado do julgamento?

Pamela Nunes: Ou foi um resultado meramente político?

Nelson Jobim: Foi justo, como foi justa a decisão da Comissão de Justiça no caso Aníbal Teixeira...

Fábio Pannunzio: E quando chegar a vez do Ibsen Pinheiro [líder da Câmara pelo PMDB], deputado?

Nelson Jobim: No Aníbal Teixeira não tinha nada.

Fernando Mitre: Um erro de número, não é?

Nelson Jobim: É, teve um erro e era só isso. Tinha um erro em uma das acusações, aquilo foi uma maluquice, inverteram os números todos, mas tinha coisa. Por exemplo, sabe de onde veio uma das acusações? De um erro de digitação da Receita Federal. A Receita Federal digitou lá os negócios de receita, no caso do Aníbal Teixeira, e tinha errado, mas não era só dele, era de um conjunto de pessoas, aí inclusive teve um colega nosso que perguntou o seguinte: mas escuta, e não é responsável o personagem da Receita Federal que produziu esse erro de digitação e determinou a acusação a Aníbal Teixeira? Agora, como se produziu isso? Como se conseguiu isso? Por quê? Porque tivemos um relator, que foi o deputado Travassos, extraordinariamente correto e corajoso. Porque umas das coisas fundamentais é o seguinte: ao mesmo tempo que temos a vontade de condenar, nós precisamos ter a coragem de absolver.

Fábio Pannunzio: Quando chegar a vez de estudar o caso do deputado Ibsen Pinheiro, seu colega de partido, conterrâneo do senhor, amigo lá do Congresso, como vai ser?

Nelson Jobim: Exatamente a mesma coisa. Vou examinar, provocar o relator, verificar todos os elementos e se eu me convencer, eu condeno, se eu não me convencer, eu absolvo.

Fábio Pannunzio: Com base nos elementos levantados pela CPI do Orçamento, o senhor já tem juízo formado a respeito disso?

Nelson Jobim: Não, não tenho. Eu não examinei tudo, porque eu não examinei a defesa e, veja bem, a tua pergunta é uma pergunta que mostra certa tendência muito perigosa de que nós precisamos emitir um juízo de valor em cima só dos dados da acusação. Nós precisamos emitir juízo de valor depois de examinados os dados da defesa. E a defesa não foi examinada. Aliás, o processo inquisitorial, que é típico das Comissões Parlamentares de Inquérito, é um processo sem contraditório, em que o sujeito é chamado, alguns de vocês já foram, talvez eventualmente, já foram a um inquérito. O sujeito é chamado como testemunha e, no fim, é ouvido como acusado, em que não há oportunidade nenhuma de defesa e é um momento inquisitório, é um modelo nosso. Isto aí não tem problema nenhum, é um modelo de inquérito policial em que você é chamado e você ocultamente não sabe nem do que está [sendo] acusado. Não é o modelo americano, que é o processo acusatório. O nosso é um processo inclusive que tem uma característica curiosa; tem um colega meu no Rio de Janeiro, Roberto Cândido Lima, que tem uma análise extraordinária do processo judiciário brasileiro e mostra o seguinte: no caso do inquérito brasileiro o réu, o acusado, é identificado como pecador e como tal tem que ser-lhe arrancada a confissão, porque a confissão é a condição para conquistar o seu arrependimento.

Dora Kramer: Então, no caso do Collor o senhor não acha... Porque parece que tem uma diferença aí de procedimento, no caso do Collor foi uma coisa sumária, em dois meses a fatura estava liquidada e algumas pessoas enxergam os dois processos com uma diferença de procedimento. Quer dizer, no caso do Collor [impeachment Collor] teria havido mais um procedimento político... se fosse dado oportunidade de haver defesa... o senhor não acha que houve essa diferença?

Nelson Jobim: Não, não houve. Em primeiro lugar, o caso do Collor começou dentro da CPI... Você tem que começar de lá em diante, não o tempo de procedimento. Em segundo lugar, na Câmara há uma mudança de um critério de procedimento, é diferente. Na Câmara, você forneceu um processo acusatório. Eu fui relator do caso do Collor na Câmara em que você tinha a acusação feita pelo doutor Marcello Laveniére e pelo doutor Barbosa Lima Sobrinho, uma acusação muito genérica. Nós tivemos na Comissão de Justiça... Eu, como relator, tive que recompor o processo acusatório para identifica os fatos. Foram identificados os fatos. E alguns fatos narrados não foram comprovados. Mas alguns fatos indicados foram fundamentais e um deles foi o seguinte: o presidente Collor na época mentiu à nação...

Fernando Mitre: Nixon caiu por isso [Watergate]

Nelson Jobim: E ficou claramente, claramente foi mentira à nação. Mentiu à nação, então, no parecer da Comissão de Justiça, eu ressaltei fundamentalmente esse fato. Bastava a circunstância demonstrada que ele mentiu à nação sobre várias circunstâncias, não me lembro bem.

Roseli Tardeli: Deputado, duas questões para a gente encerrar o nosso programa. O senhor Rui Bertari, de Porto Alegre quer que o senhor enumere três prioridades principais para o país. E o senhor Valdir Gonçalves Batista, do Jardim da Saúde: “Na sua opinião quem seria um bom presidente para o Brasil?”

Nelson Jobim: Bom, três prioridades?

Roseli Tardeli: Três prioridades.

Nelson Jobim:Três prioridades. A prioridade fundamental é acabar com a inflação, segunda prioridade é nós termos um desenvolvimento econômico acelerado para acabar com a miséria, porque não vai ser a acabar com a miséria dando feijão e arroz todos os dias, porque isso acaba cansando. Você tem que produzir condições de emprego e as condições de emprego você só produz havendo desenvolvimento e o desenvolvimento depende de investimentos de médio a longo prazo, e investimento de médio prazo depende  [em] desaparecer o fluxo inflacionário. Então, isso é fundamental. E nós temos que também, em cima disso, recompor a nossa classe política para assegurar o processo democrático, e isso depende do quê? Da alteração do sistema eleitoral, para que, por exemplo, as questões nacionais que sejam debatidas no Congresso tenham dimensão eleitoral. Quando, por exemplo, o plano... O "baixo clero" não quer se interessar pela questão nacional por uma razão muito simples, porque ele sabe que a questão nacional não elege ninguém, e se o sistema eleitoral não for mudado... Segundo, um bom nome para presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Roseli Tardeli: Deputado, para a gente encerrar mesmo agora, que nota o senhor dá para o senhor frente ao seu cargo de revisor da Constituição?

Nelson Jobim: Que nota eu dou para mim?

Roseli Tardeli: É.

Nelson Jobim: Eu não dou nota nenhuma.

Roseli Tardeli: De zero a dez?

Nelson Jobim: Isso é cretino e ridículo...Ainda não cheguei a isso.

[Risos]

Roseli Tardeli: Agradecemos à presença do deputado Nelson Jobim aqui no Roda Viva, que foi transmitido ao vivo para todo o Brasil; agradecemos também a participação dos jornalistas convidados, o nosso Roda Viva volta na semana que vem, na próxima segunda-feira, às 10h30 da noite. Uma boa semana para vocês e até segunda.

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