;

Memória Roda Viva

Listar por: Entrevistas | Temas | Data

Roda Viva - especial dez anos

16/9/1996

Para comemorar dez anos, uma "roda" com trechos marcantes de várias entrevistas

Baixe o player Flash para assistir esse vídeo.

     
     

Matinas Suzuki: Boa noite. O Roda Viva comemora, este mês, dez anos. Por este programa, que a Rede Cultura exibe toda segunda-feira às dez e meia da noite, já passaram cerca de quinhentas personalidades, políticos, economistas, artistas, pensadores, esportistas. Gente que discutiu, com quase três mil e quinhentos jornalistas, as mais diferentes idéias sobre questões de interesse da vida brasileira. Para comemorar, nós preparamos para esta semana, uma programação especial com reprises, na íntegra, de entrevistas que tiveram grande repercussão. Hoje, abrindo a série, você verá trechos que escolhemos para lembrar os melhores momentos do Roda Viva nesses dez anos.

[Vídeo com entrevista de Ayrton Senna,  piloto de Fórmula Um - 1986]

Ayrton Senna: É, foi realmente um dia especial, olha, porque...

Rodolpho Gamberini: Você sabe o nome dessa música que estava tocando, Ayrton?

Ayrton Senna: "Boys don't cry" [risos]

Rodolpho Gamberini: "Os rapazes não choram". E você está com lágrimas [nos olhos] e do que você lembra disso aí?

Ayrton Senna: Olha, eu lembro, foi um dia especial, foi em Detroit, onde, no dia anterior eu acabei fazendo a pole position, era 2h30 da tarde e entrei no box devagarzinho e tinha acabado de fazer a pole position e um mecânico meu segurando um quadro e me dizendo Brasil 1 X França 0, que o Brasil tinha acabado de fazer o gol contra a França, né? Eu saí do carro e fui direto para o meu apartamento no hotel para assistir o jogo, né, e tinha uma conferência de imprensa que eu tinha que ir e me meteram o pau dizendo que eu não falava com a imprensa. Eu estava a fim de assistir o jogo do Brasil. E fui lá assistir o jogo do Brasil. Meu projetista é francês, os mecânicos da Renault, franceses [risos], bom conclusão: depois do jogo eu nem fui à garagem onde o pessoal trabalha a tarde toda preparando o carro para o dia seguinte, porque eu sabia que eles iriam me alugar, e nem apareci naquele dia, só apareci domingo cedo na pista, porque o Brasil tomou pau, né, e por uma grande felicidade a gente venceu a corrida. E o interessante que tinha muito brasileiro lá, sabe, eu notei que tinha muito brasileiro, e quando eu passei na linha de chegada, que eu diminuí, eu estava esgotado, porque foi uma corrida dura, fisicamente, eu vi um brasileiro do lado de lá da cerca, para trás do... com uma bandeirinha do Brasil, aí então foi instinto, e eu parei e fazia sinal para o cara do lado da cerca ele não podia vir, e o bandeirinha do meu lado e ele não entendia nada, até que o bandeirinha olhou para mim e olhou para o cara e entendeu e o bandeirinha foi lá, tomou a bandeira do torcedor que estava pendurado na cerca, entendeu? Isso que é maravilhoso, né? O cara torcendo, e trouxe a bandeira para mim e dei a volta com a bandeira. Então foi uma volta especial, né?

Rodolpho Gamberini: Você já passou a noite acordado antecedendo a uma corrida?

Ayrton Senna: Já passei sim, já passei, mas geralmente eu gosto de dormir, durmo dez horas.

Rodolpho Gamberini: Não gosta ou você gosta?

Ayrton Senna: Gosto. Eu posso dormir, durmo até dez horas por dia. Mas geralmente na noite anterior à prova, eu durmo seis, sete só, dada a tensão.

Rodolpho Gamberini: Por causa da tensão?

Ayrton Senna: É isso aí.

Rodolpho Gamberini: E como você relaxa? O que você faz, joga tênis, nada, joga futebol, o que você faz?

Ayrton Senna: Olha...

Rodolpho Gamberini: Tem que se ter um método de relaxamento?

Ayrton Senna: O que ajuda no medo, na segurança, para você ficar mais natural, no meu caso, é rezar. No que eu entro no carro de corrida, toda vez eu rezo, é uma forma que eu encontro de ficar normal, natural, tirar aquela tensão, aquele nervosismo, aquele ímpeto. E aquilo faz com que eu fique bem tranqüilo, tal. E, na hora em que o carro sai, aí se torna natural. Vai em frente.

[...]: Qual é o tipo de ajuda que você pede para Ele lá em cima? É para não se machucar ou para ganhar?

[...]: Qual é a reza? Você pede proteção ou pede para ganhar?

Ayrton Senna: Os dois.

[Risos]

Rodolpho Gamberini: Para ganhar sem se machucar.

Ayrton Senna: Exato.

Galvão Bueno: Ayrton, o piloto de Fórmula Um ganha o que deveria ganhar? Deveria ganhar mais?

Ayrton Senna: De jeito nenhum, só por um fator...

[...]: Deveria ganhar mais?

Ayrton Senna: Não. Espera aí, deixa falar.

[Risos]

Ayrton Senna: O piloto de Fórmula Um está arriscando a vida, queira ou não. Lógico, você não senta no carro achando que vai dar uma pancada, vai se quebrar, mas você está arriscando a sua vida. Um tenista de jeito nenhum. A tensão que você sofre dentro de um carro de Fórmula Um é absurda. Você acaba uma corrida mentalmente e fisicamente acabado. E o que você ganha está extremamente ligado ao sucesso que obtém na Fórmula  Um, porque metade dos pilotos que estão ali estão pagando para correr. Para quem não sabe e quem sabe muito pouco, metade dos pilotos que estão na Fórmula Um estão pagando para correr. A dedicação que eu tenho no automobilismo é tão grande, mas é com tanto prazer, é com tanta vontade, com tanto amor - isso vem desde pequeno, desde o tempo do kart - que, realmente, eu acredito que a gente tem condições de lutar de igual para igual e, acreditando nisso é que eu procuro tirar o máximo de mim. E essa vontade de vencer é que me mantém, é a minha motivação. A vontade de vencer é o que me mantém participando em uma corrida, em um campeonato de Fórmula Um. Não existe nada mais, assim, que me dê mais motivação do que isso. Então, acho que o amor que eu tenho pela minha atividade é o que me mantém e é a maior força que eu tenho.

[Vídeo com entrevista de Nelson Piquet, piloto de Fórmula Um - 1994]

Milton Coelho da Graça: Você uma vez me deu um depoimento maravilhoso sobre medo, a vitória sobre o medo, que é preciso que o piloto de Fórmula Um tem que ter e, por coincidência, o Senna me deu um depoimento muito parecido. Eu te pergunto, dá para tentar explicar o que é aquele segundo?

Nelson Piquet: Não, primeiro, se eu levantar aqui e der uma bordoada na sua testa...

[Risos]

[...]:: Primeiro, eu não vou permitir.

Nelson Piquet: Não. Se eu levantar aqui e der uma bordoada na sua testa, você vai passar uns três dias e não sabe nem o que aconteceu.

[Risos]

[...]: Está forte.

Nelson Piquet: Aí "nêgo" vai te avisar: "olha, eu acho que foi isso, você lembra quando você estava entrevistando o Nelson?" É mesmo...

[Risos]

Nelson Piquet: "Eu estava entrevistando o Nelson, mas o que será que aconteceu?" O cara vai falar: “olha, ele levantou e te deu uma bordoada”, porque você não lembra de nada, bicho.

[Vídeo com entrevista de Emerson Fittipaldi, piloto de Fórmula Um - 1995]

Emerson Fittipaldi: A experiência que eu tive na Fórmula Um, no meu primeiro casamento, eu acho que o esporte prejudicou muito o casamento, e, vamos dizer, a minha posição na Fórmula Um, com o empenho que eu tinha, com o trabalho que eu tinha, a família praticamente passou a ter um segundo plano na minha vida. E isso foi uma experiência muito ruim para mim, porque na hora eu não percebia e os anos foram passando, o casamento foi se desgastando, eu não tinha convívio com os meus filhos e, de repente, eu me arrependi. E, no caso da Indy, eu acho que é a grande vantagem, aquilo que o Nick falou, "piquenique"...

[Risos]

Emerson Fittipaldi: Eu tenho muita sorte de poder estar em um esporte como a Indy, que é muito competitivo e, ao mesmo tempo, ter a minha família perto. Então, me dá motivação de continuar no esporte, me dá motivação de competir, sabendo que aqueles momentos, eu posso passar com a família, eu vou ter os momentos. Eu vou ver o meu filho Lucas, que está com  três anos e meio, quatro, crescendo, a minha filha Joana que está com oito. [Eu vou] acompannhar o crescimento deles, que eu perdi muito com a Juliana e com o Jaison quando eu estava na Fórmula Um. Então, essa chance que você tem de conviver com a família na Indy, eu curto muito. Que psicologicamente afetou muito a minha carreira na Fórmula Um.

Antonio Hermann: Ainda no setor familiar, nos Estados Unidos o pessoal te chama de Emo, aqui os amigos te chamam de Rato. E como é a história do apelido de Marjo?

Emerson Fittipaldi: O Marjo, quando eu tinha três anos de idade, isso foi minha mãe que me contou, eu não lembro...

Antonio Hermann Essa pergunta foi encomendada, viu?

[Risos]

Emerson Fittipaldi: Perguntavam qual era o seu nome, eu não conseguia falar Emerson e eu inventei Marjo. “Qual o seu nome?”, “Marjo”, não sei da onde veio e ficou. Então, foi um nome que saiu sem querer quando eu não consegui falar Emerson.

[Vídeo com entrevista de Jô Soares, humorista - 1990]

Jorge Escosteguy: Boa noite, Jô.

Jô Soares: Tudo bem? Quero fazer duas retificações.

Jorge Escosteguy: Correto.

Jô Soares: Antes de começar, é o seguinte: primeiro, não são 120 quilos, são 127, hoje.

Jorge Escosteguy: Hoje.

Jô Soares: E depois eu acho...

Jorge Escosteguy: Quando você sair daqui serão 118.

Jô Soares: É, por aí, agora embaixo do refletor. E, a outra é o seguinte: eu não acho que o entrevistador substitua o humorista, eu acho que o humorista, o comediante é também entrevistador, mas mesmo em um programa de entrevista eu não deixo nunca de fazer humor, porque é uma característica quase visceral.

Jorge Escosteguy: O Jair da Costa, de Campinas, ele pergunta se você faria o mesmo sucesso se fosse magro?

Jô Soares: Eu não sei.

[Risos]

Jô Soares: Como humorista? Eu acho que...

[...]: Não, você já foi magro.

Jô Soares: Eu já fui quase magro. Eu acho que se gordura fosse engraçado não havia necessidade de humorista, você comprava um quilo de toucinho e ria o ano inteiro.

[Risos]

Jô Soares: Pendurava na janela [e faz gestos de risos e gargalhada]

[Vídeo com entrevista de Jô Soares, humorista - 1995]

Matinas Suzuki: Você fez este mesmo Roda Viva cinco anos atrás. Quando você fez o Roda Viva naquela época, você corrigiu aqui o apresentador que estava no meu lugar, dizendo que ele disse que você estava com 120 quilos naquele momento, [mas] você estava com 127. Com quantos quilos você está hoje?

Jô Soares: Eu estou entre 107 e 112.

Matinas Suzuki: Você está tentando manter?

Jô Soares: É, porque cinco quilos para gordo é uma coisa que você perde de um dia para o outro.

Matinas Suzuki: Certo.

Jô Soares: Então, é uma variação bastante razoável, estou tentando manter aqui esses... Quando eu falei que tinha 127, na realidade é que gordo mente muito, eu deveria estar com uns 130, mas, agora, realmente eu estou nessa faixa.

Matinas Suzuki: Nós temos aí imagens de um de seus personagens mais marcantes, vamos dar uma olhada, para quem não viu, conhecer, e para quem conheceu, matar um pouco a saudade, na medida em que estão reclamando. É um pedaço da Família Trapo.

[Trecho do programa Família Trapo com a participação de Pelé [programa humorístico de grande sucesso da TV Record entre 1967 e 1971]

Jô Soares: Aqui eu acho que eu tive o imenso prazer de rever o meu querido amigo Golias [(1929-2005) comediante brasileiro cujo personagem mais conhecido chamava-se Bronco], que é, sem dúvida, um dos maiores comediantes do mundo, tem um time de comédia, um pique, uma graça natural. Você estava em cena com o Golias e estava com vontade de rir só de olhar para ele. Por exemplo, se tivesse cinema no Brasil, o Golias estaria fazendo filmes sensacionais. Eu acho que a televisão... De repente, os programas de humor na televisão ficaram limitados a fazer só programas de quadro de humor, eu não entendo o porquê.

[Vídeo com entrevista de Tom Cavalcante, humorista - 1996]

Ricardo Huelsen: No início da sua carreira, aqui em São Paulo, você tentou um programa show de calouros, na TVS. E,  no momento em que você falou “você vai concorrer? – Não, eu sou humorista”, o cara deu risada e disse: "vai embora".

Tom Cavalcante: E vai embora. Mas hoje...

[...]:: Você estava bem vestido, não é, diz...

Tom Cavalcante: Estava. Eu comprei a melhor roupa...

[Risos]

Ricardo Huelsen: O que aconteceu?

Tom Cavalcante: Eu, na realidade, aproveitei a vinda de um amigo lá de Fortaleza, do Edson Filho, para vir à São Paulo. Aproveitei porque ele tinha um jato, empresário rico lá de Fortaleza. Então, eu entrei no jato dele para vir a uma festa na casa da Hebe Camargo [apresentadora de TV], aluguei um smoking em São Paulo e [disse]: "quando for entregar o smoking amanhã, eu corro lá para o SBT, já que a passagem foi de graça". E quando eu desci na casa da Hebe Camargo, limusines mil e aquela coisa. Quando eu entrei, ela olhou para mim e disse: "que gracinha!"

[Risos]

Tom Cavalcante: Então, eu [disse]: "já estou sendo bem recebido em São Paulo." Amanhã eu já posso correr para o SBT que eu vou ser admitido e aí...

Matinas Suzuki: O Rafael Luis Estevão, da Penha, aqui em São Paulo, pergunta: "afinal de contas para que time você torce?" Já que você falou tanto de futebol.

Tom Cavalcante: Pois é, eu sou [...] aí por todas as torcidas para assinar contrato com o Palmeiras, com o Vasco, com o Flamengo. E hoje é interessante a gente saber que eles têm que assumir um time nacional, nacionalmente, mas ao mesmo tempo quando... Eu tenho que ser político nesse instante, eu tenho que dar uma de político [fala imitando Fernando Henrique Cardoso] “Naturalmente que é importante que você defina o movimento que você vai seguir, se eu disser que sou Palmeiras, o povo do São Paulo vai ficar triste”. Eu sou Rivaldo, eu sou Romário, eu sou Bebeto, eu sou esse time aí que está indo para Atlanta. Amaral, tem Juninho [refere-se a Seleção Brasileira que estava na Copa do Mundo em 1994, nos Estados Unidos]...

Barbara Gancia: Algumas dessas pessoas que você imita, como você imitou agora o Fernando Henrique, já mandou dizer para você: "olha, não gostei, não achei a menor graça"?

Tom Cavalcante: Não. O Clodovil [estilista, apresentador de televisão e deputado federal, falecido em 2009] que seria assim um tipo que as pessoas falavam: "olha, ele vai te pegar, não sei o quê". Eu encontrei com ele em um restaurante aqui em São Paulo e ele olhou para mim e disse: "me imita agora!"

[Risos]

Tom Cavalcante: Fiquei meio que sem jeito [imitação do Clodovil]. Ele disse: “então vamos dar risadas juntos aqui” [imitação do Clodovil] e o presidente disse que iria cobrar os royalties para mim. O presidente, eu encontrei com ele e ele falou: "eu vou cobrar" [imitação de Fernando Henrique Cardoso].

Matinas Suzuki: Será que quem nunca ouviu o Gomes Farias poderia ouvi-lo agora?

Tom Cavalcante: O Gomes Farias é aquilo que a gente vai ver do João Cana Brava, só que mais sóbrio agora [assobia e começa a imitar um narrador de futebol] “criançada para fora... Abrem-se as cortinas e os artistas entram em cena, autoriza o árbitro e começa o espetáculo, é o Roda Viva da TV Cultura e você ligado em São Paulo para todo o Brasil”. É uma coisa assim, rápido.

[Vídeo com entrevista de Chico Anysio, humorista - 1993]

[...]: Como é fazer humor na ditadura [militar]? O que você teve que mudar no seu...? 

Chico Anysio: Foi a pior época da minha vida, foi a pior época, porque qualquer censura é ruim, quer dizer, foi ruim no rádio no tempo que tinha o DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, já era ruim no rádio, cortaram coisas absurdas. Eu me lembro que um dia eu escrevi: "Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança".  [verso de um dos poemas mais famosos da língua portuguesa, Navio Negreiro, do poeta abolicionista do século XIX, Castro Alves] A censura cortou beijo e balança. Quer dizer, eu tive que ir lá para explicar que aquilo era do Castro Alves...

Jorge Escosteguy: Achou que você estava esculhambando.

Chico Anysio: Não era meu, eu não tinha culpa. Sabe, cortaram coisas... Eu coloquei “você vai para a Europa, vê se me consegue uns afrescos de Rafael" [(1483-1520) mestre da pintura renascentista], aí cortaram "afrescos" e o cara pôs uma puxadinha, diga: "rapazes de maus hábitos." Uma coisa absurda, as pessoas que censuravam eram tão...

Paulo Caruso: É ignorância.

Chico Anysio: É, porque eu acho que [pior] que a censura [é] o próprio censor. O censor corta muitas coisas que não seriam cortadas se as pessoas que cortassem tivessem uma autoridade maior do que a dele. Ele tem medo de ser chamado atenção pelo seu chefe. Então, nessa época da ditadura, foi quando eu lancei o Chico City [programa humorístico onde Chico Anysio fazia todos os personagens principais, exibido na TV Globo de 1973 a 1980], então, eu tentei botar uma moeda especial que seria o "romão". Um "romão" valia dois "cíceros", um "cícero" valia quatro "florianos" e tal. Foi proibido. Houve o problema dos prefeitos que fizeram as queixas por causa do Canavieira [o personagem Walfrido Canavieira era prefeito de Chico City], que era ladrão e tal e eles se defenderam de que não havia prefeitos ladrões no Brasil, e eu falei que Chico City não era Brasil. No Brasil, de fato, não há prefeitos ladrões, mas fora do Brasil, todos os prefeitos roubam e eu tive que me defender do modo que foi possível. No meu teatro, por exemplo, no show, eu ia à Brasília e eu lia - era a coisa mais desagradável do mundo - porque eu lia o texto do teatro para oito censores assim [faz o gesto de braços cruzados]

Jorge Escosteguy: Oito censores?

Chico Anysio: Oito; com o pior humor possível. E eu lia tudo aquilo para que eles soubessem como aquilo seria dito, porque uma coisa é um texto para ser lido e outra é para ser visto e ouvido.

Jorge Escosteguy: Eles davam risadas ao menos?

Chico Anysio: Não.

Jorge Escosteguy: Não riam, não achavam graça de nenhuma piada?

Chico Anysio: Não, nada.

Jorge Escosteguy: Nem se seguravam, de repente você olha um, estava ali se segurando.

[..]: Senão, não seria censura.

[Vídeo com entrevista de Dias Gomes, dramaturgo - 1995]

Dias Gomes: A censura primava pela falta absoluta de critérios, era muito difícil você saber exatamente o que ia ser proibido porque mudava. Por exemplo, a censura sempre ia de acordo com... às vezes, era influência da mulher do general, que falou contra isso, contra aquilo e tal, então a censura resolveu [censurar]. Então, é muito difícil ter um corte. Uma vez eu disse isso, eu disse  [isso] até a um chefe de censura, que ele havia censurado uma novela minha, a Saramandaia. Então, ele havia cortado várias cenas, a novela estava quase impraticável de tanto corte. E havia um corte de uma cena, que eu não conseguia detectar a razão do corte, não tinha nenhum problema político, não tinha nenhum problema moral, não tinha nada. Mas eu digo: "por que ele cortou?" Era uma cena... Aí, então, eu disse a ele: "olha, vamos supor que eu queira, de hoje em diante ser um bom moço, e queira escrever para não ser proibido, então, eu preciso ter critérios, por exemplo, entender por que vocês cortam essa cena aqui, por exemplo.  Me explica qual foi o critério para cortar essa cena, porque eu não consigo entender." Aí o chefe da censura, então, leu e disse: "realmente eu não sei quem foi que censurou?" Aí foram chamar o censor: “foi você que cortou essa cena?” Ele leu: “ah, foi sim”. “Mas por quê? Me explica, por que eu não entendo. Porque na cena é uma cena que não tem nada”. E ele deu uma risadinha assim, “aí não tem nada, mas o que você estava pensando quando você escreveu isso é que é o problema”.

[Risos]

[Vídeo com entrevista de Fernanda Torres, atriz - 1992]

Fernanda Torres: Eu tinha muito medo de trabalhar com a minha mãe, porque eu falava “cara, ir para o teatro com a mãe, eu levei tanto tempo para sair de casa e agora eu...” Eu achei que eu ia ficar muito sozinha e a minha mãe é um ser muito especial, ela é uma moleca assim. Ela é muito estranha, às vezes ela parece uma senhora e às vezes ela parece um guri. E eu prefiro quando ela é um guri.

[...]: Quando que ela parece um guri? Dá um exemplo?

Fernanda Torres: Ensaiando, cara, ela é uma louca, ela subir aquele...

[...]: E uma senhora?

Fernanda Torres: E uma senhora? Quando ela vai a jantares formais aqui em São Paulo, a minha mãe vai vestida de senhora e eu falo: "o que é isso, mãe, não é possível!"

[...]: Mas o que ela faz no ensaio?

Fernanda Torres: Ela faz tudo, ela faz qualquer coisa que você pede. Ela se desbarranca, às vezes eu olho minha mãe e ela está cansada de subir uma escada, aí ela entra em cena e fica igual a uma louca, ela se desbarranca do vulcão. Ela é muito legal , a profissão dela é meio fonte da juventude da minha mãe. Então, foi um alegre reencontro. Eu estava com uma relação meio formal, meio distante da minha mãe e ela é muito companheira de trabalho e ela é um guri, é muito legal.

[...]: O que acontece quando vocês discordam? Por exemplo, ela diz assim: "eu acho que você tem que fazer assim," e você diz: "eu não acho". 

Fernanda Torres: Eu lembro, eu não sei, teve um dia, na [cena de] masturbação que minha mãe começou a dizer que eu estava fugindo da cena, que eu levava tudo para a comédia, que eu me escapava pelo canto. Eu virava para ela e dizia: "pentelha". É assim que a gente escapa, com muito bom humor.

[Vídeo com entrevista de Dercy Gonçalves, atriz e comediante - 1995]

Dercy Gonçalves: Ali no Teatro São José fiz uma temporada de sucesso... [Diziam]: “Dercy Gonçalves. Quem é essa menina?”. Era cantora. [Diziam]: “quem é essa menina?”. Só que depois fiquei tuberculosa, fui para o sanatório e ninguém mais me quis, ninguém mais me quis! Trabalhava no circo, trabalhava em parque, trabalhava em tudo, levantava a minha saia, mostrava as minhas pernas... São boas, eu tenho as pernas boas para trabalhar! [Mas] não queriam! Até que eu resolvi casar. Casei com um jornalista, peguei um otário [risos]. Casei com um jornalista... Eu disse: “porra, mas o que é casar com um jornalista? Porque [é] ele que comanda essa porra toda... Então eu vou casar”. Aceitei. [Ele disse]: “ah, vamos trepar?”. [Respondi]: “não, senhor! Não trepo, só caso.” [risos] Casei no dia 31 de dezembro de 1942.

Matinas Suzuki.: E aí começou a mudar?

Dercy Gonçalves: Fui a pé para o escrivão, lá na rua Dom Manoel [centro do Rio de Janeiro], voltei a pé, fomos comer uma feijoada  na Praça Tiradentes. Foi o casamento. Eu não fiz casamento, fiz um arranjo, um negócio para a minha vida.

Matinas Suzuki.: Foi aí que você mudou o nome, você já usava Dercy Gonçalves?

Dercy Gonçalves: Eu sempre usei Dercy Gonçalves, desde que sai da minha terra. Porque, em primeiro lugar, tinha medo do meu pai. Do meu pai não deixar, do meu pai não querer... Porque era ser puta, ser artista. Mas eu, então, tirei logo o meu nome. Botei Dercy porque a dona Darcy Vargas era uma mulher muito importante na época, muito importante mesmo, como sempre foi e eu gostava do nome dela. Aí dona Maria [...] disse bota Darcy, mas já tem o Darcy... Tinha um Darcy Casarré. “Ah, bota Der...”. Eu queria ficar no “Dar” ou no “Der”. [risos] E fiquei!

Maria Cristina Poli: Você rompeu com a sua família Dercy?

Dercy Gonçalves: Eu não rompi, eu não tinha família! Meu pai... eu tinha medo dele porque ele sempre dava muita porrada, me bateu muito. Ele sempre foi muito severo... Na época... Isso tem setenta anos.

[Vídeo com entrevista de Paulo Autran e Tônia Carrero, atores - 1990]

Paulo Autran: Nós criamos uma lenda. Nós, de brincadeira, para nós nos divertirmos [Carrero ri], costumamos dizer - dizemos isso em frente de várias pessoas de imprensa: a gente briga muito! A gente briga briga de amigo. Nós nunca tivemos uma discussão séria, nunca!

Tônia Carrero: Não, de ficarmos brigados, sem nos falarmos...

Paulo Autran: Foi levado por isso que você achou que nós estávamos discutindo [risos].

Tônia Carrero: Eu acho uma sorte não sermos um casal. Se fôssemos um casal, casados, talvez a gente brigasse para sempre [risos]. Nunca brigamos, porque somos companheiros de teatro. E é coisa muito rara se manter uma dupla tão constantemente amiga, sempre. Graças a Deus, não nos casamos, não é? [Sorrindo]

[Vídeo com entrevista de Regina Casé, atriz - 1988]

Regina Casé: Eu não tenho nenhuma religião não. Mas como as outras coisas que permeiam a vida da gente, eu tive contato com várias religiões, principalmente com a religião católica muito grande, eu estudei 11 anos em um colégio de freiras, que era o Sacré Coeur de Marie Sacré. Então, por exemplo, é impossível não ter uma relação com a Nossa Senhora, eu não sou louca...

[...]: claro...

[Risos]

Regina Casé: Eu passei 11 anos convivendo com ela.

[...]: Era sua amiga íntima.

Regina Casé: É claro que eu tenho, eu acho ela maravilhosa, é impossível não ter. Eu acho que seria muito mais religioso e fervoroso e fanático, se eu negasse Nossa Senhora na minha vida.

[Vídeo com entrevista de Adélia Prado, poeta - 1994]

Adélia Prado: Eu sou devedora de uma educação rígida, sob esse aspecto religioso, de uma educação católica rígida, tradicional. Mas que, junto com essa rigidez, ela me ofereceu também um espaço, que foi o meu primeiro espaço de experimento poético, foi exatamente a beleza do culto, da liturgia e da palavra divina. Então, a Igreja, vamos dizer assim, a Igreja, a instituição, era repressora, a minha educação foi repressora. Mas o culto é belo. Quer dizer, Deus era melhor que a sua  Igreja, enfim. Foi a grande descoberta.

[Vídeo com entrevista de Antônio Ermírio de Moraes, empresário - 1996]

Ricardo Kotscho: Eu queria saber um pouco como um grande empresário, com o tempo todo tomado, como é essa relação com Deus? Sobra tempo para isso? Como é que é um pouco da vida espiritual de quem lida com o mundo material?

Matinas Suzuki: Ricardo, o Orlando Carlos Júnior, lá de Teresina no Piauí, pergunta também: qual é a religião do senhor?

Antônio Ermírio de Moraes: Eu sou católico apostólico romano. E tenho uma filosofia muito simples na minha vida.

Ricardo Kotscho: Qual é?

Antônio Ermírio de Moraes: Eu procuro não fazer para terceiros aquilo que eu não queria que terceiros fizessem para mim. Eu sou um homem que acredito muito em Deus. Acho que, para você acreditar em Deus, você não precisa ir à igreja não, pelo contrário...

Ricardo Kotscho: Também.

Antônio Ermírio de Moraes: Eu acho que as missas, quer dizer, não me dizem muita coisa. Porque você não tem capacidade de concentração. Se você quiser se concentrar... E digo mais, é preciso...Quer dizer, eu sempre brigo com os ecologistas por causa disso. Quer dizer, meu Deus do céu, os cientistas querem ditar normas no mundo, enquanto o criador...Esse universo aqui, você estuda um pouquinho de astronomia... Esse negócio é um negócio fantástico, isso é uma coisa maravilhosa. Todos esses planetas estranhos rodando sem se chocarem, é uma coisa fantástica.

Ricardo Kotscho: Não é só matemático que explica.

Antônio Ermírio de Moraes: Mas eu comecei a estudar astronomia e achei que ia ficar maluco. Então, eu parei antes que ficasse, antes que eu fosse para o [Hospital Psiquiátrico do] Juqueri eu resolvi desistir.

[Vídeo com entrevista de Millôr Fernandes, humorista e jornalista - 1989]

Millôr Fernandes : O mundo que eu vejo é realmente um caos. Mas veja bem, Ethevaldo, no momento em que você vê o caos, você vê também a luz, e não estou querendo bancar Dom Hélder [Câmara] não. Nós estamos no ano 1989, assim como o mundo progrediu em tecnologia, e hoje temos uma tecnologia admirável, de ponta em vários setores, informática, química e tudo mais, você pode estar certo de que o ser humano também progrediu. Existe hoje um ser humano de ponta, existe hoje um ser humano melhor. 

[Vídeo com entrevista de Cláudia Gimenez, atriz - 1994]

Cristiane Barbieri: Você tem uma passagem forte que foi a superação da sua doença, do câncer.

Cláudia Gimenez: Certo.

Cristiane Barbieri: Você escreveu um livro sobre o assunto e desistiu de publicar. Por quê? Te incomoda falar sobre isso agora?

Cláudia Gimenez: Não, eu não desisti não, sabe o que aconteceu? Eu comecei a escrever, na verdade, sem essa pretensão de publicar, foi um meio que eu arranjei no hospital para ir desabafando um pouco ao invés de ficar "alugando" a cabeça dos amigos, eu escrevia sobre tudo o que estava acontecendo comigo e tal. E o artista tem um pouco mesmo essa coisa de ficar fantasiando, virar um romance. Tudo na vida da gente vira um romance, até o câncer a gente consegue e tal. E acho que é uma forma até de se salvar dessas dores todas. Aí eu comecei a escrever e um dia eu mostrei para um terapeuta, e ele achou que seria muito bom se eu pudesse publicar, porque era uma forma de ver a doença diferente da maioria das vezes, que as pessoas falam. Quer dizer, para muita gente o câncer é o fim da linha e eu estava vendo câncer para mim como a porrada necessária para eu acordar para a vida.

Cristiane Barbieri: E foi mesmo isso?

Cláudia Gimenez: E foi isso que aconteceu. Então, ele achou interessante que eu pudesse... Mas como é um assunto que mexe muito comigo, não é toda hora que eu [quero] parar para poder falar sobre isso, e também não vou falar qualquer bobagem levianamente. Então, está demorando, já tem um monte de editora querendo. Mas eu só vou lançar o dia em que ficar pronto.

Aimar Labaki: Claudia, olhando o material que mandaram impresso para a gente, tem uma frase sua que me surpreendeu muito. Você dizia que não gostava do Casseta e Planeta [programa humorístico da Rede Globo], que você não gosta de deboche e a frase é a seguinte: "não se brinca com aids. Eu não gosto que se faça piada com aids". O que ficou na minha cabeça, independente de concordar ou não com você, era até que ponto você não está falando da sua própria doença? Quer dizer, em todas as entrevistas, eu nunca vi você se referir a sua doença com o humor com que você se refere ao resto na sua vida. Você fala sobre...

Cláudia Gimenez: O câncer?

Aimar Labaki: É. Você fala do seu tipo físico, você fala do fato de ser carioca, você fala do fato de ser atriz. Mas você nunca fala da sua doença com humor. É um empecilho, é uma dificuldade?

Cláudia Gimenez: Não, eu acho que eu sofri muito com o câncer. Como as pessoas que estão morrendo de  aids, agora. Eu perdi milhões de amigos com aids, e eu acho que isso não é mesmo motivo para brincadeira. Acho que o câncer, só quem passou pelo que eu passei pode saber o que é uma sessão de quimioterapia, onde a gente vomitava 12 horas seguidas, depois que aquela "bomba" entrava dentro de você. E eu fiquei careca, eu emagreci trinta quilos, perdi muitos sonhos. Então, eu acho que eu não posso mesmo falar sobre isso brincando.

Aimar Labaki: Eu tenho todo respeito pela sua dor e pela dor alheia, pelo amor de Deus, e acho a questão da aids mais do que grave. Minha única preocupação é se isso não pode se expandir para um ataque de "politicamente correto". Quer dizer, é difícil você ver um humorista que diz  “Não, com tal assunto não se brinca”.

Cláudia Gimenez: Sim.

Aimar Labaki: Você não tem medo de que isso, de alguma forma, em algum momento, te segure?

Cláudia Gimenez: Não, eu acho assim, independente da minha profissão, meu nome é Claudia e eu sei quem eu sou. E eu vou seguir aquilo que eu sinto aqui dentro sempre, inclusive na minha profissão. Agora, cada um faça o que quiser, cada comediante...

[Vídeo com entrevista de Herbert de Sousa - Betinho, sociólogo - 1992]

Herbert de Sousa: Em relação a aids, e é curioso que nós estejamos associando crianças de rua, assassinatos, etc com a aids, é que aids lembra, até hoje, ela está muito associada, e ainda vai ficar associada durante um certo tempo, com uma outra coisa que as pessoas também não querem ver, que é o fato de que nós morremos. Eu acho que no fundo de cada um de nós, na nossa cultura, pelo menos, existe essa crença absoluta de que a morte não existe.

Jorge Escosteguy: Só acontece com os outros.

Herbert de Sousa: É, só lá. Inclusive, eu me lembro que uma vez eu estive na SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência], há vários anos atrás, eu estava falando sobre a aids para um auditório. Tinha umas  oitocentas pessoas e todas me olhavam. E, de repente, eu percebi que elas deviam estar pensando o seguinte: "Esse cara aí vai morrer..."

Jorge Escosteguy: ...E eu não.

Herbert de Sousa: Aí eu virei para elas e disse: "eu vou dizer para vocês uma coisa: eu vou morrer, mas vocês todas também vão".

[Vídeo com entrevista de Paulo Coelho, escritor - 1994]

Eduardo Araia: Você, no atual nível de espiritualização que conseguiu, tinha previsto uma morte violenta, por que teria que ser uma morte violenta?

Paulo Coelho: Eduardo, eu tenho medo de insistir nesse assunto, mas vamos lá. Uma morte rápida não quer dizer necessariamente uma morte pior do que uma morte lenta. Ou seja, isso faz parte da vida. Eu espero que isso demore a acontecer, mas isso faz parte da vida. E eu não vou estar sozinho nessa história, como a história já conta de "n" casos, desde, enfim, de pessoas anônimas até pessoas conhecidas e famosas que, pumba, acabou. E acaba sabe por quê? Por que você cumpriu a sua missão, porque você tem que passar por um outro plano, não é uma questão que isso é violento, não, pum, acabou o teu sentido da vida. Agora vai dar o seu próximo passo, vai comungar com essa maravilha, que é além da vida. Vai retornar em um outro momento e seguir o seu caminho dentro dessa coisa que é chamada eternidade, que é apavorante. Uma vez eu estava no deserto e comecei a fazer uma meditação sobre a eternidade e o peso da eternidade, o momento em que você sente que as coisas não vão acabar é tão angustiante feito o momento que você sente que as coisas vão acabar. Ou seja, mas as coisas não vão acabar e é melhor que cada um viva seus sonhos, cumpra a sua lenda pessoal, porque é a única maneira de ajudar o mundo.

[Vídeo com entrevista de Lucélia Santos, atriz -1989]

Lucélia Santos: Eu estou em um momento de passagem mesmo da minha vida. Eu acho que eu estou colocando nesse momento, realmente, mais a minha energia na questão da militância, principalmente na militância ecológica. Porque isso, até do ponto de vista cultural, é o grande acontecimento do país. Acho que essa energia está dando os rumos do que vai ser o Brasil, e é o Brasil para o qual eu estou olhando e é para o século XXI, é para o terceiro milênio. Então, toda a minha proposta artística, eu quero harmonizar com a minha proposta de conceito de vida.

[Vídeo com entrevista de Rachel de Queiroz, escritora - 1991

Miriam Goldfeder: Você se considera uma escritora engajada? 

Rachel de Queiroz: Eu nunca fui.

Miriam Goldfeder: E você acha... Para que serve a literatura?

Rachel de Queiroz: Eu acho que literatura serve para ser literatura, eu não sou engajada, eu acho, pelo contrário, que a obra de arte engajada se abastarda. O escritor não tem o direito de ser engajado, se ele tem aquela convicção e se ele dá um testemunho do que ele viu e do que ele sente, muito bem. Mas se ele faz uma literatura com visco de propaganda, engajado numa ideologia, porque é a ideologia dele, e então ele ajeita a obra de arte dele a serviço daquela ideologia, eu não respeito essa obra de arte e não respeito esse estilo do artista. Naturalmente, se o Picasso [um dos mais famosos pintores do século XX, foi co-fundador do cubismo] fez o Guernica [famosa pintura de Picasso que retrata os horrores do bombardeio, em 1937, a um pequeno povoado basco, de mesmo nome, durante a guerra civil espanhola] é porque a Guernica não era uma obra engajada, era um testemunho  terrível daquele acontecimento também terrível, então, isso está tudo bem. Mas se o Picasso começasse a pintar retratinho porque o sujeito era libertador ou libertário, ou isso dentro de qualquer ideologia, a serviço de qualquer ideologia, eu sou contra. Eu acho que a gente tem que dar o testemunho fiel do seu tempo e da sua gente. E as conclusões que sejam tiradas.

[Vídeo com entrevista de Paulo Francis, jornalista - 1996]

[...]: Mas você parece que é muito doce, as pessoas que conhecem você mais de perto, dizem que você é muito terno, muito doce, não é não?

Paulo Francis : Perguntas sexuais não.

[...]: Eu não estou falando do sexo.

[Risos]

Alberto Dines: Esnobemente doce. Você tem, eu não digo sobrevivido, mas você tem ultrapassado e se exposto muito mais do que os outros. Como é que você explica essa sua continuidade, essa sua sobrevivência?

Paulo Francis : Na verdade é o seguinte: eu não me deixo, pelo menos até hoje, eu consegui não me deixar consumir pela amargura. Eu já passei por grandes amarguras, mas eu não me deixo consumir. Eu tento dar a volta por cima e tenho dado. Eu tive grandes decepções...

[...]: Algumas delas, das amarguras?

Paulo Francis: Algumas são muito particulares. Por exemplo, eu fiquei muito chateado quando eu saí da Folha, passei um ano mal, porque infelizmente eu estava lá há 15 anos, você não sai de uma casa. Embora eu estivesse ganhando muito mais, liberdade... Mas aí ficou um negócio meio assim...

[...]: A saída da Folha?

Paulo Francis : É, isso foi um exemplo. O fechamento da revista foi um dos maiores choques da minha vida.

[...]: Francis, a prisão foi muito chocante para você ou você levou na boa?

Paulo Francis: Não. Eu tinha muito medo, tinha aquele medo de ter um acesso de covardia, me atirar nos pés do carcereiro. Todo mundo que é preso tem esse medo.

[Vídeo com entrevista de Plínio Marcos, ator e dramaturgo - 1988]

Plínio Marcos: Eu nasci em libra, mas preferia nascer em dólar [risos].

Paula Dip: Agora, e o ascendente?

Plínio Marcos: Ascendente há controvérsias, eu mudo de acordo com a freguesia. [risos] E aí que está a chave.

Antônio Carlos Ferreira: Mas, Plínio, quando você estava respondendo sobre a questão da conquista das mulheres, você falou: “na época do sucesso”, agora, na época do grande sucesso assim, mais de público, que foi na época da novela, digo, em Beto Rockfeller você era, digamos era o grande nome da...

Plínio Marcos: Falando em história de galã, tem uma história que é lamentável no cinema brasileiro. Os caras contrataram o  [ator] John Herbert para ser o vilão e eu para ser o galã [risos]. Aí ele ia daqui até o lugar da filmagem, ele ia dirigindo e eu ia do lado e ele falava assim: “por isso que o cinema não vai para frente!” [risos]

[Vídeo com entrevista de Arnaldo Jabor, cineasta e jornalista- 1991

Arnaldo Jabor: O cinema brasileiro é a cara do país. Quer dizer, ele funciona por ciclos, por ciclos de euforia e de decadência, euforia e depressão. Quer dizer, o que aconteceu com o cinema? Ele é um desejo desenvolvido que, por mais que tenha sido vitorioso em determinada época, o Brasil tende a engolir esse desejo. O Brasil tende a esmagar a sua própria vocação de Primeiro Mundo, a sua própria vocação de país desenvolvido. O cinema é uma atividade muito complexa. Ela é industrialmente complicada, é artisticamente complicada, a articulação dessas duas coisas é complicada. O cinema brasileiro deu certo, quem não deu certo foi o país que o cinema pretendia...

[...]: Quer dizer, do ponto de vista econômico, ele fracassou?

Arnaldo Jabor: Deu certo. É porque a gente tem a memória curta, o cinema brasileiro deu certo nos anos 1960 com uma atividade cultural de ponta, uma atividade reflexiva de ponta. Por volta dos anos 1960 até 1970, foi a primeira vez no mundo que se fez uma reflexão em bloco sobre o subdesenvolvimento e que foi exportada. O cinema brasileiro influenciou o cinema cubano, o cinema africano... O próprio cinema europeu. Isso não é papo, se você pegar, por exemplo, cineastas, o Bertolucci [cineasta italiano. Dirigiu O ultimo tango em Paris (1972), Os sonhadores (2003), entre outros] é um cineasta influenciado pelo cinema brasileiro, o Werner Herzog [cineasta alemão. Dirigiu Cobra Verde (1987) Coração de cristal (1974), Onde sonham as formigas verdes (1984), entre outros] foi influenciado, muitos cineastas europeus.

[...]: Cinema alemão novo.

Arnaldo Jabor: O cinema alemão novo. O que acontece é que, nos anos 1970, o cinema brasileiro competiu com produto americano, no país, no próprio Brasil. Eu fiz filmes que competiram em bilheteria com o Tubarão dois, por exemplo. O meu filme Eu te amo (1981) deu tanta renda quanto o Tubarão dois.

[...]: Então tá, Tubarão dois, e o Spielberg [cineasta americano famoso por filmes como E.T. o extraterrestre (1982), Tubarão (Jaws, 1975) entre outros] continua fazendo cinema...e aqui?

Arnaldo Jabor: Aí veio a recessão. Em 1982 começa a recessão, entendeu? Começa uma recessão econômica. Começa a [se] diluir fronteiras nacionais, começa uma integração maior dos interesses econômicos, das co-produções, etc. E isso provoca uma decadência da chamada indústria do cinema brasileiro, a falta de dinheiro, a falta de direção vai sendo provocada pela própria falta de dinheiro, vai virando um círculo vicioso.

[Vídeo com entrevista de José Celso Martinez Corrêa, ator e diretor de teatro - 1995]

Matinas Suzuki: José Celso, em dezembro de 1987 você sofreu um grande golpe pessoal, seu irmão Luiz Antônio foi brutalmente assassinado no Rio de Janeiro. Muitos se lembram da sua ida ao Rio para protestar contra aquela violência. Vamos mostrar agora o discurso que você o leu diante do, então, governador Moreira Franco [governou o Rio de Janeiro entre 1987 e 1991, pelo PMDB].

José Celso Martinez Corrêa [vídeo]: Só a arte, principalmente a teatral, pode ser - depende de nós - mais excitante que o crime. Mais poderosa que a morte, mais transformadora que a política.

José Celso Martinez Corrêa: Na cara do homem...

Matinas Suzuki: Realmente, essa é uma das manifestações mais fortes que a gente tem da relação entre arte e violência, arte e poder. E foi por isso que a gente fez questão de repetir essa cena para os nossos telespectadores. Como você vê, hoje, a questão da violência no Brasil?

José Celso Martinez Corrêa: Eu não vejo, eu vivo a questão da violência. E, eu procuro viver mesmo, em cena eu trabalho com a violência mesmo em cena ali, eu trabalho com a violência. Quer dizer, a violência é uma coisa que, realmente, faz parte da condição humana, eu não acredito que você vai viver no mundo sem a violência. Mas você pode transformar, se aliar à violência até. O Angeli [cartunista, criador de personagens famosos como Wood e Stock, Rê Bordosa e outros] diz uma coisa muito bonita da violência: "a violência ela super-existe no mundo onde as pessoas não querem saber de violência, onde as pessoas são frias, mas elas se fecham para a violência." Porque é realmente necessário você contracenar com ela, você ver ela e você admitir que ela está em você também. E muitas vezes exatamente esse pavor que existe da violência, esse mundo de condomínio que existe hoje, é o mundo principal responsável pela violência do país, evidente.

[Vídeo com entrevista de Hélio Jaguaribe, cientista político - 1994]

Ricardo Boechat: O senhor já foi assaltado?

Hélio Jaguaribe: Por acaso pessoalmente não, mas a minha mulher já teve um bandido com um revólver na cabeça dela durante duas horas na casa do meu sogro, sem eu saber o que estava se passando.

Ricardo Boechat: O governador Nilo Batista [vice-governador (1990-1994) de Leonel Brizola (PDT), assumiu o cargo de governador em abril de 1994, depois que Brizola saiu para disputar à Presidência da República] nega em todas as entrevistas que exista o chamado "crime organizado" no Rio, entendido como uma estrutura que tem um comando, um planejamento, uma hierarquia. E me parece que essa insistência com que ele afirma a inexistência do crime organizado no Rio de Janeiro tem até uns pontos visíveis, capazes de sustentá-la, por exemplo, a alta rotatividade dos chamados chefes de tráfico das favelas. Eles se matam com tamanha freqüência, que é muito difícil conhecer um chefe de tráfico de favela com mais de trinta anos ou um pouco nessa faixa.

Hélio Jaguaribe: É evidente, nenhum crime jamais no mundo teve hierarquias formalizadas. Por definição, o crime é um sistema de marginalidade que se impõe através de continuados atos de violência. Nenhum chefe de crime tem um mandato respeitável pela sua legitimidade, que faça com que ele seja observado enquanto tal, porque é portador desse mandato. Manda-se no crime na medida em que se tem capacidade de matar rivais. E como essa capacidade é rotativa, por definição, o crime tem chefias extremamente rotativas e de baixa durabilidade. E se eu embargo o sistema em virtude do qual, independentemente do chefe de turno, um grupo de facínoras tem acesso ao suprimento da droga, tem acesso ao controle dos lugares onde a droga é vendida e dispõe de meios de violência para assegurar a permanência desse Estado, constitui aquilo que se chama de crime organizado. Crime organizado é aquele que tem capacidade de se perpetuar no tempo, fazendo as mesmas coisas, nos mesmos lugares, independentemente do chefe.

[Vídeo com entrevista de Sebastião Salgado, fotógrafo - 1996]

Sebastião Salgado: Necessariamente eu teria que trabalhar em São Paulo, que hoje seguramente é a segunda cidade do mundo. Eu fiquei chocado, eu não consegui trabalhar nos primeiros dias. Porque eu morei nessa cidade, eu saí de São Paulo em 1969 para a Europa e nunca mais eu trabalhei em São Paulo. Passei, às vezes, poucas vezes, e encontrei outra cidade. Uma cidade muito maior, uma cidade onde eu senti uma grande quantidade de pessoas que vivem nela completamente só, completamente isoladas. Eu posso dizer que, talvez, aqui eu tenha encontrado a maior miséria que eu vi no mundo. Eu fotografei muita gente com falta de recursos, fotografei muitos campos de refugiados, fotografei situações de guerra, situações de fome, onde as pessoas tinham uma falta material. Mas, em poucas vezes na minha vida eu senti pessoas completamente abandonadas, vivendo fora de uma comunidade, fora de uma família, vendo pessoas sob as pontes, crianças abandonadas na rua. Eu senti uma tristeza profunda de ver o meu país nesse estado. São Paulo para mim é uma amostra fantástica deste país, porque o Rio de Janeiro se parece um pouco com São Paulo, as grandes cidades do Brasil também. Necessariamente, resultado de um fluxo monstruoso de população, de uma expulsão imensa de população do campo para a cidade. Os primeiros dias eu não consegui trabalhar.

[Vídeo com entrevista de Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo - 1987]

Dom Paulo Evaristo Arns: São Paulo, realmente, pode ser uma cidade cruel, pode ser uma cidade dura, pode ser uma cidade de pedra e de cimento e de ferro. Mas é uma cidade que tem respeito e  tem coração. E o paulista deve continuar, sobretudo, no dia de Natal, deve firmar essa convicção de que cada um é irmã ou irmão do outro e por isso precisamos respeitá-los.

Henry Sobel: Em matéria de tolerância, Dom Paulo, o Brasil faz parte do Primeiro Mundo.

[Risos]

Dom Paulo Evaristo Arns: Eu acho que o Primeiro Mundo não é muito bom. O Brasil está um pouco melhor do que o Primeiro Mundo.

Henry Sobel: Mas vai ser melhor.

[A seguir, eleições políticas e música]

[intervalo]

[Vídeo com entrevista de Ulysses Guimarães, político - 1989]

Jorge Escosteguy: Boa noite. Estamos começando o último programa da série Roda Viva eleições 1989. Durante toda esta semana o Roda Viva tem entrevistado os principais candidatos à Presidência da República. O primeiro convidado, desta noite, do Roda Viva é o candidato à presidente da República pelo PMDB, o deputado Ulysses Guimarães. Já participaram desta série os candidatos Mário Covas do PSDB, Fernando Collor de Melo, do PRN, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, Aureliano Chaves, do PFL, Leonel Brizola, do PDT, Roberto Freire, do PCB e Guilherme Afif Domingos, do PL. Lembramos que o candidato do PDS, Paulo Maluf, foi convidado a participar do Roda Viva, mas não tinha data disponível em sua agenda. Deputado Ulysses Guimarães, eu tenho aqui um telex de hoje da Agência Estado que diz o seguinte: "o candidato a vice-presidente pelo PMDB Valdir Pires, revelou hoje a existência de conversas preliminares entre os comandos da campanha de Ulysses Guimarães, Mário Covas e Aureliano Chaves com o objetivo de estabelecer os termos de uma futura coligação".

Ulysses Guimarães: É verdade. Nós temos tido conversas, troca de impressões, que é natural entre políticos, homens do mesmo ofício. 

Jorge Escosteguy: Essas conversas estariam ligadas basicamente ao favoritismo, cada vez mais confirmado, do candidato Fernando Collor de Melo?

Ulysses Guimarães: Não.

Jorge Escosteguy: A presidência nas pesquisas?

Ulysses Guimarães: Não, não está ligado absolutamente. É uma circunstância específica dos nossos respectivos partidos, sem ter uma vinculação necessária a essa situação que as pesquisas atribuem ao candidato Collor de Melo. Eu entendo que o partido é fundamental, uma das definições de democracia é o regime de partidos, não havendo partido, não há democracia, havendo partidos fortes, bem aparelhados, é uma melhoria para a democracia. Tanto que escolher um presidente da República sem um respaldo partidário, deputados, senadores, constitui-se numa verdadeira aventura, fazendo com que alguém possa ser, digamos assim, um Midas [personagem da mitologia grega]. Midas punha a mão, transformava em ouro. Querem um homem que ponha a mão desse lado, surgem escolas, saúde, resolve o problema da dívida externa e assim por diante. Quando, nas nações democráticas, há uma equipe, um conjunto, um assembleísmo para que possa se enfrentar e resolver os problemas, isso é na França, na Itália, em todos os países. É a razão até do sistema parlamentar.

[Vídeo com entrevista de Ulysses Guimarães, político - 1991]

Jorge Escosteguy: Boa noite, doutor Ulysses.

Ulysses Guimarães: Boa noite.

Jorge Escosteguy: Uma pergunta inevitável. Como o senhor se sente deixando a presidência do PMDB depois de vinte anos?

Ulysses Guimarães: Eu me sinto perfeitamente bem, é claro que eu tinha consciência que teria que sair um dia, o De Gaulle [(1890-1970) militar e político francês] costumava dizer: "sosseguem os meus desafetos e adversários que eu vou morrer um dia". Eu sabia que teria que sair a qualquer momento, a qualquer ano, e saio ajudando o Quércia, eu fui o coordenador dessa nova chapa. Tive a oportunidade de dizer e repito aqui: "para esquecer um grande amor precisa arranjar outro". Eu ando, agora, metido aí nesse interesse que o país adote o sistema parlamentarista.

[Vídeo com entrevista de Fernando Collor de Mello, político - 1989]

Luiz Weis: O senhor não cessa de dizer que, se eleito presidente da República, o senhor vai botar corrupto na cadeia.

Fernando Collor de Mello: Vou.

Luiz Weis: Vai ser o xerife do país?

Fernando Collor de Mello: Muito bem. A corrupção, ela sempre vem associada a impunidades. Quer dizer, se, na sociedade de um país, numa sociedade considerada não houvesse a impunidade, a corrupção seguramente inexistiria ou seria muito reduzida. E o que é impunidade? A impunidade é a certeza que o corrupto ou delinqüente tem de que, cometido o ato delituoso ou mesmo o ato de corrupção, nada vai lhe acontecer, porque haverá sempre alguém na estrutura do poder a lhe proteger, a lhe colocar as mãos em cima e impedir que a Justiça faça justiça, que o coloque atrás das grades.

[Vídeo com entrevista de Pedro Collor de Mello, empresário - 1992]

Jorge Escosteguy: Boa noite. No centro do Roda Viva que começa agora pela TV Cultura de São Paulo, está sentado o responsável pelo vendaval de acusações que terminou, por enquanto, com o afastamento do cargo, do presidente da República, Fernando Collor de Melo. O convidado de hoje do Roda Viva é o empresário Pedro Collor de Mello, 39 anos, que em uma entrevista à revista Veja, em maio passado, denunciou a existência do esquema PC Farias no governo, com a cumplicidade do presidente Collor. Ele disse, inclusive, que PC Farias era o testa de ferro do presidente da República.

Pedro Collor: Aquele foi um momento de profunda reflexão e dor muito forte, isso não pode continuar, então é agora ou nunca e vamos embora! Volto a dizer: "não me arrependo de nada do que fiz". Muito triste, fico. Pesaroso constrangido, mas estou bem comigo próprio, isso é mais importante para mim.

Antonio Carlos Ferreira: Você falou em um acordo de, uma tentativa de acordo, onde seria oferecido para o senhor 25 milhões de dólares, mas o senhor..

Pedro Collor: [interrompendo] Isso não foi um acordo. Isso foi uma tentativa de suborno... Foi em dezembro, novembro do ano passado [1991], mas sim, perdão, estou interrompendo.

Antonio Carlos Ferreira: Então, como era esse acordo? Ou essa compra, essa tentativa de suborno digamos assim?

Pedro Collor: A idéia era a seguinte... Bom, isso me foi trazido pelo senhor Dalmo Peixoto e eu vou lhe relatar com bastante... isso foi dito na CPI, foi dito, enfim, os jornais todos publicaram naquela ocasião. Mas é um detalhe curioso, eu tive a oportunidade de repetir, já, isso. Um belo dia me procura o Dalmo, de quem eu sou amigo, e trabalha com empresas de tratores, caminhões, coisas do gênero, não só em Maceió, mas também em Pernambuco. Disse: "Pedro o negócio é o seguinte: me procurou o Paulo Jacinto. Paulo Jacinto era um advogado que trabalhava para o Paulo César Farias, um daqueles 12 homens que estavam naquela relação [lista de envolvidos no esquema de corrupção]. O Paulo Jacinto disse que esteve num vôo. O Paulo Jacinto era muito amigo do Dalmo, também. Houve um vôo de Maceió a Brasília, ou de Brasília a Maceió, isso não importa, em que se fez um brainstorming: "Estamos a fim de liquidar o Pedro, tirar o Pedro do caminho senão o nosso projeto não vai avante. É muito difícil ou pode prejudicar e tal. Qual é a melhor fórmula?" Vários deles deram sugestões e aquela que prevaleceu foi do Paulo César. A de tentar oferecer 20 ou 25 milhões de dólares para que eu me ausentasse do país até 1994, 1995, após as eleições de 1994, em outras palavras. E, se quisesse voltar ao Brasil, podia voltar como turista. O acordo era esse, para que eu voltasse como turista, que não me dedicasse jamais, em Alagoas, à atividade jornalística ou de comunicação, como eu vinha fazendo esse tempo todo. E que não tivesse nenhum compromisso, de não adentrar na vida, não abraçar carreira política. Eu digo: "Ah, mas que ótimo! Eu aceito. Interessantíssimo, agora 25 é pouco! Eu quero uns 50, daí para dentro 100, 80. vamos negociar." Agora, eu, Paulo César e um gravador no meio." Não houve mais nada. Isso, eu disse aqui em São Paulo naquela reunião do Maksoud [Hotel Maksoud Plaza] . Foi isso que aconteceu.

[Vídeo com entrevista de Fernando Henrique Cardoso, professor e político - 1987]

Augusto Nunes: O que houve para que o senhor sentasse na cadeira do prefeito e se isso teve algum peso na sua derrota para o candidato Jânio Quadros [(1917-1992), eleito presidente do Brasil em 1960, assumindo em janeiro de 1961 e renunciando 8 meses após assumir o cargo]? Maurício quer falar alguma coisa?

[...]: Senador, uma pergunta. Quem convenceu o senhor a sentar naquela cadeira?

Fernando Henrique Cardoso: É tão simples responder.

Augusto Nunes: Então vamos à história.

Fernando Henrique Cardoso: É tão simples de responder, foi o fotógrafo da Veja.

[Risos]

Fernando Henrique Cardoso: Por uma razão muito simples, uma razão de boa-fé dele e minha. Ninguém sabia quem iria ganhar as eleições, ele estava fazendo uma reportagem comigo e outra com o Jânio. E quem ganhasse sairia na reportagem, apenas não foi o da Veja, mas foi um outro que furou e deu, foi só isso, nada mais.

[...]: O senhor atenderia de novo o fotógrafo?

Fernando Henrique Cardoso: De boa-fé. Eu acho que essas coisas não têm a menor importância. Na maledicência, entre os que lêem jornais e vêem fotografias fazem uma enorme "onda" agora, foi somente isso. O fotógrafo me pediu e me explicou, eu fiz mais do que isso, eu fui ao alto do edifício Itália com o fotógrafo tirar fotografias, porque ninguém sabia quem iria ganhar e a Veja queria ter uma capa, foi só isso, não tinha nada de extraordinário, o resto é mera especulação. Com relação às outras questões, qual é o peso que eu atribuo, eu, outro dia ouvi a resposta que eu dei na televisão sobre a questão de Deus. É curioso ver, lá em Brasília o pessoal disse: "Mas o senhor disse que não acreditava em Deus." Eu não disse isso, eu disse duas coisas: eu disse que eu achava que nós deveríamos respeitar as religiões ou dar a prova disso. E em segundo, que havia uma forte probabilidade de que Deus existisse porque muita gente acreditava. Eu sou intelectual, isso atrapalha muito em política, se eu dissesse claro que eu acredito em Deus, acabava o assunto. Eu quis dar uma explicação não simples, mas uma explicação  sofisticada. Mas não foi por isso, é que havia uma campanha para dizer que eu não acreditava em Deus. Já estava na rua com cartazes e tal, de direita. Então, o que pesou não foi o que eu disse, tanto que, quando foi feita a pesquisa de qual era o resultado do debate, eu ganhei de longe o debate, ninguém levantou essa objeção... E queriam fazer crer que eu não acreditava em Deus. Então, passou aquele momento, depois esqueceram e, graças a Deus, foi tudo bem.

[Vídeo com entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva, político - 1988]

[...]: Você fez serviço militar, Lula?

Luiz Inácio Lula da Silva: Não fiz.

[...]: Você é reservista de terceiro?

Luiz Inácio Lula da Silva: Eu na época tinha apenas 1 metro e 50 e não sei quanto, não deixaram servir porque eu era pequeno.

[Risos]

[...]: Sem o Ministério Militar, você acha que isso está certo, está errado ou você termina isso tudo e faz o Ministério de Defesa Nacional?

Luiz Inácio Lula da Silva: Deixa dizer para você uma coisa importante. Nós defendíamos, na Constituição, que não deveria ter ministros militares, deveria ter um ministro da Defesa, um ministro civil, e que os militares estivessem nos quartéis cumprindo seu papel, nós não conseguimos isso. Não tivemos força para conseguir isso. Eu vou ser eleito, subordinado a uma Constituição que eu sou signatário dela e, obviamente, que eu vou exercer o papel supremo de Chefe Supremo das Forças Armadas.

[Vídeo com entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva, político - 1994]

Luiz Inácio Lula da Silva: Eu estou preocupado, primeiro, em ganhar as eleições e, dentro da nossa estratégia, eu estou convencido que vamos ganhar as eleições no primeiro turno. Estou convencido que é possível montar um ministério suprapartidário de pessoas que estejam com o compromisso de tentar resolver os problemas do Brasil, para que a esperança, alimentada por esse povo em muitos e muitos anos, possa se concretizar.

[Vídeo com entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva, político - 1995]

Matinas Suzuki: Você está 15 quilos mais magro, fez cinquentas anos, é vovô e não está aí com nenhum plano de uma candidatura imediata e essa coisa toda, e você está visivelmente bem. Isso tem lhe feito bem? Estar fora da política direto, como  você está se sentindo?

Luiz Inácio Lula da Silva: Houve um problema que eu acho que é da idade. Tem gente que tem crise dos quarenta, tem gente que tem crise dos cinquenta. Eu, na verdade, não tive crise, eu cheguei à conclusão, ao completar cinquenta anos de idade, que eu tenho menos tempo de vida para frente do que eu tive até agora. Então, a máquina, obviamente  vai cansando. Não adianta eu me iludir e dizer: "não, eu continuo jovem, eu continuo..." Eu não tenho mais o vigor físico que eu tinha quando eu tinha 25 anos de idade ou quando eu tinha trinta, que eu ficava três noites acordado no sindicato fazendo assembléias, 12 assembléias por dia, tomando 51 [marca de aguardente], sabe? Hoje não. Hoje a idade começa a pesar e eu preciso, então, fazer um contraponto, ou seja, me preparar. Então, eu resolvi fazer um contraponto para poder balancear, na medida em que eu completei cinquenta anos de idade, eu estabeleci uma nova forma de vida. Ou seja, eu parei de beber. Eu moderei substancialmente aquilo que eu comia. E vou tentar viver a vida de forma mais prazerosa do que eu vivi até agora, inclusive, no jeito de fazer política.

[Vídeo com entrevista de Dílson Funaro, empresário e político - 1988]

Dilson Funaro: Eu convivo com uma doença, e que tem momentos em que ela avança e tem momentos em que ela diminui. Quando avança, eu tomo remédios mais fortes e quando diminui eu a mantenho equilibrada. A inflação brasileira é um câncer. Ele está presente e depende da imunidade do país, e a imunidade do país sofre exatamente isso, sofre campanhas, sofre desentendimentos, sofre qualquer tipo de instabilidade. E no momento em que existe isso, a inflação está presente e  [é] violenta. Quando veio a inflação, existia uma grande campanha em dezembro sobre o descongelamento, que nós precisávamos equilibrar um pouco a economia para fazer o descongelamento administrado. Mas, em nome da livre iniciativa, fizemos o descongelamento. Uma livre iniciativa que eu defendo quando existe força de mercado. O que acabou acontecendo? Naquele momento, a indústria automobilística me pedia 12% para acertar todos os preços dos automóveis. De lá para cá o que aconteceu? Subiu os salários 400%, os automóveis subiram 1.200%, 1.700% em alguns tipos.

[Vídeo com entrevista de Ciro Gomes, político - 1994]

Ciro Gomes: O que eu disse? Um repórter me perguntou no dia em que eu acabei de votar, ele disse: "Ministro, alguns empresários estão dizendo que passada a eleição vão poder aumentar preço". Eu disse: "olha, eu considero..." "O que o senhor acha disso?" Eu acho isso uma canalhice, me veio assim e é o que eu penso. Eu lamento muito, mas nunca soube na minha vida que eleição fosse item de custo de qualquer mercadoria. E você dizer, em um país que já estaásurrado de sofrer como o Brasil, que passou a eleição vai aumentar preço, eu acho uma canalhice, mil perdões, eu acho isso mesmo, é verdade ou não é verdade que tem se cobrado 70% de ágio sobre um carro popular? É verdade isso, lamentavelmente...

Celso Ming: Mas, ministro, o senhor por várias vezes foi a televisão, deu entrevistas e disse para o consumidor o seguinte: "Adie suas compras, se você comprar agora você vai se dar mal, você é até um otário, deixa para depois..".

Ciro Gomes: Não, por favor, você é otário eu nunca disse...

Celso Ming: Otário?

Ciro Gomes: O que eu disse foi o seguinte: são essas palavras que usam e se começa a usar para todos os outros contextos, o que eu disse é que as pessoas não deviam se permitir ser[em] tratadas como otárias. Porque quem é obrigado a pagar 700 a 100% de ágio e aceita se deixar roubar assim, aí é otário.

[Vídeo com entrevista de Luís Carlos Prestes, político - 1986]

Luís Carlos Prestes: O capitalismo está em crise, uma crise geral que vem desde a Revolução Soviética de 1917, e essa crise está se acentuando cada vez mais. Veja a situação na Europa hoje, trinta milhões sem trabalho. E os economistas burgueses dizem que antes de terminar a década serão quarenta, e antes do fim do século serão sessenta. O capitalismo já está incompatível com a revolução científica e técnica, porque a revolução científica e técnica gera novas máquinas e cada máquina que entra na produção são dezenas, centenas, milhares de operários sem trabalho. Essa falta de trabalho é fruto do desenvolvimento da ciência e da mecanização da indústria. Essa mecanização gera a falta de trabalho, mostra a incompatibilidade já do capitalismo. É necessária uma nova sociedade.

[Vídeo com entrevista de Fidel Castro, dirigente de Cuba - 1990]

Fidel Castro: Mas o fenômeno, que realmente está ocorrendo, é o desmantelamento do socialismo. Em alguns com maior força que em outros. Em países como a Polônia já se está fazendo um desenvolvimento capitalista. É inclusive orientado por especialistas norte-americanos. E todo um plano de privatizar a indústria, estabelecer uma economia do mercado. E o que é o capitalismo, se não a propriedade privada e a economia de mercado, ou agora se chama de outra maneira?

[...]: Economia de mercado, que não há empresários...

[...]: Os setores, que havia nesses outros países que mencionou quais eram, e há também em Cuba esse tipo de erro e quais são?

Fidel Castro: Eu creio que em Cuba havia poucos erros como os que existiam nesses países. Eu vou explicar porque. Nós nunca cometemos muitos dos erros que se cometeram lá na Europa Oriental. Se quiser eu posso dar um exemplo: e sempre diferenciando a União Soviética dos países socialistas da Europa. Porque são situações diferentes, dois papéis diferentes jogados na história. Na URSS houve uma revolução autêntica. Não foi uma revolução importada de algum lugar. Como na China houve uma revolução autêntica. Como em Cuba houve uma revolução autêntica. E as revoluções autênticas, que nascem do povo, são diferentes daquelas revoluções que ocorrem por razões conjunturais. E não há dúvidas de que as revoluções socialistas nos países do Leste [europeu] ocorreram por razões conjunturais, em função do final da Segunda Guerra Mundial.

[Vídeo com entrevista de Florestan Fernandes, professor - 1994]

José Eduardo Faria: Disse que o senhor foi para a classe média quando entrou na USP e USP vai para o poder. Uma USP crítica, uma USP que...

Florestan Fernandes: Mas é a USP que vai para o poder?

José Eduardo Faria: Mas que USP?

Florestan Fernandes: Não é a USP que está indo para o poder.

José Eduardo Faria: Como não?

Florestan Fernandes: É preciso tirar essa confusão da cabeça de todos. Quem está indo para o poder é o Fernando Henrique Cardoso com apoio de alguns uspianos. Na verdade, para responder respeitosamente ao meu colega Paulo Sérgio Pinheiro, a USP não perdeu todo o seu conteúdo crítico, mas perdeu uma grande parte da sua potencialidade de resistência, e se despolitizou com uma rapidez que não era previsível na década, por exemplo, de 60, em que a escola entrou naquela fermentação que todos conhecem aqui.

[Vídeo com entrevista de Gilberto Gil, cantor, compositor e político - 1987]

Gilberto Gil [cantando] "E ... ele é meu gesto, meu gesto de amor; ele não faz parte de uma doutrina, ele não pertence a nenhum senhor; é como o gesto de um fidalgo branco, que acolhe em seu leito a mais negra escrava e nela crava o seu cravo de afeto, então se trava a batalha do amor, sem nenhum outro motivo que o sonho, já o próprio sonho fazer vencedor; sem nenhum outro querer que não seja, ver a beleza distinta da cor; o meu gesto é o fogo sagrado que não destrói mas é abrasador; que faz a dor transmutar-se em alegria, pelo seu mais agradável calor; o meu gesto político fica nenhuma mágoa desprezo ou temor".

[Aplausos]

[Vídeo com entrevista de Gilberto Gil, cantor, compositor e político - 1991]

[...]: Você estava fazendo muitas coisas e que, às vezes, você se ressentia de não estar fazendo muito bem uma determinada coisa. Não dá para fazer muito bem política, não dá para fazer muito bem música.

Gilberto Gil: É, eu sei disso, mas eu também sou uma pessoa que não tenho muito mais essa preocupação com a coisa de dar...

[...]: De fazer tudo muito bem?

Gilberto GilL: De fazer tudo muito bem não. Porque eu acho...

[...]:: Isso não é preguiça?

Gilberto Gil: Não. Porque eu acho que tem pessoas que tem que se dedicar, tem que estreitar o foco e se especializar em determinadas coisas e otimizar a realização daquelas coisas.

[...]:Claro.

Gilberto Gil: E isso é uma função e muitas pessoas devem se incumbir dessas funções...

[...]: E você mesmo...

Gilberto Gil: Em função de pendores pessoais, de traços de personalidades etc, e outras pessoas têm que fazer o contrário, tem que ser semeadores sem olhar para trás, como eu costumo insistir nessa imagem. Aqueles que saem semeando sem nem se preocupar em olhar para trás e ver se as sementes brotaram ou não brotaram, o trabalho dele é semear. O semeador não se responsabiliza pela colheita, entendeu? Tem essa coisa também, essa coisa de semear aos ventos e tal. Isso requer um certo desprezo pela otimização de cada processo em particular, quer dizer, da finalização, dos finalismos, quer dizer, não fica muito finalista. Eu não sou, eu perdi, eu já nunca fui, nunca fui...

[Risos]

Gilberto Gil: E cada vez fiquei menos finalista, essa coisa de compromisso com a história pessoal, compromisso com a história mesmo do seu tempo etc, não é muito da minha coisa. Então eu sempre... eu me lembro quando eu estava em Salvador, ainda adolescente, eu estudava na escola de administração, eu trabalhava na alfândega, eu participava das tertúlias musicais com Caetano, Bethânia, Gal, o pessoal todo que estava aparecendo, eu dirigia programa de calouros na televisão, eu fazia não sei o quê, não sei o quê, fazia muitas coisas e sempre foi um traço de minha personalidade.

[Vídeo com entrevista de Gal Costa, cantora  - 1995]

Gal Costa [vídeo]: Meu nome é Gal, tenho 24 anos, nasci na Barra Avenida, Bahia. Todo dia eu sonho alguém para mim. Acredito em Deus, gosto de baile, cinema, admiro Caetano [Veloso], [Gilberto] Gil, Roberto [Carlos], Erasmo [Carlos], Macalé, Paulinho da Viola, Lenine, Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério Duprat, Alê, Dircinho, Nando  e o pessoal da pesada. E se um dia eu tiver alguém com bastante amor para me dar, não precisa sobrenome, pois é o amor que faz o homem.

Lorena Calábria: Gal, a gente mostrou no começo do programa imagens sua daquela época. Quando você se vê na televisão ou fotos e tudo, o que você sente, dá muita saúde, é uma coisa nostálgica?

Gal Costa: Não.

Lorena Calábria: Aquele tempo já passou?

Gal Costa: Não me dá saudade, pelo contrário, eu me acho mais bonita...

Lorena Calábria: Mas você gosta de se ver?

Gal Costa: O tempo vai passando e eu me acho mais bonita.

Lorena Calábria: Então você gosta de se ver?

Gal Costa: Hoje eu me sinto mais bonita do que há 15 anos, por exemplo. Eu vejo fotos minhas que eu me acho mais jovem, mais bonita. Nós somos uma geração que ficamos aí, que temos anos de carreira. Temos  trinta anos ou mais de carreira e somos ainda contemporâneos, estamos ainda aí vivos, fazendo coisas. Eu acho que as pessoas que têm surgido da Bahia e de outras regiões são, na verdade, "crias" do Tropicalismo, crias nossas. Todas as cantoras que estão aí, todos os novos compositores são filhos da gente, porque a música tem a bossa nova, o Tropicalismo que, na verdade, mudou muita coisa dentro da música brasileira.

Tarik de Souza: Gal, recentemente, o Caetano fez uma crítica justamente ao axé music achando que tem muita quantidade e pouca qualidade. Você assinaria embaixo dessa crítica?

Gal Costa: Eu não li essa crítica do Caetano, eu não vi falar isso, mas eu acho que tem muita coisa boa na Bahia também, é claro que tem coisa ruim.

Tarik de Souza: Sim, mas não tem uma produção excessiva de coisas muito parecidas e tal?

Gal Costa: É possível que sim, mas eu acho que na Bahia, eu acho que a Bahia sempre foi um lugar que teve uma riqueza cultural tão incrível, desde a minha época de criança, e que hoje continua sendo um lugar que exporta uma riqueza musical tão extraordinária, que eu acho que em todo o lugar tem coisas boas e coisas ruins, quer dizer, eu acho que o nível de coisas de qualidade extrapola o nível de coisas de má qualidade.

[Vídeo com entrevista de Pedro Almodóvar, cineasta espanhol - 1995]

[...]: Eu sei que você admira o Caetano Veloso, que fez uma música para o seu filme, você usou a música dele no filme e ele tem um verso muito bonito que eu acho esplêndido, ele diz que "visto de perto ninguém é normal". Você acha que existe uma coisa como a anormalidade?

Pedro Almodóvar: Pois eu diria o contrário do que disse Caetano, sem contradizê-lo. É que vistos de perto, todos somos normais.

[Risos]

[...]: Por quê?

Pedro Almodóvar: Creio que se um monstro se olha no espelho, não se acha monstruoso. E mais, não creio que exista a anormalidade. Para mim, o que chama de anormal... É que tudo é uma questão dialética. Creio que Caetano quis dizer o mesmo que eu e eu quero dizer o mesmo que ele. Para mim, não existe a anormalidade ou o que se entende por anormalidade. Para mim, o normal é que possam dizer que você é uma pessoa perversa. Não, não sou uma pessoa perversa, mas os termos normais e anormais são termos por si morais. Teríamos de ver se o meu e o seu conceito de moral são os mesmos. Se não for, estamos usando palavras de modo distinto. É tudo uma questão de terminologia, de palavras. Não quer dizer que, em meu vocabulário e em minha moral, não haja nada perverso, nada mal. Sim, existem coisas más. Porém, quando digo que tudo para mim é normal, me refiro a que tudo, inclusive o pior, faz parte de nossa natureza.

[Vídeo com entrevista de Tom Jobim, maestro, cantor e compositor - 1993]

Julio Medaglia: Mas, de qualquer maneira, aquele Rio de Janeiro que você retratava nas suas músicas, de 30 anos atrás, aquela coisa descontraída, a tua própria música, que está acima do bem e do mal, a própria malandragem carioca, uma coisa poética, uma coisa até de se apreciar... Seria possível fazer essas coisas, hoje?

Tom Jobim: Não. O que acontece, por exemplo, comigo, foi que o Rio que eu conheci não existe mais. Como disse o Eumir Deodato [produtor e arranjador musical] para mim lá em Nova York, que ele fica lá, e ele disse: "A música, tal qual como a conhecíamos, não mais existe". Aí ele se refere a um tipo de construção, a um tipo de harmonia que foi abandonada, que foi ignorada. Hoje em dia a gente vive num mundo... o mundo em que eu vivo, por exemplo, o Rio de Janeiro onde eu vivo não é o Rio de Janeiro. Primeiro, que não é Rio. Depois, que não é de Janeiro, né? E depois, eu vivo no mato. Eu vivo dentro da floresta da Tijuca, quer dizer, eu vejo macacos, micos, tem quatro qualidades [espécies] de macacos de manhã. Eu vinha do colégio em Copacabana. Para voltar a Ipanema, o bonde vinha pela praia. Você já via se estava dando onda ou se não estava dando onda. Você já sabia a temperatura da água. Do bonde você sabia, pelo jeitão da pessoa que vai para água, pela maneira dele se locomover, você sabe se está frio ou se está gostoso. E, naturalmente, eram raríssimas pessoas. Ipanema, naquelas dunas de areia, nós conhecíamos todas as meninas bonitas, que eram uma meia dúzia no máximo...

[Vídeo com entrevista de Adolfo Bioy Casares, escritor aregentino - 1995]

Matinas Suzuki: Nesse livro em que o senhor relata sua viagem ao Brasil, o senhor fala de uma Ofélia, que teria desaparecido. Como que foi o encontro com essa Ofélia?

Bioy Casares: Sim. Eu estava num navio que parou no Rio e, pela escada, vi uma moça muito linda. Depois eu soube que se chamava Ofélia. Vi também umas índias que foram amigas minhas e pelas quais também me enamorei. No navio, um dia, Ofélia passou ao meu lado e caiu desmaiada. Foi socorrida e, depois, me disseram que ela desmaiara de amor por mim [risos]. Em Paris, saímos com ela um pouco e nos sentíamos bem juntos. Depois, vim ao Rio, eu a procurei, porém, não encontrei. Parecia que era mas, quando via o rosto, não era a Ofélia. Quando cheguei a Buenos Aires, recebi uma carta dela que dizia: “Velho atrevido, você nunca me verá de novo.” Bem, ela me castigou.

[Vídeo com entrevista de Antônio Houaiss, dicionarista e professor - 1990]

Humberto Werneck: O senhor não é apenas um especialista em língua portuguesa, o senhor também é um grande gastrônomo, um conhecido gastrônomo. Eu, esses dias, recebi um livro seu - o último livro eu acho - nessa especialidade..

[...]: É esse aqui ou não?

Humberto Werneck: Exatamente. Minhas receitas brasileiras, é um livro delicioso, fico imaginando se talvez as cozinheiras não vão precisar levar um dicionário para a beira do fogo para saber o que é consistência levitante da massa ou saber que a matéria graxa é apenas ali, a gordura. Mas eu vi um texto muito curioso na abertura desse livro, em que o senhor faz uma espécie de uma memória, uma memória de gastrônomo. E para o meu grande espanto, o senhor conta ali que em uma certa ocasião, não sei em que circunstância, o senhor comeu gafanhotos, formigas fritas e aranhas vivas. Eu queria saber qual desses pratos o senhor recomendaria?

[Risos]

Antônio Houaiss: Em havendo oportunidades, eu peço que você não abandone nenhum dos três. Eu só os comi, porque me ocorreu as oportunidades. Sobretudo as aranhas cruas, porque quando eu falo com os equatorianos, eles fingem que não é verdade...

[...]: Aranhas cruas ou vivas, professor?

Antônio Houaiss: Vivas.

[...]: Vivas?

Antônio Houaiss: Vivas. Estavam em uma caixinha, quando a caixinha foi aberta [com] uma molheira picante a mais, quando a caixinha foi aberta eu vi uns palitos movendo-se lentamente.

Humberto Werneck: As aranhas são picantes também, professor?

Antônio Houaiss: Não, elas são crocantes, então você pega em um aranhazinha que está batalhando, mergulha e aí elas param de batalhar, porque aquilo é bastante para eventualmente matá-las. Você leva à boca, croca e é um gosto delicioso.

Humberto Werneck: E as teias não se comem?

Antônio Houaiss: O quê?

Humberto Werneck: As teias?

Antônio Houaiss: Não, porque estão ainda potencializadas nelas. Agora gafanhoto é comida de São João Batista, não se esqueça. E hoje em dia em qualquer lugar [se] compra gafanhotos enlatados importados. Também [é] crocante e digna de ser apreciada. Quantos às formigas, vocês paulistas ainda comem. Aqui, durante muito tempo [vocês] foram conhecidos no Brasil como comedores de formigas, isso é da tradição do [escritor] Monteiro Lobato, que conta isso muito claramente. As formigas foram comidas freqüentemente e, segundo me consta...

[...]: Mas é uma tradição japonesa, professor.

Antônio Houaiss: Discretamente em certos pontos portuários paulistas ainda se faz uso desse prato.

[Vídeo com entrevista de Hortência, jogadora de basquete -1987]

Hortência: Deus te dá o dom de você ser um jornalista e eu [de] ser uma jogadora de basquete. Mas você tem que aprimorar esse dom, não adianta nada ele te dar o dom e você realmente não aproveitar esse dom que ele te deu. Então, além desse dom eu treino bastante para isso, então é a mesma coisa que um diamante, você tem que lapidar para ele ficar bonito, senão não adianta.

[Vídeo com entrevista de Oscar Shimidt, jogador de basquete - 1996]

Hortência: A gente observa, por exemplo, quando vê no jornal, muitos técnicos, muitos atletas edirigentes que falam muito mal do basquete, você vê pessoas criticando demais e tal. A gente já não sente isso de você. Por exemplo, você é um jogador sempre positivo, por mais perguntas que eles fazem para você, você sempre elogia muito. Qual é essa diferença? Por que você sempre elogia? Qual a diferença do Oscar para os outros atletas, você é uma pessoa muito positiva e eles são negativos ou você acha que eles deveriam ajudar muito mais o basquete, falar um pouco mais?

Oscar Shimidt: Hortência, é o seguinte: eu não vou falar mal nunca do meu filho, nem da minha filha, nem dos meus pais, nem da minha esposa e não vou falar mal do basquete, por que eu vou falar mal do basquete? São as coisas que eu mais prezo e amo na minha vida. Então, o basquete para mim é tudo. Se estiver tudo errado eu vou ter que achar uma maneira positiva de falar do basquete. Mesmo que eu possa criticar algumas vezes, mas a minha crítica vai ser muito construtiva, não vai ser aquele negócio egoísta. Porque muita gente critica de maneira egoísta, pensando em si mesmo. É difícil as pessoas criticarem pensando no grupo.

[Vídeo com entrevista de João Saldanha, treinador de futebol - 1987]

Marcelo Rezende: Como é a história do homossexualismo no futebol? Você já se deparou com algum problema desse tipo?

João Saldanha: Com muitos, claro, nego beijando na boca. O que eu tenho com isso?

Marcelo Rezende: Beijo na boca?

João Saldanha: Tem disso, jogador beija na boca do outro quando tem negócio de bicha no meio...

Marcelo Rezende: Esse negócio de concentração?

João Saldanha: Não obrigatoriamente [na] concentração...

[...]: Na minha época de 1970 servia até de utilidade pública...

Marcelo Rezende: Aquele retiro dos padres lá?

João Saldanha: Marcelo, pega uma câmera nele, dá um close... Vai bancar o anjinho pra cima de mim, você não sabe que nenhum... Então, o futebol, para a Igreja, para a escola presbiteriana, para a escola leiga, para o time de bairro, para a rua, para o circo, para o colégio, para isso, para aquilo, há homossexualismo feminino ou masculino. Claro que para o futebol, os caras não vêm da lua, vem da sociedade, tudo que tem de bom e de ruim na sociedade o futebol pega. É lógico. Francamente eu não sou crítico de moral, não vejo mal nenhum nisso, isso nunca nos atrapalhou em nada.

[Vídeo com entrevista de Vicente Matheus, dirigente de time de futebol - 1987]

Vicente Matheus: Tudo que é de pedreiro eu conheço, igual a vocês que conhecem de esporte, eu conheço de pedreiro e de serviço e de administrar também. Então foi aquela luta, eu era mais velho, até que eu ia deitar e o irmão mais novo às vezes mijava na minha cama [risos], e dava briga com a minha mãe, ia pôr uma camisa e às vezes o outro já tinha rasgado a camisa...

[...]:O senhor queria seguir o caminho do seu pai?

Vicente Matheus: Eu tenho camisas de seda na minha casa, ainda guardadas, que até um certo tempo eu usava só camisas de seda, mas depois a camisa de seda é mais quente, por quê? Porque quando eu reclamava da minha mãe, ela dizia: "você só vai usar camisas..." [ fala chorando]

[...]: O senhor reclamava da sua mãe que a vida era difícil?

Vicente Matheus: [Faz um gesto de confirmação com a cabeça chorando]

[...]: Como era a sua mãe, presidente?

Vicente Matheus: Prefiro não falar da minha mãe [chorando]

[...]: O sangue espanhol não deixa, não é, presidente?

Vicente Matheus: [Não responde]

[Vídeo com entrevista de Waldemar Seyssel  [palhaço de circo, Arrelia] - 1992]

Waldemar Seyssel: A TV progrediu muito. Tem grandes espetáculos, grandes programas. Mas eu acho que... não sei se eu sou daquela época antiga de fazer cruz credo [gesto de sinal da cruz] quando via uma coisa errada. Então, eu vivo fazendo quando eu assisto a TV, uma porção de cruz credo.

[Risos]

Waldemar Seyssel: A toda hora, já estou com o braço cansado de fazer cruz credo. Porque eu acho que a criança de hoje, ela vê coisas que não deveria ver.

[...]: O que, por exemplo?

Jorge Escosteguy: Eu acho que todos vocês sabem disso.

Jorge Escosteguy: O que, por exemplo, as pernas da Xuxa, você acha?

Waldemar Seyssel: Digamos, assalto a mão armada, assassinatos, drogas, um matando o outro, brigando, pelados em cima de uma cama. Me desculpe, eu acho que isso já é uma afronta à sociedade.

[Vídeo com entrevista de Peter Arnett, jornalista norte-americano - 1994]

Peter Arnett: Acredito que Saddam Hussein está acabado – [tossindo] acho que eu também [risos] – e há poucas chances de que ele se torne de novo uma ameaça. Isso não vai acontecer. O mundo não quer que isso aconteça. Acredito que os temores do Kuwait são exagerados.

Heródoto Barbeiro: Arnett, qual é a técnica que você usa com o seu entrevistado quando você pergunta uma coisa e ele responde outra, por exemplo, no caso de Saddam Hussein?

José Arbex:
Técnica que ele aprendeu muito bem. [risos]

Peter Arnett: Continuo pressionando, pressionando. Tento tirar a verdade, assim como vocês estão me pressionando. [risos]

[Vídeo com entrevista de Antônio Ermírio de Moraes, empresário - 1996]

Matinas Suzuki: E eu gostaria de encerrar o programa, fazendo a última pergunta para o senhor, do Geraldo, de São Matheus. Ele pergunta para o senhor: "Doutor Antônio Ermírio, dinheiro traz felicidade?"

Antônio Ermírio de Moraes: Não, é um engano. Dinheiro traz responsabilidade. Felicidade não. Agora, eu acho que na medida em que você tem mais recursos, eu acho que você tem que se tornar mais responsável, de maneira que você não agrida aqueles que são menos afortunados. Então, esse é o segredo da vida, você tem que viver uma vida simples, correta e procurar dignidade acima de tudo. Esse lema é tão simples, tão fácil de ser seguido. Agora, tem que abrir mão dessas bobagens todas que muita gente luta por umas tolices aí, passeios de lancha, passeios de avião, uma porção de besteira que sem isso ou com isso você vive do mesmo jeito. Então tem que viver uma vida simples. Eu vivo uma vida simples, graças a Deus.

Matinas Suzuki: Bem, a gente termina aqui essa edição especial do Roda Viva que mostrou hoje trechos dos melhores momentos do programa. Amanhã, dentro da série especial desta semana sobre os dez anos do programa, vamos reapresentar na íntegra a entrevista com o Darcy Ribeiro, professor, pedagogo, antropólogo, político, escritor. Um dos mais expressivos intelectuais brasileiros. Não perca e até lá.

Sobre o projeto | Quem somos | Fale Conosco