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[programa ao vivo, permitindo a participação do telespectador]
Carlos Alberto Sardenberg: Boa Noite. A campanha presidencial, neste momento, tem quatro candidatos definidos, candidatos firmes, competitivos. Há uma quinta candidatura que estava firme, mas agora, dadas as circunstâncias, está pendente, que é a da governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Todo mundo está à espera da definição das regras para as coligações partidárias. Enquanto isso, cada candidato procura, à sua maneira, avançar na candidatura. Dos quatro candidatos já definidos, dois deles, José Serra, do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] e Anthony Garotinho, do PSB [Partido Socialista Brasileiro], governador do Rio de Janeiro, já estiveram aqui no Roda Viva, nesta série especial que entrevista os principais candidatos à Presidência da República. Nosso convidado hoje é Ciro Gomes, candidato do PPS [Partido Popular Socialista]. Ciro Gomes é apoiado pela Frente Trabalhista, formada pelo PPS, pelo PTB [Partido Trabalhista Brasileiro] e pelo PDT [Partido Democrático Trabalhista].
[Comentarista]: Tudo começou cedo na vida de Ciro Ferreira Gomes, paulista de Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Aos quatro anos de idade, foi embora com a família para o Ceará, onde cresceu e estudou até formar-se em direito pela Universidade Federal do Ceará. A carreira política veio logo e a cada disputa eleitoral, Ciro Gomes surgia como o mais jovem ou um dos mais jovens candidatos do país. Elegeu-se deputado estadual com 23 anos de idade em 1982, sendo reeleito em seguida. Aos 29 anos, ganhou a eleição para prefeito de Fortaleza e aos 31, para governador do Ceará. Em 1994, com 35 anos, renunciou ao governo cearense para ser ministro da Fazenda nos quatro últimos meses do governo Itamar Franco. Em janeiro de 95, deixou o Ministério e o Brasil. Foi para os Estados Unidos estudar economia política na Universidade de Harvard. De volta, Ciro Gomes, que já tinha passado pelo PDS [Partido Democrático Social], MDB [Movimento Democrático Brasileiro], PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] e PSDB, entrou para o PPS, o Partido Popular Socialista, em 97. Em 1998, aos 40 anos de idade, tentou a eleição para presidente da República. Retorna agora à disputa, apoiado pela Frente Trabalhista formada pelo PPS, PTB e PDT. Na página oficial do PPS na internet, há um acesso direto ao site www.ciro23.com.br. Ali está o perfil de Ciro Gomes, sua história política, jornais com artigos e entrevistas, galeria de fotos e um detalhado programa de governo onde ele reúne idéias e propostas a respeito dos problemas brasileiros. No mesmo site, uma enquete pergunta qual é o principal problema do país: violência, desigualdade social, educação e saúde, desemprego ou corrupção. 34% das respostas colocam a corrupção como o maior problema. Em segundo lugar, com 27%, vem a desigualdade social.
Carlos Alberto Sardenberg: Para entrevistar o candidato Ciro Gomes, da Frente Trabalhista, Roda Viva convidou os seguintes jornalistas: Ricardo Amaral, que é repórter especial do jornal Valor Econômico; Andrei Meireles, que é repórter especial da revista Época; o cientista político Carlos Novaes; Fernando Rodrigues, colunista e repórter da Folha de S.Paulo em Brasília; o editor executivo do jornal O Globo, Luiz Antonio Novaes e, finalmente, Silvio Bressan, que é repórter de política do jornal O Estado de S. Paulo. Roda Viva é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e também para o Distrito Federal. Você pode participar do programa, mandar suas perguntas pelo telefone. O número é (011) 252-6525. Pode também optar pelo fax , que é (011) 3874-3454 e, finalmente, o meio mais moderno que é o e-mail rodaviva@tvcultura.com.br. Ciro Gomes, boa noite.
Ciro Gomes: Boa Noite,
Carlos Alberto Sardenberg: Nós havíamos perguntado antes como deveríamos chamá-lo, se de governador, de ministro...
Ciro Gomes: Me chama de Ciro. [sorri]
Carlos Alberto Sardenberg: Bom, estávamos falando, agora há pouco, dos candidatos que já estão definidos. Há um que é tradicionalmente o candidato das esquerdas, o Luiz Inácio Lula da Silva. Do outro lado, temos dois candidatos do governo, um firme o outro pendente, mas sempre haverá um candidato do governo com um potencial aí de 25, 30% dos votos, assim como pelo outro lado. A primeira pergunta é a seguinte: como o senhor pretende construir sua candidatura? Pela esquerda, pelo centro, procurar uma aliança mais ao centro, enfim, como o senhor pretende construir sua candidatura?
Ciro Gomes: Nossa proposta é de uma aliança de centro-esquerda, mas nós queremos traduzir esse centro-esquerda para além dos adjetivos superficiais que estão meio confusos hoje nos debates políticos brasileiros, traduzindo isso numa proposta concreta, um marco de modelo de relação do Estado com a economia, aceitando a iniciativa privada nos fatores da produção, construindo um modelo que equilibre as oportunidades e atue fundamentalmente em quatro grandes vetores. O primeiro vetor [é] construir um nível alto de poupança no país para que [ele] se blinde ou, pelo menos, atenue a grande necessidade que tem hoje de capitais externos que nos deixam de joelhos diante de uma agenda que definitivamente não nos serve, como a Argentina já demonstrou. O outro passo é vincular essa poupança a um investimento produtivo, emular no Brasil uma rota de crescimento econômico. Eu estou convencido de que se o país não crescer, nós não teremos solução para nenhum dos nossos explosivos passivos, nem o passivo financeiro, quanto mais o passivo social. O outro caminho é uma nova instituição que aperfeiçoe a distribuição de renda no país. O Brasil é um dos países mais profundamente desiguais do mundo e isso é conseqüência dos arranjos institucionais, e não de um erro de manejo ou de gerência daqui ou dali, nem será resolvido com políticas sociais compensatórias. E o quarto movimento é uma instituição que refunda as bases da democracia brasileira sob o ponto de vista das suas instituições. A direção aqui é radicalizar a democracia, aperfeiçoar os controles sociais sobre a representação política e prevenir a imoralidade e a corrupção.
Carlos Alberto Sardenberg: Quem o senhor vê como seu principal adversário? Eu pergunto isso porque o candidato Lula disse que a disputa hoje é entre ele e o candidato José Serra. Qual é o seu adversário principal?
Ciro Gomes: O meu principal adversário são aqueles que representam no Brasil o ideário neoliberal [neoliberalismo], que já produziu cinqüenta milhões de miseráveis. Claro que não produziu todos, mas em cima dos que já tínhamos, agravou profundamente essa desigualdade. 14 milhões de brasileiros que, nos primeiros passos do Plano Real, que eu ajudei a fazer, tínhamos trazido acima da linha de pobreza, já foram expulsos de volta. Só em São Paulo, como expressão do que está acontecendo no Brasil, numa única cidade, numa única região metropolitana, há hoje um milhão seiscentos e sessenta e oito mil brasileiros desempregados e isso está acontecendo por igual no Brasil inteiro. A violência é o sucedâneo imediato desses números. Então, aquele candidato que representa o mundo dos negócios internacionais, a patifaria que se sucedeu ao processo de privatização no Brasil, é o nosso adversário. E ele é o senador José Serra.
Carlos Alberto Sardenberg: Obrigado, vamos começar a rodada.
Ricardo Amaral: Senador, o senhor...
Ciro Gomes: [interrompendo] Opa! Senador é bondade do amigo.
Ricardo Amaral: Perdão, governador. A gente combinou lá fora e eu acabei errando aqui.
Ciro Gomes: Chama-me de Ciro, que é mais seguro.
Ricardo Amaral: Governador Ciro, o senhor está concorrendo com base numa coligação PPS, PTB e PDT e, neste momento, o mercado eleitor está muito competitivo. Acho bastante difícil que o senhor consiga ampliar isso na campanha. Essas forças não reúnem 15% do Congresso [Nacional]. Eu quero saber com que forças o senhor pretende, não se eleger, mas governar.
Ciro Gomes: Bom, esse é um problema que se põe para todos os brasileiros que participam deste momento. Há um fraturamento brutal da representação política, o professor Novaes [o entrevistador Carlos Novaes] tem tese sobre isso. Há um fraturamento muito grande, de maneira que esse constrangimento tem que ser resolvido por um esforço nosso individual e pela dinâmica institucional do país que aperfeiçoa, no segundo turno, necessariamente, uma coalizão. Para vencer as eleições, tem que chegar com uma coalizão ou, pelo menos aproximada, da maioria no Congresso Nacional. Entretanto, eu quero dizer que, nesse constrangimento, aquele que melhor superou esse problema somos nós. O único candidato, neste dia, que já tem uma aliança formada, somos nós. Essa aliança com 65 deputados federais, 12 senadores, tem representação com candidaturas competitivas em 22 estados dos 27 estados da federação brasileira, ninguém tem.
Ricardo Amaral: É, nesse momento, no segundo turno que o senhor espera receber o apoio, mesmo que informal, do PFL [Partido da Frente Liberal. Em 2007, dá lugar a uma nova agremiação chamada Democratas]?
Ciro Gomes: Não, eu não especularei sobre isso porque todo mundo sabe, o Brasil inteiro que está nos assistindo, que o PFL foi uma força parceira do governo que eu combati desde o primeiro momento esses sete anos. Portanto, o PFL é uma força que eu combati. Agora, se há essa contradição contemporânea e se alguém quer discutir um caminho novo para o país, isso tem que ser objetivado formalmente, à luz do dia, e será levado a um conselho político que reúne os presidentes dos três partidos que conformam a Frente Trabalhista: o ex-governador Leonel Brizola, o senador Roberto Freire [deputado federal por diversos mandatos e então senador pelo estado de Pernambuco. É líder do PPS] e o deputado federal José Carlos Martinez [(1948-2003) administrador de empresas na área de comunicação e presidente do PTB].
Fernando Rodrigues: O senhor acabou de dizer: "já temos uma aliança formada com três partidos e 65 deputados". Não obstante...
Ciro Gomes: [interrompendo] E doze senadores.
Fernando Rodrigues: Mas essa linha precisa ser formalizada, evidentemente, nas convenções desse partidos. Nós, em Brasília, ouvimos diariamente que o presidente Fernando Henrique...
Ciro Gomes: [ interrompendo] Você não ouve, você escreve.
Fernando Rodrigues: Não, eu ouço, por isso escrevo. E o presidente Fernando Henrique gostaria muito de ter o PTB voltando para a candidatura oficial do ex-ministro José Serra. O que garante ao senhor que esses três partidos, sobretudo o PTB, terão firmeza ideológica para seguir contigo até o final e vão resistir às ofertas que, certamente, já estão sendo feitas pelo governo?
Ciro Gomes: O tempo que está passando. O que me garante? A boa fé, a palavra das pessoas. Não tenho um cargo para dar para ninguém, não tenho um centavo para distribuir a ninguém, não tenho um privilégio para dar a ninguém, mas eu quero crer que esses setores que reproduzem essa fofoca não estão tendo coerência com o que está acontecendo. Passa mês, entra outro e todos os gestos práticos, concretos, revelam que o PTB está firme na direção de, realmente, acomodar-se nessa estratégia de oferecer ao país uma oposição capaz de vencer as eleições e de fazer um bom governo.
Fernando Rodrigues: O senhor acha que com esse tempo de TV que vai ser dado ao senhor, mais o apoio político supostamente do PTB e do PDT, o senhor conseguirá romper esse debate que existe hoje basicamente, o PT e o governo, que aconteceu em 1998 e que tende a se reproduzir agora?
Ciro Gomes: Na verdade, isso é uma jogada do sistema, porque o sistema quer assim. O Lula está sendo "engordado" para ser presa fácil do segundo turno. E não é por paixão que eu digo isso. Nós já votamos no Lula em 1989, e já em 94 eu estava percebendo a necessidade de se fundar no Brasil uma outra oposição e acreditei muito que o Fernando Henrique poderia ser essa alternativa. Eu me decepcionei muito precocemente, não aceitei ministérios, fui coerente com isso, me retirei praticamente da vida pública brasileira, fui para o estrangeiro estudar, aceitei um convite de uma universidade, passei um ano e meio fora e pensava em voltar para o debate como um acadêmico. Depois fui desafiado a começar de novo e estou muito feliz porque acho que nós estamos fazendo história no Brasil. Não eu, mas nós estamos dando à sociedade brasileira uma alternativa. Se eu estou satisfeito com isso? Não, a minha ambição é unir a sociedade brasileira e ainda falta muito para a gente chegar lá. Agora, nós vamos enfrentar uma série de obstáculos, um deles é este: o "sistemão" escolheu para impor à sociedade brasileira uma escolha pela negação. É o candidato do governo ou o Lula. E o preconceito diz "o candidato do governo não presta, é continuar tudo como está" e o preconceito do outro lado diz "o Lula é o caos e a anarquia". E eu quero dizer "espera um pouquinho, não é bem assim. É possível conservar uma coisa certa que está aí".
Fernando Rodrigues: O senhor já disse isso em 1998 e não adiantou.
Ciro Gomes: Eu tentei. Mas isso é uma democracia! A gente não pode pegar o povo e sacudi-lo pela goela, a gente tem que fazer um esforço proselitista e eu não estou disposto a vender a alma para ser presidente do Brasil, não. Eu vivo em paz com a minha consciência.
Carlos Novaes: Governador, deixando de lado as deselegâncias...
Ciro Gomes: [interrompendo] Os entretantos, e vamos aos finalmentes.
Carlos Novaes: Vamos falar que o Lula esteja sendo engordado para qualquer coisa, Eu diria que o PT...
Ciro Gomes: [interrompendo] Veja, eu disse que isso é um preconceito que está lá do outro lado.
Carlos Novaes: O PT vem sendo engordado na vida brasileira pelos eleitores, quer dizer, é um partido que tem crescido sistematicamente.
Ciro Gomes: [interrompendo] Estou de acordo.
Carlos Novaes: Eu venho observando isso, em todas as eleições é um partido que cresce. E aí eu diria que é menos por conspiração do sistema ou do Estado e mais pela disposição real de forças no Brasil, quer dizer, o senhor há de convir comigo que nós temos uma desigualdade brutal, uma urbanização muito forte do eleitorado que nos levou à polarização efetiva, que é social. E o PT é o herdeiro dessa polarização.
Ciro Gomes: [interrompendo] Desculpe, disso eu discordo, disso eu discordo.
Carlos Novaes: Então, se o PT é herdeiro disso, não é tão simples assim dizer que isso aí foi feito para ser derrotado. Isso aí está aí e está contraposto ao sistema que o senhor disse se contrapor também. Agora, o senhor está aliado com o PTB, que sustentou essa política tanto quanto o PFL, exatamente na mesma medida. Todas as votações cruciais no Congresso, o PTB estava ao lado do PFL, cerrando fileiras. E mais, o PTB tem a tradição de compor com o PFL e só disputa - e isso os números mostram - nos municípios em que o PFL não lança candidatos. Aí o PTB lança um candidato, porque eles têm composição. Então eu lhe pergunto: não é um excesso de otimismo achar que esse pessoal se converteu e está em condições de lhe apoiar? Essa é a primeira pergunta. E a segunda: também não é excesso de otimismo achar que, com uma candidatura apoiada numa aliança um pouco mambembe, o senhor pode se contrapor como um projeto a duas forças estruturais, que são, de um lado, o PSDB, e do outro lado, o PT?
Ciro Gomes: Desculpe, mas mambembe é a aliança que não se conseguiu, que o PT está tentando e não conseguiu ainda com o PL [Partido Liberal].
Carlos Novaes: Concordo, concordo.
Ciro Gomes: Devagar com o andor, não é? A minha [aliança] está muito organizadinha, eu nunca anunciei a ninguém que eu era o portador solitário da verdade boa e que todo mundo era defeituoso. O PTestá amadurecendo. Eu quero dizer que tenho uma longa história de parceria com o PT. A minha cidade, Sobral, é governada pelo meu irmão [o político Cid Gomes], que é o prefeito mais popular do Ceará, com visto do PT, reeleito com mais de dois terços dos votos, então tenho uma longa e fraterna convivência e respeito para com o PT. Quero lhe dizer, entretanto, que a premissa do seu encaminhamento, eu discordo. O PT é uma coisa, o Lula é outra e o PT é muito menor do que o Lula. E se isso fosse um fenômeno da urbanização, uma conseqüência da politização da sociedade brasileira, viva! [bate palmas] Eu estaria também muito feliz. Mas todo e qualquer ensaio que retira o Lula e [coloca] o PT como força social, o partindo está diminuindo de tamanho, está diminuindo de tamanho.
Carlos Novaes: Contesto! Em todas as eleições, nunca houve recuo de votos.
Ciro Gomes: Não, não. Está diminuindo de tamanho [no sentido] de combate no país, da hegemonia moral e intelectual. É indisfarçável, professor. Claro, se você tomar os votos nas eleições municipais, perfeitamente, o raciocínio estatístico é verdadeiro. Nesse sentido, o PTB, se o critério for crescimento de bancadas, é o partido que mais cresceu no Brasil. Saiu de 21 para 33 deputados federais, recentemente. Mas isso são falácias, por quê? Porque quando a Marta Suplicy toma uma eleição maravilhosa em São Paulo [em 2000, foi eleita prefeita de São Paulo pelo PT, com 3.248.115 votos, isto é, 58% dos votos válidos], que é o maior colégio eleitoral do país, os números todos, falseia-se.
Carlos Novaes: [interrompendo] Mas eu estou falando do ponto de vista relativo, não estou falando... Isso eu concordo.
Ciro Gomes: [interrompendo] Desculpe, o capital político da Marta Suplicy e do PT, em São Paulo, encolheu. Mas eu não comemoro isso, eu lamento. É visível que o PT está, pela primeira vez desde que foi fundado no Brasil, sozinho. Seus tradicionais parceiros, o PPS, que é o meu partido, o PSB, o PDT saíram, foram embora. E aborrecidos, falando mal, constrangidos, não se sentindo mais agasalhados. Alinhou-se muito mais pela verticalização o PCdoB [Partido Comunista do Brasil], que tem uma tática de tirar quociente eleitoral na aliança com o PT. Mas eu não acho que isso seja para descaracterizar o PT, que é uma coisa muito boa para o Brasil. O que não dá mais é para o PT malversar o sentimento de oposição no Brasil. E uma parte é culpa deles, do vazio. Se você vir o zigue-zague que o PT tem tomado no debate brasileiro, com respostas contraditórias para os mesmos temas, ou a história de olhar depois os erros graves que cometeu. De um deles eu participei, era madrugada do impeachment [impeachment do presidente Collor]...Nós fizemos o impeachment num coletivo que reunia basicamente PSDB, ao qual eu pertencia, PMDB, PT e os outros partidos.
Ricardo Amaral: E a dona Roseana Sarney.
Ciro Gomes: Sim, todos estávamos ali na luta, não é? Acabou a sessão, eu saí para jantar com o Fernando Henrique e com o Tasso Jereissati [político brasileiro, senador cearense pelo PSDB desde 2002. É dos fundadores do partido e governador do Ceará por três mandatos consecutivos] em um restaurante em Brasília. Ali pela meia-noite, toca o telefone - eu vou fazer essa divulgação histórica aqui, que eu nunca comentei com ninguém - era o vice-presidente Itamar Franco [após a derrota de Collor, de cujo governo foi vice-presidente, o político assumiu a Presidência entre 1992 e 1994, em meio a forte crise política e econômica] nos chamando lá urgente. Ficamos apavorados. O país, é bom lembrar, estava com 30% de inflação ao mês, havia uma crise grave no Congresso Nacional, com aquele escândalo do orçamento, os Anões do Orçamento...
Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Só para esclarecer, o senhor está falando do episódio do impeachment do Fernando Collor, em 92.
Ciro Gomes: Só houve esse no Brasil.
Ricardo Amaral: O senhor está falando do dia 29 de setembro?
Ciro Gomes: Eu não lembro a data, mas era quando a Câmara [dos Deputados]...
Ricardo Amaral: A Câmara votou no dia 29 de setembro de 1992.
Ciro Gomes: [interrompendo] Vamos ser mais rápidos, fomos à casa do Itamar, que nos levou no quarto e disse: "Eu não vou assumir a Presidência da República".
Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Levou quem?
Ciro Gomes: Eu, o Fernando Henrique e o Tasso Jereissati. E disse: "Não vou assumir, chamei os senhores aqui para comunicar que não vou assumir a Presidência da República". Eu, muito moço, arrepiei. E ali os dois maiores, que eram o Tasso e o Fernando Henrique, encaminharam a conversa e eu fiquei ouvindo. E ele: "Razões fundamentais: o Quércia [Orestes Quércia, um dos fundadores do PMDB, foi governador de São Paulo e senador] está me exigindo a nomeação do ministro da Fazenda, e eu não vou fazer. E o PT acabou de me comunicar que vai por oposição". E foi assim que aconteceu. O país, naquela noite, correu o risco de o PSDB, por exemplo, por oportunismo, dizer: "nós também vamos para a oposição". Fica aí o desgaste do governo com o Itamar, sem ninguém. Na verdade, ele estava jogando, nos obrigou a chamar o PT. Nós chamamos a Erundina [Luiza Erundina, do PT. Após terminar o mandato de prefeita de São Paulo, foi nomeada secretária de Administração Federal do governo Itamar Franco, em 1993], que achou aquilo um absurdo, disse: "pode me nomear para ministra, que eu assumo". E no dia seguinte foi expulsa do PT, ou pelo menos, pediram para ela se afastar do PT. Lá atrás, o Lula também atribuiu parte da responsabilidade da entrega do país ao senhor Fernando Collor, ao sectarismo [pois] recusaram o apoio do doutor Ulysses Guimarães.
Carlos Novaes: Mas o Lula já revisou essa posição.
Ciro Gomes: Sim, mas revisa depois, e estão fazendo a mesma coisa agora.
Carlos Novaes: Agora como?
Ciro Gomes: Arrebentou a oposição inteira pela imposição, pelo hegemonismo, pelo sectarismo, pela presunção de que só ele pode interpretar. Quando o sentimento médio da sociedade, já apurável por pesquisa, as quais eu dou pouco valor, mas eu sinto na rua, marca uma derrota certa...por isso nós não vamos mais somá-lo. Claro, havendo um confronto no segundo turno, pretendemos estar lá com todas as forças, mas nós não consideramos o PT uma força negativa. É apenas uma hegemonia geral da oposição.
Silvio Bressan: Mas todas as pesquisas de segundo turno mostram que o senhor, se eu não me engano, também não ganharia.
Ciro Gomes: Opa! Desculpa, desculpa, mas faz uma diferença brutal você ter um candidato que vai para a quarta eleição, que é 100% conhecido, que não é mais novidade nenhuma, de um outro que está simplesmente escondido da imprensa. Raríssima a oportunidade que eu tive de botar uma opinião, de fazer uma proposta, e as pesquisas indicam o nível de crescimento. Quem tem maior possibilidade de crescer somos nós, isso também está ali semeado na pesquisa.
Carlos Alberto Sardenberg: Governador, vamos ouvir o Andrei Meirelles.
Ciro Gomes: Andrei Meireles, você está onde?
Andrei Meireles: Estou aqui. Governador, há sinais de que o PFL teria interesse em apoiá-lo. Indagado sobre isso...
Ciro Gomes: Você recebeu algum comunicado? Eu não recebi nenhum.
Andrei Meirelles: Espere aí. Indagado sobre isso, o senhor disse que seria otário em responder.
Ciro Gomes: Claro!
Andrei Meirelles: A minha dúvida é o seguinte: o senhor disse...
Ciro Gomes: Não foi otário que eu disse, foi bobo.
Andrei Meirelles: Foi bobo. O senhor disse também que o PT foi ingênuo em expor publicamente que tinha pré-negociação com o PL. Eu queria saber o seguinte: o senhor descarta uma aliança com o PFL ou não?
Ciro Gomes: Meu bom amigo, seja paciente comigo e olhe no meu olho, que eu estou sendo sincero. O PFL tem uma candidata [Roseana Sarney] que hoje afirmou na televisão que está firmíssima como candidata. Eu não recebi um embaixador do PFL, ninguém me procurou, estou lhe falando com a maior franqueza. Isso porque que eu reagiria, seja por falta de ética, de tripudiar sobre uma candidatura que está em dificuldades, seja porque pode ser simplesmente um fogo de barreira, uma fumaça que pode ter duas motivações. Uma delas seria para me usar como instrumento de vingança e ameaça ao governo, mas procurem outro, eu não presto para isso. E dois, o governo está apavorado com essa possibilidade pela contradição óbvia, já que nós temos sete anos de oposição ao governo - o PFL foi unha e carne com ele - a gente tem que explicar isso. Então, por favor, é um ato de inteligência e de modéstia minha e peço respeito por isso. Dê-me um fato, este fato será imediato e transparentemente oferecido ao juízo do meu comando político, ex-governador Leonel Brizola, deputado José Carlos Martinez, senador Roberto Freire. Vamos discutir. Se for uma coisa política relevante, assumiremos diante da sociedade brasileira com toda a clareza e transparência, porque não tenho que ter nenhum policiamento que o PT tem. O PT é que já andou desqualificando todo mundo como parceiro, eu não. Eu já governei, eu sei que governar é um ato complexo, governar o Brasil é um ato dificílimo, exige uma sólida capacidade de articulação, de diálogo com todas as forças da sociedade. E o PFL, convenha, tem um pedaço grande de representação popular brasileira. Escutamos, vamos discutir.
Andrei Meirelles: Por que o presidente do seu partido, o senador Roberto Freire, descarta, por exemplo, uma aliança com o ex-senador Antônio Carlos Magalhães?
Ciro Gomes: Nós estamos falando de partidos, não é? A briga do Roberto Freire com o senador Antonio Carlos Magalhães, é uma coisa antiga, os dois se enfrentam ali, tem a ver com as tradições de confrontação entre Pernambuco e Bahia. Mas eu não, agora que eu estou me preparando para presidir o Brasil, querendo fazer um modelo tributário que precisa de três de cada cinco deputados federais, querendo fundar a previdência social moderna que dê dignidade a três milhões de brasileiros que estão ganhando cento e oitenta reais, eu preciso de três de cada cinco deputados federais. Então eu compreendo a sua curiosidade, mas aguarde que, com transparência, o que acontecer, você vai saber.
Luiz Antonio Novaes: Mantendo o mesmo assunto, pelo que está dando para entender, se houver um fato, é possível conversar com o PFL.
Ciro Gomes: É a resposta anterior.
Luiz Antonio Novaes: Mas concluindo, está me parecendo que para o lado do PT é impossível conversar. Nem com fatos.
Ciro Gomes: Com o PT? Absolutamente não, se o PT quiser entrar numa dinâmica de unidade conosco, viva! Quase não há contradições. Vamos conversar. Eu propus por escrito, tenho nos meus arquivos implacáveis um documento ao Lula que entreguei pessoalmente, no escritório dele aqui na praça do Museu do Ipiranga, em 1999, quando se deu o desastre - que eu havia tentado prevenir a sociedade brasileira - do colapso do câmbio [em janeiro de 99, o real sofre uma desvalorização de 70%. O Brasil adotou o regime de câmbio flutuante para conter a desvalorização do real]. Quem prestou atenção no que eu dizia, viu aquilo ser prevenido e a recessão desenhada, então o país entrou...
Carlos Novaes: [interrompendo] O senhor e algumas centenas de jornalistas, não é?
Ciro Gomes: Sim, mas na política. Em 1998 eu estava anunciando, tenho esses documentos todos, não é vaidade, não. Propus ao Lula uma dinâmica de unidade começando assim: "Somos diferentes, porque somos diferentes, porque temos origens diferentes". Nem quero ficar dizendo que sou o herói da resistência, porque o herói da resistência é ele. Eu, ao contrário, era um alienado quando o Lula já apanhava aqui, ainda estava aprendendo o que era política, cometi muitos erros, muitos equívocos, nunca nada de falha no campo moral, mas confesso. Logo, temos visão de mundo diferentes e uma responsabilidade em comum: interromper o itinerário de tragédia social, econômica e política e de lesa majestade à pátria, pela soberania escangalhada do Brasil, na prática. Temos a obrigação de celebrar a unidade. Como superar isso? Eu propus um caminho prático: vamos convocar, em seminários temáticos e regionais, toda a sociedade civil organizada brasileira, filiada ou não aos nossos partidos, para mediar um programa comum que seja o objeto da nossa unidade. Ressentimento não move nada e não supera o preconceito que a sociedade está crescentemente alimentando contra o PT. Acham que o PT é muito bom para denunciar, que é muito bom para protestar, se identifica com eles na indignação moral, na indignação social, mas tem medo de dar o poder central brasileiro a eles porque parece que eles não têm uma visão, eles estão se esforçando, inclusive para superar isso, mas isso que é a realidade brasileira. Maravilha, grande idéia! Como vamos resolver o candidato? Não tem problema. Esse grande conjunto de brasileiros, que eu creio que vão se apaixonar por essa dinâmica... vamos fazer política e não campanha eleitoral, vamos dar à sociedade o direito de participar das coisas e não ser um objeto apenas procurado às vésperas da eleição, damos a esse conjunto de filiados ou não, a faculdade de eleger em eleições primárias os candidatos unificados. Vamos fazer uma reunião amanhã para anunciar. Isso exige um grande fôlego, um grande planejamento.
Carlos Alberto Sardenberg: A próxima pergunta é do Silvio Bressan. Antes eu gostaria de dizer que, com os seus comentários sobre a chapa, a composição, postura em relação à candidatura, o senhor respondeu aqui a pergunta de vários ouvintes como Célia Alexandre Lins Albuquerque, que é de Sorocaba, Ricardo Medeiros, que é de Formiga, e João da Silva, de Ubatuba.
Silvio Bressan: Candidato, o Lula tem dito que essa será a campanha mais suja da qual ele já participou, afirmou isso ontem. Eu queria saber se o senhor acha como ele, se tem visto algum dossiê voando por aí, porque só se fala nisso e, nesse caso, se for uma campanha suja, a quem interessa isso, e quem ganharia com isso?
Ciro Gomes: Vamos começar por um exemplo da Argentina. Na Argentina hoje, não há um político de nenhum partido que possa ir a um restaurante. Todo o estamento político da Argentina está desmoralizado. A Argentina está ingovernável e simplesmente a democracia na Argentina só não colapsou, porque há uma cláusula democrática do Mercosul [Em julho de 1998, por meio do Protocolo de Ushuaia, foi incorporada uma cláusula democrática ao Tratado de Assunção, que criou o Mercosul em 1991. A claúsula condiciona os Estados-partes do bloco a possuírem regimes democráticos] em que o Brasil está pilotando a manutenção da democracia na Argentina. E nisso temos que aplaudir o presidente Fernando Henrique. Portanto, essa imundície, essa sujeira só vem aperfeiçoar um preconceito que já está muito forte no coração da sociedade, de que todo político é bandido. Trata-se somente de descobrir que tamanho é a bandidagem e, sendo bandido, se é capaz de fazer alguma coisa boa para o povo. Isso não é verdade. Agora, eu discordo do Lula, porque, primeiro, esse sintoma de deseducação política sempre houve. O povo brasileiro sempre testemunhou essa coisa da jogadinha, da denúncia, etc. E segundo, quem dá o tom das campanhas somos nós, políticos, e vocês, jornalistas, mas nós temos a hegemonia do processo. Se nós nos comportarmos...E não quer dizer que a gente tenha que esconder denúncias, não. Esse negócio de dossiê, eu não faço clandestinamente. Qualquer denúncia que chega para mim, eu faço. Eu sou muito "bocão", não é? Eu falo e eu falo o porquê, a minha palavra sempre foi a ferramenta, eu fiz uma opção de vida de não ter "rabo de palha", mas todo homem público tem que ter a humildade para ser acusado. E tem que ter uma reação natural de dizer: "Então, aqui está o meu peito aberto, aqui está o meu sigilo bancário, sigilo fiscal. Aqui está a minha vida toda, devassem, investiguem". Porque calúnias sim, isso é grave, porque você pode fazer uma calúnia pela televisão, e você destrói uma biografia, destrói uma reputação. Anos depois, a Justiça pode restaurar essa coisa e o processo já está queimado. Já temos vários episódios assim. Isso é grave e eu vejo sintomas disso no Brasil.
Ciro Gomes: No caso da Roseana, o senhor acha que é isso?
Ciro Gomes: Não, ali é uma confissão. Aquela montanha de dinheiro, tudo bem. Aquilo seria um documento de um processo que estaria, teoricamente, sob sigilo bancário, sob sigilo judicial. É segredo de Justiça, portanto devassar, manipular aquilo não é bem afim com a lei. Mas o secretário de Planejamento do Maranhão [Jorge Murad Júnior, marido de Roseana] foi a público dizer que isso era dinheiro de campanha, ele confessou. Então não há mais explicação, aquilo é um crime.
Silvio Bressan: Aquilo convenceu o senhor?
Ciro Gomes: O quê?
Silvio Bressan: Há dúvidas em cima dessa versão.
Ciro Gomes: Não, não convenceu. São sete versões, mas aquela última é crime, simplesmente é a condição de um crime.
Silvio Bressan: Porque se fosse propina, seria um crime mais grave.
Ciro Gomes: Não, mais aí é uma discussão de origem do dinheiro. Ele falou que aquilo era para a campanha.
Ricardo Amaral: Mas é um crime conveniente, não é governador? Porque é um crime que não tem pena prevista, não é?
Ciro Gomes: Por favor, por favor. Tem pena prevista, tem inelegibilidade dele, mas não dela. É evidente que você pode, em um procedimento judicial, distinguir responsabilidades. Agora, eu não quero entrar nisso, porque acho tudo isso muito vulgar e eu quero me manter alheio a essa imundície, porque quando a máfia briga, ela quer fazer com que todos sejam bandidos, isso é que interessa.
Fernando Rodrigues: O senhor está colocando o PFL dentro da máfia, nesse caso.
Ciro Gomes: A máfia não é partido - eu não vou cair em escorregões desse tipo - a máfia não é partido, a máfia são os mafiosos que estão nos partidos, que estão no jornalismo, o que definitivamente não é o caso dessa bancada aqui, não é? O que eu quero é ter segurança de que não haja mafiosos no Ministério Público, senão eu vou "pedir pela mamãe", aí eu "quero a mamãe".
Ricardo Amaral: O senhor tem alguma dúvida em relação a isso? No caso da Roseana...
Ciro Gomes: Bom, minha formação é jurídica, eu sou professor de direito constitucional. Muitas vezes, as pessoas confundem, acham que eu tenho uma opinião dúbia, mas isso é cacoete de uma pessoa que foi treinada no direito, não é? Então aquilo ali...no itinerário, a Polícia Federal pediu ao Ministério Público para requisitar o juiz. Não tem uma única imperfeição jurídica. Então queixar-se de que não foi avisado é absoluto patrimonialismo, não é? Não existe isso, como também não existe o presidente da República telefonar para o delegado de polícia pedindo um fax explicando o que aconteceu, isso não existe [na época da investigação do caso, o governo federal foi acusado de ter ciência de todos os fatos, já que a Polícia Federal teria enviado um fax ao presidente no momento das operações. Isso culminou em uma crise entre o PSDB e o PFL]. É preciso dizer ao presidente que, se ele for pressionado por isso, tem que dizer "Isso é um mandado judicial, eu não posso interferir". Se houver abuso, ou arbitrariedade, ou ilegalidade, os caminhos legais serão feitos, mas jamais receber um fax de um delegado de polícia na sua residência.
Ricardo Amaral: O senhor concorda com a tese muito difundida...
Ciro Gomes: Deixa eu completar. Então, veja bem, tem o ilícito flagrante confessado, pode até haver coisa mais grave, mas eu presumo inocência até que provem o contrário, porque esse é um direito assegurado a qualquer cidadão. Mas, há o seguinte fenômeno, isso o Brasil precisa saber: esse governo concedeu pedaços importantes do orçamento brasileiro, dinheiro do povo, para essa oligarquia brasileira. Todos os brasileiros, pelo menos da política, sabíamos quem era, para o bem ou para o mal, o senhor Jáder Barbalho. O senhor presidente Fernando Henrique Cardoso deu a ele a faculdade de nomear o superintendente da Sudam [Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia]. A Sudam não é repartição da Lua, nem de Marte, é da administração federal brasileira, cuja hierarquia é chefiada pelo presidente da República. O país perdeu, nesse episódio, um bilhão e seiscentos milhões de reais, um bilhão e seiscentos milhões de reais. Deixa eu aplacar minha indignação, porque eu sei quanta casa popular poderia ser feita com isso, quantos açudes no Nordeste poderiam ser feitos. Isso pagava a [rodovia] BR-364 e dava aos nossos compatriotas da Amazônia um caminho em direção ao [Oceano] Pacífico facilitando a vida de acreanos, rondonienses...
Fernando Rodrigues: Governador...
Ciro Gomes: Só um minuto. Pois bem, anos depois, eles elegem o senhor Jáder Barbalho como presidente do Congresso Nacional, é inacreditável isso! E agora, quando há uma ruptura, quando um ou outro fragmento dessa coalizão de poder que fez a reeleição, a compra de votos, quando viram inconvenientes, abrem-se as gavetas e sai o tal dossiê. Isso é também errado, é fascismo isso. Quantos dossiês estão na gaveta porque alguém está calado?
Fernando Rodrigues: Mas a que dossiê o senhor se refere?
Andrei Meirelles: A gente não viu nenhum dossiê...
Ciro Gomes:[interrompendo] Jornalista, você trabalha na Folha de S.Paulo e você na revista Época, os dois sabem antes de mim quais são os dossiês. Você, por exemplo, podia explicar à sociedade brasileira como é que a revista Época, que sai às sextas-feiras à noite, divulgou no sábado de manhã, em São Paulo, um outdoor com a capa com aquele escândalo. [edição 198 da Época, de 14 de março de 2002. A capa era: "Contas em paraíso fiscal e outras provas da polícia contra o marido de Roseana Sarney"]
Andrei Meirelles: Isso foi explicado, inclusive, pelo diretor de redação da Época.
Ciro Gomes: E você acreditou naquela explicação?
Andrei Meirelles: Claro, eu estava participando. O senhor não acreditou, não?
Ciro Gomes: Eu não acreditei.
Andrei Meirelles: O que o senhor acha que foi?
Ciro Gomes: Eu acho que ela tinha a informação antes.
Andrei Meirelles: Nós estávamos apurando aquilo antes...
Ciro Gomes: Apurando com base em que pista? Ô amigo, o Brasil inteiro está nos assistindo...
Andrei Meirelles: Com base em que pista, não, rapaz! Nós somos repórteres! Espera aí, espera aí, o senhor está levantando uma coisa muito grave. [demonstra exaltação]
Ciro Gomes: Aquela foto e aquelas imagens do dinheiro, sendo uma peça de um processo que, formalmente, corre sob segredo de justiça, como estão publicadas?
Andrei Meirelles: Mas aquilo não foi publicado no dia seguinte...
Ciro Gomes: Diz a Polícia Federal que quem divulgou foi o procurador e ele diz que não.
Andrei Meirelles: Mas isso é uma coisa diferente da primeira edição da Época. Tem duas edições da Época.
Ciro Gomes: Me "inclua" fora dessa, vamos discutir saúde pública, educação pública, porque se a gente for mexer começa a feder e a sociedade brasileira...
Silvio Bressan: Não, o que a gente quer saber é se existe dossiê, se o senhor já viu. Acho que todo mundo quer saber isso.
Ciro Gomes: Se você abrir as três revistas nacionais, as três estão falando de dossiê, arapongagem.
Silvio Bressan: Mas o senhor viu alguns desses...
Ciro Gomes: Não, eu não. Porque já em 1998, me ofereceram por telefone o dossiê Cayman [documento com supostas informações dizendo que os candidatos do PSDB, partido que concorria à reeleição presidencial em 1998, tinham milhões de dólares depositados em paraísos fiscais do Caribe. Cópias desse dossiê foram espalhadas pela oposição durante a campanha eleitoral, mas a autenticidade dos papéis não foi comprovada] e a minha reação foi: "Eu não participo desse tipo de jogo. Se você tem alguma ilegalidade, entregue ao delegado de polícia mais próximo porque esse serviço é sujo". Nós, políticos, tínhamos que tomar cuidado, pois mesmo com pretexto de nos ajudar hoje, isso destrói a confiança da sociedade na sua representação. O que não quer dizer que nenhum de nós esteja fora da necessária severidade da lei, e mais que isso: qualquer um de nós, sob suspeita, tem a obrigação de se colocar, previamente, à disposição para qualquer esclarecimento.
Fernando Rodrigues: Eu vou fazer uma pergunta de política para o senhor. O senhor acha que já é possível dizer que algumas candidaturas à Presidência são irreversíveis? Quais são as que estarão na lista da urna eletrônica no dia 6 de outubro?
Ciro Gomes: Você me fez essa pergunta por e-mail. Como não sou um neutro observador da cena nacional, eu sou um interessado no assunto, qualquer opinião minha pode ser vista com suspeição. Pode ser que eu dê uma opinião aqui que não seja o que eu percebo, mas o que me interessa. Vou me arriscar: acho que o governo terá um candidato e, obsessivamente, esse candidato está "torpedeando" todas as fontes, é inacreditável. Faça-se justiça. O senhor Fernando Henrique Cardoso, fazendo concessões que eu não faria e transgredindo certos limites éticos que eu imagino não poderiam ser transgredidos, manteve, por sete anos, uma aliança que envolvia PSDB, PMDB, PFL, PTB e PPB [Partido Progressista Brasileiro]. Em sessenta dias, o senhor José Serra destruiu essa coligação e o ódio se espalhou de uma forma absolutamente impressionante, não é? Isso é um dado concreto, que não foi analisado ainda para a sociedade perceber...
Luiz Antonio Novaes: Mas essa coligação brigou o tempo inteiro.
Ciro Gomes: Sim, brigou, mas o presidente Cardoso a trouxe até o presente momento. O PTB, quando assumiu o compromisso comigo, foi na condição de estar livre para votar matérias do [poder] executivo que achasse corretas.
Fernando Rodrigues: Mas qual é a lista?
Ciro Gomes: Veja bem, o governo terá o seu candidato, com toda essa desagregação, fala-se em plano B, etc. Não creio que haja, mas será o senador José Serra...
Ricardo Amaral: Governador, o senhor está, implicitamente, colocando em dúvida a consistência da candidatura de José Serra. O senhor acha que ele pode desistir?
Ciro Gomes: O que o país precisa ver...
Ricardo Amaral: O senhor está dizendo que ele pode não vir a ser candidato.
Ciro Gomes: O que o país precisa ver é que há uma obsessão desse senhor pelo poder. Sua inabilidade e a grossura com que ele se comporta na política e as linguagens que ele usa para manipular, na sua sede desmedida de poder, são de tal forma que ele está se inviabilizando. Imagine um presidente da República que assume com tais ódios semeados no país? Ele não reúne mais ninguém. Isso eu não quero para o Brasil, seja para mim, seja para qualquer outra pessoa. Pouco importa para sociedade [se é] Chico, Manuel ou Maria, importa que a gente tenha uma forma. Então vamos lá: Serra, deve ser ele mesmo, não é? Lula parece irremovível, lamentavelmente, parece irremovível.
Fernando Rodrigues: Por que lamentavelmente? Por que o senhor acha que ele vai perder?
Ciro Gomes: Eu acho, na medida em que ele está na frente na pesquisa, mas eu falo isso com dor, não é? Parece ser o candidato escolhido pelo sistema como "saco de pancadas". Uma parte enorme disso é por preconceito e a outra parte é o vazio de propostas. É inacreditável a conduta do Lula de não politizar sua presença na vida pública brasileira, apresentando-se ciclicamente como candidato a presidente. Podia ter sido secretário do Olívio Dutra [político gaúcho, iniciou a trajetória política no sindicalismo do regime militar. No período de redemocratização do Brasil, foi um dos fundadores do PT. Foi deputado federal, prefeito de Porto Alegre e, posteriormente, governador do estado], secretário da Marta Suplicy, tem todos os talentos, todas as classificações, mas incrivelmente quer ser, como primeira experiência de administração e sem projeto, o presidente do país.
Fernando Rodrigues: Como o Fernando Henrique.
Ciro Gomes: Não, espera aí, devagar um pouco. Eu acho que boa parte dos erros do governo Fernando Henrique é por falta de experiência, realmente, é verdade isso. Se ele tivesse experiência de traquejar uma administração municipal, um orçamento estadual, manejar essas contradições de governar de...
Ricardo Amaral: Faltaram-lhe votos.
[risos]
Fernando Rodrigues: Lamentavelmente, Lula candidato, Serra candidato.
Ciro Gomes: E eu sou candidato, não é? Porque, a essa altura, não é disponível para minha vontade pessoal. Às vezes, digo: "Vou voltar para a academia, já dei minha contribuição". Mas eu estou entusiasmado, acho que a gente pode estar fazendo história. Eu estou animado com esse movimento que está um pouco atrás do projeto Juscelino Kubitschek:, socialistas e trabalhistas, a idéia de unir o trabalhismo brasileiro nessa versão mais conservadora com a versão mais progressista, reciclá-lo à luz dos novos tempos, que tem muito a ver com essa idéia de um Estado capaz, preservando a iniciativa privada, apoiar quem produz e trabalha, ampliar as oportunidades dos emergentes. Enfim, é uma série de idéias que estão me dando entusiasmo, então eu vou disputar a preferência da sociedade brasileira .
Fernando Rodrigues: São três.
Ciro Gomes: Três.
Fernando Rodrigues: [Anthony] Garotinho?
Ciro Gomes: Eu tenho dúvidas, porque essa verticalização do TSE [em 2002, O Tribunal Superior Eleitoral esclareceu que os partidos políticos coligados para a eleição presidencial não poderiam se coligar com partidos diferentes para as eleições federais e estaduais. Essa interpretação gerou polêmica pois, além de prejudicar os partidos menores, havia sido lida contrariamente pelos partidos nas eleições de 1998, sem causar qualquer problema] tomou a candidatura do Garotinho assim de proa, não é? De todos nós, ele foi o mais violentado, até sou solidário a ele...Eu gostaria de derrotá-lo no debate. Uma regra que chega assim, é esquisito, não é? E o PSB está constrangido pelo isolamento, isso confina a candidatura. Eu sei bem disso, porque quando fui candidato nas eleições de 98, era sufocante: você queria dizer uma coisa e tinha ali um minuto na televisão e sem condição de falar, a imprensa não dizia. Eu quero até fazer uma proposta: o candidato à Presidência da República do PV [Partido Verde], que é de Santa Catarina, pediu para registrar que ele é candidato também e me comoveu muito, porque... [em 2002 o PV não pode apresentar candidato]
Ricardo Amaral: O senhor se lembra do nome dele?
Ciro Gomes: Não, desculpa, neste instante eu estou um pouco...Não sejam indelicados! Ele já me fez um apelo, eu o conheço de longa data. O nome dele, eu esqueci.
[risos]
Fernando Rodrigues: O senhor me dá licença?
Ciro Gomes: Terminando, o Garotinho tem esse problema e a governadora do Maranhão, que afirmou que é candidata - eu não seria indelicado de dizer que não é, mas acho que foi violentamente atingida na condição objetiva de ser.
Fernando Rodrigues: São três candidatos definidos e irreversíveis.
Ciro Gomes: Eu tinha lhe dito isso há uns seis meses ou mais.
Fernando Rodrigues: Então repete 1998
Ciro Gomes: Vai ser parecido. Palpite, não é?
Carlos Alberto Sardenberg: Governador Ciro Gomes, nós temos aqui várias manifestações dos ouvintes. Alguns dizem que é para a gente parar de conversar sobre alianças, de eleição e falar de programas.
Ciro Gomes: E falar de problemas reais. Estou de acordo, estou de acordo.
Carlos Alberto Sardenberg: Mas, em compensação, há um monte de perguntas aqui sobre alianças, sobre composições, etc. E eu quero dizer que o senhor respondeu a maior parte delas, inclusive a do Luiz, que é do Rio de Janeiro, e diz o seguinte: "No começo do programa, o senhor disse que seu maior adversário era o governo, o neoliberalismo, e passou o tempo todo batendo no Lula. Mas, na verdade, o senhor depois bateu também no governo".
Ciro Gomes: Eu bato contra idéias.
Carlos Alberto Sardenberg: Há várias perguntas aqui sobre alianças, mas tenho a impressão que o senhor já avançou suficientemente nesse tema e que as questões já foram resolvidas.
Ciro Gomes: Então vamos falar sério agora.
Carlos Alberto Sardenberg: Vou mudar de assunto e atender o outro ouvinte, que pede entrarmos no programa. No seu programa, o senhor fala muito de recuperação do crescimento da economia brasileira e há um consenso, hoje, entre todos os economistas que o grande obstáculo à retomada de crescimento firme são os juros, que são muito altos. A grande divergência é sobre como reduzir a taxa de juros. Então, eu queria que o senhor começasse por essa questão crucial para o equilíbrio.
Ciro Gomes: Vamos combinar com as pessoas que estão nos assistindo: desenvolvimento não é conseqüência de conversa fiada, nem de fórmula mágica.
Carlos Alberto Sardenberg: Exatamente.
Ciro Gomes: Desenvolvimento é conseqüência de investimento e a taxa de investimento brasileira está ancorada em críticos 17,18% do PIB [Produto Interno Bruto]. Se você não cresce ou não investe pelo menos 25 a 30%, você não cresce aqueles 5,5% necessários para o país superar os ganhos de produtividade. Nós estamos trocando gente por máquina nos bancos, no comércio, na agricultura, nas fábricas. Todo ano, um milhão e setecentos mil jovens chegam no mercado de trabalho, justamente procurando seu primeiro emprego. Para acomodar isso e gerar empregos com suficiência, temos que crescer 5,5% e isso exige uma taxa de investimento de 27%. A taxa de investimento é conseqüência da taxa de poupança, portanto quando a gente quiser falar sério em desenvolvimento, temos que falar em poupança. Ela é pública ou é privada nacional ou é estrangeira. E aqui está o nó e a pista da solução. Vamos elevar o nível de poupança do país e criar instrumentos que vinculem essa poupança ao investimento produtivo e voltaremos a crescer. Portanto, o juro é só a febre da doença, não é cuidar da infecção. Qual é o problema da poupança? A poupança pública brasileira é negativa. O governo brasileiro, tanto em conta externa, que é o maior do mundo, quase 4,6% do PIB, quanto no déficit interno, que também é um dos maiores do mundo, este ano está gerando um superávit monstruoso, o maior do mundo, entre suas receitas e despesas correntes, para gerar 25 bilhões de reais. Arrebentou as estradas, deixou faltar energia, demitiu os mata-mosquitos, deixou a dengue ocupar, são sete anos sem reajustar [salários] de funcionários públicos, todo tipo de loucura para gerar 25 bilhões. A conta de juros é de 92 bilhões e setecentos milhões de reais.
Carlos Alberto Sardenberg: Isso é do governo federal.
Ciro Gomes: Governo federal. Poupança negativa do setor público: por ser negativa, o governo não está tendo mais a porta da inflação que foi fechada pelo Plano Real, se financia expandindo loucamente a dívida pública e aí os juros são o prêmio dessa dívida, que está passando para a loucura. Quando eu era ministro da Fazenda, a dívida era de 61 bilhões e nós tínhamos três ativos - Telebrás, Eletrobrás e Vale do Rio Doce - que pagavam essa dívida. Essa gente, brincando de popularidade fácil de reeleição e de bom mocismo internacional, tomou essa dívida e multiplicou por dez, está em 634 bilhões de reais. Privatizou setenta bilhões de dólares e torrou essa montanha de dinheiro, financiando a farra de consumo e popularidade fácil da reeleição. Este é o ponto. Como resultado prático, não há mais ajuste fiscal possível no Brasil, a não ser para dar qualidade à construção da receita pública no modelo tributário e no modelo previdenciário, e é isso que eu estou propondo. São quatro movimentos, dois estruturais e dois conjunturais, de manejo de gerência. Todos esses exigem um enorme consenso do país, não é coisa para ser feita como salvador da pátria, de forma autoritária, governo contra oposição, isso é coisa de consenso. O presidente se põe como chefe de Estado a mediar os conflitos, compensar interesses, indenizar frustrações para tirar um consenso possível nesses dois movimentos. Mudando o modelo tributário, o Brasil tem condição de dar maior competitividade a sua economia se eliminarmos todos esses tributos que hoje incidem na cadeia produtiva e nos salários, e deslocarmos o custo de financiar políticas públicas de saúde do povo e segurança pública, que estão em "pandarecos", para o consumo e para a apropriação de ganho de capital e propriedade. Eu proponho apenas cinco impostos para substituir todos os que estão aí. Todos eles excluem o povão, cesta básica, os aluguéis, a lista de remédios, o consumo mínimo de energia, o consumo mínimo de telecomunicações. Ficam isentos. A partir daí, nós vamos cobrar mais de quem consome mais e menos de quem consome menos.
Carlos Alberto Sardenberg: Vamos falar de...
Ciro Gomes: São quatro movimentos, desculpe.
Carlos Alberto Sardenberg: Está certo.
Ciro Gomes: O segundo é a previdência social. Brasileiro, a previdência social está destruída. Em 15 anos o rombo da previdência social vai levar 100% da receita pública brasileira. Isso que se censura lá fora, as agências de risco, todas sabem. Por isso, o Brasil tem uma nota tão ruim, porque todo mundo está vendo a inconsistência do galope da dívida em função dos déficits estruturais, especialmente e o mais importante deles, a Previdência. Na outra ponta, 13 milhões de brasileiros recebendo cento e oitenta reais, o que não paga duas caixas de remédio para colesterol. É uma indignidade o que nós estamos fazendo com o brasileiro, ou seja, não dá para contrair a despesa mais do que já se fez e a receita aqui não pode ser feita estrompando a folha de pagamento. Eu proponho um regime de capitalização, público, não-privatizado, que crie uma ferramenta em que, gradualmente - isso tudo tem que ser feito gradualmente, não tem chicote para dar jeito do dia para a noite - tiremos a incidência da folha de pagamento para o faturamento líquido das empresas que estarão exoneradas das incidências tributárias, porque um movimento é casado com o outro. Dois movimentos conjunturais: precisamos, com coragem, embora com muita serenidade, muito equilíbrio, alongar negociadamente os prazos de vencimento da dívida pública brasileira. O mercado internacional inteiro sabe o que é isto, chama-se asset and liability management [ou ALM, pode ser definido como um processo gestão de ativos e passivos de forma coordenada, com a finalidade de atingir os objetivos financeiros de uma organização]. Agora estou quase trocando a expressão em português para falar como os banqueiros internacionais. Não se trata de calote...
Carlos Alberto Sardenberg: Asset and liability management, ou seja, gestão de ativos e passivos.
Ciro Gomes: Sim, mas asset and liability management faz-se toda hora no mundo inteiro. O que quer dizer isso? Vamos botar o povo na jogada dessa nossa conversa, porque eu respiro raras vezes na imprensa brasileira, que quase não me deixa falar. Vocês vão ter um pouquinho de paciência, principalmente quando se tratar de projeto, não é?
Carlos Alberto Sardenberg: Nós não.
Ciro Gomes: O cidadão brasileiro que ganha quinhentos reais por mês e está devendo dez mil reais que venceu amanhã, não tem conversa: vai para o SPC [banco de dados com informações de pessoas físicas e jurídicas sobre suas dívidas]. O que pode ele fazer? Repudiar a dívida? Isso é a poupança do povo que está nos bancos e os bancos emprestam para o governo. Se bancar o João Valentão, destrói a poupança do povo, então essa não é a saída. Fazer o bom mocismo? Você dá quinhentos reais do seu salário para o banqueiro, passa fome e o banqueiro, está devendo dez mil, ainda ficam nove e quinhentos, pede onze por três dias para pagar os nove e quinhentos, ou seja, aumenta a dívida. Quanto mais você paga, mais passa fome, mais destrói...até chegar no caso da Argentina, que você bota um curralito [em português "curralzinho". Criada em dezembro de 2001 no governo de Fernando de La Rúa, a medida consistia em congelamento dos depósitos bancários, a fim de conter a corrida aos bancos e a desvalorização da moeda], aquele dinheiro some, não existe mais e vem a inflação para explodir tudo. A mesma armadilha está armada no Brasil, mas com uma diferença: nós, da crítica, arrancamos a fórceps do governo a loucura da paridade cambial das bandas que eles faziam. Infelizmente, depois da fraude de 1998, quando começou 1999, o presidente já tinha arrancado sua reeleição dizendo ao povo que ia resolver o problema do emprego de toda a sociedade brasileira. Não tem problema, temos outra eleição agora, eles vão postular uma terceira reeleição e o povo brasileiro vai decidir se quer isso ou não quer. O quarto e último movimento conjuntural é eliminar o terço superior da taxa de juros, que está nessa altura por conta do rombo nas contas externas. O Brasil tem um rombo de aproximadamente 25 bilhões de dólares com as contas externas e nós precisamos fechar essa conta...
Ricardo Amaral: E quanto àquele câmbio apreciado que o senhor praticou enquanto foi ministro e que foi praticado durante mais alguns anos? O senhor colocou no seu diagnóstico a questão do déficit externo, não é?
Ciro Gomes: Sim. Mas aí tem um probleminha. Quando eu fui ministro da Fazenda - faz oito anos - a política cambial era câmbio flutuante. Quem inventou as bandas cambiais [sistema econômico, utilizado pelo Banco Central, que estabelece uma faixa ou banda em que o câmbio flutua livremente] - eu já estava rompendo também por causa disso - foi o senhor Gustavo Franco [economista, presidente do Banco Central durante o governo FHC] .
Ricardo Amaral: Porque estava lá em baixo...
Ciro Gomes: Não, mas isso pelo mercado, porque a taxa de juros estava muito alta, a liquidez internacional estava muito folgada e aquilo foi para ajudar o Plano Real. Isso porque câmbio apreciado significa desconto no preço do produto importado. Se você encerra a inflação, explode o consumo. Quase 100% de capacidade instalada do país por emprego, você não dá capacidade de construir tudo que a demanda pede, aí os preços sobem e o plano se perde, assim como aconteceu lá atrás com o Plano Cruzado.
Ricardo Amaral: De fato, a tentativa de correção, que foi a banda, acabou congelando...
Ciro Gomes: [interrompendo] A banda é que congelou, o país crescendo a 6,5% ao ano, com desemprego a 4%, com 14 bilhões de dólares de superávit de balança comercial e com a inflação de julho zero, quando o real foi lançado. A de agosto foi 3%, a economia já estava se reindexando. Qual é a política cambial que o ministro [da Fazenda] Ciro Gomes praticou? Era câmbio flutuante. Claro, apreciou o real, porque tinha uma montanha de dólar no Brasil. Então, eliminar o déficit externo é a quarta providência, aí o juro cai e o país cresce porque sua vocação é crescer.
Carlos Alberto Sardenberg: Há algumas perguntas aqui sobre essa questão da renegociação da dívida, da...
Ciro Gomes: Eu comecei a falar sobre isso quando o problema não tinha explodido, há mais ou menos quatro ou cinco anos. Hoje minha batalha está facilitada, sob o ponto de vista teórico, porque há uma discussão no FMI [Fundo Monetário Internacional] e o FMI já colocou a necessidade de o Brasil fazer isso na última carta. Isso foi escondido da opinião pública brasileira, mas já está na última carta do FMI, nesse último acordo.
Carlos Alberto Sardenberg: Sim, o problema é que há várias maneiras de você fazer essa gestão...
Ciro Gomes: Tem que ser market-friendly [política a favor do mercado], ou seja, nada de imposição, nada de quebra de contrato, nada de...
Carlos Alberto Sardenberg: Esse é o ponto essencial que eu queria colocar para o senhor, porque os títulos da dívida pública, os títulos que o governo emite, em sua maior parte, não estão com os bancos, estão com as pessoas, a classe média brasileira.
Ciro Gomes: Por favor, não peça solidariedade para essa impostura. 27% desse passivo são fundos de pensão. Procurei os principais fundos de pensão para conversar e todos, sem nenhuma exceção, admitem que há margem para negociar alongamento desde que o fluxo se acomode às necessidades atuariais. Depois, você tem uns 40% que são aplicadores médios. Com esses, minha proposta é deixar quieto, não mexo.
Carlos Alberto Sardenberg: Isso dá mais ou menos trezentos bilhões de reais.
Ciro Gomes: Depois, você tem capital dos bancos. Volto a dizer, não será impositivo, haverá uma estrutura de premiação para aqueles que se dispuserem voluntariamente a alongar o perfil da dívida para um governo que só quer se constituir, se tiver condição política forte, junto à sociedade e à representação no Congresso de consertar em base sustentáveis a matriz de financiamento do Estado brasileiro, com aqueles dois passos estruturais: reforma tributária e reforma previdenciária. Senão vamos arranjar outro presidente, que eu fico na oposição.
Carlos Alberto Sardenberg: Bom, só para deixar claro, é uma negociação amistosa.
Ciro Gomes: Market-friendly.
Carlos Alberto Sardenberg: Então está correto, quer dizer, mais da metade desse dinheiro está em fundos mútuos ...
Ciro Gomes: 40%.
Carlos Alberto Sardenberg: Na verdade, um pouco mais. Tenho a conta aqui, são trezentos bilhões de reais, é mais da metade. Isso é importante, governador, porque esse dinheiro é a poupança da classe média, nisso não vai mexer.
Ciro Gomes: Não pode ter intriga, não pode ter intriga. Isso não será tocado, todos nós sabemos que isso não pode ser feito.
Carlos Alberto Sardenberg: Perfeito. Essa é a resposta que fica registrada.
Ciro Gomes: Agora, deixa eu esclarecer ao povo da classe média que está nos ouvindo. Quando a pessoa bota o dinheiro numa renda fixa, assina lá um contratinho com umas letrinhas pequenininhas de nada. Aquilo ali está dizendo que o risco é do cidadão, e não do banco.
Carlos Alberto Sardenberg: Exatamente.
Ciro Gomes: Enquanto isso, os bancos brasileiros estão tendo o maior lucro, é inacreditável.
Carlos Alberto Sardenberg: Tudo bem, mas o problema continua o mesmo, o sujeito continua com o dinheiro dele lá.
Ciro Gomes: E a sociedade brasileira ainda teima - porque eles são poderosos, são sócios da grande mídia - ainda teima discutir isso. O sistema financeiro não é razoável nem para eles, eu tento, já fui aos banqueiros também, humildemente, mostrar a eles que isso não é razoável porque eles estão engordando seus ativos contabilmente e uma hora isso vira fumaça. Se você não tiver uma administração séria, a inflação vem e resolve. Quem quiser conhecer teoricamente, leia algumas coisas, mas quem quiser conhecer na prática, dê um pulinho a Buenos Aires.
Carlos Alberto Sardenberg: Certo. O senhor fala lá na página sete do programa [de governo] sobre, se eu entendi bem, um novo tipo de imposto de renda. O senhor fala em tributar o consumo supérfluo ou o alto padrão de vida. Tributar a parte da renda alta que não se poupar e o gasto acima do padrão da classe média será tributado. Essa é a idéia?
Ciro Gomes: Sim, progressivamente. Esse imposto elimina o que no Brasil é uma injustiça, imposto de renda é apenas imposto sobre salário. Então a gente elimina o imposto de renda. Isso tudo tem uma transição, naturalmente.
Carlos Alberto Sardenberg: O atual imposto de renda morre?
Ciro Gomes: Ele vai cumprindo a transição, saindo enquanto entra a prática do outro, porque ainda temos que aperfeiçoar isso e o Estado não pode ter descontinuidade na sua receita. Tudo isso tem uma transição. Mas o imposto funciona assim: suponha que você ganhe dez mil reais. Desses dez mil reais, você poupa, portanto cria um caminho para reinvestimento, ajuda o país a crescer, não é? Eu vou criar cédula hipotecária [título de crédito que caracteriza uma promessa de pagamento com garantia real de hipoteca], o mercado secundário de hipotecas, para criar o mercado imobiliário, que não existe no Brasil. Nós podemos e devemos criar, já temos maturidade para fazer isso. A demanda por moradia no Brasil é uma coisa explosiva, então o dinheiro que você poupar, ao invés de ficar só rendendo juros, vai começar a gerar emprego, produção, etc, como é no mundo inteiro. A parte que você consumir é que nós passaremos a cobrar progressivamente. Então, quanto mais você economiza, menos paga imposto, e quanto mais você consome no luxo, mais você pagará imposto .
Carlos Alberto Sardenberg: Agora, como se define isso? O que é ou não é padrão de classe média, o que é rico ou não é rico?
Ciro Gomes: É assim: 1% dos brasileiros são donos de 35% da riqueza nacional, são poderosíssimos. Mas somente 1%. Os 10% mais ricos acumulam 29 vezes o que os 40% mais pobres da população brasileira possuem para viver. Então esse corte é muito fácil de achar. São poderosos...É dificílimo ganhar a eleição falando com franqueza, mas eu também não quero ganhar se não for assim.
Carlos Alberto Sardenberg: Desculpe, mas 1% acabaria dando...quer dizer, o senhor vai tributar pesadamente 1% da população, é isso? Porque tem toda uma classe média, alguns estudos do pessoal do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]...
Ciro Gomes: Sardenberg, eu sou da classe média. Você está querendo me indispor com meus eleitores preferenciais. Não é possível.
Carlos Alberto Sardenberg: Não, é que vários estudos que mostram...
Ciro Gomes: Não, eu vou alcançar os ricos, vou alcançar os ricos. Sem preconceito, hein?
Carlos Alberto Sardenberg: No Brasil, ganhar quatro ou cinco mil reais por mês já é um salário privilegiado, certo? Então as pessoas se preocupam em saber onde será o corte.
Ciro Gomes: Não, mas veja bem, elas estão pagando 27,5% na fonte, no seu salário. Estão pagando dobrado para viver, porque pagam o plano de saúde - porque não tem saúde pública, não confiam - elas pagam educação privada para seus filhos porque não acreditam na escola pública, elas pagam crescentemente segurança particular porque não acreditam na segurança do Estado, estão querendo previdência privada porque não acreditam no INSS [Instituto Nacional do Seguro Social]...E o que eu estou propondo é você eliminar essa incidência no salário e passar a dar à sociedade que poupa um privilégio e à sociedade que consome progressivamente. Quanto mais consumir, mais paga. É só isso.
Fernando Rodrigues: Eu vou fazer uma pergunta de política econômica para o senhor. Como deve ser, na sua avaliação, a política de investimento ideal da principal agência de desenvolvimento do país, que é o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]? O BNDES deve, por exemplo, como fez em 1999, aplicar numa empresa como a Globo Cabo [operadora de TV a cabo do país. No fim de 2001, seu endividamento ultrapassava um bilhão e meio de reais. Essa participação do BNDES na recuperação da empresa gerou polêmicas na mídia] e agora participar do aumento de capital dessa empresa que está em sérias dificuldades?
Ciro Gomes: Essa pergunta é muito importante para se aviltar numa intriguinha também, não é? Eu sei que não é a sua intenção. O BNDES, no governo que eu presida, não será um balcão passivo para atender recomendações do presidente do dia, do poderoso do dia. Nós teremos, no meu projeto de governo, uma estratégia de desenvolvimento, em que nós precisaremos fazer grandes empreendimentos no Brasil para ganhar escala em todas as áreas, inclusive mídia, para não permitir que capital estrangeiro entre na mídia brasileira. Ela está toda escangalhada financeiramente, porque acreditou no que escreveu, acreditaram no que escreveram, caíram na propaganda falsa do governo, se endividaram em dólar, alavancaram imaginando que era verdade que o país ia crescer e agora estão com um pepino: seus faturamentos encolheram e seus passivos estão estrangulados em dólar. Não interessa mais para nenhum brasileiro responsável que eu seja vítima da censura, da interdição, do desequilíbrio na cobertura, da falta de oportunidades de apresentar minhas idéias para livre julgamento da sociedade, ao lado das idéias dos outros. Apesar de tudo isso, penso que é preciso que o Brasil apóie suas empresas de mídia. Não assim, com programas...
Fernando Rodrigues: [interrompendo] Assim como?
Ciro Gomes: Com esse projeto. Você quer me entregar? Eu não tenho medo não, eu vou dizer! Assim como esse projeto que atendendo o presidente da República ou um telefonema, em pleno processo eleitoral, dá um privilégio a uma empresa que as outras não têm.
Fernando Rodrigues: Acha que houve esse tipo de interferência nesse caso?
Ciro Gomes: Eu só posso acreditar que sim. Pela falta de critério, a Bandeirantes está se queixando que fez muitas propostas e não recebeu nada. Todas as respostas eram: "Não temos linha de crédito para mídias". A Record ou o SBT, não lembro qual dos dois, também se queixou publicamente disso. O Grupo Abril, ironicamente, disse que quer também.
Carlos Alberto Sardenberg: É, mas a Globo Cabo não foi a única.
Ciro Gomes: Não, estou só dizendo o que estou lendo nos jornais e estou caindo na provocação do Fernando Rodrigues apenas porque não tenho "rabo de palha". Eu quero refletir sobre a necessidade de o país ter uma estratégia industrial, uma estratégia agrícola, uma estratégia de infra-estrutura, em que as agências de financiamento não sejam criteristas - agora é um balcão onde chega um e não chega o outro, não há critérios. Enfim, nós temos que ir para uma linha de substituição de importação, por exemplo, o rombo em eletroeletrônico é de dez bilhões de dólares, o rombo em petroquímica se aproxima de 15 bilhões de dólares. Então são pistas: por exemplo, o potencial biotecnológico brasileiro é extraordinário.
Fernando Rodrigues: O senhor acha que há mais maus ou bons exemplos no BNDES?
Ciro Gomes: Eu, ultimamente, acho que há mais maus exemplos.
Luiz Antonio Novaes: Ainda na área econômica, na campanha passada, se eu não me engano, o senhor chegou a dizer que foi a "babá" do Plano Real.
Ciro Gomes: É porque havia uma discussão impostora absoluta sobre quem era o pai do real. Isso tudo presume que o povo é idiota, então eu sei que o povo não é idiota e fui lá fazer uma gozação: "Eu fui a babá do Plano Real, então sei mais ou menos quem é o pai".
Luiz Antonio Novaes: Mas a pergunta é a seguinte: na condição de “babá” do Plano Real, o senhor acha que esse plano, a moeda, esgotou totalmente a força eleitoral que teve na primeira, em 1994 e na reeleição? Ou ela vai ter só a força eleitoral do tempo que ainda era uma criança no seu colo?
Ciro Gomes: Não, como “mistificação”, milagre, só o doutor Fernando Henrique fez sozinho, etc. Isso, como mistificação, está exaurido completamente, porque cresceu a criança, virou um adolescente problema, não é? Está cheio de mancha roxa aqui nos braços, uma coisa meio esquisita, o nariz meio fungando, então preocupa a situação do adolescente [refere-se ao real]. Agora, fica como uma força e isso é muito bom que a gente valorize, o valor da estabilidade. A candidatura que parecer desrespeitosa à estabilidade da moeda, especificamente - não temos estabilidade em mais nada, nem mesmo na moeda - mas quem parecer irresponsável ou aparecer propondo soluções inflacionárias, inclusive neste programa, certamente será excluído do processo pela sociedade.
Luiz Antonio Novaes: O senhor vê algum candidato com essa postura hoje?
Ciro Gomes: O programa aqui espreme muito, talvez por isso não tenha explicação, mas eu ouvi aqui, com os dois que me antecederam, coisas inflacionárias.
Fernando Rodrigues: O senhor está dizendo que José Serra e Anthony Garotinho vieram aqui nas últimas duas semanas e fizeram propostas que vão causar inflação no país.
Ciro Gomes: Não, falaram coisas inconsistentes. Eu estou botando a culpa, talvez, na mecânica do programa, que interrompe e não deixa explicar tudo.
Fernando Rodrigues: O senhor está botando a culpa nos jornalistas?
Ciro Gomes: A culpa é sempre da imprensa, na dúvida, digo logo que a culpa é da imprensa.
[risos]
Silvio Bressan: Nesta questão de déficit público, tem uma intersecção política também. [De acordo com] um levantamento do professor Eduardo Giannetti sobre o custo das Câmaras Municipais, o Brasil criou 1070 municípios de 1990 para cá e há 5561 Câmaras, que consomem 3,7 bilhões por ano. Isso ele chama de "maior programa de concentração de renda da história". 91% desses municípios têm menos de cinqüenta mil habitantes e segundo ele, arrecadam menos do que gastam. Eu queria saber se o senhor vai ter coragem de meter a mão nesse vespeiro aí.
Ciro Gomes: Isso não é questão de coragem, não. Eu fui governador do Ceará na época em que a farra de criar municípios estava na sua efervescência. Eu consegui que a Assembléia Legislativa do Ceará votasse uma emenda constitucional vetando essa irresponsabilidade no estado.
Silvio Bressan: [interrompendo] Mas o que é possível fazer agora?
Ciro Gomes: Agora nada, quem prometer está mentindo ou não conhece o Brasil. O senhor imagina que algum município recém-emancipado ou há três ou oito anos, por qualquer tipo de critério ou plebiscito, vai dizer que não quer mais a autonomia? Isso é bobagem.
Carlos Novaes: Eu vou fazer três perguntas rápidas ao mesmo tempo.
Ciro Gomes: [interrompendo] Eu sou como Padre Vieira, não é? Falava sobre assuntos complexos, logo se desculpava por não poder ser breve.
Carlos Alberto Sardenberg: [interrompendo] Espera um pouquinho só, Carlos Novaes. Deixa eu só lembrar o seguinte: nós estamos já na parte final do programa, eu pediria que fossem perguntas rápidas e se o senhor puder ser breve.
Ciro Gomes: Eu vou tentar ser breve nos meus sermões.
Ciro Gomes: Primeiramente, "Só Cristo amou porque amou sabendo'" - isso é do Sermão da Montanha, do Padre Vieira - "Mas para conhecimento dessa morosa verdade, havemos de por outra, não menos certa, e é que não mude entre os homens isso que vulgarmente se chama amor. Não é amor, é ignorância". Desculpem, foi uma lembrança do primário!
Carlos Alberto Sardenberg: Vamos lá,Carlos Novaes.
Ciro Gomes: [ interrompendo] Lá em Sobral, na minha querida Sobral.
Carlos Novaes: Tem havido uma febre de reformadores no sistema político brasileiro. Há, no Congresso, projetos de voto distrital misto [sistema eleitoral no qual o país é dividido em tantos "distritos eleitorais" quantas são as vagas no Parlamento, sendo que cada distrito elege apenas um representante. No caso de ser misto, uma parte do Parlamento é eleita pelo sistema distrital e uma parte pelo sistema proporcional], cláusula de barreira [sistema que exige de um partido um número mínimo de 5% do total de votos para a Câmara dos Deputados, a fim de que o partido tenha funcionamento parlamentar em qualquer setor legislativo], fidelidade partidária, listas fechadas nos partidos. Então eu gostaria que o senhor rapidamente dissesse o que pensa sobre isso. A segunda coisa é: há uma polêmica sobre se a questão do MST [Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra] e a questão da reforma agrária a ele atrelada é um problema iminentemente social ou também é econômico. Isso se trata de caridade ou de economia? Terceira questão: o senhor pensa das cotas para negros nas universidades e nas políticas de emprego?
Ciro Gomes: De trás para diante então: eu sou a favor de uma reforma política, mas sou contra a idéia autoritária iluminista de que alguém... Em nenhuma hipótese, o presidente da República deve ser o motor dessa reforma, quer dizer, o processo político brasileiro tem mil imperfeições, mas quando a gente olha o colapso das instituições democráticas na América Latina, aquilo que aconteceu no Peru, plebicitariamente a sociedade abrindo mão de franquias democráticas, aquilo na Venezuela, plebicitariamente a sociedade vulnerando-se ao personalismo, populismo autoritário de direita...o colapso das instituições colombiana, boliviana, equatoriana, tudo isso nos recomenda que nós, brasileiros, damos mais valor ao que temos. Nós estamos fazendo uma reforma política muito lenta, muito contraditória, mas estamos fazendo. O Brasil está avançando. Eu sou a favor de listas fechadas, admito discutir, o meu partido é contra, mas quero discutir o distrital misto, que preserva franquia para minoria se explicitar ao lado daquele voto majoritário regionalizado ou que paroquializa um pouco a política. Sou a favor do financiamento interno.
Carlos Novaes: Pois é, mas a política internacional mostra que o voto distrital acaba colonizando as listas.
Ciro Gomes: Sim, mas eu sou a favor do distrital misto ou do sistema de listas fechado, porque este permite atenuar a promessa demagógica, você fala francamente com o povo e ainda assim tem a possibilidade de ter sucesso na vida pública. Financiamentos públicos de campanhas. E sou a favor do recall [político], que é um instituto que você conhece bem, de democracia direta e onde uma fração da sociedade tem direito de postular a justiça, a cassação de mandatos, não porque roubou, matou, fradou a Sudam, que isso já tem, mas pelo mero fato de ter se comprometido com um programa e ter ido fazer outro completamente distinto, não é? E eu sou parlamentarista. Claro que eu estou postulando a Presidência da República para executar um governo sob presidencialismo, deixemos bastante claro isso, porque a minha opinião não pode ser contraditória com a minha prática neste instante. Mas eu gostaria de ser um presidente que preparasse o país, numa reforma política, para o parlamentarismo.
Carlos Alberto Sardenberg: As cotas para negros?
Ciro Gomes: A segunda questão é o MST. A questão da terra no Brasil é uma questão social e econômica, não é? Evidentemente, elas estão imbricadas porque o potencial do Brasil...São cem milhões de hectares de terras férteis desocupadas. Eu fui visitar Lucas do Rio Verde, lá no interior do Mato Grosso. Ali, há cinco anos, não se plantava nada de algodão, hoje estão tirando trezentos e cinqüenta mil toneladas de algodão. É fenomenal isso! Fui visitar assentamentos no Acre, as pessoas estão produzindo arroz de alta produtividade, abandonadas. O pessoal de Lucas do Rio Verde compra petróleo de Paulínia, três mil e duzentos quilômetros e vende para o Paranaguá, três mil quilômetros. Uma hidrovia - que dá polêmica, tem questões ambientais para resolver - simplificaria muito isso. Enfim, há uma economia rural de base familiar que tem que ser assistida por uma política agrícola. Esse é o erro da reforma agrária pensada na moda da década de cinqüenta. Do um lado, o governo que joga a família sem a menor estrutura, no máximo um Pronasci, muito recentemente criado por um grande brasileiro que é o Murilo Flores [agrônomo brasileiro e ex-presidente da Embrapa]. Ele imaginou isso, foi da Embrapa e é uma bela iniciativa. Mas aquilo, que era na idéia de um desenvolvimento rural, ainda não está...está feito como crédito, há uma inadimplência muito grande, já está se desmoralizando tudo isso. Como temos que entender que o pequeno [produtor] tem que produzir com alta base tecnológica, temos que estar antenados na estrutura de preço internacional, tem que ter uma logística de comercialização, tem que ter uma política de estoque regulador, tem que ter uma política de preço mínimo, tem que ter compras governamentais que, de um lado, garanta a compra de excedentes estabilizando o preço e, de outro, um maciço programa de alimentação popular, que o país tem condição de expandir para cento e cinqüenta milhões de toneladas rapidamente. Isso é enriquecedor e tem mil efeitos positivos: descomprime a migração, faz uma série de coisas, pode até inverter a migração em certos lugares - não para morar, mas as pessoas que têm uma base rural de pequeno e médio moram na cidade e vão gerir aquilo ali em bases tecnológicas mais avançadas. Cotas para negros é uma questão que não está ainda sedimentada na opinião do movimento afro no Brasil. Eu passei um ano e meio morando nos Estados Unidos e isso é uma moda de lá. Roberto Freire é entusiasta disso, eu não sou. Não estou convencido que seja o melhor caminho. Compreendo que nos Estados Unidos talvez valha a pena ver o experimento deles, mas isso não tem garantido aos negros pobres ascender. As cotas estão sendo apropriadas pelos negros, que lá já estão bem postos e isso está quebrando uma certa meritocracia, que é o importante. Eu sou a favor de uma política ativa para enfrentar a pobreza, promover educação pública de qualidade, eu estou propondo um fundo federal para treinar o magistério de primeiro e segundo grau, estou propondo um apoio que amplie o Fundesp [Fundo de Desenvolvimento da Educação em São Paulo] para a pré-escola, que é uma questão importante que tem que ser feita. Estou propondo ajudar o Estado para um grande estrangulamento do segundo grau na direção de uma plataforma de autonomia universitária. Isso é que faz pobre mudar de classe. Eu sei, porque sou filho de funcionários públicos, modestos, estudei minha vida inteira em escola pública em Sobral. Em homenagem aos meus velhos e queridos professores, quero dizer que tive uma excelente escola pública.
Andrei Meirelles: Governador, o senhor eleito, pretende fazer auditoria no governo Fernando Henrique, processos de privatização, desvalorização...
Ciro Gomes: Não, não. Olha, o "pepino" é tão sério, o problema é tão grave, a dificuldade será tão grande, para quem tem a experiência que eu tenho, para quem já não alimenta ilusões voluntaristas ou vaidosas, que eu vou me concentrar em governar o país daquele dia para frente.
Ricardo Amaral: Governador, uma pergunta e uma observação. Não vou nem perguntar se o senhor, eleito, vai continuar com Armínio Fraga [presidente do Banco Central do Brasil entre 1999 e 2003], mas eu queria sua opinião..
Ciro Gomes: [interrompendo] Essa pergunta, no meu caso, seria meio impertinente. [Fraga é amigo pessoal de Ciro Gomes]
Ricardo Amaral: Mas como o senhor avalia a política, a administração que ele vem fazendo no câmbio...
Ciro Gomes: [interrompendo] Com a premissa errada, ele é brilhante. Quer dizer, a premissa do modelo, não propriamente ele, que foi recrutado porque o chefe dele acredita na premissa ou pelo menos se obriga a cumprir a premissa que é ditada pelos estrangeiros ao Brasil, com a infantaria do FMI, porque toda política é inflation targeting [sistema de administração monetária em que o governo define uma meta para o índice de inflação em um determinado período]. O Guido Mantega, uma pessoa que eu admiro, quero muito bem, está dizendo que vai aplicar. Se você aplicar inflation targeting, você simplesmente está dizendo que o modelo é igual, porque dada a variável de inflação que você vai garantir, a isso se acomodam as variáveis fiscal, cambial e monetária, ou seja, a variável de crescimento econômico. Então é bobagem, você tem uma fórmula de não ter inflação e tem uma meta mista de estabilidade de não-inflação com crescimento.
Ricardo Amaral: Eu queria só observar o seguinte: o senhor se considera discriminado pela imprensa, mas veja que está aqui há uma hora e meia...
Ciro Gomes: Eu estou adorando!
Ricardo Amaral: E ninguém lhe fez aquela pergunta tradicional: o senhor está esperando o apoio do Tasso Jereissati [ver entrevista do senador cearense Tasso Jereissati no Roda Viva] para a sua campanha? Isso é sinal que sua candidatura está sendo considerada mais competitiva do que outra coisa.
Ciro Gomes: Olha, se eu pudesse ter o apoio desse grande cearense, desse grande brasileiro, para mim seria uma honra extraordinária. Eu não disfarço de ninguém a afeição, o respeito e a admiração que eu tenho por ele. Agora, ele pertence ao PSDB, fizeram com ele o que não merecia. Não sei como vai reagir a isso, vai aceitar, se vai se acomodar ou se vai dar uma força para o amigo, para aquele que está carregando uma proposta de mudança para o Brasil, que ele sabe, pela proximidade, que é o melhor para o país...
Carlos Alberto Sardenberg: Ciro Gomes, estamos chegando ao final do programa.
Ciro Gomes: [interrompendo] Como ele sabe que o candidato do partido dele é o pior para o país.
Carlos Alberto Sardenberg: Governador, nós estamos chegando ao final do programa, já são três blocos e eu tenho ainda um espaço muito curtinho para duas perguntas de caráter pessoal, mas que têm a ver. Qual é a sua principal fonte de renda?
Ciro Gomes: Eu trabalho, sou professor e advogado. Nos últimos anos, tenho trabalhado como palestrante e consultor econômico, Eu cobro palestras das entidades empresariais que me contratam para falar sobre economia. Isso é disponível, não tem nada de impertinência nisso, acho que todos nós temos que ter essa transparência.
Carlos Alberto Sardenberg: O Djalma Marinho, de São Paulo, pergunta qual é a sua religião.
Ciro Gomes: Sou católico.
Carlos Alberto Sardenberg: E finalmente o Fábio Gianeli, de São Caetano do Sul, diz o seguinte: eleito presidente da República, o senhor teria alguma coisa para fazer, alguma intervenção para resolver a crise do futebol brasileiro? O senhor vai se meter nisso?
Ciro Gomes: Vou.
Carlos Alberto Sardenberg: Vai?
Ciro Gomes: Vou.
Carlos Alberto Sardenberg: O que o senhor vai fazer?
Ciro Gomes: Sabe, uma parte do problema do futebol é culpa da desorganização, é culpa de um calendário pirado, culpa da exportação de craques nossos para o estrangeiro, é culpa de mercenarismo, mas também de uma escola pública que não tem uma estrutura que apóie o esporte. Falta uma política de estímulo ao esporte no Brasil.
[...]: E o senhor, como o presidente Fernando Henrique, quer o Romário [atacante da Seleção Brasileira de Futebol, campeão da Copa do Mundo de 1994] na Seleção?
Ciro Gomes: Não, eu acho que quando a gente escolhe um técnico, é dele a faculdade de escolher. A gente está fazendo demagogia por uma crença vã de que o povo está desesperado pelo Romário. Isso é bobagem, isso é uma campanha da Coca-Cola e tem muita tramóia por trás. O Romário até está sem saúde - eu espero que ele fique bom - eu acho que ele é um grande craque, mas nós temos um técnico e ele exercita bem suas atribuições. Ou confiamos ou a gente troca. Eu prefiro confiar no Felipão [Luiz Felipe Scolari, técnico da Seleção Brasileira entre 2001 e 2003], eu acho que ele, tanto quanto eu ou qualquer brasileiro, quer trazer o penta para o Brasil. Não vai estar fácil.
Carlos Alberto Sardenberg: Governador...
Ciro Gomes: [interrompendo] Agora eu me lembrei do tempo que eu era comentarista esportivo da rádio Educadora do Nordeste, lá em Sobral. Um abraço para o José Maria Félix!
Carlos Alberto Sardenberg: Governador, muito obrigado.
Ciro Gomes: Para a mamãe, que está lá, também!
Carlos Alberto Sardenberg: Governador, chegamos ao fim. São três blocos, faz uma hora e meia que estamos aqui. O Roda Viva agradece muito a sua presença. Quero agradecer também aos colegas jornalistas e ao colega cientista político Carlos Novaes. Recebemos um grande número de e-mails e telefonemas, são mais de trezentos e-mails, obviamente não puderam ser colocados, mas todos eles serão encaminhados ao governador. O Roda Viva volta na próxima semana, segunda-feira, às dez e meia da noite, mais uma vez procurando oferecer um espaço aberto e democrático para o debate de idéias. Esse é o compromisso do jornalismo público da TV Cultura. Boa noite e uma boa semana a todos.