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Memória Roda Viva

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Francisco Gros

12/2/2001

Incentivar empresas a criarem meios para que seus produtos cheguem ao mercado externo por um preço competitivo é uma das propostas do presidente do BNDES

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Programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores
 
Paulo Markun: Boa noite. Ele tem a missão de tornar a economia brasileira mais competitiva. E as metas não são pequenas: é preciso aumentar as exportações, modernizar a indústria e fazer o Brasil ampliar a produção daquilo que ainda precisamos importar. É a tarefa do economista Francisco Gros, presidente do BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que o Roda Viva entrevista esta noite.
 
[Comentarista]: Francisco Gros já foi presidente do BNDES em 1985 e voltou ao cargo em março do ano passado. Ele também já ocupou por duas vezes a presidência do Banco Central, em 1987, no governo Sarney e em 1992, no governo Collor. Carioca de nascimento, passou a infância na França e a adolescência nos Estados Unidos, onde estudou economia nas Universidades de Princeton e Columbia. Já trabalhou em bancos de investimentos em Nova Iorque e, nos cargos públicos que ocupou no Brasil, teve, em vários momentos, participação direta na condução da política econômica. Em sua segunda gestão, frente ao BNDES, Francisco Gros dirige agora uma instituição que acaba de reformular sua missão: anuncia a maior assistência a pequenas e médias empresas e, pela primeira vez em sua história, vai priorizar as questões sociais na busca do desenvolvimento brasileiro.
 
Paulo Markun: Para entrevistar o presidente do BNDES, Francisco Gros, convidamos o jornalista Celso Pinto, diretor de redação do jornal Valor Econômico; o jornalista Roberto Müller Filho, diretor de conteúdo  do site Panorama Brasil; a jornalista Maria Clara do Prado, colunista da Gazeta Mercantil; o economista José Roberto Mendonça de Barros, diretor da NB Associados e professor da Universidade de São Paulo; o jornalista Guilherme Barros, editor do Painel S.A da Folha de S.Paulo, e o jornalista Sidnei Basile, diretor superintendente do grupo Exame da Editora Abril. Boa noite, presidente.
 
Francisco Gros: Boa noite.
 
Paulo Markun: Não sou exatamente um jornalista econômico, mas com meus trinta anos de profissão como jornalista, já cobri muito essa área e não é a primeira vez que eu ouço essas informações que a gente apresentou aqui no início do programa, falando que o BNDES vai priorizar a área social, vai investir mais na pequena empresa, vai desburocratizar sua atividade. O que é que tem de diferente no anúncio, desta vez, para essas informações que anteriormente já foram divulgadas?
 
Francisco Gros: Olha, sobre as anteriores eu não posso comentar, agora, sobre esta eu posso lhe assegurar que existe uma intenção muito firme não só minha, mas de todo o corpo do BNDES de seguir essas prioridades. E como demonstração disso, não ficamos só no discurso. Nós colocamos, depois de bastante debate interno, as metas do banco em termos numéricos, num plano estratégico, para os próximos cinco anos. Então, quando dizemos que vamos enfatizar o social, não é só um discurso. Nós estamos dizendo para a sociedade que esse segmento vai crescer cerca de 38% ao ano, ao longo dos próximos cinco anos, saindo de um desembolso, nesse último ano, de cerca de 1,1 bilhão de reais para cinco bilhões de reais no ano 2005. Então nós estamos colocando números concretos pelos quais queremos ser cobrados. Se tivermos sucesso é porque atingimos o objetivo; se não atingirmos esses objetivos, teremos fracassado.
 
Paulo Markun: Na questão específica da pequena empresa, presidente, também nessa minha peregrinação aí pelas reportagens, ouvi, inúmeras vezes, de pequenos empresários, a seguinte explicação: “Olha, saiu aí um novo plano do governo para conseguir dinheiro, através do BNDES - ou às vezes, de outros agentes econômicos - mas o problema é que minha empresa não consegue esse dinheiro porque não consegue cumprir todas as exigências que se faz quando se vai estabelecer parâmetros para conseguir recursos”. Esse tipo de exigência também vai mudar?
 
Francisco Gros: Eu acho que na medida do possível sim, lembrando que nós administramos recursos públicos e, portanto, precisa haver um cuidado com a qualidade do crédito, por isso sempre haverá exigências. Mas isso posto, eu acho que essa reclamação do pequeno empresário tinha dois aspectos. Um era o nível de exigência. Outro era freqüentemente a falta de interesse do agente financeiro em atender aquele pequeno empresário e principalmente atendê-lo com recursos do BNDES. E isso eu posso lhe assegurar que está mudando, que vai mudar. Nós estamos trabalhando intensamente com os nossos agentes, com todo o setor financeiro, buscando facilitar o acesso aos recursos do BNDES e encorajar os intermediários a realmente operarem o nosso dinheiro junto ao micro, pequeno e médio empresário. Então eu acho que isso vai mudar sim.
 
Guilherme de Barros: Só uma coisa, para continuar um pouco nessa linha. Não é só a questão do acesso, é a questão dos juros também, porque no fundo há uma contradição. A grande empresa paga juros menores do que uma pequena empresa no BNDES. O pequeno empresário tem uma cobrança sobre ele maior em juros do que as grandes empresas.
 
Francisco Gros: Não necessariamente, Guilherme. Depende muito, porque não dá para fazer uma afirmação tão linear. Você tem programas diferenciados para certo tipo de tomador. Por exemplo, um pequeno empresário no Nordeste vai pagar juros menores do que um grande empresário no Sul. Então não é tão linear. Mas em termos gerais, eu diria que sim, que o pequeno empresário tende a pagar um juro maior, mas é marginalmente maior, 1 ou 2% maior, dentro de um crédito sobre o qual essencialmente são colocadas as menores taxas do mercado. Você está discutindo se um vai pagar TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo] mais 2,5%, e outro talvez tenha que pagar TJLP mais 3,5 ou 4% acima. Não é aí que existe a grande diferença. Eu posso lhe assegurar que a grande diferença e a grande reclamação que nós recebemos é quanto ao acesso, não em relação ao custo. Isso ainda é um custo altamente competitivo.
 
Maria Clara do Prado: Doutor Gros, eu queria só voltar à questão colocada pelo Markun, que ele falou do plano estratégico, que foi lembrado aqui no início do programa. Isso é um plano que foi lançado para o período de 2000-2005 com grandes pretensões. E lendo aqui a carta que o senhor dirigiu quando lançou [o programa], nela o senhor lembra os grandes desafios que o país tem a enfrentar: combate aos desníveis regionais, sociais, melhoraria na qualidade de infra-estrutura social, aumento nas exportações, reestruturação industrial para assegurar produtividade, modernização, competitividade da economia brasileira, ampliação do acesso ao crédito às pequenas e médias [empresas]... Enfim, eu pergunto ao senhor: esse plano estratégico pretende fazer do BNDES o salvador do Brasil? Quer dizer, essa é a pretensão?
 
Francisco Gros: [responde rindo] Não.
 
Maria Clara do Prado: E queria o que senhor também, ao responder, comentasse um pouco se esse plano vem referendar e chancelar a linha de pensamento mais desenvolvimentista em detrimento da linha mais monetarista.
 
Francisco Gros: Claro, você me deu uma agenda aí para dez minutos de resposta. [risos]
 
Maria Clara do Prado: Então o senhor faça o favor de responder.
 
Francisco Gros: Vou tentar ser breve. Sim, nós colocamos algumas metas ambiciosas para o banco. Mas por mais paradoxal que pareça, foram metas razoavelmente restritivas, porque as demandas sobre o banco são muito maiores do que isso que nós elencamos aí. Nós elencamos sete prioridades, poderemos falar sobre elas durante o programa, mas o nível de demanda são 10 ou 15. Nós temos demandas para financiar agricultura, e temos dito que isso não é a principal prioridade do banco; financiar habitação, construção civil, não é principalmente a função do banco, e assim por diante, ou seja...
 
[...-]: Saneamento...
 
Francisco Gros: Saneamento, que é uma das prioridades do banco. Mas todo mundo - e o país é um país de grandes carências - busca recursos no banco, porque lá tem dinheiro, tem um orçamento grande e portanto, por paradoxal que pareça, o que nós nos propusemos a fazer envolveu uma opção e uma limitação daquilo que o banco faz. Esse é um pedaço da resposta. O segundo pedaço tem a ver com o que falaram aí na minha apresentação. Na minha educação, eu aprendi uma coisa estudando lá fora, um velho ditado que diz o seguinte: “é muito melhor você tentar e fracassar do que nunca tentar, nunca haver tentado”. Então, acho que o banco deve sim ter metas ambiciosas. Face às carências brasileiras, devemos sim atacar essas prioridades que foram colocadas na mesa, e não me parece que elas sejam inatingíveis. Elas não serão atingidas do dia para a noite, mas esse plano foi anunciado no ano passado, e no final do ano, nós já começamos a mostrar que isso é possível. Para a pequena e média empresa, houve um aumento do desembolso no ano passado, 60% sobre o que foi em 1999. Quanto ao desenvolvimento regional no ano passado, já 24% do desembolso do banco foi para empreendimentos em regiões menos favorecidas; o social aumentou cerca de 22, 23%. Ou seja, são metas ambiciosas, mas elas não são impossíveis de serem atingidas.
 
[...]: Em relação ao social...
 
Paulo Markun: Falta o desenvolvimentista...
 
Maria Clara do Prado: A parte mais importante da pergunta... Significa isso, doutor Gros?
 
Francisco Gros: Olha, eu não gosto dessa dicotomia, porque eu acho que ela não existe, é uma ficção. Nós somos um banco de desenvolvimento e portanto, qualquer política de desenvolvimento faz parte do nosso nome e sobrenome, não tenha nenhuma dúvida sobre isso. Só que eu acho que essa é uma meta, um objetivo de governo, que tem, como um todo, um programa de desenvolvimento para este ano, para o ano que vem, e o banco é um dos principais instrumentos para isso. E não vejo nenhuma contradição, essa é uma política clara do governo.
 
Roberto Müller: Doutor Gros, deixa eu tomar carona aqui na pergunta da Maria Clara e vou insistir nesse ponto. O senhor, com uma vasta experiência na vida pública, esteve no setor privado, setor financeiro, esteve no governo, no próprio BNDES que agora preside, esteve no Banco Central por mais de uma vez. Dentro dessa questão e do papel do banco que o senhor preside, que eu suponho seja um dos três primeiros bancos de fomento, se eu puder chamar assim, do mundo. O senhor acredita que seja o papel do banco, e o senhor pessoalmente, se colocaria como confortável na missão defendida por muitos economistas - eu até suponho que tenha uma aqui ao meu lado - de escolher, elencar um grupo de setores, vários setores da economia brasileira, que possam ser competitivos e apoiá-los decididamente com injeção de recursos para que o Brasil tenha alguns setores que não desapareçam, o que tem sido uma queixa constante dos empresários nacionais?
 
Francisco Gros: Beto, você mistura alguns conceitos aí que complicam um pouco a resposta.
 
Roberto Müller: Não foi de propósito! [risos]
 
Francisco Gros: No passado esse tipo de opção era feita de forma bastante voluntarista. Na década de 80, era proibido empresas quebrarem. E o banco inclusive foi extremamente ativo no negócio de "hospital de empresas": quando uma empresa ia mal, o banco ia automaticamente e a salvava. A experiência foi péssima, não deu resultado, eu não me lembro de nenhum caso que tenha funcionado bem. E me lembro muito bem de diversos casos em que se enfiaram centenas de milhões de dólares, no caso da Caraíba Metal, bilhão de dólar, sem que isso tivesse tido qualquer resultado positivo. Eu diria que se é essa o tipo de política de apoio, eu defenderia que o banco não deveria fazer isso. Uma outra política que nós fizemos também na década de 70 e 80 foi escolher alguns setores que, por alguma razão, seriam estratégicos e deveriam ser apoiados, independentemente das suas condições de competitividade. Por exemplo, a tentativa de se reinventar a roda e criar um setor de informática no Brasil. Mais uma vez os resultados foram absolutamente pífios em termos de custo-benefício. Agora, posto isso, nós somos um banco de desenvolvimento, funcionamos em um país que tem escassez de capital, onde temos sim setores claramente competitivos, não escolhidos por nós, mas escolhidos pelo mercado, porque têm condições de competitividade, têm produtos competitivos, têm custos baixos, como por exemplo, o setor siderúrgico, o setor de papel e celulose, o setor petroquímico, dentre outros, que sim, podem e devem ser apoiados pelo banco. E nós temos declarado que pretendemos apoiar esse e quaisquer outros setores que demonstrem no mercado que têm competitividade. Então, não vejo contradição.
 
José Roberto Mendonça de Barros: Posso pegar um gancho aqui na pergunta do Roberto e usar uma expressão sua correta: estamos num país de escassez de capital. Minha pergunta é a seguinte: exatamente por conta de sermos um país com escassez de capital, por que um banco público, nas condições do BNDES, não foca mais a prestação de garantias em vez de empréstimos? O sistema francês de banco de investimento, por exemplo, em vez de emprestar, usa sua capacitação de análise de projetos para classificar certo risco e prestar garantias. E aí o cidadão vai no mercado e se faz... Eu vejo muito pouco isso acontecer nos bancos oficiais. E certamente a prestação de garantias, ou a utilização de seguros, de formas dessa natureza, que não envolvem favor nenhum, não envolvem proteção especial nenhuma, mas isso tira sim, talvez o que seja a maior amarra do ponto de vista de conseguir financiar projetos razoáveis. Não seria o caso de ter a prestação de garantias como instrumento, não como setor, mas como instrumento de operação, ter mais espaços do que tem hoje?
 
Francisco Gros: Sem dúvida nenhuma. Eu acho que tem mais espaço para fazer isso. Mas eu só chamaria atenção que nós já estamos começando a fazer isso, muito especificamente, no setor hidroelétrico, onde se esperava que o banco pudesse financiar um terço dos projetos. São projetos grandes e muito intensivos em capital, em que o empresário entraria com um terço e o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] entraria com o terceiro terço. Essa parte do BID não se concretizou, e o BNDES viabilizou a colocação de debêntures [títulos de dívida de médio e longo prazo emitidos por empresas, que conferem ao detentor do título, o debenturista, um direito de crédito contra a emissora] no mercado. Esta semana e semana que vem, estão sendo anunciados publicamente dois desses projetos, para financiar duas hidroelétricas brasileiras, Machadinho e Itá, se não me falha a memória, em que nós estamos fazendo exatamente isso. O empreendimento necessita de 12 anos de prazo; o mercado se dispõe a financiar quatro ou cinco. Nós damos uma garantia de recompra no final desse período, e isso viabiliza a colocação dos títulos e portanto, o empreendimento em si. Mas como comentário genérico, você tem toda a razão. Eu acho que nós devemos caminhar nessa linha. E a única razão de não ter sido feita é que não havia escassez de recurso. Apesar da forte demanda por recursos do banco, eu não tenho notícias de conhecimento de grandes projetos que pudessem ser apoiados pelo banco e que não foram por falta de dinheiro. É nesse momento em que a economia brasileira começa a deslanchar, que a questão da alavancagem dos recursos do banco, e como você pode maximizar via, por exemplo, um aval, que essa questão se coloca. Ela não tinha se colocado antes, não faltou dinheiro.  
 
Sidnei Basile: Presidente, eu gostaria de saber do senhor um tema relacionado com esse. Como vai se dar essa alavancagem? Porque tradicionalmente, no Brasil, a alavancagem se fez por instrumentos de dívida, não é? E a pergunta no fundo tem a ver com o seguinte: nós temos ainda uma janela aberta para a estruturação, de fato, de um mercado de capitais, instrumentos de e-quotes? Esse novo movimento de crescimento sustentado da economia brasileira pode-se fazer através de instrumentos de e-quotes ou essa janela já passou, já fechou?
 
Francisco Gros: Não, não creio que tenha fechado. Mas eu só faria uma colocação inicial: o mercado de capital não é só e-quotes, mercado de capitais é e-quotes e é dívida também. Em qualquer lugar no mundo, a parte de dívida é nove, dez vezes maior do que a parte de e-quotes. A parte e-quotes é fundamental, porque é a base, é o rochedo, mas não é nem de longe, não representa, em nenhum mercado desenvolvido, a maioria dos recursos disponíveis para financiar o investimento, para financiar o crescimento. Então nós temos que olhar os dois lados. Esse é um ponto. Segundo ponto é de que o mercado de capitais não pode ser visto de forma isolada: [se dizer] vamos criar aqui o nosso mercado de capitais em São Paulo. Os mercados de capitais hoje são cada vez mais globais; os recursos fluem de forma global e, portanto, é nesse mercado global que as empresas precisam se inserir. E quando nós falamos sobre a competitividade das empresas brasileiras, eu sempre coloco o seguinte: “olha, por que a eletricidade de Portugal está comprando empresas no Brasil e não vice-versa”? Ela ou a Telefônica da Espanha ou uma Tractebel da Bélgica, que são países menores do que o Brasil...
 
Sidnei Basile: [interrompendo] Acho que o telespectador está curioso em saber. Por quê?
 
Francisco Gros: Essas empresas têm acesso ao mercado de capitais global. Elas captam dinheiro lá e portanto têm melhores condições de investir aqui do que as nossas, que são ainda empresas normalmente pequenas, fechadas, familiares e não têm acesso ao mercado para que lhes permita investir lá fora. Uma das prioridades do banco é ajudar que as nossas empresas cresçam, tenham acesso ao mercado de capitais, de dívida e de e-quotes, aqui dentro e lá fora, de modo que elas possam competir com suas congêneres mundo afora.
 
Celso Pinto: Doutor Gross, respondendo ali ao Müller, o senhor disse que faz sentido o banco apoiar setores ou ajudar em áreas onde julgue que isso possa ter um papel importante. A área onde o banco esteve mais envolvido, uma área importante, estratégica, e onde está em jogo uma questão de se manter um controle nacional, de se ter um ator nacional chave ou não se ter, em que o banco esteve envolvido nos últimos três anos, é a área de petroquímica, onde o banco claramente, abertamente, explicitamente e por contrato, apoiou um grande ator, que é o Grupo Ultra [atua na distribuição de gás doméstico, veicular e de outros combustíveis]. E, no entanto, até agora, apesar disso, o próprio governo que, através do Banco Central, controla os ativos que eram do Banco Econômico na área petroquímica, que o Ultra quer comprar, não ajudou em nada para que o governo do BNDES fizesse essa reestruturação no sentido em que o governo do BNDES achava que fazia sentido reestruturar. Inclusive no leilão, o governo, via Banco Central, fixou um preço mínimo que, na verdade, pressupunha que o comprador daria um tratamento ao minoritário fortemente diferenciado em relação ao controlador. Que é uma política que contraria o que o governo, via BNDES, tem defendido através do senhor, que é uma defesa forte do minoritário, e que através de um esforço, por uma boa governança cooperativa, você... Como é que esse negócio do governo apoiar setor, onde o governo de um lado faz de um jeito, o governo do outro lado faz de outro, quer dizer, como é que se explica essa ligeira confusão?
 
Francisco Gros: Olha, eu acho isso saudável, porque é diferente do que acontecia antigamente, que como você há de se lembrar, o governo era um só, e um czar qualquer telefonava e dizia: “olha, é assim”. E assim era, e ninguém discutia. Nós vivemos num mundo mais plural em que cada órgão do governo tem uma missão e desempenha essa missão. A missão do Banco Central é vender aqueles ativos...
 
Celso Pinto: [interrompendo] Não é fácil descobrir quais dos lados do governo tem razão aí nesse caso?
 
Francisco Gros: Não sei se é uma questão de razão. Cada macaco no seu galho. [risos] O Banco Central tem uma missão legal de tentar obter o maior preço pelos ativos que está vendendo, até para ressarcir os recursos que foram colocados na liquidação do Banco Econômico. É missão do Banco Central. Que bom! Ele tem por obrigação tentar maximizar o valor daqueles ativos. A nossa missão é outra. Achamos que devemos ajudar um empresário nacional, no caso o grupo Ultra, a ter as condições necessárias para conseguir consolidar a sua posição e adquirir esses ativos. E numa negociação de mercado, porque é absolutamente transparente. Com um leilão no mercado, vai se ver como é que vai prevalecer. Eu não tenho a pretensão...
 
Celso Pinto: [interrompendo]Já se viu que o leilão fracassou, a primeira tentativa já fracassou.
 
Francisco Gros: Por enquanto, vai ter outro. Não tenha nenhuma dúvida de que vai dar certo. Quer dizer, existe uma decisão muito clara de vender os ativos, e do lado de cá...
 
Celso Pinto: [interrompendo] Mas, aí entra um problema delicado. Além dessa decisão de vender ativos, lá atrás, pelo menos - não sei, o senhor me dirá se ainda é - havia uma questão estratégica envolvida. Aparentemente tudo indica que uma parte do governo entendia que se tratava não só de apoiar um grupo nacional X e não um grupo nacional Y, mas se tratava de dizer o seguinte: o setor petroquímico está aí. Esse é um setor que eu quero que seja preservado para o capital nacional. Isso aparentemente estava por trás da decisão, pelo menos inicial...
 
Francisco Gros: [interrompendo] E continua.
 
Celso Pinto: [interrompendo] Sim. Ainda está por trás?
 
Francisco Gros: Continua.
 
Celso Pinto: Como se explica que o próprio governo não consiga implementar essa decisão, porque uma parte do governo não quer, outra parte acha que quer, como é isso?
 
Francisco Gros: Não é porque uma parte não quer. Tudo o que nós queremos fazer é dar condições de competitividade a um player, que nos parece, reúne as melhores condições estratégicas para consolidar aquele setor. Mas nós não temos o poder de determinar o resultado. Que bom! Vai ganhar quem der o maior preço. E, em um certo momento, imaginava-se que pudesse ser a Dow [Chemical, indústria norte-americana do segmento químico] uma companhia estrangeira que deveria entrar aqui e ganhar do nosso campeão nacional. E ninguém perdeu uma noite de sono por causa disso, porque não nos parece que seja a nossa missão determinar qual o resultado, o [...]. Não é mais! Se fosse na época de 1970, era assim. Alguém passava a mão no telefone, ligava para o cara e  dizia: “olha, não vem, porque você não é bem vindo aqui”. Isso não acontece mais no mundo de hoje. Tudo o que estamos querendo fazer é tentar dar um financiamento ao comprador nacional, de modo que ele tenha condições de competitividade. Agora, se ele vai oferecer um preço que convença os vendedores, se ele vai oferecer um preço maior do que os outros, isso está absolutamente fora do nosso controle...
 
Celso Pinto: [interrompendo] Só para completar e voltar àquela pergunta original do Müller, esse, na sua opinião, é o limite do desenho do apoio setorial, ou a empresas, ou grupos nacionais no caso de reestruturação?
 
Francisco Gros: Eu, pessoalmente, acho claramente que o limite tem que ser atuar naquela falha de mercado que nós estávamos conversando aqui com o Beto. Falta capital. Você está vendo um concorrente nacional que não tem acesso às mesmas fontes de capital do que o seu concorrente estrangeiro, então vamos tentar equilibrar um pouco esse jogo. Agora, se ele vai ganhar ou perder, são decisões estratégicas do empresário. A grande diferença é que nós não queremos substituir a [quem cabe] essas decisões, as quais cabem ao empresário.
 
Paulo Markun: Por que entre parte da opinião pública existe a idéia de que o BNDES está financiando a desnacionalização da economia brasileira ao financiar grupos estrangeiros que vêm para cá participar de privatizações? Ou seja, no senso comum, o que se raciocina é o seguinte: “poxa, mas se o governo brasileiro tem dinheiro para financiar uma empresa estrangeira que vem para cá comprar uma empresa de energia, ou uma empresa de telecomunicações, enfim, alguma coisa que está sendo privatizada, por que esse dinheiro não é dedicado à iniciativa privada nacional”?
 
Francisco Gros: Bom, são várias respostas. A primeira é que o dinheiro estava disponível para qualquer comprador na época, para qualquer um. Quem comprou foi o estrangeiro, em outros casos quem comprou foi o nacional. Quando o nacional comprou, o financiamento estava disponível. A colocação é, às vezes, feita na linha de que: “Mas não, o dinheiro só deveria ter sido disponibilizado para o nacional e não para o estrangeiro”. Eu queria deixar claro que naqueles momentos, primeiro: a privatização era uma política fundamental do governo brasileiro. Segundo: nós estávamos vivendo momentos de crise, em que se vivia quase de privatização em privatização, e cada privatização era um sinal poderoso para investidores estrangeiros de que o Brasil estava bem, que o Brasil não ia quebrar. Portanto, naqueles momentos, financiar as privatizações era um sinal absolutamente fundamental. Não vamos esquecer as circunstâncias daquela época. Terceiro ponto, que é bom a gente se lembrar, quando você dá um financiamento, uma privatização, nominalmente você está financiando o comprador. Mas de fato, o que você está fazendo é financiando o vendedor. Você está disponibilizando recursos para que o vendedor consiga vender a prazo um ativo que, se não tivesse financiamento, iria ter que vender à vista. E aí eu pergunto a qualquer um: se você tem que vender um apartamento, o que é melhor? Você vender a prazo ou ter que vender à vista? Se você vendesse à vista, você iria conseguir o mesmo preço? Ou iria conseguir o mesmo nível de interesse sobre aquele ativo? Não. Então quem vinha nos pedir financiamento, a rigor, não era o comprador estrangeiro. Quem vinha nos pedir financiamento eram os vendedores, eram os estados, era o governo federal que queria vender por um preço maior e, portanto, por um prazo mais longo. O último comentário, isso era feito no momento em que a demanda por recursos do BNDES era baixa. Hoje o BNDES está sentindo uma demanda muito mais forte de recursos, e nós já cortamos, não estamos financiando privatização nem para estrangeiro nem para nacional, não é um uso prioritário de recursos do banco.
 
Paulo Markun: Nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos já, já.
 
[intervalo]
 
Paulo Markun: Estamos de volta com Roda Viva, esta noite entrevistando o presidente do BNDES, Francisco Gros. Apenas para informar, a pergunta feita por Carlito Ferreira de Silva, estudante de Campinas, José Osório, também de Campinas, e Luiz Carrilho, do Jardim Paulista, engenheiro, já foi feita, que é a questão exatamente do financiamento das privatizações e das empresas estrangeiras. E eu queria começar aqui com a pergunta de José Adair de Lacerda, de Belo Horizonte, que diz o seguinte: “Pelo que se observa, os grandes bancos, como agentes financeiros do BNDES, não estão mesmo dispostos a repassar recursos às pequenas empresas. As exigências que fazem - diz ele - são impossíveis de serem cumpridas por tais empresas. O BNDES estaria disposto a repassar tais recursos usando como agentes de crédito as cooperativas de crédito e as sociedades de financiamento a micro-empreendedores?
 
Francisco Gros: Certamente. Nós estamos buscando diversificar as redes de acesso ou de distribuição dos nossos produtos; estamos buscando maneiras também de diferenciar entre os diversos bancos de modo a trabalhar preferencialmente com aqueles que têm demonstrado interesse maior de repassar os recursos do banco, mas a idéia de buscar outros agentes faz todo o sentido. No que diz respeito ao microcrédito, nós já temos 27 operações com empresas que praticam o microcrédito no Brasil, e esse segmento tende a crescer, é fundamental. Estamos trabalhando na montagem de um cartão de crédito do BNDES que esperamos que vai facilitar o acesso do micro, pequeno e médio empresário ao BNDES. Cooperativas é uma idéia, qualquer idéia que funcione vai ser explorada pelo banco. Achamos que tem muito trabalho ainda a ser feito nessa linha.
 
Guilherme de Barros: Doutor Gros, o banco trabalha com prioridades. Nos últimos anos elencou, como uma das prioridades, o setor externo, ou seja exportações. O Brasil hoje tem uma fragilidade que é a fragilidade externa; ele tem um problema de déficit comercial que o torna talvez o ponto mais vulnerável de economia que nós temos hoje. Não seria a hora talvez do banco começar a pensar em privilegiar um novo programa de substituição de importações junto com as outras prioridades do banco?
 
Maria Clara do Prado: Eu queria só aproveitar – complementando – e perguntar o seguinte: na sua opinião, por que o governo não consegue fazer com que as exportações cresçam na medida em que elas precisam crescer?...
 
Guilherme de Barros: Eu acho até que elas estão crescendo. O problema é que as importações estão crescendo mais...
 
Maria Clara do Prado: Ma não o suficiente, porque se você tem um país, com um PIB [Produto Interno Bruto] em expansão, importando do jeito que está importando, as exportações têm que crescer obviamente muito mais do que essas importações. Qual o problema, doutor Gros?
 
Francisco Gros: O problema é que você não muda as coisas do dia para a noite. O Guilherme tem razão de que nós temos um desafio no setor externo, que precisamos sim fazer crescer as exportações, elas têm crescido, no ano passado cresceram cerca de 19%. O desafio não é por aí, é de que as importações têm crescido muito rapidamente. Parcialmente por razões conjunturais como foi o aumento do preço do petróleo, parcialmente porque nós estamos nos modernizando, nos tornando mais competitivos; e quanto mais você cresce, mais você demanda importações de produtos intermediários, de componentes eletrônicos, de matérias primas, e isso é absolutamente inexorável. Por que não muda do dia para noite? Porque tradicionalmente a maioria dos investidores, neste país, por diversas razões, têm se concentrado no mercado interno. É um mercado interno grande, lucrativo, é um mercado interno que tradicionalmente não oferecia tanta competição, e portanto, o grosso dos investimentos... Tinha enormes carências no setor de serviços públicos, e o que você verifica é que o grosso dos investimentos tem se voltado para o atendimento das carências do mercado interno. Você não muda isso do dia para a noite. Para criar uma cultura de exportação demora. O banco tem trabalhado nessa linha, Guilherme, não só na linha de incentivar empresas a investirem na criação de capacidade de exportação, mas também com BNDES-exim bank que financia as exportações brasileiras e que hoje já representa 25% do orçamento do banco...
 
Guilherme de barros: [interrompendo] Eu sei, o caso da Embraer, inclusive, está dentro da...
 
Francisco Gros: [interrompendo] O caso da Embraer inclusive. Agora, só para encerrar esse tema: nós não vamos conseguir, do dia para a noite, inverter esse processo. É um processo que vai demandar tempo, esforço, dedicação e sangue frio, porque nesse mercado competitivo que está aí fora, nós não vamos conseguir overnight, mudar esse quadro que está aí. Vamos ter que conviver com ele durante algum tempo.
 
Maria Clara do Prado: Mas há um risco nisso, não é doutor?
 
Guilherme de Barros: [interrompendo] Não, mas ele não respondeu...
 
Francisco Gros: A vida é muito arriscada.
 
Guilherme de Barros: [interrompendo] O senhor não respondeu, desculpe.
 
Celso Pinto: [interrompendo] O Guilherme está perguntando outra coisa. Está perguntando sobre substituição de importação, que é um tema mais polêmico. Tem muita gente no governo que acha que não faz sentido financiar (...) como tal.
 
Guilherme de Barros: Exatamente. O Ministério da Fazenda claramente...
 
Francisco Gros: Não, não é verdade. Nós temos todos uma preocupação com os saldos da balança, temos todos uma preocupação com a necessidade de atrairmos investidores externos. A única discussão é que grau de voluntarismo você deve ter nesse processo. Nós já estamos tendo trinta milhões de dólares por ano de investimentos externos. O que não há é uma tentativa de direcionar esses recursos para investimentos voltados para exportação explicitamente ou para substituição de importação. E o sentimento é de que se o mercado existe, se o Brasil consome esses produtos, naturalmente, vão ocorrer investimentos nesse setor. Isso não quer dizer que a gente deva ser meramente espectadores, podemos agir sim, podemos conversar, o banco constantemente busca fazer isso, e fez isso no setor de telecomunicações. Você pega o Brasil; ele era importador de todos os seus telefones celulares, e hoje já não importa mais nada, e exporta, em função de um programa que o banco desenvolveu, vai continuar a ocorrer, tomando cuidado para não cometermos os mesmos erros, não entrar na síndrome da década de 70, de simplesmente olhar a sua pauta de importação e tentar reproduzir internamente tudo aquilo que você importa, porque isso não vai dar certo se fizer dessa maneira. Você tem que respeitar a decisão empresarial e tentar direcioná-la com apoios, com financiamento do banco, com aqueles instrumentos de política que nós temos, que usamos e vamos continuar usando.
 
Maria Clara do Prado: É possível, doutor Gros, o BNDES criar alguma linha de financiamento para investimento, até de capital estrangeiro, se for o caso, especial, desde que o investidor se comprometa em exportar parte da sua produção? Existe essa idéia? É viável isso?
 
Francisco Gros: Existe sim. Um dos programas do [programa] BNDES-exim é claramente nessa linha.
 
Maria Clara do Prado: Tem funcionado, doutor Gros?
 
Francisco Gros: Tem funcionado bastante bem...
 
Maria Clara do Prado: Há demanda para ela?
 
Francisco Gros: Sim, há demanda. Nós financiamos investimentos com compromissos de exportação, algo... A filosofia é a mesma que existia antigamente. Mas o sentimento é que você apóia, desde que haja compromissos de exportação. Acho que isso faz todo o sentido e o banco tem feito...
 
Maria Clara do Prado: [interrompendo] Que setores têm sido beneficiados com esse programa, doutor Gros? Porque não é uma coisa que a gente perceba como sendo significativa.
 
Francisco Gros: Não, tem havido... E os compromissos firmes têm sido cumpridos, até porque quando não são...
 
Maria Clara do Prado: [interrompendo] Mas que setores são financiados?
 
Francisco Gros: Os principais setores exportadores brasileiros têm se beneficiado dessa linha, eu não tenho de cabeça todos eles...
 
Maria Clara do Prado: [interrompendo] Não tem nenhum setor específico, é geral? Porque o senhor falou em celulares, e o Brasil tem exportado celulares, mas importa a maior parte dos componentes dos celulares que exporta, não é isso? Quer dizer...[risos]
 
Guilherme de Barros: [interrompendo] Escuta, voltando a essa questão de substituição, que é o...
 
Francisco Gros: Outro dia nós tivemos uma visita em Brasília de um grupo de empresários internacionais do setor de componentes. Lá pela tantas, um deles, com muita franqueza, disse o seguinte: “olha, no meu setor, que era semicondutores, o mercado brasileiro representa 1% da demanda global, e nós temos cinco fábricas no mundo. Então 1% não é uma alavanca suficientemente poderosa para eu me instalar aqui”. Ao contrário, a Intel, por exemplo, se instalou na Costa Rica. Não foi por causa do mercado interno da Costa Rica para semicondutores, foi por causa da liberdade de acesso, liberdade de entrada, saída. O exemplo que ele citava era: “vocês deveriam se mirar em Taiwan e Cingapura”. Olha, se é esse o jogo, não vai dar certo, porque nós não vamos transformar o Brasil em uma grande Cingapura, nós vamos ter que encontrar outras maneiras de enfrentar esse desafio. Tentar nos transformar em Cingapura, que é um entreposto, certamente não é a resposta para o Brasil.
 
José Roberto Mendonça de Barros: É que a política de componentes envolveria, provavelmente, a separação em coisas... O exemplo que sempre se dá é realmente do chip, que precisa de fábricas gigantescas, mas existe uma série de outros componentes, no exemplo do celular, menores, desde peças plásticas... Coisa que a Motorola está fazendo por conta própria, hoje, no mercado interno, que eventualmente poderia ter um pouco mais de suporte. Eu queria voltar um pouco à estrutura da questão do Celso Pinto em um outro ponto. O banco tem como uma de suas prioridades, corretamente, o suporte a mercado de capitais, e está muito correto isso. No entanto, há pouco tempo atrás, o Conselho Monetário Nacional, tomou a decisão que obriga o BNDES a vender um belo pedaço da sua carteira de ações, ou seja, despejar, dampear [vender um produto no mercado externo a um preço inferior ao do mercado interno, a fim de anular a concorrência] no mercado, algo como cinco bilhões de dólares, equivalentes, para este ano. De novo, não é um pedaço do governo comendo outro pedaço? Perguntado de outra forma: faz sentido que um banco como o BNDES, que não tem depósito público, que tem recursos próprios, são os recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] que vem corretamente a ser tratado com as mesmas regras do chamado [Acordo] cautela de Basiléia [acordo firmado em 1988, na cidade de Basiléia (Suíça), por iniciativa do Comitê da Basiléia e ratificado por mais de 100 países, cujo objetivo era criar exigências mínimas de capital a serem respeitadas por bancos comerciais, como precaução contra o risco de crédito], ou isso é um equívoco? Toda a questão de Basiléia está baseada em alavancagem, como você bem sabe, melhor do que eu. Qual o sentido de fazer isso? E por que obrigar o BNDESPar [subsidiária do BNDES que compra participações em empresas] a vender uma montanha de ações em um mercado que é desse tamanhozinho e que vai concorrer com seus próprios lançamentos?
 
Francisco Gros: Roberto, eu diria que a questão fundamental, perfeitamente válida, é se deveria haver um tratamento excepcional para a BNDESPar pelas razões que você coloca muito claramente. Acho que esse é um tema que continua em debate. Tudo o que houve, num primeiro momento, foi uma decisão de governo de estabelecer certas regras prudenciais de imobilizado, que são, para o sistema financeiro como um todo, absolutamente saudáveis, concordamos com isso.
 
José Roberto Mendonça de Barros: Sem discussão...
 
Francisco Gros: Então a pergunta é se deveria ser, a priori, criada uma acepção para a BNDESPar. A nossa posição é de que esse tema pode até ser discutido, mas é preciso que fique claro que não há, em momento algum, nenhuma exigência de que o BNDES despeje no mercado qualquer volume de ações, acima daquilo que nós normalmente vendemos, por razões de decisão de desinvestimento de carteira. O processo não é esse. Se for mantida a exigência de enquadramento, e ela poderá ser mantida, porque não foi discutida ainda, tudo o que nós vamos fazer é pegar um lote como, por exemplo, o de ações da Eletrobrás, e devolvê-las para o Tesouro Nacional. Não haverá nenhum impacto sobre o mercado. A discussão pode ser outra. Existe no momento interesse de reduzir o tamanho de BNDESPar, e essa é uma discussão que pode haver no governo. “Olha, achamos que deve, não precisa ter esse tamanho todo”. Mas a BNDESPar tem, por exemplo, 25% da sua carteira, em ações de Petrobras, mais 13% são ações da Eletrobras. É só você pegar um lote desses ou um pedaço e devolver para o Tesouro, resolveu. Não haverá - e isso é importante que fique claro - nenhuma iniciativa de se despejar ações no mercado em função dessa exigência de imobilizar, de se enquadrar no imobilizado. Qualquer decisão da BNDESPar de venda de ações no mercado será motivada exclusivamente por decisões de administração de carteira.
 
Roberto Müller: Doutor Gros, eu queria voltar um pouco à questão mencionada há pouco sobre a Embraer. Toda essa polêmica que ainda ocupa as manchetes dos jornais e a preocupação das autoridades abalou as relações entre dois países - Brasil e Canadá - e ainda não está resolvida. Em boa medida, suponho, a Embraer conseguiu resultados; conseguiu à mercê do apoio que recebeu do banco que o senhor preside. Eu pergunto: o senhor está disposto, o BNDES está disposto a preservar essa política no caso da indústria aeronáutica?
 
[Em 1998, a companhia aérea canadense Bombardier iniciou um processo contra a Embraer por julgar como concorrência desleal o fato de que esta estava sendo beneficiada pelos subsídios do Programa de Incentivo às Exportações (Proex), do BNDES. Esse programa oferece linhas de financiamento, às exportações e à produção, que o banco concede a empresas estrangeiras a juros bastante baixos. Dessa forma, a Embraer teve condições de vender aviões aos Estados Unidos a preços inferiores à Bombardier. A disputa foi decidida pela Organização Mundial do Comércio, que julgou legais as transações entre Proex e Embraer.]
 
Francisco Gros: Sem dúvida nenhuma. Acho que a Embraer é uma grande história de sucesso para o Brasil, não só o seu sucesso de exportação, mas mais importante do que isso, o seu sucesso industrial. É realmente o caso de um "fênix que nasceu das cinzas" de uma empresa que teve problemas sérios no passado. E é um dos poucos casos em que o Brasil consegue concorrer no mercado global com produtos de alto conteúdo tecnológico, em um mercado extraordinariamente competitivo. A Embraer é algo a ser preservado, a ser desenvolvido. Esse é o primeiro ponto. Segundo ponto, não há nada de extraordinário no apoio que o BNDES ou que o governo dá à Embraer. Ele é muito parecido com o apoio que outras instituições de crédito similares dão às suas produtoras de avião. Nos Estados Unidos o Ex-Im Bank [Export-Import Bank of the United States, agência oficial de créditos do governo federal norte-americano. Ela promove as exportações dos EUA sustentando transações a crédito de curto e médio prazo e providenciando financiamento] é freqüentemente apelidado de Ex-Im Boeing porque 70% dos financiamentos do Ex-Im Bank são direcionados à Boeing. Então não há nada de extraordinário nisso. Nós temos que nos dar conta de que estamos num mercado extraordinariamente competitivo, que uma empresa como a Embraer, por melhor que seja o seu produto, - e ele é muito bom - precisa de apoio para comercialização, para o financiamento da venda desse produto, a regra do jogo é essa. A EDC [Export Development Canada, banco de apoio aos investidores e às exportações canadenses] canadense é assim, Ex-Im Bank americano é assim, as agências de apoio a exportações européias apóiam exportações da AirBus [com sede na França, é considerada a maior fabricante de aviões comerciais da atualidade] assim. Não há nada de mais nisso! Agora, é preciso que o Brasil adote ou aceite as regras normais, internacionais desse jogo. E o que nós temos dito é que se no passado isso não foi feito, daqui para frente certamente será. Essa é a posição do governo brasileiro, queremos competir respeitando as regras do comércio civilizado para esse tipo de atividade.
 
Paulo Markun: Eu só queria ficar nessa área ainda. Jerônimo Marcondes, que manda sua pergunta por e-mail – e eu pediria que os telespectadores identificassem de onde são, porque não tem o endereço aqui – pergunta o seguinte: “Qual a amplitude do dano que o boicote canadense em relação à carne brasileira [Em 02/02/2001, o Canadá decretou um embargo à importação de carne bovina brasileira, alegando risco de contaminação com o “mal da vaca louca”, nome popular para encefalopatia espongiforme bovina, doença que ataca o sistema nervoso do gado e mata em pouco tempo] pode causar, caso se mantenha por mais tempo e qual a posição do BNDES diante dessa situação”?
 
Francisco Gros: Olha, é difícil para mim responder qualquer uma das duas perguntas, é difícil avaliar o dano. Eu simplesmente diria que foi uma atitude precipitada por parte do Canadá, que sofreu um repúdio absoluto da sociedade e do governo brasileiro, a começar pelo presidente da República. E a posição do BNDES é que nós não estamos na linha de frente dessa briga; nós claramente fazemos parte do governo, seguiremos uma orientação do governo, mas já tem muita gente pensando, atuando e trabalhando em cima desse conflito com o Canadá, e nós somos, a rigor, um ator de segunda linha nessa questão...
 
Paulo Markun: O senhor acha que a reação da sociedade é positiva, é um bom sinal?
 
Francisco Gros: Eu acho que sim, na medida em que demonstrou que as questões da exportação de produtos brasileiros são absolutamente fundamentais para nós hoje, pelas razões que a Maria Clara colocou, pelos razões que o Guilherme colocou, ou seja, a capacidade do Brasil de continuar crescendo passa pela nossa capacidade de exportar. E se nós formos questionados ou se mercados nos forem negados, isso terá implicações muito claras sobre a capacidade de crescimento do país. Então, eu acho que a nossa reação foi absolutamente correta, tendo em vista a gravidade da situação.
 
Sidnei Basile: O senhor não acha, presidente, que a sociedade saltou à frente do governo, quer dizer, tomou iniciativas, seja uma coisa até meio folclórica, coisa do varejo, restaurante, jogando garrafas de uísque no lixo... Mais recentemente, associações de agências de viagens começando um boicote informal que pode se ampliar ao fluxo de turismo do Canadá, daqui para o Canadá. Hoje à tarde mencionava-se a hipótese de um boicote, que já começa a ser organizado informalmente em portos brasileiros, a produtos oriundos do Canadá. Eu tenho impressão, tenho certeza, de que essas iniciativas têm um caráter absolutamente marginal. Agora, elas sinalizam no sentido da necessidade, da premência, da urgência de uma firmeza brasileira em direção a essa questão, não é verdade?  
 
Francisco Gros: Sim. Mas que acho que existe. Desde o primeiro momento, o ministro [Marcus Vinícius] Pratini [de Moraes, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de 1999 a 2002] tem sido extraordinariamente enérgico na defesa dos interesses brasileiros. O presidente da República deu uma longa entrevista em que ele usou termos extraordinariamente duros na relação entre países para descrever o problema e a reação brasileira. Nesse particular, o governo e a população estão absolutamente irmanados ou alinhados no repúdio a uma atitude do Canadá que não se esgota em si mesma. Ela é uma demonstração de uma atitude absolutamente perigosa, inaceitável para nós, razão pela qual reagimos com muita firmeza. Eu lembraria também que foram mexer aí num vespeiro, na medida em que o setor agrícola, em qualquer lugar do mundo, sabe muito bem se organizar, se organiza com extraordinária competência. Basta ver o senhor [José] Bové [camponês e ativista francês que ganhou notoriedade por lutar contra a hegemonia estadunidense e o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados, os trangênicos], francês, e a capacidade que ele tem de ganhar manchetes e holofotes. Cada vez que você tenta mexer na política agrícola francesa, centenas e milhares de agricultores bloqueiam o país. E tudo o que nós demonstramos é que o nosso setor agrícola sabe reagir também. Que bom!
 
Roberto Muller: Doutor Gros, só para ficar nesse assunto. Não é o desejo de ninguém, mas suponha que o governo canadense siga inflexível, ele tem dado sinais de certa flexibilidade mas, para argumentar, num cenário de endurecimento do governo canadense, o senhor consideraria lícito que empresas canadenses que fossem buscar recursos para investimento em bancos públicos ou bancos oficiais fossem consideradas menos iguais que as outras?
 
Francisco Gros: Roberto, eu acho que a hipótese é impensável. Eu não consigo pensar em uma hipótese em que não se chegue a um entendimento num prazo curto. Se ela não se realizar, eu fico com as palavras do presidente [Fernando Henrique Cardoso], “guerra é guerra”. E numa guerra você não fica anunciando o que você vai fazer. Então, eu prefiro primeiro apostar no entendimento e, segundo, não ficar raciocinando sobre hipóteses concretas no caso do não entendimento. Teremos muito tempo para cuidar disso se por acaso a hipótese vier a ocorrer...
 
José Roberto Mendonça de Barros: Pelo menos é um bom exemplo – voltando à questão do porquê nós termos dificuldade para aumentar a exportação – de como, de fato, é complicada a questão da exportação. No caso de produtos agrícolas, hoje, a exigência de sanidade é decisiva, e não estamos completamente preparados para esse tipo de coisa, a despeito da intempestividade e do absurdo que o Canadá fez, que usou uma desculpa para uma ação política. Mas na verdade, acho que essa é uma das coisas de fomento mais importantes - não o BNDES especificamente - que o governo teria que estar fazendo, que é equipar o país para essa questão de rastreabilidade, coisas que vão ser absolutamente decisivas e que agregam valor em termos de mercado internacional. É uma agenda nova, que é um pouco a questão dos planos de importações, as questões que tangenciaram aí. O desenvolvimento tem uma agenda que é própria; “o desenvolvimento é algo que se constrói”, é uma frase que o Dionísio Dias Carneiro [economista e professor do Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro] escreveu há algum tempo atrás. E talvez um pouco das questões que estão aqui aparecendo, volta e meia, às vezes reflete uma certa frustração com relação à percepção de lentidão de partes do próprio setor público, do próprio governo, de entrar nessa agenda, nessa construção que não é a escolha de ganhadores, que não é subsídio, que não é fazer coisa errada e antiga, mas ao contrário, se ajustar olhando para frente. No setor agrícola há um belo exemplo de como tem toda uma questão a ser construída de institucionalidade, de ações, e que infelizmente a gente tem visto pouca coisa.
 
Guilherme Barros: Nesse caso talvez o Brasil ainda não estivesse preparado para essa guerra comercial com o Canadá, ou seja, outras podem vir à frente. O Brasil de uma certa forma teria que se preparar...
 
José Roberto Mendonça de Barros: Certamente virão, não é, Guilherme?...
 
Guilherme Barros: Isso é uma ponta. Outra coisa é papel da OMC [Organização Mundial do Comércio] nesse episódio. A OMC é ágil, é assim mesmo? Como é essa...?
 
Francisco Gros: Não sou expert em OMC. Confesso que fiquei um pouco preocupado com uma matéria que li hoje na Gazeta Mercantil sobre as regras da OMC e no que se pode contar com ela. Eu sempre parti do princípio que a OMC funcionando seria um fator de proteção para o Brasil nessa selva de comércio exterior que está aí. Espero que a realidade seja menos cruel do que o que está colocado ali. Agora, voltando ao ponto do Beto - concordo integralmente com sua análise - eu também não sou o camarada, o BNDES não é o órgão que atua nessa área de controles fitossanitários, mas creio que talvez a gente não tenha conseguido transmitir com toda a clareza o que vem sendo feito. Mas francamente eu acho que o governo tem uma agenda muito clara para enfrentar as questões que estão sendo colocadas aqui, tanto na linha do comércio quanto em todo o desafio do crescimento econômico e do desenvolvimento. E o esforço maior tem que ser na linha de tornar explícitas, evidentes e claras, as medidas que estão sendo tomadas. Não vamos menosprezar a capacidade de ação do governo brasileiro. Nós somos ainda um país que tem um governo bastante firme, com muitos instrumentos de ação e com peso importante na economia. O Roberto colocou, o BNDES faria isso ou faria aquilo, mas essa discussão do Canadá, por exemplo, não caberia, não existe um BNDES no Canadá, está certo? E como o ministro [Celso] Lafer [Ministério das Relações Exteriores] disse, em qualquer conflito desse tipo, o Canadá, por exemplo, teria muito mais a perder do que nós! Nós não somos tão frágeis assim, tem muito a ser feito, o desafio é claro, mas temos instrumentos sim, e acho que estamos utilizando.
 
Maria Clara do Prado: Eu queria mudar um pouco o assunto. Tenho uma pergunta que eu não posso deixar de fazer. Falou-se aqui em privatização, e o senhor indicou claramente que o BNDES não estaria mais disposto a financiar o processo de privatização, pelo menos nos moldes em que fez no passado, recentemente, há poucos anos.
 
Francisco Gros: Até por ser desnecessário.
 
Maria Clara do Prado: Certo. Mas há empresas públicas ainda a serem privatizadas. A área do setor hidrelétrico, que o senhor também mencionou, tem todo um trabalho a ser feito. E a gente percebe que o próprio governo, pelo menos a área econômica do governo, de um tempo para cá, passou a defender nova forma de privatização, que privilegia a pulverização das ações. Ou seja, ao invés de você vender em bloco para um grupo ou pessoa jurídica, ou grupo de empresas, você pulveriza e dá a chance para que a população então participe desse processo. Foi feito com sucesso, com parte das ações da Petrobras, recentemente. E o senhor tem defendido, doutor Gros, há um tempo já, e voltou a defender recentemente, que também com Furnas [empresa que conta com um complexo de onze usinas hidrelétricas e duas termelétricas, representando10% da geração de energia do Brasil. É uma empresa da administração indireta do governo federal, vinculada ao Ministério de Minas e Energia], especificamente, o processo de privatização se faça através desse sistema de pulverização de ações. A pergunta que eu quero lhe fazer é a seguinte: o senhor já conseguiu convencer o governador Itamar Franco a vender Furnas? Primeiro. E segundo: por que é importante para o mercado brasileiro esse processo novo de privatização? E por que não foi feito antes, já que a equipe econômica passou a defender agora com tanta veemência?
 
Francisco Gros: Não foi feito antes por uma resposta muito simples: nós estávamos atravessando momentos de crise, em que a prioridade era claramente a de maximizar os resultados fiscais do processo da privatização. E você maximiza os resultados fiscais ao vender um bloco de controle, porque ao fazer isso, você recebe um prêmio de controle. Vamos deixar muito claro que em qualquer processo de pulverização de ações, abre-se mão do bloco de controle, abre-se mão do prêmio de controle, e precisa ter muita clareza do que se ganha em troca. Abre-se mão de alguma coisa. Esse é o primeiro ponto. No momento de crise que o Brasil atravessava, entendeu-se que esses não eram objetivos prioritários. Um objetivo prioritário era arrecadar o máximo de dinheiro possível. Ponto número um. Então a resposta é, no passado, a pulverização que tem a ver com o desenvolvimento de um capitalismo popular, que tem a ver com a tentativa de se criar empresas abertas de capital nacional, de controle pulverizado, que tem a ver com desenvolvimento de mercado de capitais, eram objetivos bonitos, mas menos prioritários do que o imperativo fiscal de arrecadar o máximo possível. Foi uma opção de política econômica, no meu entender, na época, correta. Hoje a pressão fiscal é menor, nós já podemos considerar objetivos alternativos de uma política de privatização. Não é mais só para arrecadar recursos, deveria ser também para criar empresas pulverizadas, desenvolver mercado de capitais, criar uma cultura de investimento no país. Então, isso é a resposta a esse pedaço da sua pergunta. [Quanto a] Convencer pessoas... eu só chamaria a atenção que várias pessoas, governadores, deputados, líderes políticos podem ser contra a privatização desta ou daquela empresa, com todo o respeito, e terão seus fóruns para manifestar as suas oposições. Mas o fato é que o programa de privatização do governo federal é um instrumento fundamental de política de governo, foi aprovado nas urnas, foi testado nos tribunais e continua em causa, continua em pauta, e o governo federal colocou muito claramente que vai privatizar, sim senhora, as suas grandes geradoras. Haverá reclamações, haverá contestações na Justiça, mas é política do governo fazer isso. E entendemos que, no caso de Furnas, não em todos os casos, mas no caso de Furnas, que é uma empresa saudável, lucrativa, que tem perspectivas de crescimento, ela é uma empresa que poderá e deverá ser privatizada dentro desse modelo de pulverização de ações.
 
Maria Clara do Prado: O senhor tem idéia de quando seria isso, doutor Gros?
 
Francisco Gros: O quanto antes. Existe possibilidades de fazê-lo ainda este ano.
 
Paulo Markun: Nós vamos para mais um rápido intervalo e voltamos daqui a instantes.
 
[intervalo]
 
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva, esta noite entrevistando o presidente do BNDES, Francisco Gros. Presidente, queria pedir licença aos colegas aqui para fazer quatro perguntas de telespectadores. Já vi que o senhor responde rápido, curto e grosso. José Dutra de Fortaleza, advogado, e Luciana Pacheco, de Salvador, Bahia, pergunta: “Como o BNDES justifica um investimento no Jockey Club do Rio de Janeiro, tendo em vista que é um clube de lazer restrito a uns poucos cidadãos que têm condição de manter a estrutura funcionando com os seus próprios recursos? Em que norma se enquadra esse empréstimo?
 
Francisco Gros: Esse empréstimo, quando foi colocado para o banco, fazia parte de um programa de desembolso automático, ou seja, ele nunca foi apreciado pela diretoria do banco. Mas a informação relevante é que o empréstimo, do ponto de vista do BNDES, não existe, ele não foi concedido com recursos do BNDES. Nós fizemos ver ao banco intermediário que não seria conveniente. Então eu não justifico porque o empréstimo não houve.
 
Paulo Markun: Quer dizer, chegou a ser cogitado e no meio do caminho mudou...
 
Francisco Gros: Exatamente, foi cogitado pelo agente financeiro, nós colocamos para o agente financeiro que independentemente de estar enquadrado ou não, ele não era conveniente, pelas razões colocadas, eu prefiro não ter que explicar. [risos] Simplesmente o empréstimo não foi feito.
 
Paulo Markun: Na outra ponta da questão, João Morales, de Porto Alegre, Sebastião Carlos Rola, do Rio de Janeiro e Marcelo Eller, de Belo Horizonte, abordam questões específicas relativas ao financiamento do BNDES para equipamentos de hospitais públicos. É o caso do Marcelo, que diz que é médico e atende crianças e adultos no SUS, sendo que 90% dos pacientes são carentes. [Ele diz:] “Precisamos de equipamentos para vários exames e gostaria de saber se o BNDES tem alguma linha de atenção, de atuação, para atender a esses projetos”. Já o João Morales diz o seguinte: “Se está aberta a linha de financiamento especial para entidades filantrópicas do setor de saúde, conhecido como programa de fortalecimento e modernização das entidades filantrópicas de saúde integrantes do SUS? Se está aberta a linha de financiamento denominada Projeto Multisetorial Integrado”? E finalmente, o Sebastião Carlos Rola pergunta como é que o projeto de uma organização não governamental, chamada Ver e Ouvir, pode ser encaminhado para o BNDES. Esse projeto pretende oferecer atendimento oftalmológico e de otorrino a alunos carentes do ensino fundamental. São perguntas, todas, mais ou menos na mesma área.
 
Francisco Gros: Mas elas são bastante específicas. A primeira pergunta era sobre equipamentos hospitalares. Se os equipamentos são nacionais eles podem ser financiados normalmente pelas linhas do Finame [sigla para Financiamento de Máquinas e Equipamentos, linha de crédito destinada a empresas de micro e pequeno porte, localizadas em qualquer região do país, para a qual são utilizados recursos do BNDES para aquisição de máquinas e equipamentos nacionais novos]; se eles forem equipamentos importados, aí a janela é mais estreita, teria que se ver o caso específico. A segunda pergunta que me lembro é sobre a linha de apoio às instituições...
 
Paulo Markun: [interrompendo] Filantrópicas.
 
Francisco Gros: Filantrópicas. O BNDES tinha uma linha específica com uma taxa de juros, nesse caso, limitada à metade da TJLP. Eu creio que o volume de recursos disponíveis dessa linha já foi esgotado, mas a linha operada pela Caixa Econômica Federal, que é quem poderia melhor prestar informações sobre se ainda resta algum saldo de recursos dessa linha. A terceira pergunta...
 
Paulo Markun: [interrompendo] Organização não-governamental que quer oferecer atendimento oftalmológico...
 
Francisco Gros: Deveria procurar a área social do banco para ver se esse projeto específico poderia ser enquadrado. E a última era sobre o projeto de multisetorial integrado. Sim, a linha existe, e também mais uma vez deveria ser procurada a área social do banco para esse pleito específico.
 
Paulo Markun: Para finalizar a rodada dos telespectadores, o José Rubens, de São José do Rio Preto, empresário de transportes, e Romero Santos, de Patos de Minas, também empresário de caminhões, querem saber como é que está o Programa Nacional de Frota de Caminhão que está sendo avaliado pelo BNDES para financiar a renovação das frotas. O José Rubens informa que a frota está envelhecida em 12, 13 anos e qualquer um que passa numa estrada sabe disso.
 
Francisco Gros: A pedido do Ministério dos Transportes, o BNDES já aprovou uma linha de renovação de frota, essa linha já está operando por intermédio dos bancos agentes. E pode-se procurar o banco diretamente ou um dos bancos que atuam em nome do BNDES para buscar maiores detalhes sobre essa linha. Ela já está funcionando.
 
Sidnei Basile: Presidente, sobre a questão da privatização e por que ela foi feita de um certo jeito no começo... Eu queria pegar esse gancho para perguntar o seguinte: o senhor não acha que existe, de fato, um problema de comunicação do governo com relação às suas principais prioridades? Quando o governo articulou seu programa de privatização, ele de fato precisava ser feito de maneira a maximizar os resultados fiscais, como o senhor disse, é verdade. A médio e longo prazo, isso acaba tendo um benefício no cotidiano do cidadão. Demora, mas acaba tendo, porque esse dinheiro serve para abater a dívida pública, porque isso faz com que o governo tenha que pagar menos juros, com o tempo isso acaba sendo transmitido para a área social. Então você melhora a infraestrutura social. Só que para o cidadão na ponta da linha entender isso é uma dificuldade...
 
Francisco Gros: É verdade.
 
Sidnei Basile: E só depois de muito sacrifício é que esse benefício começa a ser sentido, como bem lembrava o professor Mendonça de Barros aqui no intervalo. No caso de São Paulo, agora, as pessoas começam a ver que pinta o anel viário, começa a ter uma porção de inaugurações e tudo. O cidadão médio tem dificuldade para entender isso. E a minha sensação é que, às vezes, o governo em geral tem dificuldade para encarar essa questão de se comunicar adequadamente com a opinião pública e não apenas com o topo da sociedade, como uma política pública, como a sua política financeira, como as demais políticas públicas. Como o senhor vê isso?
 
Francisco Gros: Olha, eu concordo, tanto eu concordo que o BNDES tem feito um esforço muito grande de tentar explicitar as suas políticas, conforme eu disse no início do programa, não só em termos de verbalizá-las, mas de colocar metas quantitativas e dizer claramente o que nós pretendemos fazer em termos de apoio ao social, apoio à diversificação regional do desenvolvimento, apoio à micro, pequena e média e, porque não, o apoio à privatização também.  Eu acho que é fundamental que a gente faça um esforço grande e constante de comunicação, não só dizendo o que se pretende fazer, mas constantemente dizendo o que já foi feito; o que já foi feito a cada mês, a cada semana, temos feito esse esforço de comunicação. Eu acho fundamental. O problema do ponto de vista do governo, me parece, é que às vezes – certamente era o problema do BNDES – parte-se do princípio de que você faz o bem. E como você faz o bem, não precisa explicar. Você está fazendo o bem, e afinal de contas o BNDES é um banco que tem 48 anos, sempre financiou o crescimento econômico, nunca teve nenhum grande problema. Você faz o bem, não precisa explicar para ninguém. Eu acho que todos nós chegamos à conclusão de que, em uma economia aberta, em uma democracia como a nossa, fazer o bem não é o suficiente. Você tem que explicar o que está fazendo, por que está fazendo; e ouvir críticas, e se estiver errado, muda. Foi citado aqui, há pouco, o caso de um empréstimo com um clube do Rio de Janeiro. Olha, não agradou, então, tudo bem, perdão, vamos fazer diferente.
 
Sidnei Lasile: Só arrematando. Eu tenho, às vezes, a sensação de que o governo faz um grande esforço para se comunicar com  o [próprio] governo, às vezes com resultados pífios. Então é a área desenvolvimentista com a área monetarista, e tal. E o diário dessa coisa é o que chega à opinião pública.
 
Francisco Gros: Eu só posso falar em nome da comunicação do BNDES, estou aqui tentando me comunicar. A gente faz esse esforço.
 
Sidnei Lasile: [interrompendo] Estou satisfeito. [risos]
 
Celso Pinto: Só para colocar um ponto nessa questão levantada pelo Sidnei sobre a privatização, o senhor não acha que também no caso da privatização, um pouco dessa frustração vem do fato de que toda a ênfase do problema foi fiscal, como o senhor diz, até agora. E apesar disso, desde o início do processo de privatização até agora, a dívida do governo não diminui com os 100 bilhões de dólares de privatização, ao contrário, ela dobrou de 24% do PIB para 50% do PIB. Então, na verdade, essa frustração com a privatização não vem do fato de que tudo foi feito pelo fiscal, e o fiscal na verdade piorou? Pode-se sempre argumentar que poderia ter piorado ainda mais.
 
[falas sobrepostas]
 
Francisco Gros: Olha, tudo foi feito pela estabilidade. E as pessoas nem sempre conseguem fazer essa conexão, porque tudo o que você disse é verdade, a dívida aumentou. Mas a pergunta é: se você não tivesse vendido esses 200 bilhões de reais de dívida, o que estaria acontecendo? Em vez do nosso endividamento estar na casa dos 48% do PIB e estarmos numa economia estável, com boas perspectivas de crescimento, estaríamos desestabilizados, estaríamos, quem sabe...
  
Celso Pinto: Não tem dúvida, mas uma boa parte desse aumento da dívida veio para defender uma política cambial discutível.
 
Francisco Gros: Isso é outra discussão.
 
[falas sobrepostas]
 
Celso Pinto: Quer dizer, na verdade, sei lá... Talvez metade disso aí cresceu não em estradas, em hospitais, ou creches... Mas cresceu para defender o câmbio, então é uma coisa que também saiu pelo ralo.
 
Francisco Gros: E também foi uma política de estabilização. Quer dizer, o que eu sinto freqüentemente é que a gente quer o bônus sem ter que pagar o preço. Pagamos preços elevados pela estabilização...
 
Celso Pinto: [interrompendo] Foi o preço necessário, não houve exagero?
 
Francisco Gros: Eu não estava aí, nessa eu não vou! Eu falo do BNDES.
 
Celso Pinto: É exatamente por isso que eu estou perguntando, se você sentir à vontade de falar.  
 
Francisco Gros: Mas vamos lembrar que, certo ou errado, foram preços pagos na defesa da estabilidade da moeda, que é o maior bem que nós conseguimos conquistar ao longo dos últimos dez anos...
 
Celso Pinto: Mas acaba gerando uma frustração com o programa de privatização, isso também é verdade...
 
Paulo Markun: Para ficar ainda nessa questão da privatização, eu menciono aqui a pergunta de Euclides Silva Ferreira dos Santos, estudante de biologia e mora no bairro de Itaquera, aqui em São Paulo. Ele faz uma pergunta singela, mas acho que dá bem a medida do entendimento dessa questão: “Como é que uma rodovia por onde passam milhões de veículos pode dar prejuízo a ponto de ser privatizada?
 
Francisco Gros: A rigor você não privatiza porque ela dá prejuízo, mas para gerar os recursos necessários a um investimento ou à sua manutenção. É uma opção de política pública. Você poderia, em vez de privatizá-la e deixar que o setor privado invista, o setor público pode investir...
 
Paulo Markun: [interrompendo] Pode investir e até cobrar pedágio.
 
Francisco Gros: E aí você não privatiza a rodovia. Mas ao investir na rodovia, você vai estar deixando de investir em saúde, em educação, em saneamento, então é uma questão de opção. E o governo brasileiro, o Estado brasileiro, se deu conta de que não tinha condições mais de investir em todos os setores produtivos – em aço, em siderurgia, em papel e celulose, em mineração, em telefonia, em energia elétrica, em rodovias, em portos – e ao mesmo tempo investir em saúde, saneamento e educação. Então foi tomada uma opção de dizer: “Olha, não precisamos investir nos setores produtivos porque tem quem o faça, e vamos investir naqueles setores típicos do Estado que só o Estado pode investir”.
 
Paulo Markun: Por falar em investimento em educação, o Robson Antônio da Silva, que é estudante aqui em Diadema, São Paulo, diz o seguinte: “O banco BNDES é um banco financiador da iniciativa privada com recursos públicos”. Diz ele que um exemplo é o financiamento da Ford na Bahia. “Por que o BNDES não destina recursos para o financiamento das universidades públicas”? E mais, Carlito da Silva, estudante de Campinas, pergunta: “Como é que o BNDES elabora políticas de investimento para a educação? Que valor que tem esses investimentos este ano? E que importância teve o BNDES nas décadas passadas?
 
Francisco Gros: O BNDES tem programas de apoio à educação. Hoje mesmo em reunião da diretoria, nós aprovamos um financiamento para a Universidade do Norte do Paraná. Mas no que diz respeito às universidades públicas, existe uma regra, uma limitação de financiamentos ao setor público, é uma regra estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional e, portanto, qualquer financiamento do BNDES ao setor público em geral, e aí se incluem as universidades públicas federais, está sujeito às limitações estabelecidas pelo governo para financiamento de entidades públicas. Então, nós precisamos de autorizações que vão verificar a capacidade de repagamento dessas instituições, no caso das universidades públicas, a sua capacidade de repagamento dos empréstimos contraídos...
 
Paulo Markun: [interrompendo] Isso explica o fato do BNDES financiar universidades privadas...
 
Francisco Gros: É mais fácil você financiar universidades privadas, porque essas não dependem de nenhuma autorização fora do BNDES; dependem simplesmente de uma avaliação da capacidade de pagamento que nós fazemos, das garantias oferecidas que nós verificamos, ou seja, depende só de nós. Tudo o que tem a ver com financiamento do setor público depende de uma regulamentação do Conselho Monetário Nacional, que estabelece regras muito claras de financiamento para entidades do setor público: educação, saúde, prefeituras, estados e tudo mais.
 
Guilherme Barros: Só uma curiosidade. Durante um tempo, o BNDES, como o senhor mesmo falou, foi aquela época do hospital, que financiou empresas falidas, empresários mal sucedidos, que foi um desastre. Agora a gente está vendo um efeito que é o efeito da recessão norte-americana, que está, de uma certa forma, prejudicando empresas aqui. Seria o caso do BNDES estudar alguma forma de não ajudar, desta vez, os empresários, mas os empregados que estão perdendo os empregos, seus trabalhos, no caso aqui da Brasmotor, da Chrysler, enfim... O BNDES poderia de uma certa forma socorrer? Não na forma de hospital...
 
Francisco Gros: Primeiro tem aí uma colocação que eu já ouvi antes que é o seguinte. Você tem uma empresa multinacional, quando dá uma crise, ela corta na filial aqui para não ter que cortar lá [matriz]. Eu confesso que já trabalhei em empresas multinacionais e nunca ouvi nada nessa linha. O que eu vejo são decisões que não têm cor e bandeira, até porque a maioria dessas empresas, cada vez mais, são administradas por executivos de diversas nacionalidades. Neste mundo competitivo, empresas multinacionais raciocinam em função da produtividade das suas unidades de produção e não em função da nacionalidade das suas unidades de produção. E qualquer uma que não faça isso, primeiro, perde o emprego aqui e, segundo, vai perder o emprego lá, porque vai quebrar. Então a lógica de que agora, por causa de uma recessão nos Estados Unidos, multinacionais vão fechar filiais no Brasil, alguém vai ter que me convencer disso, porque não vejo nenhuma lógica nessa linha de raciocínio. Eu acho que é uma vestimenta bonita para tentar defender a manutenção de algumas operações que talvez não sejam as mais competitivas dessa empresa multinacional. E segundo, eu não vejo como. Eu acho até meritório o que você está dizendo, vamos proteger quem perde o emprego. Nós temos um programa de desemprego, se alguém quiser abrir um pequeno negócio, quem sabe aí o BNDES tem recursos para financiar, via as operações de microcrédito ou de apoio aos pequenos empreendedores. Mas eu não consigo imaginar, Guilherme, uma maneira específica de você apoiar empregados que estejam sendo dispensados em função de fechamento de uma empresa, como o caso da Brasmotor, eu não acho que seja função do banco.
 
Roberto Muller: Doutor Gros, por falar em recessão americana, o senhor, como economista experiente, viveu na América, dirigiu empresa na América, dirige um bom pedaço da economia brasileira como presidente do BNDES, a seu juízo, qual é o tamanho dessa recessão que se avizinha, segundo alguns, que os americanos já estão vivendo e, portanto, o mundo, segundo outros?
 
Francisco Gros: Você nunca sabe exatamente, mas a minha visão é de que a queda do nível de atividade produtiva nos Estados Unidos já percorreu um bom caminho, já houve um processo de ajuste, inclusive, no valor de ativos bastante firme. A melhor expectativa é de que você teria talvez um crescimento negativo agora no primeiro trimestre, já um relativo equilíbrio no segundo trimestre. Tecnicamente você pode ter uma recessão americana com dois trimestres seguidos sem crescimento, mas eu não consigo enxergar nada de muito mais grave do que isso. Sinto o FED [Federal Reserve, ou Banco Central dos Estados Unidos] tomando medidas muito firmes de facilitar o crédito, sinto a nova administração americana sinalizando claramente com redução de impostos, que são medidas para reativar a economia, sinto a Europa bastante firme. Não estou sentindo clima para nenhum desastre, ao contrário de seis meses atrás, onde nós tínhamos ameaças muito maiores com preços do petróleo fora de controle, incertezas da eleição americana, taxas de juros ainda altas e um Nasdaq absolutamente fora de controle. Quer dizer, foram eliminados os focos que poderiam levar a um reajuste explosivo. Está havendo um reajuste claro na economia americana, mas não estou vendo nada muito grave no momento. As questões, os focos mais explosivos me parecem que estão sob controle no momento.
 
Roberto Muller: Se ficar desse tamanho esse cenário que o senhor desenha, que conseqüências nós aqui ao sul do Rio Grande pagaremos?
 
Francisco Gros: Eu realmente acho que a economia brasileira está em uma trajetória diferente. Todas as indicações que nós temos continuam sendo muito positivas. Você tem um fluxo de investimento grande para economia, você está com taxas de crescimento muito claras, demanda por crédito no BNDES, que é um sinalizador avançado, continua muito forte. Você tem crescimento das exportações continuando... Quando olho a inflação absolutamente sob controle, taxa de câmbio flutuando e, portanto, um bom amortecedor de crises externas, preço de petróleo equilibrado, sinalizando com reduções ao longo do ano, Argentina recuperando-se, eu acho que nós estamos atravessando um momento privilegiado. Se eu me preocupo com a economia brasileira, a única questão que a gente tem que continuar olhando e trabalhando em cima, é a questão externa. Não porque ela seja uma ameaça de curto prazo, não porque ela contenha uma perspectiva explosiva, mas simplesmente porque ela é uma limitação do nosso crescimento. Então quando as pessoas colocam “o Brasil não pode crescer mais que 4,5% ao ano”, se resolver a questão externa, sim. Se não resolver, nós temos claramente um limite na possibilidade de crescimento brasileiro, se bem que 4,5% já é uma taxa absolutamente respeitável.
 
José Roberto Mendonça de Barros: O senhor mencionou aí petróleo. O petróleo na verdade é o único caso, onde, com segurança, nós vamos "ter um refresco", se me permite a expressão, na balança comercial. O Brasil está vivendo a sua última crise do petróleo, o mundo pode viver mais, porque em três ou quatro anos seremos auto-suficientes. Se olhar um pouquinho por que isso aconteceu, vamos ver que o BNDES criou uma engenharia financeira muito especial para o campo de mar, de Barracuda, para desenvolver veículos especiais para financiamento. A ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis] conseguiu uma regulamentação especial, todo um programa especial para internalização de investimentos e de equipamentos. A Receita Federal criou o chamado Repetro [regime aduaneiro especial de exportação e importação de bens destinados à exploração e à produção de petróleo e de gás natural. Sua finalidade mais importante é desonerar de impostos federais o fornecimento de bens para a exploração e produção de petróleo e de gás natural], que é uma forma de permitir a equivalência das condições competitivas da indústria doméstica com a indústria internacional. E o resultado disso é que em pouco tempo nós teremos seis bilhões a menos na balança comercial. Não é um exemplo de que  políticas setoriais ativas fazem sentido?
 
Francisco Gros: Claro, e é o que temos dito. Nós temos os instrumentos, temos a consciência de que eles podem e devem ser utilizados, e temos a disposição de fazê-lo. Não há nenhuma discussão quanto a isso...
 
José Roberto Mendonça de Barros: [interrompendo] Perfeito, eu acho que é um exemplo interessante porque é a propósito da pergunta do Roberto...
 
Francisco Gros: A única questão que é sempre colocada é a seguinte: você tem que ter limites ao voluntarismo...
 
José Roberto Mendonça de Barros: Sem dúvidas nenhuma.
 
Francisco Gros: Quando você trabalha em cima de uma coisa como petróleo, onde as condições de sucesso estão presentes, dá certo, você trabalha em cima de celulares, dá certo. Quando você tenta criar do nada uma indústria da informática, dá errado. Então é só uma questão...
 
José Roberto Mendonça de Barros: Talvez tenha sido um exemplo a preocupação do Sidnei de exatamente [fazer com que] esses casos bem sucedidos serem [sejam] até mais conhecidos, para evitar essa clivagem de mocinhos e bandidos. Quer dizer, não pode fazer nada ativo porque... ou o inverso. E na verdade...
 
Francisco Gros: [interrompendo] Não, isso não.
 
José Roberto Mendonça de Barros:Na verdade tem que fazer como você colocou corretamente, tem que fazer o que faz sentido. E muitas vezes são políticas setoriais que sim, que vão ter que ser feitas nos devidos termos.
 
Francisco Gros: Sem dúvida nenhuma. E só para deixar claro, é um absoluto consenso no governo de que é exatamente isso. Temos o instrumentos, temos a necessidade e temos a intenção de usá-los.
 
Paulo Markun: Presidente, nosso tempo está acabando, mas eu queria colocar uma última pergunta. Também na história do BNDES, já ouvi várias vezes a referência de que o S é apenas um apêndice na história do banco, ao nome do banco, que veio depois etc. E sei que a questão social está colocada claramente como uma das prioridades do banco para os próximos quatro anos até 2005, nesse  plano estratégico que foi anunciado no ano passado. Agora, pelo que eu li do resumo do plano, essa estratégia para o social está traduzida em uma meta percentual, tantos porcento da ação do banco se daria no plano social. É só isso ou é mais?
 
Francisco Gros: É muito mais do que isso. Você coloca uma meta numérica, mais uma vez, para ser cobrado e não ficar só no discurso – “o social é importante” – e depois você vai ver, mas “quão importante”? Então nós colocamos números e achamos que devemos ser cobrados pelos números que colocamos. Mas é muito mais do que números. Evidentemente mesmo com esse crescimento todo, nós estamos sinalizando que para o social, em 2005, seriam desembolsos de cinco bilhões de reais num orçamento de 30, é 15% mais ou menos. Tem que ser muito mais do que isso. E é essencialmente, primeiro, a realização de que, como você bem lembra, o banco é um banco que  está aí há 48 anos, é um banco que nasceu industrial, era um banco de desenvolvimento econômico, e o social nunca foi um elemento muito importante no pensamento sobre desenvolvimento econômico no país. Não só do banco, mas de ninguém. O que muda? Primeiro uma conscientização muito clara de que desenvolvimento social hoje passa pelo enfrentamento de algumas desigualdades fundamentais na economia brasileira. Desigualdade regional: nós não podemos continuar crescendo, exclusivamente em São Paulo. Tem que haver uma distribuição espacial do crescimento que já está ocorrendo. Da mesma maneira, nós não podemos crescer se nós não incorporarmos à sociedade uma parcela crescente de excluídos. Ou seja, desenvolvimento social não é só mais um discurso bonito, é uma pré-condição fundamental para desenvolvimento econômico. Então ela se traduz não só nos números, mas no efeito multiplicador desses números que é extraordinário; ela se traduz em uma crescente conscientização dos empresários de que o desenvolvimento social é fundamental; e ela se traduz em uma conversa permanente do BNDES com todos os tomadores de recursos do banco sobre a necessidade de investirem no social. Então, hoje, qualquer grande empresário que sente no banco para falar sobre a construção de uma fábrica, sobre a expansão de capacidade, ele vai sentar e vai conversar com o banco sobre que tipo de investimento social, dentro da fábrica, e no entorno da sua comunidade, ele deveria fazer, estaria disposto a fazer, e que o banco poderia apoiá-lo. Portanto passa por uma atividade, uma atuação muito mais ampla do que simplesmente uma questão numérica de que são tantos bilhões para o social. É fundamental.
 
Paulo Markun: Muito obrigado pela sua entrevista. Eu lembro que, como em todas as ocasiões aqui no programa, o senhor vai receber todas as perguntas que foram feitas, centenas delas não puderam ser formuladas, o que permite ao senhor responder diretamente aos interessados, em alguns casos questões muito específicas e, em outros, temas que não foram abordados no programa. Obrigado aos nossos entrevistadores.
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