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Memória Roda Viva

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Tarso Genro

20/1/2003

O intelectual petista fala sobre a criação do Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social, órgão de integração entre o executivo e a sociedade

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[Programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Paulo Markun: Boa noite. Ele foi escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ser o articulador do pacto social. A partir do próximo mês, quase uma centena de representantes da sociedade civil e do governo começam a discutir como fazer as reformas pretendidas pelo novo governo. O trabalho será coordenado por Tarso Genro, secretário executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social [CDES, criado em 2003 para articular o governo e a sociedade, viabilizando o diálogo social no desenvolvimento do país], nosso convidado desta noite do Roda Viva.

[Comentarista]: www.tarsogenro.com.br é a página na internet de Tarso Fernando Herz Genro, 55 anos, gaúcho de São Borja. O histórico político está ali. Formado em direito e especializado em direito trabalhista, Tarso Genro começou a carreira política em 1968 como vereador em Santa Maria. Depois, foi deputado federal, duas vezes vice-prefeito e duas vezes prefeito de Porto Alegre, em 1993 e em 2000. Em abril do ano passado, afastou-se do cargo para tentar, pela segunda vez, o governo do Rio Grande do Sul. Em 1998 quis sair candidato, mas o PT [Partido dos Trabalhadores] decidiu-se por Olívio Dutra [político gaúcho, iniciou a trajetória política no sindicalismo do regime militar. No período de redemocratização do Brasil, foi um dos fundadores do PT. Foi deputado federal, prefeito de Porto Alegre, governador e ministro das Cidades na primeira fase do governo Lula]. Em 2002, a situação inverteu-se: Tarso Genro obteve a preferência do partido e disputou a eleição, chegando ao segundo turno. Acabou perdendo para o rival Germano Rigotto, do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. Identificado com setores mais moderados do Partido dos Trabalhadores, Tarso é figura de peso na área intelectual petista. Suas obras publicadas abrangem idéias e críticas sobre política, modernidade, democracia, globalização. Também é autor de dezenas de ensaios e artigos discutindo os dilemas da esquerda, do socialismo e da democracia social, e as alternativas que são colocadas para a sociedade contemporânea e para a ordem global.

Paulo Markun: Para entrevistar o secretário executivo do Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social, Tarso Genro, nós convidamos Glauco Arbix, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, a USP; Ilimar Franco, repórter de política da sucursal de Brasília do jornal O Globo; Cláudia Antunes, coordenadora de redação da sucursal do Rio de Janeiro do jornal Folha de S.Paulo; Rosane de Oliveira, editora de política do jornal Zero Hora e comentarista da TVCOM, do Rio Grande do Sul; Carlos Novaes, analista político da TV Cultura e Marco Antonio Rocha, editorialista do jornal O Estado de S. Paulo. O Roda Viva, você sabe, é transmitido em rede nacional para todos os estados brasileiros e para Brasília. Também permite a participação do telespectador pelo telefone (011) 252-6525. Nosso Fax é (011) 3874-3454 e o endereço do programa na internet é rodaviva@tvcultura.com.br. Boa noite.

Tarso Genro: Boa noite.

Paulo Markun: Queria entender - sei que isso é uma discussão longa - como é possível que 82 pessoas representem melhor a sociedade do que os quinhentos e tantos congressistas que foram eleitos pelo voto com esse objetivo? Que critérios foram estabelecidos para identificar esses 82 representantes da sociedade civil e como é possível imaginar que, de alguma maneira, eles tenham o poder ou a possibilidade de representar os conflitos da sociedade de forma mais eficiente do que uma instituição que está aí há tanto tempo e que tanta gente luta tanto para chegar?

Tarso Genro: Boa noite. Em primeiro lugar, não represento o melhor. O Congresso Nacional é insubstituível, tem funções constitucionais que são incontornáveis. O Conselho é uma instituição pública, de caráter não-estatal, de formação do juízo do executivo, é um instrumento para o executivo, por meio do qual, ao invés de o executivo fazer os seus projetos de lei somente com a burocracia estatal, que é altamente qualificada, e com os quadros políticos do governo, faz também com a sociedade, remetendo-os ao Congresso. Portanto, essa disjuntiva, essa contradição entre o Conselho e o Congresso não existe. O instrumento do executivo, o Congresso, não só tem mantido todos seus poderes, que são constitucionais, como também vai fazer suas comissões externas para, um dia, a sociedade também formar o seu juízo. Portanto, é um elemento que agrega mais democracia para que o presidente, o executivo, faça suas propostas com mais coerência e sintonia com a sociedade civil.

Paulo Markun: Como é que fica a questão da escolha? Quer dizer, que critério foi estabelecido para se...

Tarso Genro: É um juízo da Presidência da República, que busca assessoria. Isso porque [o Conselho] é um órgão de consulta, assessoria e de indução das decisões do governo. Tem a mais ampla pluralidade social, que vai desde a Febraban [Federação Brasileira dos Bancos] até o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra] e, como é um instrumento do executivo, é de livre escolha do presidente. Não é por nomeação, porque não são servidores públicos, mas por designação. Eles são designados e mantêm a sua independência, seus pontos de vista. Não estão subordinados ao executivo, vão exercitar plenamente suas posições.

Marco Antonio Rocha: Poderia fazer uma pergunta?

Tarso Genro: Pois não, Marco.

Marco Antonio Rocha: O seguinte: eu li nos jornais [que] - eu não sei depois que continuidade teve isso - no início da sua gestão como prefeito o senhor também criou um Conselho na prefeitura de Porto Alegre. Gostaria de saber como é que funcionou e qual a sua experiência com esse Conselho e o que lhe permite levar para o Planalto dessa sua experiência?

Tarso Genro: Nós temos experiências dessas instituições em Porto Alegre. O Conselho do Orçamento Participativo tem uma função análoga.

Marco Antonio Rocha: Quantas pessoas havia no seu Conselho?

Tarso Genro: Foram convidadas 92. Depois do processo eleitoral nos reunimos diversas vezes, com a média de participação de seiscentas pessoas. Mas isso é um conselho político. Por exemplo, mandamos para a Câmara de Vereadores um projeto de reforma tributária, da reforma do IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano] do município. Quando a Câmara achou que não dava para aprovar, nós o retiramos, inclusive o Conselho foi informado disso. Temos o Conselho do Orçamento Participativo em Porto Alegre. E temos também experiências em Porto Alegre dos congressos constituintes, são quatro, que discutem temas estratégicos do desenvolvimento urbano, econômico e social local. Portanto, são experiências de participação de esferas públicas de controle, de fora para dentro, que, de certa forma, combinado com o Pacto de Moncloa [amplo acordo de reforma econômica espanhola,  com a presença de representantes de todos os partidos políticos, que aconteceu no Palácio de Moncloa, em 1977], Conselho de Portugal e Conselho do Estado Francês... é uma síntese nova nesse Conselho de Desenvolvimento do presidente Lula.

Rosane de Oliveira: O senhor tem dito que esse Conselho, num terceiro momento, deve servir para ajudar na construção de uma nova maioria política.

Tarso Genro: Isso.

Rosane de Oliveira: Isso não significa aniquilar a oposição? Onde vocês querem chegar com isso?

Tarso Genro: Todo partido vocacionado no poder quer construir a sua maioria. O que deve ser ajuizado, na nossa opinião, é se ele constrói democraticamente ou não. Num caso concreto, esse Conselho tem três pretensões: a primeira, imediata, é se constituir como a janela de escuta da sociedade organizada. Um objetivo de médio prazo é aprovar as reformas, discuti-las, propô-las e ajudá-las na discussão sobre questões estratégicas. A terceira questão é soldar um novo contrato social do país, que significa formar uma nova maioria política para conduzir o país para um projeto nacional.

Cláudia Antunes: Ministro, do Conselho participam os integrantes da sociedade organizada, dos movimentos populares com os quais, tendo ou não comunhão de idéias, o PT já convive em todos os planos . Agora, tem uma parcela imensa da população, que vive na informalidade, que não tem sindicato, que não é representada pela CUT [Central Única dos Trabalhadores. Maior central sindical brasileira, com fortes ligações com o PT], mas vota. Então, como o PT, que obviamente tem um projeto de poder, tenta integrar essa população que não está representada por nenhuma dessas entidades nesse consenso?

Tarso Genro: Nenhuma instituição democrática abrange a totalidade da sociedade. Abrangeria, se ela se avocasse como a expositora do juízo da sociedade. Seria, portanto, uma instituição totalitária. Essa organização social, essa estrutura pública não-estatal, traz um diálogo entre o governo e a sociedade organizada. Mas lá dentro estão também as organizações não-governamentais, as organizações populares com os seus conselhos, estão banqueiros, está o MST. Portanto, é uma espécie de instituição por meio da qual o governo conversa com a sociedade organizada. Mas essa conversa não é o juízo absoluto do governo sobre todas as questões, porque ele está vinculado a um programa e, mais do que isso, existe um corretivo estrutural para todas as decisões, que é o Congresso Nacional. Ele tem a última palavra.

Glauco Arbix: Posso mudar um pouquinho o foco da discussão? Eu não estou muito preocupado, nesse momento, com a estrutura do Conselho. Eu consigo entender sua participação importante na condução do Conselho. Mas, ao mesmo tempo, no último período, você também participou de uma experiência de disputa no interior do Partido dos Trabalhadores que, imagino eu, deve ter deixado algumas sequelas internamente e no terreno eleitoral [refere-se à disputa travada por Genro pela posição a candidato petista ao governo do estado, acontecida com Olívio Dutra]. A pergunta é a seguinte: há ensinamentos dessa experiência dentro do PT que poderiam ser transpostas para esse Conselho, apesar das diferenças entre eles? Quer dizer, até que ponto mecanismos do tipo paciência, tolerância, flexibilidade, convencimento, saber ouvir, estão presentes? Ou isso não é tão importante? Até que ponto essas lições estão incorporadas para a condução do Conselho?

Tarso Genro: Eu acho que estão plenamente incorporadas. Esse Conselho não tem a pretensão de formar um juízo uniforme e nem de fazer as pessoas mudarem de posição, mas procurarem consensos e pontos comuns mínimos para o país andar em cima de determinada reforma. Ele não pretende nem extinguir o contencioso, que as corporações colocam, que é o ponto de partida da democracia, mas pretende buscar elementos mínimos para que possamos fazer algumas reformas para tirar o país da situação em que ele se encontra. Eu vou dar um exemplo concreto: o Conselho pode dizer “Olha, o Conselho recomenda à Presidência da República que remeta um projeto para o Congresso em que o piso das aposentadorias seja quinhentos [reais] e o teto seja sete mil". Isto é um sinal que a sociedade civil está dando para o governo se mover para um diálogo com o Congresso Nacional, isto é, um consenso mínimo.

Glauco Arbix: É uma idéia ou uma proposta?

Tarso Genro: Não, é apenas um exemplo. O governo ainda não tem o seu ponto de vista firmado e, como disse o Lula, agora é hora de nós escutarmos, eu acho até que já falamos um pouco demais. Temos que escutar o Conselho, fazer a sociedade civil dialogar entre si para formar nosso juízo de maneira adequada.

Carlos Novaes: Ministro, ao longo de muitos anos, no processo de democratização do Brasil, se discutiu muito a idéia de pacto. E o pacto era sempre encarado pela esquerda como um processo de acomodação das elites brasileiras na tentativa de desarmar os setores populares e o movimento de massas, como se falava na época. Depois, no período Fernando Henrique, essa idéia foi abandonada, até porque o presidente, como intelectual que é, viu com clareza que ele não poderia fazer isso, propor isso. Ao mesmo tempo, se olha com alguma perplexidade para o fato de que agora o PT, tendo chegado à Presidência, ao governo do país, venha não só a defender o pacto, como criar para ele um ministério - porque o senhor tem status de ministro. Quer dizer, a idéia  é de fazer um pacto e, como o senhor está explicando aqui, trazendo vários setores da sociedade organizada, na tentativa de permitir ao executivo uma maior força de persuasão junto ao Congresso Nacional. Como o senhor responderia à questão de que isso não é mais um reflexo do enorme processo de acomodação de tensões que existe no Brasil e menos a idéia de que por aí  virá uma grande mudança? Há exemplos, como as reações que alguns setores já estão tendo a respeito da reforma da Previdência, que são setores que se criaram como "mariscos no casco" do Estado e que, nesse processo da acomodação que o pacto pode propiciar, vão tentar salvar os privilégios que sempre tiveram.

Tarso Genro: O que é natural, não é? Toda corporação, no seu ponto de partida da democracia, tem direito de se expor na cena pública e demandar seus direitos. Eu acho que o pacto social só se justifica no momento de crise absoluta de decomposição da nação, de guerra. Não é o nosso caso. Nós estamos numa crise, mas não é terminal. Na verdade, o conceito correto que nós estamos trabalhando é de um novo contrato social, que significa dar conseqüência ao contrato social tradicional da modernidade. Isso não visa uma relação contratual formal, assinaturas de um acordo e de conciliação de classe, mas um processo de formação de opinião e de juízos majoritários para soldar um novo bloco social dirigente do país, fazer as reformas fundamentais a fim de passarmos para um outro patamar civilizatório. Portanto, é um instrumento de mudança, e não de conservação e de conciliação e pacificação artificial. Tanto é verdade que os conflitos sociais são necessários para que o contencioso seja público, para que as pessoas possam localizar os pontos de acordo. Então, nosso projeto aponta para uma dinâmica democrática de contradição para buscar o acordo, e não por acomodação com as elites ou para estagnação do movimento social. Não é essa a nossa visão.

Ilimar Franco: Ministro, o presidente Lula elegeu como prioridade a reforma da Previdência. O primeiro tema que o seu Conselho vai enfrentar é a questão da Previdência. No passado, o PT sempre foi contra as iniciativas de reformar a Previdência, inclusive nas bases que o atual governo está propondo agora. Eu pergunto: esse Conselho é uma forma de o PT mudar sua posição sobre esse assunto sem fazer uma autocrítica? Ou, em algum momento, o seu partido fará uma autocrítica de suas posições do passado?

Tarso Genro: Eu acho que o partido que não muda de posição, o grupo dirigente que não muda de posição, é uma cláusula pétrea  negativa da política. Tem que mudar, tem que saber aprender com a realidade, assimilar e criticar e colocar num patamar adequado as críticas dos adversários para poder dar uma direção à sociedade. Porque quem tem a pretensão de ter a receita pronta e conduz a sociedade em função delas não tem capacidade de ser um dirigente e nem de formar uma elite dirigente. E o Partido dos Trabalhadores chega no governo com essa missão, com 54 milhões de votos, para dar uma direção ao conjunto da sociedade, e não para seus afiliados. Nesse processo de audiência da sociedade, o partido também aprende e muda para melhor, para implementar as reformas, e não para conservar ou levar o país para trás.

Ilimar Franco: O senhor acha que, no passado recente, o PT deveria ter tido um comportamento diferente em relação a essa questão da Previdência?

Tarso Genro: Seria um juízo metafísico. Eu acho que nós aprendemos sempre e, se deveríamos ou não ter tido outra posição, eu acho que é muito cedo para verificar. Vamos aguardar o debate do Conselho para fazer uma apreciação mais profunda.

Marco Antonio Rocha: Ministro, acho que o público precisa entender que uma das tarefas principais do Conselho do Desenvolvimento, como disse o Ilimar, é a questão da reforma da Previdência. E, ao mesmo tempo, isso está sendo cuidado pelo ministro da Previdência. Só que ele não faz parte do Conselho até agora, pelo menos. Então acho que o público precisava entender porque o ministro da Previdência não faz parte de um Conselho que pretende reformar a Previdência.

Tarso Genro: Por uma razão absolutamente simplória de escolher um determinado número de ministros para participarem do Conselho, formando 92 [membros]. Mas, é o ministro da Previdência quem vai conduzir o conteúdo da discussão, apresentar o estado das artes e apresentar as propostas do governo. Portanto, o ministro temático é um integrante natural do Conselho.

Marco Antonio Rocha: Quer dizer, as sugestões do Conselho serão levadas ao ministro, primeiro?

Tarso Genro: Ele é quem vai dirigir o conteúdo da discussão. Minha obrigação é fazer a moldura política, é proporcionar a metodologia e as condições para o entendimento, dirigindo a discussão. Quem propõe a discussão, quem propõe os princípios do governo, quem informa e quem debate é o ministro temático.

Cláudia Antunes: Sobre essa questão da reforma da previdência, o que se critica, além de uma possível mudança de posição do PT, é o fato de muitas vezes a discussão estar muito parecida...Por exemplo, quando um servidor dá uma entrevista e diz "o déficit da previdência não é bem assim, porque quando você fala que o déficit é sessenta bilhões, oitenta bilhões, você não está levando em consideração..."

Tarso Genro: 72 [bilhões]. [interrompendo]

Cláudia Antunes: 72. Como o setor privado, que dá uma contribuição, o Estado também dá a sua. O Fernando Henrique, quando fazia a conta, botava a contribuição do Estado que, na verdade, é uma contribuição obrigatória, não deveria ser um déficit. O PT também estaria caindo nessa mesma conta, não apresentando os números como eles deveriam ser de verdade.

Tarso Genro: Nossa motivação principal para a reforma da Previdência não é o déficit. O déficit é uma questão econômica, financeira, essencial para todo o país, e a questão da Previdência é um dos pontos. As duas questões fundamentais que nós temos para a reforma da Previdência são, primeiro, as baixas pensões de aposentadorias pagas para a maioria e, segundo, os abusos absurdos que existem com as aposentadorias de quarenta mil [reais]. Esses são os elementos que nos motivam à reforma da Previdência. E qual será a reforma, seu conteúdo, os riscos que a sociedade quer assumir para ter ou não ter uma previdência que lhe dê garantia, estabilidade, tranquilidade, tudo isso vai ser discutido. E aí que nós vamos formar nosso juízo.

Rosane de Oliveira: Mas como se mexe no que o senhor chama de abusos, tendo toda essa discussão sobre o direito adquirido [faculdade de o titular de um direito usufruir de seus efeitos, mesmo se  a lei que o conferiu não estiver mais em vigor]? Aliás, o PT, toda vez que se discutiu a reforma da Previdência, era o primeiro a invocar o direito adquirido... E onde termina a fronteira do direito adquirido e começa o da expectativa do direito?

Tarso Genro: Na verdade, essa é a discussão mais complexa do direito moderno, na minha opinião, porque há o direito adquirido tido como absoluto, o direito adquirido que depende, por exemplo, só de implementos de tempo, tem a expectativa do direito, e ainda prerrogativas que cada cidadão tem, às vezes confundidas com o direito adquirido. Como o governo vai se comportar? O governo vai se comportar pragmaticamente. Na hora de mandar sua reforma, ele verá qual é a posição predominante do Supremo [Tribunal Federal] e fará de acordo com ela, não vai desafiar nenhum poder. E basta o governo acenar à sociedade dizendo que com essa reforma esses direitos adquiridos - que dão quarenta mil reais hoje - não vão mais ocorrer no futuro, que já  se cria uma expectativa positiva em toda sociedade, em todos agentes econômicos.

Rosane de Oliveira: Mas o que vai contar é a posição majoritária do Supremo? Parece que essa discussão toda, todo o debate da sociedade é inócuo, porque se o Supremo fechar a questão por um lado, toda a discussão do Conselho fica prejudicada...

Tarso Genro: Mas o governo tem que se comportar de acordo com a ordem jurídica, nenhuma opinião vai ser formada, nenhuma instância vai levar o governo a desafiar a ordem jurídica. Ele tem que se comportar de acordo com o principio da harmonia entre os poderes, e assim nós vamos fazer. E há um largo território, por exemplo, da discussão dos direitos adquiridos contra a lei, ou seja, são falsos direitos adquiridos. Isso aí obviamente o Supremo e o governo também vão examinar com profundidade.

Paulo Markun: Ministro, como fica a sua posição pessoal, sendo um homem assumidamente de esquerda e que publicou, não muito tempo atrás, o livro Utopia possível [1994], onde parte dessa idéia do Conselho está claramente explicitada, com essa dificuldade que é, de um lado pensar na mudança respeitando todas as normas e todas as leis, estabelecendo absolutamente a Constituição, ouvindo a sociedade como um todo? O senhor acredita que a sociedade brasileira está madura para os participantes do Conselho chegarem lá e dizerem: “Ok, vamos fazer isso", e quem perdem e se prejudicam são meus interesses corporativos?

Tarso Genro: Isso é um enigma fundamental de todo quadro político de esquerda, seja a posição que ele tenha. Eu tenho uma avaliação, nós estamos perante a seguinte oportunidade histórica: ou vamos aprofundar a fratura da sociedade brasileira e vamos jogar pobres contra ricos, como está ocorrendo na Venezuela, ou vamos constituir um novo bloco social dirigente que inclua os excluídos, os incluídos e a sociedade formal, para mudar o país. Eu aposto nessa segunda possibilidade, porque eu não quero no meu país uma guerra civil e uma fratura social irremediável que destrua a democracia. Então se trata, na verdade, em qualquer das hipóteses, de uma aventura de espírito, de imaginação, de criatividade. Mas a aventura democrática é a mais recomendável e, portanto, as normas da Constituição nesse projeto é o que o Brasil deve buscar. Esse é o conhecimento do nosso governo e é por aí que nós vamos caminhar.

Cláudia Antunes: Ministro, é claro que esse projeto é de longo prazo e o Brasil tem muitas urgências.

Tarso Genro: De médio e de longo prazo.

Cláudia Antunes: Essas urgências vão surgir, vão ser cobradas nas eleições, enfim, daqui a dois anos temos eleição. Alguma coisa tem que ser feita pelo governo para satisfazer alguma dessas urgências, porque o modelo permanece, todas as condicionantes macroeconômicas estão de pé, o ministro Palocci [Antonio Palocci Filho, ministro da Fazenda do governo Lula entre 2002 e 2006] tem reiterado isso, ninguém sabe quando seria possível ter uma mudança mais profunda nesse modelo. [Refere-se à condições macroeconômicas ruins no início do governo Lula, com latas taxas de juros e pequenas reservas em moeda internacional]. Então, como se pretende levar...

Tarso Genro: Se você perceber, nosso movimento tem coerência. Primeiro, estamos apresentando reformas para o país retomar sua capacidade regulatória e se libertar dos capitais de curto prazo, para melhorar a situação social de um grande contingente da população, que são os aposentados. Segundo, estamos com programas urgentes, que são programas, não compensatórios, mas de inclusão, imediatos, que é o programa contra fome [Fome Zero, programa de segurança alimentar criado em 2003 no governo Lula]. E nós estamos com uma pretensão de, modulando essas questões, num breve ou médio espaço de tempo, começar a baixar a taxa de juros para melhorar a expectativa dos agentes econômicos. Então nós temos um projeto. Reiniciando, retomando o crescimento econômico e a inclusão, nós geramos uma dinâmica positiva na sociedade brasileira, recuperamos o amor próprio, a esperança, a iniciativa, despertamos agentes econômicos para um novo processo. É nisso que nós estamos apostando.

Carlos Novaes: Ministro, a resposta que o senhor deu ao Markun agora nos permite deduzir, claramente, que se trata da construção de uma nova hegemonia. No Rio Grande do Sul, o PT logrou um êxito, digamos, parcial durante algum tempo. Nessa perspectiva, o Rio Grande do Sul é um dos estados mais organizados do Brasil, onde há uma sociedade civil muito inervada de relações institucionais. E, no entanto, o resultado foi um certo fraturamento, pelo menos do ponto de vista eleitoral da sociedade. Quer dizer, o senhor perdeu a eleição por 2,5%, praticamente um empate no segundo turno, é um empate. E com uma característica curiosa, diferente do que aconteceu em outros estados onde o PT polarizou. É que lá no Rio Grande do Sul houve uma notável disputa de hegemonia aonde os setores dominantes - num linguajar um pouco inatural hoje [refiro-me a] a burguesia ou a classe dominante, dos grandes empresários, ou dos grandes estancieiros, o que nós quisermos, do Rio Grande do Sul -, junto com a mídia, promover um certo cerco ao PT. E o PT, por sua vez,  também foi um pouco agente disso em alguns momentos. Então eu lhe pergunto: considerando a experiência que o senhor teve e conhece do Rio Grande do Sul e considerando o alto nível de organização da sociedade civil desse estado, essa perspectiva de construção de uma nova hegemonia no Brasil não poderia esbarrar numa atitude do mesmo tipo das classes dominantes, quando  chegar o momento de frigir os ovos, ao limite do que realmente vai se arbitrar no Brasil? Porque, convenhamos, alguém tem que perder...ou não?

Tarso Genro: Eu faço uma outra pergunta para responder a tua pergunta. Esses setores mais privilegiados da sociedade brasileira, querem uma fratura social no Brasil igual a da Venezuela? Porque se ocorrer aqui no Brasil a fratura que ocorreu na Venezuela, não vai ser como lá. Aqui nós temos uma vitalidade social, uma organização social muito mais pesada do que lá, portanto, estamos no limite. E esse limite possibilita renovar o contrato social, ou seja, um conjunto de sujeitos políticos das mais diversas origens não é unânime, tem adversários, vai prejudicar a especulação financeira, vai prejudicar setores da sociedade que usam a terra, por exemplo, como reserva de valor e não para produzir. Então não é um projeto de unanimidade, é um projeto de maioria. É aí que entra a renovação do contrato social. Ou seja, o que esses setores produtivos da sociedade brasileira, que têm um compromisso com a democracia, querem para o futuro? Se quiserem a fratura eles apostam contra o nosso projeto de uma nova coesão, de um novo tipo de coesão, de um novo tipo de contrato. Se eles quiserem aventurar-se para dentro da democracia, colocar o Brasil num novo patamar civilizatório, eles vão dialogar conosco. Eu me sinto profundamente orgulhoso de te dizer que a maior tensão do meu último período de ação política foi formar esse Conselho, porque eu nunca recebi tanta pressão, tanto pedido para participar desse Conselho, dos mais vastos, elitizados, produtivos e até não-produtivos setores da sociedade brasileira. Então eu estou otimista. Tudo é indeterminado, depende da política, da disposição, da tolerância, da capacidade de diálogo e da nossa capacidade dirigente. Temos responsabilidade dirigente para levar esse contrato social à melhor possibilidade.

Paulo Markun: Ministro, nós vamos fazer um rápido intervalo e voltamos em instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com Roda Viva, hoje entrevistando o ministro Tarso Genro, secretário executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. A pergunta é de Elaine Cristina, de Presidente Prudente, interior de São Paulo. Ela é estudante e pergunta: "O Conselho não é uma tendência em diminuir o poder do Estado?"

Tarso Genro: De certa forma é de diminuir a majestade, o autoritarismo do Estado; e por isso que ele é positivo, é uma forma de controle social do Estado.

Paulo Markun: Mas ele pode ser enxergado também como uma forma de cooptar a sociedade para o poder do Estado?

Tarso Genro: Ou quem sabe a sociedade subordinar o Estado, que é outra visão. Na verdade, se você vai examinar um movimento, por exemplo, a experiência soviética, o que ela fez foi estatizar a sociedade. Esse Conselho civiliza o Estado, ele submete o Estado, induz o Estado à determinadas posições. Portanto, é um movimento inverso, por isso é democrático, já que reduz a autoridade burocrática estatal e faz o Estado se embeber daquilo que a sociedade civil pensa.

Paulo Markun: E dentro do Conselho, cada voto é um voto?

Tarso Genro: Cada voto é um voto, e o voto do governo também. Quer dizer, são 92 membros,  sendo 82 da sociedade civil e dez do governo.

Marco Antonio Rocha: Mas ainda não estão designados os 82. Ou já estão?

Tarso Genro: Fechamos hoje, ao meio-dia em um almoço com o presidente Lula, que durou três horas, os 82 representantes da sociedade civil. Só que vamos divulgá-los depois do Fórum Social Mundial [Reunião de movimentos sociais de todo o planeta que questionam os efeitos da globalização e do neoliberalismo. Entre os organizadores, alguns são ligados ao PT].

Marco Antonio Rocha: E o Conselho será instalado...

Tarso Genro: Em 13 de fevereiro será a primeira reunião. Haverá uma solenidade no Planalto e, à tarde, ele já começa a trabalhar, votando seu regimento interno. Eu quero chamar a atenção disso! O regimento interno...

Marco Antonio Rocha: Que já está minutado ou não?

Tarso Genro: Sim, nós temos uma proposta que vai ser apresentada, mas quem vota o regimento interno e decide sobre ele é o próprio Conselho. O governo, então, se submete à lógica do regimento interno, que é a lógica decisória que o Conselho vai escolher para si.

Paulo Markun: Como evitar que ele vire uma assembléia sem grande objetividade? Como se faz um Conselho desses ser eficiente?

Tarso Genro: Ele vai ter comissões temáticas, grupos temáticos que vão trabalhar entre uma reunião e outra, de dez a 15 pessoas, com um ritmo de trabalho e um regimento interno que vai ordenar uma determinada discussão. E vai votar orientações, princípios, diretrizes, não vai votar projetos de lei. Isso para que o governo faça o seu projeto de lei e o remeta à soberania do Congresso.

Ilimar Franco: Ministro, ao responder uma pergunta anterior, o senhor falou sobre os adversários do projeto do governo Lula. Eu lhe pergunto: quem são os adversários desse projeto, se hoje só o que se vê são palavras como "Eu quero colaborar, eu quero participar, eu quero ajudar". Quem são os adversários?

Tarso Genro: Eu acho que, no início de governo, é normal todo mundo dizer isso, é bom que se ouça isso e quanto mais gente tiver dizendo isso vai ser melhor para nós. Agora, essa unanimidade dura um determinado tempo. A partir de um determinado momento - por exemplo, quando nós tivermos diretrizes da reforma previdenciária, da reforma tributária - haverá adversários. E se não houver adversários, é porque algo está errado, porque serão reformas absolutamente inconsistentes que não vão mudar nada. Então temos é que transformar isso em um contraditório de alta qualidade para o governo aprender com a oposição e a oposição se requalificar com o governo. Tanto é que você vai verificar no Conselho, quando for publicado, que se você contabilizar a origem política e social de cada conselheiro, o governo é minoria, os petistas são minoria.

Marco Antonio Rocha: O que nós temos visto neste início de governo - embora o governo seja muito novo, é um bebê ainda - em matéria de tributação, é a tendência de aumentar a carga tributária; e não de reforma tributária.

Tarso Genro: Eu acho que não há essa tendência. Nós estamos numa situação emergencial do poder financeiro no país, então a reforma tributária tem que ser feita, inclusive visualizando qual é o tipo de sociedade que queremos, quais são as funções do Estado, como é que se combate o déficit público. E o governo vai colocar dentro do Conselho a discussão da reforma tributária. Não vai se aventurar em fazer uma reforma de cima para baixo, mandando para o Congresso, para buscar também consensos mínimos a respeito dessa reforma que vai, evidentemente, acompanhar um outro tipo de crescimento econômico e de desenvolvimento, diferentes de hoje, em que grande parte dos recursos públicos é para pagar juros, não é?

Glauco Arbix: Só para retomar uma questão que o Markun colocou, sobre a garantia de que o Conselho não venha a se transformar em um debate um pouco abstrato. Várias experiências internacionais de Conselhos desse tipo acabaram revelando um problema muito importante, que pode se reproduzir aqui no Brasil. É um divórcio muito grande, já existente na sociedade, entre o Estado e a própria sociedade. A tendência dessa realidade, no interior de Conselho desse tipo, é que ele se transforme em uma espécie de mesa reivindicatória para o governo. Como a sociedade, em especial a nossa, não está muito acostumada a ter uma tradição, não tem nenhum histórico de trabalho em conjunto, é muito difícil trabalhar. A pergunta que eu faço é a seguinte: a presença dos ministros dentro do Conselho não reforçaria essa idéia de que: se eu estou participando do Conselho, estou reivindicando alguma coisa para aqueles ministros? Eu tendo a achar que pode haver um certo escorregão. Eu não estou discutindo os critérios de participação dos ministros. Mas tente imaginar se, por acaso o ministro da Previdência, o [Ricardo] Berzoini estivesse presente no Conselho na primeira reunião sobre a Previdência Social...Quer dizer, todos são iguais lá dentro, mas eu tenho impressão de que o ministro seria um igual um pouco diferente, porque ele tem um certo poder que os outros não têm.

Tarso Genro: E é um sujeito ativo de formação do processo.

Glauco Arbix: Então a pergunta é: por que o governo decidiu incluir os ministros...por exemplo, o senhor levantou que dos 92, dez são membros do governo, certo? Por que vocês tomaram essa decisão, o que levou a presença dos representantes do governo nessa proporção?

Tarso Genro: O governo é um sujeito ativo da formação da sua opinião e do debate. O que o governo não fez foi colocar  a maioria para si, nem maioria de ministros, e nem - você vai ver quando o Conselho for publicado na sua integridade - a maioria de esquerda, no sentido tradicional da expressão. O governo quer participar do contencioso e coloca quadros políticos seus para fazer esse debate. Se esse debate se tornar um retalho de reivindicações parciais, de reivindicações categoriais, a sociedade brasileira vai ver que aqueles representantes que, presumidamente, devem formar opinião, não estão em condições de fazê-lo. O governo vai ter propostas concretas, vai apresentar propostas concretas para esse Conselho, que vai ter que discutir. As finalidades desses Conselhos estão previstas em lei, é fazer o debate da pauta do presidente e também se auto-pautar, mas em um segundo momento, depois de resolver a pauta presidencial. Ele tem uma finalidade específica, é um Conselho público, não é uma assembléia informal, tem regras de funcionamento e toda a sociedade vai estar de olho naqueles representantes que estão lá. É a única forma de fazer da cena pública um momento democrático de formação da opinião.

Paulo Markun: Mas isso não funciona mais facilmente no âmbito de um município, de uma cidade, do que do ponto de vista da nação? Quer dizer, será possível que a sociedade brasileira tenha essas representações e consiga fechar os acordos? Porque numa cidade vamos discutir se vamos asfaltar o bairro tal, você junta todo mundo...

Tarso Genro: Não interessa só à Presidência, interessa a toda a sociedade brasileira. É mais complexo? É. É mais difícil? É. Mas as representações também são mais universais, são pessoas que representam entidades de natureza nacional, são personalidades que têm [visibilidade] pública, são referências nas suas categorias profissionais. Então eu diria o seguinte: se esse Conselho não funcionar é porque o Brasil não está maduro para sair dessa situação em que se encontra, de paralisia econômica, de baixas taxas de crescimento, de exclusão social, para um patamar político superior. Então, para o Brasil são as soluções jacobinas, alguém quer uma solução jacobina [expressão refere-se ao jacobinismo]? Eu não, ninguém quer, nem as pessoas que estão nesse Conselho. Nós acreditamos nesse espaço de formação de opinião majoritária e democrática.

Rosane de Oliveira: Ministro, eu queria mudar um pouquinho de assunto. O senhor, durante a campanha eleitoral, sempre que perguntado sobre qual seria a fonte de financiamento das suas promessas de governo, o senhor citava a redução que o estado teria com a renegociação da dívida e dizia que era impossível os estados continuarem gastando 13% da receita líquida com o pagamento da dívida. Agora o senhor está do outro lado, e o ministro Palocci disse que não é possível renegociar as dívidas dos estados. Eu queria saber sua posição hoje, já que é um membro do governo.

Tarso Genro: Eu digo aqui aquilo que eu disse na campanha para governador: eu ia coordenar uma ampla campanha política de governadores, de elites políticas, para renegociar as dívidas dos estados. Era o que eu faria.

Rosane de Oliveira: O senhor está dando uma idéia...

Tarso Genro: [interrompendo] Mas eu não sou governador.

Rosane de Oliveira: Mas o senhor está dando uma idéia para os governadores?

Tarso Genro: Não, essa foi uma postura programática minha, do meu partido, aprovada pela Frente Popular [coligação de partidos que apoiou a candidatura de Genro], que eu levei para o debate e manifestei diversas vezes e manifestaria de novo. Agora, se não há lideranças políticas com a mesma posição que tenham capacidade de fazer articulação, aí é um outro problema. Eu tenho essa posição, que é a mesma que eu defendi na campanha.

Glauco Arbix: Se o senhor fosse governador e tivesse essa posição, e o Conselho [fosse] dirigido por outro, teria sua posição completamente oposta. Como é que ficaria?

Tarso Genro: Nós íamos fazer aquilo que o Conselho deve fazer, negociar...

Glauco Arbix: Mas não é isso que está sendo feito hoje? [interrompendo]

Tarso Genro: ...e tentar fazer com que as pessoas que fossem contra, mudassem de opinião. É isso que eu ia fazer.

Glauco Arbix: Sim, mas não é isso que está sendo feito hoje?

Tarso Genro: Eu não vejo nenhum governador dirigindo nenhum movimento de governadores para discutir...

Glauco Arbix: Não, mas de negociação?

Tarso Genro: Da dívida?

Glauco Arbix: Não a negociação da dívida, mas a discussão sobre a situação do país, que é impossível você não alterar, e a reivindicação de ter que alterar para mudar em cada estado. É uma realidade muito forte.

Tarso Genro: Mas a pauta do Conselho, o que está colocado para o Conselho, hoje, é a Previdência. O Conselho pode se auto-pautar, tu tens razão, ele pode dizer “quero discutir a dívida dos estados”, pode fazer isso, não há nenhum problema. Vamos esperar a reunião de fevereiro.

Marco Antonio Rocha: Uma coisa intrigante, doutor Tarso, é a seguinte: quase todos os estados reclamam dos 13% com que estão comprometidos com o pagamento da dívida. No entanto, se nós examinamos as contas nacionais do ano passado ou dos últimos doze meses, os estados têm contribuído positivamente para a criação do superávit primário [diferença positiva entre as receitas e as despesas dos governos, excluídas as despesas com juros]. Então eles estão conseguindo pagar. Como é que se explica isso?

Tarso Genro: Há diferentes situações. O Rio Grande do Sul, por exemplo, tem uma dívida histórica - Rosane [de Oliveira] conhece, como jornalista competente do estado - que vem se acumulando e se multiplicando, e tendencialmente está chegando ao seu limite. Como o governador atual vai resolver isso?

Marco Antonio Rocha: Então é problema de alguns estados.

Tarso Genro: Alguns estados estão numa situação limite, outros não. Agora, que existe um problema nacional da dívida dos estados, isso existe, tanto que é reconhecido pelo governo federal, que está tratando pontualmente para cada estado algumas soluções. Isso está sendo feito de maneira adequada.

Ilimar Franco: E o governo Lula não é sensível a esse problema nacional, na medida em que não quer renegociar?

Tarso Genro: Tanto é sensível que está discutindo de estado para estado, procurando repassar créditos que não eram orçamentários para os estados irem completando sua folha de pagamento. Só está discutindo pontualmente.

Ilimar Franco: Mas isso é paliativo, não é? Se o problema da dívida é estrutural,  teria que se enfrentar o problema estrutural e não dar um "dinheirinho" para o petróleo aqui e tal.

Tarso Genro: O que nós temos que fazer é enfrentar o problema estrutural do país, porque o déficit público é estadual, federal e municipal. E aí é uma reforma financeira do Estado que, na nossa opinião, é o conjunto de reformas que nós temos proposto para o governo, a começar pela reforma da Previdência.

Rosane de Oliveira: Mas, hoje, se você for resolver o problema dos estados, renegociar a dívida que já foi renegociada, acaba comprometendo a meta do superávit primário do governo federal.

Tarso Genro: Mas essa é a questão essencial da política hoje. Como nós fazemos uma reforma financeira do Estado, combinada com a capacidade de os estados continuarem sobrevivendo? E isso não é resolvido de estado para estado. Na minha opinião, se houver um giro, um movimento em que todos os estados negociarem  suas dívidas com o governo federal, nós vamos ter uma reforma fiscal, que é o que precisamos. Fora disso, não tem saída.

Cláudia Antunes: Ministro, supondo que, no melhor dos cenários, o governo consiga aprovar a reforma da Previdência, consiga aprovar reforma tributária, o senhor acha que essas reformas por si só vão resolver o problema financeiro do país? Ou vai se chegar a um outro impasse, porque elas não vão resolver um problema de dependência, de dívida?

Tarso Genro: Para você ver que essa nossa idéia de reformas tem efeito a médio e a longo prazo, mas pelo fato de terem efeito a médio prazo despertam nos agentes econômicos movimentos suficientes para retomar o crescimento em níveis superiores. Se você retomar o crescimento a nível superior e tendo a visibilidade de que a situação financeira do Estado vai ser equilibrada, você parte certamente para um outro modelo produtivista econômico, de inclusão e desenvolvimento.

Cláudia Antunes: Ao responder uma pergunta um pouquinho lá atrás o senhor disse que achava que os inimigos ou adversários do modelo seriam sistema financeiro, os grandes proprietários... Nunca vai haver um choque com esses grandes adversários?

Tarso Genro: Eu acho que [há] setores da atividade econômica e financeira - ou da atividade econômica até mesmo vinculada internamente ao sistema financeiro, que fazem transferência de lucro do setor produtivo para o mesmo grupo financeiro -, para quem  não interessa mudar o modelo. Têm resistência para mudar o modelo, em função de interesse objetivo, não de maldade pessoal de alguém. Por isso que eu digo que a mudança para um outro modelo, de altas taxas de crescimento, de desenvolvimento, de redução do déficit público, de retomada da capacidade reguladora do Estado, de retomada da função pública do Estado com investimento na infra-estrutura, tem adversários. Tanto é verdade que, neste período que nós estamos, há setores de elite brasileira que ficaram muito mais ricos. Com que modelo? Com esse que está aí, esses são adversários de uma mudança. É um raciocínio que não é moralista, é objetivo. Agora, eu entendo que a maior parte do empresariado, a maior parte da sociedade brasileira, as amplas classes médias, os setores assalariados, querem uma mudança para um outro modelo. E é isso que nós temos como esteio do nosso projeto, a partir do governo Lula.

Paulo Markun: Ministro, o Roda Viva não tem um Conselho, mas ele tem os telespectadores que telefonam, mandam e-mail e perguntas. É o caso de Alexandre Moreira, de São Paulo, que é médico, Denise Gomes, de São José dos Campos, que não define qual é a sua profissão, Mario Julião Silva, de Recife, Pernambuco, Antonio Carlos Alves dos Santos, de Interlagos, aqui de São Paulo, todos eles dizem mais ou menos a mesma coisa: que eles votaram em Lula, esperavam mudanças e até o momento o governo pouco difere do governo Fernando Henrique Cardoso. A política econômica é a mesma, para não falar das propostas e reformas trabalhistas e da Previdência. O Mario Julião da Silva diz: "O governo Lula vai continuar o terceiro mandato de Fernando Henrique, que a Constituição não permitiu, ou vai mudar esse modelo neoliberal que arruinou o país?". A Denise Gomes diz: "Na área econômica temos visto o empenho do atual governo em manter apenas as formas de aumento e receitas que foram tão combatidas pelo PT no governo anterior, como, por exemplo, a não-atualização da tabela do imposto de renda, tendo que ouvir ainda, quando questionado do prazo para atualização, o ministro da Fazenda dizendo que o futuro a Deus pertence". E o Alexandre diz: "Como é que o Lula vai evitar que essa transição de governo acabe se tornando eterna, pois ele prometeu uma verdadeira reforma social?".

Tarso Genro: Exatamente o que nós estamos lutando para fazer...Com 22 dias de governo, dizer que não mudou nada no país, só se o Lula fosse um aventureiro como o Collor, que inaugurasse dezenas de medidas provisórias para levar o país ao caos e criar uma sensação de mudança totalmente artificial. As mudanças verdadeiras são aquelas que criam base social, que têm esteio político, são feitas com cautela e com firmeza. É isso que nós estamos fazendo. Eu acho que é uma postura muito negativista dizer que o Lula está traindo o seu programa com 22 dias de governo. O presidente apresentou agora, estamos começamos a implementar o programa Fome Zero. Nós estamos propondo a reforma da Previdência para  fazer exatamente o contrário do que a pergunta diz, queremos é melhorar a Previdência para pagar melhor aqueles que ganham pouco e para a Previdência não ser um ninho de privilégios, de micro-setores que têm privilégios absolutamente injustificáveis querendo manter estabilidade das pensões, das aposentadorias médias que as pessoas recebem dignamente. Mas isso é um processo e a sociedade brasileira está já cansada de factóides que apontam para grandes mudanças e, na verdade, são apenas espetáculos criados para a mídia. Não é o nosso caso, nós queremos mudar com firmeza, negociação, mas com uma direção determinada, que está sendo dada de maneira clara pelo presidente.

Carlos Novaes: Ministro, o senhor é um conhecedor, um teórico da vida política brasileira. O populismo foi entre nós, durante muitas décadas, um instrumento muito poderoso de dominação dos setores populares, de atração dos setores populares, de cooptação. Nos últimos anos, o Brasil se modernizou, muitas instituições foram criadas e o que nós estamos tratando até agora aqui nesse programa é precisamente desse processo de pactuação, de negociação entre instituições, forças institucionais. Mas como foi lembrado no início com uma pergunta, há um conjunto enorme - enorme mesmo, é metade da população, pelo menos - que está fora disso, absolutamente fora da dinâmica institucional e, portanto, ainda irmandada na cultura do populismo. Na minha opinião, o PT reproduz essa dualidade da vida brasileira precisamente pelo fato de ser uma forte máquina institucional, uma burocracia, combinada com uma liderança carismática que dialoga com a cultura populista brasileira. Então eu lhe pergunto: seria um último recurso da dinâmica de poder, de hegemonia que o PT quer construir, dar uma saliência maior a essa capacidade do Lula de dialogar com a cultura populista brasileira? E essa insistência do Lula na calçada, o Lula que abraça, o Lula que beija, é expressão dessa tensão que está aí e que pode se transformar numa alternativa de política?

Tarso Genro: Muitos comparam o Lula com populistas clássicos, como o Roldós e o Menem. Mas você vai ver as diferenças radicais de postura, não só para tratar a economia, como também de se relacionar com a população e não despertar expectativas frustradas. O Lula chega à Presidência da República e diz: “Nós temos uma transição para fazer, nós precisamos manter o equilíbrio macroeconômico e financeiro do país, estamos assumindo o risco de dizer que os juros vão se manter nesse patamar até criarmos condições para mudar. Temos políticas sociais emergenciais e vamos fazer reformas estruturais para encaminhar o Brasil para um novo patamar de crescimento, um novo patamar civilizatório". Aí você vê o Menem, Fujimori e o restante dos populistas... Então eu acho que é absolutamente inadequado dizer que o Lula tem qualquer traço populista. O que ele tem, e isto não é comum na sociedade brasileira, é um desprezo pelos métodos de governo e de fechamento autocrático das elites brasileiras, que chegam ao governo e não se comunicam mais com a população, só recebem grandes empresários. O Lula não, ele recebe a CUT, põe o MST no Conselho, dialoga com toda a sociedade sem nenhum tipo de exclusão: banqueiros, trabalhadores, excluídos e índios. Ele representa uma nova ciência de um projeto político que veio chancelado por 54 milhões de votos. O presidente que não tiver esse talento, essa capacidade, perde a confiança da população ou cai num populismo de direita messiânica, como o Collor fez, com meia dúzia de medidas provisórias, arrasa o país, se torna o grande vanguardeiro amado pela mídia e leva o país ao desastre. Eu acho que o Lula é uma síntese positiva dessa cultura popular brasileira, com a capacidade de um dirigente político moderno. E é por isso que ele tem hoje esse diálogo amplo na sociedade e condições de propor essas reformas que ele está propondo.

Ilimar Franco: Ministro, respondendo aos telespectadores agora o senhor disse que 22 dias é muito cedo para se fazer juízo sobre o governo Lula. No dia 25 de janeiro de 1999, o senhor defendeu publicamente que o presidente Fernando Henrique Cardoso abrisse mão do restante do seu mandato e convocasse novas eleições para sete meses depois. Eu lhe pergunto: passados os quatro anos, que avaliação o senhor faz dessa sua posição, desse episódio?

Tarso Genro: Aquele meu artigo [Folha de S.Paulo, 25 de janeiro de 1999] deu uma celeuma total. Mas se você ler, vai ver que foi feita ali uma espécie de purga da consciência escondida do jornalismo, da sociedade brasileira. Atribuíram ao meu artigo uma proposta que eu não fiz. O que eu disse? Eu disse o seguinte: se eu fosse presidente da República, renunciaria e chamaria novas eleições, porque as bases sobre as quais eu ergui o meu segundo mandato se decompuseram imediatamente depois da eleição. Aquilo foi tomado como uma proposta de inclusão do PT na campanha Fora FHC. Fui entrevistado logo depois: “Não foi isso que eu disse”. Até o Paulo Arantes [filósofo, professor da USP], um grande intelectual de São Paulo, me escreveu uma carta: "Fizeste uma ironia objetiva, ou seja, um ataque duro ao presidente da República". E a uma parte da consciência da sociedade brasileira, que já estava "até aqui" com Fernando Henrique, decepcionada com aquela transição negativa para a disparidade cambial [embarcou].... Mas eu não fiz uma proposta de campanha, eu fiz um ataque duro. Até provável que eu não devesse, em função dessas circunstâncias, usar determinadas palavras. Eu falei com o presidente Fernando Henrique depois, tive duas ou três entrevistas com ele, e eu acho que ele não interpretou dessa forma. Tanto é que a resposta que foi dada pelo seu porta-voz diretamente a mim não assumia a mesma posição que alguns jornalistas assumiram, me chamando de golpista.

Rosane de Oliveira: Mas hoje o senhor reescreveria o texto?

Tarso Genro: Sim, até porque gerou...

Marco Antonio Rocha: Eu tenho impressão de que o Fernando Henrique assinaria o texto!

[risos]

Tarso Genro: Eu reformaria o texto, porque eu não queria induzir a sociedade, não estava propondo uma campanha para o Fernando Henrique renunciar.

Paulo Markun: Não era o Fora FHC?

Tarso Genro: Não era o Fora FHC, não era. E foi tomado como tal porque a campanha tinha começado. O conteúdo da crítica que fiz, eu mantenho. Mas [pelo] resultado, procuraria uma forma mais feliz.

Paulo Markun: Ministro, uma pergunta de Luiz Henrique Lopes, de Florianópolis. Ele diz que esse Conselho, formado por mais de oitenta pessoas, não estará agindo com um novo poder, nosso poder legislativo - o senhor em parte já mencionou isso - mas aí ele pergunta: "O efeito salarial será o mesmo praticado no Congresso? E o como fica o déficit do país com mais esses salários?".

Tarso Genro: Não há salário, as pessoas trabalham de graça. O Conselho os convoca como serviços relevantes, de natureza pública, mas essas pessoas não são assalariadas. As 92 pessoas vão trabalhar, terão seus custos e, quando a pessoa não tiver recurso, vai ter a passagem que o governo vai pagar para irem até lá. Mas não há nenhuma remuneração.

Paulo Markun: Pergunta de Claudionor Romão, de Barueri, interior de São Paulo: "Como o senhor vê o aumento salarial dos deputados e vereadores?".

Tarso Genro: Olha, sinceramente, não estou fugindo da pergunta e nem estou sabendo desse aumento. Vi que foram corrigidos. Se os salários dos deputados foram corrigidos dentro da decomposição dos salários nesse período, eu acho normal que tenha ocorrido. Se houve um excesso, se passou dos índices, eu acho que não é correto, não é justo. Essa é a minha visão.

Paulo Markun: Pergunta de Francisco Carvalho, de São Paulo, professor: "Que avaliação o senhor faz do seu rompimento com o Olívio Dutra?".

Tarso Genro: Não há rompimento com o Olívio. Nós tivemos um contencioso político dentro do partido, tivemos alianças políticas muito grandes também em várias oportunidades e tivemos uma prévia muito dura. As duas últimas prévias, uma ele ganhou e outra eu ganhei. Estive três dias atrás com Olívio, trabalhando uma série de questões das nossas duas estruturas de responsabilidade pública, para fazer projetos em conjunto no Rio Grande do Sul e em outros estados. Essa nossa disputa política é uma tensão que percorre o partido em todo país e que lá, num estado mais politizado, com um PT mais aguerrido internamente, tomou uma certa radicalidade. Mas em nenhum momento Olívio me desconstituiu como quadro político do partido e nem eu o desconstituí, temos um enorme e profundo respeito um pelo outro. Agora, temos divergências, que às vezes se tornam agudas, por isso, inclusive, que nos apresentamos como duas alternativas para concorrer ao governo do estado. Eu tenho enorme respeito pelo Olívio e o  conheci em 1974, quando eu era advogado do Sindicato dos Bancários e ele se tornou presidente [de lá] pela primeira vez. Desde então, até hoje, militamos juntos, às vezes na mesma trincheira dentro do partido, às vezes em trincheiras diferentes. Mas sempre atirando na mesma direção.

Rosane de Oliveira: Mas o senhor acha que esse embate pode ter sido um dos fatores de sua derrota na eleição?

Tarso Genro: Não creio, não creio.

Rosane de Oliveira: O senhor não atribui nenhum ponto a isso?

Tarso Genro: Não atribuo nenhum. Eu acho que nós perdemos no Rio Grande do Sul por uma série de questões, por uma série de problemas relacionados à necessidade de renovar o nosso projeto na prefeitura - que está sendo muito bem conduzido pelo meu companheiro Verle [João Verle, do PT, prefeito de Porto Alegre que sucedeu Genro] - de problemas sérios que tivemos no governo do estado e que não foram equacionados politicamente.

Rosane de Oliveira: O senhor poderia citar os dois problemas mais graves que não foram equacionados?

Tarso Genro: Eu não gostaria de citar, porque são questões que dizem respeito a um diálogo interno que ainda estamos produzindo. Mas eu acho, por exemplo, que o governo do Rio Grande do Sul teria condições de fazer um diálogo político mais amplo, para não perder, por exemplo, o apoio do PDT [Partido Democrático Trabalhista]. Disse isso publicamente, mas isso é uma visão de como conduzir a política. Não há nenhum problema de princípios em relação a isso. Mas acho que as prévias demonstraram que a ampla maioria do partido queria outro candidato, e eu concorreria de novo às prévias. Quero deixar bem claro, até porque temos um contencioso sobre isso lá no meu estado.

Paulo Markun: Ministro, nós vamos fazer mais um rápido intervalo e voltamos daqui a instantes.

[intervalo]

Paulo Markun: Estamos de volta com o último bloco do Roda Viva, com a entrevista do ministro Tarso Genro, secretário executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Pergunta de João Roberto, do Rio de Janeiro, que é professor: "A escolha centrada em notáveis para o Conselho, de dez representantes da sociedade civil, não pode atrapalhar o desenvolvimento dos trabalhos?".

Tarso Genro: Pode. É uma preocupação que nós também temos, mas resolvemos assumir o risco para que o Conselho tivesse...como não é um Conselho eleito, é de confiança do presidente da República, ele exerceu o direito de opção para que o imaginário da população, dos vastos setores que estão ali representados, se sentissem aproximados do Conselho. Mas é um risco, vamos dizer assim, desse aspecto seletivo da democracia, dos órgãos de gestão democrática que são de escolha do presidente ou de escolha de alguém. Aquilo não é um colegiado representativo pelo voto. Mas nós assumimos esse risco conscientemente para criar essa dinâmica.

Paulo Markun: O senhor acha que pode reproduzir as discussões e os debates no âmbito das entidades ali representadas? Quer dizer, o pessoal do MST discutir as questões que serão debatidas ali, a Febraban e assim por diante?

Tarso Genro: É normal que cada entidade que vá lá tente passar sua visão do seu projeto. Nós temos que tirar o preconceito em relação às corporações. As corporações são a essência da democracia, são a forma de organização mínima que a sociedade realiza. Só que são o ponto de partida da democracia e não o ponto de chegada; o ponto de chegada é universal, é a totalidade dos interesses da sociedade. Ali estão representados as dezenas e, quem sabe, as centenas de corporações mais importantes da sociedade brasileira, mas com uma diferença fundamental: vão expor o seu ponto de vista na cena pública e contrastado com os interesses das outras corporações. E, portanto, com a tendência a ter uma síntese superior. Por exemplo, um servidor público que está ali, a Jussara Dutra, que é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, vai defender uma visão da Previdência. Certamente, ela vai dizer que uma Previdência humana, justa...a aposentadoria não deve passar de três mil reais. Um juiz que vai estar ali, como o meu querido Cláudio Valdino, por exemplo, que é o presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, vai dizer: “Eu acho que um juiz tem que se aposentar com o último salário, que é nove mil”. Esse é o setor contencioso democrático, porque as pessoas vão fundamentar as suas razões e tentar uma síntese superior. É essa a finalidade.

Paulo Markun: Ou a CUT e a Força Sindical vão chegar e dizer...

Tarso Genro: Claro, vão. Então vamos ter que encontrar um ponto comum que vai formar, vamos dizer assim, não um consenso absoluto, mas um consenso majoritário. Uma maioria que vai chegar a um determinado nível mínimo de ajuste, para que a reforma possa andar.

Paulo Markun: Em seu livro Utopia Possível, o senhor menciona  esse caminho da ampliação do espaço público como um caminho da construção do socialismo. É isso?

Tarso Genro: Para mim, socialismo é idéia reguladora, de mais desigualdade para menos desigualdade, de menos democracia para mais democracia. Porque eu não acredito na ruptura de um modo de produção para outro, com a classe messiânica dirigindo tudo. Eu acredito no socialismo como um novo patamar civilizatório, que é construir de maneira processual. Sim, eu sou socialista e luto pelo socialismo. A democracia é a base dessa proposta de um novo patamar civilizatório, em que a sociedade se coloca de  maneira majoritária.

Glauco Arbix: Ministro, o senhor falou sobre as corporações. Mas quando pensamos nas corporações brasileiras, em especial, afirmar que elas são a base da democracia... eu sinto um certo frio na espinha!

Tarso Genro: Eu digo em tese.

Glauco Arbix: Mas o Brasil não é um país em tese, certo? Esse que é o problema.

Tarso Genro: Não, concordo contigo.

Glauco Arbix: Das corporações brasileiras parte sempre a idéia de que o governo Lula não está mudando, não vai mudar nada, está reproduzindo a política neoliberal que foi feita até agora pelo Fernando Henrique. Quando se discute um problema concreto, nada pode mudar. Essa é a contradição básica das corporações. O senhor vai enfrentar isso mais do que nós, e nós como sociedade, vamos enfrentar isso o tempo todo. Então afirmar que ela é a condição básica da democracia já é um problema para o  Conselho do governo, esse é o primeiro problema. Se o Conselho trabalha na base de incorporar as corporações, alguma seleção vai ter que ser feita aí, porque há muitas corporações com interesses muito diversificados, é uma gama enorme. O Estado brasileiro foi construído na base das corporações, elas são como "ostras grudadas no casco do navio", certo?

Tarso Genro: Quando eu digo que as corporações são a base da democracia não estou defendendo uma democracia corporativa. Eu quero dizer que, se essas partes da sociedade não expõem publicamente suas demandas e não sofrem o trevo da política do contencioso, não há possibilidade de avançar e desconstituir o espírito corporativo. É isso que eu quero dizer, exclusivamente. Porque eu acho que o Conselho não é neutro, é um Conselho que está vinculado a um programa de governo, que teve o apoio de 54 milhões de brasileiros. Aquele Conselho lá sabe que está comprometido com determinado programa, com uma determinada mudança. Vamos supor que ele votasse: "Daqui por diante o governo vai aplicar uma política monetarista". Não há nenhum sentido, nós não iríamos aplicar isso. Então, o Conselho é uma estrutura de negociação e de concertação política para aplicar um determinado programa. O governo vai querer aplicá-lo de maneira absoluta? Não, o governo vai ter que negociar. A própria dinâmica política do Conselho é de redução da taxa de corporativismo que estava representada.

Paulo Markun: É um espaço de barganha, no bom sentido?

Tarso Genro: É de acordo [enfatiza a última palavra].

Paulo Markun: Mas o governo reduz um pouco os seus objetivos em troca de alguma coisa.

Tarso Genro: Não gosto da palavra "barganha", porque ela está identificada como alguma coisa mais suja. Eu digo que é um espaço de concertação, de acordo político.

Paulo Markun: Mas se o governo quiser ir até cem quilômetros de distância do ponto onde ele está. O Conselho diz: "OK, [mas] nós só podemos ir até oitenta [quilômetros]". O governo vai reduzir seu objetivo em troca de alguma coisa?

Tarso Genro: Claro, senão o governo não faria o Conselho.

Paulo Markun: Mas o que o Conselho oferece em troca?

Tarso Genro: Isso é a dinâmica política que vai determinar. O governo não pode é renunciar a seus princípios. Quais são seus princípios?  Propor e desenvolver um outro modelo econômico, com taxas de crescimento superiores, aprofundar o controle social do Estado por meio da participação da cidadania, inclusão social. São elementos vetores do governo. Agora, os métodos, os ritmos, as formas para isso têm que ser negociadas. Porque o governo não representa, em si mesmo, a maioria da sociedade. Sua legitimidade tem que ser permanentemente reconstruída, senão ele deixa de ser um governo democrático. E esse Conselho é um instrumento de reafirmação e de reconstrução permanente da legitimidade do governo.

Cláudia Antunes: Mas quanto tempo o senhor dá para esse processo, para chegar nesse novo patamar que seria o objetivo?

Tarso Genro: Tempo desejável ou tempo possível? É difícil.

Cláudia Antunes: Assim como o senhor, em 1999, achava que o Fernando Henrique tinha cometido um estelionato eleitoral - porque afinal de contas ele dizia que o real não ia ser desvalorizado -, muita gente, em 2004, também  vai pensar que se não houver nenhuma mudança significativa o PT terá cometido um estelionato eleitoral. Então, em quanto tempo o senhor acha que esse processo vai funcionar, dar resultados de mudança?

Tarso Genro: Eu desejaria que nós tivéssemos, neste ano, uma reforma da Previdência com o amplo apoio majoritário da sociedade brasileira. Eu acho que isso seria uma vitória política muito grande do governo, do Conselho e da democracia. Isso é uma meta. O presidente quer, em maio, que já tenhamos as diretrizes para remeter o projeto.

Marco Antonio Rocha: Ministro, o senhor disse que os nomes que faltavam para completar o Conselho foram fechados hoje em um almoço com o presidente da República.

Tarso Genro: Um almoço em que ele quase não almoçou, foram mais ou menos três horas de debate.

Marco Antonio Rocha: O senhor poderia citar alguns desses nomes para nós "furarmos" toda a imprensa aqui no programa?

Tarso Genro: Não posso, porque queremos convidar essas pessoas antes de anunciá-las.

Marco Antonio Rocha: Tem algum representante da imprensa?

Tarso Genro: Não.

Marco Antonio Rocha: Não?

Tarso Genro: Não colocamos exatamente para não causar uma divisão e uma eventual...

Marco Antonio Rocha: Ou seja, para esse jornalista não "furar as decisões" [anunciar em primeira mão] do Conselho, é isso?

[risos]

Tarso Genro: Não, porque os "furos" sempre ocorrem, não é? Não é por isso não. Chegamos a discutir isso, até apareceram alguns nomes... alguns estão aqui, sugeriram a presença.

Marco Antonio Rocha: O Paulo Markun, por exemplo. [risos]

Tarso Genro: Não vamos colocar. Porque, se colocarmos, vão dizer que estamos tentando fazer uma cooptação dos setores da imprensa, em detrimento do respeito que devemos a todos. Então resolveram não convidar ninguém da imprensa.

Ilimar Franco: Ministro, a concepção do Conselho, pelo que entendi, é fazer uma conciliação de interesses, onde o governo, que tem um programa, posições históricas, vai cedê-lo para outros setores da sociedade não identificados com esse programa, a fim de produzirem uma síntese superior, como o senhor afirma. O que eu lhe pergunto é o seguinte: como deve se comportar o  PT diante dessa síntese superior, que não necessariamente vai representar suas posições, sobretudo depois que o secretário geral da Presidência, o Luiz Ducci, pediu que o Genoino [político brasileiro e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, o PT. Foi presidente nacional do partido entre 2002 e 2005] levasse o PT mais à esquerda? Haverá disciplina férrea, terá que seguir a decisão do Conselho?

Tarso Genro: Eu acho que o PT, majoritariamente, vai apoiar, está apoiando o projeto do Conselho. E vai ter uma parte do PT que não vai gostar das propostas que nós vamos fazer, que estamos construindo.

Rosane de Oliveira: E essa será enquadrada?

Tarso Genro: Essa parte, como é do nosso bom costume, quando nossa direção nacional votar o apoio à tal medida do presidente, o partido todo será responsável por ela.

Paulo Markun: O senhor não acredita em um racha dentro do PT?

Tarso Genro: Não, não acredito.

Paulo Markun: O senhor não acha que haverá setores do PT que vão "sair fora"?

Tarso Genro: Eu acho que nós temos, dentro do PT, uma esquerda majoritariamente sensata - que vocês chamam de esquerda [do PT], eu não chamo. Essa ambigüidade dentro do PT é falsa, na minha opinião. Vocês identificam os setores do PT como esquerdistas porque são radicalmente a favor de todas as demandas do servidor público. Para mim, isso não é esquerda, mas tudo bem. Vamos chamar de esquerda determinados setores do PT que têm uma visão mais tradicional ligada ao socialismo histórico. Nós temos uma esquerda dentro do PT que é altamente qualificada e que tem um nível de debate político de contribuição enorme para o partido. E assim como nós temos uma presumida esquerda, temos uma presumida direita dentro do PT. E essa tensão interna do partido, esse debate ideológico e político é que não permite que o partido descarrilhe.

Paulo Markun: Sim, e sempre foi muito bem conduzido pelo Lula, enquanto a figura âncora do PT. Só que hoje ele não é mais a figura âncora do PT, ele é o presidente da República.

Tarso Genro: E é a figura âncora do partido, ele ainda permanece como uma figura âncora do partido.

Paulo Markun: Isso não é uma ambigüidade?

Tarso Genro: Não, eu acho que não, porque o Lula faz a síntese das posições do partido, as posições majoritárias. Nem o Lula é unânime. Agora, o Lula sintetiza o projeto do PT de maneira universal, todo mundo reconhece isso. E ele, como presidente da República, não é o presidente do PT, é o presidente do país. E ele se escola dessa relação na medida em que ele fala com o conjunto da sociedade e representa um projeto muito mais universal que o PT. E para ser um partido, com vocação de poder, tem que se apresentar como parte para o todo e não como parte para si mesmo. Essa é a grande polêmica que nós travamos hoje dentro do partido e sobre a natureza do nosso governo. Eu acho que, nesse sentido, o Lula está conduzindo muito bem. Agora, nosso debate interno vai continuar.

Marco Antonio Rocha: As pessoas que não são do PT, ou que são contra, sempre tiveram uma certa dose de respeito pelo partido, imaginando-o como coeso e homogêneo. Agora que o PT chegou ao poder, à Presidência da República, tornaram-se públicas as divergências internas, a dispersão de opiniões existentes dentro do partido. Essas pessoas começam a dizer agora: “Afinal, o PT é um partido igual aos outros, não tem nada de diferente”.

Tarso Genro: Na verdade, você vai ler os articulistas da imprensa, tradicionalmente de direita, saudando o PT porque ele é neoliberal. Isso é uma provocação, eu diria, uma sadia provocação; porque um governo que vai fazer uma determinada transição não pode ser irresponsável, ele lida com economia real, com agentes econômicos reais, com a globalização concreta. E esse governo, se quer transitar para um outro modelo econômico, tem que transitar com maioria, com previsibilidade, é isso que o PT está fazendo. Eu imagino que esses articulistas acham que nós nos mordemos de raiva quando eles dizem: “Olha, o PT é neoliberal, ele está respeitando as taxas de juros, ele está mantendo a política do Malan [Pedro Malan foi ministro da Fazenda nos dois governos FHC]”. Não, isso é uma postura de sensatez da nossa parte. Agora, é claro que dentro do nosso partido há pessoas que gostariam que o PT mudasse a sociedade brasileira por decreto. Isto não é uma vocação autoritária do partido, é uma ansiedade sadia que setores do partido têm, mas que não têm experiência de governo e não se dedicam a observar a luta concreta na sociedade em que vivemos.

Cláudia Antunes: Que paralelos o senhor traçaria entre o governo do PT, essa transição que vocês pretendem fazer, e as experiências internacionais, inclusive da social-democracia européia?

Tarso Genro: Notável essa pergunta. Eu acho que não há nenhuma teoria da transição de um modelo neoliberal para outro [não-neoliberal]. E essa é a grande dificuldade que nós enfrentamos. Todos os países da semi-periferia, como o nosso, que tentaram transitar ou foram para a descoesão social - como a Venezuela - ou para a crise - como Argentina -, por falta de direção política. Ou mantiveram um namoro com neoliberalismo de maneira permanente, fazendo um trânsito para outro modelo que não termina mais. Então, é uma dificuldade real. É um desafio e, aliás, o ministro [...] me chamou a atenção esses dias, ele dizia que nós não temos uma teoria de transição do modelo atual para outro. Então temos que ser mais sábios, mais cautelosos, com a capacidade cada vez maior de diálogo e também muita firmeza. Porque nós, ao mesmo tempo em que estamos mudando, estamos reconstituindo uma certa base teórica da esquerda, já que esse modelo ainda não sofreu uma mudança substancial.

Marco Antonio Rocha: Mas isso que o senhor está dizendo significa que vocês também não têm um projeto de substituição ao neoliberalismo?

Tarso Genro: Não, nós temos um projeto, o que eu falei é que nós não tínhamos...

Marco Antonio Rocha: Se vocês não sabem como fazer a transição é porque não sabem onde querem chegar.

Tarso Genro: Você acha que nós não vamos saber o que fazer? No artigo da Cláudia [Antunes], vais ver que sabemos.

Cláudia Antunes: [Sobre] qual artigo que você está falando?

Tarso Genro: No artigo da Folha, em que você mostra que existe uma coerência entre os movimentos que o PT está fazendo.

Cláudia Antunes: Mas há problemas, na verdade.

Tarso Genro: Mas se não tivesse problema, não teria política. Política é para enfrentar problemas. O que eu quero dizer é que não há um paradigma dessa transição, não há uma teoria escrita de como transitar de um modelo para o outro. O programa, nós temos. Temos propostas e elas são públicas e reconhecidas no processo eleitoral. Agora, essa prática da mudança, que exigiria uma teoria prévia de como fazê-la, estamos construindo também neste momento.

Paulo Markun: Ministro, por trás disso existe, de alguma forma, uma tentativa de apropriar a teoria dos jogos, quer dizer, uma idéia de que é possível construir algo em que todo mundo ganha?

Tarso Genro: Isso é uma visão analítico-funcionalista da teoria dos jogos, que é uma tendência, vamos dizer assim, possível de se instaurar enquanto método, enquanto objetivo. Agora, nós sabemos que o resultado não é esse. Não existe um jogo onde todo mundo ganha, a não ser que haja uma simulação. E nós enfrentamos uma mudança que não é simulada. Portanto, alguém vai perder.

Carlos Novaes: Ministro, o senhor esteve aqui há menos de um ano no Roda Viva. Na época, havia um aceso debate, e muito coberto pela mídia, que era a relação do PT com o PL [Partido Liberal]. O PT, [com] a direção nacional representada pelo José Dirceu [então presidente do partido] e pelo Lula, já havia definido, estava em busca do apoio do PL. O senhor, aqui no Roda Viva, dizia que respeitava a posição, mas discordava. Então, recuperando esse momento e abandonando um pouco a sofisticação dessa discussão que a gente acaba de fazer: como relacionar a perspectiva de construir uma nova hegemonia, de construir um novo contrato, de navegar - sem um paradigma teórico claro - numa situação extremamente difícil como a que nós vivemos e, ao mesmo tempo, tendo que administrar, por exemplo, a necessidade aparente, pelo menos, de trazer de volta figuras moribundas como Antônio Carlos Magalhães [ACM] e José Sarney interferindo na política interna de outros partidos, e precisando voltar a dinamizar certas redes de poder que, em certa medida, o governo Fernando Henrique tinha se encarregado de dar umas pauladas? O final da minha pergunta estragou um pouco o sentido dela, porque eu concordo com isso... 

Tarso Genro: [Você] me deu essa colher de chá!

Carlos Novaes: Eu concordo com essa crítica, evidentemente.

Tarso Genro: Eu acho, sinceramente, que o presidente Sarney, o senador Antônio Carlos Magalhães, não existem de maneira artificial na sociedade brasileira. Eles representam forças políticas reais e aparecem na cena pública com a legitimidade dessa força política. Então, o nosso juízo sobre a sua carreira política e as divergências que o PT possa  ter com essas figuras não podem nos proibir de, enquanto governo, conversarmos com todos os representantes da sociedade que têm legitimidade pública. Nós temos uma postura autoritária de evocar para nós uma capacidade de direção na sociedade arbitrária. Então eu acho que esse diálogo, desde que não seja perverso, onde ambos mudem para pior, é positivo, é correto e todos os governantes têm que fazer. Você vai verificar que cada um deles tem uma determinada história e se relaciona conosco partindo de certos interesses políticos, relacionados com suas carreiras, com a suas histórias. Eu não tenho nenhuma restrição a que o presidente Lula faça um diálogo com o Sarney, receba o apoio do Sarney, estabeleça um intercâmbio político público com ele, porque é uma necessidade de governo. Não tenho essa visão de que isso seja um retrocesso nas posições do partido e nem que tenhamos mudado de posição. Eu acho, inclusive, que essas figuras têm necessidade política de estabelecer uma relação conosco para estarem na cena pública com legitimidade.

Carlos Novaes: Mas a base da sua resposta, e no geral da sua intervenção, salienta muito essa dimensão do diálogo, a dimensão comunicativa da ação política. O problema é que não há nisso um certo desprezo ou descolamento da base material que forma esse diálogo? Por exemplo, quando o ACM e o Sarney querem dialogar, esse diálogo tem uma base material, há interesses a se verificarem, eles não querem só discutir os interesses deles, eles querem também verificar esses interesses.

Rosane de Oliveira: Assegurá-los.

Tarso Genro: Toda relação política sempre é uma relação de interesse. O político que tem princípios, e um governo que tem metas, colocam essa relação subordinada a esses princípios e a essas metas. Aí depende do caráter e dos princípios daquele que está compondo o diálogo. E que esse diálogo seja aberto, seja feito na cena pública e avaliado pela população. Eu acho que é assim que o governo Lula está se comportando. Eu sou a favor de que o governo dialogue com todos os setores da sociedade, sem nenhum tipo de restrição e de exclusão, desde que seja um diálogo público e fundado em determinados princípios.

Paulo Markun: Ministro, nosso tempo está acabando, eu queria fazer uma última pergunta. Como vai ser a prestação de contas e o acompanhamento das ações do Conselho por parte da opinião pública?

Tarso Genro: A proposta que nós vamos fazer é a de que o Conselho, ao mesmo tempo que discuta a previdência, adiante duas discussões para o futuro: a reforma tributária e a chamada reforma da legislação trabalhista. O Wagner [Jacques Wagner, então ministro do Trabalho] me dizia hoje que ele acha que essa é uma reforma para atacar a informalidade e não para subtrair direitos. Portanto é uma outra visão, por exemplo. E ao mesmo tempo, há um subtexto que vai andar nessas reuniões do Conselho: vamos propor, o Conselho vai decidir, e em cada reunião vamos publicar uma carta para informar a sociedade brasileira do nível do diálogo, do que está sendo feito e dos resultados que foram obtidos, para ela própria julgar a função do Conselho, sua pertinência e importância. E, dessa forma, vamos procurar criar condições para essas reformas, visando a criação, a soldagem dessa maioria democrática que nós queremos que dê base, permanência e sustentação para o nosso projeto.

Paulo Markun: Ministro, muito obrigado pela entrevista, boa sorte com sua empreitada. Obrigado aos nossos colegas aqui da bancada. Voltamos na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite, com mais um Roda Viva.

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