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Memória Roda Viva

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Wagner Moura

29/9/2008

Aos 32 anos, o ator baiano coleciona trabalhos de sucesso, uma legião de fãs e é um dos grandes atores que se notabilizaram no início deste século

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[programa ao vivo, permitindo a participação dos telespectadores]

Lillian Witte Fibe: Boa noite. Aos 32 anos, ele é um ator consagrado. Tanto a crítica quanto o público se desmancham em elogios para esse rapaz baiano que rouba a cena, seja no cinema, fazendo um traficante ou um policial honesto e linha dura, seja no palco, no papel do vingativo príncipe Hamlet [Escrita entre 1599 e 1601, a peça narra a tragédia de um príncipe da Dinamarca que descobre que o tio matou seu pai para ficar com o trono. É uma das obras mais representadas da história], de Shakespeare, que lota um teatro de quinhentos lugares há mais de três meses. O Roda Viva recebe Wagner Moura, formado, veja só, em jornalismo. A gente volta em trinta segundos com o Roda Viva, que esta noite faz aniversário: 22 anos desde a primeira exibição. Até já.

[intervalo]

Lillian Witte Fibe: Pode-se dizer que ele estourou há cinco anos, com trabalhos muito elogiados no cinema. Não demorou muito para que ele aparecesse na tela da [TV] Globo. Mas a paixão é mesmo o teatro, onde ele descobriu a vocação, ainda adolescente, na cidade onde nasceu.

[Comentarista]: O baiano Wagner Maniçoba Moura nasceu em Salvador, há 32 anos. O pai, militar, serviu em várias cidades, e ele passou grande parte da infância na cidade de Rodelas, no interior da Bahia. Preocupada com a criação do filho, a família retornou à capital baiana. A proximidade com tudo que a cidade grande oferecia deu um novo impulso para Wagner Moura. Com 15 anos de idade, começou sua carreira nos palcos da capital baiana, primeiro para ficar perto de garotas, mas logo se encantou em fazer uma coisa prazeirosa e ainda ganhar algum dinheiro. Nessa mesma época também tocava em uma banda de rock. Mas, no começo da carreira profissional, Wagner Moura chegou a balançar entre o jornalismo, com trabalhos em jornal e assessoria de imprensa, e as artes cênicas. Abortou a carreira jornalística depois de prejuízos e calotes e seguiu firme como ator. De 1992 a 1999, fez teatro em Salvador até seguir para o Rio de Janeiro, onde encenou a peça A máquina [2000], de João Falcão. Na época, morou com o conterrâneo Lázaro Ramos [ator e cineasta]. Na TV, fez seriados, a minissérie JK [minissérie exibida pelo Rede Globo em 2005 que contou a biografia do presidente Juscelino Kubitschek] e ganhou fama de galã depois das novelas da Globo A lua me disse [2005] e Paraíso tropical [2007]. No cinema, deu os primeiros passos em 2000, no filme Sabor da paixão [da diretora Fina Torres], ao lado de Murilo Benício e da espanhola Penélope Cruz. Já no cinema nacional, Wagner Moura participou de produções importantes, como Abril despedaçado, de Walter Salles, em 2000. Em 2003, Wagner Moura participou do muito comentado Carandiru [2003, do diretor Hector Babenco]. Nesse mesmo ano, trabalhou [na novela] O caminho das nuvens, e [no filme] Deus é brasileiro [direção de Cacá Diegues]. No ano passado, fez outros longas: em Ó pai ó [direção de Monique Gardenberg] contracenou no cenário que tanto conhece, Salvador, ao lado do também baiano Lázaro Ramos. [O ano de] 2007 foi um ano cheio de atividade no cinema. Por conta do filme Tropa de elite, seu rosto foi um dos mais vistos nas telas grandes e nos DVDs, sejam originais ou piratas. Como Capitão Nascimento, um herói para uns e anti-herói para outros, ganhou simpatia e reconhecimento do grande público. O filme traz, como Wagner Moura mesmo classifica, um ponto de vista fundamental para se entender e discutir a segurança pública: o olhar policial. Depois de três anos afastados do teatro, atualmente ele voltou aos palcos, onde encena Hamlet, de William Shakespeare, personagem por qual se declara apaixonado desde a juventude. Wagner Moura é casado com a fotógrafa Sandra Delgado e tem um filho de dois anos de idade.

Lillian Witte Fibe: Para entrevistar o ator Wagner Moura a gente convidou: Cristina Padiglione, editora do suplemento "TV & Lazer" e colunista do "Caderno Dois" do jornal O Estado de S. Paulo; Mônica Bergamo, colunista do jornal Folha de S.Paulo; Jefferson Del Rios, crítico de teatro do programa Metrópolis, da TV Cultura; Nina Lemos, repórter especial da revista TPM; Laila Dawa, repórter daqui da TV Cultura, que vai trazer para a entrevista as perguntas enviadas por telespectadores através do telefone: (11) 3677-1310 ou também pelo site www.tvcultura.com.br/rodaviva. Com a gente, claro, o cartunista Paulo Caruso, que dispensa apresentações. A gente tem também a colaboração de três usuários do comunicador Twitter, que permite a troca de pequenas mensagens via celular e e-mail. Eles vão colocar na internet as impressões sobre a entrevista de hoje. E para ver o que eles estão escrevendo, basta acessar os endereços que aparecem na tela. O Roda Viva também está no Twitter. Para seguir a gente, é só clicar "follow" no endereço twitter.com/rodaviva. Boa noite, Wagner Moura. Obrigada pela sua entrevista. Eu acho que hoje o programa vai ser de tietagem explícita, deixa eu avisar logo.

[risos]

Lillian Witte Fibe: Wagner, me diga uma coisa, eu pensei que, diante de tanta discussão sobre o futuro das mídias, a queda mundial de bilheteria, discussão sobre equipamento digital mais leve, surgimento de telas pequenas, o sucesso de Hamlet é uma coisa paradoxal e a prova de que uma das mais antigas artes cênicas não está em discussão. Ela não vai acabar e está lotando teatros, com uma cadeira apertadinha que a gente não consegue pôr o joelho, um sucesso incrível.

Wagner Moura: Não vai acabar nunca. Eu acho que as mídias se alimentam muito... as pessoas vão buscar no teatro o que elas não vêem no cinema, na televisão, na internet. Não acaba nunca, é uma arte milenar. E Shakespeare está vivo até hoje, vai enterrar a gente, nossos tataranetos também vão ver Shakespeare.

Lillian Witte Fibe: Todo mundo está rediscutindo televisão, imprensa escrita, cinema. E o teatro está um sucesso.

Wagner Moura: O teatro está aí, não acaba nunca.

Lillian Witte Fibe:  Há chances de estender [a temporada do espetáculo Hamlet em São Paulo] além de 2 de novembro?

Wagner Moura: Já estendemos, vamos até fevereiro.

Cristina Padiglione: Com relação a usar uma mídia que completa a outra, vocês usam a câmera [na peça]. De quem partiu a idéia?

Wagner Moura: Engraçado, porque o Aderbal Freire-Filho [diretor de teatro desde 1972, busca sempre novas formas de teatralismo mas adota uma encenação que prioriza o ator como agente principal da linguagem e da comunicação das idéias do texto], diretor da peça, é totalmente avesso a essas coisas tecnológicas em espetáculos. E vocês viram os espetáculos dele, são sempre muito básicos, atores ali e pronto. E ele é que veio com essa história da câmera.

Cristina Padiglione: E é um teatro com closes.

Wagner Moura: Engraçado você falar isso, porque uma vez Jorge Furtado [Cineasta gaúcho, já entrevistado pelo Roda Viva] me disse que não faz teatro porque teatro não tem close, só tem plano aberto. E não é verdade. Mas o teatro é tão lindo e tão poderoso porque o ator chama o close, não é? O ator chama para o close de uma mão, um rosto. Por isso que eu até fico meio assim de falar porque... eu acho o teatro uma arte muito poderosa e mais poderosa do que essas todas. E não é à toa que está vivo até hoje. E não morre nunca.

Cristina Padiglione: A idéia não é tua?

Wagner Moura: A idéia da câmera foi do Aderbal. E tem disso também: reforçar essa idéia de que enquanto está acontecendo uma coisa aqui, ver o outro lado. Uma das partes que eu gosto muito é quando Ophelia e Hamlet se encontram,  e o Claudius e Polonius estão observando escondidos. A câmera mostra isso e o público está vendo alí atrás os dois personagens. Então, o público está vendo realmente, estão observando um close grande. É legal, mas não acho que é o mais interessante.

Cristina Padiglione: Não digo isso, mas que é engraçado é.

Wagner Moura: Eu acho que funciona bem, que é harmônico.

Cristina Padiglione: Senti um pouco de temor, em um momento, quando estava prestando atenção na imagem e a cena que está se passando no palco, a principal, era outra, desviando o foco de atenção. Mas, enfim, num mundo em que você faz quase tudo ao mesmo tempo talvez funcione legal.

Jefferson Del Rios: Wagner, em primeiro lugar queria te cumprimentar pela beleza de apresentação do seu Hamlet. Aliás, se a minha modesta opinião de crítico vale, eu recomendo a você, telespectador. Se não viu, vá lá correndo, porque é um grande trabalho, está na melhor linhagem dos grandes intérpretes brasileiros. Você honra o Sérgio Cardoso [(1925-1972) consagrado ator brasileiro entre as décadas de 1940 e 1960. Estreou a vida artística no papel de Hamlet e, com a peça, alcançou enorme sucesso].

Wagner Moura: Puxa vida!

Lillian Witte Fibe: Fazendo um apêndice, tem que comprar com antecedência, porque lota. Eu estou telefonando para a bilheteria, por curiosidade, para saber. Quase que eu não consigo ver, quando vi que ia entrevistá-lo fui comprar o ingresso. E lota.

Jefferson Del Rios: Eu sou curioso sobre atores que saem da província. Salvador é uma cidade meio africana, não é bem o interior da Bahia. E grandes atores brasileiros como o nosso maravilhoso Othon Bastos é um baiano de Tucano, o Tom Zé [cantor e compositor, um dos fundadores da Tropicália] é de Irará. E você teve a infância na cidade de Rodelas. Eu soube que nessa cidade tem muito mármore...

Wagner Moura: Não, é uma cidade [com população] ribeirinha. O que tem de interesse em Rodelas - e eu acompanhei isso quando criança, na beira do rio São Francisco, era lindo demais aquele rio que corria ali -  é que ela se transformou numa nova cidade, fez parte daquelas que foram inundadas pela barragem Itaparica. Isso foi uma coisa muito interessante, porque a cidade inteira se mudou para alguns quilômetros à frente e se transformou em outra completamente diferente do que era antes. Mas a minha infância foi alí, à beira desse rio.

Jefferson Del Rios: Você ficou lá até os 15 anos, não é?

Laila Dawa: E por falar em Rodelas, a gente já tem a pergunta de um dos telespectadores: durante esse período em que você esteve no sertão da Bahia, quais os traços culturais que você percebeu lá que diferenciam esse lugar do resto do país? O que mais te marcou? O que você observa de diferente no resto do país e por outros lugares por onde andou? Pergunta de Alman Alves da Costa, de Sergipe.

Wagner Moura: É difícil falar isso. Eu sou muito esse homem que é fruto desse lugar, tanto que em Deus é brasileiro, quando eu li o roteiro, falei: "eu sei que posso fazer isso bem, porque eu conheço muito aquilo, esse universo" O que diferencia... Eu não sei... Está meio explícito, o sertão tem uma cultura popular muito forte, muito... Eu me lembro que a religiosidade é muito forte. Quando houve essa mudança de uma cidade para outra, me lembro que foi transportada uma imagem que eu não esqueço nunca mais. Havia uma imagem de Santo Antônio, padroeiro da cidade, feita de pedra pelos índios dali da região de Rodelas, e ele foi transportado de uma cidade para a outra. E a comoção causada nas pessoas por essa passagem desse santo de um lugar ao outro é uma coisa que eu não esqueço nunca mais. Eu lembro, como se fosse hoje, que uma hora que o santo bambeou, ele quase cai, as mulheres começaram a gritar. Então, tem um lado de cultura popular e de religiosidade entranhada dentro da  alma das pessoas, mas eu acho que é superficializar dizer o que é um sertanejo. Guimarães Rosa falou muito melhor do que eu!

Mônica Bergamo: Eu queria voltar para o assunto de teatro. Existe uma discussão no Brasil, hoje, sobre o financiamento do teatro. Imagino que você participe dela, já ouvi algumas opiniões suas. Recentemente, o ministro da Cultura [Juca Ferreira, no cargo a partir de julho de 2008] fez um diagnóstico que, resumidamente, é o seguinte: antes da Lei Rouanet, o teatro tinha de seis a oito sessões por semana, as temporadas eram mais longas. E com a lei Rouanet, mais dinheiro colocado no teatro, no entanto, hoje são duas a três sessões por semana e, de acordo com o diagnóstico dele, isso acontece porque o lucro não vem mais da bilheteria, vem do dinheiro que você vai captar com a Lei Rouanet; quer dizer, o produtor vai lá, capta o dinheiro, garante seu lucro e a bilheteria passa a não ser importante. Em conseqüência, de acordo com ele, o público também passa a não ser mais tão importante, a não ser para a vaidade do ator, não mais para o empresário. Então, eu queria perguntar várias coisas: como é o financiamento da sua peça, quanto custa o ingresso, como você lucra com isso, se o lucro vem da bilheteria ou não, e [queria] que você comentasse um pouco sobre as propostas feitas por eles [do Ministério] para mudar esse financiamento.

Wagner Moura: De fato, o nosso lucro é... Primeiro, é preciso que se diga uma coisa: realmente, antes da lei Rouanet era muito mais difícil fazer teatro. Hoje em dia, os atores de teatro têm uma dignidade financeira que eles não tinham antes.

Mônica Bergamo: [interrompendo] O Juca Ferreira, numa entrevista, falou o seguinte: “Só quem consegue dinheiro por essa lei são os atores Juca de Oliveira, Tony Ramos e a Fernanda Montenegro". E agora eu acrescento o Wagner Moura. Todos os atores têm essa dignidade?

Wagner Moura: Na minha peça há dez atores de teatro. Com exceção do Tonico Pereira, que faz TV, todos os outros estão tendo oportunidade de ter essa dignidade. Sem dúvida, fui beneficiado por isso porque sou um ator popular, não tenho a menor dúvida disso. E essa é uma das situações que eu acho que precisam ser resolvidas.

Mônica Bergamo: Essa peça é toda financiada pela...

Wagner Moura:  Minha peça é toda financiada pela Lei Rouanet, com o patrocínio do [Banco] Bradesco.

Mônica Bergamo: Ela está paga. Se não for ninguém no teatro...

Wagner Moura: Não, não. Nós tivemos um dinheiro para estrear a peça, e esse dinheiro acabou. E aí está a distorção: com os 30% que temos reservados para a produção nós não conseguimos manter a peça com o ingresso a oitenta reais. Então, de fato, alguma coisa está errada nisso. Precisamos captar mais para poder manter os dez atores aqui, todos em um hotel, em quarto individual, passagens aéreas... Porque a gente não tem dinheiro para financiamento para passagem aérea e nem patrocínio de hotel. Então, sem dúvida, há uma distorção nisso, quando você não precisa mais do dinheiro do público para... O que eu faço, da minha parte, é tentar manter o espetáculo vivo o máximo de tempo possível. O meu dinheiro acabou, eu tive que captar mais, mas o que eu puder fazer para manter... É por isso que os oitenta reais de ingresso, não é caro, porque com isso não consigo manter.

Lillian Witte Fibe:: Quanto custa uma peça?

Wagner Moura: Olha, depende muito.

Lillian Witte Fibe: Hamlet, por exemplo?

Wagner Moura: Levantamos minha peça com oitocentos mil reais e eu botei meu dinheiro para ela poder estrear.

Lillian Witte Fibe: Muito?

Wagner Moura: Eu botei uns cinquenta mil [reais] e o Serginho [Sérgio Martins, produtor de teatro], meu parceiro, botou mais... Fechamos em mais ou menos um milhão.

Lillian Witte Fibe: Dura quanto tempo esse dinheiro?

Wagner Moura: No terceiro mês de temporada, o dinheiro acabou e a gente teve que captar mais. Agora, eu acredito que se a gente estivesse no Rio de Janeiro, sem ter que pagar passagem, hospedagem para manter os atores, em um teatro maior, como o Teatro Casa Grande, onde ficaremos, acho que daria. Mas tudo isso é, sem dúvida, uma distorção, precisa ser revisto.

Nina Lemos: Você acha bom que alguém que não conheça Shakespeare tome conhecimento da obra dele porque é seu fã, porque acompanha você da televisão? Você percebe que isso acontece?

Wagner Moura: Eu acho ótimo, muita gente vai ver o Capitão Nascimento e volta com o Hamlet para casa. Eu acho ótimo, não posso reclamar disso. Eu tento botar pessoas que não podem pagar oitenta reais - minha meta é botar duas mil pessoas de escolas públicas, alunos que nunca viram Shakespeare - umas cinquenta [pessoas] em um dia, de graça. Mas são coisas que eu faço porque quero, porque nossa arte é uma arte que tem que ser vendida. E o teatro é visto por uma minoria, embora o dinheiro seja público. Mas o que eu tento fazer, além disso, é manter o espetáculo vivo o mais tempo possível, eu só vou parar de fazer quando ninguém mais aguentar assistir, porque o que acho realmente estranho é você pegar o dinheiro do patrocínio, montar seu espetáculo em dois meses - você pode até botar de graça - as pessoas assistem a peça de graça e, em dois meses, sua peça acaba. Isso é condenável.

Mônica Bergamo: O lucro acaba.

Wagner Moura: Acaba. Então, eu prefiro cobrar oitenta reais e ficar dois anos, do que [fazer] dois meses de graça, acabar, captar mais, botar o dinheiro no bolso e fazer outro. Aí eu acho que é errado.

Lillian Witte Fibe: Vamos fazer um intervalo. Voltamos num instante com o Roda Viva, que é acompanhado por três twitteiros que estão colocando na internet seus comentários sobre o programa. São eles: Larissa Menon, estudante de rádio e TV; Alexandre Fujita, blogueiro; Verônica Mambrini, colunista do site Digestivo Cultural. Até já.

[intervalo]

[VT de um trecho do filme Tropa de elite]

Lillian Witte Fibe: Bom, trata-se de Tropa de elite, filme de José Padilha em que nosso entrevistado, Wagner Moura, arrebatou o Brasil no papel de um policial honesto no Rio de Janeiro, o Capitão Nascimento. Wagner, diante da repercussão de Tropa de elite, tudo que aconteceu, você, que é uma pessoa engajada socialmente, depois do filme, ficou com mais ou menos esperança no Rio de Janeiro em que o teu filho está crescendo?

Wagner Moura: Essa pergunta é difícil. Eu não sei dizer se mais ou menos, mas eu tive um choque de realidade. É como se você...eu supunha que aquilo existisse, mas estar ali perto me comprovou que a coisa é muito grave, o tema segurança pública, a nossa situação, especialmente no Rio de Janeiro, é bastante grave. Então foi meio assustador. Mas eu sou uma pessoa otimista, gosto do fato do meu filho ser carioca. O Rio é uma cidade que eu gosto demais, me recebeu muito bem, passei um pedaço da minha infância lá, sou bastante otimista.

Lillian Witte Fibe: Tem conserto?

Wagner Moura: Eu acho que sim.

Mônica Bergamo: Wagner, quando chamaram o filme de fascista você disse: ”Fascistas somos nós brasileiros, cidadãos carentes de uma política de segurança, que vemos naqueles policiais honestos, mas que desrespeitam os direitos humanos elementares, a solução para o caos em que estamos metidos”. Então, eu queria saber sua opinião à luz da sua frase e sobre a política de confronto adotada pelo governador Sérgio Cabral [eleito governador do Rio de Janeiro em 2006, pelo PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. O que você acha dela?

Wagner Moura: Lamentável. Eu votei em Sérgio Cabral, ele é um político bem intencionado, eu gosto dele. Mas me parece óbvio que a política de confronto não é a melhor solução para resolver a questão da violência. Matar traficante não é - tem sido assim, inclusive através dos tempos. E está provado que não tem resultado. Esse fato de o Exército subir a favela até me soa meio ridículo, me parece meio trágico e patético aqueles soldados com fuzis nas favelas. Eu acho e vou continuar achando sempre que a principal solução para a violência é tirar a garotada do tráfico, dar uma possibilidade de o garoto não ir para o tráfico. Aquilo ali é um emprego para ele, é um cara que passa a vida ali vendo televisão, os tênis Nike na televisão, que mora na [favela da] Rocinha, do lado de São Conrado [bairro nobre carioca]. Ele vê essa discrepância social absurda, que no Rio é exposta pela própria geografia carioca, e sem nenhuma perspectiva. Mora num lugar onde não tem saneamento básico, não tem biblioteca, não tem contato com a arte, não pode abastecer o espírito dele com leitura, com teatro, com revista, com a praça para jogar bola. Aí, em vez de você dar isso para o garoto, você manda a polícia lá?

Mônica Bergamo: Você acha que existe uma tolerância dos governantes? A ONU [Organização das Nações Unidas] diz que, diante dessa política, há uma tolerância para a polícia matar no Brasil.

Wagner Moura: Sim, nós somos tolerantes com isso, a sociedade é tolerante com isso. Inclusive, quando eu digo que talvez fascistas estejamos nos tornando nós próprios é porque há uma parcela grande da sociedade que, quando vê Tropa de elite, por exemplo, acha que aquilo é isso mesmo, que o Capitão Nascimento é um herói. Ele é um homem incorruptível no sentido financeiro, na minha opinião, mas a corrupção moral é muito mais tenebrosa do que a corrupção financeira. Eles são moralmente corruptos porque torturam e matam, mas as pessoas vêem aquele homem como um salvador. E é terrível a gente pensar nisso. Não posso culpar essas pessoas por pensarem assim, são pessoas carentes de qualquer tipo de política de segurança pública. Então, quando ele vê o cara fortão, de preto, indo ali na favela e matando os bandidos, ele diz: "É isso aí". E você vê, o regime de força, o próprio fascismo surgiu dessa forma. A polícia brasileira mata muito mais do que a polícia norte-americana, que é conhecida como a polícia belicosa e armada.

Laila Dawa: Wagner, a gente tem aqui a pergunta do Fábio Cortez, de São Paulo. Ele pergunta se você faria um possível Tropa de elite 2 e, emendando nessa pergunta, o Jaime Ramos, de Niterói, Rio de Janeiro, quer saber o que você gosta mais de fazer: cinema ou televisão.

Wagner Moura: Olha, sobre o Tropa de elite 2, eu estabeleci uma relação muito boa com o Zé Padilha, foi um diretor com quem eu gostei muito de trabalhar, é uma pessoa muito interessante, é um homem que não filma de bobeira. Se você vir os filmes dele, tanto o Ônibus 174, quanto o Tropa de elite, quanto esse filme da fome, um documentário que ele acabou de fazer [refere-se ao documentário Garapa, que trata da sobrevivência de uma família nordestina que passa fome], você vai ver que os filmes dele não são feitos assim. Se um dia o Zé Padilha me disser que quer fazer um Tropa de elite 2 eu vou enxergar um motivo nele para isso. Se o Bráulio Mantovani [roteirista e assistente de direção de cinema. Em seu currículo, há produções brasileiras importantes como Tropa de elite, Ônibus 174 e Cidade de Deus] me disser que vai escrever o roteiro...

Lillian Witte Fibe: E já falaram ou não?

Wagner Moura: Não.

Lillian Witte Fibe: Nenhum dos dois tocou no assunto?

Wagner Moura: Não, mas eu sei que existe uma coisa assim, nesse sentido. É capaz, embora não seja para o ator a coisa mais interessante do mundo voltar a um personagem...

Lillian Witte Fibe: Por quê?

Wagner Moura: Porque é uma repetição. A gente está querendo sempre fazer uma coisa diferente.

Cristina Padiglione: Eu me lembro de ter visto uma entrevista rápida sua na volta de Berlim. Assim que ganhou [o Urso de Ouro no Festival de] Berlim [Tropa de elite ganhou o prêmio máximo no festival de 2008] você disse que não queria voltar ao Capitão Nascimento.

Wagner Moura: Eu tomei Capitão Nascimento na veia durante anos...[risos]

Cristina Padiglione: E eu falei: “poxa, teve toda uma defesa de que não era fascista e tal, mas ele parece que não está conseguindo...”. Ou é o medo de ficar estereotipado?

Wagner Moura: Não, sem falsa modéstia, eu tenho muita confiança que eu sou um ator que pode fazer outras coisas.

Lillian Witte Fibe: Ah, pode, viu! Você pode!

[risos]

Wagner Moura: E que não vou ficar restrito a um personagem.

Cristina Padiglione: O Capitão Nascimento é o seu personagem mais famoso, mais do que Olavo, da novela das oito da Globo? [refere-se ao vilão Olavo Novaes, vivido por Wagner Moura, na novela Paraíso tropical, em 2007]

Wagner Moura: Eu acho que sim, mas aconteceu uma coisa muito louca. O Capitão Nascimento apareceu no momento em que o Olavo estava muito popular, [estava] acabando Paraíso tropical. E eu fiquei muito conhecido de uma hora para outra. Mas eu acho que, ainda assim, o Capitão Nascimento ficou mais no imaginário.

Cristina Padiglione: Você acha que é mais pela força do personagem ou pela audiência? Porque foi uma audiência de novela em função da pirataria...

Wagner Moura: Pelas duas coisas.

Lillian Witte Fibe: Eu estou preocupada com a segunda pergunta.

Wagner Moura: Eu gosto mais mesmo é de fazer teatro, isso eu gosto mais do que qualquer outra coisa. Eu sou um espectador de cinema muito mais do que TV, eu queria muito fazer cinema como ator. Então, quando... Eu dei muita sorte, cheguei no Rio numa época em que estavam precisando de caras novas para o cinema, eu surfei na onda na retomada do cinema nacional e fiquei conhecido. Fui parar na televisão por causa do cinema. Eu aprendi a fazer cinema. Então, eu podia dizer que eu gosto mais do cinema. Mas depois que eu fiz televisão, fiquei gostando muito de fazer televisão também, é uma coisa muito diferente, é um aprendizado, o ator tem que ficar muito esperto depois que faz televisão. Você aprende a se resolver muito rapidamente.

Laila Dawa: Você acha que um ator, para ser tanto de televisão como de cinema, tem que passar pelo teatro?

Wagner Moura: Não, eu acho que não. Como eu era da Bahia, na minha época a gente só começava no teatro, não existia outra forma de começar, mas eu vejo muitos atores talentosos que só fizeram televisão e são muito bons.

Cristina Padiglione: Wagner, você vê novela? E o Lima Duarte [ator] diz que a TV Globo faz a mesma novela há quarenta anos. Você concorda?

Wagner Moura: A novela tem um formato, [de] um folhetim, uma fórmula, é difícil escapar dela, do "mocinho, bandido e a menina". É um gênero, então, é difícil você escapar muito disso. Mas eu acho que a Globo faz a melhor telenovela do mundo. Tem o esgotamento do gênero, mas não é culpa dos realizadores, nem dos atores.

Mônica Bergamo: Você vê novela?

Wagner Moura: Eu vejo pouquíssimo, algumas novelas eu peguei e comecei a acompanhar. Renascer [exibida na TV Globo em 1993, escrita por Benedito Ruy Barbosa] foi  uma novela que eu fiquei assistindo.

Cristina Padiglione: Faz tempo, hein?

Wagner Moura: Roque Santeiro [novela da TV Globo, exibida entre 1985 e 1986, escrita por Dias Gomes e Aguinaldo Silva] também.

[risos]

Nina Lemos: Voltando ao Capitão Nascimento, queria saber sua opinião sobre essa questão da pirataria. O Tropa de elite chegou no Rio de Janeiro foi uma loucura, todo mundo viu esse filme. E eu fui fazer uma matéria na Rocinha uma vez e eu vi no camelô o Tropa de elite pirata. Tem um lado disso que é chegar às pessoas que não iriam ao cinema, então eu queria saber sua opinião sobre isso. Você baixa música pela internet, por exemplo?

Wagner Moura: Eu vou dizer, eu sou um analfabeto tecnológico, só sei mandar e-mail e entrar em alguns sites e tal. O problema é que se eu soubesse...mas eu tenho uma coisa que eu gosto muito que é comprar discos, gosto do encarte, de ver a coisa gráfica, eu gosto muito disso. Talvez eu seja uma das últimas pessoas que compram discos. Quanto à coisa da democratização, eu não acho que se democratiza o audiovisual dessa forma. O que aconteceu com o Tropa de elite foi um caso de polícia, pois ele foi roubado de dentro de um laboratório, a cópia ainda não era a cópia final do filme e foi para a rua, para o camelô, antes de chegar no cinema. Isso é um crime contra os realizadores, um crime de direito autoral, embora eu pense que essa questão das novas tecnologias é irreversível. Mesmo sendo um analfabeto tecnológico, o que eu vejo é que não há muito mais como você fugir disso. Eu conheço muitos amigos que não compram mais disco, inclusive, alguns não vêem mais nem filme na locadora, eles baixam os programas, os filmes. Então, os produtores, a indústria cultural devem se adaptar a essa nova realidade, porque a disparada tecnológica não tem mais retrocesso.

Jefferson Del Rios: Wagner, você disse que a coisa que você mais gosta de fazer é teatro. Já que estamos falando de violência, Hamlet é peça de violência, violência do poder. Hamlet é um príncipe que tem que se defrontar...é um golpe palaciano, o pai dele é morto, a mãe é conspiradora, está cercado de gente que pode matá-lo a qualquer momento. É um papel dificílimo, são duas horas de cena e o Wagner não pára de agir, a encenação é acrobática, exige muito dele.

Lillian Witte Fibe: Duas ou três?

Jefferson Del Rios: Três horas! É como um jogador sem direito ao intervalo, joga duas partidas. Nota-se, inclusive, que ele está meio magro. [risos] Sobre essa violência, inclusive, para preparar o papel, me conta: como você entrou nesse Hamlet? Não é um papel para qualquer um - isso é um elogio - é papel que foi feito para o Walmor Chagas [consagrado ator brasileiro de teatro, televisão e cinema. Encenou Hamlet entre 1969 e 1970], para o Sérgio Cardoso...

Wagner Moura: Eu agradeço muito, porque eu acho que eu estou fazendo, talvez, o personagem da minha vida. Não digo isso sobre o produto final, o acabamento, mas o que ele representa para mim, o que representará mesmo depois. Eu tenho muito orgulho. É um personagem que, como sempre fui muito apaixonado por essa peça, veio a conta-gotas para mim. Como eu li Hamlet há 15 anos, ele veio vindo, pairava [sobre] mim como uma musa. Primeiro, era como uma coisa impossível, um paradigma impossível de ser feito e tal. Depois, eu tive a óbvia iluminação de que Shakespeare escreveu Hamlet para ser feito e não para ser lido. Então resolvi fazer porque, enfim, não vejo nenhuma pretensão maior nisso, vai ser feito mesmo, qualquer um pode fazer. E ele veio devagar. Quando estou fazendo teatro, gosto de ser expressivo, porque eu acho que ali é o lugar para você não economizar mesmo. E isso trouxe para o meu Hamlet, uma certa latinidade, que coincidiu muito com o que o Aderbal pensava. O nosso Hamlet, não é aquele Hamlet europeizado, pensador e tal. É um Hamlet que tem a ver com a nossa cultura, personagens se abraçam, se tocam, se pegam, têm um calor, uma visceralidade que tem muito a ver. Por isso é que eu queria levar a peça para Londres, eu acho mesmo que seria interessante para um ator inglês ver onde chegou esse Shakespeare aqui no Brasil, de que forma nós lemos o que ele escreveu, de que forma montamos isso. Aderbal foi à Strattford [cidade da Inglaterra] no foi mês passado, assistiu Hamlet lá, e me ligou enlouquecido, amou a montagem e viu vários paralelos com a nossa. E eu ia adorar essa pretensão...

Jefferson Del Rios: Leve, que vai dar.

Lillian Witte Fibe: A gente vai fazer um intervalo, lembrando que a memória do Roda Viva está disponível no nosso site tvcultura.com.br/rodaviva, onde você pode pesquisar o conteúdo do nosso arquivo e também mandar e-mails com críticas e sugestões, afinal hoje é aniversário do programa. São 22 anos de exibição. A gente volta já.

[intervalo]

[VT com cenas da novela Paraíso tropical]

Lillian Witte Fibe: Bom, são cenas do trabalho mais recente na TV Globo, a novela Paraíso tropical, do nosso entrevistado Wagner Moura, que mais uma vez surpreendeu o Brasil como o vilão Olavo. Mas, Wagner, ao mesmo tempo, só para quem pode abrir mão de um contrato na Globo...aliás, como você mesmo declarou, a grande maioria dos atores precisa desse contrato até para plano de saúde para filho etc. Você, depois desse sucesso todo, se arriscou numa peça de teatro e não quis assinar contrato. Como é que você está resolvendo isso? A tua mulher ajuda no orçamento doméstico?

Wagner Moura: Bom, por conta dessa popularidade que eu ganhei com a TV pude fazer comerciais de TV, que é uma coisa que dá dinheiro.

Mônica Bergamo: Quanto você cobra de cachê?

Wagner Moura: Eu não posso responder isso, eu não gosto de falar de dinheiro, de quanto eu ganho...

Mônica Bergamo: É tanto assim?

Wagner Moura: Eu ganho bem fazendo comercial, um dinheiro bom. E a peça está dando um bom dinheiro, nem perto do que eu ganhava na Globo, mas ganho um dinheiro. Poderia sobreviver tranqüilamente só com teatro.

Mônica Bergamo: Seu cachê da Globo na novela foi maior do que seus outros trabalhos? É que eu queria ter uma idéia da evolução do seu ganho.

Wagner Moura: Tem uma coisa boa de não... Eu nunca tive contrato, eu sempre [ganhei] na Globo por job [trabalho avulso]... Todas as coisas que eu fiz lá, desde Sexo frágil [série de humor exibida entre 2003 e 2004, escrita por Luís Fernando Veríssimo e Guel Arraes], Carga pesada [série escrita por Walther Negrão sobre aventuras de dois amigos caminheiros. Foi exibida entre 2003 e 2007], até a primeira novela que eu fiz.

Mônica Bergamo: O seu cachê dobrou dentro da Globo?

Wagner Moura: Uma coisa boa de não ter um salário fixo é que cada vez que eu fecho um trabalho eu levanto meu cachê.

Mônica Bérgamo: Você já dobrou assim dentro da TV?

Wagner Moura: De JK para Paraíso tropical aumentou bem, mas não chegou a dobrar não.

Laila Dawa: Wagner, primeiro, obrigado pela sua declaração. Assim eu me sinto uma semi-analfabeta digital mais tranqüila. Agora, a pergunta de Jaqueline Fouz, de Lima, Peru: quais atores nacionais influenciaram ou ainda influenciam Wagner Moura?

Wagner Moura: Há vários atores bons. Os atores ingleses são incríveis, [como] o Ian McKellen [Ator de reconhecido talento teatral, em especial em peças shakespeareanas, tornou-se conhecido do grande público após atuar em filmes de grande orçamento, como a trilogia Senhor dos anéis]. Os americanos são muito bons também, o Sean Penn [Sean Justin Penn é ator e diretor de cinema dos Estados Unidos. É vencedor do Oscar em 2003 pelo filme Sobre meninos e lobos] é um grande ator. No Brasil, um ator de quem eu sou muito fã é Pedro Cardoso, eu ia fazer um trabalho com ele agora, terminou não acontecendo, mas é um ator que eu adoro, é um pensador, um artista diferente. Eu gosto de ver os espetáculos dele, as coisas que ele escreve, lamento não ter visto a parceria dele com Felipe Pinheiro que ele fazia lá no Rio, pois eu morava na Bahia. O [Antônio] Fagundes é um ator completamente diferente, mas com quem eu aprendi muito, é um grande ator também. E, da minha geração, eu sempre admirei muito o Selton [Mello]. O Lázaro [Ramos] é, para mim, um ator que veio pronto, nasceu pronto, impressionante...Ele tem um corpo pronto, a voz boa, a cabeça boa, inteligente, talentoso, é incrível, charmoso. Lázaro é uma Ferrari dos atores. Mas o Selton é um cara que eu sempre admirei muito. Ele tem um diferencial, a forma como ele conduz a carreira dele, as escolhas que ele faz, os papéis dele.

Mônica Bergamo: De 2003 para cá, mais ou menos, quando vocês foram surgindo para o grande público, que grande atriz você acha que surgiu nesse período, junto com vocês?

Wagner Moura: Dessa geração? A Débora Falabella, eu gosto muito dela. Eu gostei muito de trabalhar com ela,  é um complemento, uma colega ótima, colega boa, generosa, boa de contracenar, humor bom. [Wagner trabalhou com a atriz em JK, na primeira fase da minissérie]

Mônica Bergamo: Você acha que ela é a grande atriz dessa...

Wagner Moura: Eu acho. Quando você fala assim, a gente sempre comete injustiças com um montão de outras atrizes. Leandra Leal é uma grande atriz, a Georgiana Góes, que está fazendo a minha peça [a atriz interpreta Ofélia em Hamlet], é uma atriz que eu adoro, muito boa. A gente é bem servido de atores no Brasil, nós temos tradição de bons atores, eu gosto muito dos atores brasileiros.

Cristina Padiglione: Wagner, numa fase anterior a Paraíso tropical, JK, suas entrevistas sempre atribuíam à televisão um papel de: “Ah, é o lado financeiro, é o lado que estabiliza”. Você teve vergonha de fazer televisão? Parece que existe uma certa justificativa...

Wagner Moura: Você falando assim...fiquei com vergonha de ter sido injusto com a televisão. De fato, eu aprendi muita coisa, conheci ótimos profissionais. A própria Débora, que é uma atriz que eu estou citando, eu conheci fazendo JK.

Cristina Padiglione: Falei antes de JK. Mas me pareceu que havia uma certa justificativa...

Wagner Moura: Se pareceu, não foi... Quando eu ressalto o fato do dinheiro é porque eu acho que o ator tem que ter uma dignidade financeira como qualquer outro profissional. Eu penso muito nisso, por isso eu faço questão de pagar bem meus atores, colocá-los em locais bem confortáveis, como ficaria um advogado, um médico. Somos uma categoria profissional como qualquer outra. Então, eu acho que a Rede Globo, especialmente, nos empresta isso de uma forma muito bacana. Eu venho de uma realidade...os atores são muito "duros" [sem dinheiro].

Lillian Witte Fibe: O que é pagar bem um ator de teatro, já que a Mônica abriu tanto a discussão para valores de cachê?

Wagner Moura: Normal, assim...é você poder pagar um aluguel. Eu trouxe alguns atores de Salvador, que são meus amigos da Bahia, para fazer a peça. Todos podem pagar um aluguel num bairro do Rio de Janeiro, num apartamento bom. Tem dois atores, um de Recife e um de Salvador, por exemplo, cujas mulheres engravidaram nessa época. Então, é poder pagar plano de saúde para o parto de seus filhos...

Lillian Witte Fibe: O piso do jornalista hoje está quanto? É dois mil e setecentos [reais], é isso?

Wagner Moura: Ah, os atores da minha peça estão ganhando mais.

Cristina Padiglione: Você vê que escapou de uma boa! [risos]

Lillian Witte Fibe: Mas pode ser um milhão ou três mil reais.

Wagner Moura: Mas é preciso dizer uma coisa, o meu espetáculo é uma exceção, porque é muito difícil fazer sucesso com teatro. Ainda mais fazer sucesso com Shakespeare! Então, o cara ganha bem durante o tempo que essa peça estiver em cartaz. Quando ele fizer outra, talvez não tenha a mesma sorte. É muito instável nossa carreira, é muito cheia de altos e baixos.

Mônica Bergamo: Você não pretende assinar um contrato com a TV Globo nunca, em um médio prazo?

Wagner Moura: Não, não. Quando eu falo de dinheiro, parece que faço as escolhas por causa da grana e tal. Pelo contrário, eu escolho muito as coisas que eu faço por outras questões, eu vou sempre perseguir muito o artístico, o desafio. Talvez por isso é que tenha dado certo [e] eu tenha sido bem remunerado pelas escolhas que fiz.

Laila Dawa: Wagner, tem muita gente perguntando, não dá para citar todo mundo: quando você vai retornar às novelas? Você pode não querer assinar contrato, mas o pessoal quer te ver novamente na telinha. Quando você volta?

Wagner Moura: Não sei. Eu quero fazer essa peça por muito tempo, ano que vem. E tem muita coisa de cinema que eu vou empurrando para frente, projetos legais com diretores interessantes, e uma hora não vão agüentar mais e vou ter que fazer um filme. Mas o lance da novela é que ela te ocupa o ano inteiro. Você passa 11 meses fazendo novela, fica ali preso. Então eu não sei, por enquanto não tenho vontade de fazer agora.

Laila Dawa: O que tem de interessante em fazer um papel numa novela?

Wagner Moura: É ótimo, divertidíssimo. O que eu aprendi fazendo televisão é me resolver, porque você grava vinte cenas em um dia, se você é um protagonista. Você não vai ter aquele tempo que você tem no cinema, você ficar ali, parado, ensaiar. Quando fiz a primeira novela, fui preparado para não sofrer. Eu sabia que não ia ter uma aproveitamento de 100% em todas as cenas mas, por outro lado, eu ia para cada cena querendo fazer o melhor que pudesse, é incrível. Às vezes, eu via o Fagundes trabalhando, ele estava sentado numa cadeira e “Vamos filmar!”, e ele levantava e começava a chorar. Eu ficava impressionado... Mas isso é muito legal, saber lidar com essa rapidez que só a televisão exige.

Cristina Padiglione: E é possível se divertir fazendo novela? Porque é estressante...

Wagner Moura: São onze meses, tem que se divertir, senão vira um inferno.

Cristina Padiglione: O Olavo ganhou uma certa torcida, apesar de todos os males, virou um vilão divertido. Eu queria que você falasse um pouco até que ponto você deu a deixa para o Gilberto Braga [autor de Paraíso tropical] transformá-lo no que virou ou se foi obra tua mesmo.

Wagner Moura: Eu gosto muito de humor, eu acho que o que nos diferencia dos outros bichos é o humor. Meu Hamlet tem muito humor, assim como tudo que eu faço. Quando a gente está super mal, é rir da nossa tragédia. E o Olavo era um vilão e tal, mas eu sempre achei que ele pudesse ser engraçado, [demorei] muito para achar esse humor, não foi de cara que eu achei. Quando veio a Bebel, a personagem da Camila [Pitanga], aí eu vi uma chave boa, a gente se deu muito bem... Injustiça à Camila, as atrizes que eu citei!

Cristina Padiglione: Eu ia te perguntar. Mas você não falou.

Wagner Moura: Desculpa, Camila. Ela é uma das grandes atrizes da nova geração e com quem eu fiz uma parceria maravilhosa. Como eu digo, essa chave do humor, que você diz que o público gostou, só fui achar depois que comecei a contracenar com o personagem dela. Como a gente teve uma troca muito boa, a coisa andou. Não dá para pensar no Olavo daquela novela sem a Bebel.

Cristina Padiglione: E também é muito complicado você conseguir humor com uma figura [...] como o Olavo e despertar nas pessoas essa... E na internet você tem lá alguns vídeos muito engraçados, o "Funk do Jussa" é um sucesso.

Wagner Moura: Isso é Denis de Carvalho [foi ator de cinema, televisão e teatro até a década de 1970, quando decolou na carreira de diretor. Dirigiu a minissérie JK e Paraíso tropical]! Aí você pergunta quando eu vou voltar para novela... Eu quero voltar para a novela com o Denis Carvalho, porque é muito bom trabalhar, é muito divertido, não fica um peso na novela de 11 meses. Ele faz uma coisa divertida, os sets serem bem humorados, a gente está fazendo sempre piada. E aparece uma maluquice daquela, que é o "Funk do Jussa".

[risos]

Lillian Witte Fibe: Desculpe, eu estou "boiando"...

Cristina Padiglione: É uma cena dos bastidores de gravação de JK, em que eles começam a cantar...

Wagner Moura: É, com o [ator] André Frateschi. Foi uma turma que se deu muito bem, eles faziam os amigos do Juscelino jovem. Então nós compusemos uma música chamada "Funk do Jussa",  Jussa é o Juscelino Kubitschek. Aí mostramos para o Denis e ele adorou, gravou com a gente cantando e dançando. Isso foi parar na internet.

Lillian Witte Fibe: Então vamos dar o endereço, porque as pessoas vão perguntar.

Cristina Padiglione: Eu não sei... Se procurar "Wagner Moura" no Youtube [website que hospeda vídeos enviados pelos usuários], dá para encontrar. Aliás, na pesquisa aparece "Wagner Moura imitando Silvio Santos", é você aquilo?

Wagner Moura: Provavelmente não.

Cristina Padiglione: Eu achei que não era. Só se fosse muito novo, não dava para reconhecer tua cara, alguém está usando o seu nome.

Mônica Bergamo: Por falar em Silvio Santos, você não tem contrato com a Globo, mas só fala da Globo. Você já recebeu convite de outra emissora, iria para outra emissora?

Wagner Moura: Eu só trabalhei lá, minha experiência com televisão é de lá.

Mônica Bergamo: Você já teve sondagem da [TV] Record?

Wagner Moura: Sim, mas eu não estou nem querendo fazer na Globo!

Mônica Bergamo: Foi recente essa sondagem?

Wagner Moura: Logo depois da novela, mas eu não me interessei.

Nina Lemos: Wagner, falando de Camila [Pitanga], Selton [Mello], pessoas da tua geração, uma coisa que vocês têm em comum é falar "não" à indústria de celebridades, botar um limite nisso. Eu me lembro que uma vez eu te entrevistei, você falava que estava no "livro negro da [revista de celebridades] Caras", porque tinha dito tantas vezes que não ia abrir sua casa, mostrar seu filho. Sua postura continua a mesma, as pessoas entenderam que você é assim mesmo? Como está essa questão de ser celebridade?

Wagner Moura: Eu não sei, eu acho que você termina pagando um preço por isso, de as pessoas falarem mal, de dizerem que você é antipático, inacessível e tal. E não é verdade. Eu só não me sinto à vontade nessa coisa, assim, às vezes parece que você é forçado a fazer parte de uma estrutura que não está a fim, que não...não tem nada a ver comigo. Eu não me sinto confortável em falar para a Rede TV! sobre a minha vida.

Nina Lemos: Você acha que ser famoso, ser ator, tem um lado ruim?

Wagner Moura: Não, ser famoso é bom, como eu digo, eu só consegui o patrocínio da minha peça porque eu sou famoso. Isso é uma coisa boa, mas não tenho nenhum interesse de falar da minha vida para as pessoas, eu não tenho nem interesse de aparecer no TV Fama [programa sobre celebridades exibido pela Rede TV!], não me relaciono com isso, e queria muito que isso fosse respeitado, entendido. Mas entendo também a necessidade que as pessoas têm de querer ver esse outro lado.

Mônica Bergamo: As pessoas têm tanta curiosidade, você tem um público para essas notícias. Até que ponto você acha que a curiosidade desse público é legítima, você já refletiu sobre isso?

Wagner Moura: É legítimo. As pessoas gostam de determinada pessoa e querem saber mais sobre ela, querem saber como ela  é em casa. Alguns colegas nossos gostam de fazer parte disso e, do fundo da minha alma, eu não os critico por isso.

Nina Lemos: Você lê essas revistas?

Wagner Moura: Não, não. Não sei o que dizem de mim.

Mônica Bergamo: E dos outros?

Wagner Moura: Nem dos outros. Mas, eu cheguei a escrever um artigo a esse respeito, um episódio que aconteceu comigo. Um rapaz passou a mão melada na minha cabeça, e eu achei isso de uma violência muito grande. A impressão que eu tinha é que o circo estava armado para eu reagir da mesma forma, eu pegar, passar na dele, e virar uma... não sei. Eu não me sinto parte disso, sabe? Outro dia, eu estava passando no show do João Gilberto [cantor e compositor, símbolo da bossa nova] e o cara se sentiu no direito de me agredir. E você respira...porque eu me sinto muito agredido com essas coisas, evito ir às estréias para não passar por essas situações.

Mônica Bergamo: Na Bahia, você já trabalhou em um programa de celebridades.

Wagner Moura: Trabalhei.

Mônica Bergamo: E você se achava um invasor de privacidade?

Wagner Moura: Eu jamais invadi a privacidade de alguém, eu trabalhava no Carnaval da Bahia, com artistas, entrevistava os atores da Globo que iam fazer teatro lá, perguntava o que eles estavam achando da Bahia. Era uma espécie de Amaury Jr. [jornalista, criador do colunismo social eletrônico no Brasil. Está há 25 anos no ar, entrevistando celebridades em festas e eventos sociais].

Lillian Witte Fibe: Eu preciso fazer um intervalo. A gente volta em instantes com o Roda Viva, que hoje está entrevistando um ator que dispensa apresentações: Wagner Moura. Até já.

[intervalo]

[VT com trechos da peça Hamlet]

Wagner Moura: Eu nunca tinha visto [a cena]. Ela tem uma coisa bonita, a estética, a forma que os atores vão puxando... [refere-se ao VT da peça]

Lillian Witte Fibe: Então, gente, esse é só um aperitivo de Hamlet que o nosso entrevistado produziu e está  fazendo com que o teatro lote - um teatro de quinhentos lugares em São Paulo - já há mais de três meses. É dele, claro, o papel principal do vingativo príncipe Hamlet, de Shakespeare. Wagner, é verdade que você já tem um agente americano - que você fala muito bem inglês - e ele estaria vindo ou já veio ver a peça? Rolou algum trabalho ou convite?

Wagner Moura: Não, isso foi assim: quando eu fui para Berlim com Tropa de elite, houve interesse de alguns agentes em conversar comigo. Eu conversei especificamente com esse cara por telefone, e a gente teve uma conversa ótima, bem informal,  ele ficou de ver a peça. Até hoje ele não veio, a gente só conversou essa vez, então não penso nele como meu agente. O que aconteceu foi isso.

Lillian Witte Fibe: Nós estamos no último bloco e parece que a Mônica tem uma pergunta sobre os teus dois novos filmes.

Mônica Bergamo: Eu ia perguntar sobre seus novos trabalhos. Mas você trabalhou com alguns grandes diretores como Cacá Diegues, Walter Salles, Zé Padilha, Hector Babenco, Guel Arraes. Eu queria saber com qual deles você teve mais afinidade, qual você acha que é o grande diretor. Eu sei que você vai falar que todos são maravilhosos!

Wagner Moura: O Cacá foi muito importante na minha vida, Deus é brasileiro foi o primeiro filme que eu protagonizei. Ele me deu uma oportunidade... eu era um cara desconhecido, era o Selton que ia fazer esse filme e, por uma questão de agenda, não conseguiu. O Cacá Diegues apostou em mim, é um homem e um diretor que eu gosto muito, me ensinou muita coisa em cinema, é um pensador muito lúcido da cultura brasileira. As coisas que ele escreve, gosto muito de conversar com ele, é um grande amigo. Agora, eu trabalhei com o Waltinho Salles [Walter Salles, dirigiu Central do Brasil, entre outros], um sujeito, um príncipe incrível. O Zé Padilha é uma parceria que eu estou fechando forte, o Vicente Amorim é um diretor que eu adorei trabalhar. O Sérgio Machado também, que dirigiu Cidade baixa [2005]... É bem difícil!

Mônica Bergamo: Você vai para um novo filme, vai ser lançado?

Wagner Moura: Vai ter uma estréia agora no Festival do Rio e acredito que no final do ano, em novembro.

Lillian Witte Fibe: Qual é o filme, quais são os filmes?

Wagner Moura: Amanhã no Festival do Rio  tem a exibição de um filme em que eu fiz a narração. É um documentário sobre o assassinato da Irmã Dorothy [refere-se ao documentário Mataram Irmã Dorothy, de 2008. O vídeo retrata o atentado à freira e missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, que trabalhava há mais de vinte anos no estado do Pará defendendo causas ambientais e trabalhadores sem-terra]. Esse é um assunto que me inquieta muito: a violência agrária, principalmente no norte do Brasil, no Pará. Tem a morte de Chico Mendes, a morte da Irmã Dorothy... E esse filme vai ajudar na discussão sobre o assunto.

Lillian Witte Fibe: De quem é o documentário?

Wagner Moura: De um americano chamado Daniel [Junge].

Lillian Witte Fibe: E você narra?

Wagner Moura: É, ele lançou nos Estados Unidos e no Brasil e quis um narrador brasileiro. Como ele sabia que eu já tinha feito declarações a esse respeito... Eu tenho muito interesse nesse assunto, porque se a Justiça é terrível aqui nas grandes cidades, no norte do Brasil é ainda mais assustadora. Lá, geralmente, quem detém o poder são os grandes latifundiários, os prefeitos que comandam politicamente as grandes cidades. E tem toda a história de assassinatos... nenhum mandante de assassinato de trabalhador rural, nem de ativista de direitos humanos, está preso no Brasil. Zero. Há alguns pistoleiros presos, mas nenhum mandante foi preso. E esse caso da Dorothy é muito impactante porque o Bida, um dos mandantes do crime dela, chegou a ser preso e foi inocentado num júri popular, [o] que está, inclusive, no filme. É uma coisa assustadora quando você assiste. O documentário vai ser lançado amanhã no Festival do Rio e depois vai ser lançado no circuito comercial.

Lillian Witte Fibe: E o segundo filme?

Wagner Moura: No segundo filme eu trabalhei realmente como ator. É do Guel Arraes, é muito interessante. [Refere-se ao filme Romance, de 2008]

Mônica Bergamo: Você é o homem traído?

Wagner Moura: É uma espécie de triângulo amoroso entre os personagens da Letícia Sabatella, eu e o Vladimir Brichta, meu amigo da Bahia. É um filme muito interessante.

Mônica Bergamo: Tem cenas picantes de...

Wagner Moura: [risos] Não exatamente. Tem algumas coisas assim, de amor e tal. É isso, porque é um filme bem diferente dos filmes de Guel, eu sou um fã dos trabalhos de Guel... Quando você falou de TV, se tem uma coisa que eu acompanhava do começo ao fim era o que ele fazia na televisão, desde Armação Ilimitada [seriado voltado para o público jovem, exibido pela Rede Globo entre 1985 e 1988, sobre aventura e esportes, ambientado no Rio de Janeiro], até Comédia da vida privada [série de episódios trágicos e cômicos, baseados nas crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Foi exibida em 1995].

Laila Dawa: Wagner, a gente tem mais uma pergunta de telespectador.

Wagner Moura: Deixa eu só fechar o negócio do filme. É um filme diferente dos filmes dele, não é uma comédia, é um filme de amor, é uma história desse triângulo amoroso entre um ator de teatro - olha que interessante - um ator de teatro e uma atriz de teatro que vai fazer televisão e o que a saída dela para a televisão acarreta na relação deles.

Mônica Bergamo: Você, que tem tanto sucesso, não tem medo de como vai ser recebido esse filme e outros que você fizer, já que o público de cinema no Brasil está caindo? O público do cinema nacional está muito baixo, quer dizer, em 2003, 2004 os filmes brasileiros tinham 20% do mercado. Agora, somente 8%, é muito pouco. Por que você acha que está caindo tanto; os diretores não estão no gosto popular, não estão sabendo fazer filmes?

Wagner Moura: No ano passado teve Meu nome não é Johnny [2008, dirigido por Mauro Lima] este ano, ano passado, foi o Tropa de elite, e eles são responsáveis por um percentual grande desses 8%. Eu não sei, eu não entendo nada de mercado, mas eu acho que sempre houve essa oscilação mesmo e vejo isso como natural. Não acho que o cinema brasileiro esteja perdendo exatamente o público. Quando há alguma coisa de interessante, dá uns milhões como Tropa de elite, mesmo com a pirataria.

Laila Dawa: A Flávia Kalo, de São Paulo, gostaria de saber se você passou [por] algum tipo de preconceito em algum momento na profissão por ser nordestino. E é interessante observar que, conversando com você, a gente percebe um leve sotaque de nordestino que não se repete nos personagens, nem no teatro, nem na televisão. O Olavo era um carioca perfeito.

Mônica Bergamo: Eu acho que quando ele se exaltava, escapava.

Wagner Moura: Quando eu me exaltava, escapava [risos]. Mas, de fato, jamais eu poderia fazer o Olavo se ele tivesse sotaque de nordestino. E é isso mesmo, as produções são feitas no Rio e em São Paulo, a história não acontece no Nordeste.

Lillian Witte Fibe: E o preconceito?

Wagner Moura: O preconceito existe. Existiu, mas acho que hoje existe menos. Quando a gente chegou, eu tive medo de... Quando eu digo “a gente” digo eu, Lázaro [Ramos] e Vladimir [Brichta]. Pensei que poderíamos ficar restritos a um nicho de atores nordestinos, como já aconteceu com tantos outros colegas nossos. Mas eu acho que havia uma tolerância maior, uma abertura maior e, tenho que dizer, uma inteligência maior, já que há talentos de outros lugares do Brasil, pessoas que falam com sotaque diferente, mas que têm substância para fazer qualquer coisa.

Laila Dawa: Wagner, uma pergunta, talvez a mais difícil, digamos assim, picante. Teresa Sartori, de Porto Alegre, diz o seguinte: "É fantástica a imagem de bom filho, bom marido, bom pai que você transmite. Você é tudo isso mesmo?".

Wagner Moura: Sou. [risos]

Lillian Witte Fibe: Lendo a pesquisa sobre você, eu lembrei do [ator] Tony Ramos. É um Tony Ramos da nova geração!

Wagner Moura: O Tony é o máximo.

Lillian Witte Fibe: Um excelente ator.

Wagner Moura: Um excelente ator e uma pessoa incrível.

Mônica Bergamo: Uma pergunta, você se sente pressionado? Eu entrevistei todos que você falou, o Selton [Mello], a Camila [Pitanga], você. E eu percebo o bom mocismo na geração de vocês. O Lázaro [Ramos], então, não consegui arrancar nada dele, todo mundo é bom, todo mundo é muito lindo... Existe uma pressão para vocês terem essa imagem de bom mocismo?

[sobreposição de vozes]

Mônica Bergamo: É uma curiosidade que eu tenho. Quando eu fui entrevistá-lo, pensei: "será que existe uma pressão?". Você cuida de todas as respostas.

Wagner Moura: A minha pressão é parecer o máximo possível comigo mesmo sempre, não me distanciar de quem eu sou. Tudo que eu disse aqui são coisas em que eu acredito muito. Quando eu te respondo coisas de celebridade, me coloco contra um sistema que está armado. Inclusive, eu não sei se isso é exatamente um bom mocismo, eu não aceito ser parte de uma pesquisa que eu não concordo. Eu acho que isso é quase um "bad boysmo" [neologismo para significar o contrário de bom-mocismo] da minha parte, eu não "enfio a porrada" em ninguém, mas não me submeto a algo que não acredito.

Lillian Witte Fibe: Wagner, falando em família, um assunto que a gente acabou não abordando aqui é a tua admiração pelo teu pai. Queria que você contasse a história dele. Você fez um filme por causa dele e, para minha surpresa, lendo aqui sobre tua vida, o teu pai, uma pessoa simples como é, fez questão de se formar em direito e ficou preocupado com a educação [dos filhos]. Você tem uma irmã médica?

Wagner Moura: Tenho uma irmã médica.

Lillian Witte Fibe: Os dois são formados em curso superior. Conta isso?

Wagner Moura: Meu pai era um desses sertanejos que vêm em pau-de-arara, aquele caminhão que tem as tábuas [para transporte de passageiros], do sertão até o Rio, fazer essas coisas que os nordestinos fazem: garçom, porteiro e tal. A história dele foi essa, fez essas coisas todas, entrou para as forças armadas, virou sargento da Aeronáutica. Casou-se com minha mãe, que também é sertaneja, de Rodelas. Eu e minha irmã nascemos e ele estudava direito, sempre foi um homem inteligente.

Lillian Witte Fibe: Ele estudou antes de se casar?

Wagner Moura: Ele estudou. Quando eu estava nascendo, ele estava se formando em direito. Nunca exerceu a profissão, guardou esse canudo para ele, mas sempre fez questão que a gente estudasse. E eu sei o quanto foi difícil, você imagina um sargento da Aeronáutica bancar uma escola particular para duas crianças estudarem.

Lillian Witte Fibe: Vocês estudaram em escola particular?

Wagner Moura: A metade da minha vida eu estudei em escola pública. E quando a gente chegou na oitava série, ele falou: “Agora tem que estudar em escola particular”. E a gente foi estudar. Ele e minha mãe se sacrificaram muito para que a gente estudasse.

Lillian Witte Fibe: Sua irmã é médica de que especialidade?

Wagner Moura: Minha irmã é uma louca, porque ela trabalha na UTI pediátrica.

Lillian Witte Fibe: Onde?

Wagner Moura: Em Salvador.

Lillian Witte Fibe: Hospital privado?

Wagner Moura: Ela dá plantões em vários hospitais diferentes em UTI pediátrica, é uma coisa muito louca. Às vezes, ela me liga do plantão e eu digo: "e aí, como estão as crianças?”. E ela diz: “As crianças nunca estão bem”. É terrível conviver com essa...

Laila Dawa: Agora, você não contou nenhum episódio de preconceito que tenha sofrido, que foi ruim na sua carreira. Eu falei preconceito, mas pode ser outra coisa.

Wagner Moura: Uma coisa que eu me lembro bem é que quando a gente foi fazer aquele cadastro na [TV] Globo, havia aquelas coisas assim: "O que aquele cara pode ser?". E a  gente foi categorizado em “tipos”, aquele cara que faz tipos diferentes.

Nina Lemos: Como foi para sua família - uma filha médica, seu pai advogado - o filho que tinha uma banda de rock e virou ator?

Wagner Moura: Eu não acredito que, na época, tenha sido o sonho da vida do meu pai. Fui criado para ser um garoto incrível, era bom aluno, tirava boas notas, mas não estava nos sonhos dele eu ser ator. Mas, por outro lado, ele é um homem muito sensível e nunca se opôs. Quando eu resolvi fazer jornalismo, já vi que para ele não era... [risos]. Ele queria que eu fosse um médico, um advogado. No interior tem muito essa mentalidade de que a carreira é a de engenheiro, dentista e tal. Aí eu não fui um bom moço.

[risos]

Lillian Witte Fibe: Mas, interessante... tua irmã, com essa vocação para biológicas e você, para ciências humanas.

Wagner Moura: Eu sempre tive uma coisa com as [ciências] humanas muito mais forte do que ela.

Lillian Witte Fibe: E a tua mãe, chegou a trabalhar?

Wagner Moura: Não, sempre foi dona de casa, o que foi fundamental. Era ela que "segurava as pontas" em casa com a gente.

Lillian Witte Fibe: E hoje, eles explodem de orgulho com o filho famoso?

Wagner Moura: Eles têm muito orgulho de mim e da minha irmã também. Mas eles não têm muito deslumbramento com isso, inclusive, me botam muito o pé no chão com o fato de aparecer na TV. Meu pai sempre me disse: “Cara, é isso que você quer e vai fazer? Você é um trabalhador igual a qualquer outro”. É por isso que eu penso muito na questão da nossa dignidade enquanto profissionais do teatro, da arte, sabe? Porque nós somos, na verdade, trabalhadores. Então eu rejeito essa coisa da celebridade, acho isso uma bobagem, uma palhaçada, nós somos trabalhadores, uma categoria profissional que, por acaso, aparece na televisão. Com certeza, mexemos com o imaginário das pessoas, não dá para negar isso. Mas essa mentira que há nesse mundo das revistas eu não quero alimentar.

Cristina Padiglione: Mas e quando você é abordado na rua por um pedido de autógrafo?

Wagner Moura: Eu dou, claro. Uma pessoa que gosta de você, que vem com afeto, que gosta do seu trabalho, trato com o maior carinho. Embora haja abordagens que são também...você tem que saber, senão fica um bobo, o cara te pega pelo braço, te puxa para falar no telefone com a prima dele...[risos]

Lillian Witte Fibe: E as fotografias no celular? Muita gente está reclamando.

Wagner Moura: Uma loucura! Alguns me disseram que as revistas de celebridades botam assim: “Tire uma foto de um famoso e  nos mande, que a gente publica”. O que é isso? [mostrando indignação]

Lillian Witte Fibe: Sites de notícias fazem isso.

Wagner Moura: Em qualquer canto.

Laila Dawa: Você fez jornalismo, mas houve uma transição e você escolheu a carreira de ator. Vou fazer uma pergunta do Fernando, de São José do Rio Preto, aqui de São Paulo: em algum momento você pensou em desistir?

Wagner Moura: Pensei, porque não sabia ao certo. Eu gostava muito de ser ator e eu comecei a trabalhar com o teatro antes de fazer minha opção na universidade. Na área acadêmica, fiz jornalismo, porque não tinha certeza se era aquilo que ia fazer mesmo. E em uma época tinha certeza que eu não ia mais ser ator, que eu ia trabalhar como jornalista mesmo... Aí, José Possi Neto  [diretor de teatro, com várias peças bem sucedidas na área de dança e música, com atores brasileiros consagrados. Foi diretor da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia] me resgatou e me chamou para fazer uma peça com ele em Salvador, chamada A casa de Eros [1996], comemorando os quarenta anos da Escola de Teatro da UFBA.

Laila Dawa: Pensa ainda em fazer alguma coisa como jornalista?

Wagner Moura: Eu gosto de escrever, mas não é bem como jornalista, é como cidadão, quando tem alguma coisa que eu queira falar, como essa questão agrária do Pará, sobre Tropa de elite, sobre o fascismo, rio São Francisco... Eu dei uma entrevista para sua coluna [coluna de Mônica Bergamo no jornal Folha de S.Paulo] a esse respeito, quando achei que havia uma certa intolerância do governo com a greve de fome do Frei Cappio [Em 2007, Frei Luiz Flávio Cappio iniciou uma greve de fome para tentar impedir a implantação do projeto de transposição do rio São Francisco. A greve durou 24 dias].

Mônica Bergamo: Uma coisa que você disse na entrevista: "Eu votei no Lula, mas nem sempre o governo está como a gente quer, pelo menos, por enquanto". No que o governo está...[sendo interrompida]

Wagner Moura: O governo está com tudo e não dá prosa. Os números todos lá em cima. Sinceramente, eu sou um entusiasta do governo Lula, acho que nós temos o melhor governo dos últimos anos da democracia brasileira, dos pouquíssimos anos da democracia brasileira. Os números comprovam isso. Eu acho, desculpa, só para finalizar... qual o grande desafio do nosso país? Na minha opinião, é diminuir essa diferença abissal que existe entre quem tem muita grana e quem tem pouca. E nenhum governo fez isso melhor do que o governo Lula.

Lillian Witte Fibe: Wagner Moura, muito obrigada por sua presença aqui. É redundante e um pleonasmo a gente te desejar sucesso, mas muito obrigada mesmo! Obrigada a vocês que nos ajudaram aqui na entrevista, aos twitteiros. Na semana que vem, tem mais um Roda Viva. Até lá.

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