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[Programa ao vivo]
Paulo Markun: Boa noite. São Paulo está com nova direção. Depois da renúncia de Geraldo Alckmin [do PSDB, governou São Paulo entre 2001 e 2006, quando concorreu à presidência da República em 2006. Perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reeleito para um segundo mandato] para concorrer à Presidência da República e de José Serra [PSDB. Iniciou sua carreira pública na Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo (1983-1986) durante a gestão de Franco Montoro. Foi senador, governador e prefeito de São Paulo] para concorrer ao governo de São Paulo nas eleições deste ano, o PFL [Partido da Frente Liberal] assume o governo no maior estado e na maior cidade do país. E o nosso convidado de hoje é o fundador e presidente do PFL paulista, professor Cláudio Lembo, o novo governador do estado de São Paulo. O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, tem uma longa carreira política e acadêmica também. Desde os anos 1970, vem dividindo o seu tempo como professor de direito, escritor e com a vida partidária.
[Vídeo com narração de Paulo Markun]: Jurista de formação, Cláudio Lembo entrou na política por acaso. Bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de São Paulo e doutorado em direito pela Universidade Mackenzie, Lembo trabalhava como advogado no Banco Itaú quando Olavo Setúbal [(1923 - 2008) industrial, banqueiro, foi prefeito da cidade de São Paulo entre 1975 e 1979] assumiu a prefeitura de São Paulo em 1975 e o levou para a Secretaria dos Negócios Extraordinários. Foi o começo de uma carreira política que iria muito além do que ele mesmo imaginava. Apontado como revelação em um cenário político encolhido pelo bi-partidarismo da época, Cláudio Lembo, ainda em 1975, foi indicado presidente regional da Arena [criado durante a ditadura militar (1964-1985) pelo Ato Institucional número um (AI-1) no dia 4 de abril de 1966], partido que dava sustentação ao governo militar. Nos anos seguintes, ocupou cargos de secretário nas administrações municipais de Jânio Quadros e Paulo Maluf [prefeito (entre 1969-1971) e governador (entre 1979-1982) de São Paulo.]. E, em 1978, tentou eleger-se para o Senado, sem conseguir. Com o fim do bi-partidarismo foi para o PP [Partido Popular] de Tancredo Neves [(1910-1985) membro, sucessivamente, do PP (Partido Progressista), PSD (Partido Social Democrático), entre outros. Foi um dos líderes do MDB (Movimendo Democrático Brasileiro). Eleito presidente nas últimas eleições indiretas no Brasil, em 1984, faleceu dias antes da posse], Magalhães Pinto [(1909- 1996) Participou da fundação do partido União Democrática Nacional (UDN) nos anos 1940. Foi ministro das Relações Exteriores no governo Costa e Silva (1967-1969)] e Olavo Setúbal. E, em 1985, chamado pelo amigo e senador Marco Maciel, ajudou a fundar o PFL, partido ao qual se ligou e tentou, também sem conseguir, uma eleição para vice na chapa presidencial de Aureliano Chaves, em 1989. A primeira vitória nas urnas veio em 2002, como vice do Geraldo Alckmin. Lembo agora o substitui na chefia do governo de São Paulo. Já são mais de trinta anos na política e um pouco mais que isso na vida acadêmica. Durante anos deu aulas de direito constitucional e direito processual civil na Universidade Mackenzie, onde também foi reitor entre 1997 e 2002. É autor de centenas de artigos em jornais e revistas, e já publicou 13 livros [sobre] cultura, assuntos jurídicos, liberdade, participação política e o tema que mais gosta, liberalismo. Tirando assunto sério, o que ele gosta mesmo é de futebol e tem até uma TV para isso, disputando espaço com o seu mundo literário. Hoje, aos 72 anos, metódico e de hábitos simples, o paulistano do Brás, filho único de uma família de imigrantes italianos, também coleciona na biblioteca de casa charges e caricaturas, desenhos que registraram momentos políticos e os traços marcantes da fisionomia de Lembo, que também não escapou ao cartum de Paulo Caruso.
Paulo Markun: E o cartunista Paulo Caruso está aqui no estúdio com pincéis e tintas atento aos flagrantes do programa. Para entrevistar o governador de São Paulo, Cláudio Lembo, nós convidamos: Alexandre Machado, editor de política da TV Cultura; José Márcio Mendonça, comentarista de política da rádio Eldorado; Denise Rothenburg, colunista de política do jornal Correio Brasiliense, José Nêumanne, editorialista do Jornal da Tarde; Ricardo Gandour, diretor executivo do Diário de São Paulo e Carlos Marchi, repórter e analista de política do jornal o Estado de S. Paulo. O Roda Viva é transmitido em rede nacional para todo o Brasil [...] Boa noite Cláudio Lembo.
Cláudio Lembo: Boa noite. É uma alegria estar com você, estar com os amigos. E estou à sua disposição para tentar, eventualmente, dar alguns esclarecimentos a São Paulo, em função dessa minha chegada ao governo de São Paulo.
Paulo Markun: Então, governador, o senhor já deu entrevistas dizendo que não dá para imprimir marca pessoal ao governo em nove meses. Quer dizer, eu queria saber o que mudar, se é que alguma coisa muda no governo de São Paulo, com o senhor como governador?
Cláudio Lembo: Eu acho que aí têm que ser muito preciso, nove meses é um pequeno período. Há um processo administrativo implantado de muito boa qualidade [pelo] governador Geraldo Alckmin. Eu devo apenas prosseguir esse processo administrativo e dar, é claro, a minha marca pessoal nas formas de comunicação com a sociedade. Porém, administração pública continua sem nenhuma solução de continuidade.
José Márcio Mendonça: Segundo consta, nove bilhões de reais para investir. Já estão certos esses investimentos? Já estão distribuídos ou o senhor que vai distribuir isso aí?
Cláudio Lembo: Não, não. São projetos que já estão... Um projeto hoje é muito demorado, é extremamente difícil você maturar um projeto, particularmente [quando] é um problema ambiental. Hoje, a grande questão da administração pública é meio ambiente, o que é bom, já que estamos privilegiando a preservação da natureza. Então, veja, nós temos o Rodoanel [auto-estrada no entorno da capital, iniciada em 1998], demorou certamente quatro a cinco anos de grande debate para que se chegasse a esse momento, quando [há] quatro licenças de implantação presentes. Ainda assim, há uma ação civil pública em curso, junto à Justiça Estadual de São Paulo, quando já tivemos várias ações junto à Justiça Federal. Portanto, você veja que não tem tempo para fazer coisas rápidas. Vamos implantar, se “Deus quiser” e a Justiça permitir, agora em abril, o Rodoanel. É uma obra que vem desde Mário Covas, passou por Geraldo Alckmin...
Paulo Markun: Só para eu entender governador, implantar o que quer dizer? Está pronto?
Cláudio Lembo: Não, filho, começar a primeira estaca. E, agora, [para] terminar, nós vamos ter no mínimo quatro anos. É uma obra muito pesada, de grande investimento.
Ricardo Gandour: Seria estaca do trecho sul?
Cláudio Lembo: Isso, trecho sul.
Ricardo Gandour: Agora, governador, o senhor tem uma trajetória notoriamente marcada pelo relacionamento com o direito, com a busca – [usando] suas palavras – da ponderação do equilíbrio. Eu queria saber o seguinte: como o senhor se sente assumindo uma máquina que tem, naturalmente, o poder de influenciar o cenário eleitoral que se aproxima. Como o senhor se sente comandando essa máquina?
Cláudio Lembo: Eu acho que você colocou uma boa pergunta, porque nós temos que diferenciar muito bem o que é máquina administrativa e o que é jogo político partidário. O grande problema do Brasil, e isso vem a ser muito bem no governo federal, é a integração da máquina administrativa, que é perene e que permite que a democracia prossiga com o jogo eleitoral, com mais que isso, com um partido político. Aí você tem a desintegração da máquina e do próprio partido. Portanto, eu vou fazer com que haja uma parede, um muro de divisão muito claro entre partido político e máquina administrativa.
Alexandre Machado: Governador, um dos pontos delicados da administração Geraldo Alckmin é a questão da Febem [Instituição para jovens infratores. Tornou-se mais tarde a Fundação Casa] e é uma questão que vem... O governador vem tentando criar formas... A criação de pequenas unidades e tratando a questão de uma maneira diferente [daquela] que se tratava anteriormente. O senhor tem uma reflexão específica sobre essa questão? Qual é a sua preocupação?
Cláudio Lembo: Total. Não é só uma reflexão minha particular, mas também é produto de um processo muito longo, que começou há 12 anos, a Febem é um problema social dos mais graves.
Alexandre Machado: Isso.
Cláudio Lembo: Porque todos nós fracassamos, não a sociedade, os pais, a sociedade como um todo. E aí o jovem, o adolescente, era entregue ao Estado e o Estado tem que reformulá-lo e é extremamente difícil. O primeiro projeto, o projeto tradicional clássico, era grandes acampamentos de jovens, o que é um erro. Porque é uma promiscuidade muito grande e aí cria situações muito graves. Há dois ou três anos começamos a imaginar na Secretaria de Justiça do Estado, da Justiça e da Cidadania, pequenas unidades de quarenta menores. Essas unidades de quarenta menores terão, em cada uma delas, setenta servidores, quarenta públicos, ou melhor, trinta públicos e quarenta da própria comunidade contratados por ONGs etc. Ou seja, quarenta menores monitorados por setenta pessoas qualificadas. Ora, isso é um custo muito alto e sempre eu tive uma preocupação com esse custo. No entanto, a partir do ano passado, passou-se a pensar firmemente nessas pequenas unidades. E ali, há pouco tempo antes do início do programa, me disseram “Você tem uma cola?” “tenho uma cola sim” [abre um documento]. Porque aí se vocês me perguntarem como está o projeto – e eu tinha certeza que essa pergunta viria – nós temos duas unidades prontas e entregues e vamos ter 18 entregues até junho, agora. Portanto, bem rápido, eu tenho aqui em todas as cidades, oito licitadas, seis em licitação e vinte em negociação com as prefeituras locais. Isso faz crer que até o fim desse ano, nós vamos ter terminado uma etapa nova nesse processo de revisão do que é a Febem. Pequenas unidades, quarenta menores, setenta monitores para esses menores.
[sobreposição de vozes]
Cláudio Lembo: Fala.
Denise Rothenburg: Não, o senhor pode concluir o seu raciocínio, depois eu pergunto.
Paulo Markun: Eu só queria acrescentar o seguinte: isso significa que até o final do ano, as grandes unidades terão desaparecido?
Cláudio Lembo: Eu creio que a grande unidade, que é aqui em Belém/Tatuapé, até junho nós terminamos. Eu tenho convicção, nós temos lá uma presidente, Berenice [Gianella], que é uma procuradora do Estado, uma mulher notável, de uma fibra incrível. Vocês vejam que ela está segurando com muito respeito, não só da sociedade, mas também dos próprios adolescentes. E ela me prometeu até junho – nesse paper que ela me mandou ainda hoje – até junho, ela me prometeu aprontar. E eu acho que esse projeto, que foi do Geraldo Alckmin, eu consigo implantar e vai ser extremamente importante para todos nós. Porque nós vamos ter, então, a consciência de que estamos fazendo o máximo, que o estado está fazendo o máximo para reverter à situação desses menores.
Denise Rothenburg: [interrompendo] Vai ser uma resposta eleitoral também, não é?
Cláudio Lembo: Não é não, você me ...
Denise Rothenburg: [interrompendo] Porque essa questão de segurança é uma grande crítica que se faz ao governador Alckmin. Ao ex-governador Alckmin, que agora é candidato a presidente da República.
Cláudio Lembo: Não, filha, espera. Precisamos fazer uma divisão entre segurança pública, e nós podemos tratar à parte, e Febem, que eu acho uma questão gravíssima. Tão grave como a outra, mas, mais grave, porque você tem o jovem que está se formando e que está na má vida. E que nós temos que recuperá-lo para a vida em comunidade. Não é eleitoral não, é absolutamente...
Denise Rothenburg: Mas se criticava muito essas rebeliões, não é?
Cláudio Lembo: Aconteciam rebeliões porque as unidades eram muito grandes, as unidades tinham mil jovens, mil e poucos jovens, é muito. Você imagina jovens vindos de várias atividades da vida amoral, amarga, e de repente, reunidos todos eles, passava a ser uma universidade do crime. Agora não, agora ele está só. O custo é altíssimo para a sociedade...
Denise Rothenburg: [interrompendo] Agora, como o senhor vai fazer?
Cláudio Lembo: [interrompendo] Mas é preciso que a gente tenha consciência desse ônus. Fala.
Denise Rothenburg: O senhor falou que pretende fazer um muro, entre a política e a administração...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Isso.
Denise Rothenburg: Como o senhor vai fazer isso, uma vez que a imprensa e a oposição ao governador Alckmin já estão cobrando CPIs [Comissão Parlamentar de Inquérito] que não foram instaladas. Os jornais, hoje mesmo, estão levantando várias denúncias administrativas...
Cláudio Lembo: Filha, a pergunta que eu respondi do meu amigo [Ricardo] Gandour...
Denise Rothenburg: O senhor já está preparado para responder esse pedido de CPIs?...
Cláudio Lembo: Claro que sim, além do que...
Denise Rothenburg: Não se incomoda que elas sejam instaladas?
Cláudio Lembo: Não, eu não me incomodo, porque eu acredito na autonomia dos poderes e também na harmonia dos poderes. Então, mas veja, eu respondi ao Gandour que nós temos que fazer uma divisão clara, nítida, um muro, entre aquilo que é política partidária - o meu partido é o PFL, pronto, para ficar bem claro - e a administração pública, são coisas absolutamente separadas, diferentes. E nós não podemos fazer com que haja promiscuidade toda vez que a... Você está vendo o que está acontecendo em Brasília? Tudo se enfraquece, tudo se fragiliza, tudo apodrece. E eu não quero isso em São Paulo e não farei isso em São Paulo. Agora, voltando à Febem, nós vamos resolver, eu estou convicto. Acho que se fizeram grandes erros, o grande agrupamento do Jabaquara, onde havia dois mil menores, agora Tatuapé, mil e poucos menores. Com os quarenta o custo é alto, o contribuinte vai ter que ter esse ônus, mas vamos fazer alguma coisa que efetivamente é humano e social.
Carlos Marchi: Governador, falando de Febem, repetem-se as rebeliões nos presídios de São Paulo.
Cláudio Lembo: [interrompendo] Muito bem.
Carlos Marchi: Há quem sugira que é muita coincidência em um ano eleitoral, as rebeliões se multiplicarem da forma como estão se multiplicando esse ano. Elas são, se eu não me engano, não lembro exatamente o número...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Umas sete ou oito.
Carlos Marchi: Mas até o momento, nós temos um total de rebeliões que aconteceram no ano passado, justamente no momento em que começa a campanha eleitoral. Essa coincidência é só uma coincidência ou é mais que uma coincidência?
Cláudio Lembo: Não, eu tenho que ser absolutamente crente, que um partido político, qualquer que seja ele, nunca utilizará os prisioneiros, as prisões, para trabalho eleitoral. Seria um absurdo, seria tão ignóbil, que eu não posso acreditar.
Carlos Marchi: [interrompendo] Mas a gente tem visto tantos absurdos no Brasil ultimamente, não é governador?
Cláudio Lembo: É verdade, mas eu não posso admitir que isso possa acontecer em São Paulo, nesse momento. Eu acredito ainda, que os partidos políticos tenham um cerne bom. Acredito nos partidos, acredito nas pessoas. Porém, não acredito nas facções criminosas. Essas sim estão trabalhando em função de julgamento de determinado preso, e isso foi o que aconteceu na semana passada; um preso ia ser julgado, e aí começou a rebelião em cadeias e em vários presídios. As facções criminosas são ativas, são muito perigosas e nós vamos combatê-las com muita firmeza e estamos combatendo com muita firmeza.
José Nêumanne: Governador, um dos casos mais absurdos, e que é um caso em que o absurdo é dividido entre o governo do estado de São Paulo e o PT, é o caso... Aliás, são dois casos: o assassinato de Antônio Costa Santos, que era prefeito de Campinas, em 10 de setembro de 2001; e a execução de Celso Daniel no dia 18 de janeiro de 2002. Hoje, nós estamos em 2006 e a polícia, que responde ao senhor, não foi capaz de entregar um relatório competente que pudesse ser crível a respeito dos dois casos, dados como violência banal; e que qualquer pessoa minimamente sensata sabe que não são violência banal. O absurdo chegou a tal ponto que na terça-feira de carnaval, Bruno Daniel, professor universitário e militante petista e a sua mulher Marilena Nacano, cunhada de Celso Daniel e cunhada de Betinho, foram obrigados a fugir do país com os três filhos para escapar da possibilidade de serem mortos pelos assassinos dos mandantes [desses crimes], que continuam soltos. Eu quero saber quando as polícias, sobre o seu comando, vão dar uma resposta a um absurdo como esse?
Cláudio Lembo: Eu acho que aí nós temos que fazer uma dupla divisão do que você me perguntou. Primeiro, as polícias: a Civil e a Militar, particularmente a Civil, que é o caso específico, trabalhou com grande capacidade. Entregou ao Ministério Público todos os elementos necessários. E [há] um processo penal em curso. Nós temos que aguardar, agora sim, a Justiça e não nossa polícia, primeiro ponto. Segundo ponto, o que aconteceu nesse episódio? Você, em política, nunca pode se integrar com máfias ou com grupos mafiosos, e aí surgem coisas muito difíceis. O político tem que ser extremamente cuidadoso com suas amizades, com suas inter-relações com a sociedade. No momento em que há uma promiscuidade entre o político e a má vida, dá nas coisas que aconteceram nos dois municípios, particularmente no primeiro.
José Nêumanne: Mas a polícia de São Paulo entregou um relatório, que é considerado um primor de ficção, descrevendo-o como um crime banal, quando na verdade o Ministério Público já...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Mas escuta, o Ministério Público tem que analisar se é banal ou não é banal...
José Nêumanne: O Ministério Público já chegou à [essa] conclusão...
Cláudio Lembo: [interrompendo] A polícia não disse o que era banal. Ela recolheu os elementos e entregou ao Ministério Público, a quem cabe a denúncia e depois o julgamento é o judiciário...
José Nêumanne: Nem tanto é verdade que o próprio governador mandou abrir o caso. Entregou [o caso] à delegada Elisabete Satto para [fazer] a reinvestigação, porque a primeira investigação foi incompetente.
Cláudio Lembo: Por solicitação de todos os autos do MP [Ministério Público] para novas diligências. As novas diligências foram feitas. Portanto, a Polícia Civil de São Paulo está agindo com toda... Dentro dos parâmetros legais, dentro do devido processo legal.
José Nêumanne: Digamos que com pouca pressa, porque nós estamos... Já estamos entrando para o quarto ano...
Cláudio Lembo: Meu filho, processo não se faz depressa. Quando você faz rapidamente um processo... Você tem o caso do caseiro e de outros casos iguais. Quando você faz cuidadosamente, você leva o devido processo legal, que é formal e é difícil, precisa tempo.
[sobreposição de vozes]
José Nêumanne: Agora, o senhor como professor de direito, homem do direito... E uma coisa que me impressiona, é que eu não vejo ninguém se indignar com um casal de brasileiros que trabalham e são obrigados a deixar a sua casa e o seu trabalho para ir ao exterior fugido de possíveis assassinos. E eu não vejo nenhuma...
Cláudio Lembo: Mas o que pode fazer o governo de São Paulo nessa hipótese? Se pedirem apoio da polícia para a preservação, é dado. No caso, o casal achou melhor sair do Brasil. O poder, nem o federal e nem o estadual, não pode fazer absolutamente nada.
José Márcio Mendonça: Professor Lembo, agora uma curiosidade. Se o senhor não quiser responder, não precisa. Por que dizem que o senhor... Todo mundo chama o senhor de vice dos sonhos?
Cláudio Lembo: Quando dizem isso?
José Márcio Mendonça: É. Por que dizem que o senhor é o vice dos sonhos?
Cláudio Lembo: Não sei, é possível que encontraram um vice que é equilibrado, tenha bom senso e já na velhice não tenha grandes sonhos políticos, tem apenas o sonho de bem servir. Talvez seja isso.
José Márcio Mendonça: Se espelha no Marco Maciel [Foi deputado, governador, senador vice-presidente no governo FHC. Ligado desde o início Arena, partido de sustentação do regime militar, foi um dos fundadores do PFL] ou não, governador?
Cláudio Lembo: Muito, muito.
José Márcio Mendonça: Marco Maciel é o vice dos sonhos,
Cláudio Lembo: Marco Maciel, como você sabe disso... Marco Maciel é um dos grandes amigos que eu tenho, eu tenho um grande respeito pelo Marco, ainda porque ele é nordestino como você, os nordestinos tem uma têmpera forte, e eu admiro essa têmpera.
Paulo Markun: Governador, Julian Cardoso, da Bahia, pergunta o seguinte: o senhor se considera carismático? Esse é o auge da sua carreira política?
Cláudio Lembo: Não. Auge sim, porque eu estou chegando ao fim da minha vida biológica. Eu até costumo brincar que moro bem perto de um cemitério aqui em São Paulo, para eu poder ir a pé ao cemitério; mas é o auge no sentido de que já tive um ponto altíssimo, que é governador de São Paulo, e isso me deixa muito feliz...
Paulo Markun: O senhor, alguma vez, imaginou que viesse a ser governador?
Cláudio Lembo: Quem está no jogo político sempre imagina alguma coisa. Não sabe bem o que será, porque a vida política é muito diversa, é muito complexa. Mas você me conhece desde os tempos de prefeitura de São Paulo com o prefeito Olavo Setúbal. Portanto, eu sempre fui lutando, sempre vencendo, sempre com grandes angustias. Você diria que eu fui candidato a senador contra Franco Montoro [(1916-1999) empresário. Foi governador do estado de São Paulo entre 1983 e 1987 e presidente de honra do PSDB], contra o Fernando Henrique Cardoso [presidente do Brasil por dois mandatos consecutivos, de 1995 a 2002. É um dos fundadores e, desde 2001, presidente de honra do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira)], em um momento em que havia um conflito muito nítido na sociedade entre Arena e MDB. Ou seja, o reino militar e...
Paulo Markun: [interrompendo] Oposição.
Cláudio Lembo: Aqueles que se diziam democratas... Os que se diziam democratas e outros estão hoje aí no pecado. Vocês sabem que a minha vida foi sempre liberal. Eu sempre [me] preservei no meio do regime militar, a idéia de liberdade. Mas uma das coisas que mais me comovem na vida é uma pequena dedicatória do velho Castelo Branco, jornalista, o Castelinho, assim: “Enfim um liberal no sistema” [(1920- 1993) jornalista, contista e romancista. Nos anos 1960, assumiu a Sucursal do Jornal do Brasil em Brasília, cargo que exerceu até 1972. Sua coluna, a Coluna do Castelo, possui grande importância para a história política do país]. E realmente eu fui liberal, preservei a liberdade. Você sabe que eu tive momentos difíceis, mas eu sempre fui vencendo. Fui expulso da Arena porque cumprimentei o Leonel Brizola. Tornei-me [seu] amigo. Portanto, eu nunca tive preconceitos, não. Eu acho que política se faz dialogando, e cheguei aqui por acaso, mas sempre presente.
Ricardo Gandour: O senhor é amigo do Lula também, não é governador?
Cláudio Lembo: Você me levou ao Lula, é bom que a sociedade saiba. Esse é um caso muito interessante.
Ricardo Gandour: Voltando ao caso da Febem, desculpa. Voltando ao caso da Febem. Sabe-se que acolher uma unidade da Febem, não é o sonho de alguns, ou de parte dos prefeitos.
Cláudio Lembo: Muito boa pergunta.
Ricardo Gandour: Como o senhor pretende lidar com essa agenda, esses noves meses aí, com essa questão?
Cláudio Lembo: Primeiro, o governador... Enquanto o governador Geraldo Alckmin me pediu que ajudasse essa senhora que eu citei logo no começo do programa, a Berenice, que é uma mulher notável. E eu fiz reuniões no Alto Tietê, Mogi das Cruzes e aqueles municípios no entorno, aqui na região sul e Itapecerica da Serra. [Me] reuni com todos os prefeitos da região, está aqui nessa lista, se quiser eu lhe passo já. E houve um notável apoio, apenas os municípios governados pelo PT não aceitaram as unidades de quarenta menores. Dizem que tem outra filosofia e outra situação, mas Osasco, Suzano e Guarulhos não aceitaram. Os demais municípios todos – estão aqui se você quiser ler para não perder tempo com o telespectador – todos eles aceitaram e estamos iniciando as obras, nós estamos terminando as obras. Portanto é muito interessante que alguém que pregava uma visão social ampla, seja contrário à recuperação dos menores. Então, é uma situação que eu gostaria de ter uma resposta nítida e clara, mas não tive.
[vídeo. Narração Paulo Markun] O PFL completou vinte anos em 2006. Durante esse período, o partido lutou para afastar a imagem de proximidade com a ditadura militar, já que seus principais líderes participaram do regime após o golpe de 1964. Em 1994, o partido ajudou a eleger o Fernando Henrique Cardoso com Marco Maciel como vice-presidente na chapa. Agora, o partido administra, pela primeira vez, o segundo e o terceiro maiores orçamentos do país, atrás apenas da União. Além de Cláudio Lembo, que assumiu o governo de São Paulo, Gilberto Kassab ocupa a prefeitura paulistana no lugar de José Serra, que disputa o governo do estado. E com a renúncia do Jarbas Vasconcelos do PMDB em Pernambuco, o pefelista Mendonça Filho tomou posse no governo do estado. Com essas mudanças, o PFL passa a governar quatro estados brasileiros, além de São Paulo e Pernambuco, João Alves Filho comanda o Sergipe e Paulo Souto a Bahia. No congresso, o PFL fica atrás do PMDB com a segunda maior bancada no Senado. Já na Câmara, o partido só perde em números de deputados para o PT e o PMDB.
Paulo Markun: Pergunta de Jarbas Hasbar aqui de São Paulo. O PFL vai lançar candidato próprio ao governo de São Paulo algum dia ou será sempre o número dois?
Cláudio Lembo: Não, quando for oportuno e as circunstâncias mostrarem favoráveis, teremos candidatos próprios. Porém, se for melhor para São Paulo ter um candidato de boa estrutura mental, de inteligência boa, como é o caso, por exemplo, do futuro candidato do PSDB, José Serra, nós ficamos em coligação com outros partidos. Eu não vejo nenhum mal nisso.
Paulo Markun: E o fato de estar no comando do governo do estado e da prefeitura, muda para o PFL?
Cláudio Lembo: Muda, principalmente [com relação] à presença nos meios de comunicação. Claro que nós vamos ter mais espaço nos meios de comunicação a partir da última sexta-feira, mas isso não quer dizer nada, a não ser que nós queramos demonstrar que o partido tem quadros positivos, qualificados e que são extremamente equilibrados.
Paulo Markun: Mas não é difícil perceber qual é a diferença entre PFL e PSDB no que toca, por exemplo, a política econômica?
Cláudio Lembo: Eu não creio. Eu acho que nós temos um ponto que é básico. Primeiro, a nossa consciência da necessidade de plena liberdade. Nós não temos nenhum traço que nos deixe de ausentar a defesa de liberdade, nós do PFL. Segundo, nós somos muito equilibrados também na política econômica. Sabemos que a privatização de muitas áreas estatais é positiva, porque toda vez que [há] uma grande presença [do Estado] nas empresas estatais, nós temos uma presença maior de corrupção. Toda vez que terminam as estatais, [há] uma maior dinâmica na economia. Portanto, eu diria que é um pouco diferente, principalmente o que diz respeito à liberdade.
Carlos Marchi: No ano passado, o ainda governador Alckmin foi surpreendido com uma manobra na Assembléia Legislativa e ele perdeu a indicação da presidência da Assembléia, justamente, para um deputado aliado do PFL, seu companheiro de partido...
Cláudio Lembo: [interrompendo] É certo, Rodrigo Garcia.
Carlos Marchi: O Rodrigo Garcia. Esse fato, primeiro, abalou a relação de confiança do governador Alckmin com o PFL? Ponto um. Ponto dois, por que aconteceu aquilo? Qual a explicação que o senhor dá para uma aliança que é tão confiável durante todo esse tempo?
Cláudio Lembo: Eu diria dois cenários. Primeiro cenário: abalou sim a confiança entre PSDB e PFL naquele instante. Foi algo inusitado, eu, presidente do partido do PFL, não tinha consciência de que aquilo estava acontecendo e, de repente, fui surpreendido, como foi o governador Geraldo Alckmin e por outras pessoas com a presença de Rodrigo Garcia no embate e vitória. Então, realmente foi muito difícil, eu me coloquei contrário à operação do meu companheiro Rodrigo Garcia. Porém, ele foi vitorioso. Então, é essa a primeira colocação: houve sim um momento, eu não diria [de] fissura, mas de sensibilidade entre o governador Geraldo Alckmin e a minha pessoa, inclusive. Muito desagradável você ter uma situação nova, e assim foi. Porém, hoje, com o passar do tempo, eu percebo o seguinte: o Rodrigo Garcia deu mais dinamismo à Assembléia Legislativa de São Paulo. Processos legislativos estavam parados há muito tempo, há vinte, dez anos, quando era realmente demorada, pequenos projetos de deputados, grandes projetos de deputados, eles não tinham o curso da Assembléia Legislativa, Rodrigo Garcia permitiu que tivesse curso. Outro ponto, o orçamento de São Paulo não era trabalhado pela sociedade, [tinha] uma visão tecnocrática, os tecnocratas faziam e tudo bem. Eu tenho certo temor dos tecnocratas. O Rodrigo Garcia fez com que houvesse audiências públicas por todo o estado de São Paulo, isso foi bom, mudou o parlamento paulista. Ele passou a ter mais dinamismo, mais dinâmica, e isso eu acho importante para o futuro...
José Márcio Mendonça: [interrompendo] Mais dinamismo, menos nas CPIs, não é?
Cláudio Lembo: Veja, essa é aquela malícia, eu sou jornalista, então eu posso dizer a malícia do jornalista. Ele é incapaz de ver o mundo como efetivamente acontece. A Assembléia Legislativa de São Paulo não é como a Câmara Federal, com um pequeno grupo de deputados você pode abrir uma CPI. Em São Paulo, a CPI tem que ser colocada na pauta e o plenário têm que aprovar. Então, a coisa é mais complexa... O Rodrigo Garcia, que ele fez a pergunta [mostrando entrevistador], inclusive, está pretendendo mudar o regimento para permitir CPIs. E eu não tenho que me intrometer nisso, mas diria com muita simpatia que [se] a Assembléia abrisse a possibilidade de CPIs, seria bom para a democracia.
[...]: O PFL vai indicar o vice do Serra ou não?
Cláudio Lembo: Possível, como é possível fazer uma grande coligação com outros partidos. E aí nós podemos ter a flexibilidade de analisar outras posições na grande chapa.
Denise Rothenburg: E tem algum nome que o senhor sugira?
[...]: Qual o vice dos seus sonhos?
Cláudio Lembo: O vice dos meus sonhos é Guilherme Afif Domingos [deputado federal constituinte pelo Partido Liberal (PL) entre 1987 e 1991. Candidato à Presidência da República nas eleições de 1989 pelo PL]. Eu sou um defensor do doutor Guilherme por um motivo muito simples, eu acho que o Guilherme é um liberal. [Ele] tem uma linda batalha hoje, uma forte batalha em favor da diminuição da carga tributária federal, que é 40% do PIB, 39,8%...
José Márcio Mendonça: [interrompendo] Mas o senhor está falando em vice para o [Serra]?
Cláudio Lembo: Ah não, você quer saber de Brasília?
Denise Rothenburg: Para Alckmin?
Cláudio Lembo: Você quer saber?
Denise Rothenburg: Eu quero!
[...] Todos nós queremos.
[sobreposição de vozes]
Cláudio Lembo: Eu sou José Jorge [Um dos fundadores do PFL. Já foi deputado federal por quatro mandatos e senador pelo estado de Pernambuco. Foi escolhido candidato a vice-presidente de Geraldo Alckmin pela coligação PSDB/PFL nas eleições presidenciáveis de 2006].
Denise Rothenburg: José Jorge, por quê?
Cláudio Lembo: Eu explico...
Denise Rothenburg: [interrompendo] Mas não é José Jorge versus Jorge Bornhausen [Governador pelo estado de Santa Catarina em 1979, indicado pela ditadura militar. Depois, foi eleito senador pelo Partido Democrático Social (PDS), que substituiu a Arena. Foi um dos fundadores do Partido da Frente Liberal (PFL)]?
Cláudio Lembo: Escuta, são três votos. Eu posso votar para você ficar satisfeita no Jorge Bornhausen, que é o presidente do partido e é uma homenagem que ele merece como homem que estruturou o PFL. E tem mais outros dois votos.
[...] José Agripino e Zé Jorge.
Cláudio Lembo: É, pode ser. Eu voto no Zé Jorge. Explico, ela perguntou...
Carlos Marchi: [interrompendo] Então, o José Jorge está indicado [para] governador de São Paulo apoiando o José Jorge, desequilibrou...
Cláudio Lembo: Não. O partido democrático ouve todos os estados, todas as lideranças nacionais do partido. Eu acho o Zé Jorge... Primeiro: você vê que a todo o momento esses meninos que dizem assim a todo o momento: “Esses partidos nasceram da ditadura militar”. Eles não dizem que o partido nasceu para acabar com a ditadura militar, você é tão jovem que não sabe o que esses maldosos pensam. Então, o partido surgiu para romper a ditadura militar. Quando nós nos colocamos contra certas situações impostas, poderíamos ter perdido tudo, até eventualmente a liberdade, tivemos coragem e fomos em frente. Agora, eu diria a você o seguinte: por que o José Jorge? Porque o Zé Jorge nasceu depois da Arena, é jovem. Então, nós precisamos de quadros novos na política. O Zé Jorge é um engenheiro pela Universidade Federal de Pernambuco, é altamente qualificado, é um estatístico que deu aula de estatística. Depois foi secretário de habitação, secretário da educação, depois ainda, foi deputado federal – você acompanhe – e senador, bom senador. Sempre na oposição do governo atual federal. Portanto...
Alexandre Machado: [interrompendo] Foi ministro das Minas e Energias.
Cláudio Lembo: Também, é verdade. E é um homem de raiz popular. Dizem que no Nordeste, particularmente em Pernambuco, existem “cavalcantis” e “cavalgados”, ele é um cavalgado [A referência é a uma frase popular em especial em Pernambuco. Devido à grande influência política da família Cavalcanti, diz-se que “ou se é Cavalcanti ou se é cavalgado”]. Ele é homem do povo, então, eu quero Zé Jorge por isso. Ponto.
Denise Rothenburg: Ele é pernambucano da terra do Lula.
[...]: Ele diz que nós somos maldosos...
[...]: Mas isso aí é uma criticazinha. Vê lá que o José Agripino [Prefeito de Natal, Rio Grande do Norte, em 1979 e governador do estado em 1982. Já foi senador por esse estado por três mandatos sob a legenda PFL] é de uma família aristocrática, entendeu...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Isso é Revolução Praieira.
José Nêumanne: Que é dos Cavalcantis, e Bornhausen também, que é Jorge Konder Bornhausen, que é dono de Santa Catarina.
Cláudio Lembo: [interrompendo] Isto é a Revolução Praieira. É aquela revolução que veio do povo, os Cavalcantis e os cavalgados.
[risos]
Denise Rothenburg: O senhor falou que o vice de José Serra, o senhor sugere Guilherme Afif Domingos...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Guilherme Afif Domingos.
Denise Rothenburg: Agora, essa aproximação com o PMDB... Do PSDB com o PMDB, não gera uma certa desconfiança no PFL?
Cláudio Lembo: Eu acho que não. Quando nós temos que nos integrar a todos, todos os bons brasileiros para terminar com um mau governo federal, eu não vejo nada de desconfiante, muito menos de sensibilidade, “eu quero isso, eu quero aquilo”. Nós queremos é um objetivo comum, afastar um mal governo.
Paulo Markun: Falar em mau governo, governador, há uma pergunta aqui: se o senhor acha ético – a pergunta é de Arthur Perez de São Paulo –, se o senhor acha ético o PFL sustentar um clima de “denuncismo” contra o governo Lula e o PT?
Cláudio Lembo: Eu não vejo clima de denuncismo nenhum. Eu nunca vi nada igual ao governo PT, é autofágico, todas as crises que surgiram desde o começo do governo Lula, nasceram no interior, no ventre do PT, e de lá para fora. É por um motivo muito simples, o PT quis ser hegemônico na máquina governamental. Quando ele pretendeu isso, ele destruiu a máquina governamental e se autodestruiu. Portanto nós, oposição, todos os partidos de oposição e o PFL, apenas recolhemos aquilo que sobra do governo do PT e apresentamos a sociedade por intermédio do parlamento. O parlamento tem que ter função precípua de fiscalizar...
Paulo Markun: [interrompendo] O senhor acha que o governo Lula, não teve nenhum...
José Nêumanne: [interrompendo] Dentro desse seu raciocínio, eu quero entrar nisso aí, que é o seguinte: valeu a pena perder a chance de ir para cima do PT e do governo Lula, só para salvar o mandato do Brant, lá de Minas Gerais?
Cláudio Lembo: De quem?
José Nêumanne: Só para salvar... Fazer esse acordo que vocês fizeram aí, PSDB, PT e PFL, salvando o mandato de todo mundo. Valeu à pena? Ao invés de investir duro contra o PT, só para salvar o mandato do deputado Roberto Brant? [Político da oposição envolvido no episódio do mensalão, acusado de ter se utilizado de caixa 2 em campanha. Foi absolvido em Plenário].
Cláudio Lembo: Ah, o deputado Brant lá de Minas?
José Nêumanne: É.
Cláudio Lembo: Eu acho aquele caso do Brant tão pouco importante... Não acho que houve acordão nenhum. Eu acho que é importante que o governo presente, federal, o governo Lula, seja afastado pelo povo e pelo voto. Isso que nós vamos esperar no dia primeiro de outubro.
[sobreposição de vozes]
Paulo Markun: O senhor não vê nenhuma coisa boa do governo Lula? O senhor acha que ele não fez nada de bom?
Cláudio Lembo: Difícil, eu confesso a você que eu não consigo perceber nada que seja efetivamente positivo no governo Lula. É uma coisa muito complexa, muito tumultuada, muita palavra e pouca ação. Isso me deixa muito preocupado.
José Márcio Mendonça: Isso que eu queria que o senhor definisse. O senhor fala em mal governo, mas mal governo é uma adjetivação, eu queria substantivamente. Por que o senhor chama de mau governo? Quais as razões?
Cláudio Lembo: Primeiro na área econômica, não teve capacidade de ter uma evolução, tomou a cartilha do FMI e conduziu de uma forma extremamente ortodoxa, nenhuma imaginação, nenhuma idéia especial, nada de novo. Segundo, no campo social, o assistencialismo puro sem perceber o risco de não criar efetivamente empregos. Porque o crescimento brasileiro é igual ao do Haiti, um dos piores da América Latina, dramaticamente mal. Na parte ética, que é sempre a função fundamental do governo ter uma visão pedagógica, oferecer ensinamento de como se comportar, é isso que nós temos visto. Portanto, não vejo nada de bom. Vejo apenas, cenário e nada de concreto, me lembra a rainha Catarina da Rússia, que quando ia para o interior da Rússia, primeiro ia ao [Balé] Bolshoi de Moscou para mostrar que alguns camponeses estavam felizes e, na verdade, eram os bailarinos do Bolshoi e o povo morrendo de fome. O mesmo é o Brasil, desemprego, classe média sendo extinta, destruída. Não vejo nada.
José Nêumanne: Mas por que então que o Lula continua favorito na corrida presidencial?
Cláudio Lembo: Porque ainda não apareceu o grande candidato, que é o Geraldo Alckmin, que daqui a pouco estará bem nas pesquisas. Ele estava sozinho no páreo, quando usar só um candidato com todos os meios de comunicação, uma propaganda federal violentíssima, é claro que estaria bem.
Carlos Marchi: Governador, eu queria falar um pouquinho de origem. Essa coisa que o senhor disse, o governo é ruim, o governo não funciona ou funciona mal. Isso é mais centrado na figura do Lula ou é mais centrado na estrutura do governo? É mais do partido ou mais da máquina que o PT montou? E por último, eu queria lhe perguntar: é importante ter conhecimento para governar?
Cláudio Lembo: Sim. Primeiro eu diria a você que há uma simbiose dramática entre um partido político que quis dominar a máquina do governo, é um grande equívoco. Esse partido político tinha uma origem extremamente complexa; de um lado, o sindicalismo, de outro lado, há guerrilheiros leninistas, marxistas e o terceiro grupo, que era um grupo religioso. Isto é impossível de se somar. Ainda porque as origens são muito diferentes e ao mesmo tempo são com visões diferentes do mundo. Portanto, o partido em si, já era complexo. Chega ao poder, quer é uma dominação total, uma velha visão gramsciniana [referência a Antônio Gramsci, intelectual marxista com forte influência em certas alas do PT] do passado, deu no que deu. Segundo ponto que você colocou, é sobre...
Carlos Marchi: [interrompendo] O conhecimento, é importante ter conhecimento para governar?
Cláudio Lembo: É óbvio... Eu acho que tem que ser notado, toda gente sabe que intuição hoje, é uma coisa muito importante política e também na ciência, mas só intuição não basta. Precisa ter uma educação racionalizada, é preciso ter escolarização, nem educação, mas uma escolarização mínima. Quando não se tem uma escolarização mínima, a gente corre um grande risco. Eu acho um perigo.
Alexandre Machado: Governador, o senhor está atribuindo ao governo do PT, os seus mal feitos, mas nós temos visto que o Congresso como um todo, não tem agido de uma forma a satisfazer a opinião pública. Aparentemente, a opinião pública faz um juízo muito ruim do Congresso. E o senhor é um homem do direito e da democracia, mesmo quando o senhor estava na Arena, o senhor reconhecidamente era um homem que trabalhava pela democracia. O senhor acredita que nós estamos indo mal na democracia e não estamos conseguindo desenvolver um país com a ética necessária ou isso que nós estamos vivendo é uma dor de parto ou é uma etapa do processo de aprimoramento democrático?
Cláudio Lembo: Eu acho que não é uma etapa do processo. Eu acho que nós temos que ter nítida clareza que nós estamos passando por um momento sempre muito difícil, mas sempre com a presença da democracia e particularmente da liberdade. A transparência, a liberdade, estão sempre presentes no jogo político brasileiro. Quis o PT um conselho para cercear todos nós. Felizmente os partidos de oposição foram ativos, os meios de comunicação foram ativos, e se afastou aquele projeto dramático, que logo no começo do governo imaginávamos cercear a liberdade de imprensa, as liberdades em geral. Então, eu acho que o momento político brasileiro é muito, muito positivo, por quê? Primeiro, porque você está preservando todas as instituições, você não vê... Eu sou muito velho, então, os velhos sabem coisas que... Os judeus costumam dizer que “quem não tem um velho em casa, precisa comprar um”, é um provérbio judeu. E eu devo dizer então que eu estou em casa e eu estou à disposição de vocês.
[risos]
Cláudio Lembo: A minha vida foi sempre ouvir falar em golpes militares, sempre foi em bravatas militares. No entanto, agora, as discussões permanentes estão tranqüilas, equilibradas, sendo objeto de censura quando necessário, ser objeto de elogio quando é positivo. Então, eu acho isso já uma coisa notável. É um avanço incrível. Eles que fizeram as grandes revoluções modernizadoras, dos tenentes de 1930, hoje se mostram democratas e estão nas suas cavernas trabalhando nas suas funções precípuas. Segundo ponto, todas as instituições, o judiciário, o legislativo e o executivo, funcionam com certa normalidade e fiscalizados. Então, eu acho que é o melhor momento para quem é muito velho, é o melhor momento da vida política brasileira desses últimos sessenta, setenta anos.
Paulo Markun: Com todo esse desencanto, governador?
Cláudio Lembo: E você acha que a democracia é regime para você ter encanto? A democracia não é Cinderela, que você fica encantado, que está chegando o seu carrinho bonito, a democracia é um regime de gente forte, ditadura é regime de gente fraca. Porque a ditadura exige força e impõe, a democracia não. Nós temos que ter força de consciência e de caráter para assistir, vencer, alterar pelo voto.
Paulo Markun: [Mas] o duro é convencer... A opinião pública não pensa assim, governador.
Cláudio Lembo: A opinião pública pensa assim sim, é que vocês, às vezes, vivem nas redações da zona sul [de São Paulo, região nobre da capital] e não sabem o que pensa a opinião pública. A opinião pública pensa que a democracia é melhor, que na democracia houve liberdade e na liberdade houve um avanço...
Paulo Markun: [interrompendo] Houve uma pesquisa, governador, o senhor me desculpe, uma pesquisa feita na América Latina como um todo, quase...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Não no Brasil. O Brasil não é...
Paulo Markun: [interrompendo] Não, o Brasil também.
Cláudio Lembo: Não, o Brasil está melhor na democracia do que em outros países da América Latina.
Paulo Markun: Mas o índice é assustador, há pessoas que acham que não tem que ter democracia.
Cláudio Lembo: Não, não e não. No Brasil não é, é baixo até perto de toda a América Latina. Eu acho que você é um pessimista, um cético...
[risos]
Paulo Markun: O senhor é um gozador, governador.
Cláudio Lembo: Não, eu sou realista.
[risos]
[Vídeo Narração Paulo Markun] São Paulo é gigante em números, são mais de quarenta milhões de habitantes, mais do que toda a Argentina. Possui o maior parque industrial do país, tem a maior produção econômica e registra uma grande diversidade de imigrantes nos 645 municípios. No começo do século passado, o café foi responsável por grande parte do progresso de São Paulo. Hoje, o estado produz desde insumos agrícolas a produtos de alta tecnologia. São Paulo é o maior pólo de desenvolvimento da América Latina e concentra cerca de 30% de todos os investimentos privados, realizados no Brasil. São Paulo é responsável por um terço do PIB agroindustrial e por 44% da produção brasileira de indústria de transformação. No setor automotivo, a indústria paulista responde por 70% da produção nacional, sendo o décimo quinto maior produtor mundial de veículos. São Paulo tem 34% das receitas geradas pelo comércio brasileiro. Dos mais dos 260 shoppings center existentes no país, 94 estão no estado. E a capital recebe o maior número de eventos de turismo de negócios. A tarefa do governador Cláudio Lembo é administrar, pelos próximos nove meses, o segundo maior orçamento do país, atrás apenas da União.
Paulo Markun: Governador, já seria uma batalha complicada administrar esse governo se não fossem as ações, as investigações abertas hoje no Ministério Público em relação à administração do governador Geraldo Alckmin? São cinco procedimentos, quatro foram abertos hoje, um na semana passada, um investigando a suposta irregularidade na doação de quatrocentas peças do estilista Rogério Figueiredo para a primeira dama Lú Alckmin [Mara Lúcia Alckmin]. Outra: se houve regularidade no patrocínio institucional de sessenta mil reais da CTEEP [Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista] para a revista Ch’an Tao da associação de medicina tradicional chinesa do Brasil [Refere-se ao pagamento de R$60,00 mil da empresa CTEEP a título de patrocínio institucional à revista Ch'an Tao, presidida pelo médico Jou Eel Jia, acupunturista do candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin]. Mas um, pela compra em duplicidade por parte da Nossa Caixa de quinhentos fornos a gás, por quatrocentos mil reais, para doação do programa de padarias artesanais. E finalmente o contrato para a informatização da Nossa Caixa. Não é muita coisa ao mesmo tempo para...
Cláudio Lembo: Escuta, vamos por etapas.
Paulo Markun: Claro.
Cláudio Lembo: Pega aí, por favor, para me ajudar...
Paulo Markun: [interrompendo] Começando pelos quatrocentos vestidos.
Cláudio Lembo: Você fez um rol bíblico, não é possível...
Paulo Markun: Quatrocentos vestidos, doados pelo estilista Rogério Figueiredo.
Cláudio Lembo: Quatrocentos vestidos, eu acho extremamente complexo, primeiro, ninguém sabe se são quatrocentos...
Paulo Markun: Segundo a declaração dele.
Cláudio Lembo: Criou-se uma mística dos quatrocentos... Tudo bem, quatrocentos...
Paulo Markun: Mas se fossem quatro também não era bom, não é?
Cláudio Lembo: Muito bem colocado. Isso é no Brasil, a dona Marisa, esposa do senhor presidente da República, a dona Lú, receberam eventualmente quatrocentos, cinqüenta, dez – não sei o número – vestidos para utilizar uma vez, no máximo. A esposa do presidente da França obrigatoriamente recebe de grandes modistas franceses, para poder exibir a moda francesa. A esposa do presidente dos Estados Unidos idem, para mostrar que os Estados Unidos, apesar do mau gosto típico da moda americana, também tem bons modistas. No Brasil, quando a esposa do presidente da República ou a esposa do governador quer mostrar o estilista brasileiro, é tudo pecador.
Denise Rothenburg: Mas a lei não permite, governador. No caso federal a lei não permite...
Cláudio Lembo: ...não permite, veja...
Denise Rothenburg: [interrompendo] Que qualquer pessoa receba acima de R$ 100,00.
Cláudio Lembo: Mais de R$ 100,00. Mas escuta, não é, na verdade, nenhuma doação é uma exibição. É para mostrar moda brasileira. Eu acho que às vezes nós saímos um pouco dos parâmetros razoáveis e ficamos todos loucos, é o trópico, o trópico de sol muito forte e a gente fica atrapalhado.
Alexandre Machado: O senhor vai indicar algum figurinista para a dona Renéa?
Cláudio Lembo: Não, a minha mulher é uma velhinha simpática, ela já não precisa disso, ela já disse aí para uma jornalista que ela compra na rua Rodrigo de Freitas. Tem um bom calceiro que custa R$ 30, R$40 para fazer a calça e barato. Então, ela não vai, por um motivo de etário, ela não quer, já passou o momento...
Denise Rothenburg: O senhor não vai lançar nenhum estilista de ternos? Enfim.
Cláudio Lembo: Eu também tenho o Rogério, na Peixoto Gomide, na Bela Vista, que até eu brinquei com uma jornalista. Disse que ele não faz roupas tortinhas, não, o tortinho sou eu, mas são bonzinhos, barato e tal. Não vamos fazer isso, mas por um motivo etário. Acho que uma jovem senhora, que queira exibir a moda brasileira, paulista brasileira, eu acho razoável, então, está se fazendo um cavalo de batalha por algo que não tem gravidade moral, ética profunda. Então vamos ver nos Estados Unidos, vamos ver na França e só o Brasil que é diferente.
Paulo Markun: Na minha não, do Ministério Público.
Cláudio Lembo: Do Ministério não, representação de um deputado ao Ministério Público.
Paulo Markun: Sim, mas foram abertas investigações dentro do Ministério.
Cláudio Lembo: Ótimo, mas é muito bom que isso... Vamos lá, segundo.
Paulo Markun: R$ 60 mil para a revista Ch'an Tao, que é presidida pelo médico Jou Eel Jia, acupunturista do governador Alckmin.
Cláudio Lembo: O ruim é o nome, mas olha aí, vamos lá, é difícil, não é? Mas vamos lá, é uma revista dirigida à medicina oriental, hoje medicina oriental, é um tabu. Eu sou ocidental, não quero saber de acupuntura etc, pessoalmente. Mas há quem admire, e quem ache importante, principalmente no combate à dor. O nosso Hospital das Clínicas, a nossa Faculdade de Medicina, de Pinheiros, hoje tem o instituto da dor...
Paulo Markun: Mas o governador é anestesista. Quer dizer, deve entender de combate à dor.
Cláudio Lembo: Não, mas ele usava a acupuntura desse senhor Jou. Então, é uma revista específica. Uma companhia, a companhia de transmissão fez um anúncio, R$ 60 mil nessa revista. Também qual o problema? Está se criando um monstro para nada. Terceira.
Paulo Markun: A investigação dos quatrocentos, quinhentos fornos a gás, comprados em duplicidade.
Cláudio Lembo: Ah, isso aí eu te explico. Esta, eu vou explicar. Houve uma especificação do... Eu pego para você [algo caiu no chão], posso andar aqui? Pode andar aqui, eu pego.
[risos]
Cláudio Lembo: Os quinhentos fornos... Não, porque a lista é tão grande que caiu.
Paulo Markun: Obrigado.
Cláudio Lembo: Os quinhentos fornos, o que aconteceu?
Paulo Markun: Não é lista, é a notícia da Folha Online.
Cláudio Lembo: É, eu li. Então, veja, o seguinte: esses quinhentos fornos foram feitos efetivamente com uma especificação equivocada. Porém, talvez seja predestinação, esses quinhentos fornos foram oferecidos pelas prefeituras de São Paulo para as cozinhas das prefeituras e foi um grande sucesso. A [Nossa] Caixa fez quinhentos fornos para que houvesse essa distribuição pelas prefeituras. O outro concorrente da Caixa, eu vou dizer o nome e fazer o comercial, o Banespa, Santander Banespa, deu mil fornos; então, eu também não vejo nada de grave. Em busca do correntista de pequeno poder aquisitivo. Existe uma idéia no Brasil de bancarizar toda gente, eu acho, então, os dois bancos, Santander Banespa e Nossa Caixa, que hoje é um banco de economia mista, com 28% de capital na Bolsa, vai ser fiscalizado pelo Conselho Fiscal que vai ter representante... Terá agora em abril, representante dos acionistas, tem a Bovespa fiscalizando, o Conselho Nacional de Valores Imobiliários fiscalizando. Não há problema nenhum, não existe malícia, ninguém ganhou nada. Foram quinhentos fornos que não serviam para a campanha da dona Lú...
Paulo Markun: [interrompendo] O senhor acha que isso é campanha, pura e simplesmente?
Cláudio Lembo: Não é campanha eleitoral nada, campanha de marketing do banco...
Paulo Markun: [interrompendo] Não, digamos, para se chamar esses assuntos, botar no jornal?
Cláudio Lembo: Acho que sim, aí eu já acho malícia, mas tudo bem, vai ficar claro que esses fornos foram bem aproveitados, estão nas prefeituras...
[sobreposição de vozes]
Cláudio Lembo: Ainda tem mais, tem mais.
Paulo Markun: Informatização da [Nossa] Caixa.
Cláudio Lembo: Aí é o seguinte: não tem nada de informatização da Caixa. Queriam terceirizar todos os equipamentos da Caixa. Houve duas companhias ingressadas, uma delas não faz terceirização e a outra faz. Tem uma que faz. Só isso. Também é absolutamente aberta e transparente uma administração...
José Nêumanne: Mas governador, ficando nesse campo ai do escândalo, e passando para o grande escândalo.
Cláudio Lembo: Não deu escândalo nenhum, [escândalo] na sua opinião.
José Nêumanne: Bom, passando para o campo do grande escândalo. O senhor leu a reportagem da Veja sobre o golpe sujo... A tentativa do Palocci [ministro da Fazenda do governo Lula até 2006, quando pediu afastamento do cargo após acusação de ter ordenado a violação de sigilo bancário de um ex-caseiro que o acusava de corrupção] de, quer dizer, a tentativa não...
Cláudio Lembo: Sim
José Nêumanne: A quebra do sigilo bancário, no caso dele.
Cláudio Lembo: Triste. Aí você está...
José Nêumanne: O senhor, como jurista...
Cláudio Lembo: Jurista e como cidadão.
José Nêumanne: E como advogado, como o senhor vê a atuação do ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos e dos seus assessores, o chefe do gabinete e o secretário de Direito Econômico nesse episódio lamentável da política brasileira? Qual é a sua opinião a respeito disso?
Cláudio Lembo: Eu acho que nós temos que dividir duas coisas, primeiro, eu não sei se o ministro está envolvido ou não. Espero que não esteja. Admiro muito o ministro como figura humana, como um bom jurista, como um advogado criminalista. Agora, esses dois senhores, o que estavam fazendo na casa do doutor Palocci? E, ao mesmo tempo recolhendo um extrato, extraído ilegalmente? É um absurdo, aí sim, aí você tem uma violência contra os direitos humanos. Contra a intimidade, contra a preservação da intimidade. É gravíssimo. Isso é escândalo, é mais que escândalo, isso é uma violência contra o seu direito, contra o meu direito. Você está de acordo?
José Nêumanne: Sim, completamente de acordo. O senhor leu a reportagem toda?
Cláudio Lembo: Li!
José Nêumanne: O senhor viu toda a ação do ministro da Justiça, que ficou meio confuso ali. Eu gostaria que o senhor me esclarecesse, o que o senhor acha? Se o ministro da Justiça agiu bem em te dizer primeiro que o Palocci...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Escuta, eu acho que, em primeiro lugar, o ministro da Justiça agiu mal por ter dois servidores de sua confiança, que participaram de algo que é ilícito...
José Nêumanne: E continuam sendo assessores dele ainda. Eles não foram demitidos...
Cláudio Lembo: Que é gravíssimo.
[...] Será que ele sabia que os dois assessores estavam lá?
Cláudio Lembo: Isso é um ponto. Ele escolheu mal os assessores, porque os assessores participaram...
Denise Rothenburg: Agora, os assessores disseram que não viram o extrato, e não tiveram conhecimento do extrato no dia.
[...] Foram fazer o que lá?
Cláudio Lembo: Pois é, e o que foram fazer na casa do ministro no momento em que estava sendo entregue ao presidente uma caixa um documento...
[sobreposição de vozes]
Cláudio Lembo: Isto já é presenciar um crime, tinha que comunicar a autoridade policial. É grave.
Alexandre Machado: E o senhor considera que o presidente da República, diante do conhecimento do fato, deveria ter tomado uma posição também...
Cláudio Lembo: Claro.
Alexandre Machado: E que isso eventualmente pode significar...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Olha, tem uma figura que eu tenho muito respeito, que foi muito até objeto de ironias, porém, é uma grande figura, Itamar Franco [vice-presidente de Fernando Collor de Mello, após a renúncia deste para fugir do impeachment, passou a ser presidente do Brasil, entre 1992 e 1994] . Quando Itamar afastou o Henrique Hargreaves [Ministro Chefe da Casa Civil entre 1992 e 1993, retornando ao cargo em fevereiro de 1994], que era seu chefe da Casa Civil foi um dos melhores exemplos que esse país já teve de dignidade no trato da coisa pública. Tem alguma suspeita, afasta. Malandro não pode ficar em governo. Se não for malandro volta e, então, será recebido com honras, com grandes honras, com homenagens. Mas no momento em que existe uma suspeita forte, afasta. Eu afasto qualquer dos meus companheiros de trabalho que, eventualmente, estejam envolvidos em algo que seja complexo. Eu acho que no presidencialismo, o governador, o presidente da República tem que assumir responsabilidades de suas funções e do seu cargo.
Denise Rothenburg: Agora, governador, tem uma coisa nessa questão... Desse caso do Palocci e outros mais que já apareceram aí, ao longo desses últimos meses [estão se referindo a uma série de denúncias de corrupção ocorridas durante o primeiro mandato do governo Lula (2002-2005) conhecidas como mensalão] O PFL tem buscado um veio para tentar pedir o impeachment do presidente Lula. O senhor apóia?
Cláudio Lembo: Não, não. Nós sempre evitamos o impeachment do presidente Lula. Nós achamos que o impeachment...
Denise Rothenburg: Não, mas agora voltaram a falar nesse assunto, assim, muito em conversas reservadas...
Cláudio Lembo: Não, o PFL sempre se colocou contra o impeachment. Não... Houve um jornalista que apresentou e redigiu um texto excepcional. O jornalista Boris Casoy, no jornal Folha de S.Paulo, em que fez um artigo suportável em uma série de fundamentos e terminava pedindo o impeachment. Partindo desse artigo, algumas pessoas imaginavam o efetivo impeachment do presidente da República, mas não passou pelo PFL isso.
Denise Rothenburg: Mas o senhor apóia?
Cláudio Lembo: Não. Eu acho que o impeachment será dia primeiro de outubro. Você fará o impeachment, eu vou fazer o impeachment...
Denise Rothenburg: Como assim?
Cláudio Lembo: Popular. Na eleição.
Ricardo Gandour: Governador, é inevitável comparar, agora, seu discurso com o ocupante do poder executivo, uma certa relativização que o senhor fez dos problemas de São Paulo...
Cláudio Lembo: Eu deixei claro o que era.
Ricardo Gandour: Com a natureza da sua produção acadêmica, por exemplo, recentemente o senhor escreveu um artigo dizendo...
Cláudio Lembo: Então, vamos lá. Eu escrevia no Diário de São Paulo e por isso ele vendeu todos, porque antes de publicar, ele lia.
Ricardo Gandour: “O governante não pode quebrar a sua própria palavra”.
Cláudio Lembo: É verdade.
Ricardo Gandour: Em outubro do ano passado. Como o senhor viu esse cenário recente do Serra pensando ou não e finalmente saindo para o governo do estado. E, agora, na articulação que vai ser feita com a prefeitura?
Cláudio Lembo: Bem perguntado. Veja, o prefeito Serra tinha escrito uma carta... É isso que você quer colocar também para o telespectador. Ele escreveu uma carta dizendo que ficaria na prefeitura. Na política, as circunstâncias se alteram, principalmente as circunstâncias eleitorais. O Serra, em primeiro lugar, passou a ter uma total confiança no seu vice-prefeito, Gilberto Kassab, confiança total. O Gilberto Kassab é um jovem politécnico, economista, que tem qualidades. [Serra] percebeu [isso] depois de um ano de convívio. E percebeu também que é necessário preservar São Paulo e manter São Paulo com um governo qualificado, tecnicamente qualificado. Vai ser ótimo. Vamos ter a União, vamos ter o estado e vamos ter a prefeitura. Os três integrados vão tirar a área mais deprimida do Brasil, que é em torno de São Paulo, grande São Paulo, dessa tragédia humana que está aí. Eu tenho convicção que foi um bom ato. Ele não rompeu a palavra. Ele simplesmente quis agregar valor aquilo que já existe. Ficar com São Paulo, Brasil e a prefeitura para melhorá-los.
Denise Rothenburg: Mas por que ele não disse lá atrás que as circunstâncias políticas podiam se alterar e ele, portanto, não assinaria aquela carta?
Cláudio Lembo: Ele, naquele momento, certamente, imaginava que seria positivo ficar os quatro anos na prefeitura. Eu gostaria o Serra para quatro anos e mais quatro na prefeitura, é um grande administrador.
Denise Rothenburg: Ou ele só assinou porque naquela época não tinha essas denúncias todas contra o governo e o presidente Lula era tido como...
Cláudio Lembo: Não, eu não diria isso. Eu acho que naquele momento, ele tinha consciência da importância de se permanecer o período todo. Hoje, conhecendo melhor o seu vice, ele tem confiança de fazer com que São Paulo tenha um bom prefeito. E ao mesmo tempo, um bom governador.
[sobreposição de vozes]
Alexandre Machado: [interrompendo] Governador, há no Congresso uma proposta no sentido de acabar com a figura do vice, vice-presidente, vice-governador, vice-prefeito. O senhor é um governador que chega com toda legitimidade, porque o senhor está dentro do jogo proposto e das regras vigentes. O que o senhor acha disso? Não seria uma coisa prudente?
Cláudio Lembo: Eu daria mais funções ao vice. Você sabe que o vice só recebe funções delegadas pelo governador ou pelo presidente da República. Ele tem que exercer aquela função delegada especificamente, aquela ação, aquela atividade. Eu faria um pouco mais, eu o transformaria [em] um membro do Congresso, como nos Estados Unidos, para poder ser um líder-coordenador etc.
Alexandre Machado: Mas não é uma função um pouco antiquada? Já que as telecomunicações avançaram, não há aquela situação do sujeito que viajava, ia de navio embora, tinha que ter um vice...
Cláudio Lembo: Aí é diferente. Bom, eu acho que o vice também é um bom cargo, desde que haja funções delegadas expressamente para formar quadros políticos. Eu acho bom para formar quadros políticos, sabe? Um minuto só, porque esse senhor está me agredindo...
[risos]
Cláudio Lembo: O grande problema é o seguinte: o que falta no Brasil, em função da ausência de continuidade democrática é formação de quadros políticos. É tragédia, você veja, eu não deveria estar mais aqui. Deveria estar um jovem aqui como o próprio Kassab. Temos que formar quadros, formar quadros demora. É um longo caminho.
José Márcio Mendonça: Agora, governador, quanto à reeleição e o compromisso, pelo menos é o que se diz, do candidato Alckmin abrir mão da reeleição para não se complicar com o Aécio Neves e com o próprio José Serra. O que o senhor diz disso?
Cláudio Lembo: Eu vi tudo isso também, podem ser as circunstâncias políticas. Sou totalmente contra a reeleição. É uma fragilidade o sistema político norte-americano, quando ele ainda permitia muitas reeleições, agora é uma só, e aqui com uma só é mal. Acho que deveria ser um único mandato de cinco anos.
Carlos Marchi: Governador, eu queria falar um pouquinho de intolerância. Eu lembrei do senhor hoje quando eu vi uma foto de um grupo de pessoas invadindo um prédio público em Belo Horizonte, quebrando vidraças e tal. Tinha um sujeito arremessando um cinzeiro contra uma vidraça, porque ali se dava uma reunião do BID, Banco Interamericano para o Desenvolvimento, é um entidade que supostamente promove desenvolvimento...
Cláudio Lembo: [interrompendo] Não tem nada a ver, é um banco.
Carlos Marchi: ...nos países americanos. E eu lembrei que, em 2002, quando o senhor foi nomeado secretário de Justiça do governador Alckmin, 66 ONGs entregam um manifesto contra a sua nomeação, porque o senhor teria sido da Arena...
Cláudio Lembo: Eu me lembro bem disso.
Carlos Marchi: Bem, da Arena foram Teotônio Vilela, Severo Gomes, José Sarney e outros. Como o senhor vê esse mundo de intolerância e essa coisa? Como o senhor espera governar este país? O senhor acha que a campanha eleitoral vai radicalizar essa violência?
Cláudio Lembo: Não, não acredito.
Carlos Marchi: Como o senhor explica essa violência de um sujeito quebrar um prédio público, porque ali se realiza uma reunião do BID. O senhor não acha que o MST [Movimento Sem Terra] não está exacerbado demais nesse momento?
Cláudio Lembo: Eu acho que o MST é uma bandeira positiva, no sentido de que é preciso fazer sim uma reforma agrária racional no país. Porém, eu acho que por vezes, ele se transforma no movimento negativo para si próprio. Ou seja, para o próprio MST. O problema do Rio Grande do Sul, problema em Belo Horizonte é mal, quem se desgasta é o próprio MST, porque a sociedade, que é equilibrada, fica contra ele.
Paulo Markun: Governador, pergunta de Ives Gandra Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie, vamos ver.
[vídeo Ives Gandra Martins]: Boa noite, governador, como seu colega de turma e companheiro da Universidade Mackenzie e, no momento, exercendo a presidência da Academia Paulista de Letras, da qual vossa excelência é o presidente de honra, eu pergunto em nome da Casa de Cultura de São Paulo, que é a academia, o que o governador pretende fazer nesses nove meses pela cultura do estado?
Cláudio Lembo: Prosseguir o que você me solicitou e foi feito pelo governador Geraldo Alckmin: publicações na Academia Paulista de Letras; buscar as raízes paulistas que foram muito esquecidas nesses últimos tempos; e fazer com que a gente possa evoluir, tendo uma cultura nacional brasileira e paulista, particularmente aqui no nosso estado.
Paulo Markun: Do ponto de vista da gestão da Secretaria da Cultura, o senhor acha que muda alguma coisa?
Cláudio Lembo: Não. Eu acho que nós temos um grande secretário [João Batista de Andrade, cineasta, dirigiu O homem que virou suco (1980)], um homem que vem de militância política, um grande homem do cinema, ele está com boas idéias e, particularmente, teve uma grande vitória que foi aquele fundo do cinema, que é uma coisa notável. Levou um dinheiro do orçamento excessivo, eu vou te cortar um pouco... Ele está ouvindo, ele queria falar comigo amanhã, ele já fica nervoso hoje.
[risos]
Cláudio Lembo: Mas de qualquer maneira, o João Batista é um homem notável, está indo muito bem, e eu estou muito contente com o João Batista, como também estava o governador Geraldo Alckmin.
[vídeo Narração Paulo Markun] Político de atuação discreta, Cláudio Lembo sempre trabalhou nos bastidores e esteve ligado às personalidades importantes do cenário nacional. A começar pelo banqueiro Olavo Setúbal que, ao ser prefeito de São Paulo, iniciou Cláudio Lembo na política. Em seus mais de trinta anos de carreira, Lembo participou de poucas eleições. De estilo discreto, criou marca de articulador e negociador, o que sempre o manteve próximo dos políticos mais conhecidos. Afastado dos holofotes, Cláudio Lembo ocupou cargos de confiança em secretarias, entre 1986 e 88, chegou a assumir a prefeitura, quando ocupava o cargo de secretário dos Negócios Jurídicos na gestão Jânio Quadros. E, entre 1993 e 96, foi secretário de Planejamento do ex-prefeito Paulo Maluf. Ganhou dimensão nacional em 1989, ao compor a chapa à Presidência da República como vice de Aureliano Chaves. Lembo também foi assessor especial do vice-presidente Marco Maciel no governo Fernando Henrique Cardoso. E em 2002, estava ao lado de Geraldo Alckmin como vice, quando o tucano se elegeu governador de São Paulo.
Paulo Markun: Governador, o que o senhor aprendeu com Olavo Setúbal, o Jânio Quadros, Paulo Maluf?
Cláudio Lembo: Com o Setúbal, racionalidade; com o Jânio, uma incrível capacidade de criar fatos e uma intuição notável, uma coisa assim, excepcional. E com o Paulo Maluf, eu tive pouco aprendizado.
[risos]
José Márcio Mendonça: Governador, lembrando o seu passado, de um homem ligado a banco, qual a sua opinião sobre a política de juros?
Cláudio Lembo: Eu acho complexa, eu acho que o governo...
José Márcio Mendonça: Complexa ou...
Cláudio Lembo: ...onerosa. Extremamente onerosa. Eu disse, em um determinado momento, que faltou imaginação no governo atual para trabalhar a economia brasileira. A nossa economia não pode ser na ortodoxia do Fundo Monetário e na ortodoxia dos manuais de Chicago. Nós temos que ter um pouco de flexibilidade local, a Argentina teve muito mais que o Brasil, eu acho que nisso nós erramos e o produto desse erro é o pífio desenvolvimento do Brasil, do PIB brasileiro, 2,5%, nada.
José Nêumanne: Mas, vocês da oposição precisam aprender o seguinte: que esse negócio de deixar o Lula ir até à eleição, o Lula tem uma receita perfeita, ele tem o apoio dos banqueiros. Porque as cinco maiores instituições bancárias no Brasil faturaram 25% a mais nos três anos de Lula do que nos oito de Fernando Henrique; e o povão lá em baixo, vai ser difícil bater o Lula na eleição.
Cláudio Lembo: Não, não vai ser não. Eu acho que o bom senso sempre vence. E nós vamos vencer o Lula, não lá em cima, e os banqueiros ficaram sempre no melhor grupo. Mas lá em baixo, o povão percebe as coisas com muita sensibilidade.
José Márcio Mendonça: O senhor não veio desse mundo dos banqueiros? Por que o senhor faz esse tipo de crítica?
Cláudio Lembo: Eu sou um miserável advogado com todos os meus problemas. Não fui eu quem recebeu a mais-valia, eu só fiz, eu só trabalhei.
Alexandre Machado: Governador, eu outro dia assisti uma palestra do ex-presidente Fernando Henrique e ele não estava falando de questões partidárias e nem política, mas ele estava falando um pouco sobre o Brasil, sobre a necessidade de criação de idéias convergentes, de idéias que entusiasmassem o país. E ele falava sobre a escola pública e dizia que houve um grande avanço na escola pública brasileira, porque socializou a oferta de vagas, pelo menos na escola fundamental, mas que ele acha que nessa caminhada a escola pública perdeu a alma. Ele disse que era uma expressão um pouco, talvez arriscada usar, mas ele acha que nós deveríamos nos aprimorar na busca da alma da escola pública, de pensar como deve ser... Reinventar a escola pública no Brasil.
Cláudio Lembo: Muito bem, vamos lá.
Alexandre Machado: O senhor vai empossar amanhã a professora Maria Lúcia Vasconcelos.
Cláudio Lembo: Já foi.
Alexandre Machado: Foi hoje?
Cláudio Lembo: Tomou posse sábado. Hoje foi a transferência do cargo.
Alexandre Machado: Isso. E o senhor tem idéias específicas, sobre o que fazer na área de educação?
Cláudio Lembo: Em primeiro lugar, eu quero fazer uma contestação ao nosso presidente Fernando Henrique Cardoso, eu acho que a escola pública não perdeu a alma não, continua com a sua alma. O que acontece é que ele vê a escola pública dos tempos de Araraquara, onde havia professora, que era a grande figura da cidade e uma minoria branca na escola. Hoje, nós temos a escolarização democratizada, todas as etnias estão presentes na escola, portanto a escola continua com a sua mesma alma de sempre, o que ela é hoje é democratizada e não elitizada, só as famílias dos grupos sociais...
Alexandre Machado: Mas o senhor me permite, então eu não devo ter transmitido [a idéia] corretamente. Permite que, justamente na ampliação da escola pública, na oferta de vagas, houve uma perda de substância...
Cláudio Lembo: Perdeu a alma.
Cláudio Lembo: Ela não perdeu substância, ela ganhou substância, ela se tornou universal. Primeiro era de seguimento...
Paulo Markun: Mas piorou muito, não é?
Cláudio Lembo: Piorou.
Paulo Markun: Indiscutivelmente. Eu só estudei em escola pública, nas melhores de São Paulo.
Cláudio Lembo: Sim, mas você era a minoria, aquela minoria que tinha...
Paulo Markun: [interrompendo] Filho de bancário com dona de casa. Pode ser minoria, mas é baixa classe média.
Cláudio Lembo: É, de qualquer maneira era melhor do que a grande sociedade brasileira, que veio desde 1888 num regime escravagista, uma coisa horrível...
Paulo Markun: Quem vivia no campo, não tinha nem escola.
Cláudio Lembo: E essa busca da integração da sociedade na escola, escola plena, escola integral, vai ter essa alma que o nosso presidente acha que perdeu. Às vezes a gente perde a alma e acha que os outros perderam.
Paulo Markun: O senhor acha que a educação continuada [na verdade, refere-se à progressão continuada, sistema em que o aluno é avaliado continuamente, sem a repetência em séries anuais, como no sistema anterior], por exemplo, garante a alma da escola? Essas coisas de passar as crianças de ano?
Cláudio Lembo: Eu acho que sim, cria a alma da nacionalidade e de todos os extratos sociais. A alma permanece...
Alexandre Machado: [interrompendo] Governador.
Cláudio Lembo: Ela pode, às vezes, ser mais vibrante...
Alexandre Machado: [interrompendo] Quer dizer, o senhor não prioriza... Governador, o senhor não prioriza nenhuma ação específica, no sentido de melhorar a qualidade da escola pública?
Cláudio Lembo: Não, meu filho. Têm um processo todo de reciclagem contínua das professoras, as professoras das escolas públicas...
Alexandre Machado: [interrompendo] Que já é suficiente...
Cláudio Lembo: Não, calma.
[risos]
Cláudio Lembo: Eu acho que não é o suficiente, mas é bastante. Nossas professoras vão à Espanha, nossas professoras vão aos Estados Unidos, nossos professores têm reciclagem em todas as férias. É a busca da alma, até de uma alma que mais ampla internacional. As nossas escolas abrem aos sábados e domingos para a família estar integrada com a escola, é a alma da escola. As nossas escolas buscam a internet, a integração internacional da juventude de baixa renda. A alma da escola é frase, a escola está aí, com alma e vibrando.
José Nêumanne: E a educação continuada [novamente a referência parece ser à progressão continuada] está garantindo o analfabetismo consagrado como grande sucesso, não é?
Cláudio Lembo: Não é verdade. Você é um crítico mordaz de tudo, você tem que ter uma alma também mais humana, ver que o ser humano...
[risos]
José Nêumanne: Precisa ser visto com bons olhos.
Denise Rothenburg: [interrompendo] Governador, já que o senhor está falando tanto de escola...
Cláudio Lembo: Fala, Denise.
Denise Rothenburg: O senhor falou o que o senhor aprendeu com os políticos com que o senhor conviveu...
Cláudio Lembo: Sim, sempre se aprende, o diálogo sempre foi o meu complemento.
Denise Rothenburg: O que o senhor tem a ensinar para os novos?
Cláudio Lembo: Como?
Denise Rothenburg: Qual é a principal lição que o senhor daria aos políticos que estão começando aí, agora?
Cláudio Lembo: Primeiro, você ter sempre um código ético, tenha um código ético, faça desse código ético um orientador da sua vida. Isso serve para todos, políticos e não políticos. Depois, ser persistente, ter coragem, ser afirmativo, mesmo nos momentos difíceis e nunca desistir nessa persistência. Continuar sempre lutando porque, eventualmente, você atinge os seus objetivos. Mas aí é próprio do caminho da vida.
Ricardo Gandour: Governador, o mais recente exame da Ordem dos Advogados [OAB] foi o segundo pior resultado da história do exame, não é? Com um pouco mais de 11% de aprovação. Uma pergunta para o professor de direito: como o senhor vê o direito no país com esse tipo de desempenho?
Cláudio Lembo: Escuta, é outro grande equívoco. Advogado é operador do direito, o juiz, o advogado, o membro do Ministério Público, são operadores do direito. Esses têm que ser extremamente qualificados. Isso até, eu sou muito defensor e intransigente no exame de ordem, o exame de ingresso na magistratura, no Ministério Público. Mas você pode ser bacharel em direito, ter uma meia cultura, um pouco de cultura, um avanço de cultura num curso de direito. Portanto, eu não vejo nenhuma catástrofe, eu vejo que, alguns, estão efetivamente qualificados para serem operadores do direito e os outros vão ter uma cultura e um estudo do direito permite [isso]. Portanto não é nenhuma catástrofe.
Ricardo Gandour: Estatístico?
Cláudio Lembo: Não é que é estatístico, todos estão vocacionados, mas todos estão vocacionados a aprender e a ter uma cultura humanística; e o direito, o curso de ciências sociais, dá essa visão humanística. Agora, advogado, juiz ou promotor, eventualmente são aqueles, mais dirigidos para essa soluções, aí...
Denise Rothenburg: [interrompendo] Mas não houve uma queda nos cursos?
Cláudio Lembo: Claro que caíram, não é que eles caíram de qualidade, é a velha história da minoria branca. Quando havia o Largo de São Francisco, os quatrocentões da escola, as grandes famílias tradicionais brasileiras, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco era uma escola, eram os únicos, não havia concurso para nada, porque quem nomeava era o governador, bons tempos por sinal, governador nomeava todos os amigos, era o promotor, o delegado, o juiz, era tudo nomeado pelo governador. A sociedade avançou e tornou suas instituições mais sólidas, mais rígidas por concurso, tudo é concursado, a não ser no governo federal, que todo mundo entra por comissionamento, o resto é concurso. Então, veja, melhorou a vida institucional brasileira, agora, como abriu um leque imenso de escolas de direito, caiu a qualidade das más escolas de direito, são muitas, nem sei o número no estado de São Paulo, mas as grandes escolas, que eu prefiro não citar, [para] não fazer nenhuma injustiça, essas fazem um bom operador do direito e é elas que devem fazer mesmo.
Paulo Markun: Nosso tempo está acabando, última pergunta que eu faço é de Ruy Brito Chinelato de São Paulo, que pergunta o seguinte: o senhor não viu nada de bom no governo do Lula, e quanto ao governo Fernando Henrique Cardoso? Só teve coisas boas?
Cláudio Lembo: Não, também teve momentos difíceis no governo Fernando Henrique, mas nunca houve essa desgraça moral que nós estamos vivendo neste momento no Brasil. O governo Fernando Henrique sempre teve um traço moral definido e qualificado. E agora, infelizmente, nós estamos no lodaçal ético, como nunca foi visto no Brasil.
Paulo Markun: Professor, o que o senhor imagina ao final dos nove meses de governo que o senhor possa dizer em relação a essa passagem pelo governo do estado?
Cláudio Lembo: Trabalhei, fiz o possível e espero ter sido útil a São Paulo.
Paulo Markun: Governador, muito obrigado pela sua entrevista, agradeço aos nossos entrevistadores e a você que está em casa, e nós voltaremos na próxima segunda-feira com mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda.